Barbosa Moreira - Processo Civil

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Kariny Oliveira Loures PROCESSO CIVIL BRASILEIRO José Carlos Barbosa Moreira O exercício da ação e as condições que limitam esse exercício, as chamadas condições da ação. Denominação talvez um pouco imprópria, melhor seria condições do legítimo exercício do direito de ação. Ficaria talvez longo demais, então consagrou- se o uso desta expressão abreviada: CONDIÇÕES DA AÇÃO. Atenção: não se trata de pressupostos da existência do direito de ação. O direito de ação existe sem qualquer condicionamento. Trata-se apenas de requisitos que devem ser levados em conta no momento em que o direito de ação é concretamente exercido, dizem respeito ao exercício e não à existência do direito. Vimos que a primeira dessas condições é a chamada legitimação para a causa, e deve ser apreciada no seu aspecto ativo e no seu aspecto passivo. A ação deve ser proposta pela pessoa a quem a lei reconhece qualidade para isso, o legitimado ativo, e deve ser proposta em face da pessoa que a lei indica, isto é, o legitimado passivo. A lei nem sempre indica isto de maneira expressa. Há porém uma idéia geral, como vimos, que nos permite saber quem é o legitimado ativo e quem é o legitimado passivo para um determinada ação. Qual é esse critério? Ele se baseia na relação jurídica de direito material que vai ser discutida naquele processo. O sujeito ativo dessa relação jurídica é normalmente o legitimado ativo para a causa, e o sujeito passivo dessa relação jurídica é normalmente o legitimado passivo para a causa. Assim, por ex., numa ação de cobrança de dívida, normalmente, ordinariamente, o legitimado ativo é o suposto credor, e o legitimado passivo é o suposto devedor. São esses os casos de legitimação ordinária. Vimos também que excepcionalmente a lei pode atribuir a uma pessoa diversa daquela que figura como titular da relação jurídica de direito material, a possibilidade de propor a ação em seu próprio nome para defender um direito que, se existir, não será seu e sim de outrem. É a chamada legitimação extraordinária, ou anômala. Vimos alguns exemplos: o condômino de edifício de apartamentos, embora não sendo credor de outro condômino que está em mora no pagamento das contribuições de condomínio, pode contudo propor a ação para cobrança, caso o próprio condomínio não o faça através

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Kariny Oliveira Loures

PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

José Carlos Barbosa Moreira

O exercício da ação e as condições que limitam esse exercício,

as chamadas condições da ação. Denominação talvez um pouco imprópria,

melhor seria condições do legítimo exercício do direito de ação. Ficaria

talvez longo demais, então consagrou-se o uso desta expressão abreviada:

CONDIÇÕES DA AÇÃO.

Atenção: não se trata de pressupostos da existência do direito de

ação. O direito de ação existe sem qualquer condicionamento.

Trata-se apenas de requisitos que devem ser levados em conta no

momento em que o direito de ação é concretamente exercido, dizem

respeito ao exercício e não à existência do direito.

Vimos que a primeira dessas condições é a chamada

legitimação para a causa, e deve ser apreciada no seu aspecto ativo e no

seu aspecto passivo. A ação deve ser proposta pela pessoa a quem a lei

reconhece qualidade para isso, o legitimado ativo, e deve ser proposta em

face da pessoa que a lei indica, isto é, o legitimado passivo. A lei nem

sempre indica isto de maneira expressa. Há porém uma idéia geral, como

vimos, que nos permite saber quem é o legitimado ativo e quem é o

legitimado passivo para um determinada ação. Qual é esse critério? Ele se

baseia na relação jurídica de direito material que vai ser discutida naquele

processo. O sujeito ativo dessa relação jurídica é normalmente o

legitimado ativo para a causa, e o sujeito passivo dessa relação

jurídica é normalmente o legitimado passivo para a causa.

Assim, por ex., numa ação de cobrança de dívida,

normalmente, ordinariamente, o legitimado ativo é o suposto credor, e o

legitimado passivo é o suposto devedor. São esses os casos de legitimação

ordinária. Vimos também que excepcionalmente a lei pode atribuir a uma

pessoa diversa daquela que figura como titular da relação jurídica de direito

material, a possibilidade de propor a ação em seu próprio nome para

defender um direito que, se existir, não será seu e sim de outrem. É a

chamada legitimação extraordinária, ou anômala. Vimos alguns exemplos:

o condômino de edifício de apartamentos, embora não sendo credor de

outro condômino que está em mora no pagamento das contribuições de

condomínio, pode contudo propor a ação para cobrança, caso o próprio

condomínio não o faça através do síndico. Outro exemplo: o acionista de

uma S.A. que pode no caso de omissão da própria sociedade num

determinado prazo, propor ação para responsabilizar civilmente os diretores

que houverem porventura praticado ato lesivo ao patrimônio da sociedade,

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sendo certo que credora é a sociedade e não o sócio, e portanto há uma

separação, uma não concordância entre o titular da relação jurídica material

e o legitimado para a causa.

Vimos que em certos casos como nestes a que nos referimos

agora, a legitimação extraordinária não exclue a legitimação ordinária, isto

é, pelo fato de o condômino poder cobrar em Juízo de outro condômino a

contribuição atrasada, não se deduza que o condomínio fique impedido de

fazê-lo. A legitimação extraordinária coexiste com a ordinária. Há uma

legitimação concorrente, há uma pluralidade de legitimados, qualquer deles

pode propor a ação. Em casos mais raros, quando a lei atribui a uma outra

pessoa esta possibilidade de propor a ação por direito alheio, retira do

próprio titular a mesma possibilidade. É o caso do bem dotal, do dote,

em relação ao qual apesar de ele pertencer, como vimos, à mulher e

não ao marido (não entra na comunhão de bens ainda que seja esse

o regime adotado), não obstante, a única pessoa que tem

legitimação para propor ações relativas ao bem dotal é o marido e

não a mulher. Nesse caso a legitimação extraordinária exclue a

legitimação que seria ordinária.

Isto até aqui foi uma ligeira recapitulação do que fôra dito da

outra vez. Vamos acrescentar umas breves observações ainda sobre o

problema da legitimação ad causam, ou legitimatio ad causam , ou

legitimidade para causa - tudo isso é a mesma coisa.

O problema da legitimação é realmente simples quando se

trata de relação jurídica entre duas pessoas. A de um lado e B do outro,

porque normalmente os legitimados são os próprios sujeitos da relação

jurídica material, salvo exceção legal. Então nessas hipóteses o problema é

muito simples. Complica-se quando há uma pluralidade de titulares, direitos

que pertencem a várias pessoas, por exemplo no condominio pro indiviso,

isto é, no condomínio em que não há partes determinadas distribuidas entre

os condôminos. Duas, três, vinte ou cinqüenta pessoas podem ser donas de

uma casa. Não é que A seja dono da cozinha e B do quarto de dormir. A e

B são condôminos de toda a casa pro indiviso, isto é, sem partes divididas.

Outro exemplo: obrigações solidárias, aquelas nas quais há vários credores,

cada um dos quais com direito à dívida toda, ou então vários devedores

cada um dos quais é obrigado a pagar por inteiro a dívida.

As coisas aí já se tornam um pouquinho menos simples. No

caso de ofensa ao direito que não é de um só, é de vários, quem é

legitimado para reclamar em Juízo a reintegração do direito lesado? Mais

de uma solução é concebível em tese. Por exemplo: poderíamos imaginar

que pertencendo o direito a várias pessoas, o conjunto delas teria que

aparecer propondo a ação, todas elas em conjunto. Se são elas em conjunto

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que têm o direito, então elas em conjunto deveriam propor a ação. Em

outras palavras, a ação só estaria regularmente proposta se fosse proposta

pela totalidade dos co-titulares. É uma solução possível, mas não é uma

boa solução, por motivos óbvios: ninguém pode ser obrigado a litigar

em Juízo. Então se um deseja propor a ação e o outro não, de duas uma:

ou se obriga o segundo a propor, o que é um absurdo, ou se impede o

primeiro de propor porque o outro não quer aderir, o que também é um

absurdo. Se eu sou condômino de alguém numa casa, e vejo que terceiro a

está danificando, convoco meu outro condômino para propor ação contra

ele. Se o outro concorda, perfeitamente, nada impede que a ação seja

proposta por ambos, ambos são sem dúvida legitimados, ambos os

condôminos. Porém, suponhamos que meu outro condômino por

comodismo, preguiça, amizade ao terceiro, ou por outra razão qualquer, não

queira; eu, que estou sendo prejudicado, se tivesse que propor ação em

conjunto com ele, de duas uma: ou o obrigaria a ir comigo perante o juiz,

solução absurdamente inaceitável, ou ficaria eu impedido de tomar uma

providência que, no entanto, me interessa tanto quanto a ele.

Então, o que é que a lei faz nesses casos? Atribui uma

legitimação concorrente mas não necessariamente conjunta, isto é,

qualquer dos titulares, sozinho, pode propor a ação, tem

legitimação ad causam.

O problema se torna ainda mais complicado quando se trata

de um interesse cujos titulares não são determinados. São chamados

interesses difusos ou coletivos . Por exemplo, o interesse na

preservação da sanidade do ambiente, o interesse na proteção da natureza

e do equilíbrio ecológico. Assuntos obviamente na moda e que têm seus

reflexos no campo processual. O interesse na conservação das obras de

arte, dos monumentos históricos, o interesse na honestidade das

mensagens de propaganda, os interesses da difusão da cultura, do acesso

às fontes de informação. Quem é o titular? Vocês, eu, todos. Não são

relações personalizadas, são relações que transcendem a esfera individual e

nem sequer podem ser circunscritas a um número determinado de pessoas.

Ao contrário do que acontece no condomínio, nas obrigações solidárias, em

que sabem perfeitamente que o direito é coletivo mas pertence a uma

classe fechada, determinada, delimitada. Aqui não. Quais são os

interessados, por exemplo, em que não se destruam as reservas florestais

de uma país? A rigor, a humanidade inteira. Quando aquele doido quebrou

o nariz da Virgem, na Pietá de MICHELANGELO, que está na Basílica de São

Pedro, porventura foi só o Museu do Vaticano que sofreu dano? Ou foi toda

a humanidade que sofreu? Então são interesses chamados difusos

exatamente porque não se concentram numa ou noutra pessoa e nem

sequer num círculo determinado de pessoas.

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Esse problema tem sido alvo de grande interesse por parte dos

estudiosos nos últimos tempos, não tanto no Brasil onde as idéias

geralmente quando chegam depressa chegam com mais ou menos 50 anos

de atraso, mas em sociedades que pensam mais em certas coisas, e

diversas soluções foram estudadas.

Depois nós vamos ver que nós não estamos tão atrasados

assim nesse particular, porque temos um instrumento legal que até certo

ponto ajuda a resolver essas situações. Mas é curioso: nós temos a lei mas

ninguém se ocupa dela, e nem se usa a Lei, usa-se pouco, usa-se menos do

que seria de esperar. Outros países não têm a lei e vivem se preocupando

com o assunto.

Há várias soluções, uma absurda seria exigir que todos os

interessados participassem - essa é impossível, nós nem sequer sabemos

quais são eles e quantos são. Legitimar cada um individualmente, esta é a

solução mais óbvia. Nem sempre ela é muito satisfatória por motivos que

facilmente se compreendem: uma pessoa sozinha terá que litigar com

entidades muito poderosas. Suponhamos que alguém queira propor uma

ação para obstar, para impedir que se realize determinada atividade capaz

de causar a poluição da bacia hidrográfica que rega determinada região.

Provavelmente esta pessoa vai se defrontar no processo com adversários

muito mais poderosos do ponto de vista financeiro - uma empresa. Então,

na prática, essa solução não é inteiramente satisfatória porque ela põe face

a face litigantes de recursos muito diferentes. O litigante que tem mais

recursos geralmente leva vantagem. (Refiro-me às vantagens óbvias:

sustentar durante mais tempo o processo, fazer despesas maiores, contratar

melhores advogados, peritos, etc). Uma multi-nacional por exemplo.

Outra idéia que tem surgido seria a de, sem excluir a

possibilidade dessa legitimação individual (não se deve excluir porque na

prática o indivíduo em geral não se aventura, ele parte para uma espécie de

comodismo, e não está muito a fim de se amolar com causas coletivas - o

nosso espírito de coletividade é muito rarefeito confessemos, dificilmente

aceitamos a idéia desse trabalhão, dessas despesas, para tentar impedir a

poluição de um rio. A tendência é "não vai adiantar nada, deixa pra lá". E

além disso há de fato as dificuldades objetivas além das subjetivas). Mas

não se deve excluir, pode aparecer um herói que queira levar a cabo a

aventura. O que se poderia imaginar ao lado disso, dar legitimação a

quem? Aos órgãos públicos, ao Ministério Público, por exemplo, a idéia tem

surgido. Poderia funcionar talvez quando a outra parte fosse uma entidade

inteiramente privada, sem relação com a Administração Pública, sem,

digamos infiltração na Adm. Pública. Talvez, mas em muitos casos não é

assim. E a outra parte pode ser até um ente público. Um Prefeito maluco,

por exemplo, que queira construir em Ouro Preto um monumento

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inteiramente em desconformidade com o estilo arquitetônico da cidade,

estragando por completo a beleza do conjunto. Então, se se trata de uma

entidade pública, esta solução de órgão público não funciona.

Outra idéia que tem surgido seria de conferir legitimação

nesses casos a entidades particulares, associações que se proponham lutar

por essas finalidades, que sejam criadas com esse objetivo. Começam a

aparecer no Brasil: Sociedade dos Amigos do Bairro Tal, Associações de

Proteção à Natureza. Então há essas entidades. Na Itália existe uma certa

notoriedade chamada Itália Nostra, que tem como finalidade precípua lutar

pela preservação das belezas naturais, das obras de arte, dos monumentos

históricos. Toda vez que surge uma ameaça, um atentado a algum desses

bens, a Itália Nostra intervem, e já foi reconhecida em Juízo, houve já

decisões judiciais que reconheceram a esta associação legitimação para

reclamar em Juízo. Ela propõe a ação.

Eis aí um assunto que devem tomar como objeto de suas

reflexões.

Que solução propor para esse caso do ponto de vista

processual? Há três aspectos: 1º - (que é mais de direito material): Esses

interesses são reclamáveis em Juízo? isto é, alguém tem o direito de

reclamar isto em Juízo? ou simplesmente isso aí é uma literatura abstrata?

Quando a Constituição, por exemplo, diz que as obras de arte, ou sítios

dotados de beleza paisagística, ficam sob a proteção do poder público, que

quer dizer isto? Nada? ou quer dizer alguma coisa? Se quer dizer alguma

coisa, então todos nós podemos exigir que o poder público efetivamente

proteja, senão não quer dizer nada. Se está na Constituição é uma regra

jurídica, se é uma regra jurídica tem que ter consequências. É um problema

interessante e muito atual.

No Direito Brasileiro existe um caso muito interessante que é

o da Ação Popular, aliás prevista na Constituição da República e regulada

por uma lei de 1965. lei nº 4717, de 29 de junho de 1965, uma lei

singularmente bem feita sob vários ângulos, uma verdadeira exceção na

teratológica (teratologia=estudo das monstruosidades) produção legislativa

dos últimos tempos. A lei da Ação Popular, contudo, tem seus defeitos, mas

vamos começar pelos méritos. Ela prevê a possibilidade, confere a qualquer

cidadão brasileiro legitimação ativa para propor ações destinadas a anular

atos lesivos ao patrimônio público. Mas a lei foi suficientemente inteligente

para não limitar o conceito de patrimônio público aos aspectos puramente

econômicos. Ela considera patrimônio público o conjunto dos bens não

apenas de valor econômico, mas de valor estético, artístico, histórico,

paisagístico, turístico. Então quando, por exemplo, alguém se lembrar de

por abaixo o Pão de Açúcar (coisas tão estranhas como essa tem

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acontecido) ou o aterro final e definitivo da Baía de Guanabara, qualquer

um dos senhores, cidadão brasileiro, pode entrar em Juízo para impugnar

esse ato. Então por esse aspecto a lei é interessante, sobretudo pela

amplitude que ela deu ao conceito de patrimônio público. Não é só o

dinheiro, são esses outros bens que constituem o patrimônio público de

toda a coletividade nacional.

O defeito da lei, a despeito de inúmeras soluções

inteligentíssimas que ela deu a certos problemas, como os efeitos da

sentença, por exemplo, que é um dos problemas sérios nesse tipo de ação:

se um só propuser a ação, a sentença vale para os outros ou só vale para

ele? Estudaremos mais adiante, quando tratarmos da sentença e seus

efeitos e da coisa julgada. Por enquanto estamos atravessando os umbrais

da grande Catedral do Processo, a coisa julgada está lá no altar-mor. Ainda

temos grande caminho a percorrer para chegar lá.

Então, a lei, que deu solução inteligentíssima a certos

problemas, foi menos feliz, a meu ver, quando limitou às pessoas físicas, ao

indivíduo, esta legitimação. Poderia tê-la conferido a pessoas jurídicas, que

são geralmente mais poderosas, têm melhores condições de enfrentar uma

disputa judiciária desse teor. Mas de qualquer maneira trata-se de instituto

digno do maior apreço e que deveria ser usado com maior freqüência do

que é. Talvez porque muita gente não saiba que ela existe ou por culpa de

nosso comodismo. Mas tem havido algumas ações interessantes. Houve

uma no Espírito Santo contra um ato que determinou a derrubada de uma

reserva florestal de cuja preservação dependia o abastecimento normal de

água a várias localidades. A floresta protege as nascentes, como sabem.

Aqui mesmo no Rio houve algumas contra o aterro da Lagoa Rodrigo de

Freitas, outra contra a entrega de áreas de praças públicas a entidades

privadas retirando da população em geral a oportunidade de ali passar seus

momentos de lazer. Em São Paulo, contra a derrubada de um prédio

considerado de valor histórico, para construir em seu lugar uma estação do

Metro. Enfim, têm havido algumas, mas são poucas em relação ao que se

passa.

Os senhores vêem que o processo não é aquela coisa

burocrática que alguns supõem, porque tudo se resolve é nele - é através

do processo que as coisas têm que realizar-se, que os direitos têm que ser

garantidos. Do contrário, não adianta nada dizer: você tem direito disso,

ou daquilo. Se não houver um juiz a quem possa recorrer e que esteja em

condições de lhe dar uma tutela, cadê o direito que está escrito na lei, no

Código Civil, no Código Comercial, na própria Justiça? O desaguadouro, a

foz, o estuário, é o processo. O processo é que, em última análise, tem que

funcionar bem; do contrário não há proteção de direito algum.

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Então, eis aí algumas reflexões críticas sobre o problema da

legitimação para agir.

O 2º requisito é o chamado interesse processual , a segunda

das chamadas condições da ação. Quando é que a gente tem interesse em

alguma coisa? Quando é útil e é necessário recorrermos a ela . Por

exemplo, os senhores têm interesse em que os professores cumpram o

elementar dever de lhes dar aulas, porque isto é útil e é necessário. Ora, a

máquina judiciária, o aparelho judiciário do Estado, aquilo a que se chama a

Justiça, não no sentido de virtude, mas no sentido de organismo, é um

aparelho muito dispendioso, complexo, exige atividades de um número

enorme de pessoas, e para que funcione de um modo razoável não deve ser

sobrecarregada com matérias supérfluas. Compreendem perfeitamente que

para que um órgão funcione bem, é preciso que se incumba daquilo que

realmente vale a pena, e deixe de lado o que não vale a pena, o que não

interessa, o que não é útil e não é necessário. Os senhores têm, p.ex., um

computador - não vão pedir ao computador que se encarregue de todas as

somas ou de todas a multiplicações por dois; seria sobrecarregá-lo

inutilmente. A mesma coisa acontece com o aparelho judiciário. Ele não

deve ser sobrecarregado exatamente para que possa funcionar melhor

naquilo em que precisa funcionar. Daí deriva o princípio de que não se deve

admitir que uma pessoa use a máquina judiciária, senão quando isto lhe

seja útil em tese e lhe seja necessário. É uma conseqüência direta do que

acabo de dizer. Não se deve admitir que qualquer um apareça diante do

juiz e tome o seu tempo com assuntos para cuja solução não se precisa do

juiz. Então, exige-se de quem vá a Juízo que tenha interesse processual,

isto é, que realmente precise do auxílio do órgão judicial e não

queira utilizá-lo por mero capricho, por espírito demandista, por

mania de litigar.

Por exemplo, se um funcionário público pode obter da

Administração Pública aquilo a que se julga com direito, bastando que faça

um simples requerimento e apresente perante a repartição competente, não

se justifica que ele vá pedir isto em Juízo, que vá propor uma ação contra a

Adm. Pública para vê-la condenada a proporcionar-lhe um benefício que ela

estava inteiramente disposta a proporcionar sem necessidade disso. Logo,

essa pessoa não tinha interesse em utilizar-se da máquina judiciária, estava

em condições de obter o mesmo resultado sem necessidade de que o órgão

judicial fosse chamado a arrazoar à toa.

Ou então, a situação é tal que nunca a pessoa poderá obter o

que pleiteia, ou por outra, o resultado do processo nunca lhe poderá ser

proveitoso, não lhe trará nenhum benefício, ela estará litigando sem

qualquer perspectiva de proveito prático. Por exemplo, alguém vai a Juízo

porque Fulano havia feito um testamento e depois fez outro revogando o

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primeiro. Mas esse segundo que revogou o primeiro é nulo: Fulano não

estava em seu Juízo perfeito. O autor quer que o segundo testamento seja

anulado para que prevaleça o primeiro. Vai o juiz ao primeiro testamento e

verifica que essa pessoa que está pleiteando isso, não é contemplada no

primeiro testamento, ao contrário é até excluída. Então, mesmo que seja

verdade o que ela está dizendo, isto é, que o segundo testamento tenha

sido feito em condições tais que não seja válido, nenhum benefício ela terá

se o juiz atender o seu pedido. O resultado do processo para ela é inócuo.

Ela não tem interesse, o processo para ela não terá nenhuma utilidade.

No outro caso não apresentava necessidade, neste nem sequer

apresenta utilidade. Interesse de agir ou interesse processual é a segunda

das chamadas condições processuais.

A terceira a que o Código se refere é a possibilidade jurídica

do pedido. Quem vai a Juízo deve fazer ao juiz um pedido juridicamente

possível, dentro do nosso ordenamento, e não pedir uma coisa impossível,

excluída pela lei. Mesmo que tenha razão, mesmo que os fatos descritos

sejam verdadeiros, se a lei exclue aquela possibilidade o juiz não poderá

considerar o que a pessoa pretende. Então o processo resultaria em vão,

máquina girando no vazio. Até algum tempo atrás, por ex., o pedido de

divórcio era no Brasil um pedido juridicamente impossível. Nunca o juiz

poderia atender, porque não havia divórcio. Então, vale a pena realizar o

processo, chamar testemunhas, fazer perícia, examinar documentos, etc, e

no fim a que resultado chegar? A nenhum - nenhum proveito para ninguém,

porque a providência não existe. Hoje há o divórcio, mas não há, por ex., a

possibilidade da pessoa que já obteve uma vez o divórcio e se casou de

novo, pedir novo divórcio. A lei proíbe. Não se pode pedir mais do que um

divórcio.

Então, vejam bem, mesmo que esteja presente algum daqueles

fatos que em tese poderiam servir de fundamento à decretação do divórcio,

é inútil estudá-los, porque de antemão já se sabe que a providência

requerida é impossível.

Eis aí o que se chama a possibilidade jurídica do pedido - que

o pedido seja possível; se o pedido é impossível, se a lei o exclui, seria

absolutamente inútil realizar o processo , e sendo inútil seria nocivo

porque faria gastar o tempo, a energia e o dinheiro de uma porção de

gente, em vão.

NO PROCESSO, TUDO QUE NÃO É NECESSÁRIO É

PROIBIDO. guardem esta frase. No mundo do processo só se pode fazer

aquilo que é preciso fazer, exatamente para evitar que a máquina judiciária

trabalhe no vazio, em vão. Então, o que não é necessário é proibido. Na

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vida privada, no direito material, não. Só no processo. Porque daria lugar a

esta conseqüência: causar uma sobrecarga inútil na máquina judiciária.

O Código de Processo Civil faz referência expressa a essas três

condições no art. 267, VI.

Vejam a primeira observação que se deve fazer a isso: A

enumeração, a meu ver, não deve ser considerada exaustiva - a própria

linguagem do Código insinua que pode haver outras condições. E

efetivamente as há. Por ex., certas ações devem ser propostas em

determinado prazo, ultrapassado o qual elas não podem se mais

propostas. Ação Renovatória de contrato de locação de imóvel destinado a

fim comercial ou industrial, só pode ser proposta dentro dos últimos 6

meses de vigência do contrato que se deseja renovar.

Mas estas três são as condições chamadas genéricas,

porque elas se aplicam a todas as ações em geral. Daí o relevo que

se dá a elas.

Atenção: a leitura de alguns livros pode fazer supor que só

existem essas condições, legitimidade, interesse processual e possibilidade

jurídica. "As condições da ação são ...". Mas é apenas isso, essas são as

condições genéricas aplicadas a toda e qualquer ação. Então seria extinto o

processo sem fundamento genérico. Eis aí a conseqüência da falta de

alguma das condições do artigo. Quando o direito de ação é exercido sem

que estejam presentes todas as condições, qual é a conseqüência? O juiz

deve extinguir o processo, por fim ao processo sem julgamento do mérito,

isto é, sem apreciar o conteúdo, sem apreciar se existe ou não existe o

direito material postulado pelo autor. Essa competência é da maior

importância, e difere nitidamente daquela que ocorre quando o autor, o

proponente, não tem razão.

Vejam estes dois exemplos: A, casado com B, propõe ação de

desquite, propõe ação de separação judicial. Alega que a conduta da

cônjuge é tal que não admite a vida em comum. A é parte legítima para

propor a ação? Sem dúvida - só ele. Ele tem interesse processual? Sim. O

pedido é juridicamente possível? É, a lei permite. Porém ele não consegue

provar o fato que alegou, a conduta irregular de B. O juiz, embora

reconhecendo que A tem o direito de ação, que todas as condições da ação

estão cumpridas, verifica que ele não tem aquele direito material alegado.

Não conseguiu provar aquele direito.

C, entretanto, que é amigo do cônjuge A, propõe que A se

separe de B, narrando os fatos que incriminam a conduta da cônjuge B.

Estes fatos podem até ser verdadeiros, mas C não é parte legítima na ação.

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Neste caso o juiz não examinará o processo. Ele o extinguirá e julgará C

carecedor de ação (carência de ação). É importante saber que uma coisa

é improcedência, e outra carência. A improcedência é a falta do direito

material, ao passo que a carência é a falta de legitimação.

O juiz tem o dever de fiscalizar a presença dessas

condições: 1ª - legitimação; 2ª - interesse processual; 3ª -

possibilidade jurídica do pedido. O juiz aprecia essas condições ex

officio (espontaneamente, independente de provocação).

INDIVIDUALIZAÇÃO DAS AÇÕES

Consiste em saber como se identifica uma ação que tenha sido

concretamente exercitada. O Estado só tem o dever de prestar jurisdição

uma vez. Para cada conflito de interesses deve corrresponder um processo.

Encerrado o processo, a ação não pode ser proposta, nem outra ação pode

ser proposta, durante o decurso, assim como uma ação não pode ser

proposta duas vezes.

Existem critérios de confronte de duas ações para sabermos se

não idênticas ou não. Art. 301 § 2º CPC - Elementos de individualização ou

elementos das ações.

1) Elemento subjetivo - as partes. Quem está litigando, autor e réu .

autor: aquele em cujo nome se pede a providência.

réu: aquele defronte a quem a providência é pedida.

Ex.: ação de menor - representante legal. autor: o menor.

2) Elemento objetivo - o pedido (objeto da ação) .

No pedido, distinguem-se dois aspectos: Ex.: o autor pede a

condenação do réu ao pagamento de uma dívida (a condenação refere-se a

um bem - dinheiro). Então temos: providência pleiteada pelo autor ->

objeto imediato do pedido (direto). O bem -> objeto mediato do

pedido (que por intermédio dessa providência o autor está

pleiteando - pedido indireto).

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3) Causa do pedido - causa de pedir - causa petendi. É o porquê, a

razão, o fundamento da pretensão do pedido (por que se está

litigando).

Efeitos jurídicos - resultam da incidência da regra jurídica

sobre um fato (podem resultar de fatos simples ou de fatos complexos).

Causa petendi - é o fato ou o conjunto de fatos, que ao ver do

autor resultam naquele fato jurídico por ele afirmado. Os dispositivos legais

em que se funda o autor, e são por ele invocados, não integram a causa

petendi. A qualificação jurídica dada ao fato pelo autor, também não

integra a causa petendi.

"Art. 264 - Ao autor unilateralmente é vedado modificar ..."

Ex.: se numa alegação alguém (o autor) deseja modificar um fato do

processo, como erro para dolo, não se altera a causa petendi. Ex.: no Cód.

Civil é permitido ao doador revogar a doação se o donatário atentar contra

a sua vida ou caluniá-lo. Se numa ação de revogação de doação, o doador

alegar que o donatário atentou contra a sua vida, mas depois diga que não,

que só o caluniou, não poderá fazê-lo sem o consentimento do réu, porque a

causa petendi foi alterada. Se no exemplo acima, o autor alega o mesmo

tipo de fato, a reprodução do mesmo fato em data posterior, trata-se de

outra causa petendi. Numa ação de separação judicial, o autor alega o

adultério e depois alega outro adultério historicamente diferente (seria

necessário o consentimento do réu ou uma nova ação). Dois funcionários

que se julgam na mesma situação pleiteiam um só benefício administrativo

para si. São dois pedidos semelhantes, e a causa petendi não é a mesma,

pos cada um faz o pedido para si próprio (duas ações). Duas pessoas que

fizeram um concurso, pensam que o mesmo teve um vício que pode

invalidá-lo (falta de publicação de um edital) e por isso pedem a sua

anulação. Os autores são diferentes, o pedido e a causa petendi são os

mesmos. A anulação do concurso aproveitará a ambos.

Para cada lide um processo. Não pode ser exercitada a

mesma ação, nem conjuntamente, nem sucessivamente.

CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES

1ª) Quanto à natureza do direito de que o autor se afirma titular:

1) Ações reais - são aquelas fundadas num suposto direito

real. O autor afirma-se titular de um direito real. Ex.: ação reivindicatória

( domínio - dir. real)

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2) Ações pessoais - são as que se baseiam no direito pessoal.

2ª) Quanto à natureza do bem que constitui o objeto mediato do

pedido:

1) Ações mobiliárias - aquelas cujos pedidos têm por objeto

mediato um bem móvel.

2) Ações imobiliárias - aquelas cujos pedidos têm por objeto

mediato um bem imóvel.

3ª) Ações que se baseiam na natureza da providência jurisdicional

pleiteada pelo autor:

Existem 3 tipos de processo:

Processo de conhecimento - formular a regra jurídica.

Processo de execução - transformar a realidade, ajustando-a ao direito

(aquilo que deve ser). Processo cautelar - não é propriamente uma 3ª

espécie do gênero, mas se contrapõe em bloco às outras duas espécies

citadas. Antecipadamente assegura a eficácia prática dos processos de

conhecimento e de execução.

A esses três tipos de processo correspondem 3 tipos de tutela

jurisdicional (executiva, de conhecimento e cautelar)

Ação - é o direito à jurisdição.

Ações de conhecimento - visam a uma providência cognitiva

(emissão de uma sentença). Ações executivas - visam à tutela executiva.

Ações cautelares - visam à tutela cautelar.

São três tipos de ações que se justapõem. O critério é o do

objeto mediato do pedido.

I. AS AÇÕES DE CONHECIMENTO comportam sub-espécies. Art. 4º - a ação

visa apenas a que o Juiz declare a existência ou inexistência de uma relação

jurídica.

OBS: Normalmente não se pleiteia a declaração da existência de fatos, mas

sim de relacões jurídicas.

I.1) Ações declaratórias - positivas ou negativas

Page 13: Barbosa Moreira - Processo Civil

13

Positivas - quando o autor pede a declaração da existência da

relação jurídica. Negativa - quando o autor pede a declaração da

inexistência da relação jurídica.

Visam à declaração de um fato. É uma ação declaratória

referindo-se a um fato.

I.2) Ação constitutiva ou de reparação - (porque constitui

situação jurídica nova) - Cria, modifica ou extingue situações jurídicas.

Ex.: alguém pede uma separação judicial alegando um fato

suficiente. O Juiz verifica as provas, e quais as normas jurídicas aplicáveis,

e se dessa aplicação resulta para o autor o direito de separar-se. Nessa

ação o Juiz deve decretar a separação, criando, inovando, constituindo uma

nova situação jurídica. O autor era casado, agora está separado.

I.3) Ação condenatória - o Juiz não só declara a existência

de uma situação creditícia, como obrigará o réu a pagar.

II- AS AÇÕES EXECUTIVAS pressupõem que o processo de conhecimento

esteja terminado em relação àquela matéria. Atuação prática, e

preponderantemente material. (Apreende bens). Em regra o processo de

execução pressupõe o processo de conhecimento, é um titulo judicial que

autoriza a apreensão. Mas a lei prevê determinados casos de execução de

títulos extrajudiciais. Ex.: Nota Promisória - instaura-se desde logo o

processo de execução.

III - AÇÕES CAUTELARES - destinam-se a resguardar o resultado de um

processo de conhecimento ou de execução. Asseguram antecipadamente o

resultado desses processos. Num caso ou noutro, constituem um

instrumento a serviço do resultado de outro processo. Têm a finalidade

instrumental em relação aos outros tipos de processo, e esses se

destinam a preservar a observância do direito material . Não são

espécies do mesmo gênero. Os processos de conhecimento e de execução

são instrumentos do processo cautelar.

A ação cautelar é o instrumento do direito material.

Instrumento do instrumento.

1) Processo de Conhecimento

1.1 - Ação declaratória

1.1.1 - positiva

1.1.2 - negativa

Page 14: Barbosa Moreira - Processo Civil

14

1.2 - Ação constitutiva ou de reparação

1.3 - Ação condenatória

2) Processo Executivo

3) Processo Cautelar

O P R O C E S S O

A teoria geral do processo civil repousa sobre três

tópicos fundamentais: JURISDIÇÃO, AÇÃO E PROCESSO . Vamos passar

agora ao terceiro tópico fundamental desta parte introdutória da nossa

disciplina, que é o Processo.

Já sabemos que o dever do Estado de prestar jurisdição, isto é,

de fazer justiça, corresponde da parte daqueles que estão sujeitos ao seu

poder, o direito de exigir essa prestação jurisdicional, e a esse direito se

chama DIREITO DE AÇÃO.

Quando uma pessoa, exercendo o seu direito de ação,

comparece perante o órgão estatal incumbido de prestar jurisdição e lhe

submete o pedido de uma providência de natureza jurisdicional, o Estado

vai promover a realização de uma série de atos, de atividades destinadas a

alcançar o objetivo de prestar justiça. A prestação jurisdicional como bem

se compreende, não é algo que possa ser oferecido instantaneamente, é

necessária a prática de uma série de atos que se prolongam no tempo, por

vezes mais do que seria razoável, mas no entanto sempre se desenrolam ao

longo de algum tempo.

Todos esses atos, por vezes de natureza muito diversa, são

ligados, se unem uns aos outros, pela sua finalidade comum, pelo seu fim,

há uma unidade teleológica, finalística, todos eles se destinam a permitir

que o Estado se desincumba de seu dever de prestar jurisdição. Ao

conjunto desses atos que se praticam com essa finalidade, da

prestação da jurisdição, é que se dá o nome de PROCESSO.

Processo, portanto, é o conjunto de atos através dos

quais se realiza a função jurisdicional. De sorte que é íntima a

relação entre o conceito de processo e os dois anteriores, o de

jurisdição e o de ação. O processo é o instrumento da jurisdição. É

Page 15: Barbosa Moreira - Processo Civil

15

através dele que o Estado cumpre o seu dever de prestar jurisdição,

e é também através do processo que se satisfaz o direito do cidadão

a obter a prestação jurisdicional, isto é, que se satisfaz o direito de

ação.

Vejam que esses três conceitos são interligados. Ação e

jurisdição de certo modo de contrapõem, a ação é o direito à jurisdição, e o

processo é o conjunto de atos que se praticam com a finalidade de que seja

prestada a jurisdição, e portanto seja satisfeito o direito de ação.

O processo não deve ser confundido com o conjunto dos

documentos, dos papéis que registram a prática desses vários atos.

Quando se fala em processo, a idéia do leigo é a de um calhamaço de

papéis. "Passa ali e apanha o processo ..." é uma frase corriqueira mas não

é uma frase técnica. Aquilo a que se dá o nome de "processo",

tecnicamente se denomina AUTOS - os autos do processo, isto é, o conjunto

dos documentos nos quais fica registrada, documentada, a prática dos atos

cujo conjunto forma o processo. Esta maneira de dizer é própria dos leigos

e não dos senhores.

A prestação jurisdicional é a manifestação daquela tutela a

que me referi em nossa primeira conversa: O Estado, editando a norma

jurídica abstrata e genérica que deverá disciplinar a conduta dos membros

da coletividade, faz a promessa de zelar pela observância dessas normas

atuando-as efetivamente diante de situações concretas. Essa tutela pode

manifestar-se de diversas maneiras. Há uma primeira forma de tutela,

cognitiva, isto é, intelectual. Trata-se de ver se a pessoa que foi pedir a

tutela jurisdicional realmente a merece, isto é, se o autor tem razão naquilo

que pediu. E o desfecho dessa atividade é o ato denominado Sentença. A

sentença é o ato no qual o Juiz julga a causa, isto é, estabelece quem tem

razão e quem não tem, acolhe ou rejeita a providência que lhe é pleiteada.

Pelo menos é isso que ocorre normalmente num processo frutífero, num

processo realmente eficaz. O seu desfecho deve consistir normalmente no

pronunciamento do Juiz dando razão a quem a tem. Esse pronunciamento

denomina-se Sentença.

Há um tipo de tutela que visa essencialmente a prolação de

uma sentença e o processo a isso destinado, o processo no qual se realiza

essa atividade, tendente à emissão de uma sentença, recebe a

denominação de Processo de Conhecimento ou de Cognição .

Exatamente porque nele a atividade do Juiz é uma atividade essencialmente

cognitiva, isto é, o Juiz conhece a matéria que lhe foi submetida, verifica os

fatos, aplica aos fatos o direito pertinente e conclui. Tudo isso se passa

num plano intelectual, digamos assim, fisicamente nada acontece,

materialmente nada acontece.

Page 16: Barbosa Moreira - Processo Civil

16

Então aí nós temos a primeira classe, a primeira espécie de

processo - processo de conhecimento ou de cognição , disciplinado no

Livro I do CPC, e que visa essencialmente à emissão de uma sentença. O

processo de conhecimento é um processo de "fabricação" de uma sentença

(imagem talvez vulgar) e todas as vezes que um processo desembocar numa

sentença, estamos diante de um processo de conhecimento - é o sinal

infalível que o caracteriza.

Mas há uma segunda modalidade de tutela que já não consiste

nisso, senão em ter atividade concreta, atua praticamente aquilo que foi

decidido na sentença. Os senhores compreendem perfeitamente que por si

só a sentença não modifica materialmente o mundo exterior. Por ex. no

Processo Penal: no momento em que o órgão judicial profere uma sentença

de condenação à morte, isso não significa que nesse momento a pessoa

condenada morra. A não ser que ao ter ciência do fato seja vítima de

enfarte fulminante. Mas isso é um mero acaso, um fato acidental. Quer

dizer, a sentença não modifica o mundo visível. Então isso não basta.

Muitas vezes, é preciso fazer atuar aquilo que ficou decidido na sentença.

O Juiz condena o réu a pagar determinada importância ao autor, nem por

isso o dinheiro sai voando do patrimônio do devedor para entrar no bolso do

credor. Então há necessidade de um outro tipo de atividade destinada a

fazer com que aquilo realmente aconteça. Este outro tipo de tutela,

denomina-se Tutela Executiva, e sua atuação se faz através de um segundo

tipo de processo, denominado Processo de Execução , que, veremos mais

tarde, não se funda unicamente ou necessariamente numa sentença. Pode

fundar-se numa sentença e isto ocorre na maioria dos casos; ou então num

outro título que a lei para esse fim equipare a uma sentença, permitindo

desde logo que se pratiquem atos materiais, palpáveis, concretos,

sensíveis, destinados a colocar as coisas nos seus devidos lugares.

Então temos dois tipos de processo, processo de conhecimento

e processo de execução. Estas duas espécies podem ser reunidas num

gênero, porque ambas visam à satisfação do direito. Visam a reparar uma

lesão ou a prevenir uma ameaça, satisfazendo o titular do direito lesado ou

ameaçado. Mas ao lado desses dois tipos de processo, que podem formar

um gênero comum, abrangente de ambos (e talvez se possa denominar, a

essa modalidade, de tutela satisfativa, exatamente porque visa a

satisfação), há ainda outra possibilidade - a de uma tutela que não visa

diretamente a satisfazer, mas apenas a assegurar um estabelecimento de

condições para que outro processo tenha um resultado praticamente eficaz.

Uma tutela, digamos assim, mediata, de 2º grau, que não visa a satisfazer o

direito e sim a assegurar a eficácia prática do processo que tende a

satisfazer o direito. Então o segundo processo - linha auxiliar do primeiro,

satélite do primeiro - esse tipo de tutela que apenas serve para evitar o

Page 17: Barbosa Moreira - Processo Civil

17

risco de um processo inútil, dá-se o nome de Tutela Cautelar. É uma

cautela que se toma. Por ex.: receia-se que o devedor porventura vindo a

ser condenado, se coloque numa posição tal que torne inútil a condenação.

Como? Ocultando, desviando seus bens, por exemplo, de tal maneira que,

no momento em que a sentença fosse ser executada, nada se encontraria

para fazer recair a execução. É um perigo que se corre. Para conjurar esse

perigo pode-se tomar uma providência de natureza cautelar que consistiria

em apreender bens do devedor, provisoriamente, evitando que ele os

dissipe ou desvie, de tal modo que esses bens ficassem reservados para

uma eventual futura execução. Ao apreendermos os bens, nós não temos

em vista diretamente satisfazer o direito do credor - até porque é possível

que nesse momento ainda nem sequer se saiba ao certo se aquele crédito

existe ou não. É apenas uma precaução que se toma.

Então, ao lado dos processos que visam a satisfação, nós

temos esse terceiro tipo que visa apenas ao resguardo provisório da eficácia

de alguma outra providência. É uma providência auxiliar. A esse tipo de

tutela secundária denominamos tutela cautelar, e o processo em que ela se

realiza recebe a denominação de Processo Cautelar.

