Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

download Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

of 11

Transcript of Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

  • 8/9/2019 Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

    1/11

  • 8/9/2019 Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

    2/11

    52 Desafios culturais da comunicao a educao

    Parao Ministrio das Comunicaes- omexceo do esforado e desvalorizado trabalho daDiviso de Comunicao Social-a cultura pare-ce no ter nada que ver com o desenvolvimentotecnolgico dos meios; o que, no caso, importa adiviso poltica e economicamente adequada daspermisses de transmisso.Omesmo acontece emrelao educao: que pode ter a ver oavanadssimo e riqussimo mundo das telecomu-nicaes com a nossa atrasada e pauprrima edu-cao? No obstante, o que o pas est jogandoa,na ausncia de polticas conjuntas de CulturalCo-municao/Educao, sua prpria viabilidadecomo nao, tanto poltica quanto cultural, tantosocial quanto laboral,j que tudo isso passa pelanecessidade de que o ecossistemacomunicacionalse articule e se organize com as dinmicas da cul-tura e da educao. Isso, porm, no possvel apartir de polticas governamentais que soconjunturais e imediatistas; o que se necessita sopolticas de Estado de longo alcance. Dentre osmltiplos desafios que verdadeiras polticas deEs-tado carregam consigo, num campo de tal enver-gadura, vou referir-me apenas a uma, configuradapelos desafios culturais apresentados pela comu-nicao para a educao. Para prevenir contra asdecepes, aviso que no segmento deste artigo nose devem esperar frmulas polticas, pois a nicamaneira de escapar acumulao conjuntural efragmentria de diagnsticos est em arriscar-se aformular problemas.

    DESENCONTRO DAEDUCAO COM O PASComecemos pelo princpio: antes de fa-lar do papel dos meios de difuso na escola, oude como introduzir cultura e educao nessesmeios, vamos ter a coragem de colocar o pro-blema fundamental: o que que tem de mudarno sistema educacional- do Ministrio s fa-culdades de educao, do ensino fundamental

    at a universidade- para que a escola se comu-nique com o pas? Ou, de outro modo: o quetem de mudar no sistema educativo para queeste possa incumbir-se de mostrar o que a Co-lmbia est vivendo e sofrendo, produzindo ecriando; para que a escola possibilite s crian-as e aos jovens uma compreenso do seu pasque os capacite para ajudar a mud-lo?

    Contrariamente aos que vem nosmeios de comunicao e na tecnologia deinformao uma das causas do desastremoral e cultural do pas, ou seu oposto,uma espcie de panacbia, de soluo mgi-ca para os problemas da educao, sou dosque pensam que nada pode prejudicarmais a educao que nela introduzir mo-dernizaes tecnolgicas sem antes mudaro modelo de comunicao que est por de-baixo do sistema escolar.

    O modelo predominante vertical, au-toritrio na relao professor-aluno e linear-mente sequencial no aprendizado. Introduzirnesse modelo meios e tecologias moder-nizantes reforar ainda mais os obstculosque a escola tem para se inserir na complexa edesconcertante realidade de nossa sociedade.Ao colocar como ponto de partida as mudanasque so necessrias escola para que ela possainteragir com o pas e no simplesmente para autilizao dos meios de comunicao, estouenfrentando um mal-entendido que o sistemaescolar no parece interessado em desfazer: aobstinada crena de que os problemas da esco-la podem ser solucionados sem que se transfor-me o seu modelo comunicativo-pedaggico, sto, com uma simples ajuda de tipo teconolgico.E isso um auto-engano. Enquanto permane-cer a verticalidade na relao docente e asequencialidade no modelo pedaggico, no

  • 8/9/2019 Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

    3/11

    >omunicao& Educao, So Paulo, [ 181: 5 1 a 61, maiolago. 2000 53

    haver tecnologia capaz de tirar a escola do formao e pela automatizao dos processos.autismo em que vive. Por isso, indispensvel Tambm no campo poltico, como tempartir dos problemas de comunicao antes de sido demonstrado pelo Processo 8.0003, asfalar sobre os meios. coisas esto mudando de forma muito maisPAPEL DA INFORMAOE DO CONHECIMENTO

    Falar de comunicao significa, em pri-meiro lugar, reconhecer que estamos numasociedade em que o conhecimento e a infor-mao tm tido um papel fundamental, tantonos processos de desenvolvimento econmi-co quanto nos processos de democratizaopoltica e social.