Então, temos três tipos, três espécies de processo

conforme o tipo de tutela jurisdicional neles exercida: o processo

de conhecimento, o processo de execução e o processo cautelar. Os

dois primeiros no seu conjunto podendo ser filiados a um gênero

comum que seria o da tutela satisfativa, e por oposição a eles o

processo puramente cautelar.

Outra noção que deve ser agora exposta é a de

PROCEDIMENTO. Todo processo desenrola-se de acordo com um modelo

indicado na Lei. Os atos processuais não se praticam arbitrariamente, de

qualquer maneira, em qualquer ordem, por qualquer forma. A lei os

disciplina, a lei regula a seqüência dos atos processuais, a forma, o modo

pelo qual devem eles ser praticados. Ela não deixa isso ao capricho do Juiz,

e muito menos ao capricho das partes. Nós encontramos na lei um figurino,

um padrão, um modelo, ou melhor dizendo, vários modelos, de acordo com

os quais o processo deve ser conduzido.

A esta forma, esta maneira externa que reflete o modo pelo

qual os atos do processo se encadeiam sucessivamente e se praticam uns

após outros é que se dá a denominação de PROCEDIMENTO. O processo é o

conjunto de atos, o procedimento é o modo pelo qual estes atos se vão

praticando sucessivamente. E nem todos os processos adotam o mesmo

procedimento. A lei varia o modelo de acordo com diversos fatores quer

serão examinados oportunamente. Encontramos na lei vários tipos de

procedimento. Saber qual deles deve ser utilizado num determinado

Page 18: Barbosa Moreira - Processo Civil

18

processo é questão da maior importância. Porque o processo deve ser

realizado segundo a lei e se a lei prescreve para ele um determinado

modelo, é esse e não qualquer outro modelo que deve ser seguido,

obviamente.

Mas o que importa no momento - porque mais tarde

chegaremos ao ponto em que se tornará oportuno expor e caracterizar os

diversos procedimentos, é que os senhores fixem que as duas palavras,

Processo e Procedimento, não significam exatamente a mesma

coisa. O processo é o conjunto de atos e o procedimento é a

fisionomia externa do processo . E se o processo tem uma fisionomia

externa, há de ter também alguma realidade interna. Que é que constitui a

realidade interna desta série de atos? Aparentemente, se nós observamos

na prática o desenvolvimento do processo, vamos perceber que uma porção

de atos se praticam - atos praticados pelo Juiz, pelas partes, e até mesmo

por outras pessoas que colaboram nas atividades. Mas alguma coisa une

esses atos por dentro - há um fio que passa por dentro de todas as pérolas

do colar. As pérolas são os vários atos, mas eles não estão soltos no

espaço, estão unidos, vinculados, encadeados, assim como olhando para um

colar não se vê o que é que mantém unidas as várias pérolas. No processo

alguma coisa de semelhante se descobre - aqueles vários atos

aparentemente autônomos, na realidade estão unidos, formam no seu

conjunto uma unidade. Ora, que são esses atos? Vejam bem: quando

alguém pratica um ato é porque pode, ou deve, ou precisa praticá-lo. Claro,

um ato é sempre a manifestação de alguma coisa que ou se pode fazer ou

se deve ou se precisa fazer. Então cada ato que surge no processo é a

manifestação de alguma coisa que existe que permite a esse ato surgir, ser

praticado. Que é que está por trás de tudo isso? Está um conjunto de

situações jurídicas das várias pessoas que tomam parte nesse drama

processual, nessa novela. As pessoas quais são? Principalmente o Juiz e as

Partes, eventualmente outras. Se alguma dessas pessoas pratica um ato no

processo é porque tinha de praticá-lo, ou pelo menos podia praticá-lo.

Então essa pessoa exerceu um poder, um direito, uma faculdade ou um

dever. Ora, isso significa que as pessoas que participam do processo

são titulares, nele, de deveres, de direito, de faculdades, etc., que

lhes permitem ou lhes impõem a prática desses vários atos . Ora,

quando diversas pessoas estão ligadas entre si, ou situadas umas diante

das outras, por deveres, direitos, faculdades, etc. que é que dizemos? Que

essas pessoas estão ligadas por uma relação jurídica. O Direito atribui a

essas pessoas essas diferentes posições jurídicas em face umas das outras.

Se o processo é um conjunto de atos com uma finalidade una,

praticados por diversas pessoas que ao praticá-los ou se desincumbem de

deveres ou exercem direitos, é sinal que por trás desse colar de atos, dessa

fileira de atos, existe alguma coisa ligando essas pessoas. Por trás dos atos

Page 19: Barbosa Moreira - Processo Civil

19

do processo existe uma relação jurídica que prende entre si todas essas

pessoas que participam dessa atividade processual. Daí falar-se de uma

RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL. Se não houvesse para ninguém o

direito de praticá-los, ou o dever ou a faculdade ou o ônus de praticá-los,

eles não seriam praticados. Então se eles se praticam é porque alguém

pode, deve, etc., e esse alguém está numa posição jurídica ativa ou passiva

diante de outro.

Modernamente, isto é, desde o século XIX, fala-se em Relação

Jurídica Processual para designar o vínculo que se forma entre as várias

pessoas que participam da atividade processual, o Juiz e as partes

essencialmente, eventualmente outras.

Esta relação jurídica processual tem certas características um

pouco diferentes das relações jurídicas que os srs. conhecem das outras

disciplinas. A relação no Direito Civil, em regra, é uma relação jurídica

estática, isto é, uma vez estabelecida ela se conserva tal qual era até que

se extinga. Ela não se transforma, é uma relação fixa. Alguém contrai uma

dívida, a dívida existe tal como contraída, até sua extinção.

A relação jurídica processual é uma relação dinâmica , é

como um caleidoscópio. A cada ato que se pratica surge uma nova situação

em que nascem novos direitos e novos deveres que vão sendo exercidos,

vão se consumindo, vão se extinguindo, e nem por isso a relação acaba. Ela

é sempre a mesma até o fim, embora a sua fisionomia vá se modificando a

cada instante. Ela tem, portanto, esse caráter dinâmico, é uma relação

complexa, uma relação progressiva, comporta em si não somente um direito

para um, uma obrigação para outro, e sim um feixe ou vários feixes de

direitos, deveres, obrigações, etc., que se vão exercendo e mudando,

nascendo e morrendo e se transformando continuamente desde o princípio

até o fim do processo. E ela não se confunde de maneira nenhuma

com a relação jurídica que o autor afirma existir entre ele e o réu no

plano material. Quando o autor diz "Eu sou credor do réu e quero cobrar a

dívida", ele está afirmando a existência de uma relação jurídica de direito

material, de direito civil no caso, se for um direito civil. Agora, o fato dele

ir a Juízo e propor uma ação em face deste réu, entre ele e o réu e o Juiz, se

forma uma relação jurídica nova, distante desta. Aquele relação de direito

material pode até não existir. Tanto pode que é perfeitamente concebível

que ao fim do processo o Juiz diga: "Não senhor, eu não condeno o réu a

lhe pagar porque ele nada lhe deve".

Então o Juiz afirma que aquela alegada, suposta, hipotética

relação de direito material inexiste. Agora, a relação jurídica processual,

essa é claro que existe. Existe e perdurou todo o tempo em que o processo

se desenrolou. Elas são inteiramente distintas e uma é autônoma em

Page 20: Barbosa Moreira - Processo Civil

20

relação à outra. As relações jurídicas de direito material podem ser de

direito privado ou de direito público, mas a relação jurídica processual é

sempre uma relação jurídica de direito público. O processo é regido

pelo direito público. É uma atividade, uma das funções básicas do

Estado.

Quando a relação jurídica material alegada pelo autor não

existe, o pedido é improcedente, isto não afeta a relação jurídica

processual, ela existia autonomamente, independentemente em face da

outra.

Quais são então as características essenciais dessa relação

jurídica processual? Ela é, como disse, uma relação complexa, dinâmica e

progressiva e é autônoma em relação a de direito material. Para que a

relação jurídica processual possa instaurar-se, possa nascer, é necessária a

presença de determinados requisitos. E para que ela possa, além de

nascer, ter vida válida, isto é, existir validamente, são necessários outros

tantos requisitos. A esses requisitos necessários para que o processo,

encarado como relação jurídica processual, isto é, olhado na sua substância

íntima e não no seu feitio exterior, exista, para que exista o processo,

algumas coisas são necessárias, e para que ele exista validamente, outras

coisas a mais são necessárias.

A esses requisitos a doutrina tem chamado pressupostos

processuais. Pressupostos processuais são os requisitos necessários para

que o processo exista e para que ele seja válido. E já aí podem-se

distinguir duas espécies de pressupostos processuais - os pressupostos de

existência e os pressupostos de validade . Então vejamos:

Que é preciso haver para que possa existir o processo? Se

aqui, por exemplo, a título de método didático, simulássemos, e viesse um

dos srs. com um esboço de uma petição inicial de uma ação, e eu dissesse:

"O Juiz pega a petição inicial, lê, e depois despacha: Cite-se o réu." Isto

seria o processo, juridicamente falando? Pode-se dizer que foi instaurado o

processo, se eu dissesse isso? Não. Então o que é que falta para que seja o

verdadeiro processo? Falta, em primeiro lugar, alguém que esteja investido

do poder de julgar, falta o órgão jurisdicional. (O professor, por acaso, é

Juiz, porém aqui não está na sua função de Juiz.) Não há portanto aqui na

sala o Juiz, há uma pessoa que exerce o cargo, o poder judicial, mas aqui

não está nessa qualidade, portanto não está podendo aqui despachar a

petição de ninguém.

Mas não é só o Juiz que falta. Você trazendo esta petição

inicial está realmente na posição de alguém que pleiteia uma prestação

jurisdicional do Estado? Ou está só treinando como aluno? Se você trouxer

Page 21: Barbosa Moreira - Processo Civil

21

a petição que eu mandei, você não está pleiteando, não está sendo autor,

não está sendo parte.

A pessoa física que você aponta na sua petição como sendo o

devedor, também não há. Então não há nesse processo nem Juiz, nem

partes, e o processo não pode existir sem Juiz e sem partes. Esses

elementos têm de preexistir ao processo. Têm de existir antes do processo.

Por isso mesmo eles são pressupostos. Para que o processo exista, é

preciso que antes disso exista um órgão investido de jurisdição, e

duas pessoas que possam assumir nesse processo a posição de

partes, uma que seja autor e outra que possa ser réu, sem o que não

há processo possível .

Mas não basta isso. Suponhamos que eu aqui estivesse no

exercício da minha função como Juiz, na qualidade de Juiz. Estou sentado

aqui e um dos srs. pretende cobrar de outro uma dívida hipotética.

Suponhamos que A deva a B uma importância, e B esteja querendo cobrar

dele essa importância em Juízo. Então aqui está o Juiz, ali está o autor e ali

está o réu. Então estão presentes os três. Já há processo? O que é que é

necessário: Que o credor B se digne a se mexer. Sem isso eu não me

mexo. A jurisdição é uma função cujo exercício depende de uma cutucada

por parte do particular. O Juiz não sai a cata de causas para julgar, ele não

se move. O Juiz é inerte, quer dizer, só atua provocado. Então é preciso

que alguém aperte o botão, como se alguém ligasse um tomada. Se

ninguém disser nada o processo não começa. A parte tem que se mover

para por em movimento o Juiz. Então, B tem que vir aqui dizer: "Peço a

V.Exa. que condene A etc.,etc." Então, além dos elementos que eu diria

estáticos, é preciso um movimento dinâmico, um movimento destinado a

acionar a faísca que desencadeia o movimento processual, e que não parte

do Juiz, parte da parte.

"Art. 262 - O processo civil começa por iniciativa da

parte, mas se desenvolve por impulso oficial."

Depois de iniciado, o Juiz deve tocá-lo para a frente, porém

não é o Juiz que o inicia, a iniciativa cabe à parte. Ninguém obtem justiça

sem pedí-la. Pode-se mesmo aplicar a frase "Quem não chora não mama".

Então, é preciso que haja órgão com jurisdição, partes, e esse

ato de apertar o botão. Esse ato chama-se Demanda - é o ato pelo qual

alguém pede a prestação jurisdicional . Esses são os pressupostos de

existência do processo.

Agora, para que o processo seja válido é preciso que cada um

desses elementos seja revestido de certas qualidades. Respectivamente:

Page 22: Barbosa Moreira - Processo Civil

22

A) O órgão de jurisdição pode ser um qualquer? Não. Não é qualquer Juiz

que pode julgar qualquer causa. Há um divisão de trabalho que delimita a

competência de cada um. Aí já é um requisito não para que o processo

exista, mas para que seja regular, seja correto e portanto válido. Então, em

correspondência com o órgão de jurisdição que é o pressuposto de

existência, o pressuposto de validade é a competência desse órgão .

B) Em relação às partes: menores podem litigar em Juízo por si mesmos?

Uma criança de 12 anos pode? Não pode. Um louco sob interdição pode?

Normalmente não pode. Então é preciso que as partes sejam capazes .

A capacidade corresponde à competência. Reparem que é um atributo

análogo. A competência do órgão judicial, a capacidade das partes. É uma

analogia.

C) E é preciso que a demanda seja oferecida em forma regular, de

acordo com a lei . Não é de qualquer maneira. Não pode ser feita

oralmente, tem que ser feita por escrito (Art. 156) e só em português.

Eis ai os pressupostos de validade do processo.

Quais são os sujeitos da relação jurídica processual? Quais

são os sujeitos de qualquer relação jurídica? São as pessoas que assumem

em face umas das outras, direitos, deveres obrigações, faculdades, etc.

Sujeitos de relações jurídicas são sempre essas pessoas. E quem é que

assume tais posições no processo? Já sabemos que essencialmente três

pessoas, pelo menos, a saber: o Juiz (não é a pessoa física do Juiz, e

sim o órgão judicial- não é o Dr. Fulano ou o Dr. Sicrano, é o Juiz

como órgão do Estado), e as partes. Esses são os sujeitos principais do

processo. Hoje esse conceito é mais ou menos tranqüilo mas nem sempre

foi. Vocês encontram nos livros a esse respeito uns gráficos. Quase todo

livro tem esses gráficos.

Quando se defrontarem com esses gráficos não pensem que os

diversos participantes do processo estão lançando flechas uns na direção

dos outros. Não se trata de uma representação gráfica de uma luta de

índios. Aquelas setinhas pretendem simbolizar as posições jurídicas dessas

pessoas umas diante das outras.

O primeiro gráfico quer dizer o seguinte: Aqui concebia-se a

relação jurídica processual apenas entre autor e réu, i.e., entre as partes.

Segundo essa concepção, que se chama concepção linear, ou segundo

outros, retilínea, só as partes é que têm direitos e deveres umas em relação

às outras, o Juiz não. Esta concepção está totalmente abandonada, ela

remonta a um autor chamado KOHLER, cuja teoria, contudo, hoje não é mais

Page 23: Barbosa Moreira - Processo Civil

23

adotada. É claro que o Juiz também tem em face das partes poderes,

deveres, ninguém pode negar isso.

Agora aqui, que o Juiz é sujeito da relação processual hoje não

se discute. O que ainda se discute é se além das relações entre o Juiz e

cada uma das partes, como ali, se também existe no processo uma relação

jurídica entre as partes, autor e réu. Afirmam alguns autores, negam

outros. É claro que no plano do direito material a relação é entre as partes,

o Juiz não tem nada com ela, o crédito, a dívida. Mas isso é outra coisa.

Pois bem, até hoje se discute, e há uma teima em torno disso. A meu ver

existe a relação jurídica não apenas de cada uma das partes para

com o órgão judicial, mas também entre elas . Há certos deveres,

certos direitos, que uma das partes no processo tem diretamente para com

a outra; pelo menos um: o direito do vencedor de haver do vencido o

reembolso das custas que ele, vencedor, dispendeu e dos honorários

do seu advogado. Em todo o processo, ao terminar, o vencido deve pagar

(art. 20). Uma das partes pelo simples fato de ser vencedora tem perante a

outra o direito de receber o que pagou em custas e os honorários de seu

advogado. Conseqüentemente, a outra tem obrigação de pagar isso, e daí

uma relação que sem dúvida alguma se estabelece entre as partes.

Então, a meu ver, seria preferível a concepção atribuída a

WACH. Mas eu não brigo por ela, estou apenas expondo.

Então os sujeitos principais da relação jurídica

processual são, sem dúvida alguma, o órgão judicial e as partes .

Eventualmente outras pessoas que também assumem no processo deveres

ou direitos ou faculdades, por exemplo, as testemunhas: a pessoa chamada

ao processo para depor sobre fatos que interessam à solução do litígio, pelo

fato de ser convocada assume o dever de comparecer. Então, a testemunha

não é Juiz, nem parte, mas assume o dever de comparecer e dizer a

verdade, senão pode sofrer uma pena (falso testemunho). Então, é sujeito

eventual, sujeito acidental, sujeito secundário. Os auxiliares dos Juízes, o

Oficial de Justiça que realiza a citação, têm uma porção de deveres mas

também têm faculdades - ele pode fazer isto, pode fazer aquilo, pode

arrombar a porta sob determinadas circunstâncias para fazer uma penhora,

por exemplo. Então outras pessoas podem também assumir a posição de

sujeito, mas são eventuais, não são necessárias. Necessárias são

aquelas três: o Juiz e as partes . A parte que propõe a ação chama-se

autor, e a parte em face da qual a ação é proposta chama-se réu. Estes são

os sujeitos necessários, essenciais, principais, da relação jurídica

processual.

Aquela série de atos praticados pelo órgão jurisdicional,

pelas partes, formam o que se chama de processo . A lei atribui a

Page 24: Barbosa Moreira - Processo Civil

24

essas diversas pessoas, faculdades para atingir o fim, que é a prestação de

justiça. Estando essas pessoas que participam do processo dotadas de

deveres, direitos, faculdades, diz-se por essa razão que todas elas estão

ligadas entre si por uma relação jurídica, que por motivos óbvios toma o

nome de relação jurídica processual. Se estão ligadas graças aos laços de

cada uma em face das outras, em que consistem essas diversas posições

que o sujeitos assumem, um diante do outro? Esse é o conteúdo da relação

jurídica. Em que consiste uma relação jurídica? O casamento faz nascer

uma relação jurídica. Eu tenho direitos e deveres para com o meu cônjuge.

Qual o conteúdo? Conjunto dos deveres e direitos que assumem um perante

o outro. O que compõe o conteúdo da relação jurídica processual? É

a soma, o conjunto dessas várias posições jurídicas que cada um

assume diante do outro . Quem exerce jurisdição? É o órgão estatal num

plano de prenúncia em relação aos outros. Ele exerce poderes de direção

do processo. Os poderes do Juiz são diversos e se manifestam em vários

campos. Em relação à prova (instrutória) tende a acentuar-se no processo

civil moderno. Vão até a fiscalização da regularidade (poder de polícia no

sentido do D. Administrativo). O Juiz tem também deveres, sendo o

primordial o de prestar jurisdição, pronunciar-se sobre o que se lhe requer.

Ao Juiz não é dado abster-se de um pronunciamento. O Juiz pode indeferir,

não pode rasgar nem queimar o processo. Outro dever é o que motiva as

suas decisões. O Juiz deve expor as razões que o levam a decidir dessa ou

daquela maneira. A razão deve ser exposta. O Juiz exerce poderes sobre as

partes, que possuem: 1) Direito; 2) Faculdades; 3) Deveres e 4) Ônus.

1) DIREITOS - É uma categoria ativa -> vantagem - titulares de direito

subjetivo, possibilidade de exigir de outrem que manifeste comportamento.

Faça ou deixe de fazer. Diz-se que a primeira pessoa tem direito subjetivo

em face da segunda e esta deve em face da primeira. Quando a primeira

pessoa começa a exercer o direito de ação, ela instaura o processo. Se

desdobra no processo a relação processual dinâmica e progressiva. O

Estado suporta todo o conteúdo múltiplo do direito de ação

2) FACULDADES - É uma categoria ativa -> vantagem (Direito é diferente

de faculdade. A diferença é tênue, mas é possível, e devemos fazê-la. O

direito é algo correspondente a um dever. A faculdade é a possibilidade de

eu fazer ou não alguma coisa, não havendo correspondência na atitude de

outra pessoa. A faculdade se esgota em mim mesmo. A parte renuncia, ela

tem a faculdade de renunciar, tem a faculdade de testar).

3) DEVERES - Aspecto passivo. Direitos e deveres são correlatos. A parte

tem o dever de lealdade - Arts. 16 e 19 do CPC, reembolso das custas e

honorários por ela pagos. O verbo de dever é eu devo.

Page 25: Barbosa Moreira - Processo Civil

25

4) ÔNUS - Está para o dever assim como a faculdade está para o direito. O

dever me impõe agir desta ou daquela maneira, o ônus me impõe agir dessa

ou daquela maneira em meu próprio benefício. O verbo no campo do ônus é

eu preciso fazer isto. Ex.: Se eu quiser observar a paisagem do Pão de

Açúcar eu preciso pegar o trem, pagar a passagem. No processo há ônus.

O mais conhecido é o ônus da prova. Se eu descumpro, eu privo a mim

mesmo de ter uma vantagem. O Juiz tem poderes, não tem ônus .

PRINCÍPIOS GERAIS QUE INSPIRAM O PROCESSO E O

PROCEDIMENTO

Não se encontram em regra na lei, e por isso mesmo são

princípios. Nós inferimos no exame sintomático do texto. Esses princípios

expressam valores políticos (idéias), o atendimento técnico (visam o melhor

funcionamento) e se espelham na lei.

Às vezes esses princípios se apresentam em dupla,

contrapostos, porque a sociedade não é unívoca. Ela presta reverência

simultânea a dois valores que puxam para um lado e para o outro. A ordem

jurídica é o contrapeso. De um lado a justiça e do outro a segurança. No

processo se atendermos só ao valor justiça, este se choca coma a

segurança. A situação jurídica não pode ficar incerta. A lei procura

conciliar esses dois valores (justiça e segurança). Há uma polaridade de

valores. Os princípios que regem os processos variam conforme o tempo. A

priori, não se pode afirmar que o princípio é tal. No processo civil, por

exemplo, um princípio que tem sido mencionado como merecedor de

acatamento é o da ORALIDADE. O princípio oposto que é o da

ESCRITURAÇÃO, que é importante para o processo não se evaporar. O

processo deve ser tanto quanto possível oral. Deve haver uma

oportunidade para que as partes possam fazer valer sua oportunidade

oralmente, na medida que é importante para o Juiz formar sua convicção

(olhando o réu, ele, o Juiz, pode verificar se a pessoa fica pálida ou

vermelha com as perguntas). Esse princípio se desdobra em diversos

aspectos. Para que uma causa seja bem julgada, quando se usa a prova

testemunhal, o Juiz deve entrar em contato direto.

Outro princípio é que entre o momento de ouvir e julgar não se

escoe muito tempo - CONCENTRAÇÃO PROCESSUAL. Deve haver

identidade física, e ainda o princípio DISPOSITIVO, que parte da idéia que

o órgão de jurisdição deve em certa medida atuar na proporção que as

partes o provoquem - Art. 262 CPC (se a parte pedir menos, mesmo que ela

tenha direito a mais, o Juiz não pode conceder - arts. 128 e 460, CPC).

Page 26: Barbosa Moreira - Processo Civil

26

O Juiz não pode julgar nem ultra petitum, nem extra petitum.

Outro princípio é o INQUISITIVO, expressa a idéia que o Juiz não é mero

espectador, passivo, do duelo das partes. Ele tem posição atuante no

processo. O Juiz não está adstrito à prova, pode determinar outras, em

matéria pericial por exemplo. Ele pode espontaneamente (ex officio) pedir

que se determine as causas da doença por um médico, por exemplo.

Outro princípio é o do CONTRADITÓRIO ou da IGUALDADE

DE TRATAMENTO DAS PARTES. É o reflexo no campo processual da

isonomia constitucional (art. 5º CF). As partes devem ter chances iguais, ou

equivalentes. Ex.: se uma das partes junta um documento, o Juiz não pode

decidir sobre aquele documento sem permitir que a outra parte também o

faça. Art. 397 CPC e art. 125, I, expressam esse princípio.

Princípio da ECONOMIA PROCESSUAL - Toda a máquina deve

ser posta para funcionar com o máximo de produção e com o mínimo de

trabalho ou esforço. Não se pode exigir do órgão judicial um modo de agir

mais complicado, se é possível mais facilmente (art. 130 CPC). O processo

deve ser conduzido da maneira mais simples possível. No mundo do

processual, tudo que não é necessário é proibido .

O princípio da PRECLUSÃO: nosso processo tem estrutura

escalonada, hierárquica. Esse princípio indica que uma vez ultrapassada a

fase própria para uma determinada atividade, esta não pode mais ser

realizada. Há um momento para requerer. A parte deve usar de todos os

argumentos que lhe são dados, de uma vez, de forma oportuna (contestação

- rebate). Se o autor se esqueceu de fazer determinada impugnação não

pode mais fazer. Isso leva a uma coisa curiosa: deve-se usar de todas as

munições, mesmo de uma linha de argumentação que se choque com a

outra, ou seja, contraditória. Por exemplo: o autor diz que o réu deve. O

réu diz que nada deve, mas se devia já pagou, e se devia e não pagou o

autor perdoou a dívida. O PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE (defesa) É

COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO.

FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO

Sabemos que o processo constitui uma relação jurídica

dinâmica, no sentido de que não se esgota num só momento. É uma

relação jurídica que se prolonga no tempo e que está sujeita, portanto, além

da sua formação, a eventualmente suspender-se e sofrer uma paralisação

temporária, e necessariamente a extinguir-se.

Page 27: Barbosa Moreira - Processo Civil

27

Vamos tratar aqui hoje de saber como nasce, como termina e

em virtude de que eventualmente deve extinguir-se a relação processual. O

Código trata da formação, da suspensão e da extinção do processo de

conhecimento no livro destinado ao processo de conhecimento, no Título VI

do Livro I - Da Formação, da Suspensão e da Extinção do Processo. De

modo que antes, no Livro II destinado ao processo de execução também no

Título VI - os senhores vão encontrar lá - Da Suspensão e da Extinção do

Processo de Execução.

Não vamos estudar hoje aqui esses tópicos referentes ao

processo de execução, porque envolveria esse estudo o exame de noções

que os srs. só vão adquirir mais tarde quando estudarem o processo de

execução. Veremos então como essa matéria se projeta lá. Vamos nos

restringir aqui, portanto, ao estudo da formação, da suspensão e da

extinção do processo de conhecimento.

Em primeiro lugar, a FORMAÇÃO DO PROCESSO. Como é

que nasce o processo de conhecimento, como é que ele se forma. A

formação não se opera em uma etapa só. O processo se forma em duas

etapas, em duas fases que se sucedem. Sabemos que o processo envolve

necessariamente autor, Juiz e réu. O processo só completa a sua formação

quando esses três protagonistas já se acham atuando na relação processual,

quando já se acham presentes na relação processual. A primeira etapa

da formação do processo de conhecimento é a PROPOSITURA DA

AÇÃO. No primeiro momento o autor se dirige ao Juiz pleiteando a tutela

jurisdicional através de uma petição, através da petição inicial.

O art. 263 trata exatamente de fixar esse momento, a

propositura da ação, que é a 1ª etapa da formação do processo de

conhecimento. O problema aqui consiste em saber quando é, em que

momento, se considera proposta a ação. Vamos ver mais adiante a

relevância da determinação desse momento. A essa indagação responde a

primeira parte desse dispositivo (art. 263) com duas soluções, conforme a

hipótese. Os srs. podem conceber que haja no Foro onde se vai ajuizar a

ação, apenas um Juiz e apenas um Escrivão; ou podem conceber que haja

mais de um Juiz que seja em tese competente para apreciar aquela causa,

que tenha em tese atribuição para processar e julgar aquela causa. Ou que,

havendo um só Juiz, haja mais de um Escrivão. Quer haja mais de um Juiz,

quer haja mais de um Escrivão, será evidentemente necessário que se

proceda a uma distribuição prévia entre eles, a fim de que se saiba qual o

órgão que efetivamente, dentre aqueles que existem no lugar, é que irá

processar o julgamento da causa.

Conforme esses dois casos, o Código estabelece o momento

em que se considera proposta a ação. Se for necessária a distribuição, é a

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28

distribuição que assinala a propositura da ação. Considera-se proposta a

ação quando a distribuição for necessária, no momento em que ela

ocorra, no momento em que se verifique a distribuição . Se a

distribuição não é necessária, a ação se considera proposta no

momento em que o Juiz despachar a petição inicial .

Esse conceito é muito importante; é importante saber

determinar em que momento a ação se considera proposta.

Ex.: o Código Civil estabelece que a Ação de Contestação de

Paternidade que tem o marido em relação a filhos nascidos de sua mulher,

só pode ser proposta pelo marido. Apenas ele tem a possibilidade de

contestar, na constância do casamento, a paternidade dos filhos nascidos

de sua mulher. Mas encontramos no C.Civil também uma regra que

estabelece que, uma vez proposta pelo marido a ação, se ele vier a falecer,

os herdeiros dele poderão continuar conduzindo o processo. Propor só ele

pode, mas uma vez que ele tenha proposto os herdeiros poderão continuar.

De tal maneira que, se o autor, no exemplo o marido, vier a falecer depois

da propositura da ação, é possível que os sucessores dele dêem

continuidade ao processo; mas se ele falece anteriormente à propositura da

ação, esse resultado não será alcançado. Dessa maneira, interessa aí saber

em que momento a ação se considera proposta.

Outro exemplo: o art. 87 do CPC (os srs. estudarão mais tarde

a competência e terão oportunidade de aprofundar as noções necessárias à

compreensão desse dispositivo - ele entra aqui apenas com exemplo), diz o

seguinte: "Determina-se a competência no momento em que a ação é

proposta..." Suponhamos então o seguinte: eu tenho que propor uma ação

contra um meu devedor e existe uma regra do CPC que diz que esse tipo de

ação que eu tenho que mover contra o meu devedor deve ser ajuizada no

local onde ele tem domicílio. Eu devo propor a ação no local onde ele tem

domicílio. Eu proponho a ação. No momento determinado de acordo com

aqueles critérios que nós vimos, no momento em que se verifica o

propositura da ação, suponhamos que ele tenha domicílio aqui no Rio de

Janeiro, de maneira que eu instauro o processo aqui no Foro da Cidade do

Rio de Janeiro. Mas posteriormente, ele vem a mudar. Evidentemente o

processo não poderia seguir as alterações de domicílio do devedor, de modo

que o Direito se vê compelido a fixar um momento no qual se deva aderir

àqueles critérios necessários para determinar a competência do Foro, o

lugar onde se deve propor a ação. O momento é esse estabelecido no art.

87 do CPC.

Então aí estão dois exemplos destinados a ilustrar a relevância

de determinar o momento em que se considera a ação proposta.

Page 29: Barbosa Moreira - Processo Civil

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A propositura da ação constitui, como disse, a primeira etapa

da formação do processo. Ela já estabelece entre o autor que pleiteia a

tutela jurisdicional e o Juiz uma relação jurídica. Evidentemente, o Juiz a

quem se entrega uma petição inicial não pode engavetá-la, tem o dever de

pronunciar-se sobre ela. De tal maneira que já esse dever de um lado, da

parte do órgão jurisdicional, e o correspondente direito que tem o autor de

ver apreciada num sentido ou noutro a sua petição, já constituem uma

relação jurídica, já configuram o início da relação jurídica processual. Mas,

evidentemente, enquanto estão no processo apenas autor e órgão judicial,

está faltando uma figura importante do processo, que é o réu. Dessa

maneira, a formação do processo, embora seja iniciada com a

propositura da ação, só vai completar-se a partir do momento em

que se convocar o réu ao processo, através de um ato que se

denomina de CITAÇÃO.

Portanto, só a citação é que vai completar, é que vai consumar

a formação do processo. O processo se forma judicialmente, portanto,

através de duas fases, a primeira delas a propositura da ação que

estabelece um vínculo entre autor e Juiz, e a segunda através da qual se

completa, se integra o processo, que é a convocação do réu, o chamamento,

a citação do réu.

Formado o processo, qual o objetivo que se tem em vista

alcançar nele? Qual é o alvo a que tende o processo de conhecimento? A

emissão de uma SENTENÇA , que aprecie o pedido formulado pelo autor,

julgando-o procedente ou improcedente. Esse é o destino normal do

processo de conhecimento. Várias atividades possivelmente serão

praticadas entre esses dois marcos - a formação e a prolação da sentença.

Será praticada atividade probatória, as partes terão a oportunidade de

determinar através dos meios adequados a veracidade daquelas afirmações

que elas fazem no processo. O Juiz vai ter que verificar o valor daquelas

provas, convencendo-se que determinados fatos estão provados e outros

não estão. Vai ter que verificar qual o Direito aplicado, o Direito subjetivo,

quais as normas jurídicas abstratas, genéricas, aplicadas àquela situação

que ficou comprovada nos Autos. E vai finalmente prolatar uma sentença a

respeito do pedido formulado pelo autor. Vai acolher o pedido ou vai

rejeitá-lo, vai julgá-lo procedente ou improcedente, vai proferir, em suma,

uma sentença. Nós deveríamos dizer que normalmente é esse o modo pelo

qual se extingue o processo. Normalmente, se tudo funcionar bem, se tudo

correr bem, o último ato praticado no processo será uma decisão que acolha

ou rejeite o pedido formulado pelo autor.

As coisas porém não são sempre tão simples assim. No Direito

Brasileiro, assim como em quase todos os ordenamentos jurídicos, uma vez

proferida em 1º grau, em 1ª instância, uma decisão a respeito do pedido do

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30

autor, uma sentença de mérito, será possível que aquele que ficou vencido

manifeste para um órgão normalmente hierarquicamente superior, o seu

inconformismo. Será possível que se impugne a sentença, que a sentença

seja impugnada através do meio que se denomina de Recursos. Diante da

possibilidade da interposição de Recursos, será possível que, proferida em

1º grau, em 1ª instância, um sentença de mérito, o processo aí não termine.

Porque o recurso vai provocar um prolongamento daquele processo. E

poderá ser admitido um, poderão ser admitidos dois ou mais recursos,

conforme o caso. Vai chegar o momento, porém, em que não se admitirá

mais nenhum recurso; ou porque não cabe mesmo mais nenhum, ou porque

normalmente aquele que tinha a possibilidade de recorrer deixará esgotar-

se em branco o prazo de que dispunha para recorrer. Nesse momento, a

decisão se torna irrecorrível. E nós, tecnicamente, dizemos que ela

transitou em julgado. Trânsito em julgado é isso - é a irrecorribilidade

da sentença. É o fenômeno que consiste em uma decisão não

comportar mais recursos.

Com precisão, quando é que nós podemos entender que se

extingue normalmente o processo de conhecimento? Quando transita em

julgado uma decisão de mérito . Quando se torna irrecorrível uma

decisão que tenha julgado procedente ou improcedente o pedido formulado

pelo autor. Esse é o modo normal de se extinguir o processo de

conhecimento: trânsito em julgado da decisão de mérito.

Decisões de mérito são decisões que versam sobre o

pedido.

Então, normalmente, o processo de conhecimento de extingue

dessa forma. O Código prevê, porém, determinados fatos que podem

impedir que se atinja o processo esse resultado. Determinados fatos que

vão acarretar a extinção do processo sem que surja para o órgão judicial a

oportunidade de pronunciar-se a respeito do pedido do autor (só o autor é

que formula tecnicamente o pedido). Determinados acontecimentos podem

provocar a extinção do processo sem julgamento do mérito, sem que surja a

oportunidade do órgão judicial apreciar o pedido e rejeitá-lo ou acolhê-lo.

Poderíamos chamar a esses fatos de modos anormais de

extinção do proc. de conhecimento. Normalmente, levando em conta a

finalidade do processo, este só vai extinguir-se quando transitar em

julgado uma decisão de mérito. Excepcionalmente vai o processo

extinguir-se sem que surja uma decisão desse tipo .

É justamente esse critério, a referência ao mérito, que é

utilizado pelo legislador para disciplinar essa matéria - a extinção do

processo. O art. 267 do CPC relaciona as causas que conduzem à extinção

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do processo sem julgamento do mérito. O art. 269, as causas que provocam

a extinção do processo com julgamento do mérito.

Extinção do Processo SEM JULGAMENTO DO MÉRITO

Quando é que se extingue o processo sem julgamento do

mérito? O primeiro inciso do art. 267 refere-se à hipótese de o Juiz indeferir

a petição inicial. Já no primeiro contato que o Juiz tem com a inicial, a lei

confere a ele o poder de trancar praticamente no nascedouro o processo.

Por determinados motivos que vamos estudar mais tarde, permite-se isso.

Já no primeiro contato indeferir a petição inicial, praticamente evitando a

formação do processo.

Normalmente, as causas que autorizam o Juiz a indeferir a

petição inicial não dizem respeito ao pedido do autor. Normalmente, não

está o Juiz autorizado a indeferir a inicial porque desde logo reconheça que

o autor tem ou não tem razão. São questões de outro tipo que se colocam

neste primeiro momento. Questões que não dizem respeito ao mérito do

processo, que não dizem respeito ao pedido. Por exemplo: as condições da

ação - a falta de legitimidade ativa ou passiva, é uma das causas que

autorizam o Juiz a indeferir a inicial. Então, normalmente o indeferimento

da inicial se baseia em questões diversas do mérito (art. 267). Essa regra a

rigor tem uma exceção. Existe um caso, parece que apenas um caso,

em que o Juiz pode indeferir por razões de mérito - prescrição e

decadência. Mas veremos isso mais tarde. O Código se baseou em que

normalmente o indeferimento da inicial não envolve uma apreciação do

mérito, não envolve um exame do pedido, e por isso colocou aí no art. 267.

Inciso II, art. 267 - Extingue-se o processo sem julgamento do

mérito quando ficar parado por mais de um ano por negligência das partes.

As partes se desinteressam do andamento do processo, durante mais de um

ano não se praticam atos processuais. O Código não quer que essa situação

perdure indefinidamente, e permite aí, portanto, que se dê término ao

processo quando isso acontece. Quer por uma falta do réu, quer por uma

falta do autor, quer dependa do réu o ato a que está condicionado o

andamento do processo, quer dependa do autor esse ato, ficando o processo

parado por mais de uma ano sem que se verifique a prática de atos

processuais, vai ser possível extinguir o processo sem que o Juiz aprecie o

pedido.

O inciso III do art. 267 trata de fato semelhante referente

porém exclusivamente ao autor. Extingue-se o processo sem julgamento do

mérito quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o

autor abandonar a causa por mais de 30 dias. Aqui também é a inércia do

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autor e o prazo será mais curto por razões óbvias. Se foi o autor quem

pleiteou a tutela jurisdicional, deve se esperar que ele demonstre o maior

interesse em que o processo atinja tão rapidamente quanto possível o seu

desfecho. De maneira que o autor que deveria ser o maior interessado em

dar prosseguimento ao processo. Omitindo um ato do qual está

dependendo esse prosseguimento, e se essa omissão perdurar por 30 dias,

o Código autoriza a que se dê fim ao processo sem julgamento do mérito.

Sobre esses dois casos, a paralisação do processo durante

mais de um ano, e o abandono da causa pelo autor, estabelece o Código no

§ 1º do art. 267 o seguinte: "O Juiz ordenará no casos dos nºs II e III, o

arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte

intimada pessoalmente não suprir a falta em 48 horas." Se o Juiz verifica

que ou o processo está parado há mais de uma ano ou que o autor está

omitindo ato de que depende o prosseguimento, o Juiz vai determinar a

intimação pessoal, ou só do autor, ou de ambas as partes, para que em 48

horas promovam o ato que está faltando. Se promoverem, não vai encerrar-

se o processo; se em 48 horas, porém, perdurar a omissão, aí então vai

extinguir-se o processo sem julgamento do mérito. A intimação é

pessoal, não é o advogado do autor nem o advogado do réu, é o

autor e é o réu, diretamente, não por intermédio do advogado .

OBS.: Todo ato que o Juiz pode fazer de ofício, quer dizer, que ele pode

fazer independentemente de provocação das partes, as partes podem

solicitar a ele que faça. Não seria lógico que nós impedíssemos as partes

de pleitear uma providência que o Juiz, de ofício, pudesse conceder. O

problema é o oposto - é saber se sem provocação do réu, no caso de

abandono pelo autor, o Juiz poderia tomar essa providência, determinar a

intimação do autor para que em 48 horas praticasse o ato e se ele não

praticar nesse prazo, encerrar o processo. Não necessariamente em

benefício do réu, o réu pode ter interesse em que o mérito seja julgado, ele

pode estar confiante nas suas razões. O caso do inciso II refere-se à

negligência de ambas as partes, quer dizer ambos revelam desinteresse

pelo processo. Há quem entenda que esse nº II é inaplicável porque ou a

omissão é do autor e nesse caso em 30 dias estaria caracterizado o

abandono da causa, ou é do réu e em regra a inatividade do réu é

irrelevante para o prosseguimento do processo. Eu ainda tenho a

esperança, para salvar o nº II, de achar um caso em que a omissão do réu

seja relevante. Mas reconheço que não é fácil encontrar uma hipótese de

aplicação do nº II. Primeiramente, o processo só pode estar parado ou por

omissão do Juiz, do autor, ou do réu. Do Juiz, evidentemente, a solução não

estaria em extinguir o processo. Do autor, em 30 dias já teria ficado

caracterizado. E realmente a regra geral é que a inatividade do réu é

irrelevante para o desfecho do processo.

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33

Então: 30 dias deixando de praticar o autor um ato que lhe

compete, caracteriza-se o abandono da causa e com aquela providência

estabelecida no § 1º, o Juiz vai poder extinguir o processo sem julgar o

mérito. O outro caso é o do processo ficar paralisado por mais de uma ano

por negligência das partes, autor e réu. É essa a diferença entre ambos.

No nº II a negligência seria de ambas as partes, é o que está lá, de uma ou

de outra ou de ambas. No nº III o prazo é menor porque supõe-se que o

autor tenha maior interesse em alcançar o desfecho do processo e a opção

é dele, autor.

Inciso IV - Extingue-se o processo sem julgamento do mérito

"quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de

desenvolvimento válido e regular do processo." Trata-se dos pressupostos

processuais cuja noção os srs. já têm. Elementos e requisitos de validade

do processo. Pode acontecer que no decorrer do processo se manifeste uma

nulidade que seja insuprível, que não comporte remédios, ou que não seja

suprida oportunamente, isto é, no prazo que o Juiz determinar para o

suprimento dela. Num caso ou noutro, em função da ausência de uma

pressuposto processual, vai o processo extinguir-se.

Por exemplo: No art. 13 do CPC, trata-se da incapacidade, de

como suprir a incapacidade processual das partes. "Verificando a

incapacidade processual ou a irregularidade de representação das partes, o

Juiz suspendendo o processo, marcará prazo razoável para que seja sanado

o defeito." Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a

providência couber ao autor, o Juiz decretará a nulidade do processo. E

acrescento eu, vai extingui-lo.

Inciso V - Extingue-se o processo sem julgamento do mérito

"quando o Juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou coisa

julgada."

O conceito de PEREMPÇÃO está no Código. É fornecido pelo

parágrafo único do art. 268: "Se o autor der causa por três vezes à extinção

do processo pelo fundamento previsto no inciso III (que é o referente ao

abandono da causa pelo autor omitindo durante 30 dias ato que lhe

competia praticar) do artigo anterior, não poderá intentar nova ação contra

o réu pelo mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada entretanto a possibilidade

de alegar em defesa os seus direitos."

Então é isto: o autor instaura o processo. No desenrolar dele,

deixa de praticar ato que lhe cabia por 30 dias e o processo é extinto sem

julgamento do mérito. Pela segunda vez instaura o processo pela mesma

ação, pela segunda vez faz a mesma coisa, deixa de praticar um ato que lhe

cabia e por causa disso em função do inciso III do art. 267, o juiz extingue o

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34

processo sem julgamento do mérito. Instaura um terceiro, e se verifica

exatamente a mesma coisa. A partir desse ponto o Direito dá um basta.

Esse cidadão não poderá mais instaurar processo exercendo aquela mesma

ação. O Direito não permite que pela quarta vez ele instaure um processo

quando das três vezes anteriores ele abandonou o processo por mais de 30

dias. Isto é PEREMPÇÃO. Consiste nisso. Os pressupostos dela são,

portanto, durante três vezes haver ocorrido a extinção do processo sem

julgamento do mérito em função de o autor haver deixado de praticar por

mais de 30 dias ato que que lhe cabia. Agora vejam: a perempção é um

fenômeno puramente processual. Ela não extingue, se é que o autor tinha

aquele direito de que estava se afirmando titular, se é que aquele direito

realmente existia, a perempção não vai extinguir aquele direito. Do ponto

de vista do direito material ele permanecerá titular daquele direito. Se ele

estava cobrando um crédito, por exemplo, ocorrida a perempção, ele não

vai poder promover a ação de cobrança, ou se promover, o processo se

extinguirá sem julgamento do mérito, por causa da perempção. Mas isso

não significa que, em virtude da perempção, aquele crédito dele seja

extinto. Ele permanecerá de posse deste direito material na mesma

situação em que se encontrava, apesar da perempção. E a prova disso está

no final desse parágrafo único do art. 268: "Ficando ressalvada entretanto a

possibilidade de alegar em defesa o seu direito." Imaginem o seguinte:

Eu proponho uma ação condenatória a fim de que determinado

indivíduo seja compelido a me pagar uma importância. Verifica-se a

perempção. Eu permaneço titular do meu crédito. Só não poderei mais

pretender num quarto processo que aquele pedido seja apreciado. Agora

suponham que esse indivíduo de quem eu estava cobrando, seja por sua vez

credor meu e que eu em consequência seja também devedor dele. Eu

credor e devedor, ele credor e devedor. Já sabem que créditos que se

contrapõem, atendidos determinados requisitos, até o ponto em que

concorrerem, eles se compensam, eles se extinguem mutuamente. Pois

bem, suponhamos agora que, verificada a perempção, esse indivíduo

proponha contra mim uma ação a fim de que eu lhe pague uma certa

importância. Eu lhes pergunto: em virtude da perempção, estarei eu

impedido de alegar que tenho um crédito contra ele? Não, porque a

perempção se restringe apenas a isso, a impedir que haja um julgamento a

respeito desse pedido. Se restringe ao plano processual sem afetar o plano

do direito material, sem afetar o direito subjetivo de que eu eventualmente

seja titular.

Inciso V: Os dois fenômenos previstos no inciso, que dão

ensejo à extinção do processo sem julgamento do mérito são a

litispendência e a coisa julgada. Nós só devemos dar aqui desses dois

institutos uma noção extremamente ligeira. Os srs. vão estudá-los mais

tarde. Mas é muito simples: o Estado tem o dever de prestar

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35

jurisdição, mas não tem o dever de prestar jurisdição mais de uma

vez. De tal maneira que, se pendente um processo no qual se exerceu uma

ação, esta mesma ação venha a ser novamente proposta e venha a dar

ensejo à formação de um outro processo, este segundo processo vai se

extinguir necessariamente sem que surja para o Juiz a possibilidade de

apreciar o pedido. Isso é a LITISPENDÊNCIA . A mesma ação não pode ser

exercida mais de uma vez quer concomitantemente quer sucessivamente. A

essa proibição correspondem essas duas figuras: se instaurado o processo,

se verifica que anteriormente a ele aquela ação já havia sido proposta, que

há um processo pendente a respeito daquela matéria, extingue-se esse

segundo processo sem julgamento do mérito. Ou, se instaurado um

processo, se verifica que aquele pedido que o autor está formulando já foi

julgado através de uma decisão transitada em julgado, vai extinguir-se o

processo em função da COISA JULGADA, que se formou em razão do

resultado daquele primeiro processo. Se a matéria, portanto, já foi julgada,

ou se encontra pendente de julgamento, o segundo processo vai se

extinguir.

O inciso VI estabelece que se extingue o processo sem

julgamento do mérito quando não concorrer qualquer das condições da

ação, como: a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse

processual.

O inciso VII diz que extingue-se o processo sem julgamento do

mérito, pelo COMPROMISSO ARBITRAL - é um ato que duas ou mais pessoas

celebram com a finalidade de submeter uma disputa, um litígio, um conflito

de interesses que haja entre elas, a um terceiro que se denomina de

árbitro. É um particular a quem se submete a solução de um litígio, por

acordo entre as partes. É um instituto regulado no Código Civil e no

Processo Civil também. Se, instaurado o processo, se verifica que

anteriormente a ele, ou até no curso dele, as partes haviam estipulado que

aquele litígio de que se está tratando ali, deveria ser resolvido por um

terceiro, o processo vai extinguir-se sem apreciação do pedido.

O inciso VIII trata de uma hipótese muito importante.

Extingue-se o processo sem julgamento do mérito quando o autor desistir

da ação. Desistência da ação ou desistência do processo é um ato do autor

através do qual ele renuncia a obter uma decisão sobre o pedido que

formulou. Ele abre mão, ele desiste da obtenção da providência que

pleiteou.

Essa é a DESISTÊNCIA DA AÇÃO, que em absoluto se

confunde com uma figura que também parte do autor mas que

consiste em ele abrir mão não de obter aquela providência que

Page 36: Barbosa Moreira - Processo Civil

36

pleiteou, mas do próprio direito de que se afirmou titular. Uma

coisa é o autor desistir de obter naquele processo uma decisão de

mérito, e outra coisa é o autor se despojar daquele direito de que

ele se supunha titular. Ele renuncia ao direito que afirmava ter.

São dois institutos diferentes: a desistência da ação e a renúncia

ao direito material afirmado pelo autor, ou a renúncia à pretensão

manifestada pelo autor.

No primeiro caso, na desistência da ação, nada impedirá que o

autor instaure mais tarde um outro processo pleiteando a providência de

que ele desistiu no primeiro processo. No caso da renúncia ao direito,

evidentemente isso não será possível. Se ele abriu mão do direito, se

renunciou àquele direito que supunha ter, ele não vai poder mais tarde

pretender que esse direito seja observado. Na desistência da ação não há

uma composição daquele conflito de interesses, a lide permanece em

aberto, ao passo que na renúncia não, a lide é solucionada através de um

ato do autor.

Poderia parecer à primeira vista que apenas o autor teria

condições de verificar se lhe seria útil ou não desistir da ação. Em outras

palavras, deveria parecer que ao réu só interessasse a desistência da ação,

que fosse sempre em todos os casos proveitoso para o réu a desistência da

ação. Isso não é verdade. Nós podemos perfeitamente imaginar que o réu

tenha todo o interesse em que o pedido seja julgado. Inclusive porque ele

pode estar confiante das provas que ele tem, do direito de que ele por sua

vez se tenha afirmado titular. Então, ele pode preferir que aquele processo

conduza logo ao julgamento do mérito que ele considera será favorável a

ele, ao invés de ver o autor desistir daquele processo e ele se sujeitar a ser

mais tarde novamente incomodado pelo autor com processo semelhante

àquele. É exatamente por isso que, a partir de um determinado momento

no processo, a desistência da ação só é eficaz, só produz essa conseqüência

de extinguir o processo sem julgamento do mérito, com o consentimento do

réu. § 4º, art. 267 - "Depois de decorrido o prazo para resposta, o autor não

poderá sem o consentimento do réu desistir da ação." Até o momento da

resposta, o autor pode unilateralmente desistir da ação, abrir mão de obter

naquele processo uma decisão de mérito. A partir daí, decorrido o prazo

para a resposta, depende da anuência do réu.

Inciso IX - Extingue-se o processo sem julgamento do mérito

quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal. Há

determinados direito subjetivos que só existem enquanto existem os

respectivos titulares. Por ex.: o direito de separar-se. Falecendo um dos

cônjuges, não se transmite a ninguém o direito de separar-se. Até porque

não haveria separação mais vigorosa e duradoura do que aquela provocada

pelo falecimento. Então, num caso desses, sendo o exercício do processo

Page 37: Barbosa Moreira - Processo Civil

37

um direito com essas características e vindo a falecer no processo o titular

desse direito, não se transmitindo para ninguém aquele direito, o processo

vai necessariamente ter que extinguir-se sem que ocorra apreciação do

pedido. O exemplo seria a separação judicial. Se no curso do processo de

separação judicial um dos cônjuges falece, o processo se extingue. Em

primeiro lugar porque intransmissível não é a ação como diz o Código, mas

aquele direito de que se afirma titular o autor. Em segundo lugar, porque

faleceu o titular daquele suposto direito. O processo extingue-se, portanto,

sem julgamento do mérito quando for intransmissível o direito afirmado, e

quando falecer o titular dele.

Inciso X: O penúltimo caso previsto no art. 267, trata de um

outro instituto do Direito Civil. Extingue-se o processo sem julgamento do

mérito quando ocorrer CONFUSÃO entre autor e réu. Confusão consiste em

confrontarem-se numa pessoa as qualidades de credor e devedor, ou, de um

modo mais geral, de sujeito ativo e de sujeito passivo de uma relação

jurídica. Ex.: o filho está cobrando uma determinada quantia contra o pai, e

o pai vem a falecer. O filho é seu único herdeiro - transmitem-se ao filho os

direitos e os deveres jurídicos que tinha o pai. Ocorrendo esse caso passará

a ser o filho credor e devedor ao mesmo tempo de si mesmo. Nessas

condições, não adiantaria nada, nem seria possível o processo. Ele vai

extinguir-se sem que o Juiz aprecie o pedido.

Inciso XI: O último inciso, serve para alertar-nos de que há

outros casos além desses expressamente previstos no art. 267, de extinção

do processo sem julgamento do mérito. Há outros casos previstos ao longo

do Código.

Vamos ver agora dois problemas relacionados com a extinção

do processo sem julgamento do mérito.

O § 3º do art. 267 diz o seguinte: "O Juiz conhecerá de ofício

em qualquer tempo e grau, mesmo de exceção, enquanto não proferida a

sentença de mérito, a matéria constante dos nºs IV (trata dos pressupostos

processuais), V (trata de perempção, litispendência e coisa julgada), e VI

(que trata das condições da ação). Portanto, o Juiz conhecerá de ofício em

qualquer tempo e grau de jurisdição enquanto não proferida a sentença de

mérito, a matéria constante dos incisos IV, V e VI. Fica parecendo à

primeira vista que, se há uma regra que diz que o Juiz pode de ofício, quer

dizer, sem provocação de ninguém, espontaneamente, conhecer dessa

matéria, poderia supor-se que nas outras, necessariamente, o Juiz não pode

conhecer de ofício. Nós, a contrario senso, interpretando esse dispositivo,

chegaríamos à seguinte conclusão: se o Juiz pode, tem uma regra de prática

que diz que o Juiz pode conhecer dessas matérias, é sinal que nas outras ele

não pode conhecer, a não ser que uma das partes provoque o

Page 38: Barbosa Moreira - Processo Civil

38

pronunciamento dele a esse respeito. Essa conclusão extraível a contrario

sensu, da primeira parte do § 3º do art. 267 não é verdadeira. Uma

interpretação sistemática do Código, a consideração não apenas desse

dispositivo mas de outros dispositivos esparsos sobre a matéria, levará os

srs. à conclusão de que, das matérias enumeradas no art. 267,

seguramente, só uma o Juiz não pode conhecer de ofício. Só em relação a

uma das causas de extinção do processo sem julgamento do mérito

previstas no art. 267, está o Juiz adstrito a que uma das partes

provoque um pronunciamento dele. Esse caso é o Compromisso

Arbitral. Com segurança, só podemos dizer desses fatos previstos no art.

267 que só um, para ser apreciado pelo Juiz, necessita de que seja o Juiz

provocado. Só em relação a um o Juiz não poderá agir de ofício - é o

compromisso arbitral.

Há um outro que é discutível - trata-se do abandono da causa

pelo autor por mais de 30 dias. É discutível e o Código não tem um solução

expressa para ele. Há quem entenda isso. O compromisso arbitral é

indiscutível - existe uma regra expressa no próprio Código estabelecendo

que o Juiz não pode conhecer de ofício o compromisso arbitral. O caso do

abandono é discutível. Aos senhores caberá fazer a fundamentada opção

por qual das duas teses é a mais razoável. Há quem entenda que para que

o Juiz leve em contra esse abandono pelo autor por mais de 30 dias, é

necessário que o réu provoque um pronunciamento nesse sentido. O Juiz

não poderia, ele mesmo, constatando a omissão do autor, mandar que se o

intimasse e, se em 48 horas ele não se pronunciasse, extinguir o processo

sem julgamento do mérito. Ele só poderia fazer isso se o réu se

manifestasse nesse sentido. E há quem entenda no sentido oposto. Em

ambos os casos com bons argumentos.

Finalmente, os efeitos da extinção do processo sem

julgamento do mérito. Aliás, é mais propriamente a ausência de efeitos.

Diz o art. 268 - "Salvo o disposto no art. 267, V, a extinção do processo sem

julgamento do mérito não obsta a que o autor intente de novo a ação. Aí

está. É, aliás, a diferença fundamental entre a extinção do processo

com julgamento do mérito e sem julgamento do mérito. Se o mérito

não foi julgado, nada impedirá que um novo processo se inicie, para

que o mérito seja então julgado . Essa nova propositura da ação está

condicionada, entretanto, a um requisito previsto no art. 268 - "A petição

inicial, todavia, não será despachada sem a prova do pagamento ou do

depósito das custas e honorários de advogado." É uma condição específica

da nova propositura da ação. Das custas relativas ao processo anterior que

se extinguiu sem julgamento do mérito.

Extinção do processo COM JULGAMENTO DO MÉRITO

Page 39: Barbosa Moreira - Processo Civil

39

O julgamento do mérito é a meta do processo de

conhecimento. É a apreciação pelo Juiz do pedido. Ela figura por isso em

primeiro lugar no art. 269, I: "Extingue-se o processo com julgamento do

mérito quando o Juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor". Esse é o modo

normal de extinguir-se um processo com julgamento do mérito. O Juiz

verifica as provas, verifica o direito aplicável à situação de fato que ele

encontra demonstrada nos autos, e julga procedente ou improcedente o

pedido formulado pelo autor. Os srs. já estão habilitados para verificarem

que essa regra, a rigor, não é propriamente exata. É por si só o

acolhimento ou a rejeição do pedido que determina a extinção do processo?

Ou aí está faltando alguma coisa que se acrescenta a isso? A rigor, o

processo só vai extinguir-se com o trânsito em julgado da sentença,

da decisão que acolhe ou rejeita o pedido do autor. Só vai

extinguir-se a partir do momento em que se torna irrecorrível essa

decisão. Aliás, essa crítica nós poderíamos fazer a todos os casos do art.

267, e a todos os casos do art. 269. É uma crítica que não tem uma

relevância prática muito grande, não estaria propriamente errada a lei ao

estabelecer isso. Mas é conveniente que nós tenhamos consciência de que

também lá nos casos do art. 267 é necessário o trânsito em julgado para

que o processo termine.

Se o Juiz, por exemplo, verifica que por mais de 30 dias o

autor deixou de praticar atos que lhe cabiam, e em função desse fato ele,

com fundamento no inciso III do art. 267, extingue o processo, é óbvio que o

autor, sentindo-se prejudicado com essa decisão, poderá recorrer, e o

recurso provocará necessariamente um prolongamento do processo. A

rigor, lá no art. 267 também ficou faltando essa referência - o trânsito em

julgado da decisão é sempre a causa que a rigor extingue o

processo.

Com essa ressalva, nós podemos entender o art. 269, I - é o

modo pelo qual normalmente o processo vai extinguir-se. O Juiz forma a

sua convicção avaliando as provas, verificando qual o direito aplicável

àquela situação, e profere uma decisão na qual vai dizer se o autor tem ou

não razão, se o pedido que ele formulou é ou não procedente. Transitada

em julgado essa decisão, o processo vai então extinguir-se com julgamento

do mérito.

O inciso IV do art. 269 é um desdobramento dessa hipótese, é

uma explicitação dessa hipótese. "Extingue-se o processo com julgamento

do mérito quando o Juiz pronunciar a decadência ou a prescrição." A

decadência e a prescrição são institutos estudados no Direito Civil. Agora

vejam bem: quando o Juiz acolhe a decadência ou a prescrição, quando ele

Page 40: Barbosa Moreira - Processo Civil

40

as pronuncia, daí ele tira uma conseqüência - se o autor está exercendo um

direito que a Lei diz que ele só pode exercer num determinado prazo, de 2

anos suponhamos, e em relação ao tempo inicial desse processo já se

passaram 4 anos, consumou-se portanto a decadência. O Juiz se defronta

então com essa situação e pronuncia a decadência, e conseqüentemente

julga improcedente o pedido do autor. A rigor, o fato de o Juiz pronunciar a

decadência ou a prescrição será um motivo para ele rejeitar, na maior parte

dos casos, o pedido. De tal maneira que esse inciso fornece a rigor apenas

um dos motivos em que pode fundar-se o caso lá do inciso I (art. 269).

Explicando: o inciso I diz que o processo vai extinguir-se quando o Juiz

acolher ou rejeitar o pedido. Muito bem. Quando ele pronuncia a

decadência ou a prescrição, ele não faz só isso, ele vai tirar disso uma

conseqüência prática, ele vai, com base nisso, em se haver consumado a

decadência ou a prescrição, ele vai acolher ou rejeitar o pedido. De forma

que esse caso do inciso IV, a rigor, era desnecessário porque ele já está lá

no inciso I. O fato do Juiz pronunciar a decadência ou a prescrição

constitui um motivo para ele acolher ou rejeitar o pedido .

Mas existe uma razão para esse desdobramento do inciso IV.

O inc. IV não é um caso autônomo, incompatível com o inciso I, pelo

contrário, ele esclarece um dos fundamentos de que pode valer-se o Juiz

para acolher ou rejeitar o pedido. Quando o Juiz pronuncia a decadência ou

prescrição, ele necessariamente vai acolher ou rejeitar o pedido. A

recíproca, porém, não é verdadeira - ele pode acolher ou rejeitar por outras

razões, pode nem estar em discussão prescrição e decadência.

Podemos imaginar uma hipótese em que o Juiz acolhe o pedido

em caso de prescrição. Ex.: suponhamos que o devedor promova uma ação

declaratória negativa da exigibilidade do crédito contra o credor alegando

que está prescrito e ele, portanto, não precisa mais pagar. O Juiz vai

pronunciar a prescrição, se for verdade, e vai acolher o pedido.

Normalmente ele vai rejeitar, mas podemos imaginar essa hipótese em que

a prescrição dá causa ao acolhimento do pedido.

Os outros casos do art. 269 têm uma diferença em relação a

isso que acabamos de ver. Quando o Juiz acolhe ou rejeita o pedido, ele

profere uma decisão que resultou da sua convicção. Foi ele quem avaliou

as provas, quem verificou quais as normas jurídicas adequadas àquela

situação e foi ele quem formulou a solução para aquele conflito de

interesses. Os demais casos do art. 269 prevêem hipóteses em que a

solução do litígio é dada não pelo Juiz, mas pelas próprias partes.

Ex.: o autor renuncia ao direito de que se afirma titular. Ficou

solucionado aquele litígio, ele não vai mais poder daqui para frente

pretender cobrar o mesmo crédito. Há um ponto de contato aí: num caso ou

Page 41: Barbosa Moreira - Processo Civil

41

noutro a lide fica resolvida, recebe uma solução que vai vigorar daí para a

frente. Mas num caso essa solução é dada pelo Juiz em função do seu

próprio convencimento formado à luz das provas e das normas jurídicas

aplicáveis aos fatos provados. No outro caso não, são as partes que

solucionam aquele litígio.

O inciso V trata dessa hipótese - quando o autor renunciar ao

direito sobre que se funda a ação. Pode ser que a proposição parta de um

ato do réu, que o réu, proposta a ação, concorde desde logo com o pedido

do autor, aquiesça a ele, se renda prontamente, que reconheça que o autor

tem razão, que é procedente o pedido do autor, do mesmo modo

solucionando aquele conflito de interesses em que ambos se achavam

envolvidos. No caso da renúncia, a solução partiu do autor. Foi ele,

unilateralmente, quem solucionou aquele litígio. Nada impede que essa

solução seja dada pelo réu, que o réu reconheça a procedência do pedido.

O ato através do qual o réu se dá por vencido, concorda, aquiesce, tem o

nome de RECONHECIMENTO DO PEDIDO, e está previsto no inciso II do art.

269: "Extingue-se o processo com julgamento do mérito quando o réu

reconhecer a procedência do pedido." Num caso é o autor, no outro é o réu.

Agora, pode acontecer que a solução seja dada por ambas as

partes. Que façam reciprocamente concessões, que cada uma ceda numa

parte, chegando a um acordo a respeito da solução daquele litígio. O ato

através do qual se compõem litígios através da concessão recíproca, que os

srs. já estudaram no Direito das Obrigações, se denomina de TRANSAÇÃO, e

está previsto no inciso III do Código: "Extingue-se o processo com

julgamento do mérito quando as partes transigirem."

Vejam a diferença entre renúncia e desistência da ação. A

desistência da ação, a partir da exaustão do prazo de resposta, está

subordinada à concordância do réu. Porque o réu pode ter o interesse em

que o mérito seja logo julgado a fim de que não se veja mais tarde

incomodado por outro processo sobre aquele mesma matéria. O direito

tutela esse interesse dele dessa forma, subordinando a desistência da ação

à concordância dele. E a renúncia estaria subordinada também a essa

concordância? Poderia causar-lhe algum prejuízo? Não. O autor mais tarde

não poderia cobrar um crédito ao qual renunciou. De maneira que a

renúncia não traz qualquer prejuízo para o réu, e portanto não depende da

concordância dele.

Portanto, a extinção do processo, segundo o Código, com

julgamento do mérito, pode resultar de uma decisão que seja fruto da

convicção do órgão judicial, ou pode resultar da composição das partes, ou

o autor renuncia ao direito, ou o réu reconhece a procedência do pedido.

Há uma certa impropriedade em dizermos que nesse casos de renúncia, de

Page 42: Barbosa Moreira - Processo Civil

42

reconhecimento e de transação, há julgamento do mérito. A rigor, não há

julgamento. Julgamento é um ato do Juiz e a solução do litígio não é dada

aí pelo Juiz, é dada pelas partes, não há julgamento. Mas de qualquer

maneira, o que o Código quer é dizer que, praticamente, quer quando o Juiz

é quem julga, acolhendo ou rejeitando o pedido, quer quando as partes é

que dão solução ao litígio, os efeitos são os mesmos. Aquele conflito

fica solucionado e essa solução vai passar a vigorar com iguais

efeitos daí para a frente .

O Juiz pode, e em determinados casos está obrigado, a

proporcionar às partes a oportunidade de elas próprias comporem seus

conflitos de interesses. Mas de qualquer maneira o que ele propõe é que

elas pratiquem um ato delas, de maneira que se a transação é um ato das

partes, feita em virtude de proposta do Juiz, de qualquer modo a transação

é um ato das partes, e não do Juiz. O Juiz só propõe, só verifica se a

transação é possível, como verifica se a renúncia, se o reconhecimento, é

possível, e homologa quando verifica que é legal o ato. Mas de qualquer

maneira a homologação não soluciona. Quem soluciona o litígio é o ato das

partes.

A validade da transação é estudada no Direito Civil. Tanto a

transação como a renúncia e o reconhecimento, têm que ser válidos. Há

direitos irrenunciáveis, por exemplo, então a renúncia pelo autor de um

direito ao qual ele não podia renunciar não é válida e portanto não

produzirá essa conseqüência. Mas desde que seja válida, e quem diz que é

válida ou não é o direito material, desde que seja válida, o processo vai

extinguir-se. Também há casos em que o réu não pode reconhecer, e quem

vai dizer é o direito material. Um curador de um incapaz que figure como

réu num processo, por exemplo, não pode reconhecer a procedência. Em

princípio ele não pode. Ele não pode concordar desde logo.

Aí está, portanto, a extinção do processo com julgamento do

mérito, com essa pequena ressalva de que nos casos em que são as partes,

uma, outra ou ambas, que solucionem o litígio, a rigor não há julgamento.

Agora, da mesma forma aquele litígio fica solucionado, de tal maneira que

os efeitos práticos de o Juiz acolher ou rejeitar, ou de a solução ser dada

pelas partes, são as mesmas.

A diferença entre a extinção com julgamento do mérito e a

extinção sem julgamento do mérito, é intuitiva. Aqui, tendo ficado

solucionado o litígio, e essa solução passando a vigorar, não se vai mais

permitir que se instaure um novo processo a fim de solucionar novamente

aquilo que já ficou solucionado. Isso não ocorre nos casos de extinção do

processo sem julgamento do mérito.

Page 43: Barbosa Moreira - Processo Civil

43

SUSPENSÃO DO PROCESSO

A suspensão é uma paralisação temporária que o processo

sofre. É uma sustação temporária da marcha dos atos processuais, em

função de determinadas causas previstas no Código. Durante um

determinado espaço de tempo não vai ser possível praticar atos

processuais. O processo tem a sua marcha suspensa, sustada

temporariamente, e vai retomá-la mais tarde. Uma vez superada a causa

da suspensão, ele vai mais tarde retomar a sua marcha. Nisso consiste a

suspensão do processo. Vejamos os fatos que autorizam a suspensão do

processo de conhecimento. Estão previstos no art. 265.

Inciso I - A morte ou a perda da capacidade processual de

qualquer das partes, de seu representante legal, caso se trate de partes

incapazes processualmente, ou do advogado. Será necessário, em função

disso, que se suspenda o processo a fim de que se supra a falta que se

verificou. Se houver falecimento será necessário que venham ao processo

os sucessores da parte, ou outro representante legal. Se houver a perda da

capacidade processual da parte, a parte ficou louca, por exemplo, no

decorrer do processo, será necessário que passe a atuar em nome dela um

representante legal que supra a incapacidade superveniente. Se houve

perda da capacidade processual do representante legal, se o pai que estava

representando o menor se tornou incapaz, será necessário que se aguarde a

vinda aos autos de alguém que supra a ausência do pai. Para isso, então, é

que se vai suspender o processo. (§ 1º do art. 265, letras a e b.

No caso de morte ou perda da capacidade processual do

advogado (§ 2º do art. 265), a finalidade da suspensão é não permitir que

se pratiquem atos processuais ou que se abra a oportunidade dessa prática

sem que a parte se ache representada por advogado. O Juiz marcará um

prazo, findo o qual extinguirá o processo sem julgamento do mérito.

Inciso II - Se suspende o processo pela convenção das partes.

O Código permite às partes de comum acordo que requeiram a suspensão

do processo. Será, V.G., um prazo de que elas necessitem para estudar a

possibilidade de um acordo. O meio técnico adequado para satisfazer a

esse interesse será convencionarem a suspensão do processo e submeterem

ao órgão judicial. Existe um prazo máximo previsto, porém, no Código, para

essa suspensão, no § 3º do art. 265.

Inciso III - Trata da incompetência do Juízo, da Câmara, ou do

Tribunal, bem como da suspeição ou impedimento do Juiz. Não vamos

aprofundar aqui as noções relativas a esses institutos. Determinadas

questões, suscetíveis através de uma forma própria no processo, através de

exceção, mais tarde estudaremos.

Page 44: Barbosa Moreira - Processo Civil

44

Inciso IV - Oportunamente vai se estudar em que consiste isso.

Vamos deixar por enquanto de lado.

Inciso V - Por motivo de força maior. Determinados

acontecimentos que impossibilitem a prática de atos processuais:

catástrofes, terremotos, enchentes, etc., que impeçam a continuação do

processo, constituem causa para a sua extinção. Há quem entenda que o

processo poderá ser suspenso por motivo de força maior por mais de uma

vez, desde que não exceda o prazo de 6 meses.

Inciso VI - Demais casos que o Código regula, que são

inúmeros.

Suspenso o processo, o que é que acontece? art. 266 -

"Durante a suspensão, é defeso, é proibido praticar qualquer ato

processual." Eis aí a conseqüência relevantíssima da suspensão do

processo. Com duas exceções, uma delas prevista no mesmo art. 266, por

razões de conveniência. Atos que se não forem praticados logo, se

fôssemos esperar que cessasse a suspensão, possivelmente seriam já

inúteis. Coisas desse gênero.

Em função disso, permite o Código, em caráter excepcional,

que atos dessa natureza sejam praticados. E há uma segunda exceção a

essa regra: trata-se dos atos necessários para remover as causas da

suspensão. Por exemplo, faleceu a parte, suspende-se o processo. A

suspensão ocorreu para que os sucessores se habilitem, e eles se habilitam

através de atos processuais, de modo que os atos processuais necessários

para remover a causa da suspensão também constituem uma exceção a

essa regra. Outro exemplo: Foi oferecida exceção de incompetência. Uma

das partes está alegando que o órgão perante o qual está correndo o

processo não tem atribuição para processar e julgar aquela causa. Não tem

competência para aquela causa. O processo se suspende, mas para o efeito

de decidir-se a questão relativa à competência. De modo que os atos que

se façam necessários para solucionar essa questão, não somente poderão

como deverão ser praticados durante a suspensão processual.

Portanto, o efeito da suspensão como regra geral é esse - é

defesa a prática de atos processuais, não têm nenhum valor atos

processuais que se pratiquem durante a suspensão, em princípio, com

essas duas exceções: atos urgentes destinados a evitar danos que

se tornariam irreparáveis, e atos necessários para remover as

causas que determinaram a suspensão do processo .

Page 45: Barbosa Moreira - Processo Civil

45

A respeito da suspensão, há outra questão que vamos abordar

aqui rapidamente, e que é extremamente importante. É a que consiste em

saber quando é que começa a suspensão. Qual é o termo inicial da

suspensão. Em outras palavras, saber se a suspensão decorre

automaticamente em função dessas causas previstas no art. 266, ou de

outras previstas no Código, ou se ela apenas decorre em função de um

pronunciamento do Juiz que reconheça a existência de uma dessas causas.

A questão é importante porque a causa e o pronunciamento do Juiz podem

não ser concomitantes. A parte, por exemplo, pode falecer sem que o Juiz

tenha conhecimento disso. Nós temos de saber se é o falecimento da parte

por si só que provoca a suspensão, ou se é o ato do Juiz reconhecendo a

existência da causa, que suspende o processo.

O Código anterior tinha uma norma expressa a esse respeito.

Esclarecia que era o ato do Juiz que determinava a suspensão. O novo não

tem nenhuma regra expressa a esse respeito e até hoje a doutrina não se

entendeu na fixação de uma regra geral para esta matéria, aplicável

uniformemente a todas as causas da suspensão. As opiniões são as mais

diversas. Não existe uma orientação doutrinária segura a respeito dessa

matéria. Vou propor algumas idéias, não vou pretender solucionar a

matéria em hipótese alguma. Vou deixar que os srs. escolham a solução

adequada. Talvez a dificuldade esteja em que não devamos considerar

apenas uma solução aplicável a todos os casos. Talvez o que devamos fazer

é pegar caso por caso e verificar o que atende melhor aos interesses em

jogo nessa matéria.

Por ex. motivo de força maior. Vamos considerar se é o

motivo de força maior por si mesmo que provoque as suspensão, ou se é o

ato do Juiz que reconhece a existência do motivo. Se entendermos que é o

ato do Juiz, vou lembrar aos srs. que o motivo de força maior pode impedir

até o Juiz de se pronunciar. Portanto, parece que no caso de motivo de

força maior devemos entender que é o próprio fato que pode impossibilitar

até um pronunciamento judicial.

Outro caso é o de morte da parte. A parte é um dos

elementos necessários à relação processual. O falecimento de uma delas,

priva, até que se habilitem os sucessores, o processo de um elemento

essencial. Em princípio, portanto, parece que devemos entender que é a

morte da parte que acarreta a suspensão. Mas vejam o § 1º ... "salvo se já

tiver sido iniciada a audiência..." Então, se entendermos que é a morte que

por si só acarreta a suspensão, e esse parece um entendimento bastante

razoável, devemos atentar para o fato de que o § 1º abre uma exceção a

isso. No caso em que já está iniciada a audiência de instrução e

julgamento, o processo, por razões de conveniência, vai prolongar-se até o

momento em que se prolate a sentença.

Page 46: Barbosa Moreira - Processo Civil

46

De forma que não há conclusão. A solução deverá estar em

nós verificarmos cada um dos casos, avaliando os interesses envolvidos a

fim de estabelecer para cada caso uma solução.

O OBJETO E OS SUJEITOS DO PROCESSO

O ato jurídico, de modo geral, tem um objeto próprio, que

consiste naquilo sobre o que ele incide. O contrato de compra e venda, por

ex., tem necessariamente o objeto na coisa comprada ou vendida pelas

partes.

O processo compõe-se de uma série de atos e cada um desses

atos processuais terá o seu próprio objeto. Mas como essa série de

conseqüências forma no seu todo uma unidade, uma unidade finalística ou

teleológica, isto é, uma unidade assegurada pelo fim uno e único ao qual

visam todos os atos de compõe a série, podemos falar, ao lado do objeto de

cada um dos atos processuais, de um objeto do processo considerado no

seu todo, como um conjunto.

Já sabemos que ao objeto se dirige, se ordena, a prestação

jurisdicional por parte do Estado, mas o Estado presta justiça em face de

quê? Qual é o objeto sobre o qual incide a atividade do órgão estatal que

presta justiça? Incide sobre um litígio, sobre um conflito de interesses. No

processo há sempre o reflexo de um conflito de interesses que não pôde por

alguma razão ser resolvido pelos próprios titulares. A função jurisdicional é

em regra um função substitutiva. Só quando os interessados não

conseguem, ou por motivos especiais não podem eles mesmos compor,

resolver o seu conflito de interesses é que recorrem ao Juiz. Mas muitos

litígios são resolvidos fora da área judicial. Há muitos conflitos de

interesses que não chegam ao Juiz.

Então, quando a função jurisdicional é chamada a exercer-se,

ela o é em função ou em razão de um conflito de interesses que não pôde

ser dirimido, composto, senão mediante a utilização desse instrumento que

é o processo. Todo processo opera, atua, sobre um conflito de

interesses, ao qual a doutrina, generalizando uma expressão usada neste

sentido preciso pela primeira vez por um jurista italiano muito famoso

chamado CARNELUTTI, costuma denominar LIDE. A lide é o conflito de

interesses que se submete à decisão judicial em um processo. Carnelutti

conceituava a lide como um conflito que se dá entre os interesses de uma

Page 47: Barbosa Moreira - Processo Civil

47

pessoa que tem a pretensão e os de outra que resiste à essa pretensão, ou,

pelo menos, deixa de satisfazê-la. Nesse momento se cria aquilo a que

Carnelutti chamou a lide, e que hoje é uma expressão muito difundida na

doutrina processual. É isso precisamente o que o órgão judicial tem de

compor. É o termo que se usa para designar essa operação da solução da

lide, dar um desfecho, é a composição da lide.

Mas essa lide, esse litígio, de que maneira chega ao

conhecimento do Juiz? Já vimos que o órgão judicial é um órgão

originariamente inerte, ele não se põe em movimento espontaneamente, ex

officio, há de haver alguém que tome a iniciativa de provocar, sem o que

não se instaura o processo. Ora, quem é que provoca o Estado, pedindo a

proteção jurisdicional e exercendo assim o seu direito de ação? É o autor, é

a parte que se denomina autor. O autor, quando se dirige ao Juiz, não se

limita a narrar-lhe um conflito de interesses, a descrever seu litígio com

relação ao réu. Não, o autor pleiteia para aquele conflito de interesses uma

determinada solução, isto é, ele não faz a consulta ao Juiz como quem

perguntasse: diante dessa situação, qual é a solução? Não, o autor

aponta uma e pede ao Juiz que adote aquela. Em outras palavras, o

autor formula um pedido . É claro que esse pedido resulta do conflito de

interesses, mas é um pedido que já acrescenta uma solução que o autor por

assim dizer propõe ao Juiz, e pretende que ele a adote. É claro que o Juiz

poderá adotá-la ou não, porém o ponto que quero frisar é que a lide, o

conflito de interesses, chega ao conhecimento do Juiz filtrada através do

pedido. O pedido é o canal por meio do qual a lide chega ao conhecimento

do Juiz e é sobre o pedido que o Juiz deve tomar uma providência, seja para

atendê-lo, seja para indeferí-lo. Então, o Juiz não é livre de dar àquele

conflito de interesses a solução que melhor lhe pareça, irrestritamente.

Não, ele só pode, ou dar a solução que o autor pretende, ou rejeitá-

la, mas ele não pode inventar uma outra solução a não ser na

medida em que ele possa aproveitar alguma coisa da solução

proposta pelo autor e rejeitar o resto . Isso significa, se isso for viável,

que ele vai atender em parte o pedido e rejeitá-lo na outra parte. Porém

ele não pode sair desses limites. Fora desses limites ele não pode decidir

coisa alguma nem pró nem contra.

Mas também não pode deixar de decidir sobre o que esteja

dentro desses limites, ou acolhendo ou rejeitando o pedido ou acolhendo

uma parte e rejeitando outra. O Juiz tem o dever de julgar em toda a

extensão do pedido e somente nessa extensão . Isto é um reflexo, pelo

menos em parte, do chamado princípio dispositivo por força do qual a parte

não está adstrita a levar ao conhecimento judicial toda a lide. Ela pode

levar uma parte da lide apenas. Se eu estou discutindo com alguém sobre

duas dívidas que eu atribuo a essa pessoa diante de mim, não sou obrigado

a levar ao Juiz o conjunto dos meus conflitos de interesses com essa pessoa.

Page 48: Barbosa Moreira - Processo Civil

48

Posso separar uma, deixá-la para depois, ou para nunca. Cobrar uma só. E

o Juiz tem que pronunciar-se naquela e não em outra, ainda que apareça

nos autos algum elemento referente à outra.

Se o Juiz se pronuncia quantitativamente mais, diz-se que ele

julgou ultra petitum ou ultra petita, julgou além do pedido.

Se o seu julgamento se afasta daquilo que foi pedido, se julga

outra coisa, diz-se que julgou extra petitum, fora do pedido.

Se ele finalmente se abstém de julgar o pedido inteiro, isto é,

julga menos, então julgou citra petitum, isto é, aquém do pedido. Também

é errado. Isso está dito dos arts. 128, 459 e 460 do CPC.

SUJEITOS DO PROCESSO

Já vimos que o processo é uma série de atos, cuja prática

reflete o exercício de condições jurídicas subjetivas, deveres, direitos,

faculdades, poderes, etc. Os titulares dessas relações jurídicas são os

sujeitos da relação processual, ou seja, do processo.

Quais são esses sujeitos? Três são essenciais: o Juiz e as

partes. Sendo que, ainda com referência às partes, nem sempre se

reduzem a autor e réu. Primeiro, porque pode haver vários autores, ou

pode haver vários réus, ou pode haver simultaneamente vários autores e

vários réus. É o fenômeno do litisconsórcio. Havendo pluralidade de

autores há um litisconsórcio ativo, havendo pluralidade de réus, um

litisconsórcio passivo. E também porque, ao lado do autor e ao lado do réu,

podem surgir outras pessoas que a lei também considera, pelo menos para

certos efeitos, como partes, embora partes secundárias ou acessórias. É o

caso, por ex., do assistente, que também terá lugar no nosso estudo.

Então, para exemplificar, partes principais, vários autores, ou vários réus,

tanto faz, e partes secundárias ou acessórias, das quais o mais típico é o

Assistente.

Mas além desses sujeitos podem aparecer outros, no processo.

São sujeitos secundários do processo, ou eventuais, ou acidentais. Entre

eles se distinguem os Auxiliares do juízo, e os terceiros, que eventualmente

tomam parte na atividade processual. Auxiliares do Juízo são pessoas cuja

função é colaborar com o órgão judicial na realização do processo: o

escrivão, o oficial de justiça, o perito.

Terceiros são pessoas que além das partes normais do

processo, eventualmente são chamados a colaborar, como, V.G., a

testemunha. Pessoa que por acaso sabe de algum fato relevante para que o

Page 49: Barbosa Moreira - Processo Civil

49

Juiz possa formar o seu convencimento, então ela é chamada para prestar

depoimento. A testemunha é sujeito eventual, acidental. Ela tem deveres,

tem também direitos, no processo. Aquele que tiver interesse pessoal na

solução do caso não pode ser testemunha.

O Ministério Público também é um sujeito eventual, como

fiscal da lei.

Vamos estudar os sujeitos do processo um por um, começando

pelos principais, ou seja, o Juiz e as partes.

O órgão judicial que é, dos sujeitos principais, aquele que

apresenta uma posição de preeminência (importância, relevÂncia), é o Juiz.

Usamos a palavra, em regra, não em sentido pessoal, Dr. Fulano, Dr.

Sicrano, mas no sentido de pessoa que ocupa determinado cargo e exerce

determinadas funções, pelo Estado: nunca digam que o Juiz representa

o Estado. O representante é alguém distinto, separado. Por ex., se

eu contrato alguém para me defender, ele é meu representante, mas

ele não sou eu, ele é separado. O órgão não, o órgão faz parte do

organismo. O JUIZ É O ESTADO, ele não representa. O Juiz é o órgão

do Estado incumbido de prestar jurisdição . Normalmente a função

jurisdicional é exercida através do Juiz; excepcionalmente, como sabemos,

através de outro órgão. A divisão das funções entre os vários órgãos não é

uma divisão exata.

Ora, para que o Juiz, ou melhor, para que esse órgão possa

desempenhar sua função, é preciso que ele se revista de certos atributos,

certos requisitos, e a doutrina nos falará da capacidade, num sentido bem

diverso daquele em que fala de capacidade do Direito Civil. Costuma

distinguir entre a capacidade genérica, que é a aptidão que a pessoa tem

para ser investida na condição de Juiz, para o que ela deve preencher certos

requisitos que estão indicados em parte na própria Constituição, e a

capacidade específica, que é a possibilidade de atuar em relação a uma

determinada causa, para praticar um determinado ato.