    A informao e o conhecimento sohoje o eixo central do desenvolvimento so-cial, e isso ainda mais nos pases do chama-do Terceiro Mundo, em pases como a Co-Ii>mbia,nos quais uma industrializaopre-cria no impede que estejamos entrandonuma sociedade cuja competitividade pro-dutiva depende mais da informao e do co-nhecimento do que das mquinas, mais dainteligncia do que da fora.Isso est implicando uma transforma-

    o profunda das condies de trabalho, tantonas indstrias de ponta como na automobils-tica, ou mesmo em indstrias to antigas comoa indstria txtil. As funes cumpridas pelosoperrios neste tipo de indstria esto mudan-do radicalmente: da relao entre a fora damo-de-obra com a energia produzida pelasmquinas estamos passando a um novo tipode relao, mediada, cada vez mais, pela in-

    acelerada do que supem os politiclogosdeste pas, cuja imensa maioria tem desco-nhecido a trama comunicativa da poltica erelegado a ao dos meios televisivos a umafuno puramente instrumental. Entre outrascoisas, o Processo 8.000 tem servido para queo pas comece a perceber que a informao ea visibilidade tm hoje um papel constitutivo,tanto na formao do discurso poltico (queno s o discurso dos polticos) como naprpria ao poltica. Isso quer dizer que ainformao passou a ter um papel to estra-tgico na poltica que, sem ela, dificilmenteteria sido possvel desenvolver-se um julga-mento da corrupo dos polticos e da polti-ca. Papel fundamental tanto por seus aspectospositivos quanto negativos, tais como a trans-formao de jornalistas em juzes que abusamdo poder da informao para condenar ou ab-solver, prejudicando, s vezes irreparavel-mente, as pessoas e o pas.Mas preciso reconhecer igualmenteque sem essa informao - s vezes mal-usa-da - no teria existido o Processo 8.000. Por-tanto, o ponto de partida para se pensar as re-laes da educao com a comunicao estaqui: na centralidade que o conhecimento e ainformao tm ainda em pases como o nos-so, nos quais existem outras necessidades es-truturais, que consideramos bsicas, como asda moradia e sade para as maiorias. Essa atrgica peculiaridade desses pases, que soatravessados pelas transformaes da comu-nicao e da informao enquanto a divisosocial cresce e a precria classe mdia sofreuma forte crise, tudo isso afetando seu sistema

    3. O Processo 8.000 foi o processo no qual a Fiscalia General de Ia Nacin (Procuradoria Geral da Nao) investigou o presidenteSamper e outros polticos do Partido Liberal que receberam dinheiro do cartel de narcotraficantes de Cali para a eleio presiden-cial. O Processo durou dois anos e culminou com a priso de grande nmero de polticos do PL. (N.Ed.)

  • 8/9/2019 Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

    4/11

    54 Desafios culturais da comunicao a educao

    produtivo, poltico e educativo.Desgraadamente, algumas dessas trans-formaes vieram aumentar a brecha entre pa-ses ricos e pases pobres, e entre pobres e ricosde um mesmo pas, no s no que diz respeito abens materiais como a bens simblicos.

    H uma grande diferena entre as pes-soas que podem estar conectadas com a Inter-net, beneficiando-se de uma grande quantida-de de informaes, de experimentao, deconhecimentos ou experincias estticas e aimensa maioria excluda, desligada desse mun-do de bens e experincias. Mas, no podemospermitir que nos baste a constatao e o la-mento. Precisamos compreender como essamesma sociedade dividida est sendo trans-formada pela centralidade das tecnologias edos sistemas de comunicao.