A capacidade específica, por sua vez, pode ser do órgão ou da

pessoa. A do órgão é a competência . A competência é uma noção que

concerne ao órgão. Tanto assim que se o elemento órgão passa por

diversas pessoas, a competência não se altera. Não é pelo fato de mudar o

Juiz que o órgão passa a ser competente ou deixa de o ser.

A outra parte da capacidade específica diz respeito à pessoa

que ocupa aquele determinado cargo. A pessoa do Juiz deve estar

isenta de determinadas situações, que são os impedimentos e as

suspeições.

Page 50: Barbosa Moreira - Processo Civil

50

Então, a competência se refere ao órgão e os

impedimentos e suspeições se referem ao Juiz . Arts. 134 e 136 do CPC

- impedimentos (a abstenção do Juiz ou das partes, mesmo com a sentença

transitada em julgado, dá lugar ao recurso). Art. 135 - suspeições - a

imparcialidade do Juiz está comprometida. Na abstenção do Juiz ou das

partes a sentença será válida. Há uma diferença de tratamento - no

impedimento são defeitos mais graves, a sentença poderá ser anulada.

Obs. A palavra capacidade aqui não está no sentido de

capacidade civil. Na incapacidade civil do Juiz (caso de alienação mental), a

sentença pode ser anulada. Será válida se for justa, e se foi injusta caberá

normalmente recurso.

O Juiz assume no processo posições jurídicas, que lhe dão

poderes e deveres. PODERES DO JUIZ - vários critérios de classificação:

1) Poderes finais - o poder de julgar, de determinar providências

jurisdicionais.

2) Poderes instrumentais - poderes de instrução, necessários ao bom

desenvolvimento do processo. Ex.: investigação de provas (art. 130).

Os poderes podem ser exercitáveis de ofício, ou só

exercitáveis com provocação das partes. Poderes exercitáveis de ofício, ou

ex officio, espontaneamente (a maioria ocorre no silêncio da lei) -

realização de perícia, etc. Poderes exercitáveis por provocação da parte ->

art. 381. Pode ordenar se a parte requerer.

Obs. Os poderes do Juiz não são em benefício próprio, mas

para prestar jurisdição.

DEVERES DO JUIZ:

1) "O poder de julgar é também um dever de julgar". É um dever que o Juiz

exerce obrigatoriamente -> art. 128.

2) Motivação da sentença - dever de fundamentar o seu pronunciamento -

art. 458 - é uma garantia fundamental para os jurisdicionados.

3) Art. 125, inciso I - atender ao princípio do contraditório. Inciso II -

conduzir o processo da maneira mais rápida. O art. 130, in fine, é a

aplicação específica referente ao art. 125, II.

RESPONSABILIDADES DO JUIZ - É a infração, o descumprimento dos deveres.

Page 51: Barbosa Moreira - Processo Civil

51

1) Responsabilidade administrativa - o Juiz pode responder

administrativamente, funcionalmente, disciplinarmente. Punições

disciplinares reguladas nas leis de organização judiciária (censura,

advertência, etc.).

2) Responsabilidade penal - Comportamentos que configuram delitos

(corrupção passiva, etc.). Nada impede que o Juiz sofra uma pena e uma

responsabilidade disciplinar.

3) Responsabilidade civil - art. 133. se efetiva por ação intentada pelo

prejudicado para pagamento de perdas e danos.

A COMPETÊNCIA

O processo tem como pressuposto de existência um órgão

investido de jurisdição. Isso basta para que o processo exista, mas não

basta para que ele seja regular, e portanto inteiramente válido. Para isso é

necessário algo mais, entre outras coisas, que esse órgão investido de

jurisdição tenha competência para a causa, seja competente. Vejamos o

que isso significa. Não pode ser o mesmo que jurisdição, obviamente. É

algo mais específico, mais delimitado. Todos os órgãos do Poder Judiciário

têm jurisdição, estão investidos de jurisdição. Porém, seria absurdo do

ponto de vista prático, que se criassem numerosos órgãos distribuídos por

todo esse vasto e complexo sistema que é o aparelho judiciário, e em

seguida a lei permitisse a qualquer deles indiferentemente exercer qualquer

atribuição jurisdicional. Não tem sentido, não é assim.

Ora, na medida em que o princípio da divisão de trabalho

impõe uma diferenciação de atribuições, a Lei limita, demarca, traça uma

linha divisória em torno de cada um dos órgãos do Poder Judiciário e

confere a cada um deles um determinado número de atribuições que ele vai

desempenhar com exclusão de outras. A lei não precisa, é claro, dizer: "tal

órgão não pode praticar tais e tais atos." Ela diz, de forma positiva, tal

órgão é competente para isto e aquilo. Entende-se que ela exclui o resto.

Na medida em que ela faz isto, está atribuindo COMPETÊNCIA àquele

órgão para aquelas funções e proibindo-o de exercer outras .

Então notem que a noção de competência resulta de uma

distribuição de funções, e portanto de uma limitação. Na medida em que a

lei divide, distribui, ela necessariamente limita. Cada órgão recebe o seu

quinhão, a sua parcela de função, e só está habilitado in concreto a exercer

as funções contidas nessa parcela, não as outras. Não porque lhe falte

jurisdição, mas porque lhe falta competência.

Page 52: Barbosa Moreira - Processo Civil

52

A jurisdição, portanto, é genérica, a competência é

específica. Eu posso perguntar abstratamente: Tal órgão tem jurisdição?

E os srs. responderem sim ou não, em tese. Mas eu não posso perguntar se

tal órgão tem competência, sem acrescentar um complemento - tal órgão

tem competência para tal causa, para tal processo, ou para tal ato.

Competente é palavra que exige complemento, alguém é competente para

alguma coisa, ou não é competente para outra coisa. Está ligada portanto,

a algo específico, determinado. Jurisdição não - jurisdição é o poder de

julgar in genere. Competência é o poder de julgar num determinado

caso ou de praticar um determinado ato .

O problema da competência é um dos mais importantes no

processo, e precisa ser abordado em diversos planos. Quando queremos

situar a competência para determinada causa ou para determinado ato,

essa investigação comporta diversos níveis. Ela não se exaure numa única

indagação. Temos que proceder por etapas:

1ª) A primeira indagação que se faz é no plano

internacional. Eu quero propor determinada ação ou quero saber se a

ação que foi proposta contra meu cliente foi corretamente proposta desse

ponto de vista. Então a primeira coisa que me interessa saber, a primeira

pergunta que me ocorre é a seguinte: A Justiça Brasileira é que cabe

conhecer desta causa, ou não será? É competente a Justiça Brasileira ou

não será? Esta pergunta se responde à luz dos artigos 88 e 89 do CPC.

Ambos tratam de casos para os quais a Justiça Brasileira é competente.

Então, qual é a diferença entre esses dois grupos de casos? Por que a lei

dividiu isto em dois artigos distintos? Nos casos do art. 88 o direito

brasileiro não exclui a possibilidade de que, em razão de algum fato

qualquer, a Justiça de outro país possa também considerar-se competente.

O Brasil reconhece a possibilidade de que, nos casos do art. 88, o processo

instruído perante o Juízo estrangeiro esteja também corretamente

instaurado. Nos casos do art. 89 não. O direito brasileiro só reconhece a

competência do juiz brasileiro.

Então no primeiro caso (art. 88) se diz que a

competência é concorrente, e no segundo caso a competência é

exclusiva. Agora eu pergunto: E qual é a consequência prática disso?

Vamos supor que num dos casos do art. 89, a lei de outro país considere

competente o seu Juízo. Pode o Brasil proibir que lá se faça o processo?

Claro que não é possível, ainda que num acesso de loucura um Juiz

brasileiro mandasse uma carta ou um ofício para um Juiz chinês dizendo,

"faz favor de não processar essa causa porque ela é minha". O juiz chinês,

na hipótese de entender, poderia perfeitamente fingir que não ouviu.

Page 53: Barbosa Moreira - Processo Civil

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Parece que a distinção é inútil, mas não é. Por vezes uma

pessoa obtém uma sentença em outro país, proferida por qualquer órgão

judicial estrangeiro, e precisa executá-la no território brasileiro. Por

exemplo, porque aqui é que estão os bens do vencido, e sem bens não se

consegue levar a efeito a execução. Ora, ela não pode simplesmente trazer

a sentença da França, ou da Argentina, e apresentá-la aqui, ao nosso Juiz,

para ser executada. Há um processo especial, que é o da homologação de

sentença estrangeira pelo Presidente do STF. Mas um dos requisitos para

que possa ser homologada a sentença estrangeira é a competência, à luz da

lei brasileira, do órgão que a proferiu. Eis aí a diferença. Se num dos casos

do art. 88 alguém apresenta ao Pres. do STF uma sentença proferida na

Itália, não exclui a possibilidade de que também o seja um outro Juízo, essa

sentença italiana poderá ser homologada, e depois vai valer no Brasil tanto

quanto uma sentença brasileira. Porém, se estivermos numa das hipóteses

do art. 89, por exemplo, uma sentença proferida na Itália a respeito de um

imóvel situado no Brasil, do momento em que a pessoa pretender dar

efeitos dessa sentença no território brasileiro e apresentá-la ao Pres. do

STF, a homologação será negada porque, à luz do direito brasileiro, o único

Juízo do mundo competente para proferir sentença a respeito da matéria

seria o próprio juiz brasileiro.

É claro que a homologação depende também de outros

requisitos, mas esse é um deles.

No caso de duas sentenças diferentes, uma brasileira e outra

estrangeira, se a estrangeira não foi homologada aqui ela não produz

efeitos, logo prevalece a brasileira. Se a sentença estrangeira já tiver sido

homologada antes, é ela que prevalece, e a brasileira sobre a mesma causa

foi mal proferida.

2ª) Se é a Justiça Brasileira, será a Justiça comum ou

será uma das Justiças especiais? As Justiças especiais são a do

Trabalho, a Eleitoral e a Militar. Como é que fica sabendo isso? Consultando

a Constituição, que indica as atribuições das Justiças especiais. Então se no

nosso caso couber alguma das normas constitucionais que discriminam as

atribuições das Justiças especiais, o problema fica resolvido nesse sentido,

se não, é a Justiça comum. As atribuições da Justiça comum não estão

enumeradas analiticamente na Constituição. Isso não é necessário, porque

elas se delimitam por exclusão. Tudo que não pertencer à competência de

alguma das Justiças especiais, conseqüentemente pertence à Justiça comum

e não é necessário, nem possível, que se faça uma enumeração exaustiva.

Acertado que a competência é da Justiça comum, que é o que

nos interessa nessa matéria, qual é a indagação seguinte? 3ª etapa da

pesquisa.

Page 54: Barbosa Moreira - Processo Civil

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3ª) A Justiça comum se distribui em dois itens: a Justiça

Federal e as Justiças Estaduais . Como vamos saber a qual delas

pertence a competência? A Constituição é que mais uma vez nos guia,

discriminando a competência da Justiça Federal. Na Constituição da

República estão enumeradas as matérias da competência da Just. Federal,

quer de 1ª instância, quer de instâncias mais elevadas. Agora eu pergunto:

Porventura também consta da Constituição um rol completo das matérias

que pertencem às Justiças Estaduais? Não, pela mesma razão de há pouco,

porque estas também se delimitam por exclusão. Tudo que não pertencer à

esfera de atribuições da Justiça Federal - enumerado para a J.Fed. de 1º

grau no art. 109, para os Tribunais Regionais Federais no art. 108, para o

Superior Tribunal de Justiça no art. 105, e para o Supremo Tribunal Federal

no art. 102 - tudo que não estiver em nenhum desses quatro elencos,

necessariamente pertence à competência da Justiça Estadual. Não há no

Brasil, como sabem, Justiça Municipal. É claro que é preciso saber ainda de

qual Justiça Estadual, e depois de saber se é da Justiça Estadual do Rio de

Janeiro ou de outro estado, é preciso saber, dentro dessa J. Estadual, qual é

o órgão porventura competente.

Como vêem, a pesquisa se desdobra em diversas etapas.

Que critérios nos interessam nessas restantes etapas de nossa

pesquisa? Basicamente três ordens de critérios. Reparem na significação

disto: quando a lei distribui funções e portanto delimita competências, pode

fazê-lo tendo em vista critérios diferentes. Ela não é obrigada a adotar um

único critério, adota diversos critérios para repartir as atribuições.

Basicamente costumam ser enumerados na doutrina, e o CPC adota essa

sistematização. São três critérios fundamentais:

1º) O critério TERRITORIAL, que como o nome diz, se baseia

num elemento, digamos geográfico, a localização de alguma coisa. De que,

vamos ver depois. Então, pelo critério territorial a competência é

determinada em razão de um elemento geográfico, de uma localização, de

uma situação topográfica. É aqui que está tal coisa, então a competência

se determina em função disto.

2º) O critério OBJETIVO, que se liga já não mais a um

elemento geográfico, mas a um objeto da causa, sejam as pessoas, seja o

assunto, seja o valor. Daí nós termos dentro do critério chamado objetivo,

três modalidades:

2.1 - competência determinada em razão da pessoa ( ratione

personae)

Page 55: Barbosa Moreira - Processo Civil

55

2.2 - competência determinada em razão da matéria ( ratione

materiae)

2.3 - competência determinada em razão do valor (ratione

valoris)

3º) Finalmente temos o critério FUNCIONAL, que se baseia

na natureza da função que vai ser desempenhada pelo órgão naquele

processo.

O Código adota essa sistematização e efetivamente, se os srs.

olharem o Capítulo III art. 91 e seguintes, verão que o CPC não se referiu

explicitamente, ou pelo menos subjetivamente à competência ratione

personae, mas ela existe.

Agora notem bem: os critérios territorial e objetivo

normalmente, em regra, servem para nos indicar perante que órgão o

processo deve ser iniciado. É competência inicial. Mas um processo

comporta diversas fases, e nem sempre todas elas vão se desenvolver

perante o mesmo órgão. Aliás, a regra é o oposto - o processo, à medida

que se desenvolve, vai mudando de mãos. Pode ser que, até a sentença,

tramite perante o mesmo órgão, mas quando alguém interpuser um recurso,

embora continue sendo o mesmo processo, já não será o mesmo órgão que

vai julgar aquele recurso. O processo vai deslocar-se, e é aí que entra em

cena o critério funcional. Porque, a função diferente que se vai exercer dali

em diante naquela nova fase do processo, corresponderá uma nova

competência. O processo deixa de caber à competência do órgão X, e

passa, ou se transfere, para a do órgão Y, em atenção às diferentes funções

que, de agora em diante, vão ser exercidas.

Temos então que recorrer a esses critérios e muitas vezes a

mais de um deles, porque o problema não se resume só em saber perante

que órgão deve o processo começar e sim também dali em diante, se é

sempre perante o mesmo órgão ou se, pelo contrário, vão atuar diferentes

órgãos um após o outro, correspondendo às diferentes funções que vão ser

desempenhadas ao longo daquele processo.

APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS

O primeiro critério, em regra, a ser aplicado, é o

territorial. Temos de saber, em primeiro lugar, onde se inicia ou se deve

iniciar o processo. É a primeira pergunta nesta etapa, já transpostas as

etapas iniciais, se a Justiça brasileira era competente, se a Justiça especial

ou comum, se Justiça Federal ou Estadual. Agora o que queremos saber é

Page 56: Barbosa Moreira - Processo Civil

56

onde. Por que? Porque o território brasileiro é dividido em

Circunscrições Judiciárias; assim como é dividido em circunscrições

político administrativas, os Estados, e estes em Municípios, também do

ponto de vista judiciário, tanto na J.Federal como na J.Estadual, e não

coincidem as divisões. A divisão da J.Estadual pode ser uma e a da Federal

outra. Na J.Federal, além da divisão em Estados, há a subdivisão em

Seções. Nas J.Estaduais que, é claro, correspondem cada uma a um Estado,

há uma subdivisão em Comarcas. Atenção à terminologia, que é diferente:

Justiça Federal -> Seções; Justiça Estadual -> Comarcas, que nem sempre

coincidem com os Municípios.

Então é preciso saber onde, i.é, em que Seção da J.Federal ou,

se for o caso, em que Comarca da J.Estadual se deve iniciar o processo. E

para isso recorremos aos critérios territoriais, que em regra nos dizem qual

o Foro competente. A palavra Foro aí serve indistintamente para designar a

Seção ou a Comarca. A competência do Foro é determinada pelo critério

territorial.

Mas o problema ainda não acabou. Pode ter acabado, quando

naquele Foro só haja um órgão judicial. Aí, se foi determinado o foro

competente e se aquele foro só tem um Juízo, o problema de saber onde o

processo se inicia está resolvido. Só pode se naquele foro e naquele Juízo.

A Comarca de Sumidouro (RJ), por ex., só tem um Juízo. Então, uma vez

assente que o processo deve iniciar-se nessa Comarca, é claro que não

temos mais dúvida alguma sobre a que órgão nos dirigiremos, porque lá só

existe um. Mas esse não é o caso de todas as circunscrições judiciais.

Ao contrário, grande número delas possuem mais de um

órgão. Por ex., na Comarca do RJ, na Capital do Estado, temos um grande

número de órgãos. De sorte que não basta saber que a ação deve ser

proposta na Comarca do RJ, isto é necessário mas não é suficiente,

continuamos tendo diante de nós uma escolha a fazer. Escolha essa que não

pode ser arbitrária, não fica a meu talante dirigir-me a este ou aquele Juízo.

Então nestas hipóteses eu, além de de determinar o foro competente, tenho

que determinar o Juízo competente, já que há dois ou mais.

Pode acontecer que esses 2 ou mais órgãos tenham

competências iguais, i.e., tanto faz que um deles processe a causa, como

outro. Pode acontecer. Então haverá uma distribuição para equilibrar a

divisão do trabalho, e a competência se formará naquele órgão ao qual foi

distribuído aquele processo. Mas nem sempre isso acontece, às vezes as

competências são diferentes, e elas podem ser determinadas por aplicação

de alguns critérios objetivos. Por exemplo, na Com. do Rio de Janeiro nós

temos órgãos de 1ª instância diversos. Como saber a qual vai caber a

competência? Há a divisão dessa competência em razão das pessoas. Por

Page 57: Barbosa Moreira - Processo Civil

57

ex. há certos Juízos privativos dos processos em que seja parte o Estado,

digamos, processo instaurado pelo Estado contra alguém, ou por alguém

contra o Estado. São os Juízos da Vara da Fazenda Pública. Existem outros

que são determinados em razão da matérias, p. ex., os Juízos das Varas de

Órfãos e Sucessões - os processos de inventário entre outras coisas; os

Juízos das Varas de Família - processam ações de anulação de casamento,

separação judicial, divórcio, alimentos etc. E pode haver ( nós não temos

aqui na nossa comarca, mas pode haver) divisão em razão do valor - tal

Vara só pode julgar causas até o valor X, suponhamos.

Então, temos que para consultar as regras que dividem essas

atribuições e que fixem essas competências, para localizar o Juízo

competente.

Mas continua sendo verdade que pode haver mais de um Juízo

com competência concorrente. Por ex., no Rio de Janeiro temos 5 Varas de

Fazenda Pública, qualquer delas é competente para uma causa em que seja

parte o Estado. Porém há de haver um jeito de dividir as tarefas, e esse

jeito é a distribuição.

Recapitulando as várias etapas:

1º) No plano internacional - saber se é ou não é competente a

Justiça Brasileira. Se ela é competente em caráter concorrente ou em

caráter exclusivo.

2º) Justiças especiais ou Justiça comum? Resposta na

Constituição.

3º) Justiça Federal ou Justiça Estadual? Resposta na

Constituição.

4º) Competência de foro. Qual o foro competente. Critério

territorial. Aí nós vamos ter uma série de regras contidas no CPC para

determinar qual é o foro competente com a aplicação de critérios territoriais

que se valem de diversos elementos, que veremos daqui a pouco.

5º) Localizado o foro competente, de duas uma: ou neste foro

só há um Juízo, e o problema estará resolvido, ou há vários e aí temos que

determinar o Juízo competente, e então não vai ser à luz do CPC e sim à luz

do Código de Organização Judiciária do Estado, no caso de Justiça Estadual.

Vejam como é complicado o problema da competência. Isto

para saber onde é que o processo se inicia. Depois, ao longo dele, podem

surgir novas questões de competência quando tivermos que perguntar se

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58

numa nova fase em que o processo vai entrar agora, continua sendo

competente o órgão anterior, ou a competência se desloca para outro. Vem

então o problema da competência funcional.

Antes de passarmos às normas específicas de determinar qual

é a competência segundo esses vários critérios, há aqui duas etapas a que

eu quero me referir:

Primeiro, a competência pode ser dividida em duas espécies,

ou melhor dizendo: quando um órgão não é competente, obviamente ele se

diz incompetente, mas a incompetência admite graus. É claro que

normalmente um órgão incompetente não pode nem deve conhecer da

causa para a qual não é competente, mas a Lei por vezes admite que um

órgão primitivamente incompetente, dentro de determinadas circunstâncias,

possa tornar-se competente, i.e, que o defeito seja sanável. Quando é que

isso acontece, é prematuro dizer, eu quero é que os Srs. fixem o fenômeno:

é possível que um órgão originariamente, em princípio, incompetente,

adquira competência. Então a sua competência pode em certos casos ser

modificada, ser alterada, dilatada. Ao passo que há outros tipos de

incompetência que nunca podem ser sanados. Então, a falta de competência

pode admitir dois graus: ou é uma falta suprível, ou é uma falta insuprível.

No primeiro caso dizemos que a incompetência é relativa -

aquela que consiste numa falta suprível, sanável. No segundo caso a

incompetência absoluta. Qual, ou quais as consequências práticas dessa

distinção? São as seguintes.

1) Quanto à iniciativa do controle. Na incompetência absoluta

o órgão pode e deve declarar-se incompetente de ofício. Ele próprio por

iniciativa sua deve declarar-se incompetente e remeter o processo ao órgão

que ele julga que seja competente. Mas isso ele só pode fazer nos casos de

incompetência absoluta.

2) Nos casos de incompetência relativa não. Ele não pode dar-

se por incompetente ex officio, só a parte é que pode provocar essa

declaração de incompetência. É um daqueles poderes que o Juiz só pode

exercer a requerimento da parte.

3) E se a parte não fizer isto pelo meio adequado, o que

acontece? O Juiz, que era incompetente mas cuja competência só podia ser

declarada por iniciativa da parte, e mediante determinado procedimento,

por uma determinada maneira e dentro de determinado prazo, se a parte se

mantém inerte e nada alega, essa incompetência relativa desaparece, a

falta fica sanada, fica suprida, e o Juiz dali em diante se torna competente.

Na incompetência relativa a parte que tem o ônus de alegar a

Page 59: Barbosa Moreira - Processo Civil

59

incompetência há de fazê-lo por um determinado modo que se chama

exceção de incompetência . Ao passo que na incompetência absoluta, se

o próprio Juiz não declarar como deve fazer, a parte pode alegar também,

mas não precisa ser por meio de exceção de incompetência, nem

está sujeita, ao contrário do que acontece na relativa, a um prazo.

Pode ser a qualquer tempo .

4) Uma vez sanada a incompetência relativa, o órgão torna-se

competente. A omissão da parte em alegar a incompetência por aquele

meio, oferecendo exceção de incompetência, produz o desaparecimento do

defeito. Todos os atos que o Juiz praticar dali por diante serão tão válidos

como seriam se ele desde o início tivesse competência. Tudo fica sanado,

inclusive tudo o que foi feito antes. Os atos anteriores como também os

atos posteriores. Mas isto só é possível na incompetência relativa. Na

absoluta o defeito, se existe, não desaparece nunca, e os atos decisórios

são anulados. Nem todos, porém. Mesmo na incompetência absoluta só

ficam invalidados os atos decisórios, o mais se aproveita. A Lei

processual moderna é um pouco avessa anulações de atos

processuais, porque não se que desfazer o trabalho que já foi feito.

Então ela só anula os atos decisórios. Mas isto na incompetência

absoluta. Na relativa isto não acontece porque quando se chega lá,

nos atos decisórios, já ficou sanada . Arts. 112 e 113 - Incompetência.

Eu lhes disse que a determinação do órgão perante o qual se

deve iniciar o processo resulta da aplicação de diversos critérios, critério

territorial, critério objetivo. Esses critérios lançam mão de diversos

elementos. Por. ex., um dos critérios mais importantes é o que toma como

elemento característico o domicílio do réu. Então a ação deverá ser

proposta em certos casos no foro onde o réu for domiciliado. Pergunta aos

Srs.: o réu fica proibido de mudar de domicílio? É claro que não. Pode

mudar-se. Então surge o seguinte problema: se o réu se muda várias vezes,

qual desses domicílios sucessivos é que se leva em conta? Então

precisamos saber qual é o momento em que eu tenho que olhar para o

elemento decisivo e dizer: é ali. A pergunta é a seguinte: eu quero propor

uma ação contra José, mas ele tem o hábito de mudar-se de 3 em 3 meses

para outra Comarca. Eu tenho que ir seguindo José por aí? Ou há um

determinado momento em que eu digo: é ali, e fica sendo ali pelo resto da

vida? Artigos 87 e 263, conjugados.

Estado de fato - o caso do réu que muda de domicílio a toda

hora.

Estado de direito - a lei mudou depois que a ação foi

proposta. Muda a competência? Não, nós não temos que atender à lei nova.

A competência, uma vez determinada, subsiste ainda que tudo se modifique

Page 60: Barbosa Moreira - Processo Civil

60

no dia seguinte. Mesmo que os elementos que foram levados em conta para

determinar a competência se modifiquem, o órgão não perde a

competência. Se ele a tinha nesse momento continua tendo pelo resto da

vida, salvo os casos excepcionais do art. 87.

COMPETÊNCIA DO FORO

Como se apura qual o órgão competente para uma

determinada causa? Isso não se faz através de uma única operação, mas

sim através de uma série de operações sucessivas. Em primeiro lugar

verificando se aquela causa de que se trata está incluída na competência da

Justiça Federal, que é taxativamente explicitada pela Constituição Federal,

ou da competência da Justiça Estadual, que tem atribuições, vamos dizer,

residuais. A Constituição não diz o que compete à Justiça Estadual, ela se

limita a estabelecer os casos da competência da Justiça Federal. O que não

entra na competência da Justiça Federal entra na da Justiça Estadual, que é

residual.

Feito isso, tendo em vista que os órgãos judiciais têm limites

territoriais de atuação, é necessário estabelecer o Foro competente. A

J.Federal em 1ª instância divide o território nacional em Seções Judiciárias,

e a J.Estadual de 1ª instância aqui no caso do Est. do Rio de Janeiro, divide

o Estado em Comarcas. Circunscrições territoriais em que se divide o

território nacional ou estadual para efeito de administração da Justiça.

É necessário, portanto, numa 2ª operação, estabelecer em que

lugar propor a ação. Em que Seção judiciária, se for o caso da competência

da J.Federal, ou em que Comarca se for o caso da competência da

J.Estadual. Eventualmente dentro da Seção judiciária ou da comarca, pode

haver mais de um Juízo e quando houver, a terceira etapa necessária de

determinação da competência vai envolver isso: indicar a que Juízo dentro

daquela circunscrição territorial vai caber processar e julgar aquela causa.

Vamos ver hoje a COMPETÊNCIA DE FORO, que é disciplinada

principalmente pelo CPC. Não temos condições de fazer aqui uma análise

exaustiva de todas as regras que se referem à determinação da

competência. Vamos nos ater aos princípios gerais, às regras mais

importantes, aos critérios fundamentais.

Seção III do Capítulo III (Título IV - art. 94 e ss). Trata da

competência interna e principalmente contém normas sobre a determinação

do foro competente e tem o título "Da Competência Territorial". Não é

exatamente preciso o título dessa Seção, embora seja tradicional. A rigor o

Page 61: Barbosa Moreira - Processo Civil

61

que o Código vai tratar é na realidade da competência de foro. Apenas o

Código deixou-se influenciar talvez pela circunstância de que o foro se

determina, em regra, com base em critérios territoriais. Daí a razão do

nome da Seção.

Em matéria de competência de foro, a Lei adota dois critérios

gerais, comuns, fundamentais: um deles está no art. 94. Ações fundadas

em direitos pessoais, p.ex., a cobrança de um crédito e ações

fundadas em direitos reais sobre móveis, são propostas em regra no

foro do domicílio do réu . Não é em princípio o CPC que disciplina como é

que se determina o domicílio. É no Código Civil que se encontra o conceito

de domicílio, os dados necessários para saber onde é o domicílio do réu.

OBS: o foro de inventário é um foro especial, nós estamos tratando primeiro

do foro comum, não incluído aí inventário.

O parágrafo 1º trata da hipótese do réu ter mais de um

domicílio, e nesse caso pode o autor livremente optar entre propor a ação

num ou noutro local.

O parágrafo 2º trata do caso de domicílio incerto ou

desconhecido do réu. Incerto no sentido de que o réu não tem residência

fixa, ou emprega a vida em viagens por exemplo; desconhecido no sentido

de que o autor não conhece o domicílio do réu. Num caso ou noutro diz o

Código que ele será demandado onde for encontrado (ou o Código não diz

mas nós devemos entender); se não for encontrado em lugar nenhum, no

foro do domicílio do autor. O autor, evidentemente, não fica, portanto,

impedido nesses casos de propor a ação. Se o réu for encontrável em

qualquer lugar, aí será proposta a ação. Se não for, o Código permite que o

autor instaure a ação no foro do seu próprio domicílio. Pergunta: no caso de

o réu ter domicílio desconhecido mas possuir bens em determinada

localidade, poderá ser instaurada a ação nessa localidade? Resposta do

Professor: A rigor, não. A rigor teria que ser no domicílio do autor. Por outro

lado, essa permissão para o autor instaurar o processo no seu próprio foro é

um privilégio, um benefício que a Lei assegura ao próprio autor. Você

poderia dizer que desse benefício ele pode abrir mão. Agora, de qualquer

maneira, acima de tudo isso haveria o seguinte: a incompetência fundada

em critérios territoriais, em regra, é relativa, de maneira que poder propor

no foro, pode, agora me parece que se aparecer o réu por um acaso e

alegar a incompetência ela terá que ser reconhecida.

O parágrafo 3º pressupõe obviamente que se trata de um dos

casos em que a Lei brasileira reconhece a competência dos nossos órgãos

jurisdicionais para aquele processo. Pressupõe que se tenha respondido

afirmativamente à questão relativa a competência internacional. Se o autor

Page 62: Barbosa Moreira - Processo Civil

62

também não residir no Brasil a ação será proposta em qualquer foro, em

território nacional, evidentemente.

O parágrafo 4º - o indivíduo vai propor uma ação contra duas

pessoas, uma das quais tem domicílio aqui e a outra tem domicílio em outro

foro. A ação é proposta em qualquer dos dois à escolha do autor.

O domicílio do réu para as ações fundadas em direito pessoal

e em direito real sobre móveis é o primeiro foro comum tratado pelo CPC.

O segundo está no art. 95, que diz respeito a ações fundadas em direito real

sobre imóveis. Em atenção à conveniência de o processo ser instaurado

num lugar onde se tenha acesso ao bem, o CPC estabelece aí, como regra

geral, que o foro competente é o da situação da coisa. Abre-se uma

alternativa ao autor, o CPC permite que o autor se valha do foro do

domicílio do réu, ou de um foro que os dois, num contrato, tenham

estabelecido para ajuizar as ações derivadas daquele contrato. Foro da

situação da coisa, portanto, ou, à escolha do autor, foro do domicílio do réu

ou foro de eleição.

Mas o CPC, em seguida, abre uma ressalva que tem o sentido

de restabelecer aquela primeira regra: isso ocorre quando o litígio recai

sobre o direito de propriedade, p.ex., uma ação reivindicatória ou uma ação

de usucapião, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras,

e nunciação de obra nova. Nesses casos não existe aquela escolha que

existe em geral para o autor no caso de ações fundadas em direito real

sobre imóveis. Nesses casos a ação só poderá ser proposta no foro da

situação da coisa.

Esses são os critérios comuns ou gerais de determinação da

competência de foro no Direito Brasileiro, que se aplicam quando não

houver alguma regra jurídica contida no próprio Código ou em lei que

estabeleça um outro critério para a determinação do foro. No próprio

Código, além desses critérios gerais, comuns, vamos encontrar critérios

especiais de determinação da competência de foro.

Por ex., no art. 100 encontramos vários casos. No caso

previsto no parágrafo único do artigo, a reparação que o autor vai pedir aí,

ele pedirá a título de direito pessoal. Pela aplicação do critério do art. 94,

portanto, o foro competente seria o do domicílio do réu; a lei leva em

consideração, porém, que seria injusto muitas vezes para o autor ter de ir

propor a ação lá no domicílio do réu. Suponhamos que alguém seja

atropelado no local onde mora por um indivíduo que tenha domicílio em

outro lugar distante. Seria exigir-se, dado inclusive à freqüência com que

isso acontece, e ao interesse que tem o legislador em que se assegure às

vítimas uma pronta e fácil indenização pelos danos sofridos, seria injusto

Page 63: Barbosa Moreira - Processo Civil

63

que ela fosse atrás do réu no local onde ele tem domicílio. Permite-se,

portanto, que a ação seja proposta no foro do domicílio do autor, ou do local

onde ocorreu o fato que deu causa àquele direito.

São foros especiais que se aplicam nas hipóteses

previstas. A hipótese para a qual não estiver na lei estabelecido

foro especial, vai resolver-se à luz dos arts. 94 e 95, que

estabelecem os foros comuns ou gerais.

Determinada a competência do foro, determinado o foro

competente, pode eventualmente, se dentro daquele foro houver mais de

um juízo, ser necessário estabelecer a qual deles vai caber processar aquela

causa. Essa determinação da competência de juízo não é o CPC que faz,

são leis de organização judiciária, federal ou estaduais, conforme o caso

que, até 1977, no caso estadual, eram editadas pelo Tribunal de Justiça que

exercia excepcionalmente função normativa. E a partir de 1977, serão

editadas pela Assembléia Legislativa. Faço essa referência porque em vigor

no Estado do Rio de Janeiro ainda é o Código estabelecido anteriormente a

1977, e que portanto foi editado pelo Tribunal de Justiça. É lá, no Código de

Organização Judiciária, que os srs. vão encontrar os critérios para

determinar, dentro do foro, o juízo competente. Essa determinação se faz

com base em critérios objetivos. Não é mais como a competência de foro

que se faz normalmente com base em critérios territoriais. A competência

de juízo se define, em regra, com base em critérios objetivos, em razão da

matéria, da pessoa ou do valor da causa. Por ex., a Vara de Família ou a

Vara de Órfãos e Sucessões, qual das duas será competente? Depende da

natureza da matéria. Em razão de pessoa, por ex., as Varas da Fazenda

Pública aqui da capital, têm competência para processar causas nas quais

participe o Estado do Rio de Janeiro. Excepcionalmente em razão do valor.

Em São Paulo funcionam, e aqui estão iniciando agora, as Varas Distritais

cuja competência no processo civil é estabelecida em razão do valor da

causa. São critérios de natureza objetiva, portanto, que decidem juízo

competente.

Vamos cuidar da seção seguinte do CPC que trata das

modificações da competência e especialmente dos institutos que são a

prorrogação da competência e a prevenção da competência .

Prorrogar na língua comum significa ampliar, dilatar. Quando

dizemos p.ex. que um prazo foi prorrogado o que estamos dizendo é que ele

foi aumentado, ampliado. Prorrogação de competência é isso: a

ampliação da competência. É o fenômeno que consiste em um órgão

incompetente tornar-se competente . O órgão que originariamente não

teria competência para determinada causa, passa a tê-la em função de

determinadas causas que vamos ver quais são. O que é importantíssimo

Page 64: Barbosa Moreira - Processo Civil

64

que os srs. fixem é que a prorrogação só ocorre quando a

incompetência que se manifestava originariamente era relativa . Só

se prorroga a competência que conduziria à incompetência relativa.

Somente um órgão relativamente incompetente pode ter a sua competência

prorrogada. Prorrogação de competência, portanto, é isso: é a

ampliação da competência de um órgão que originariamente não

tinha competência para processar uma determinada causa, e que

passa a ter em função de determinados fatores. A prorrogação

pressupõe, portanto, um órgão relativamente incapaz .

PRINCIPAIS CAUSAS DE PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA

A enumeração não será exaustiva. Podemos dividí-las, para

efeito didático, em causas voluntárias e causas legais. Voluntárias,

quando dependem da vontade das partes. Legais, quando decorrem de

fatos sobre os quais não influiu a vontade das partes. As causas voluntárias

são duas. Os srs. já viram a distinção entre incompetência relativa e

absoluta, e já sabem que a incompetência relativa se caracteriza pelo fato

de ter que ser alegada para poder ser reconhecida pelo órgão judicial. Ter

de ser alegada dentro de um determinada prazo e sob uma determinada

forma, através de exceção. Exceção declinatória de foro, ou exceção de

incompetência. Se isso não acontecer, se, instaurado um processo

perante órgão relativamente incompetente, não vier a ser alegada a

incompetência, ela por isso convalesce, de tal maneira que se torna

competente a partir de então, um órgão que era incompetente . Isso

só acontece com a incompetência relativa, não com a absoluta .

Pois bem, a primeira causa voluntária da prorrogação da

competência é essa, é a omissão daquele a quem cabia excepcionar,

alegando a incompetência no prazo legal . A falta do oferecimento da

exceção de competência no prazo legal tem essa conseqüência: prorroga a

competência daquele órgão até então relativamente incompetente.

Para manter o esquema que fizemos, deveríamos dizer que

essa omissão revela, da parte daquele que se omite, uma vontade tácita de

que o processo prossiga naquele foro. É o que diz o art. 114.

A segunda causa voluntária da prorrogação da competência

está no art. 111. Os srs. já sabem que é absoluta a incompetência derivada

desses critérios - em razão da matéria, da hierarquia seria um critério

funcional. Mas diz mais, que as partes podem modificar a

competência em razão do valor e do território , critérios que conduzem

no sistema do CPC à incompetência relativa, elegendo foro onde serão

propostas as ações oriundas de direitos e obrigações. É o que se denomina

de pacto de eleição de foro. As partes estabelecem numa cláusula o foro

Page 65: Barbosa Moreira - Processo Civil

65

onde serão ajuizadas causas derivadas daquele contrato, daquele negócio

jurídico. Eventualmente esse foro eleito pode não coincidir com o foro

estabelecido em caráter geral pelo CPC, de tal maneira que aquele foro

eleito, à luz do critério do CPC seja incompetente. Se isto acontecer o pacto

de eleição de foro terá essa conseqüência: vai ampliar a competência

daquele órgão relativamente incompetente . É causa, portanto, de

prorrogação de competência.

Mas o pacto de eleição de foro não implica necessariamente

em prorrogação de competência. Ele só vai implicar quando o foro eleito for

diferente do foro que resultaria da aplicação dos critérios legais.

Só se prorroga a competência de órgão cuja

incompetência seja relativa. E a incompetência relativa só se

manifesta, em princípio, em função da aplicação de critérios

territorial e do valor da causa.

Há requisitos para o pacto de eleição de foro. O primeiro diz

que esse acordo só produz efeitos quando constar de contrato escrito. Uma

exigência de forma, portanto, a aludir expressamente a determinado

negócio jurídico. E as pessoas não podem estabelecer um foro aonde se

devem propor todas as ações que devam ser propostas entre elas

indefinidamente, em qualquer matéria, isso não pode acontecer. O pacto de

eleição de foro tem a sua eficácia restrita a um negócio jurídico, às ações

fundadas naquela relação jurídica.

Causas legais de prorrogação da competência: São

principalmente duas, previstas no art. 102. A conexão e a continência

são hipóteses aí previstas que impõem a prorrogação da

competência, são vínculos entre ações, que foram até mesmo

definidas pelo CPC. Estreitou um pouco o conceito. Na doutrina se

sustenta um conceito mais largo - seria um tipo de relação entre ações que

tornaria conveniente a reunião delas num mesmo processo. O Código

restringiu um pouco. E o art. 104 define a continência, dizendo que dá-se a

continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às

partes e à causa do pedido, mas o objeto de uma, por ser mais amplo,

abrange o da outra. Por ex., num processo o autor cobra principal e juros, e

mais adiante ele instaura um processo exercitando aquela mesma ação,

mas cobrando apenas o principal. O objeto de uma está contido (daí o

nome continência) no pedido da outra.

A conexão e a continência impõem a reunião num só processo

daquelas duas ações - art. 105. Agora vejam bem: a reunião não oferece

nenhum problema se o órgão perante o qual ela vai ocorrer é competente

para ambas. Mas pode acontecer que seja competente para uma e não para

Page 66: Barbosa Moreira - Processo Civil

66

outra. Nesse caso, desde que a incompetência seja relativa, aplica-se o art.

102 que determina a prorrogação, e o órgão passa a ser competente. Duas

ações conexas. Para uma delas o órgão judicial é relativamente

incompetente. Para outra ele é competente. Reunem-se as duas ações. A

incompetência sendo relativa, desse modo a conexão prorroga a

competência daquele órgão, de modo que ele que era competente para uma

e relativamente incompetente para outra, passa a ser, em função da

conexão, competente para ambas.

A conexão e a continência, portanto, constituem causas legais

da prorrogação da competência.

Ex.: Duas ações conexas. Uma devia ser proposta na comarca

do Rio de Janeiro, é aqui domiciliado o réu, suponhamos. E a outra, em

função da aplicação de algum critério especial de determinação de foro,

devia ser proposta não aqui, mas na comarca de B.Horizonte. Nós vamos

ter que reunir num dos órgãos, para que elas corram paralelamente no

mesmo processo. Como contornar-se o problema da competência? Desde

que se trate de incompetência relativa, o órgão, vamos supor, do Rio de

Janeiro, será competente para processar aquelas duas causas que vão ser

acumuladas num só processo. Ele, em função do fato de as ações serem

conexas, passa a ser competente para ambas.

Os exemplos seriam exemplos de pedido igual, partes iguais,

ou causas de pedir iguais. O marido promove ação de separação judicial

contra a mulher alegando uma suposta violação por ela de alguns dos

deveres inerentes ao casamento. E a mulher, por sua vez, propõe ação de

separação judicial contra o marido alegando uma suposta violação por ele

dos deveres inerentes ao casamento. Portanto, idênticas nas duas ações o

pedido é o mesmo, separação judicial. As causas, porém, são diferentes,

ele alega um fato que ao ser ver constitui uma violação dos deveres por ela

e vice-versa. As ações são conexas.