    ECOSSISTEMA COMUNICATIVOPara enfrentar esse desafio, devemosestar conscientes de dois tipos de dinmica quemovem as mudanas na sociedade de quefalamos. Num primeiro movimento, o queaparece como estratgico, mais do que ainterveno de cada meio, a apario de umecossistema comunicativo, que est setransformando em alguma coisa to vital como

    o ecossistema verde, ambiental.A primeira manifestao e materializa-o do ecossistema comunicativo a relaocom as novas tecnologias - desde o carto quesubstitui ou d acesso ao dinheiro, at as gran-des avenidas da Intemet - com sensibilidadesnovas, muito mais claramente visveis entre osmais jovens. Eles tm maior empatia cognitivae expressiva com as tecnologias e com os no-vos modos de perceber o espao e o tempo, a

    velocidade e a lentido, o prximo e o distante.Trata-se de uma experincia cultural nova, ou,como chamou Walter Benjamin, um sensorium

    novo. Novos modos de perceber e de sentir; umanova sensibilidade que, em muitos aspectos, sechoca e rompe com o sensorium dos adultos.Um bom campo de experimentao des-sas mudanas e de sua capacidade de distan-

    ciar os jovens de seus prprios pais est navelocidade e na sonoridade. No apenas na ve-locidade dos automveis, mas tambm na dasimagens, na velocidade do discurso televisivo,especialmente na publicidade e nos videoclipese na velocidade dos relatos audiovisuais. Omesmo acontece com a sonoridade, a maneiracomo os jovens se movem entre as novas so-noridades: essas novas articulaes sonorasque, para a maioria dos adultos, marcam a fron-teira entre a msica e o rudo, so, para os jo-vens, o comeo de sua experincia musical.Uma segunda dinmica, que faz partedesse novo ecossistema no qual vivemos, e que a dinmica da comunicao, liga-se ao m-bito dos grandes meios, ultrapassando-os po-rm. Ela se concretiza com o surgimento deum ambiente educacional difuso e descentrado,no qual estamos imersos. Um ambiente de in-formao e de conhecimentos mltiplos, no-centrado em relao ao sistema educativo queainda nos rege e que tem muito claros seus doiscentros: a escola e o livro.

    As sociedades centralizaram sempreo saber, porque o saber foi sempre fonte depoder, desde os sacerdotes egpcios aos mon-ges medievais ou, atualmente, aos assesso-res dos polticos. Dos mosteiros medievaiss escolas de hoje, o saber conservou esseduplo carter de ser, ao mesmo tempo, cen-tralizado e personificado em figuras sociaisdeterminadas.

    A essa centralizao, que implicava acircunscrio do saber a alguns lugares por onde

  • 8/9/2019 Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

    5/11

    Comunicao& Educao, So Paulo, [181:51 a 6 1,maiolago. 2000

    circulava legitimamente, correspondiam persona-gens que detinham o saber, tal como os sacerdo-tes, at a reforma protestante, que ostentavam opoder de ser os nicos com capacidade para ler einterpretar o livro dos livros, a Bblia.Ns, pessoas que temos uma certa ida-de, passamos a maioria da nossa vida juntoa uma igreja que falava latim, no s lings-tica mas ideologicamente, isto , que usavaum discurso que tinha muito pouco a ver como mundo das gentes e da cultura da cidade.Vem da que uma transformao nos modosde circulao do saber uma das mais pro-fundas transformaes que pode sofrer umasociedade. E a que se situa a segunda di-nmica que configura o ecossistema comu-nicativo no qual estamos imersos: o saber disperso e fragmentado e pode circular forados lugares sagrados nos quais antes estavacircunscrito e longe das figuras sociais queantes o administravam.

    A escola deixou de ser o nico lugarde legitimao do saber, pois existe umamultiplicidade de saberes que circulam poroutros canais, difusos e descentralizados.Essa diversificao e difuso do saber, forada escola, um dos desafios mais fortes queo mundo da comunicao apresenta ao sis-tema educacional.

    Diante do professor que sabe recitarmuito bem sua lio, hoje, senta-se um alunadoque, por osmose com o meio-ambiente comu-nicativo, est embebido de outras linguagens,saberes e escrituras que circulam pela socie-dade. Estes configuram os saberes-mosaico,como os chamou A. Moles, porque so feitosde pedaos, de fragmentos, o que no impedeos jovens de ter, com freqncia, um conheci-mento mais atualizado em fsica ou em geo-

    grafia que seu prprio professor. Isso est tra-zendo para a escola um fortalecimento doautoritarismo, como reao perda de autori-dade do professor, e no uma abertura paraesses novos saberes. Em lugar de ser percebi-da como uma chamada a que se reforrnule omodelo pedaggico, a difuso descentralizadade saberes, possibilitada pelo ecossistema co-municativo, resulta no endurecimento da dis-ciplina do colgio para controlar esses jovens,cada vez mais frvolos e desrespeitosos com osistema sagrado do saber escolar.

    ESQUIZOFRENIA CULTURALA partir destas duas dinmicas: a de umacomunicao que se converte em ecossistema ea de uma forte diversificao e descentralizaodo saber, manifesta-se cada dia mais aesquizofrenia cultural de que sofrem hoje mui-tos cidados. Eles esto divididos entre aquele

    saber que lhes outorga um diploma oficial e Ihesvai servir para a insero nos modos habituaisde ascenso social e de consecuo de um sta-tus, e aquele outro saber que vai lhes servir paraintroduzir-se nas novas modalidades do siste-ma produtivo e inovador da sociedade. Sabereste que coincide com aquilo de que a socieda-de necessita para formar um cidado capaz deautodeterminaoe, por conseqncia, capaz derespeitar, conviver, harmonizar.Infelizmente, nossa escola no um es-pao para a autodeterminao, conseqente-mente, no um lugar para aprender a convi-ver e a harmonizar. Ento, muito do saberdifuso e descentrado que hoje circula na socie-dade a via de acesso a uma concepo maisdemocrtica e eficiente, isto , criadora e pro-dutiva. No estou desconhecendo as buscaspessoais de alguns professores e de algumaspoucas instituies, estou falando do sistemaeducativo colombiano.

  • 8/9/2019 Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

    6/11

    56 Desafios culturais da comunicao a educao

    Estou questionando uma escola que, noseu dia-a-dia, no educa democraticamente,por mais que d cursos de educao cvica ede urbanidade. No se aprende a ser democr-tico em cursos sobre a democracia, aprende-se a ser democrtico em famlias que admitempais e filhos no-convencionais, em escolas queassumem a dissidncia e a diferena como ri-queza, com meios de comunicao capazes dedar, verdadeiramente, a palavra aos cidados.

    Essa realidade produz uma defasagemmuito grande entre o modelo de comunicaoque vigora, hoje em dia, fora da escola, na socie-dade da comunicao e o modelo aindahegemnico de comunicao no qual se baseiao saber escolar. Qual seria, ento, a reao dosistema educativo a esta experincia cotidianada defasagem ou, em outras palavras, qual areao do sistema educativo da escola brechacada vez maior que existe entre a cultura da qualfalam os professores e a cultura e sensibilidadeapreendidas pelos alunos? certo que isto no um problema colombiano, um problema quea prpria Unesco no tem sabido enfrentar.

    A Unesco, em boa quantidade de do-cumentos, mostra a viso que continua pre-valecendo e que puramente instrumental:usar os meios televisivos para que mais gen-te possa estudar, porm estudar sempre amesma coisa, ou seja, permitir, por exem-plo, que os alunos vejam uma ameba numatela gigantesca.

    Estou fazendo uma caricatura, mas fatoque muitos dos documentos da Unesco perpe-tuam uma concepo incapaz de enfrentar os de-safios culturais que o ecossistema comunicativoapresenta ao sistema educativo em seu conjunto.E por isso que nossas escolas continuam vendonesses meios unicamente uma possibilidade de

    ilustraro que se diz, de tomar menos aborrecidaa lio, de amenizar algumas jornadas de traba-lho, presas da inrcia mais insuportvel.

    A atitude defensiva da escola e do sis-tema educativo esta0 levando-os a desconhe-cer ou disfarar o fato de que o problemade fundo est no desafio que lhe apresen-tado por um ecossistema comunicativo, doqual emerge outra cultura, outro modo dever e ler, de aprender e de conhecer.