Outro exemplo: Identidade de causa do pedido. Dois

indivíduos propõem uma ação de anulação de concurso realizado, alegando

que foi violado um determinado requisito previsto no edital do concurso. As

partes são diferentes, portanto, as ações não são idênticas, num caso é A

no outro é B quem propõe. O réu é o mesmo porém os autores são

diferentes, portanto não é a mesma ação, são ações diferentes. O pedido é

o mesmo e a causa petendi é a mesma. Ações conexas, à luz do art. 103.

Nesse caso, possivelmente o foro competente seria o mesmo, mas pode

acontecer que para ações conexas a competência recaia em órgãos

diferentes. Se recair, desde que a incompetência seja relativa, prorroga-se

a competência de um deles, que passa a ser competente para ambas.

Page 67: Barbosa Moreira - Processo Civil

67

Evidentemente a conexão não conduz sempre à prorrogação.

Apenas quando um dos órgãos não é competente para uma das causas, se

essa incompetência for relativa, prorroga-se.

As ações mantém a sua individualidade, os seus protagonistas,

o seu objeto, a sua causa, matem-se tudo, apenas são reunidas num mesmo

processo, para o efeito desejado de haver uma só decisão.

Então aí estão as causas legais da prorrogação de

competência. Não as únicas. Vamos ver mais uma delas - art. 107.

Imaginem os srs. que, para um determinada causa, o critério de

determinação do foro competente seja a situação da coisa, seja a comarca

onde se acha situado o bem imóvel. Imaginem agora que esse imóvel

esteja situado uma parte numa comarca, outra parte noutra comarca, ou

seja, que a linha divisória das comarcas passe sobre esse imóvel. É para

essa hipótese que se dirige o art. 107. É uma outra causa de prorrogação.

Primeiro será necessário saber qual dos dois, o órgão de uma comarca ou

de outra. Uma vez definido que é nesse ou naquele órgão (a rigor a

competência seria restrita pela linha divisória) o CPC amplia a competência

de modo a abranger a totalidade do imóvel.

Há outra ainda, que se refere a institutos que teremos que

estudar.

Em certa medida a PREVENÇÃO é o oposto da prorrogação .

A prorrogação pressupõe um órgão relativamente incompetente, e consiste

em ampliar a sua competência. A prevenção não; ela pressupõe mais de

um órgão competente em tese para processar uma determinada

causa. Por ex. os srs. têm aqui na Comarca do Rio de Janeiro várias Varas

Cíveis. Em tese todas elas e cada uma delas competente para as causas

que entrem no âmbito das atribuições das Varas Cíveis. Varas de Família,

mais de uma. Como fixar numa delas a competência concreta para

determinada causa? Todas tem em tese competência para determinado tipo

de causas. A prevenção pressupõe, portanto, uma pluralidade de órgãos

competentes, todos eles em tese, e consiste em fixar num deles a

competência, em vincular a um deles concretamente, não mais em

tese, a competência, para aquela causa determinada . Prevenção vem

de prevenir, significa se antecipar.

Qual o critério da determinação da prevenção no CPC?

Quando é que se estabelece a prevenção? Qual é o ato do processo que

torna prevento o órgão, preventa a competência do órgão? Temos dois

dispositivos no CPC que conduzem a resultados diferentes. Temos em

primeiro lugar o art. 106. O critério aqui seria a anterioridade do despacho

que ordenou a citação. Seria o despacho que tornaria prevento aquele

Page 68: Barbosa Moreira - Processo Civil

68

Juízo, de tal maneira que os demais órgãos até então em tese competentes

se tornariam incompetentes.

Mas temos também o art. 219 que estabelece os efeitos da

citação, e que arrola entre esses efeitos, a prevenção. Ora, o despacho

inicial e a citação não se verificam no mesmo momento, e o problema da

prevenção é determinar o momento em que ela ocorre. De maneira que

temos que enfrentar essa discrepância do CPC. Os critérios são

conflitantes. No art. 106 - o despacho inicial, no art. 219 - em virtude da

citação. Podemos fazer uma distinção entre esses dois dispositivos:

No art. 219 - a citação válida torna prevento o Juízo.

No art. 106 - correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a

mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que

despachou em 1º lugar.

Vejam que o art. 106 tem elementos que o 219 não tem. Nós

podemos perfeitamente entender, e a doutrina se tem orientado nesse

sentido, que o art. 219 tem característica geral, em relação ao qual o art.

106 é uma regra especial que só se aplica às hipóteses do ações conexas

perante juízes que tem a mesma competência territorial. Se os juízes não

tiverem a mesma competência territorial não seria o despacho que

determinaria a prevenção, mas sim a citação, por força do art. 219. Quer

dizer, o art. 219 estabeleceria o momento em que ocorreria a prevenção

fora dessas hipóteses especificadas no art. 106. Seria uma regra geral, e o

art. 106 em relação a ela uma regra especial que tem um âmbito de

incidência mais restrito, e que conduz a um resultado diferente. Não é

unânime a opinião, mas é a predominante.

Apenas a título de informação: há quem sustente que, tendo

em vista que o Direito Brasileiro sempre adotou como critério de prevenção

a citação, nós devemos entender que continua sendo só a citação. O

critério do art. 106, despacho, seria um critério de caráter subsidiário que

se aplicaria quando as duas citações fossem realizadas no mesmo tempo.

De tal maneira que pela anterioridade da citação nós não pudéssemos

estabelecer a prevenção.

O efeito da prevenção é fixar in concreto a competência para

aquela determinada causa. Até então havia dois ou mais órgãos em tese

competentes para aquele processo, a partir da prevenção num deles se terá

fixado a competência.

A prevenção produz ainda outro efeito, que é o de atrair para

o Juízo em relação ao qual ocorreu a prevenção, ações que sejam conexas

àquela. Além de fixar num órgão específico a competência para

Page 69: Barbosa Moreira - Processo Civil

69

determinada causa, ela exerce para aquele Juízo um atração sobre ações

conexas que devam ser processadas e julgadas conjuntamente com aquela.

É uma consequência, ainda aí, da necessidade de reunir as ações conexas.

Vamos ver finalmente os meios de controle da competência, os

modelos através dos quais se coloca no processo a questão relativa à

competência. Há casos em que o Juiz, de ofício, espontaneamente,

independentemente de provocação das partes, pode apreciar a questão

relativa à competência, e declarar-se incompetente. Isso ocorre nos

casos de incompetência absoluta, o que não significa evidentemente

que a parte não possa alegar a incompetência absoluta. É claro que

pode, apenas se se tratar de incompetência relativa, ela tem o ônus

de alegar sob pena de tornar-se competente o órgão até então

incompetente. Se se trata de incompetência absoluta, ela não tem

esse ônus porque o órgão judicial, de ofício, vai declarar-se

incompetente. Mas ela pode provocar essa declaração embora não

esteja sujeita a prazos nem a formas determinadas, como no caso da

incompetência relativa .

Então o primeiro meio de controle é esse - o controle ex

officio pelo próprio órgão judicial, restrito à incompetência

absoluta.

O segundo é a provocação da parte (que no caso de

incompetência absoluta pode ocorrer - não estando sujeita a prazo nem a

omissão em alegar tornará competente aquele órgão, não prorrogará a

incompetência, mas pode ocorrer). A provocação da parte no tocante à

incompetência relativa é indispensável , sob pena de, não ocorrendo

através do oferecimento de exceção de incompetência, aquele órgão

relativamente incompetente tornar-se competente em função da

prorrogação.

Existe um terceiro meio de controle da competência que se

denomina de conflito de competência, pressupondo dois ou mais órgãos

judiciais que em relação a uma causa determinada controvertem entre si a

respeito da competência. Está disciplinado nos arts. 115 e seguintes do

CPC. Há duas espécies - art. 115, I - é o que se denomina de um conflito

positivo, ambos se consideram competentes para aquela causa. Inc. II - aí

temos que fazer um acréscimo: quando dois ou mais juízes se consideram

incompetentes e estiverem os dois plenamente de acordo em que a

competência pertence a um 3º órgão, não há conflito nenhum. O conflito

se verifica quando os dois se consideram incompetentes e cada um

acha que é o outro e vice-versa .

Page 70: Barbosa Moreira - Processo Civil

70

O inciso III se resolve num dos dois casos anteriores. A rigor,

ou o conflito negativo ou o conflito positivo. Evidentemente esse conflito

tem que ser decidido por um órgão hierarquicamente superior aos que estão

em conflito; qual seja esse órgão o CPC não diz, é matéria regulada pelas

normas da Organização da Justiça Federal, pela Constituição da República,

pelo Código de Organização Judiciária; de qualquer maneira órgãos

hierarquicamente superiores àqueles que se encontram envolvidos no

conflito.

Os arts. 118 e seguintes estabelecem o procedimento. O art.

118 regulamenta a iniciativa de conflito. Quem pode suscitar conflito de

competência e diz que é o próprio Juiz, a parte ou o M.P., sendo que quando

é o Juiz estabelece a forma de ofício e quando é a parte ou o M.P., a forma

de petição. Art. 120 - no caso de conflito positivo seria uma situação

obviamente inconveniente que os dois processos continuassem a correr a

despeito do conflito. O relator pode determinar que sejam sobrestados,

paralisados, os processos. Mas neste caso, no caso de ser sustado o

andamento dos processos, bem como no caso de conflito negativo, em que

cada um dos Juízes se considera incompetente, o relator designará um dos

Juízes para resolver em caráter provisório as medidas urgentes.

Art. 121 - Ao tribunal caberá fixar a aplicação das regras

relativas à invalidade dos atos.

DAS PARTES

São partes num processo as pessoas que, em seu próprio

nome, figuram no pólo ativo e no pólo passivo da relação jurídica

processual, ou seja, a pessoa em cujo nome se propõe a ação, e a pessoa

em face de quem a ação é proposta. A primeira recebe a denominação de

autor, e a outra de réu, podendo, é claro, existir simultaneamente vários

autores e vários réus, isto é, podendo a ação ser proposta por duas ou mais

pessoas, ou então em face de duas ou mais pessoas, hipóteses em que se

forma a figura do LITISCONSÓRCIO.

Essas pessoas são as assim chamadas partes principais.

Pode acontecer que outras pessoas assumam também a condição de

parte no processo, mas é uma posição secundária, subordinada,

como é o caso do ASSISTENTE.

As partes do processo não se identificam obrigatoriamente

com as partes da relação jurídica de direito material discutida nesse

processo. Nem sempre o direito de ação é exercido pela pessoa que se

supõe ser sujeito da relação jurídica de direito material. Há um tipo de

Page 71: Barbosa Moreira - Processo Civil

71

legitimação ordinária, na qual essas posições coincidem, e um tipo de

legitimação extraordinária, na qual essas posições não coincidem.

Aparecem no processo em nome próprio, não portanto na qualidade de

representantes, já que o representante age em nome do representado.

Aparece no processo uma pessoa, em nome próprio, para defender direito

que, se existir, será alheio. Como por exemplo, o marido que litiga pelo

bem dotal pertencente à mulher. Como no caso do acionista que promove

ação para condenar um diretor de S.A. a pagar à sociedade indenização pelo

ato danoso que praticou ao seu patrimônio. Nesses casos o sujeito da

relação jurídica de direito material e o sujeito da relação jurídica processual

são diferentes. Portanto, quando aqui no processo civil nós nos referimos

às partes, temos em vista a situação processual, não necessariamente a sua

situação material. Quer dizer que quando ocorre a LEGITIMAÇÃO

EXTRAORDINÁRIA, quando o marido, v.g., vai a Juízo para litigar acerca do

dote de sua mulher, parte será o marido, embora o dono do direito material,

sujeito da relação jurídica material seja a mulher, que é a proprietária.

Uma pessoa assume a posição de parte de várias maneiras:

1ª) Propondo uma ação . A pessoa que vai a Juízo e intenta

uma ação, formula uma demanda ao órgão judicial, simplesmente por ela

própria, assume no processo a posição de parte e definidamente a de autor.

2ª) Sendo citado para uma ação . A propõe uma ação em

face de B, requer a citação de B. Do momento em que B é citado, adquire,

assume a posição de parte, no caso réu.

3ª) Sucedendo a uma das partes . Pode acontecer que as

partes, no curso do processo, se desliguem dele, e sejam sucedidas por

outras pessoas que, ao suceder, assumem a condição daquelas a quem

sucedem, tornam-se partes.

4ª) Também se pode assumir a condição de parte intervindo

voluntariamente ou coactamente num processo que corre entre

outras pessoas. É o fenômeno da INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. O

terceiro que intervem no processo, a partir desse momento passa a ter

também a condição de parte. Deixa de ser terceiro e passa a ser parte.

Então, por qualquer dessas quatro maneiras uma pessoa pode

tornar-se parte do processo.

O fato de ser parte não significa necessariamente que essa

pessoa seja parte legítima. Ela é parte, mas pode acontecer que ela, a

despeito de ser parte, não o devesse ser, i.e, não tenha legitimação para a

causa, seja parte erradamente, digamos assim, não era ela que devia ter

Page 72: Barbosa Moreira - Processo Civil

72

proposto a ação, ou não era em face dela que a ação deveria ter sido

proposta. Isso significa que nem toda parte é parte legítima. O fato de

alguém ser parte é uma coisa, o juízo que se fará sobre se essa

pessoa é parte legitimamente, é outra . Se essa não for parte legítima,

o processo se extinguirá sem julgamento do mérito, pela carência de ação.

Ela era parte sem ter legitimidade para sê-lo.

Assim como o órgão julgador deve satisfazer a determinados

requisitos, fenômeno semelhante se passa com a parte. Em primeiro lugar

pergunta-se: Quem é que pode ser parte num processo civil? Então é

problema de legitimação. Notem que não estou perguntando quem é parte

legítima, quem deve ser parte numa ação. Eu fiz uma pergunta genérica

relativa à capacidade para ser parte. Os animais podem ser partes no

processo civil? Não. E as coisas inanimadas também não. Então, em

primeiro lugar, quem pode ser parte são as pessoas. As pessoas

naturais e as pessoas jurídicas, todos os seres aos quais o Direito

reconhece a possibilidade de serem titulares de direitos e

obrigações.

Agora, em casos especiais reconhece-se a possibilidade de ser

parte no processo certas entidades. Há certos bens que no plano do direito

civil não têm personalidade, não são pessoas jurídicas. Três exemplos bem

precisos: o espólio de uma pessoa falecida, o condomínio de um

edifício de apartamentos e a massa falida. São três entidades que não

têm personalidade jurídica no plano do direito civil, mas podem ser parte no

processo. Qualquer delas pode propor uma ação, e pode ser réu de uma

ação. A lei processual excepcionalmente lhes confere essa possibilidade.

Para que o processo se construa regularmente, já vimos com

relação ao órgão que não basta ele estar investido de jurisdição, é preciso

que tenha competência. Analogamente, com relação às partes, não

basta que o processo se forme entre elas, é preciso que elas, além

de terem capacidade para ser partes, tenham a chamada capacidade

para estar em Juízo, ou capacidade processual . No direito civil há uma

distinção entre capacidade de direito e capacidade de fato. Qualquer

pessoa é capaz de ter direitos, mas nem todos são capazes de ser partes.

Assim, p.ex., os menores, os silvícolas, os loucos de todo o gênero. São

pessoas, têm capacidade de direito, podem ser titulares de direito civil mas

não podem exercê-los por si mesmas, diretamente, e sim através de um

curador. A mesma coisa acontece no processo.

Aquelas entidades que são capazes de ser parte, estão em

Juízo por intermédio de órgãos especiais: o espólio pelo inventariante, a

massa falida pelo síndico. As pessoas jurídicas também não apresentam

problema, não comportam distinção entre capazes e incapazes, se são

Page 73: Barbosa Moreira - Processo Civil

73

pessoas jurídicas são capazes e estarão em Juízo também dessa forma. O

problema surge é no tocante às pessoas naturais. Todos têm capacidade

para ser parte, mas nem todos a tem para estar em Juízo .

Art. 8º - A lei processual considera capazes para estarem em

Juízo, isto é, para diretamente participarem da atividade processual, as

pessoas que são capazes de fato no plano civil. A rigor, portanto, é o

seguinte: abstraindo das pessoas jurídicas e das chamadas pessoas

normais, terão capacidade para estar em Juízo as pessoas as quais

sejam capazes de fato . Então, um menor pode ser parte? Pode.

Capacidade para ser parte ele tem. Uma ação pode ser proposta por um

menor e contra um menor. Mas o menor não pode diretamente, por si só,

participar do processo porque ele tem capacidade para ser parte, mas não a

tem para estar em Juízo, não tem capacidade processual. Quem pratica por

ele os atos processuais? Se se tratar de uma pessoa absolutamente

incapaz, a resposta é uma; se se tratar de uma pessoa apenas

relativamente incapaz, a resposta é outra. Mas ambas são maneiras de

suprir a falta de capacidade civil.

Art. 8º - Os incapazes serão representados ou assistidos. São

duas maneiras de suprir a incapacidade: a representação, para o

absolutamente incapaz, e a assistência, para o relativamente incapaz.

Quando o representante ou o assistente comparecem a

Juízo suprindo a falta de capacidade da parte, eles nem por isso se

tornam partes. A parte continua sendo o representado ou o

assistido. Isto é de enorme importância. Vejam bem, a parte não é o

representante. Este não age em nome próprio, age em nome do

representado. O fenômeno é, portanto, diferente do da substituição

processual, que nós vimos na legitimação extraordinária. Nesta, o

substituto atua em nome próprio embora em situação jurídica alheia, e ele,

substituto, é que é parte. Caso do marido que litiga pelo bem dotal, ele é

parte. No entanto, se eu comparecer a Juízo como representante de um do

meus filhos menores, ou seja, incapazes, a parte é o meu filho, eu não sou

parte do processo, sou mero representante. Uma pessoa passa procuração

ao advogado para defendê-la mas nem por isso deixa de ser parte.

Não se confunde com nenhuma das duas figuras o fenômeno

que ocorre quando uma pessoa, apesar de ser plenamente capaz, não pode

comparecer a Juízo sem a anuência, a concordância, o consentimento de

outra pessoa. Caso do art. 10 do CPC - cônjuges (supondo-se que ambos os

cônjuges sejam capazes).

A regra geral é a recíproca: só tem capacidade para

estar em Juízo, ou seja, só tem capacidade processual, a pessoa que

Page 74: Barbosa Moreira - Processo Civil

74

tem capacidade civil . Só é processualmente capaz o civilmente capaz.

Mas há algumas exceções interessantes. Há casos, na Parte Especial, em

que uma pessoa, apesar de ser incapaz civilmente, pode por si mesma estar

em Juízo, pode ela própria constituir advogado, etc. Isso acontece quando

essa pessoa quer requerer em Juízo uma providência a respeito da sua

capacidade: as pessoas sob interdição (os alienados, loucos de todo

gênero). Suponhamos que uma pessoa foi posta sob interdição. Quem a

representa é o curador (caso da Curatela). Mas essa pessoa acha que já se

curou e quer, portanto, sair do estado de incapacidade, sair da interdição,

para poder, ela própria, cuidar de seus interesses. Ela tem que requere isso

judicialmente.

Ora, imaginem que o curador se recuse a fazê-lo (pode até ter

interesses escusos). Então não haveria saída porque ela só pode ir a Juízo

através do curador. Nessa emergência, a lei permite que ela, a pessoa sob

interdição, passe procuração a um advogado para requerer. O mesmo caso

se passa com o menor sob tutela, que quer se emancipar, tem que requerer

em Juízo a emancipação, mas se o tutor não quiser, ou até mesmo o tutor

pode estar inteiramente convencido de que não deve fazê-lo, o menor pode

requer diretamente. Por exceção, a lei atribui capacidade processual

a certas pessoas que são civilmente incapazes, para discutirem em

Juízo sobre a sua própria capacidade, até que se resolva .

Quais são as consequências processuais da incapacidade da

parte? Suponhamos que se constitua um processo, e nesse processo surja

uma dúvida acerca de capacidade da parte. Sabemos que o incapaz pode

ser parte, apenas deverá estar representado ou assistido - aí não tem

problema.

1ª conseqüência - Obrigatória intervenção do Ministério Público, fiscal da

fiel aplicação da lei. Arts. 82 e seguintes do CPC. Em todos os processos

em que há parte incapaz, i.e., uma parte incapaz ou mais que uma, é

obrigatória a participação do M.P.

2ª - Art. 9º,I CPC. Se a parte for incapaz e não tiver representante legal,

p.ex., um menor que não tenha pai vivo nem que esteja sob tutela, então o

Juiz deve nomear um curador especial. Em certas comarcas existem órgãos

especializados, órgãos públicos, destinados a cumprir essa função. E esse

então seria o curador. Mas quando não houver, o Juiz nomeia qualquer

pessoa idônea para zelar, para representar o menor naquele processo. Já

que ele não pode ficar com a sua incapacidade não suprida, o Juiz nomeia

um representante ad hoc. O curador ali é um representante ad hoc.

Agora, surge no processo uma questão sobre a capacidade.

Essa dúvida pode ser examinada pelo Juiz de ofício, ou só mediante

Page 75: Barbosa Moreira - Processo Civil

75

provocação das partes? De ofício. O Juiz deve zelar espontaneamente pela

regularidade do processo. Então ele tem a função de verificar se as partes

são capazes. Em geral, ele o faz ex officio, independentemente do

provocação.

Que providência deve tomar o Juiz quando verifica a existência

de uma parte incapaz, e que essa incapacidade não esteja suprida? Que é

que o Juiz deve fazer? A essa pergunta responde o art. 13. Então o Juiz

verifica que o autor é incapaz. Resultado: marca um prazo para que a

capacidade seja suprida, que venha ao processo o representante legal do

incapaz (a menos que ele não tenha, caso em que o próprio Juiz é que

tratará de suprir a incapacidade, nomeando um curador especial). Fora

disso, o Juiz marca um prazo para que compareça aos autos o representante

legal do autor. Agora se o prazo se esgota e não aparece o representante

legal, embora exista, se não vier ao processo, o Juiz não pode nomear

curador especial, salvo em caso de colisão de interesses (art. 9º, I). Isso a

qualquer tempo, não há momento específico, mas é claro que não pode

ultrapassar a fase chamada de saneamento do processo ; porém, se

por acaso ultrapassar, o Juiz estende o processo e marca um prazo para que

o defeito seja sanado. Se não o for, o Juiz então anula o processo, se for o

autor a parte incapaz. E se for o réu a parte incapaz, será considerado

revel. Se o réu for incapaz e tiver representante legal e este não

comparecer no prazo marcado para suprir a falta de capacidade, ele será

considerado revel.

Estas são conseqüências graves. No caso de ser terceiro o

incapaz, será excluido do processo.

Já vimos que uma pessoa pode atingir a condição de parte de

várias maneiras, e uma delas é sucedendo a uma das partes do processo.

Suponhamos que num processo instaurado entre A e B, a certa altura seja

uma dessas pessoas que está na condição de parte sucedida por outra

pessoa. Pode acontecer. Não é a regra, a regra é que o processo corra

todo entre as mesmas partes (art. 264). Depois o art. 41 confirma,

reforçando o que o 264 diz: só é permitido no curso do processo a

substituição voluntária das partes nos casos expressos em lei. Então,

normalmente as partes permanecem as mesmas, só quando a lei estabelece

pode haver a mudança das partes.

Quando as partes são incapazes no processo, e venha a Juízo

um procurador do seu representante legal, houve mudança de partes? Não.

Por outro lado, se a pessoa estava representada e no curso do processo

adquire a capacidade, seu representante é excluído do processo, houve

mudança das partes? Não, porque o processo estava em nome do

representado.

Page 76: Barbosa Moreira - Processo Civil

76

Então, vamos imaginar alguns casos importantes de mudança

das partes.

Durante o processo, uma das partes aliena o direito que

litigou. O direito ou a coisa, mas a coisa é objeto do direito de propriedade,

portanto dá no mesmo. A e B estão disputando entre si um imóvel. A tem

aquele imóvel registrado em seu nome, mas B afirma que o registro está

errado e promove uma retificação, querendo o imóvel para si. Durante o

processo, não se pode alienar o imóvel? Pode sim, isto é, se se encontrar

quem queira comprá-lo. A tem o imóvel registrado em seu nome, e pode

vendê-lo a C. Se C estiver convencido de que A vai ganhar o processo, ele

compra o imóvel. Nada impede. Neste caso que é que acontece? Na

relação jurídica de direito material o titular muda, o imóvel que pertencia a

A passa para C, há uma cessão inter vivos no plano material. Qual é a

conseqüência no processo? Art. 42 CPC - "...não altera a legitimidade das

partes", i.e., o processo que corria entre A e B, que eram partes legítimas,

continuará a ter como partes legítimas A e B, embora o direito tenha sido

transferido a C. Então, até ali havia coincidência entre os sujeitos da

relação jurídica de direito material e os sujeitos da relação jurídica

processual. A partir desse momento deixa de haver coincidência, i.e., A

continua sendo parte legítima, mas a sua legitimação se transfere de

ordinária em extraordinária. Ele passa a litigar por direito alheio. A

continua a ter legitimação para a causa, mas sua legitimação não é mais

ordinária porque ele não é mais o titular da relação jurídica de direito

material, e passa a ter legitimação extraordinária.

Art. 42 § 1º - O adquirente não poderá ingressar em Juízo, substituindo o

alienante, sem que consinta a parte contrária. Dependerá de

consentimento a entrada de terceiro no processo.

Art. 42 § 2º - O adquirente poderá intervir no processo assistindo o

alienante. Assistente, neste parágrafo, tem sentido diverso do comum.

Art. 42 § 3º - A sentença proferida entre as partes originárias, estende os

seus efeitos ao adquirente. Se ele comprou o bem em litígio, e sabia disto,

o que fica resolvido o atingirá.

Art. 43 - Ocorrendo a morte da pessoa que era parte, suspende-se o

processo (art. 265). Suponhamos que A tenha alienado em vida o bem.

Isso não provoca mudança de parte, entretanto, se o alienante vier a

falecer, o adquirente prosseguirá na causa, juntando aos autos o respectivo

título e provando a sua identidade. Cessa a necessidade do consentimento

do outro (art. 1061 CPC; não incide o art. 43).

Page 77: Barbosa Moreira - Processo Civil

77

LITISCONSÓRCIO

É o fenômeno que ocorre quando, em vez de haver apenas

uma pessoa na posição de autor e uma pessoa na posição de réu, que é o

caso mais comum, figuram no processo duas ou mais pessoas numa ou em

ambas as posições. Chama-se LITISCONSÓRCIO a figura jurídica

consistente na existência, em cada processo, de mais de um autor

ou mais de um réu, ou simultaneamente mais de um autor e mais de

um réu.

A) Dessas três possibilidades já tiramos a primeira

classificação de litisconsórcio: ativo, quando há dois ou mais autores;

passivo, quando há dois ou mais réus; e misto ou recíproco, quando

atuam simultaneamente dois ou mais autores e dois ou mais réus.

Em qualquer caso, todos os autores e todos os réus são partes

principais, estão todos eles em pé de igualdade , e uns em relação aos

outros denominam-se LITISCONSORTES.

B) A segunda classificação concerne ao momento em que esse

fenômeno surge no processo. Pode acontecer que ele exista desde o início,

i.e., duas ou mais pessoas propuseram a ação, ou então a ação foi proposta

em conjunto em face de duas ou mais pessoas. Ou ainda várias pessoas

propuseram a ação em face de várias pessoas. Se isto acontece, portanto,

desde a instauração do processo, denomina-se litisconsórcio originário

ou inicial. Mas pode ser que ele se forme no curso do processo. Por ex.,

uma das partes falece e é sucedida no processo por vários herdeiros. Até

ali não havia litisconsórcio, era um autor único, ou então um réu único. Mas

desde o momento, porém, em que ocorre o falecimento do autor ou então

um réu primitivo, o processo passou a ser integrado por duas ou mais

pessoas que são sucessores da parte falecida; forna-se um litisconsórcio. E

neste caso não é originário, é superveniente ou ulterior. Eis aí então a

segunda classificação.

C) A terceira classificação se baseia em critério

completamente diferente. Há casos em que a presença de duas ou mais

pessoas como litisconsortes é puramente facultativa, i.e., não era

obrigatório que a ação fosse proposta por uma pluralidade de autores, nem

era obrigatório que fosse proposta contra uma pluralidade de réus. Se o foi,

isso resultou apenas da vontade das partes. Duas ou mais pessoas que

poderiam ter proposto ações separadamente, decidiram por sua própria

vontade, propor as suas ações em conjunto, embora não estivessem a isso

obrigadas. Ou uma pessoa que queria propor ação contra várias outras e

Page 78: Barbosa Moreira - Processo Civil

78

podia fazê-lo separadamente, resolveu, por motivos de conveniência, propor

essas ações em conjunto. A esse litisconsórcio chamamos facultativo ou

voluntário.

Esse é o caso mais freqüente. Outras vezes, porém, é

absolutamente indispensável que duas ou mais pessoas figurem como

litisconsortes. Isso não acontece do lado ativo, vejam bem. Só acontece do

lado passivo, e é fácil entender porque. Ninguém pode ser obrigado a

demandar em Juízo. Seria uma solução inaceitável esta de a lei dizer: tal

ação só poderá ser proposta por A, B e C. Seria inaceitável porque bastaria

que um deles se recusasse a litigar para que os outros ficassem impedidos.

Ora, ninguém pode ser obrigado a litigar, mas também ninguém pode

impedir que o outro litigue, recusando-se. Então, a lei não exige, não impõe

o litisconsórcio do lado ativo. Litisconsórcio do lado ativo será sempre

facultativo. Mas do lado passivo a lei pode impor . Pode dizer: Se A

quiser propor esta ação terá que fazê-lo não apenas em face de uma

pessoa, porém em face de duas, três ou mais. A este litisconsórcio

caracterizado pela obrigatoriedade, chamamos litisconsórcio necessário ,

e essa figura tem uma relação direta com o problema da legitimação para a

causa. Quando a lei impõe que uma ação seja proposta forçosamente

contra duas ou mais pessoas, o que ela está dizendo, em outras palavras, é

o seguinte: a legitimação passiva pertence em conjunto a essas duas, três

ou 20 pessoas, e não a uma delas isoladamente: só o conjunto delas é que

tem legitimação passiva. A ação só estará, portanto, regularmente

proposta se o for em face de todas elas, se for em face de uma só, esta não

é legitimada passivamente. Assim, por ex., quando o M.P. ou quando um

parente de um dos cônjuges pode, de acordo com o Código Civil, em certos

casos, demandar a nulidade do casamento. Pois bem, se o fizer terá que

propor a ação contra marido e a mulher - não poderá propô-la somente

contra um ou outro. Se uma pessoa quiser pleitear em Juízo a anulação de

um contrato celebrado entre 5 pessoas, terá que propor contra todas, e

sendo ele mesmo uma delas, terá que propor contra as outras quatro. Quer

dizer, só o conjunto delas é que é passivamente legitimado, uma sozinha

não é. O problema do litisconsórcio necessário nada mais é do que um

problema de legitimação para a causa, legitimação conjunta, e legitimação

passiva.

D) Uma outra classificação, que não se confunde com esta,

embora tenhamos de ver daqui a pouco que o Código na sua

regulamentação da matéria não foi muito feliz e confundiu as duas coisas,

baseia-se num critério, é claro, diferente, mas que por vezes não é muito

fácil de distinguir. Daí a confusão feita pela lei.

Este outro critério a que me refiro agora diz respeito ao teor

da decisão de mérito, da sentença de mérito. Há casos em que a sentença

Page 79: Barbosa Moreira - Processo Civil

79

de mérito é obrigatoriamente de teor igual para todos os litisconsortes, i.e.,

o Juiz não pode, suponhamos, acolher o pedido em relação a uma e não

acolher em relação a outro, até mesmo as soluções têm que ser todas

iguais. Em outro casos isto não é obrigatório, i.e., embora as pessoas

estejam litigando juntas, é concebível que o Juiz dê soluções diferentes para

cada uma delas. Por ex., se várias pessoas se dizem vítimas de um mesmo

acidente de trânsito e resolvem propor as suas ações de indenização contra

o suposto responsável pelo acidente. Pode acontecer perfeitamente que

uma delas consiga convencer o Juiz de que o dano que ela sofreu resultou

daquele acidente, o culpado foi mesmo o réu, e portanto o réu deve ser

condenado a indenizá-la. E pode acontecer que outra pessoa não consiga

convencer o Juiz de que seu prejuízo resultou daquele acidente, não consiga

provar a relação de causalidade entre o dano que diz ter sofrido e aquele

fato. Então, em relação a esta pessoa o Juiz não vai obviamente condenar o

réu. Outro ex.: vários funcionários acionam em conjunto o Estado, todos

dizendo-se com direito a determinado benefício patrimonial. O Juiz verifica

que alguns preenchem os requisitos para a obtenção daquele benefício,

outros não, ou pelo menos não conseguem provar que esses requisitos

estão satisfeitos. Então o Juiz pode perfeitamente acolher o pedido de uns

e rejeitar o de outros. Não há necessidade de uma solução

obrigatoriamente igual.

Neste último caso, em que as soluções que se vão dar aos

pedidos, e portanto, as soluções que se vão dar às situações dos vários

litisconsortes, podem ser diferentes, nós dizemos que se trata de

litisconsórcio simples ou comum. No caso, porém, em que a decisão de

mérito tem que ser obrigatoriamente homogênea , igual para todos os

autores ou para todos os réus, dizemos que o litisconsórcio é unitário.

Agora, atenção: Esta classificação, repito, não se confunde

com a anterior - uma coisa é eu dizer "é obrigatória a presença de A ou B

no processo, sem o que a ação não estará bem proposta" - isto diz respeito

ao problema de saber se o litisconsórcio é facultativo ou se é necessário.

Outra coisa é dizer: "se A e B estiverem presentes no processo, a solução

que o Juiz vai dar tem que ser igual para ambos". Completamente

diferente. Então, no primeiro problema a indagação central é a seguinte: "É

preciso que A e B participem do processo?" Se eu disser NÃO, o

litisconsórcio é facultativo; se disser SIM, é necessário. No outro problema,

a pergunta é: "Caso A e B participem do processo, pode o Juiz decidir

diversamente quanto a A e quanto a B, ou é obrigado a dar a mesma

solução para ambos?" Se eu disser que ele pode resolver diversamente o

litisconsórcio é comum ou simples; se disser que NÃO, que ele é obrigado a

dar a mesma solução para ambos, então o litisconsórcio será unitário.

Page 80: Barbosa Moreira - Processo Civil

80

Aliás é fácil mostrar que o litisconsórcio unitário nem sempre

é necessário. Imaginem a seguinte situação :

Uma S.A. realizou uma assembléia para alterar seus estatutos

e o fez, segundo se alega, de modo ilegal. Por ex., não publicou editais que

permitissem a todos os acionistas tomar conhecimento do que se ia

deliberar sobre aquela matéria e portanto comparecer. Então surge na

mente de um ou de vários desses acionistas a idéia de propor uma ação

para anular aquela deliberação ilegal. Pergunta-se: se um deles quiser

fazer isto, terá que chamar os outros para litigar junto com ele? ou pode

sozinho tomar esta decisão? Pode tomar essa decisão sozinho, mas pode

também junto com outros. Então é possível que surja o litisconsórcio, mas

esse litisconsórcio será sempre facultativo. E seria até absurdo pretender

que fosse necessário, bastaria um dos acionistas não querer, para impedir a

ação. Mas estes que se coligam, se litisconsorciam, estão se

litisconsorciando facultativamente, não necessariamente. Agora eu

pergunto, admitindo-se que 2, 3, 5 ou 1.000 pessoas proponham juntas a

ação pretendendo anular a deliberação que alterou os estatutos, pode o Juiz

julgar procedente o pedido de um deles e julgar improcedente o de outro,

ou dos outros? Claro que não. É uma impossibilidade total, porque ele

estaria fazendo o seguinte: julga procedente o pedido de A e portanto anula

a deliberação; julga improcedente o pedido de B e portanto não anula a

deliberação. O mesmo ato não pode ser ao mesmo tempo válido e nulo, não

pode ser desfeito e ser conservado. Se ele anula para um, anula para todos

obviamente. Não há como tratar diversamente os vários litisconsortes que,

no entanto, repito, não estavam obrigados a agir juntos.

Então esse litisconsórcio nós teríamos que considerá-lo como

unitário, porque a solução que se der para um terá de ser a mesma que se

dará para todos, porém ele não é necessário no sentido de que a ação pode

perfeitamente ser proposta por um só dos acionistas isoladamente sem

necessidade de fazer-se acompanhar de outros. O Código tratou mal essa

matéria, e confundiu as duas figuras.

Vistas essas classificações, vamos agora examinar a disciplina

vigente no nosso Código para o litisconsórcio.

Arts. 46 e seguintes. É claro que a lei não admite que duas ou

mais pessoas litiguem juntas em qualquer caso. Não teria esse motivo.

Suponhamos, por ex. que o marido queira: a) obter a sua separação judicial

da mulher; b) obrigar o vizinho a fazer uma obra no prédio que ameaça

desabar sobre o de sua propriedade. Seria razoável que nós permitíssemos

e este marido propor as duas ações em conjunto? São duas coisas

completamente diferentes, então não há possibilidade nenhuma de

litisconsórcio entre a mulher e o vizinho. Então, a lei estabelece

Page 81: Barbosa Moreira - Processo Civil

81

determinados pressupostos, i.e., a lei prevê certas situações que devem

existir para que haja o litisconsórcio. Vejamos quais são:

Art. 46, inciso I - Comunhão de direitos e obrigações. Esse

caso é fácil de entender. As relações jurídicas de direito material discutidas

no processo, que tenham uma pluralidade de titulares. Esses titulares todos

podem agir ou ser demandados em conjunto. Por ex., o condomínio pro-

indiviso (sem separação): uma casa pertence a cinco pessoas, suponhamos.

Esta casa é invadida por um estranho. Qualquer dos condôminos pode,

sozinho, acionar o estranho para que desocupe a casa. Porém, nada impede

que dois ou três deles, ou mais, ajam em conjunto, e eis aí o caso da

comunhão de direitos. Agora vejamos o caso da comunhão de obrigações:

alguém é credor de duas pessoas numa obrigação solidária (aquele em que

cada um dos devedores responde pela dívida toda). Pode optar entre

acionar um ou outro deles sozinho, ou acionar os dois - eis aí o

litisconsórcio com dogma no inciso I - comunhão de obrigações (melhor

seria comunhão na obrigação, porque ela é uma só).

Os incisos II e III já não são tão simples, porque há uma

parcial superposição, e não se pode traçar uma linha nítida entre o território

do II e o do III. Vejam que a conexão pela causa de pedir implica em que o

fundamento seja o mesmo. E o inc. II também fala em fundamento. De

sorte que em parte esses dois incisos se superpõem. Em parte, não

totalmente, porque no inc. III também temos a conexão pelo objeto. Então

são duas hipóteses distintas: a) as várias pessoas estão ligadas por um

igual fundamento; b) estão ligadas por um igual objeto, i.e., pretendem

todas a mesma coisa. Pode acontecer até que haja simultaneamente

igualdade de fundamento e igualdade de objeto, mas não é necessário,

basta uma dessas igualdades. Naquele exemplo de vários acionistas que se

coligam para, alegando que o edital não foi publicado regularmente, pedir a

anulação da deliberação de Assembléia que modificou os estatutos, nós

temos ao mesmo tempo igualdade de fundamento (a falta de publicação do

edital) e também de pedido (anulação daquela deliberação). Mas isso nem

sempre ocorre, e bastaria que fosse igual o fundamento ou que fosse igual o

pedido. Um acionista poderia alegar que o edital não foi publicado: outro

poderia alegar que o estatuto não poderia ser alterado por um quorum de

votos inferior a X e no entanto o quorum existente naquela Assembléia foi

inferior. Assim nós temos duas causas de pedir diversas. Mas ambos

pedem a mesma coisa, a saber, a anulação. Bastaria isso para permitir que

eles propusessem a ação juntos.

Inciso IV - Este caso deve ser destacado do nº II. Não se

confundem, embora aparentemente os srs. talvez encontrem alguma

semelhança. Mas aqui a ligação é mais tênue, não é necessário que o

fundamento seja o mesmo, basta que entre os fundamentos haja um ponto

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82

comum de fato ou de direito. Por ex., no caso das várias pessoas que se

dizem vítimas de um mesmo acidente de automóvel e desejam do suposto

causador indenização dos prejuízos que cada um sofreu. Vamos imaginar: A

e B dizem-se vítimas de um mesmo acidente e alegam que sofreram danos

em conseqüências disso e que C foi culpado do acidente, e então propõem

ações em conjunto no mesmo processo. Poderiam propô-las

separadamente, o litisconsórcio, portanto, é facultativo. Pode o Juiz

condenar C a ressarcir os danos de A e não o condenar a ressarcir os danos

de B? Pode, porquanto o litisconsórcio não é nem necessário, nem unitário.

Mas vamos analisar onde é que nós poderíamos enquadrá-lo:

Será que A e B têm, ou invocam, a mesma causa petendi? A

causa petendi é o conjunto dos fatos que podem dar razão à pessoa - que

podem tornar A titular de um crédito a título de perdas e danos contra C.

Que é preciso que tenha havido? Um acidente, e que este acidente tenha

causado dano a A e que haja relação de causalidade entre esse dano e o

comportamento de C. E quanto a B? Qual é a causa de pedir de B? O

acidente, dano contra B. Dano contra B é a mesma coisa de dano contra A?

Não é. Relação de causalidade: dizer "o comportamento de C causa dano a

A" é a mesma coisa que dizer "o comportamento de C causa dano a B? Não

é a mesma coisa. Pode ter causado um e não ter causado o outro. Então a

causa petendi não é uma só. Há duas, e haverá tantas quantas forem as

vítimas. Cada vítima invoca uma causa de pedir. O pedido também não

é o mesmo. Quando A pede que seu prejuízo seja ressarcido, não é

a mesma coisa que quando B pede que o seu também o seja. Ainda

que sejam de valores iguais. Do contrário, se o Juiz condenasse C a

pagar a A, não precisaria condená-lo a pagar a B, porque o pedido deste já

estava atendido. Então, não há nem a mesma causa de pedir nem o mesmo

pedido. São pedidos análogos mas não é o mesmo pedido. Comparem com

o caso dos acionistas, para ver a diferença. Todos os acionistas pedem

"anulem a deliberação". É o mesmo pedido. Logo, não há identidade nem

de fundamento nem de pedido. Então não pode se enquadrar nem no inciso

II nem no inciso III.

Quando o Juiz for apurar os fatos em relação às várias

supostas vítimas do acidente, ele vai ter que fazer uma porção de

indagações que são comuns aos casos de todas elas. Por. ex.: o sinal

estava aberto ou fechado? Eis aí um ponto comum de fato que interessa a

todos. O carro que colheu as vítimas é o mesmo? Estava ele numa

velocidade superior a 50km/h? Essas perguntas são comuns - não é a causa

petendi que é comum, são essas perguntas, essas questões, cujo deslinde

aproveita ou desaproveita, conforme as respostas, a todos os litisconsortes.