    A atitude defensiva limita-se a identifi-car o melhor do modelo pedaggico tradicionalcom o livro e anatematizaromundo audiovisualcomo o mundo da frivolidade, da alienao, damanipulao. Oxal o livro fosse um meio dereflexo e de argumentao, mas, infelizmente,no o . Como demonstra uma pesquisa daUniversidad de1 Valle sobre hbitos de leitura eusos sociais da televiso, a imensa maioria daspessoas, de todas as classes sociais de Cali, iden-tifica livro com dever escolar. Desta forma, umavez terminado o perodo escolar da vida daspessoas, o livro deixaria de ter funo.Nossas escolas no esto sendo um es-pao no qual a leitura seja um meio de criati-vidade e de prazer, mas sim o espao no qualleitura e escrita se associam a tarefa obrigat-ria e chata. Castradora, inclusive.Confundindo qualquer manifestao deestilo prprio com anormalidade ou com pl-gio, os professores sentem-se no direito de re-primir a criatividade. o efeito dos hbitos eda inrcia do ensino legitimado pelo modeloimperante de comunicao escolar.Um jovem psiclogo que est fazendo tesesobre essa situao em Ciudad Bolivar, falava-me acerca de sua triste descoberta: nos setorespopulares, o aprendizado da leitura, em vez deenriquecer, est empobrecendo o vocabulrio das

  • 8/9/2019 Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

    7/11

    Comunicao & Educao,SoPaulo, [ 181:5

    crianas, pois, ao tentar falar como se escreve, ascrianas perdem grande parte da riqueza do seumundo oral, inclusive sua espontaneidade narra-tiva. Ou seja, temos um sistema escolar que nos no ganha os jovens adolescentes para umaleitura e uma escrita criativas, como tambm ig-nora a existncia de uma cultura oral que tem umidioma prprio, especialmente nos setores popu-lares, o que no pode ser, de modo algum, con-fundido com analfabetismo.Essa a outra cultu-ra que desafia a escola e diante da qual a escolaest to desprovida de modos de interao e tona defensiva quanto ocorre com o audiovisual.SOCIEDADE MULTICULTUKAL

    Oquadro no pode ser mais significativo:enquanto o ensino transcorre atravs do mundodo manual, o professor sente-se fortalecido; masquando aparece o mundo da imagem, o profes-sor perde a estabilidade, porque o aluno sabemuito mais e, sobretudo, porque maneja muitomelhor a lngua da imagem que o professor. Anteesse desmoronamento de sua autoridade frenteao aluno, o professor reage desautorizando ossaberes que passam pela imagem. De outro lado,a oralidade cultural das maiorias tambm nocabe na escola, pois o mundo das piadas e dasnarrativas orais, o mundo dos provrbios e dosditos populares, o mundo da msica popular nar-rativa e do rap deslocam, tambm, a partir desuas prprias gramticas, ritmos e prazeres, oascetismo triste do autismo livresco.

    A escola desconhece tudo o que de cul-tura se produz e transcorre pelo mundoaudiovisual e pelo da cultura oral: dois mun-dos que vivem, justamente, do hibridismo e damestiagem, da mistura de memriasterritoriais com imaginrios deslocados. En-frentemos o mal-entendido.Reconhecer que vivemos numa socie-dade multicultural significa no s aceitar as

    diferenas tnicas, raciais ou de gnero, mastambm aceitar que em nossas sociedades con-vivem hoje indgenas da cultura letrada comoutros da cultura oral e da audiovisual.E isto ocorre num sentido forte, pois essastrs culturas configuram modos muito diferentesde ver e de pensar, de sentir e de fmir. E, ao rei-vindicar a existncia da cultura oral e audiovisual,no estamos desconhecendo, de modo algum, acultura letrada, mas sim desmontando a sua pre-tenso de ser a nica cultura digna desse nome e oeixo cultural de nossa sociedade.

    O livro continua sendo chave, pois nosabre para a primeira alfabetizao, essa quedeveria possibilitar o acesso no s culturaletrada, mas tambm s mltiplas escritas quehoje conformam o mundo da informtica e oaudiovisual.O paradoxo que, se o livro foi oeixo cultural das sociedades europias, no ofoi nunca das sociedades latino-americanas,salvo como ingrediente de excluso, muralhaque deixava as maiorias fora da cidade letrada.

    Aos que pensam que o mundo do l i -vro est se acabando, pode-se dizer que nun-ca, neste pas chamado Colmbia, publicou-se tanto e leu-se tanto. O livro no est aca-bando e no vai acabar, ao contrrio, cadavez se vo ler mais livros, includos a os tex-tos de multimdia, que no so o contrriodo livro, mas sim outro modo de escrita eoutro objeto de leitura.

    O problema est em saber se a escolavai ser capaz de ensinar a ler livros no s comoponto de chegada mas tambm de partida paraoutra alfabetizao, a da informtica e dasmultimdias. Isso implica pensar se a escolaest formando o cidado que no s sabe lerlivros, mas tambm noticirios de televiso ehipertextos informticos.

  • 8/9/2019 Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

    8/11

    lesafios culturais da comunicao a educao

    O cidado de hoje pede ao sistemaeducativo que o capacite a ter acesso multiplicidade de escritas, linguagens e discur-sos nos quais se produzem as decises que o afe-tam, seja no campo de trabalho como no mbitofamiliar, poltico e econmico. Isso significa queo cidado deveria poder distinguir entre umtelejomal independente e confivel e um outroque seja mero porta-voz de um partido ou de umgrupo econmico, entre uma telenovela que es-teja ligada ao seu pas, inovando na linguagem enos temas e uma telenovela repetitiva e simpl-ria. Para tanto, necessitamos de uma escola naqual aprender a ler signifique aprender a distin-guir, a tomar evidente, a ponderar e escolher ondee como se fortalecem os preconceitos ou se re-novam as concepes que temos sobre poltica,famlia, cultura e sexualidade.

    Precisamos de uma educao que nodeixe os cidados inermes diante dos podero-sos estratagemas de que, ho-je, dispem osmeios de comunicao para camuflar seus in-teresses e faz-los passar por opinio pblica.

    Para ajudar-nos a entender a profundida-de da mudana cultural que hoje se d no mun-do da comunicao e da transformaotecnolgica, Margaret Mead afirma: "Nossopensamento ainda nos amarra ao passado, aomundo tal como existia na poca de nossa in-fncia e juventude; nascidos e criados antes darevoluo eletrnica, a maioria de ns no en-tende o que esta significa. Os jovens da novagerao, ao contrrio, assemelham-se aos mem-bros da primeira gerao nascida em um pas

    novo. Devemos aprender unto com os jovens aforma de dar os prximos passo^"^.Esta reflexo pe em cena um novo tipode cultura. Aquela que experimentada pela ju-ventude contempornea da revoluo eletrnicae qual Mead chamapre$gurativa, por ser umacultura que ainda no tem clara sua figura, tendocomeado a emergir apenas nos finais dos anos60, caracterizando-se por ser aquela na qual ospares substituem os pais, instaurando-se assimuma ruptura sem correspondente na histria. Estaruptura representa no uma mudana de velhoscontedos em novas formas ou vice-versa, massim uma transformao na natureza do proces-so: a apario de uma comunidade mundial, naqual os homens de tradies culturais muito di-ferentes emigram no tempo, todos partilhando asmesmas lendas e sem modelos para o futuro. Umfuturo apenas balbuciado pelos relatos da ficocientfica, na qual os jovens encontram narradasua experincia de habitantes de um mundo cujacomplexa heterogeneidade "no se deixa expres-sar em seqncias lineares tais como as que eramditadas pela palavra impressaw5. que remete,por conseguinte, a um aprendizado fundado me-nos na dependncia dos adultos que na prpriaexplorao, feita pelos habitantes do novo mun-do tecnocultural, da viso, da audio, do tato ouda velocidade.Da a importncia estratgica que adqui-re hoje uma escola capaz do uso criativo e cr-tico dos meios audiovisuais e das tecnologiasinforrnticas. Isso, porm, s ser possvel numaescola que transforme seu modelo (e sua prxis)de comunicao, isto, que torne possvel a pas-sagem de um modelo centrado na seqncia li-near - que encadeia de forma unidirecionalgraus, idades e grupos de conhecimentos - aoutro descentralizado e plural, cuja chave oencontro do palimpsesto e do hipertexto. En-

    4. MEAD, Margaret. Cultura y compromiso. Barcelona: Granica, 1972.5. MEAD, M. Culturay .... op. cir.

  • 8/9/2019 Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

    9/11

    Comunicao& Educao, So Paulo, [181 51 a 61,maiolago. 2000 59

    tendo por palimpsesto esse texto no qual umpassado que foi apagado emerge tenazmente,embora difuso, nas entrelinhas da escrita pre-sente; e por hipertexto uma escrita nosequencial, mas sim montagem de conexes emrede que, ao permitirlexigir uma multiplicidadede percursos, transforma a leitura em escrita.Enquanto o tecido do palimpsesto nos peem contacto com a memria, com a pluralidadede tempos carregada, acumulada por qualquertexto, o hipertexto remete enciclopdia, s pos-sibilidades presentes de intertextualidade eintermedialidade,duplo e imbricado movimentoque est exigindo que substituamos o lamentomoralista por um projeto tico: o do fortaleci-mento da conscincia histrica, nica possibili-dade de uma memria que no seja mera modaretr, nem evaso s complexidadesdo presente.