Daí que vai haver uma certa vantagem tática de serem julgados todos esses

litígios em conjunto, e essa vantagem tática é que a atividade de

instrução, ou seja, a colheita de provas, interessa a todos . As

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83

mesmas testemunhas vão poder depor e isso interessa a todos; o mesmo

perito poderá apurar coisas que interessam a todos. Então o litisconsórcio é

mais prático. A lei não obriga, mas permite.

Art. 47 - Como vêem, o legislador equivocou-se. Afirmou que

o litisconsórcio é necessário quando o Juiz tiver de decidir a lide de modo

uniforme. E diz ainda "de modo uniforme para todos as partes", quando

deveria dizer de modo uniforme para todos os litisconsortes. Mas mesmo

corrigindo isso, não fica boa a frase, a disposição do artigo. Isto tem dado

margem a que os interprétes, os comentadores do Código, procurem dar um

jeito, do contrário ele se torna pressuposto de gravíssimas conseqüências.

Se for aplicado ao pé da letra, nós devemos considerar necessário, e

portanto indispensável, aquele litisconsórcio dos acionistas que deve anular

a deliberação. Porque não há dúvida nenhuma de que o Juiz só pode fazer

uma de duas coisas: ou anula para todos ou não anula para nenhum, a

solução tem que ser uniforme. Mas se nós formos considerar que um

acionista não pode propor sozinho a sua ação, que é que significa se for

necessário o litisconsórcio, nós vamos impedir que essa ação seja

instaurada. Então, o artigo 47 tem sido "chutado para córner", na prática

judiciária, i.e., nenhum Juiz se lembra de exigir uma tolice dessas.

O que interessa é que se saiba quando é que o litisconsórcio é

necessário e quando é unitário. Ele é necessário quando não é possível

deixar de haver mais de uma pessoa na mesma posição processual. É aí

que ele é necessário. Isso pode acontecer quando a lei disser. Por ex.:

quem propõe uma ação de usucapião (ação para declarar que a pessoa

adquiriu a propriedade ou o bem porque estava na sua posse desde certo

tempo com determinados requisitos). Quando a pessoa propõe a ação de

usucapião, a lei diz contra quem ela deve propor. Art. 942, II -

litisconsórcio passivo. A lei está dizendo que a ação deve ser proposta

contra todos eles. Então o litisconsórcio deve ser necessário, por expressa

disposição de lei e aí o problema é fácil. E fora desses casos, quando lei

não diz? Pode haver litisconsórcio que seja necessário sem que a lei

disponha? Pode. São os casos do pedido de nulidade ou anulação de um

mesmo ato praticado por várias pessoas. Todas as vezes que alguém

pleitear em juízo a nulidade ou anulação de um ato jurídico do qual

participaram duas ou mais pessoas, obrigatoriamente deve propor a

sua ação contra todas elas. Ex.: ação do M.P. para pleitear anulação de

casamento. Que pessoas participaram do ato judicial do casamento?

Marido e mulher. Então, a ação é proposta contra ambos. Alguém quer

anular um contrato do qual participaram sete pessoas. Aquela que quer

anular é uma delas. Contra quem deve propor a ação? Contra as seis

restantes. Somente o litisconsórcio passivo é necessário. O ativo é sempre

facultativo.

Page 84: Barbosa Moreira - Processo Civil

84

Por que é que importa saber se o litisconsórcio em

determinado caso é ou não é necessário? Qual a conseqüência prática que

se tira daí? Isso sim, isso está no parágrafo único do art. 47. Para isso

esse art. é útil. Se o caso é de litisconsórcio necessário, e o autor ao

propor a sua ação só a propôs contra N-1 pessoas, ou N-2, etc., sendo N o

número de litisconsortes necessários, está propondo mal. Só quem tem

legitimação passiva é o conjunto N. Qual é a providência cabível? O Juiz

marca um prazo para que o autor promova a citação daqueles que faltam,

isto é, complete, integre o contraditório, acerte as coisas. Se ele não

cumprir o despacho, o Juiz julga extinto o processo sem julgamento

do mérito. É um caso de carência de ação, falta de legitimação

passiva.

Art. 48 - Em princípio vigora uma autonomia para os vários

litisconsortes. Os atos que um pratica, não precisa dar satisfação aos

outros, produz efeitos para ele e não para os outros. Atuam portanto

autonomamente, separadamente, e cada qual recebe os benefícios ou as

desvantagens que resultam do seu próprio comportamento. Se um faz a

prova e outro não faz, esse convence o Juiz e o outro não. Este é o princípio

geral, mas, e quando a solução tem que ser igual para todos? Não pode ser

assim nesse caso. Vamos supor que uma pessoa proponha uma ação contra

dois supostos causadores de um dano, para se ressarcir de um dano que

teria sido causado pelas duas pessoas em conjunto. Esse litisconsórcio é

unitário ou não? Será absurdo que o Juiz condene um e não condene o

outro? Não. Porque pode ficar provada a participação de um e não a de

outro. Então as soluções são independentes, pode ser que ambos sejam

condenados, ou pode ser que um seja e o outro não. O litisconsórcio é

comum, não é unitário. Então respondam: A é o autor. B e C os réus. B

reconhece o pedido de A. B vai ser condenado. C não reconhece. Então no

tocante a C o Juiz é livre de condenar ou não, mas no tocante a B o Juiz está

obrigado a condenar. Quando o réu reconhece o pedido do autor está

perdido. Agora, suponhamos que alguém, que celebrou um contrato com B

e C propõe uma ação para anular esse contrato. Pode o Juiz anular o

contrato em relação a B e não anular em relação a C? Não pode, o contrato

não pode ao mesmo tempo ser anulado e ficar sem anular. Então aí a

solução tem que ser igual. O litisconsórcio além de ser necessário é

também unitário.

E se B reconhece o pedido e C não? Só há duas soluções

possíveis: na primeira hipótese: B reconhece o pedido mas C não, ele

contesta. Mas a solução tem que ser igual. Então, de duas uma: ou eu

estendo a C o efeito do reconhecimento do pedido por B (o que é

obviamente iníquo, porque estou privando C do direito de defesa) ou então

eu nego efeito ao ato de B. Qualquer das duas soluções assegura a

uniformidade da decisão. Então, nestes casos os atos que influem

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85

diretamente sobre o pedido (como é o caso da renúncia, se forem autores),

só produzem efeitos se forem praticados por todos, e aqui há o problema do

recurso. Suponhamos que na primeira instância o Juiz julgou procedente o

pedido de anulação do contrato e portanto julgou procedente tanto quanto a

B como quando a C, porque não é possível deixar de tratar uniformemente o

co-réus, os litisconsortes. Mas acontece que eles podem recorrer. Na

primeira instância ambos perderam, suponhamos que só um recorra e o

Tribunal ache que ele tem razão. Como é que fica o outro? O recurso de

um deles produz efeitos para o outro, do contrário há o perigo outra vez das

soluções desiguais. Isto é tanto para o litisconsorte ativo como para o

passivo - mas só para o unitário. Se não for unitário, cada um que

recorra por si. Um não se aproveita do recurso do outro .

No ex. do acidente de trânsito, as vítimas, tendo perdido, uma

pode recorrer a ganhar a indenização só para ela. Só no litisconsórcio

unitário o recurso interposto por um aproveita aos outros que não

recorreram, e o litisconsórcio é unitário quando é praticamente

impossível a divergência.

Então, há dois regimes para os litisconsortes: um da

autonomia, porque o que cada um faz só a ele próprio beneficia ou

prejudica. É o caso do litisconsórcio comum que não é unitário. Porém,

quando a solução tem que ser obrigatoriamente igual, os atos de cada um

que influem diretamente no desfecho do litígio, ou são praticados por todos,

e é claro que produzem efeitos para todos, ou não são praticados por todos

e não produzem efeitos nem mesmo para aqueles que os praticam, e

quanto ao recurso, o interposto por um ou por alguns estende seus

efeitos aos outros.

INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

Em relação a um determinado processo, abstraído o Juiz, uma

pessoa só pode ocupar uma de duas posições: ou é PARTE (autor ou réu), ou

NÃO É PARTE. Não se considera uma terceira possibilidade. Ou esse

indivíduo é parte ou não é parte daquele processo. A toda pessoa que

não figura como pare num determinado processo, nós denominamos

de TERCEIRO. O conceito de terceiro se define, portanto, por exclusão do

conceito de parte. Quem quer que, em relação a um determinado processo,

não seja parte, é terceiro.

Pode acontecer que, diante de determinadas situações, no

curso de um processo, alguém que não figurava nele até então como parte,

i.é, terceiro, no curso do processo venha a assumir a qualidade de parte. É

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justamente a esse fenômeno que se dá o nome de INTERVENÇÃO DE

TERCEIRO. É o fenômeno em virtude do qual se transforma em parte

o terceiro. A intervenção de terceiro em todas as suas modalidades

pressupõe, portanto, que haja um terceiro, i.e., alguém que não figure

como parte num processo, e que haja a pendência de um processo

no qual vai intervir e no qual vai o terceiro tornar-se parte . Essa

intervenção pode dar-se, ou por iniciativa do terceiro ou sem iniciativa dele.

Pode dar-se quer em função de ele haver manifestado a vontade de intervir

no processo, quer em função da sua convocação ao processo, feita pelo

órgão judicial, a requerimento ou não das partes, que já figuravam no

processo.

A intervenção, portanto, conforme esteja ou não a sua

ocorrência vinculada à vontade do terceiro, pode ser voluntária ou

espontânea (quando se dá por iniciativa dele mesmo), como pode ser

forçada, provocada, coacta, quando ocorre não por ato dele, mas pela

sua convocação através do órgão judicial, a requerimento das partes ou

não.

A intervenção de terceiros, portanto, comporta modalidades

espontâneas ou voluntárias, ou modalidades forçadas, provocadas ou

coactas. Vejam bem: quando nós dizemos modalidades forçada de

intervenção de terceiros, nós não estamos querendo dizer que alguém vai

compelir fisicamente o terceiro a atuar. Não é isso. Ninguém vai obrigá-lo

à prática efetiva de atos naquele processo. Ela é forçada no sentido de

que se torna parte com a possibilidade de atuar naquele processo,

independentemente da sua iniciativa . O terceiro se torna parte,

assumindo conseqüentemente os direitos, as faculdades os ônus

processuais peculiares à posição de parte, independentemente de sua

própria iniciativa. O ato através do qual se vincula o terceiro ao processo,

se transforma o terceiro em parte, independentemente de sua vontade, é a

citação.

Existem três formas de assumir a qualidade de parte no

processo: ou instaurando o processo, ou sendo citado para réu, ou então

intervindo voluntariamente no processo.

O fenômeno da intervenção de terceiros engloba uma

série de institutos que podem ser agrupados em função dessa

classificação. Existem institutos que constituem modalidades

espontâneas de intervenção de terceiros no processo e existem

institutos que constituem modalidades forçadas de intervenção.

Essa intervenção pode ocorrer no processo de conhecimento, pode

ocorrer no processo de execução, como pode ocorrer no processo

cautelar.

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87

Vamos enumerar aqui apenas aquelas modalidades que podem

ocorrer no processo de conhecimento, que é o que estamos estudando. E

dentre elas não veremos todas.

No processo de conhecimento, portanto, constituem

modalidades voluntárias ou espontâneas de intervenção de terceiros: a

ASSISTÊNCIA, a OPOSIÇÃO e o RECURSO, que recebe tradicionalmente o

nome de Recurso de Terceiro Prejudicado e que os srs. estudarão quando

estudarem os recursos.

As modalidades forçadas, provocadas ou coactas são: a

NOMEAÇÃO À AUTORIA , a DENUNCIAÇÃO DA LIDE, o CHAMAMENTO AO

PROCESSO, e uma quarta que se denomina IUSSU JUDICIS, termos latinos

que significam sob determinação do Juiz. Um exemplo dessa modalidade os

srs. já viram quando estudaram o litisconsórcio (litisconsórcio necessário

quando não figuram no processo todas as pessoas que deveriam figurar -

art. 47, parágrafo único do CPC)

Vejamos, ainda em caráter geral, quais são os efeitos da

intervenção de terceiros, em caráter comum. Estamos estudando, vamos

dizer, a parte geral da matéria para depois estudarmos os institutos

específicos em que ela se manifesta. Portanto, em caráter genérico, efeitos

da intervenção de terceiro:

1) O primeiro e o mais importante consiste em transformar-

se o terceiro em parte . Intervindo no processo por sua iniciativa ou não,

o terceiro assume a qualidade de parte, e assume conseqüentemente os

deveres, direitos, faculdades e ônus processuais a que se encontram

sujeitas as partes (a rigor, depois da intervenção, o terceiro não é mais

terceiro, é parte - apenas para não confundir, vou continuar chamando-o de

terceiro).

Três coisas podem acontecer, intervindo no processo o

terceiro: pode ficar reservada ao terceiro a qualidade de parte, mas numa

função secundária no processo. Parte acessória, não igualada inteiramente

à condição das partes que figuravam e continuarão a figurar no processo.

Essa é uma das possibilidades - o terceiro intervindo no processo, são

mantidas em suas posições as partes que originariamente nele

figuravam, mas o terceiro assume uma posição secundária,

acessória. Então aí ele não se iguala plenamente às partes

originarias.

Outra possibilidade está em que o terceiro, intervindo no

processo, assuma qualidade idêntica, equiparada à das partes que já

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88

figuravam no processo. Assume a posição de parte principal,

mantendo-se as partes que figuravam originariamente .

E há ainda uma terceira hipótese, que é a de o terceiro

intervir, assumir a qualidade de parte principal, e provocar com isso a

exclusão do processo de uma das partes que originariamente

figuravam nele.

Em resumo: num caso, o terceiro torna-se parte, mantidas as

partes originárias, mas torna-se parte acessória, numa posição secundária;

no outro caso o terceiro assume a posição de parte principal e se mantém

as partes que originariamente figuravam no processo - o terceiro, por ex.,

figurará como co-litigante, ou ao lado do autor, como litisconsorte dele,

como co-autor, ou ao lado do réu como litisconsorte dele, como co-réu. E

uma terceira possibilidade está no terceiro intervir, assumir a qualidade de

parte principal e expulsar do processo uma das partes, assumir a posição

que até então era ocupada por uma das partes.

METÁFORA: Comparando o processo a um trem que sai da estação

originária com dois passageiros sentados num vagão da mesma categoria -

o autor e o réu. Numa estação intermediária pode acontecer que, ou queira

entrar um terceiro passageiro, ou seja içado para dentro do trem. E aí,

entrando no trem esse terceiro passageiro, três coisas podem acontecer: a

primeira é ele não expulsar os que já estavam ali no trem, mas tomar um

vagão de segunda classe, ficar numa posição secundária; a segunda coisa

seria ele sentar-se ao lado daquele que já ali estava; e a terceira seria ele

tomar o mesmo vagão e sem a mínima cerimônia expulsar um daqueles

passageiros do trem. Aí está então o que pode acontecer em termos de

relação do terceiro que intervem com as partes originárias.

2) Vejamos outro efeito, no tocante à competência. Vamos

figurar dois exemplos:

1º) imaginemos aqui na capital um processo correndo por uma das varas

cíveis. A competência era de uma das varas cíveis realmente. E a partir de

um determinado momento no processo o Estado do Rio de Janeiro (que

dispõe aqui de um juízo privativo para os processos dos quais ele participe,

que é a Vara de Fazenda Pública - uma delas) intervenha no processo. Ora,

a vara cível não tem competência para processar causas das quais participe

o Estado do RJ, e a incompetência dela será absoluta, de tal maneira que,

ocorrendo a intervenção do Estado num processo que esteja pendendo

perante uma das varas cíveis, a conseqüência da intervenção vai ser

deslocar aquele processo para um juízo privativo do Estado, porque

a vara cível é incompetente para processar causas de que participe

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o Estado do RJ, e mais: como se trata de incompetência estabelecida em

função da pessoa, a incompetência é absoluta .

2º) vamos imaginar outra coisa: um processo correndo aqui na comarca do

Rio de Janeiro, e a partir de determinado momento intervem nele um

terceiro como parte principal excluindo o réu. Imaginemos que esse

terceiro tenha domicílio não aqui, mas em São Paulo, e que a competência

de foro deva estabelecer-se em função do domicílio do réu. Se o processo

fosse originariamente instaurado contra o terceiro, deveria ter sido

instaurado em São Paulo, mas foi instaurado aqui e a partir de determinado

momento o terceiro assume a posição de réu e tem domicílio em S.Paulo. É

óbvio que o foro do R. de Janeiro é incompetente para essa causa. Mas qual

a natureza dessa incompetência? Essa incompetência é territorial, e

portanto, em regra, relativa. De tal maneira que nessa hipótese o órgão é

incompetente, mas relativamente incompetente para aquela causa. O que

vai ocorrer em função da intervenção de terceiro não é deslocar-se o

processo para o órgão que seria competente, mas prorrogar-se a

competência daquele órgão perante o qual corria o processo . É o

que diz o art. 109 do CPC, que nós deixamos de ver minuciosamente quando

estudamos a prorrogação da competência, mas ficamos de voltar a ele, e

voltaremos outras vezes. O que o Código quer dizer é isso: quando possível

(quando a incompetência for relativa) vai prorrogar-se a competência do

órgão perante o qual já corria o processo.

ASSISTÊNCIA

A Assistência está disciplinada no CPC, nos artigos 50 de

seguintes. Aparentemente em discrepância com o que nós dissemos aqui,

está fora do capítulo da Intervenção de Terceiros. A rigor não há razão que

justifique isso. A assistência está tratada no Capítulo IV, no Título II do

CPC, no livro relativo ao processo de conhecimento, juntamente com o

litisconsórcio. Se os srs. forem ao índice verão que o Cap. IV, seguinte,

trata da intervenção de terceiros. A rigor, é uma colocação tradicional da

assistência, isso porém não se justifica. A assistência é, e disso ninguém

duvida, uma modalidade de intervenção de terceiros. Não se deixem

impressionar, portanto, pelo índice do Código. A ASSISTÊNCIA é uma

modalidade de intervenção de terceiros, e modalidade voluntária, de

tal maneira que a sua ocorrência dependerá sempre da manifestação

da vontade do terceiro .

O Código, na seção dedicada à assistência, disciplinou duas

espécies de assistência, que já se encontram devidamente batizadas pelo

doutrina. Não são denominações legais. Uma delas é a figura comum de

assistência, a figura tradicional de assistência a que se deu o nome de

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assistência simples, e há uma segunda espécie que deixaremos para

tratar no fim da aula, e que se denomina de assistência litisconsorcial ,

denominação também doutrinária e não legal, ou assistência qualificada.

Então temos ASSISTÊNCIA SIMPLES e ASSISTÊNCIA

LITISCONSORCIAL ou QUALIFICADA. Ambas as denominações são

doutrinárias, não é a lei que as emprega. Existe entre ambas uma diferença

bastante expressiva que veremos adiante qual é. Por ora, vamos nos

concentrar na assistência simples, cujos pressupostos vêm indicados no art.

50 e seu parágrafo único. Pressupostos da assistência são: em primeiro

lugar, como em todas as modalidades de intervenção de terceiros, a

fluência, a pendência de um processo; em segundo, diz o parágrafo único

que não há uma limitação de tempo para que ocorra a assistência, para que

o terceiro assuma a condição de assistente, e diz que tem lugar em

qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus de jurisdição, até o

momento em que transitar em julgado a decisão. Até o momento em que se

encerrar o processo de conhecimento é admissível a intervenção do

assistente. O requisito mais importante diz respeito ao interesse jurídico:

pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro que tiver

interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, pode

intervir no processo. Interesse jurídico em que a sentença seja

favorável a uma das partes originárias, que seja favorável ao

assistido, que é aquele em favor de quem intervem o assistente .

Vamos ver em que consiste isso: no processo se trata, em

regra, de discussões em torno de uma relação jurídica. Pode acontecer que

no plano do direito material, dessa relação jurídica que está sendo discutida

no processo, dependa uma outra; que outra relação jurídica esteja vinculada

a essa a respeito da qual se discute no processo, que a sorte, o destino de

uma outra relação jurídica se encontre subordinada à sorte ou ao destino da

relação jurídica discutida ali, de tal maneira que a decisão que venha a

ser proferida naquele processo vá, não diretamente, mas por vias

reflexas, repercutir nessa outra relação jurídica . Nessas condições, a

lei autoriza o terceiro, que é titular dessa outra relação jurídica suscetível

de sofrer reflexamente a influência daquele decisão, a intervir no processo

a fim de que, com a sua atuação, aumente a probabilidade ou a

possibilidade de êxito daquela parte cuja vitória lhe interessa.

Ex.: Locação e sublocação. Já sabem que se trata de duas

relações jurídicas distintas. A locação, estabelecida entre locador e

locatário e a sublocação, estabelecida entre o locatário, que assume a

posição de sublocador, e o sublocatário. Existe uma regra no C.Civil que

exige que, extinta a locação, cessa a sublocação. Imaginem então o

seguinte: o locador moveu uma ação contra o locatário, visando a desfazer

a locação e a reaver a posse do imóvel locado. Ora, o sublocatário não é

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titular dessa relação jurídica, ele não é titular da locação. Mas é titular de

uma relação jurídica diversa mas vinculada a ela, a sublocação, cuja sorte

vai depender da decisão que vier a ser proferida nesse processo. Porque,

afinal, se o Juiz entender de acolher o pedido do autor de desfazer a

locação, os efeitos dessa decisão indiretamente vão terminar por atingir o

sublocatário. Não porque o Juiz se tenha manifestado a respeito da

sublocação, mas por força de ele haver desfeito a locação, e pelo fato de

que o C.Civil estabelece que, cessada a locação, extingue-se a sublocação.

Nessas circunstâncias, facilmente se compreende que o sublocatário tenha

interesse em intervir nesse processo com a finalidade de obter nele a

vitória do locatário, a subsistência da locação, da qual depende a

subsistência da relação jurídica de que ele é titular.

Então está aí uma relação jurídica diversa da relação jurídica

sobre a qual se discute no processo, mas vinculada a ela, de tal maneira

que a decisão que venha a ser proferida vai reflexamente, indiretamente,

repercutir na relação jurídica de que é titular o terceiro. Nessas condições,

tem o terceiro interesse jurídico reconhecido pela lei, em intervir no

processo a fim de obter, ou tentar obter a vitória do locatário .

Outro exemplo: a fiança não subsiste se for nulo o crédito ao

qual ela se presta como garantia. Imaginemos que o devedor proponha uma

ação declaratória negativa do crédito, uma ação na qual ele peça que o Juiz

declare a inexistência da relação de crédito. O crédito e a fiança

constituem relações jurídicas distintas, o crédito tendo como sujeito ativo o

credor e passivo o devedor, a fiança tendo por sujeitos, de um lado o fiador

que está garantindo o cumprimento da obrigação principal e de outro lado o

credor; a fiança estabelece relação jurídica entre fiador e devedor. Muito

bem, o devedor então propõe uma ação declaratória da inexistência do

crédito. Ora, não está se discutindo no processo sobre a fiança, mas se o

Juiz vier a acolher o pedido, indiretamente essa decisão é suscetível de

influir da relação jurídica de que é titular o fiador, na medida em que,

reconhecida a nulidade da relação de crédito, a fiança não subsistirá. De

maneira que, numa hipótese como essa, terá o fiador interesse em intervir

no processo entre o credor e o devedor a fim de tentar ajudar o devedor a

obter uma vitória nesse processo.

São essas as circunstâncias que geram para o terceiro o

interesse jurídico a que alude o CPC como pressuposto da assistência

simples. Agora vejam os srs.: é necessário que esse interesse seja

jurídico. Em outras palavras, não basta interesse de fato . Os srs.

poderiam reconhecer em qualquer credor interesse em ver rejeitada a

pretensão de outro credor no tocante à cobrança de uma dívida contra o

devedor comum. Todo credor tem interesse em que os demais credores não

recebam, na medida em que, se os outros não receberem, mais consistente

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será o patrimônio do devedor comum, e maiores serão as possibilidades de

ele, credor, receber o seu crédito. Poderíamos assim reconhecer em

qualquer credor interesse para ajudar o devedor a derrotar todos os demais

credores. Mas vejam bem, nesse caso, a decisão que vier a ser proferida

entre um outro credor e o devedor comum não vai gerar nenhuma

conseqüência jurídica sobre o outro crédito. O outro crédito vai subsistir

incólume. Eventualmente o que vai diminuir é a possibilidade prática, não

jurídica, de o outro credor ter o seu crédito satisfeito. Não há portanto

nesse caso interesse jurídico porque não há uma influência do ponto de

vista jurídico daquela decisão sobre o outra relação jurídica de que

é titular o terceiro . Então nessa hipótese o interesse que se reconheça

ao credor não o autoriza a intervir como assistente. É necessário interesse

jurídico, não bastando interesse de fato.

Vejamos os efeitos da ASSISTÊNCIA SIMPLES:

1º) A assistência não acarreta uma dilatação da área de

discussão de um processo, não provoca um aumento do objeto do

processo. A área sobre a qual vai incidir o julgamento não é aumentada

em função da intervenção do assistente. Este não intervem para discutir a

sua relação jurídica, ele não intervem para colocar questões relativas à

relação jurídica de que ele é titular. A finalidade da intervenção é auxiliar

uma das partes a obter vitória naquele processo. O sublocatário não

poderia evidentemente, intervindo, querer discutir questões relativas à

sublocação, dizer que a locação não deveria ser rompida porque ele,

sublocatário, cumpre as obrigações da sublocação, ou porque respeita todas

as suas cláusulas, nada disto está em discussão. O sublocatário intervem

para auxiliar a vitória do locatário. As questões que ele tem de tratar são

as questões a respeito das quais já teria que tratar o locatário. Se o

locador está alegando falta de pagamento do aluguel, o que o sublocatário

tem de fazer, a finalidade da intervenção, está em ele demonstrar não que

ele, sublocatário, cumpre as suas obrigações, mas que o locatário cumpre,

de maneira que o processo deva ter uma desfecho favorável ao locatário.

Características, portanto, da assistência: a) não dilatar o

objeto do julgamento; b) não provocar aumento da área de

discussão, pois o assistente não trará tema novo nenhum ao processo. Os

temas de que ele tem de tratar são aqueles a respeito dos quais já teria de

tratar o assistido.

2º) O assistente torna-se parte, assumindo,

conseqüentemente, direitos, deveres, faculdades e ônus

processuais. Torna-se parte ACESSÓRIA, ocupa no processo uma

posição secundária, no sentido de que a sua função é auxiliar o

assistido a obter a vitória. O assistente, como já vimos, não é o titular

Page 93: Barbosa Moreira - Processo Civil

93

da relação jurídica a respeito da qual se está discutindo. Ele é titular de

uma outra, subordinada, vinculada àquela, mas uma outra relação jurídica.

E ele atua em nome próprio. É parte acessória mas é parte. Então vejam

os srs.: alguém que atua em nome próprio no processo sem ser titular da

suposta relação jurídica de direito material. Os srs. conhecem já a figura

que se assemelha a essa. Alguém que atua em nome próprio mas

defendendo interesse alheio: é o substituto processual, que se acha

legitimado a defender no processo (em nome próprio e por isso se distingue

do representante) interesse de outrem. Vejam os srs., o assistente, em

nome próprio, atua no processo em defesa do interesse do assistido, o

assistente está autorizado por lei a intervir no processo para defender o

interesse do assistido. Tem, como o substituto processual, legitimação

extraordinária. A diferença entre eles é que a legitimação extraordinária

do substituto processual é autônoma, no sentido de que ele poderá

instaurar o processo ou figurar nele como réu originariamente, enquanto o

assistente dispõe também de legitimação extraordinária, mas a sua

legitimação é subordinada , no sentido de que ele, sendo assistente do

autor, não poderia ter instaurado o processo como o substituto processual

poderia, ou sendo assistente do réu não poderia ter figurado no processo

como réu.

A legitimação extraordinária, além das outras classificações

que os srs. já conhecem, tem mais essa: autônoma e subordinada. A

autônoma corresponde na maioria dos casos à figura do substituto

processual, cuja legitimação é autônoma, no sentido de que ele pode

instaurar o processo ou figurar como réu. A legitimação extraordinária

subordinada é a do assistente, que não poderia ter instaurado o processo

nem poderia ter figurado como réu, mas que está autorizado a intervir no

processo pendente para auxiliar uma das partes a obter a vitória, atuando

em nome próprio.

Os efeitos da assistência quanto à competência não têm

nenhuma peculiaridade em relação àquilo que já vimos de principal.

Vejamos em que termos o assistente pode atuar. Ele é parte, parte

acessória, mas parte (o subst. processual será sempre parte principal, o

assistente é parte acessória). Como parte acessória ele terá em princípio,

naquele processo, todos os direitos e deveres, faculdades e ônus inerentes

à qualidade de parte. É claro que nós temos de dar ao assistente, em

princípio, a mais ampla liberdade para atuar no processo, ele intervém

justamente desconfiando que o assistido não defenderá suficientemente o

interesse dele, assistido, de maneira que temos de permitir que ele supra as

omissões do assistido. Se é proferida uma decisão desfavorável ao

assistido, por ex., ainda que o assistido não interponha recurso, nós

devemos admitir que o assistente possa interpor. É claro, se não o

deixarmos fazer nada, não adiantaria nada também ele intervir.

Page 94: Barbosa Moreira - Processo Civil

94

O assistente sofre duas ordens de limitações na sua atuação

processual. Em primeiro lugar, como é óbvio, ele não pode praticar

nenhum ato que pressuponha a titularidade da relação jurídica de

direito material tratada naquele processo . É óbvio que o assistente do

autor não pode renunciar aos direitos do autor, só quem pode renunciar é o

titular do direito. Assim, como é óbvio que o assistente do réu não poderá

reconhecer a procedência do pedido formulado pelo autor, porque só poderá

fazê-lo o titular da relação jurídica de direito material. Da mesma forma

como não podemos conceber que o assistente celebre uma transação com a

parte contrária ao assistido, fazendo concessões mútuas no plano do direito

material para por fim ao processo.

É uma restrição, portanto, à atuação do assistente: ele não

poderá praticar nenhum ato que pressuponha a titularidade da relação

jurídica material, pura e simplesmente porque ele não é titular dessa

relação jurídica.

Uma outra restrição ele sofre no tocante a atos que acarretem

a extinção do processo. Não é preciso explicar porque, o assistente do

autor não pode desistir da ação que ele não propôs . Não pode

ensejar, desse modo, através da sua manifestação da vontade, a extinção

do processo.

O assistente, portanto, tem a maior liberdade possível na sua

atuação processual, com essas duas restrições que acabamos de ver.

Agora, poderia parecer que, pelo fato de o assistente estar ali

empenhado na vitória do assistido, este, por sua vez não pudesse praticar

esses atos que o assistente não pode praticar. Isso não é verdade, e o

Código se incumbe de explicitar. O art. 52 trata da atuação do assistente.

Além de algumas impropriedades (a parte não tem poderes, quem tem

poderes é o órgão judicial), o dispositivo não é completo porque traça a

norma geral de que o assistente em princípio pode fazer tudo o que o

assistido pode fazer, mas não dá as restrições, que têm que ser

estabelecidas sistematicamente ao longo do Código.

O art. 53 explicita que, pelo fato de haver assistente, o

assistido não fica impedido de praticar esses atos. O Código omitiu aí a

renúncia por parte do autor, que é porém uma figura simétrica ao

reconhecimento do pedido. Da mesma forma como a assistência não obsta

a que o réu reconheça o pedido, não obsta também a que o autor renuncie

ao direito de que se afirma titular.

Page 95: Barbosa Moreira - Processo Civil

95

Finalmente, uma última conseqüência da assistência, que é

fundamental: o assistente, em princípio, fica vinculado à decisão

proferida no processo . De tal maneira que ele não poderá, se tiver

participado do processo como assistente, não poderá noutro processo

colocar em dúvida a correção, a justiça dessa decisão que foi proferida no

processo de que ele participou. Ex.: o caso do fiador.

O fiador participou do processo no qual se discutiu a

existência do crédito a que a fiança serve de garantia, e ao final desse

processo o Juiz concluiu pela existência do crédito. O fiador está vinculado

a essa decisão, de tal maneira que, se o credor, mais tarde, propuser contra

ele, fiador, ação visando a cobrança da dívida afiançada, ele não poderá

defender-se alegando que aquele crédito, a rigor, inexiste, e que, portanto,

não subsiste a fiança, coisa que ele em princípio poderia fazer se não

tivesse participado como assistente no processo. O assistente fica,

portanto, a princípio, vinculado à decisão proferida no processo de

que participou, de tal maneira que não pode mais tarde,

proveitosamente, num outro processo, discutir se aquela decisão foi

acertada ou não, foi correta ou não, foi justa ou não . Ele está sujeito

àquela decisão, da mesma forma que as partes, ou quase, porque a essa

regra o CPC, no art. 55, estabelece duas exceções, que estão contidas nos

incisos I (uma restrição muito perigosa no sentido de subtrair a utilidade da

assistência) e II (mais perigosa ainda, de qualquer maneira existe).

O assistente, portanto, fica, em princípio, vinculado à decisão

proferida em processo do qual participou e não poderá discutí-la em outro

processo no qual participe como parte, a não ser se alegar e provar uma

dessas duas circunstâncias previstas no art. 55 do CPC.

Aí estão os efeitos da assistência.

O procedimento da admissão do assistente é traçado em

termos singelos pelo CPC no art.. 51. Não havendo impugnação dentro de 5

dias, o pedido do assistente será deferido. O Código, aqui, começou pelo

fim, deveria ter começado pelo pedido do assistente, que é a rigor o ato

inicial - o requerimento do assistente no sentido de intervir no processo. A

assistência, volto a lembrar aos srs., constitui uma modalidade

espontânea de intervenção de terceiro no processo . Diz o Código:

"Não havendo impugnação...". A impugnação seria por parte das partes

originárias. E também o que está dito aí não será necessariamente

verdadeiro no sentido de que, se formulado o requerimento da intervenção

pelo terceiro que pretende ser assistente, as partes se omitirem, quando o

Juiz verificar que não há interesse jurídico por parte daquele

terceiro de participar do processo, o Juiz encontra-se perfeitamente

autorizado, a despeito de não haver impugnação dentro de 5 dias, a

Page 96: Barbosa Moreira - Processo Civil

96

indeferir esse pedido . Portanto, essa afirmação, no sentido de que o

pedido do assistente será deferido, deve ser vista em termos. Diz mais o

Código: "Se qualquer das partes alegar, no entanto....I....II....III...".

Portanto, requerimento do assistente, ao qual se segue intimação às partes

para que se manifestem sobre o requerimento, ao qual se segue intimação

às partes para que se manifestem sobre o requerimento no prazo de 5 dias.

As partes podem alegar falta de interesse jurídico ou não. Se elas não

alegarem e o Juiz não constatar a inexistência de interesse jurídico por

parte do terceiro, o pedido será desde logo deferido e o assistente admitido.

Se as partes, no prazo de 5 dias, alegarem que aquele terceiro que pretende

figurar como assistente no processo, não tem interesse jurídico,

determinará o desentranhamento da petição e da impugnação de uma das

partes, determinando que sejam autuados em apenso (colocados em autos

que vão ficar em apenso nos autos principais), autorizará a produção de

provas e decidirá dentro de 5 dias o incidente.

Aí está a assistência simples, nos seus pressupostos, nos seus

efeitos, no seu procedimento.

Ao lado disso, o CPC trata, nessa Seção dedicada à

assistência, de uma outra espécie de assistência, ou pelo menos que figura

como um espécie de assistência na Seção do CPC a ela dedicada.

Pressupostos dessa segunda modalidade de assistência,

denominada litisconsorcial, estão previsto no art. 54. Duas diferenças se

manifestam desde logo entre a assistência simples e a litisconsorcial. Na

assistência simples o assistente é titular de uma relação jurídica diferente

daquela sobre a qual se discute no processo, e o outro sujeito dessa relação

jurídica de que é titular o assistente pode ser o assistido. Ex: sublocação. O

sublocatário, intervindo numa ação proposta contra o locatário. A

sublocação é uma relação jurídica que vincula o sublocatário e o locatário,

portanto que vincula o assistente e o assistido. Agora, pode acontecer que

essa relação jurídica que autoriza a assistência simples, se estabeleça não

entre o assistido e o assistente, mas entre o assistente e o adversário do

assistido. Ex.: fiança - uma relação jurídica que vincula o fiador e o credor.

O fiador, quando intervem num processo instaurado pelo credor contra o

devedor, ele intervem para auxiliar o devedor. A relação jurídica da fiança

é entre o assistente (o fiador) e o adversário do assistido (o credor - o

assistido é o devedor). Na assistência simples, portanto, a relação jurídica

pode ser com o assistido ou com o adversário do assistido.

Na assistência litisconsorcial, necessariamente, a

relação jurídica que vai autorizar o assistente a intervir será entre o

assistente e o adversário do assistido.

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97

Mas só isso não dá para distinguir as figuras porque sobrou

uma área comum. Já sabemos que quando a relação jurídica é entre o

assistente e o assistido não pode ser assistência litisconsorcial, só pode ser

assistência simples, mas em compensação quando é entre o assistente e o

adversário do assistido, pode ser uma ou outra, de maneira que há uma

área comum.

Não é essa a principal distinção que extrema a assistência

simples da litisconsorcial. Vamos imaginar, antes de ver qual é, um

exemplo: suponhamos um Espólio, que processualmente, como sabem, atua

por intermédio, normalmente, de seu inventariante, que é, vamos dizer, o

órgão através do qual atua processualmente o Espólio. O Espólio constitui,

no plano do direito material, um feixe de relações jurídicas de que são

titulares os herdeiros. De tal maneira que, até o momento em que ocorra a

divisão do patrimônio, todos os herdeiros são, em princípio, titulares de

todas as relações jurídicas do Espólio. Então imaginem agora que o

inventariante proponha uma ação declaratória de uma dívida de que o

Espólio seja credor. Todos os herdeiros são titulares desse crédito e o

inventariante está autorizado, e propõe efetivamente uma ação dessa

natureza. Uma herdeiro quer intervir nesse processo. Vejam: no caso da

assistência simples a influência que a sentença vai exercer sobre a relação

jurídica de que o assistente é titular não é direta, vai por tabela (por ex., o

Juiz extingue a locação e por isso aplica-se o dispositivo do C.Civil que diz

que cessando a locação extingue-se a sublocação). A influência, portanto,

no caso da assistência simples não ocorre diretamente, imediatamente

sobre a relação jurídica de que é titular o terceiro. No caso aqui, dessa

ação intentada pelo Espólio, o herdeiro, querendo intervir, os srs. diriam

que a influência que a decisão proferida no processo vai exercer sobre a

relação jurídica, de que o herdeiro é titular, é a mesma influência que vai

exercer a decisão sobre a locação em relação à sublocação? É a mesma

coisa ou não? No caso da locação, o Juiz decide sobre a locação, e porque

se extinguiu a locação então vai essa decisão repercutir indiretamente na

sublocação. No caso de herdeiro, o herdeiro é titular do crédito de cuja

existência o Espólio está pleiteando a declaração. Eu pergunto: a decisão

sobre o crédito vai influir na decisão sobre essa relação jurídica do herdeiro,

sobre o crédito, da mesma forma como influi a decisão sobre a locação em

relação à sublocação? A resposta e NÃO. A influência que autoriza a

assistência litisconsorcial não é, como na assistência simples, uma

influência reflexa, indireta, não. A influência da decisão sobre a relação

jurídica de que é titular o terceiro que autoriza a assistência litisconsorcial,

é uma influência direta. A decisão vai diretamente repercutir na

relação jurídica de que é titular o terceiro , e justamente por isso, por

causa dessa repercussão direta, é que se autoriza a intervenção do terceiro

e se dá a ele uma posição superior à posição que se dá ao assistente

simples. Considera-se litisconsorte e parte principal (art. 54).

Page 98: Barbosa Moreira - Processo Civil

98

Outro exemplo: já sabem que no curso de um processo em que

seja disputada uma coisa, nada impede que o suposto proprietário da coisa

aliene essa coisa a terceiro. Já viram também que essa alienação não

autoriza por si só que se alterem as partes, no sentido de que, a despeito

da alienação, embora o alienante já se tenha despojado da coisa, continua-

se o processo e não será substituído no processo pelo adquirente da coisa

(art. 42 CPC). O alienante, em princípio, continua no processo e o

adquirente, em princípio, não pode assumir a posição ocupada por ele. De

tal maneira que o alienante, que não é mais titular daquela coisa que ele

transmitiu, passa a figurar no processo (ele que até então tinha legitimação

ordinária), com caráter de legitimação extraordinária, no sentido de que ele

não é mais a partir desse momento titular da relação jurídica de direito

material, mas continua tendo que atuar no processo na posição em que até

então tinha atuado.

Muito bem, o § 1º do art. 42 diz que o adquirente ou o

cessionário não poderá ingressar em Juízo substituindo o alienante ou

cedente, sem que o consinta a parte contrária, e o § 2º, que é o que nos

interessa no momento, diz que o adquirente ou cessionário poderá, no

entanto, intervir no processo assistindo o alienante ou cedente. De que

natureza será essa assistência? Vejam bem: uma pessoa que se afirmava

dono de uma coisa, no curso do processo aliena essa coisa a um terceiro, e

esse terceiro pretende intervir no processo como assistente para ficar ao

lado do alienante, para contribuir para a sua vitória. Pergunto o seguinte:

Qual dos dois tipos de assistÊncia será adequado a essa hipótese? Qual o

grau de influência da decisão que vier a ser proferida sobre a relação

jurídica de que é titular o assistente? A relação jurídica sobre a qual se

está discutindo ali é a própria - até o alienante não é mais titular dela, o

único titular dela será o assistente. Portanto, assistência litisconsorcial,

uma vez que é direta sobre a relação jurídica de que ele é titular a

influência da decisão.

Essa é a característica fundamental da assistência

litisconsorcial. Na assistência simples, a influência da decisão sobre

a relação jurídica de que é titular o assistente é reflexa. Na

litisconsorcial, é direta sobre a relação jurídica de que é titular o

assistente, embora nem sempre seja esta relação jurídica que se está

disputando ali no processo. De qualquer maneira, ainda quando não é ela

própria, a influência será imediata, vai repercutir imediatamente sobre a

relação jurídica de que é titular o assistente, e por isso ele poderá intervir.

Mas vejam bem uma segunda diferença: o assistente, na assistência

simples, é parte acessória. Na assistência litisconsorcial equipara-

se ao litisconsorte, de maneira que não sofrerá, em princípio, as

restrições que nós apontamos no tocante à assistência simples .

Page 99: Barbosa Moreira - Processo Civil

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QUESTÕES DE PROVA

A) A mudança de domicílio de Caio produziu o efeito de deslocar a

competência para o foro de Niterói? Como se respondia a essa pergunta?