    S assumindo a tecnicidade miditicacomo dimenso estratgica da cultura que aescola poder inserir-se de novo nos proces-sos de mudana atravessados pela nossa soci-edade e interagir com os campos de experin-cia em que se processam essas mudanas.

    Tais mudanas esto materializadas nadesterritorializaolrelocalizaodas identi-dades, hibridaes da cincia e da arte, das lite-raturas escritas e das audiovisuais, reorganiza-o dos saberes e do mapa dos ofcios.A partirde fluxos e redes atravs dos quais se mobilizano s a informao como o trabalho, o inter-cmbio e a concretizao conjunta de projetos,de pesquisas cientficas e de experimentaesestticas. S encarregando-se dessas transfor-maes, poder a escola interagir com as novasformas de participao cidad que o novo am-biente comunicacional abre, hoje, educao.

    Um dos maiores desafios que oecossistema comunicativo faz educao :ou se d a sua apropriao pelas maiorias ouse d o reforamento da diviso social e a ex-cluso cultural e poltica que ele produz.

    Pois, enquanto os filhos das classesfavorecidas entram em interao com oecossistema informacional e comunicativo apartir de seu prprio lar, os filhos das classespopulares - cujas escolas pblicas no tm,em sua imensa maioria, a menor interao como ambiente informtico, escolas que so paraeles o espao decisivo de acesso s novas for-mas de conhecimento - esto ficando exclu-dos do novo espao laboral e profissional quea cultura tecnolgica prope. Vemos, portan-to, que h uma carncia de demandas decomunicao no espao educativo e que o aces-so a elas no democrtico. a partir do entendimento de que huma carncia dessas demandas que se ver anecessidade de diferenciar a televiso educati-va dos diversos modos de fazer educao pelateleviso. Se necessrio pensar num tipo depresena da educao escolar nos meiostelevisivos, so igualmente ou mais necessriasoutras modalidades de educao, entre asquais, para a Colmbia, destacaria duas: umaformao continuada de adultos, que oscapacite justamente para colocar-se frente snovas linguagens e saberes que circulam nasociedade e diante dos quais a imensa maioriaest desprovida de capacidade de leitura e deseu aproveitamento. Esse desconhecimentoest agravando a excluso social, comeando-se pela do trabalho. Em segundo lugar, ummbito estratgico de educao de adultos queexiste na Colmbia, e que decisivo paranossas possibilidades de convivncia. Este

  • 8/9/2019 Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

    10/11

    lesafios culturais da comunicao a educao

    consiste na construo de uma histria do pasque articule suas mltiplas memrias, tantotnicas como raciais, locais e de gnero, e emcuja construo audiovisual deveriam trabalharos melhores historiadores, os melhoresroteiristas e diretores de televiso, capazes deproporcionar-nos os elementos bsicos com osquais construir identidades novas e, ao mesmotempo, arraigadas, porm sem narcisismo, semprovincianismo, identidades que possamdialogar e atuar entre si e com o resto dasidentidades do mundo.

    Entre a educao, entendida de formaampliada pelo ecossistema comunicativo, e olugar da escola, o chileno Martin Hopenhayntraduz em trs objetivos bsicos os cdigos demodernidade6. Esses objetivos so: formarrecursos humanos, construir cidados edesenvolver sujeitos autnomos. Em primeirolugar, a educao no pode dar as costas stransformaes do mundo do trabalho, dos novossaberes que a produo mobiliza, das novasfiguras que recompem aceleradamente o campoe o mercado das profisses. No se trata desubordinar a formao adequao de recursoshumanos para a produo, mas sim que a escolaassuma os desafios que as inovaes tecno-produtivas e relativas ao trabalho apresentam aocidado em termos de novas linguagens esaberes. Pois seria suicida para uma sociedadealfabetizar-se sem levar em conta o novo pasque est aparecendo no campo da produo. Emsegundo lugar, construo de cidados significaque a educao tem de ensinar as pessoas a ler omundo de maneira cidad.

    A educao tem de ajudar a criarnos Jovens uma mentalidade crtica ,questionadora, desajustadora da inrciana qual as pessoas vivem, desajustadorada acomodao na riqueza e da resigna-o na pobreza.

    muito o que resta por mobilizar, a par-tir da educao, para renovar a cultura polticade maneira que a sociedade no procure salva-dores, mas sim crie sociabilidades para convi-ver, harmonizar, respeitar as regras do jogo ci-dado, desde as do trfego at as do pagamentodos impostos.E, em terceiro lugar, a educao moderna na medida em que seja capaz dedesenvolver sujeitos autnomos. Frente a umasociedade que massifica estruturalmente, quetende a homogeneizar, inclusive quando criapossibilidades de diferenciao, a possibili-dade de sermos cidados diretamente pro-porcional ao desenvolvimento de sujeitos au-tnomos, isto , de gente livre, tanto interior-mente como em suas tomadas de posio.

    Gente livre significa gente capaz desaber ler a publicidade e entender para queserve, e no gente que deixa massagear oprprio crebro; gente que seja capaz dedistanciar-se da arte que est na moda, doslivros que esto na moda, gente que pensecom sua cabea e no com as idias que cir-culam ao seu redor.

    6. HOPENHAYN, Martin. Ni apocalipticos ni integrados (Nem apocalpticos nem integrados). Santiago: F.C.E. 1994.

  • 8/9/2019 Barbero-Desafios Da Educacao a Comunicacao

    11/11

    Comunicao & Educao, So Paulo, 1181: 51 a 61, ma iolago. 2000

    Resumo: Este artigo trata das preocupaes deJess Martn-Barbero em relao a falta decompreenso na elaborao de polticas culturaisna Colmbia, sobre como o campo da comunica-o pode atuar frente aos desafios que a Educaotem de enfrentar para a formao de cidadoslivres e capazes de atuar de forma autnoma nasociedade. Ele discute as dificuldades e principal-mente a incapacidade de a escola alterar suarelao com a produo e aquisio de conheci-mento. O modelo de comunicao predominantena escola vertical e autoritrio na relaoprofessor-aluno, e linear sequencial no aprendi-zado, impedindo que se abra de maneira aenriquecer-se com as novas linguagens dos meiosde comunicao. Ele tambm descarta a meraaquisio de equipamentos e tecnologias, por parteda escola, para a transposio ilustrativa doscontedos. Salienta que a escola precisa alterarsuas formas de relacionamento com os jovens,com o conhecimento e com o conjunto dasociedade. Essas mudanas comportam entendera centralidade dos processos de comunicao -ao que denominou ecossistema comunicativo -para capacitar o jovem para uma mentalidadecrtica, fazendo-o ler o mundo de maneira cidad.

    Palavras-chave:Colmbia, cidadania, escola, mei-os de comunicao, ecossistema comunicativo

    Abstract This article deals with Jesus Martn-Barbero's concerns on the lack of understandingof the Colombian cultures policy elaboration, onhow the communications field can perform whenconfronted with the challenges Education has toconfront to form free citizens that are capable ofperforming autonomously in society. He discussesthe difficulties and, most especially, the inabilitythe school has in order to change its relationshipwith the production and acquisition of knowledge.The predominant communication model in schoolis vertical and authoritarian in the teacher-studentrelationship, while linear and sequential inlearning, something that does not allowing it tobe open in order to be enriched by the new meansof communication languages. He alo discards theschool's merely acquiring equipment andtechnologies for the illustrative transposition ofcontents. The author stresses that the schoolneeds to change the way it relates to the youngpeople, to knowledge and to the society as awhole. These changes involve understanding thecentrality the communication processes have -which he denominated as the communicativeecosystem - o capacitate the young people tohave a critical mentality, so they can read the worldas participant citizens.Key words: Colombia, citizenship, school, meansof communication, communicative ecosystem