R. Por uma combinação dos arts. 87 e 263 do CPC, o primeiro dizendo que

a competência se fixa no momento em que a ação é proposta, e o segundo

esclarecendo que a ação se considera proposta ou quando a petição inicial é

despachada ou então, onde houver mais de uma vara, simplesmente no

momento em que seja distribuída. Ora, no dia 20/01 Tício fez distribuir

ação na comarca desta cidade e todos nós sabemos que na comarca desta

cidade existe mais de uma vara, logo a data decisiva como ponto de

referência para apurar-se a competência era o dia 20/01, e irrelevante

portanto o fato de que a 25/01 Tício houvesse transferido seu domicílio do

Rio para Niterói, uma vez que a competência se fixara no dia 20/01 e nessa

data ele era domiciliado no Rio. Logo a resposta devia ser negativa. A

mudança não teve o efeito de deslocar a competência.

B) Na segunda pergunta pedia-se o seguinte: é necessário o consentimento

de Caio para que o Juiz possa julgar o pedido levando em conta a afirmação

de ter havido dolo?

R. Vejam: a petição trazida por Ticio depois de citado o réu, é uma petição

em que, sem alterar os fatos narrados na inicial, ele afirma que o vício do

contrato era o dolo, e não de coação. Já havia narrado o acontecimento,

dando-lhe o nome, qualificando-o na sua inicial como coação. Ora, na

petição trazida depois, ele, sem modificar essa narrativa, diz o seguinte:

"aquele defeito verificado na narrativa que eu fiz, aquele vício do

consentimento que se extrai dos acontecimentos que eu narrei, não é

coação e sim dolo." Como quem dissesse: "eu me enganei ao chamar aquilo

de coação, devia ter chamado de dolo, e agora chamo de dolo." Então

vejamos, é necessário consentimento do réu para que o Juiz possa apreciar

o pedido à luz desta nova qualificação dada pelo autor? Vejamos o art. 264,

que é o que nos serve de base para esse problema nas três perguntas

subseqüentes. Muito bem, então a citação já tinha sido feita, logo nós

precisamos tentar saber se o fato de o autor dar uma nova qualificação

jurídica ao fato narrado constitui ou não alteração da causa de pedir. A

causa de pedir consiste em um fato ou um conjunto de fatos, o autor sequer

é obrigado a qualificá-los juridicamente. Ele pode dizer apenas "o contrato

foi assinado nas seguintes circunstâncias: a outra parte, o réu, ameaçou-me

de conseguir que eu fosse demitido do meu único emprego, ele é muito

amigo do meu patrão, então me fez esta ameaça de que eu ficaria

desempregado se não assinasse aquele contrato, e havia todas as razões

Page 100: Barbosa Moreira - Processo Civil

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para crer que a ameaça era verdadeira, meu próprio patrão me deu a

entender que atenderia a esse pedido do réu para me por no olho da rua.

De sorte que, diante dessa emergência, eu assinei o contrato. Diante disso

peço que o contrato seja anulado."

Vejam bem ele pode fazer esta narrativa toda sem usar o

termo jurídico COAÇÃO, não é necessário nem indispensável. O próprio Juiz

verifica que essa narrativa descreve um fato perpetrado sob tais condições,

que se configuraria o vício de coação. Não é preciso que o autor dê esse

nome. Então, se não é preciso, tanto faz que o autor dê esse nome ou

outro. Se o autor contar isso e disser "como se vê, houve dolo",

suponhamos, "o contrato foi viciado por dolo" a qualificação está errada,

pois o que ele contou caracterizaria uma coação e não um dolo, mas é

irrelevante porque tanto faz que ele chame de dolo ou de coação. O que é

importante é saber se como o nome certo ou errado aquilo basta para que o

contrato seja anulado. Isso é o que interessa, tanto a coação quanto o dolo

são causas de anulabilidade, então não é exigido que o autor use o nome

correto, se ele usar o nome errado isto não impede o Juiz de acolher o

pedido. Para o réu se defender, e é isso que importa - vejam bem, a razão

pela qual o autor deve narrar os fatos com clareza, minuciosamente, de

maneira correta, e depois não pode modificá-los sem o consentimento do

réu, é não atrapalhar, não prejudicar a defesa do réu, o réu tem que saber

do que lhe compete defender-se, do contrário ele prepara sua defesa para

uma narrativa, daqui a pouco a narrativa muda, aquela defesa não serve.

Então, a razão de ser é essa. Mas se o autor conta tudo isso, que estava

ameaçado de ficar desempregado, o réu tem todos os elementos para

preparar a sua defesa, pouco importando que ele tenha chamado de coação

ou de dolo. Então a mudança da qualificação jurídica não é relevante, a

qualificação jurídica não integra a causa de pedir, não mudou o motivo,

mudou só o rótulo. Então não era necessário o consentimento do réu.

C) Seria igual a resposta, caso Tício, na nova petição, passasse a invocar

dispositivo legal diverso do invocado na inicial? Seria igual a resposta, i.e.,

continuaria sendo desnecessário o consentimento do réu?

R. A resposta é sim. Porque o dispositivo legal também não integraria a

causa petendi. O autor nem sequer também aqui é obrigado a mencionar o

dispositivo legal. Ele não precisa dizer, depois de narrar os fatos, "de

acordo com o art. tal do C.Civil..." Não precisa, o Juiz, presume-se que

conheça o Direito. O que é preciso ministrar ao Juiz é o fato , o fato ele

não conhece, mas o dispositivo ele conhece. Se ele se engana na indicação

do dispositivo legal, isso impede que o Juiz acolha o pedido? Não, desde

que os elementos do fato que justificam aquele efeito estejam todos

contidos na inicial, e fiquem provados. Isso basta. Pouco importa que o

autor tenha omitido a indicação do dispositivo legal.

Page 101: Barbosa Moreira - Processo Civil

101

Isso é, aliás, comum na ação de despejo, por ex., denúncia

cheia. A lei prevê uma série de casos de despejo, como era na lei 4494, e

que vai voltar a ser quando entrar em vigor a nova lei do inquilinato.

Muitas vezes acontece que o autor se engana, cita o item nº 9 quando

deveria citar o nº 8. Isso não tem a menor importância, desde que os

elementos exigidos por um desses dois itens tenham sido narrados na inicial

e fiquem provados durante o processo. Às vezes até os dois casos são

parecidos. No antigo desquite, por ex., havia uma enumeração legal no

C.Civil (art. 319, antigo, antes da Lei do Divórcio), havia adultério, injúria

grave, sevícia, abandono do lar conjugal. Muitas vezes acontecia que o

autor narrava um episódio e dizia que estava pedindo o desquite por causa

do inciso I, adultério. No entanto, o Juiz entendia que aquele episódio não

chegava a constituir adultério no sentido rigoroso, mas podia ser

caracterizado como uma injúria grave, conduta leviana. E se mais tarde o

autor dissesse "adultério, propriamente não houve, eu me enganei, aquele

fato que narrei era uma injúria grave", não houve mudança da causa de

pedir, o fato era o mesmo.

A defesa do réu é preparada em função dos fatos e não do

dispositivo legal. Não há mudança da causa petendi na substituição de um

dispositivo legal por outro, então não há necessidade da aquiescência do

réu.

D) A última pergunta era: E se Tício, na nova petição, continuasse a alegar

coação, mas apresentasse narrativa de fatos diferentes da que fizera na

inicial? Vejam que agora a hipótese é inversa. Ele diz assim: "na inicial eu

afirmei que ele me havia ameaçado de ficar desempregado, mas não foi

bem assim. A ameaça que ele me fez foi outra, ele ameaçou seqüestrar o

meu filho." Bem, uma coisa é o réu se defender da imputação de ter

tentado conseguir a demissão do autor do se emprego, outra coisa diferente

é o réu preparar a sua defesa contra a imputação de ter planejado o

seqüestro de um filho do autor. Todo mundo compreende que o réu

precisará usar num caso e noutro argumentações completamente

diferentes. Eventualmente, provas diferentes, uma testemunha que possa

ser útil num caso não será no outro. Em resumo, a história mudou. Então,

aqui, sim. Embora ele mantenha debaixo da mesma denominação, a causa

petendi não é mais a mesma, o fato foi modificado na sua essência. Aqui

haveria necessidade do consentimento do réu.

Aqui caberia uma pequena observação para esclarecer melhor:

se ele modificasse apenas um detalhe circunstancial, dissesse, por ex., que

a ameaça de conseguir a demissão, em vez de ter sido feita às 8 horas da

noite foi no dia seguinte de manhã, isso aí não altera. Ou que em vez de

escrever uma carta ao patrão, o réu deu um telefonema. Todo mundo

Page 102: Barbosa Moreira - Processo Civil

102

percebe que a substância do fato é igual; ameaça de conseguir a demissão

se não atendesse ao desejo do réu. No caso de adultério, se o autor

dissesse que se consumou às 9 horas da noite e depois dissesse que não foi

bem às 9, foi às 10 horas, todo mundo percebe que isso não altera o fato.

Agora, se ele dissesse assim: "Na inicial eu disse que a ré (ou o réu)

praticou adultério com X (a ou o cúmplice) no Rio de Janeiro, em 1978, mas

de fato foi com Y, em São Paulo, no ano de 1977". São fatos diferentes é

outro adultério, houve mudança da causa petendi.

Deve-se raciocinar sempre nessa base: a substância é que

interessa porque a substância é que influi na preparação da defesa, e a

razão de ser da norma é essa - proteger o interesse do réu para não ficar

perdido, sem saber exatamente o que estão querendo dele.

Então eis aí como deviam ser respondidas as perguntas. Na

última era, portanto, necessário o consentimento do réu para que o Juiz

pudesse apreciar esta nova causa petendi introduzida na petição que o

autor trouxe aos autos depois de feita a citação.

PROBLEMA - Tícia, casada com Caio, propôs ação de despejo em face de

Nélio, locatário de um imóvel pertencente a Tícia e integrante do seu dote.

Nelio, contestando, alegou preliminarmente que, em relação aos bens

dotais, nos termos do art. 289 do C.Civil, na vigência da sociedade conjugal,

compete ao marido usar das ações judiciais a que derem lugar. De modo

que a ação deveria ter sido proposta por Caio, o marido, e não por Tícia.

Pergunta-se:

A) Como deve o Juiz decidir esta questão? A ação era referente a um bem

que integrava o dote, então nos termos do CC, o legitimado para as ações

referentes ao dote é o marido. O réu alega isso na sua contestação. A ação

devia ter sido proposta pelo marido e não pela mulher. Como deveria o Juiz

apreciar a questão? Devia acolher ou não essa preliminar levantada pelo

réu?

R. Devia acolher, porque apesar de, em regra, a legitimação para a causa

coincidir com a titularidade da relação jurídica de direito material, por vezes

a lei atribui a uma pessoa diferente daquela que é sujeito da relação

material esta legitimidade que então se chama extraordinária, ou anômala.

Ora, esse é uma caso típico, e eu até na própria questão transcrevi o artigo

do C.Civil para facilitar.

Então, apesar de o bem dotal pertencer à mulher, quem o

administra na vigência da sociedade conjugal é o marido, e só ele tem

legitimidade ativa para a causa. Sendo assim, qual seria a atitude do Juiz?

Page 103: Barbosa Moreira - Processo Civil

103

O Juiz deveria extinguir o processo sem julgamento do mérito por falta de

uma das condições da ação.

B) Que base lhe fornece para isso o CPC? Quer dizer, onde o Juiz deveria

fundamentar sua decisão? Achem aí. No art. 267, VI, segundo o qual se

extingue o processo sem julgamento do mérito quando etc. Faltava a

legitimidade da parte, portanto era esse o fundamento da sentença que

extinguiria o processo sem julgamento do mérito.

C) Poderia o Juiz apreciar a questão, mesmo que Nélio não a houvesse

citado? Suponhamos que o réu nada alegasse a esse respeito na preliminar,

na sua contestação. Então, a pergunta é a seguinte: Poderia o Juiz, de

ofício, julgar a autora carecedora de ação, extinguir o processo sem

julgamento do mérito, verificando a falta de legitimidade, mesmo que o réu

nada alegasse? Poderia sim. Aplica-se o art. 267, § 3º, conjugado com o

inciso VI, e a resposta é afirmativa.

É um caso em que o Juiz poderia até indeferir a petição inicial.

É um dos casos em que o Juiz deve conhecer de ofício.

D) Que figura jurídica ocorreria se a ação fosse proposta por Caio, i.e., pelo

marido? Há um nome específico para os casos em que o legitimado

extraordinário propõe a ação, figura como parte principal, em vez de figurar

o titular da relação jurídica material. O tipo de legitimação é

extraordinária, mas o nome desta figura jurídica qual é? Chama-se

substituição processual . Vejam que eu não perguntei como se qualifica a

legitimação, perguntei o nome deste fenômeno, deste acontecimento que

consiste no seguinte: uma pessoa, que não é titular da relação jurídica

substantiva, aparece no processo como parte legitimada, em vez de outra

que era a titular; quer dizer o legitimado extraordinário figura no processo

em vez de figurar aquele que seria legitimado ordinário, mas que não é

legitimado nenhum porque a lei não lhe concede qualidade para propor a

ação. Notem que às vezes quando a lei dá a alguém legitimação

extraordinária, nem por isso elimina a possibilidade de que o titular da

relação material proponha a ação. Às vezes co-existe a legitimação

ordinária com a extraordinária, eles podem até propor em litisconsórcio.

Quando, porém, a lei só considera legitimado o extraordinário, impedindo

que o titular da relação jurídica seja parte legítima, aí aparece um e não

pode aparecer o outro, então há substituição processual, que não se

confunde com a representação, porque na representação o representante

age em nome de outrem, em nome do representado, ao passo que o

substituto processual age em nome próprio embora defendendo direito

alheio.

Page 104: Barbosa Moreira - Processo Civil

104

OPOSIÇÃO

Acha-se regulada no art. 56 e seguintes do CPC.

Quando estudamos a assistência, verificamos que nela o

terceiro intervem a fim de auxiliar uma das partes, cuja vitória lhe

interessa. Na oposição não é isso que acontece. Na oposição o terceiro

(que se denominará de opoente - aquele que formula a oposição) não

intervem para auxiliar uma das partes a obter vitória. Ao contrário, ele

intervem para reclamar para si, para ele terceiro, o bem ou o direito

que está sendo disputado no processo . Ele não intervem para auxiliar

uma das partes, e sim para reclamar para ele aquele bem que as partes

estão discutindo no processo.

No art. 56 está o principal pressuposto da oposição. Imaginem

o seguinte exemplo: um indivíduo que está reivindicando um bem de outro,

afirmando que ele, autor, é o proprietário. Há um terceiro, porém, que

supõe que a propriedade daquele bem que o autor está alegando ser sua, na

realidade é dele. Nestas circunstâncias, a lei autoriza este terceiro a

ingressar no processo a fim de reclamar para si mesmo contra ambas as

partes, autor e réu, aquele ou aqueles bens que são controvertidos no

processo.

A oposição é uma modalidade voluntária de intervenção

de terceiro. A intervenção não é necessária. O terceiro intervem se

quiser. E, mais do que voluntária, ela tem caráter facultativo, no

sentido de que, para o terceiro, a intervenção não constitui um

dever e nem tampouco um ônus, porque se ele não ingressar

naquele processo, a falta de intervenção não lhe acarretará nenhum

prejuízo.

No ex. acima, ele pode perfeitamente aguardar o desfecho

daquele processo que se encontra em curso, sem ingressar nele, para afinal

então reivindicar, alegando ser proprietário, o bem daquele que ganhou a

causa que estava pendente. A falta da intervenção, o fato de o terceiro não

intervir no processo pendente, não afeta em nada a sua situação, não lhe

traz qualquer prejuízo, de tal maneira que a oposição constitui um

faculdade. Se ele quiser ingressar a lei lhe permite que o faça, se não

quiser intervir não é necessário por um lado, e por outro lado isso não lhe

Page 105: Barbosa Moreira - Processo Civil

105

trará qualquer prejuízo, uma vez que aquela decisão que vai ser proferida

no processo, se ele não ingressou como parte, não vai vinculá-lo.

A oposição costuma classificar-se em TOTAL ou PARCIAL (art.

56). É essa a base da oposição. Total quando o terceiro pretender todo o

bem, ou todo o direito que está sendo discutido em Juízo. Parcial na

hipótese contrária.

Pressupostos da OPOSIÇÃO: A) Em primeiro lugar, como é

óbvio, processo pendente. Sem processo pendente não há a possibilidade

de configurar-se intervenção de terceiro. B) Em segundo lugar, o terceiro

pretende para si o bem ou direito que está sendo discutido entre as partes

no processo que se acha pendente. C) Os srs. entenderam que a falta de

oposição não trará qualquer prejuízo para o terceiro. Por outro lado, de um

lado o terceiro não terá o seu direito afetado por aquela decisão que for

proferida num processo do qual ele não tenha participado, de tal maneira

que nada impedirá que ele, terminado aquele processo, proponha contra o

vencedor uma ação visando a reivindicar o bem. Não lhe trará portanto a

falta da intervenção qualquer prejuízo. Por outro lado, os srs facilmente

compreenderão que o ingresso de um terceiro num processo pendente,

formulando uma pretensão diversa daquela que tinha sido formulada pelo

primitivo autor, acarretando a necessidade de atividade processual, tudo

isso acabará necessariamente por embaraçar o andamento do processo,

tumultuá-lo, por pouco que seja. Aliando essas duas circunstâncias - de um

lado a oposição poderá embaraçar a marcha do processo, de outro a falta

do oferecimento da oposição não acarretará para o terceiro qualquer

prejuízo - considerando esses dois aspectos, a lei estabeleceu o momento

até o qual a oposição é possível, e além do qual ela não mais será possível.

O momento é fixado no art. 59 do CPC. É necessário, portanto, que

o terceiro que pretende oferecer oposição, para que ele ingresse

naquele processo, que ele o faça antes da Audiência de Instrução e

Julgamento. Iniciada a audiência, o ingresso do terceiro no

processo não será mais possível .

Agora vejam bem: o que é que o terceiro faz? Ele está

ingressando no processo e formulando, defronte às partes que já figuravam

no processo, uma demanda, diversa obviamente daquela que foi formulada

pelo autor. Ex.: o autor reivindica para si a coisa do réu, ingressa o

opoente dizendo que a coisa é dele e portanto deve ser entregue a ele e

não ao autor. Ele está formulando uma demanda, a rigor está propondo

uma ação. A oposição é uma ação proposta pelo terceiro, enseja,

portanto, uma acumulação de ações no mesmo processo: a do autor

e, uma vez oferecida a oposição, a do que era terceiro e passou a

ser opoente. Ora, da mesma maneira como nada impedirá que esse

terceiro aguarde o desfecho do processo para então propor uma ação contra

Page 106: Barbosa Moreira - Processo Civil

106

o vencedor, nada impedirá que, mesmo depois da audiência (e, portanto,

mesmo depois da fase que a lei estabelece como marco para que ele

ingresse como parte) ele proponha a ação, antes do desfecho daquele

processo. Se ele quiser ingressar naquele processo, fazer com que a sua

ação corra naquele processo, ele terá de oferecer oposição até a audiência.

Se não oferecer, ele pode fazer duas coisas: ou esperar o desfecho do

processo, e nesse caso dirigir a sua ação para a parte que venceu; ou não

aguardar o desfecho e, depois da audiência mas antes do desfecho do

processo, formular a sua demanda.

Vejam os srs: a oposição como modalidade de

intervenção de terceiro no processo, só é possível até o momento da

audiência. A partir daí ela dará ensejo, necessariamente, à

formação de outro processo, ainda que a ação, depois da audiência,

seja dirigida contra as duas partes que figuram ainda no processo

que já estava pendente. Se ele propuser ação depois do início da

audiência, necessariamente dará ensejo à formação de outro

processo.

Ora, a intervenção de terceiro significa que o terceiro ingressa

no processo que está pendente. A partir do momento em que ele propõe

essa ação, dando ensejo à formação de um outro processo, nós não

podemos dizer que se trata de intervenção de terceiro.

Acontece que essa segunda possibilidade, ou seja, a de um

terceiro formular de modo autônomo a sua demanda após a audiência, mas

antes de terminar o processo que corria, impunha uma disciplina especial.

Em primeiro lugar, vejam: se ele propõe a ação enquanto está pendente o

outro processo, ele deve fazê-lo, deve propor a sua ação, contra autor e

réu, sob pena de correr o risco de afinal verificar que aquele contra quem

ele propôs não era a pessoa adequada para responder àquele processo. Em

segundo lugar, é conveniente que aquela ação seja remetida para o órgão

perante o qual está correndo, ou já correu aquele processo entre autor e réu

- aspecto de conveniência. Em terceiro lugar, pode acontecer que seja

possível ao Juiz, dependendo do estágio em que estiver o outro processo,

sem entravar muito a marcha do mesmo, fazer com que ele aguarde durante

um espaço de tempo, a fim de que os dois pedidos, formulados no processo,

autônomos, um pelo autor contra o réu, o outro por esse terceiro que acha

que nem autor nem réu têm razão, que o bem ou o direito pertence a ele,

possam ser julgados concomitantemente. Por essas razões, na Seção

dedicada à Oposição, o CPC trata também dessa possibilidade que tem o

terceiro de propor a sua ação depois da audiência. E o Código dá a essa

possibilidade, inadequadamente, o nome também de Oposição.

Page 107: Barbosa Moreira - Processo Civil

107

Vejam o art. 60 que diz que, oferecida depois de iniciada a

audiência, seguirá a oposição o procedimento ordinário. Não é bem isso, a

preocupação aqui não é estabelecer o rito, a preocupação aqui é dizer que o

processo é outro. A rigor, se quiserem poderão acompanhar a terminologia

legal, chamando a isso de oposição, mas não podem esquecer o seguinte:

se o que os srs. chamam de oposição dá ensejo à formação de um

outro processo, intervenção de terceiro ele não é .

Resumindo: nessa Seção do Código os srs. encontram com o

nome de oposição, uma modalidade de intervenção de terceiro no processo

pendente, que como tal, só pode ocorrer até a audiência de instrução e

julgamento. E encontram, também com o nome de oposição, uma outra

figura que não é intervenção de terceiro, e que dá a possibilidade de um

terceiro, depois da audiência, mas antes do término daquele processo

originário, instaurar um outro processo contra as partes que figuram

naquele que já está pendente, com essa conseqüência estabelecida no art.

60, sendo possível que o Juiz suste o andamento daquele processo

originário a fim de que os dois pedidos sejam simultaneamente julgados, ele

pode sobrestar a marcha do processo originário por prazo, porém, nunca

superior a 90 dias. Se, decorridos os 90 dias, o que o Código chama de

oposição não está ainda em condições de ter o seu mérito apreciado, mas o

outro processo já está, o Juiz não pode continuar aquela paralisação que se

verifica, e os dois processos correm autonomamente, sem nenhuma

vinculação.

Portanto, como modalidade de intervenção de terceiro, a

oposição só pode ocorrer até a audiência de instrução e julgamento.

Efeitos da Oposição

1º) A oposição (oferecida antes da audiência) é uma ação

proposta por terceiro, que enseja, portanto, uma acumulação de ações no

mesmo processo, aumentando seu objeto. O objeto do processo era o

pedido do autor defronte ao réu, passa a ser também, além disso, o pedido

do opoente perante autor e réu. Ao contrário da assistência, em que o

objeto do processo, a despeito do ingresso do assistente, não se altera, a

oposição faz com que aumente o objeto do processo, ensejando uma

acumulação de ações.

2º) Quanto à competência, aplicam-se aquelas regras que

vimos em caráter comum, dadas à intervenção de terceiro. A competência

de foro, em regra, não se altera. É evidente, trata-se de intervenção de

terceiro, não é o processo que tem que ir atrás do terceiro, é este que tem

que ir atrás do processo. A competência de juízo pode prorrogar, no caso

Page 108: Barbosa Moreira - Processo Civil

108

em que o órgão judicial seja relativamente incompetente para apreciar a

oposição. Ou pode eventualmente deslocar-se, se a incompetência for

absoluta. Por ex. o Estado ingressando, aqui na capital, num processo que

tem como partes entes particulares, pendente numa vara cível, o Estado

dispõe de um Juízo privativo, então o seu ingresso no processo como

opoente provocará o deslocamento desse processo para uma das varas da

Fazenda Pública.

3º) O opoente assume, evidentemente, a condição de parte,

como acontece em todas as modalidades de intervenção de terceiro. Ele é,

a rigor, autor e portanto a sua atuação se pauta pelas mesmas regras por

que se pauta a atuação do autor em geral. Ele propõe uma ação e

portanto a ele se aplica tudo quanto se aplicar àquele que propõe

uma ação.

4º) Além disso, a oposição não provoca a exclusão de

nenhuma das partes que já figuravam no processo . Agora vejam os

srs.: é litisconsórcio - autor e réu que já figuravam no processo são, a rigor,

sujeitos passivos em relação à oposição - litisconsórcio passivo sui generis.

Autor e réu estão disputando entre si um bem. Eles só têm esse interesse

em comum a partir da oposição: ver preterida a pretensão do opoente.

Eles, autor e réu, que já figuravam no processo, se denominam de

OPOSTOS. Aquele que oferece a oposição se denomina de OPOENTE.

5º) Ingressando no processo, assumindo a qualidade de parte,

evidentemente fica o opoente vinculado à decisão que vier a ser proferida

naquele processo. Fica sujeito à coisa julgada . De tal maneira que,

terminado aquele processo, ele não poderá por em dúvida, daí para a

frente, aquilo que tiver ficado decidido. Se ele não quiser se vincular à

coisa julgada, basta que não intervenha. A intervenção é uma faculdade

dele, a falta de intervenção não lhe acarreta qualquer prejuízo. Mas,

participando ele do processo, fica obviamente sujeito à decisão e à coisa

julgada.

O procedimento da Oposição é diferente conforme se trate de

oposição como modalidade de intervenção de terceiro, ou dessa outra

espécie de oposição da qual trata o Código nessa Seção.

Antes da audiência, oposição propriamente dita - art.

57. A oposição é uma ação, de tal maneira que exige para o seu

oferecimento os requisitos necessários à propositura de qualquer ação.

Distribuída a oposição, dependendo da maneira que vai correr naquele Juízo

onde já corre o processo primitivo, serão os opostos citados na pessoa dos

seus respectivos advogados, para contestar o pedido no prazo comum de 15

dias. Portanto, oferecimento da oposição com os requisitos necessários à

Page 109: Barbosa Moreira - Processo Civil

109

propositura de qualquer ação. O Juiz vai apreciar a petição oferecida pelo

terceiro que pretende ingressar como opoente e poderá indeferí-la nos

mesmos casos em que a lei lhe permite indeferir qualquer petição inicial.

Deferida a petição do opoente, precede-se à citação dos opostos, daquelas

partes que já figuravam no processo, a fim de que se manifestem a respeito

do pedido formulado pelo opoente. Essa citação tem uma peculiaridade,

que é a de que se faz na pessoa dos advogados dos opostos e não

pessoalmente a eles.

Para que o advogado receba citação, é necessário que ele

tenha poderes especiais, conferidos pelo seu constituinte para essa

finalidade. Aqui há uma exceção a essa regra, no sentido de que, por

razões de economia, independentemente de terem os advogados

poderes para receber citação , a lei determina que seja feita neles a

citação.

Feita a citação, começa a correr para os opostos prazo de 15

dias para contestar (art. 57). Prazo comum, i.e., prazo que só começa a

correr para cada um quando começar a correr para todos. Ele começa

correr no mesmo momento para os dois, e termina no mesmo momento para

os dois.

Art. 59 - A oposição oferecida antes da audiência será

apensada aos autos principais e correrá simultaneamente com a ação,

sendo ambas julgadas pela mesma sentença. A primeira conclusão que se

extrai da norma é que a oposição corre em autos apartados, embora

apensados. "Correrá simultaneamente com a ação" - é uma pretensão do

Código que não se realizará necessariamente na prática. Porque,

permitindo o Código que a oposição, como intervenção de terceiro, seja

oferecida até a audiência, pode acontecer que aquela causa que já estava

pendente estivesse já madura para a audiência, de tal maneira que dentro

de poucos tempo pudesse ser realizada a audiência de instrução e

julgamento. Nesse caso, oferecida a oposição até a audiência, o que vai

acontecer é que o andamento daquela causa que já figurava no processo vai

ficar parado, não correrá simultaneamente, aguardando que a oposição

acerte o passo com ela. Correrá simultaneamente quando possível, sendo

ambas julgadas pela mesma sentença.

Art. 61 - Cabendo ao Juiz decidir simultaneamente a ação e a

oposição, desta conhecerá em primeiro lugar - quer dizer, apreciará em

primeiro lugar a oposição. Quando a oposição for oferecida depois do

início da audiência de instrução e julgamento e antes do término do

processo ou da prolação da sentença (de acordo com a teoria que foi

levantada aqui), diz o art. 60: seguirá a oposição o procedimento ordinário.

Não necessariamente o ordinário - o que o CPC quis dizer é que seguirá

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110

procedimento autônomo, não vinculado àquele da causa primitiva. Com

essa possibilidade do art. 60 de, sendo conveniente e sendo possível, o Juiz

sobrestar o andamento do primeiro processo por prazo nunca superior a 90

dias, a fim de julgá-lo juntamente com a oposição. Nesse caso, se a

oposição for julgada juntamente, então se aplica o art. 61, no sentido de

que quando julga na mesma oportunidade a ação primitiva e a oposição, o

Juiz aprecia em primeiro lugar a oposição, o que em certa medida tem um

caráter prejudicial em relação à ação.

NOMEAÇÃO À AUTORIA

Art. 62 e seg. do CPC.

Ao contrário da oposição, como os srs. verão, constitui uma

modalidade forçada de intervenção de terceiro no processo - não no

sentido de que o terceiro seja à força compelido a atuar, mas no sentido de

que ele se transforma em parte não em virtude de manifestação de sua

vontade, mas em função de convocação que ele recebe para participar

daquele processo.

A nomeação à autoria é uma modalidade interessante de

intervenção de terceiro. Ela se destina a corrigir erros que o autor cometa

no tocante ao endereçamento da ação proposta, no tocante à legitimação

passiva para figurar como réu na causa. Normalmente, se o autor propõe

ação contra pessoa que não seja passivamente legitimada para figurar como

réu naquela causa, a conseqüência disso é que o processo deva extinguir-se

sem apreciação do mérito. Em certos casos, porém, o legislador dá uma

"colher de chá" para o autor, impondo àquele que foi indevidamente

convocado como réu o dever de dizer que ele não tem legitimação

passiva, e mais que isso, de indicar, de nomear o terceiro que tem

legitimação passiva para figurar como réu no processo .

A nomeação à autoria é isso: é a convocação ao processo de

um terceiro que tenha legitimação passiva para figurar ali como parte,

constituindo um dever daquele que foi indevidamente citado indicar

quem é o legitimado passivo, de nomear à autoria. Ocorre em duas

hipóteses:

1ª) O art. 62 se refere à primeira delas, que é a seguinte:

uma ação é proposta para discutir a posse de um bem, ou a propriedade de

um bem. E o autor atribui àquele que ele indica como réu a qualidade de

possuidor ou de proprietário, mas na verdade ele não sabe que aquele que

ele indicou não é nem uma coisa nem outra, é mero detentor da coisa. Por

ex. um empregado que esteja tomando conta de um imóvel. A primeira

hipótese é essa. O detentor é citado como réu para um processo no qual se

Page 111: Barbosa Moreira - Processo Civil

111

vai discutir a posse ou a propriedade, na suposição, por parte do autor, de

que ele é o proprietário ou o possuidor da coisa, quando na realidade não é

nem uma coisa nem outra - é o detentor. Ele então tem o dever de indicar

quem é o proprietário ou o possuidor, conforme o caso.

2ª) Art. 63 - o caso é o seguinte: eu sou dono ou titular de um

direito real ou pessoal sobre uma coisa e venho a sofrer, nessa qualidade,

um dano causado por um indivíduo que eu conheço. Então, proponho contra

ele ação para ressarcimento do dano que ele me causou. Ocorre, porém,

que ele sabe, mas eu não sabia, que ele praticou aquele ato que me causou

dano, em cumprimento de determinação de outra pessoa. De tal maneira

que o responsável pelo prejuízo, ou seja, aquele que deve responder pelo

prejuízo, não é ele, mas esse outro que ordenou a ele que praticasse aquele

ato que me causou prejuízo. Nesse caso, esse indivíduo que foi citado,

contra quem eu propus a ação, não sendo ele responsável pelo dano,

porque praticou o ato por determinação de terceiro, deve nomear à autoria

o terceiro, que deverá figurar na causa, uma vez que é ele o responsável

pelos prejuízos e, portanto, é ele que deve responder àquela ação.

É isso que, de modo um pouco confuso diz o Código: "...toda

vez que o responsável pelos prejuízos alegar que..." A rigor, esse

"responsável pelos prejuízos" aí está errado - se ele fosse o responsável

pelos prejuízos obviamente ele não teria que indicar nem nomear à autoria

ninguém. Justamente porque ele não é responsável pelos prejuízos, é que

ele deve nomear à autoria. A rigor, o que o Código deveria ter dito teria

sido "o demandado", ou "o responsabilizado". Responsável é que ele não é.

Então nesses dois casos a lei impõe àquele que foi citado no

processo o dever de indicar o terceiro que tem legitimação passiva. Trata-

se de um dever . E mais, o Código estabelece uma sanção para aquele que

deveria nomear à autoria e não o fez, ou para aquele que deveria nomear à

autoria e o fez inadequadamente, nomeando pessoa diversa daquele que é

passivamente legitimado. Art. 69 - "Responderá por perdas e danos..."

PROCEDIMENTO DA NOMEAÇÃO À AUTORIA

Art. 64 - O réu não "requer" a nomeação. Ao contrário do que

diz o Código, o réu faz a nomeação; ele não nomeia, ele não requer .

Tem que nomear, portanto, no prazo para a defesa. Normalmente, no

procedimento ordinário, prazo de 15 dias. O Juiz vai verificar se é ou não

caso de nomeação à autoria. Se a hipótese se enquadra no caso do art. 62

ou do art. 63. E pode indeferir a nomeação feita pelo réu. Se deferi-la,

porém, suspende o processo e manda ouvir o autor no prazo de 5 dias. O

autor não é obrigado a aceitar a nomeação, assim como ele não é obrigado

a propor a ação contra a pessoa legitimada passivamente. Ele deve

Page 112: Barbosa Moreira - Processo Civil

112

propor, tem o ônus de propor . Se não propuser, corre o risco de não ter

o seu pedido apreciado e o Juiz considerá-lo carecedor de ação. De tal

maneira que ele também não é obrigado a aceitar a nomeação feita apelo

réu. Pode aceitar ou pode recusar.

Se ele quiser recusar, tem que fazê-lo expressamente, no

prazo previsto no art. 64, 5 dias. Além de recusar, ele pode aceitar

expressamente ou omitir-se, não dizer se aceita nem se recusa. Se se

omitir (art. 68), presume-se aceita a nomeação. A aceitação pelo autor,

portanto, pode ser expressa ou tácita. A recusa é que tem que ser

expressa.

Se o autor aceita a nomeação feita pelo réu, diz o art. 65, a

ele incumbirá promover a citação, ou seja, promover a citação daquele

que foi indicado pelo réu como legitimado passivo para aquela

causa.

Se o autor recusa, diz ainda o art. 65, ficará sem efeito a

nomeação. O processo, nesse caso, retomará a sua marcha, terminará a

suspensão e ao réu será devolvido integralmente o prazo de defesa. Art. 67

- quando o autor recusar o nomeado, assinar-se-á ao nomeante novo prazo

para contestar.

Pode acontecer, porém, que o autor aceite, expressa ou

tacitamente, e neste caso o nomeado terá que ser citado. Modalidade

forçada, portanto, de intervenção de terceiro, que é o nomeado, no

processo.

O nomeado, por sua vez, citado, pode adotar duas atitudes: 1)

em primeiro lugar, pode reconhecer que realmente é ele quem tem

qualidade para figurar como réu naquela causa, que é ele o legitimado

passivo para aquele processo. Ou pode negar essa qualidade, dizendo que

não é ele o legitimado passivo, que ele não tem legitimação passiva para

figurar naquele processo. Da mesma forma como a recusa pelo autor, essa

negativa do nomeado a respeito da sua qualidade para figurar naquele

processo, tem que ser expressa; ou ele recusa expressamente, ou então

aceita expressamente, ou não diz nada, presumindo-se neste caso que ele

reconheceu a qualidade que lhe foi atribuída pelo réu (art. 68, inc. II). Ele

pode, portanto, o nomeado, uma vez citado, reconhecer expressa ou

tacitamente a qualidade que lhe foi atribuída pelo nomeante, ou negar essa

qualidade. Se reconhece, diz o art. 66, contra ele correrá o processo.

Sai de cena o nomeante, o nomeado passa então a ocupar o lugar

que até então era ocupado pelo nomeante, que é excluído do

processo.

Page 113: Barbosa Moreira - Processo Civil

113

A finalidade da nomeação é corrigir um erro verificado

na legitimação, de tal maneira que, a partir do momento em que

ingressa no processo a pessoa que tem legitimação passiva, não

haveria razão para manter-se no processo um indivíduo que não tem

aquela legitimação . O processo passa a correr exclusivamente contra o

nomeado; o processo, retendo a sua marcha, cessa a suspensão que o Juiz

determinara ao deferir a nomeação feita pelo réu, e se abre ao nomeado

que assumiu a qualidade de réu um prazo para contestar, para defender-se.

2) A outra hipótese é a de o nomeado, citado, expressamente recusar a

qualidade que lhe foi atribuída pelo réu. O réu fez a nomeação, o autor

aceitou, foi citado o nomeado, que pura e simplesmente vem ao processo e

nega que tenha legitimação passiva para figurar na causa como parte.

Nessa hipótese, diz o art. 66, o processo continuará contra o nomeante. De

tal maneira que, a rigor, pelo que está escrito aqui, nós podemos entender

que o nomeado deixa de participar do processo, ele aparece apenas para

dizer que não reconhece a qualidade que lhe foi atribuída e desaparece em

seguida. Não era essa a solução do direito anterior, pois, quando o

nomeado negava a qualidade que lhe era atribuída pelo réu e aceita pelo

autor, o processo corria contra ambos, contra nomeante e nomeado. Se o

nomeado quisesse participar, atuar, muito bem; se não quisesse, ele, de

qualquer maneira continuaria sendo parte e, portanto, estaria sujeito afinal

à coisa julgada que se formasse sobre a decisão proferida. O art. 66 diz

pura e simplesmente que se o nomeado nega que tenha legitimação

passiva, o processo continuará contra o nomeante. Parece mais ou menos

indiscutível que, com isso, a lei quer dizer que aquele que foi nomeado e

recusou cai fora. Essa conseqüência, porém não é vantajosa. Vejam os

srs., o problema concerne à legitimação passiva. Para o autor, se ele não

tem condições de verificar prontamente quem tem legitimação passiva, se

está em dúvida entre o nomeante ou o nomeado, seria muito mais

interessante que o processo, como no direito anterior, continuasse a correr

contra ambos, de tal maneira que ele não se veria surpreendido por uma

decisão que deixasse de apreciar o pedido e o julgasse carecedor de ação.

A solução do Código dá margem a que, continuando o processo a correr

exclusivamente contra o nomeante, mais tarde venha a verificar-se que este

tinha razão - não tinha legitimação passiva - que a legitimação era daquele

mesmo que ele havia nomeado; mas aí já será tarde, e esse processo vai ter

de extinguir-se sem julgamento do mérito. Não é prático, não foi uma

modificação vantajosa feita pelo Código. Há quem sustente que subsiste a

solução do direito anterior, no sentido de que, mesmo que o nomeado

recuse, ele será alcançado pela sentença que vier a ser proferida;

continuaria a ser parte, a despeito de haver recusado. Parece, porém, que

o Código não fornece base alguma para esse entendimento. Diz o art. 66

que o processo continuará contra o nomeante. Realmente, é muito difícil

sustentarmos que, a despeito de sua recusa, o nomeado continua a

Page 114: Barbosa Moreira - Processo Civil

114

ser parte e portanto pode ser proferida perante ele uma sentença

que aprecie o mérito .

DENUNCIAÇÃO DA LIDE

Art. 70 e seguintes do CPC

Para que os srs. bem compreendam do que se trata na

denunciação da lide, figura que tem sido vítima na prática forense de certos

equívocos funestos, atentem bem nesta explicação prévia antes de

examinarmos a disciplina legal.

Por vezes acontece que a pessoa derrotada num processo, e

em conseqüência disso compelida a fazer um pagamento ou a entregar

alguma coisa à parte vencedora, tem o direito, que se chama regressivo,

contra terceiro. Direito regressivo quer dizer o direito de haver desse

terceiro uma compensação do prejuízo que teve em face de sua

condenação no processo .

Ex.: aquele que adquire um bem e que depois se vê privado desse bem por

força de uma ação em que alguém reivindica a coisa, dizendo que não

pertencia na realidade a quem lhe vendeu. O caso é que ele comprou mal,

comprou de quem não era dono. Admita-se que esse comprador seja

derrotado e com isso se veja na contingência de ter que entregar aquela

coisa que ele havia comprado de quem não era dono ao verdadeiro dono.

Ele não fica totalmente no "ora veja", a lei lhe concede o direito regressivo

de exigir daquele vendedor, que não era dono, a indenização do prejuízo

sofrido.

Direito regressivo, ou direito de regresso, é o direito

que tem aquele quer perde, de se reembolsar do prejuízo sofrido, à

custa do terceiro.

Outro ex.: a pessoa que destrói coisa alheia em estado de necessidade, é

obrigado a indenizar. Mas se o perigo que o levou a destruir a coisa alheia

foi causado por um terceiro, terá em conseqüência do desembolso que faz

para indenizar o proprietário da coisa destruída, o direito de voltar-se

contra o terceiro causador do perigo e exigir dele que, por sua vez, o

reembolse daquela importância que ele foi obrigado a despender para

indenizar o proprietário.

Então há, como vêem, duas relações jurídicas, perfeitamente

distintas: uma entre as partes primitivas do processo (alguém reclama a

coisa que está em poder de outrem, dizendo que ele é o dono) e outra entre

quem está na iminência de ter de entregar a coisa ou pagar a importância e

Page 115: Barbosa Moreira - Processo Civil

115

o terceiro de quem ele pode exigir que o compense do prejuízo que vai

sofrer.

No sistema anterior ao Código, que acontecia? Suponhamos o

caso da pessoa que adquiriu um bem e contra o qual vem outra pessoa e

exige a entrega do bem alegando que é dele, que foi comprado de quem

não era dono. Essa pessoa perdendo, eventualmente, a causa, é obrigada a

entregar o bem, é claro. E só depois, instaurando um outro processo,

propondo uma ação à parte, é que iria poder exigir daquele falso dono, que

lhe havia vendido ilegitimamente o bem, a indenização a que tinha direito.

No caso da evicção (perda do bem - propriedade que era de outrem), por ex,

A comprou uma casa a B, mas B não era o verdadeiro dono, o verdadeiro

dono era C. C propõe uma ação contra A, quer que A seja condenado a

entregar a casa. A tem o direito de regresso contra B, que vendeu não

sendo dono. Mas, pelo direito anterior, essa segunda relação jurídica, o

direito regressivo, só se podia fazer valer através da uma nova ação quando

terminasse aquela. Então, A era condenado, entregava a casa a C e depois

é que lhe era possível voltar-se contra B, instaurando novo processo para

reclamar a indenização a que tinha direito.

O Código introduziu uma alteração muito importante nessa

sistemática. Ele permite que a pessoa que está sob a ameaça de perder a

causa e, na hipótese de perdê-la, tiver direito regressivo contra terceiro,

não espere o resultado final, desde logo e dentro do mesmo

processo convoque o terceiro, ou melhor, provoque a intervenção

desse terceiro; e que desde logo peça ao Juiz que, no caso de o resultado

do processo ser tal que o obrigue a entregar a coisa ao adversário, nessa

mesma sentença julgue também o direito regressivo e, portanto, diga o

seguinte: "condeno A a entregar a coisa a C, mas também condeno desde

logo B a ressarcir o prejuízo de A".

Então, no momento em que A for executado para entrega ou

pagamento daquela coisa, ele se vale da mesma sentença para instaurar

também, por sua vez, uma execução contra aquele terceiro em face do qual

ele tem o direito regressivo.

Ora, isso dá ao processo uma configuração muito curiosa,

porque na realidade, ao fazer isto, ao denunciar a lide ao terceiro (termo

técnico) o que a parte está fazendo é, nada mais nada menos, do que

propor por antecipação uma ação contra esse terceiro, uma ação regressiva

com caráter eventual. É uma ação curiosa, porque é uma ação que se

propõe para produzir efeitos somente na hipótese de aquele que a

propõe perder a causa primitiva . Se ganhar, nenhuma relevância terá,

mas se ele perder terá toda a vantagem de obter, desde logo, a sentença

contra o terceiro, habilitando-se, portanto, a instaurar a execução. Então,

Page 116: Barbosa Moreira - Processo Civil

116

no caso de o denunciante (aquele que faz a denunciação) perder a causa

primitiva, ele perde aqui, mas pode ganhar em relação ao denunciado.

A -> B -> C. Nós temos uma causa primitiva de C contra A e

nós damos a A a possibilidade de, dentro do mesmo processo, propor por

antecipação a sua ação regressiva contra B. Reparem que A fica numa

posição anfíbia, ou híbrida; ele é réu em face de C, mas em face de B ele é

autor. Se o pedido de C for julgado procedente, o Juiz também, desde logo,

julga procedente o pedido de A em face de B, de modo que na sentença,

embora formalmente una, há na realidade um conteúdo duplo, há duas

sentenças numa só (como aquelas bananas duplas que vêm envolvidas

numa só casca). Aqui, é um caso semelhante - dentro da mesma casca vêm

duas sentenças, uma que condena A em face de C, e outra que condena B

em face de A.

E pode acontecer também que B se julgue com direito

regressivo em face de outra pessoa, D, e também pode denunciar a lide a

D; e D pode denunciar a lide a E, e assim por diante. De sorte que temos

uma cascata, uma verdadeira cachoeira de ações e sentenças (o Salto das 7

Quedas processual).

Mas o essencial no que estou dizendo é que a denunciação da

lide é, portanto, a propositura de uma ação, logo só a parte pode fazê-la.

O Juiz não pode determinar de ofício a denunciação da lide, porque

o Juiz não pode propor ação pela parte . Toda ação é proposta pela

parte - ne procedat iudex ex officio - o Juiz não tem a iniciativa de

propositura. Esse é um ponto capital. Quem não entendeu isso ainda não

sabe nada a respeito de denunciação da lide.

Segundo pondto capital: Quando, p.ex., A denuncia a lide a B, ele não está

negando, nem pode estar negando, que ele, A, possa eventualmente ser

responsabilizado perante C. Ele não está dizendo assim: "quem deve

responder perante C não sou eu e sim ele B." Isto é outra coisa, não tem

nada que ver com a denunciação da lide. Se ele denuncia a lide a B, o que

ele quer é, eventualmente, no caso de sua derrota em face de C, se

reembolsar, à custa de B. Mas ele, portanto, admite, em tese, que possa

ser condenado em face de C.

E pode ser que C não tenha razão, mas ele não está negando

que se C tiver razão, é ele, B, quem deve ser condenado. Portanto, um

caso como este que vou agora descrever, digam-me se seria cabível a

denunciação da lide:

Uma pessoa, atropelada por um veículo oficial, propõe ação

contra o Est. do Rio de Janeiro, porque está na convicção de que o veículo

Page 117: Barbosa Moreira - Processo Civil

117

pertence ao Estado. Verifica-se, porém, que o veículo pertence ao

Município, que é uma pessoa jurídica distinta. É caso de o Estado requerer

a denunciação da ide ao Município? Não, porque aí o que o Estado está

querendo dizer perante a vítima do acidente é o seguinte: "não é contra

mim e sim contra o Município que você deve propor a sua ação." Mas não é

disso que se trata na denunciação da lide. Seria caso, se porventura o

Estado dissesse: "não, diante disso, na hipótese de vir a ser condenado a

lhe pagar, quero cobrar o meu prejuízo do Município." Mas isso,

obviamente, não se configura no caso. Porque, de duas uma: ou o carro é

do Estado e só o Estado é que paga e não tem direito regressivo nenhum

contra o Município, ou o carro é do Município e o Estado, por conseguinte, é

parte ilegítima perante a vítima. Tem que dizer só isso, que é parte

ilegítima, não tem de denunciar a lide.

Art. 70 - A redação dos dispositivos é, às vezes, um pouco

confusa, devemos prestar atenção. Então, nós temos alguém que transmitiu

o domínio de um bem à parte, ou melhor, alguém que aparentemente ,

transmitiu o domínio. Por que aparentemente? Porque, na realidade, não

era dele. Vem o verdadeiro dono e propõe ação contra o adquirente para

conseguir que ele seja condenado a lhe entregar a coisa. O adquirente

denuncia a lide ao seu suposto alienante para obter a condenação dele a

indenizá-lo do prejuízo que vai sofrer se tiver de entregar a coisa. Então

temos: C -> A -> B. Quando acontecer que esse 1º pedido não seja

acolhido, que o pedido de C em face de A seja julgado improcedente,

obviamente tampouco haverá a condenação de B em face de A, já que uma

coisa é pressuposto da outra - há uma relação de dependência lógica .

Se não existe o direito de C contra A, tampouco existirá o direito regressivo

de A contra B.

Para que exista o direito regressivo do denunciante

contra o denunciado, é preciso que exista o direito da outra parte

contra o denunciante.

Mas pode ocorrer que exista o direito de C contra A e não

exista o direito regressivo de A contra B. A diz: "quero denunciar a lide a B

porque, eu perdendo, poderei cobrar de B o meu prejuízo." Parece

correto, mas pode acontecer que depois o Juiz verifique que não

havia esse direito regressivo, podia até ter acontecido que A

houvesse renunciado a ele. Ora, neste caso o Juiz pode julgar

procedente a ação primitiva e julgar improcedente a denunciação da

lide.

O Contrário é que não é possível. Julgar procedente a

denunciação da lide tendo julgado improcedente o pedido primitivo.

Page 118: Barbosa Moreira - Processo Civil

118

A relação de dependência é essa: C -> A -> B. A existência de

um direito é pressuposto da existência do outro. Se o primeiro não

existe, o segundo também não, mas o primeiro pode existir e o

segundo não.

O inciso III é tão genérico que abrange e inclui os outros. O

Código deveria ter usado uma fórmula mais sintética, quis desdobrar as

hipóteses e o fez sem necessidade, porque tudo isso nada mais é do que

uma variedade de direito regressivo.

Aparece um cliente no escritório dos srs. e diz: "Dr., eu estou

sendo processado por FULANO mas eu acho que se eu perder a causa, tenho

direito de me voltar contra BELTRANO e pedir que ele me compense do

prejuízo que vou ter. É verdade que eu destrui o bem que pertencia a F.,

ele está me cobrando a indenização e eu sou capaz de ser condenado a

pagar. Mas acontece que quem me forçou a destruir o bem, criando o

estado de perigo, pondo fogo no prédio e daí a minha necessidade de

destruir aquele bem de F., que estava na minha frente, foi B. E eu é que

vou ficar no prejuízo, quando o verdadeiro culpado foi aquele que ateou

fogo? Que é que eu posso fazer Dr.? - Bem, o Sr. tem o direito regressivo

contra ele, o Sr. tem direito de cobrar dele o que tiver de pagar ao dono da

coisa destruída. - Mas eu vou ter que esperar até o fim deste processo? -

Não, o Sr. pode desde logo propor a sua ação contra o causador do

incêndio. É a denunciação da lide."

O art. 70 do Código diz que é obrigatória a denunciação da

lide. Obrigatória em que sentido? Eu não posso deixar de denunciar a lide

àquele contra quem eu posso ter um direito regressivo se perder a causa?

O que quer dizer isso? Isto vai levar a certas controvérsias. Há duas

correntes principais. Uma sustenta que, se eu não denunciar a lide eu

perco o direito regressivo , não posso mais, noutra ação, exigir do

terceiro que me reembolse o prejuízo sofrido. Esta posição, no caso da

evicção, no caso, portanto, do bem que eu adquiri de quem não era dono e

que vejo ser tomado pelo verdadeiro dono, essa posição está no Código

Civil, art. 1.116. De acordo com o CPC, se o adquirente, ao ser demandado

pelo verdadeiro proprietário, não fizer a denunciação da lide ao seu

vendedor, perde o direito que lhe resulta da evicção. Mas então,

exatamente porque a solução, neste caso, está expressamente prevista na

regra legal do D. Civil, outra corrente sustenta que só neste caso é

que a conseqüência ocorre, porém, nos outros casos não há

nenhuma regra do Dir. Civil por força da qual o titular do direito

regressivo o perca só pelo fato de não ter denunciado a lide . Então,

essa segunda corrente entende, a meu ver com maior razão, que no caso de

evicção - porque o C. Civil expressamente dispõe que a omissão em

denunciar a lide produz para o adquirente a perda direito regressivo contra

Page 119: Barbosa Moreira - Processo Civil

119

o cliente - essa conseqüência sem dúvida ocorre. Então, aí a denunciação é

obrigatória neste sentido: de que se ele não o fizer ele perde o direito de

regresso. Nos outros casos, porém, nos quais não existe nenhuma regra do

direito substantivo que afirme a mesma coisa, a conseqüência não se

produz.

Ora, se não se produz essa conseqüência, qual é o prejuízo?

Em outras palavras, nesses outros caos, se a pessoa não faz a denunciação

da lide, qual é o prejuízo que ela tem? Não perde o direito regressivo,

porém perde a possibilidade de obter naquele mesmo processo a

condenação antecipada e o outro . É essa a desvantagem dela. Como

não denuncia a lide, é claro que o Juiz não vai condenar B. Vai condenar só

A a pagar a C. E aí, A, se quiser, terá que fazer como antigamente - pagar

a C e depois começar tudo de novo, propondo ação para recobrar de B a

indenização.

Então, nesses outros casos, a denunciação da lide é

obrigatória no sentido de que é preciso que ele a faça para obter esse

efeito, o de conseguir na mesma sentença em que seja condenado, a

condenação do outro a reembolsá-lo. Mas não perde o direito, poderá

exercê-lo em outra ação à parte .

A questão é controversa, até agora não há uma

preponderância nítida de uma em relação à outra corrente. Eu prefiro a

segunda, mas os srs. podem optar livremente.

Voltando ao Código, vejamos como se disciplina esta forma de

intervenção, que é uma forma de intervenção provocada, não voluntária.

O terceiro não aparece espontaneamente, é indicado.

Art. 71 - O denunciante ser o autor é muito raro. O mais

comum é o denunciante ser o réu. Então, o denunciante requer a citação do

denunciado. O Juiz defere, e manda citar o denunciado.

Art. 72 - Prazo da citação -> § 2º, para evitar paralisação por

tempo excessivo.

Art. 73 - Essa é a denunciação da lide em cascata. B comprou

imóvel de C. A propõe uma ação contra B, dizendo-se dono do imóvel. B

denuncia a lide a C para assegurar que seus direitos sejam indenizados.

Mas C, por sua vez comprou aquele imóvel de D, então C, chamado por B,

quando vê que B lhe denuncia a lide, procura um advogado e diz que havia

comprado aquele imóvel a D. Então denuncia a lide a D, porque assim, se B

for condenado a entregar a A e por isso C for condenado a indenizar B,

obterá a condenação de D a indenizá-lo. E assim por diante.

Page 120: Barbosa Moreira - Processo Civil

120

Art. 74 - A denunciação pelo autor é caso raríssimo. Vamos ao

caso mais importante que é o da denunciação feita pelo réu, é o que ocorre

na generalidade dos casos.

Art. 75, I - O denunciado comparece e aceita a denunciação.

Aceitar a denunciação não quer dizer necessariamente reconhecer que o

denunciante tem razão, mas reconhecer a legitimidade do fato, caso

tenha razão poderia exigir o reembolso . Então, ele comparece e diz:

"De fato, se V. perder, é de mim que tem que pleitear o reembolso." O

interesse do denunciado é evitar a derrota do réu, do denunciante, então

ele deseja que este vença. Embora estejam um contra o outro, diante do

autor estão com o mesmo interesse, que o pedido dele seja julgado

improcedente. Por isso é que o Código diz que eles continuam como

litisconsortes. Isto é talvez não muito exato, dá uma falsa idéia: a de que o

processo toma este feitio.

ATENÇÃO: porventura é possível que C, denunciado, venha a ser condenado

em face de A? C não tem nenhuma relação com A, nem A possui nada

contra C. Vejam o disparate a que leva a má compreensão do instituto.

Lembremos o caso do veículo. Se aquele caso fosse tratado como sendo de

denunciação da lide, poderia acontecer que o Estado denunciasse a lide ao

Município, o Município tivesse que ser condenado em face de quem? Da

vítima? Mas isso não é possível, porque não há nenhuma relação entre a

parte primitiva e o denunciado, eles não têm relação entre si. Há uma

sucessão de relações, de A com B, de B com C, de C com D, D com E, mas

nunca A com C, nem com D, ou com E. Do contrário, não seria direito

regressivo. Vejam bem: então esta figura é o próprio, e continua sendo

esta; só que, na prática, visto que a C interessa a vitória de B em face de

A, e interessa exatamente porque a procedência do pedido de A contra B é

pressuposto lógico do direito regressivo. Se se for negado, também

é negado o direito regressivo .

Então, uma vez que C, denunciado, tem um interesse em parte

coincidente com o de B, denunciante, no sentido de que ambos desejam que

A perca, é por isso que a lei fala em litisconsórcio.

Art. 75, II - Se o denunciado comparece e nega a qualidade

que lhe foi atribuída, nega o direito regressivo. Então, C não se dispõe a

ajudar B. Que é que acontece? Cumpre a B, sozinho, prosseguir a defesa

em face de A. É claro que se B ganhar, C fica livre. Se B perder, de duas

uma: ou é verdade que C tenha razão, então o Juiz condena B a pagar a A,

mas não condena C a pagar a B; ou então tinha razão B quando afirmava a

existência do seu direito regressivo em face de C, e neste caso, o Juiz

condena B a pagar a A e condena C a pagar a B. O fato de ser julgado

Page 121: Barbosa Moreira - Processo Civil

121

REVEL, não o isenta de modo nenhum da possibilidade de ser condenado a

reembolsar o denunciante. Essa possibilidade existe. Do contrário bastaria

C ficar caladinho para levar vantagem.

Art. 75, III - É a hipótese mais curiosa - vejamos o caso da

evicção. A aciona B, pedindo o imóvel. B denuncia a lide a C. C vem e,

vigarista consumado, em vez ajudar B, confessa que não era o dono - puxa

o tapete debaixo de

B. Então B fica sem apoio, porque a sua única defesa era dizer que tinha

comprado bem. Então, a lei aí não impõe a B o ônus de prosseguir na

defesa. Ele poderá prosseguir na defesa. O Juiz imediatamente condena B

a entregar a A o imóvel, e também condena C a pagar indenização a B.

Agora, se B quiser, pode prosseguir na defesa valendo-se de outros

argumentos, como prescrição, etc.

Art 76 - Isto é, a sentença deve julgar ambas as causas. Há

duas causas embutidas no mesmo processo. Então, os resultados são os

seguintes:

1º) O Juiz julga improcedente o pedido de A. Neste caso, ponto final - a

denunciação da lide fica sem relevância porque é claro que não poderá

existir direito regressivo nenhum;

2º) O juiz julga procedente o pedido de A contra B, e verifica que de fato B

tem direito regressivo contra C. Então, condena B a pagar a A, e C a pagar

a B. Dessa sentença podem sair duas execuções. Com fundamento na

mesma sentença, A pode executar B e B pode executar C. São duas

execuções diferentes, mas com fundamento numa única sentença.

3º) Pode acontecer que não haja o direito regressivo, que B seja obrigado a

pagar a A, mas não tenha direito regressivo. Então o Juiz julga procedente

o pedido de A, mas não julga procedente a denunciação da lide.

O que não é possível de jeito nenhum é julgar

procedente a denunciação da lide sem julgar procedente o pedido

primitivo.

CHAMAMENTO AO PROCESSO

Uma breve explicação prévia: por vezes o credor, ou alguém

que se julga credor, pode exigir o pagamento ou de um ou de outro ou

outros. Ele escolhe: propõe a sua ação apenas contra um dos possíveis

réus, e não contra todos. Neste caso, o réu escolhido tem a possibilidade

de chamar os outros.

Page 122: Barbosa Moreira - Processo Civil

122

Eu sou credor de A e B, que são meus devedores solidários,

suponhamos. Quer dizer que eu posso cobrar de qualquer deles a dívida por

inteiro, mas assim como eu posso cobrar, ele, por sua vez, pode "chamar" o

outro. A isso é que se denomina CHAMAMENTO AO PROCESSO, feito

sempre somente pelo réu, jamais pelo autor .

Art. 77 CPC - Aí é admissível, não é obrigatório. Inciso I - Se

o credor propõe a ação somente contra o fiador, não contra o devedor

afiançado, o fiador poderá chamar o devedor ao processo. Inciso II - caso

do co-fiadores, todos eles são fiadores do mesmo devedor. Inciso III - já

comentado supra. As três hipóteses são muito semelhantes, em todas elas

existe, de um lado o credor que é o autor, do outro lado uma das pessoas

que poderiam ser demandadas, que chama ao processo as outras.

Isto não é uma boa inovação, a meu ver, do CPC de 1973. A

denunciação da lide é, a meu ver, porque ela favorece a satisfação do

direito de regresso, o evicto merece essa proteção. Mas aqui não. A

solidariedade passiva é estabelecida pela lei civil, pelo lei substantiva, em

benefício do credor , mas veio o CPC e tirou com a mão esquerda o que

tinha dado com a direita. Em que se traduz prontamente esse tal benefício

dado ao credor por força da solidariedade passiva? O credor tem três

devedores solidários; na hora do vencimento da dívida ele verifica que dos

três, um se encontra no Vietnam, o outro ficou na miséria e hoje é mendigo,

mas o terceiro é um milionário. Se os srs. fossem o credor, de quem

escolheriam cobrar essa dívida? Deste último, é claro. Eis aí a vantagem

para o credor. Agora, o milionário, demandado pelo credor, segundo a lei,

segundo o Código, pode chamar ao processo os outros. Um está perdido

nas matas - vai ser custoso de achar. Assim, destrói-se a vantagem do

credor que vai ser obrigado a esperar pelo vitória e uma vitória de Pirro

(uma vitória que praticamente não representa nada, deixa tudo como estava

e até pior). Pois bem, então me parece que aí a inovação não foi feliz, veio

atrapalhar a vida do credor.

Mas deixando de lado isso, vamos ver o instituto, já que ele

existe.

Art. 78 - A lei dá aí um benefício ao réu, ao devedor: a

possibilidade de aproveitar-se daquela sentença para recolher dos outros as

suas respectivas parcelas.

Art. 79 - Dos prazos para citar os chamados (temos os

chamantes e os chamados)

Page 123: Barbosa Moreira - Processo Civil

123

Art. 80 - B chama ao processo C e D. Aqui forma-se um

verdadeiro litisconsórcio, todos têm um interesse comum contra A.

Se for o caso de devedores solidários, se A vencer, B não se

livra do pagamento, A pode exigir dele a dívida inteira; porém B poderá

valer-se dessa mesma sentença para exigir de C e D as parcelas a eles

correspondentes depois que pagar tudo a A. Então B é condenado, paga a

A (3/3) e depois executa C por 1/3 e D por outro 1/3. Depois, mas não por

outra ação e sim valendo-se da mesma sentença. Aí a vantagem que a lei

dá ao réu, ele já tem aí o título para executar C e D pelas suas respectivas

parcelas.

Se for o caso do fiador, ele, depois de pagar ao credor, poderá

usar a mesma sentença para cobrar do devedor a quantia toda.i

O MINISTÉRIO PÚBLICO - O ADVOGADO

Tudo o que estudamos nestas últimas aulas diz respeito aos

sujeitos do processo. Estivemos examinando o processo do ponto de vista

da sua estrutura subjetiva, primeiro do órgão judicial, depois das partes,

sujeitos principais. Vamos agora dizer algumas palavras sobre dois outro

sujeitos que aparecem no processo - o Ministério Público e o Advogado para,

a partir da próxima aula, começarmos a examinar o processo não mais na

sua estrutura, na sua anatomia, digamos, mas no seu funcionamento, na

sua dinâmica, através do estudo dos atos processuais.

O Ministério Público tem papel de maior relevo, como sabem,

no processo penal. Normalmente, na maioria dos casos, o processo penal é

iniciado pelo M.P., é instaurado por iniciativa do M.P. Uma ação penal, em

regra, é pública e começa com o oferecimento da denúncia pelo órgão do

M.P.

O papel do M.P. no processo civil é menos importante, mas

não pode deixar de ser aqui, ainda que sumariamente, estudado.

Todos sabem que o M.P. é um órgão do Estado, entendida esta

palavra no sentido amplo, não é o Estado-membro. A União tem o seu M.P.,

cada Estado tem por sua vez o seu M.P. e a esse órgão são confiadas

atribuições diversas, como resultado de uma longa evolução histórica. O

M.P. está previsto na própria Constituição da República (art.127 e ss). Ele

goza de certas prerrogativas que se revestem de certas peculiaridades e o

colocam numa posição um pouco diversa daquela que têm os funcionários

Page 124: Barbosa Moreira - Processo Civil

124

públicos no sentido estrito. Mas aqui não nos interessa tanto, já agora, o

estudo do M.P. do ponto de vista institucional, e sim mais especificamente o

exame do papel que ele mantem no processo civil. Esse é o aspecto de que

vamos cuidar.

Pode o M.P. atuar no processo civil em mais de uma posição,

basicamente em duas posições: ou ele funciona como parte, ou atua

como fiscal da lei, fiscal da boa aplicação da lei .

Obs. O M.P. como Advogado - no plano federal, o M.P. se compõe dos

Procuradores da República, seu chefe é o Procurador Geral da República (CR

art. 128 § 1º), nomeado pelo Presidente da República, de acordo com certos

requisitos que estão estabelecidos no própria Constituição. Os Procuradores

da República tinham atribuição de representar a União em Juízo. Mas pela

Constituição de 1988, tal atribuição foi transferida a um novo órgão, a

Advocacia Geral da União (CR art. 131). Portanto, no processo civil, o M.P.

não mais funciona como advogado da União, a exemplo do que ocorre nos

Estados, onde existe a Procuradoria Geral do Estado e a Procuradoria Geral

de Justiça, cujos membros pertencem ao M.P.

1) Como PARTE: a lei lhe confere legitimação para figurar no processo, em

determinados casos, na qualidade de parte.

CPC, art. 81 - Cabem-lhe os mesmos poderes e ônus. Eu diria os mesmos

direitos, os mesmos deveres, as mesmas faculdades, simplesmente

se ele é parte. A maneira pela qual a lei se expressa pode dar uma falsa

impressão de que ele apenas tem os mesmos poderes, etc. que as partes

embora não sendo parte. Não é isso. Ele os tem precisamente porque é

parte. Porque ele exerce o direito de ação , quem exerce o direito de

ação é parte, é autor. Então, nas hipóteses previstas por lei, o M.P. é parte,

propõe ação. Não como representante de alguém, mas sim em se próprio

nome.

A lei, em inúmeros dispositivos, atribui essa função ao M.P.

Nós encontramos a esse respeito normas no direito material e na lei

processual. Por ex., no C.Civil, o art. 208 parágrafo único nº II, confere ao

M.P. legitimação para propor a ação de nulidade de casamento por

incompetência da autoridade celebrante. Outro caso é o da promoção da

Ação Civil Pública (CR, art. 129, III). Então, em vários casos o M.P. pode ir a

Juízo como autor, como parte. O próprio CPC também contem vários

dispositivos que conferem ao M.P. legitimação para agir em determinadas

causas.

Art. 487, III - ação rescisória. Pode ser proposta pelo M.P., em

certos casos a saber, quando a sentença tenha sido proferida num processo

Page 125: Barbosa Moreira - Processo Civil

125

do qual ele deveria participar obrigatoriamente e não participou, ou quando

a sentença for efeito de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei.

Art. 988, VIII - os srs. encontram prevista a legitimação do

M.P. para requerer o inventário no caso de herdeiros incapazes.

Um caso muito importante em que o M.P. é autor: o da Ação

Direta de Declaração de Inconstitucionalidade (CR, art. 129, IV). Em regra,

os órgãos judiciários só podem declarar inconstitucional uma lei ou outro

ato normativo do poder público, quando estiverem apreciando algum

caso concreto e for invocada a norma como aplicável à espécie . Se o

órgão judicial entender que aquela norma é inconstitucional, pode declará-

la como tal e recusar-se a aplicá-la, decidindo o litígio sem aplicar essa

norma. Essa é a regra, mas o órgão judicial não pode, em princípio,

declarar inconstitucional uma lei em tese, fora do âmbito de um litígio

concreto. Ninguém pode pedir ao Juiz que simplesmente declare de maneira

abstrata, genérica, a inconstitucionalidade de uma lei. Excepcionalmente,

isso é possível, quer no plano federal, quer no estadual. Mas essa ação,

chamada de Ação de Inconstitucionalide, ou Representação, na

linguagem corrente, só o M.P., melhor dizendo, só o Procurador Geral da

República é que pode propô-la, no plano federal perante o STF, que é o

único órgão competente no caso; e no plano estadual, o Procurador Geral de

Justiça, chefe do M.P. estadual, pode, em certos casos, propor uma ação

parecida com essa, também visando a declaração de inconstitucionalidade,

em tese, perante o Tribunal de Justiça. São casos excepcionais, que fogem

à sistemática normal do controle da constitucionalidade e que constituem

dois exemplos de legitimação exclusiva do M.P., por seus chefes, para agir

em Juízo. Só ele pode ter a iniciativa nestes casos.

2) Agora vejamos a hipótese que resta, a de que o M.P. atua no processo

não como advogado nem como parte, mas numa posição sui generis, como

fiscal da lei, ou como se costuma dizer na expressão latina, custos legis -

aquele que toma conta da aplicação da lei. Custos quer dizer guarda,

guardião, aquele que custodia alguma coisa.

Qual é a razão de ser desse fenômeno? Em certos processos

discutem-se matérias que, apesar de poderem referir-se a situações de

particulares, têm uma forte conotação de interesse público. Há um

interesse público relevante em jogo , então o ordenamento jurídico

coloca junto do órgão judicial um outro órgão, ao qual não compete julgar,

mas compete velar no sentido de que a lei seja bem aplicada ,

essencialmente emitindo sua opinião, seu parecer sobre as questões

discutidas no processo. Mas não apenas isso, exercendo também outras

atividades, como daqui a pouco veremos. Nesses casos, então, o M.P. não é

parte, ele é fiscal da lei.

Page 126: Barbosa Moreira - Processo Civil

126

Que casos, que processos são esses em que se torna

necessária a participação, ou a intervenção (como também se diz em

sentido diferente daquele que vimos na intervenção de terceiro) do M.P.? O

Código indica esses casos no art. 82 - intervir como fiscal da lei (não é

tornando-se parte). O Código primeiro insere dois dispositivos casuísticos,

nos seus incisos I e II. Depois adota uma fórmula genérica no inciso III,

que, a rigor, abrange os dois primeiros. Porque, se examinarmos os dois

primeiros, vamos verificar que a razão de ser da exigência da participação

do M.P. nos processo aí mencionados é exatamente a existência de um

interesse público que a lei quis resguardar, preservar. Matérias, por ex.,

que dizem respeito à família. Então, o inciso III tem uma fórmula genérica -

as causas em que há interesse público - uma cláusula bastante vaga que

tem dado lugar a certas controvérsias na aplicação do Código. E, não

contente com isso, o Código, na parte dos Procedimentos Especiais, ainda

menciona especificamente com relação a diversas causas, a diversos

processos, essa necessidade da participação do M.P. Quer dizer, o elenco

não se esgota nesses casos do art. 82, existem outros nos quais, apesar de,

a rigor, nós podermos considerar que eles já estariam abrangidos pelos

dizeres do art. 82, o Código achou melhor explicitar, estabelecer

expressamente que a participação do M.P. é obrigatória. Assim, por ex., se

os srs. forem ao art. 944, vão verificar que na ação de usucapião, que está

regulada no art. 941 e seguintes, também é obrigatória a participação do

M.P. Por força de dispositivo expresso que o Código achou de bom alvitre

inserir aí, não confiou naquela fórmula genérica do art. 82.

A mesma coisa acontece, v.g., nos procedimentos especiais da

chamada Jurisdição Voluntária. O Código, no art. 1.105, que está situado

entre as condições gerais concernentes ao procedimento da jurisdição

voluntária, declara o seguinte: "Serão citados, sob pena de nulidade, todos

os interessados, bem como o M.P." A palavra "citados" é que não parece

muito própria - como nós veremos depois, o M.P. não é citado, o que o

Código quis dizer é que se torna obrigatório dar ciência da instauração

do processo ao M.P. para que ele participe como fiscal da lei. Mas, de

qualquer maneira, importa é mostrar que a matéria não está totalmente

contida nas disposições do art. 82. Estou dando apenas alguns exemplos,

mas os srs. facilmente encontrarão outros.

Voltando ao Título III do Código, vamos ver o art. 83, que

disciplina a atuação do M.P. exatamente nessas hipóteses em que ele

participa do processo na qualidade de fiscal da lei. Nós vimos que o art. 81

se refere à atuação do M.P. como parte - compreendam bem a estrutura

desse Título - o art. 81 refere-se ao M.P. como parte, os arts. 82 e 83

referem-se ao M.P. como fiscal da lei.

Page 127: Barbosa Moreira - Processo Civil

127

Art. 83 - Um dos pressupostos da boa aplicação da lei

obviamente é a correta apuração da verdade dos fatos . Ninguém pode

aplicar bem a lei sem conhecer bem os fatos, porque a lei se aplica ao fato.

Então o M.P., como fiscal da aplicação da lei, pode e deve contribuir para

a correta e cabal apuração da verdade dos fatos . Isto se traduz, como

diz a lei, na juntada de documentos e certidões, na produção de provas, e

no requerimento de medidas ou diligências necessárias ao descobrimento

da verdade. Tudo isso faz parte das atribuições do M.P. como fiscal da lei.

Mas além disso, ele emite a sua opinião, ele dá o seu parecer no processo,

que pode ou não, é claro, ser seguido pelo Juiz. Não é vinculativo, não é o

M.P. que fornece a solução da causa, não é ele que julga, mas ele opina, ele

se pronuncia através de pareceres. E nessa qualidade ele pode, inclusive,

interpor recursos.

Quando a solução é contrária, é óbvio que ele, como parte,

pode recorrer, mas é interessante frisar que ele também pode recorrer

ainda quando seja apenas fiscal da lei . Se ele tiver opinado num

determinado sentido, e a decisão do Juiz for contrária, ele pode interpor

contra ela o recurso cabível. Art. 499 - A lei expressamente autoriza o M.P.

a recorrer, não apenas como parte, o que seria até desnecessário dizer, mas

a lei faz questão de esclarecer que ele se legitima à interposição de

recursos tanto nos casos em que é parte como naqueles em que é fiscal da

lei.

Atenção para uma peculiaridade: o M.P. dispõe de prazos

especiais. Art. 188 - prazo em quádruplo para contestar, e em dobro

para recorrer.

Art. 84 - Atenção ao art. 246 . Quando a lei previr como

obrigatória a intervenção do M.P., a título de fiscal da lei, o advogado deve

ter a máxima cautela, não deixar que o processo se desenvolva sem

promover a intimação do M.P. , para evitar uma eventual decretação de

nulidade. A nulidade neste caso é absoluta e insanável . O órgão do M.P.

não pode adivinhar que está correndo um processo em que se discutem

matérias que pedem obrigatoriamente a sua atuação - a parte deve

promover a intimação. E atenção: em certos casos a intimação para as

partes será feita pela sua publicação no órgão judicial, para o M.P. é

sempre necessária a intimação pessoal. Não basta a publicação. Art.

236, § 2º.

Isto é o que há de mais importante a respeito do M.P. no

processo civil

Vejamos agora alguma coisa sobre o ADVOGADO, como

figurante do processo civil. Que posição o advogado ocupa no processo

Page 128: Barbosa Moreira - Processo Civil

128

civil? Obviamente não é parte (a não ser é claro que proponha ação em seu

próprio nome, por ex., para cobrar honorários de um cliente que não

pagou). O advogado representa a parte, ele não é parte mas é sujeito do

processo. São sujeitos do processo todos aqueles que, no processo,

assumem posições juridicamente relevantes. Ora, o advogado, sem dúvida,

assume uma posição jurídica relevante, o advogado tem no processo

direitos seus - não são os direitos da parte que ele representa, são direitos

seus, do advogado. E tem também deveres seus, faculdades, etc. Vejamos

alguns exemplos dos direitos do advogado:

Art. 40 - o advogado é que tem esses direitos no processo, é direito próprio

dele.

Um outro exemplo muito interessante não está no Código, está

no art. 99 § 1º da lei 4.215 de 1963 (EAOB) - Alguém foi advogado do

vencedor numa ação. O vencido foi condenado ao pagamento dos

honorários de advogado (caput do art. 20 CPC). Disposta essa condenação

na sentença, o advogado do vencedor (que não era parte, vejam bem) tem

legitimação para promover a execução em seu próprio nome com

relação a esta parcela de honorários . É claro que ao promover a

execução, ele se torna parte no processo de execução, se ele valer desse

direito ele será parte. Isso não se refere aos honorários contratuais, são os

honorários de forem objeto da condenação, a parcela disposta na sentença.

O advogado também tem deveres no processo. Art. 14 -

"Compete à parte e seus procuradores..." "Compete" aí não está muito bem

empregado, deveria ser "cumpre às partes..." Art. 15 - É defeso, quer dizer

proibido - dever negativo, dever de não fazer. Dizem que quem recorre à

injúria é porque se lhe esgotaram os argumentos - isto é uma pérola da

sabedoria popular.

Portanto, o advogado tem no processo direitos e deveres.

Logo ele é sujeito do processo, assim como o é o Ministério Público.

O que acabamos de ver é simplesmente o papel do advogado

no processo, de uma forma genérica.

ATOS PROCESSUAIS

Ato processual é uma espécie do gênero Ato Jurídico . Os

atos que têm relevância para o Direito são atos jurídicos. Esses atos

jurídicos particularizam-se conforme pertençam ou sejam regidos por este

Page 129: Barbosa Moreira - Processo Civil

129

ou aquele ramo do Direito. Então temos o ato jurídico civil, o ato jurídico

administrativo, e o ato jurídico processual, ou, sinteticamente, ato

processual.

Qual o critério pelo qual se pode dizer que determinado ato

jurídico é um ato jurídico processual, pertence a esta espécie do gênero? A

matéria é doutrinariamente controvertida, existe uma diversidade de

critérios para a classificação do ato como processual.

1) Uma corrente aponta como critério decisivo o de que os pressupostos do

ato são regulados pelo direito processual. Toda vez que um ato tiver seus

pressupostos disciplinados pelo direito processual, ele será um ato

processual.

2) Outra corrente põe a tônica nos efeitos. Se os efeitos de um ato forem

processuais, se se produzirem num processo, ele será um ato processual.

Mas aqui cumpre fazer uma advertência: alude-se aos efeitos principais do

ato, os efeitos diretos do ato, isso porque um mesmo e único ato pode

produzir efeitos um diversos campos. A morte de uma pessoa, por ex.,

produz uma diversidade de efeitos no mundo jurídico. Então se for uma

"morte matada" e não uma "morte morrida", uma morte por homicídio,

quantas conseqüências jurídicas produz em diversos ramos do direito - no

direito civil produz a abertura da sucessão, a transmissão da herança; no

direito penal vai produzir a penalidade de quem matou; no processo vai

provocar a suspensão de processo que estiver correndo e em que aquela

pessoa fosse parte. Há, portanto, a possibilidade, e que até ocorre com

freqüência, de uma mesmo acontecimento suscitar efeitos em mais de uma

campo do direito.

Então, para que um ato seja considerado ato processual, seria

necessário que os efeitos principais se produzissem no campo do processo.

Assim, por ex., não seria ato processual a fixação de domicílio por alguém.

Apesar de poder ter conseqüências processuais se a pessoa for demandada

numa ação pessoal, o fato de ela ter fixado ali o seu domicílio vai influir na

determinação da competência. Seria um efeito processual, mas não é um

efeito principal.

3) E há ainda uma terceira opinião, que exige que o ato, para ser

processual, seja praticado dentro daquela série procedimental que se inicia

com a instauração do processo, com o ajuizamento da ação e vai terminar,

normalmente, com o trânsito em julgado da sentença. Seria um critério, por

assim dizer, filiado à localização do ato, o ato tem que estar embutido

naquela seqüência que forma o processo, de maneira que o ato praticado

fora dali, embora produza efeitos diretamente sobre o processo, não seria

um ato processual. Por exemplo: a convenção das partes sobre o foro (em

Page 130: Barbosa Moreira - Processo Civil

130

certas matérias é possível às partes convencionarem a escolha de um foro

competente). Esse ato tem efeitos principais diretos no processo. Ele só

realmente vai interessar, se tornar relevante, no dia em que um processo

for instaurado. Pelo critério dos efeitos ele seria um ato processual, mas

segundo alguns não, e, porque ele não está dentro da série de

procedimentos, ele foi praticado antes de existir qualquer processo. Então

seria ato processual aquele pelo qual a parte alegasse, quando fosse

demandada: "existe uma convenção sobre o foro". Isso é que seria o ato

processual, mas não a convenção sobre o foro, em si mesma.

De sorte que, como vêem, a classificação de um ato com

processual é doutrinariamente bastante controvertida, e até muitas vezes

esses critérios aparecem conjugados, há quem exija, para que um ato seja

processual, a aplicação simultânea de mais de um critério. O ato teria que

satisfazer a dois ou mais requisitos para poder ser considerado processual.

Tudo isso foi dito à guisa de introdução. Na prática, esses

vários critérios, por curioso que possa parecer, acabam, na maioria

dos casos, convergindo . A grande maioria dos atos processuais são atos

processuais, qualquer que seja o critério que se adote, de sorte que

realmente não é oportuno que nós nos detenhamos longamente sobre isso.

Os ATOS PROCESSUAIS, como todos os atos jurídicos, têm os

seus elementos e esses elementos devem satisfazer certos

requisitos. Não se deve confundir uma coisa com a outra, os elementos de

um ato com os requisitos desse mesmo ato, ou seja, mais exatamente, com

os requisitos que os elementos devem satisfazer para que o ato seja

perfeito.

Os elementos do ato jurídico são, digamos assim, os seus

componentes, tudo aquilo que não pode deixar de existir num ato

para completá-lo , para integrá-lo. Os elementos são sempre algo de

substantivo, eles integram no seu conjunto a substância do ato. Ao passo

que os requisitos são qualidades que esses elementos devem

apresentar para que o ato seja perfeito . Então os requisitos

correspondem, mais ou menos, a adjetivos, são qualidades. Assim acontece

se nós partirmos de um ato jurídico conhecido de vocês, um ato jurídico do

direito civil, p. ex., o contrato. O contrato de compra e venda, todos

sabem, tem 3 elementos essenciais: a coisa, que é objeto do contrato, o

preço e o consentimento das partes, vendedor e comprador, que são os

sujeitos. Esses elementos formam o conteúdo do contrato. Vejam que

estou tratando de elementos - faltando qualquer um deles o ato não existe.

O casamento, outro ato jurídico da vida civil, exige, para existir,

determinados elementos: duas pessoas de sexos diferentes, mútuo

Page 131: Barbosa Moreira - Processo Civil

131

consenso e celebração. São três elementos do ato, faltando um deles ou

mais de um, não há casamento.

Agora, para que o ato jurídico seja perfeito e portanto

perfeitamente válido, cada um desses elementos deve satisfazer

determinados requisitos. Assim é que o consentimento deve ser livre, se

houver coação, por ex., o ato já não será válido. O elemento existe, o que

não existe é o requisito. As partes são sujeitos do ato. Agora, para que o

ato seja perfeito, é preciso que as partes sejam capazes (requisito

capacidade das partes). É bom insistir nesse ponto porque isso se aplica

a todo e qualquer ato jurídico, seja qual for o ramo do direito a que

ele pertença. Nós podemos sempre analisar um ato dessa maneira,

decompondo-o em elementos e depois verificando se esses elementos

preenchem determinados atributos, predicados, ou qualidades, que são os

requisitos necessários para a validade do ato, não para a sua existência.

Então, resumindo, diria que o ato processual tem sempre

quatro elementos, pelo menos, indispensáveis, sempre presentes: SUJEITOS

(pode ter um ou mais); OBJETO (aquilo sobre que o ato incide); FORMA e

CONTEÚDO.

Ex. 1) "O réu confessa o crime." O réu é o sujeito, o crime é o objeto. O

conteúdo da confissão é o reconhecimento da veracidade de um ato

desfavorável, é isso em que consiste a confissão. O conteúdo é aquilo em

que o ato consiste.

Ex. 2) O contrato de compra e venda tem como conteúdo a troca de

declarações de vontade, uma das quais consiste em obrigar-se a transferir a

propriedade, e a outra em obrigar-se a adquirir a propriedade. Atenção:

não consiste em transferir a propriedade, e sim em obrigar-se a

transferir.

Todo ato necessariamente se exterioriza por uma

determinada forma, que, às vezes, pode ser fixada na lei e outras

vezes é livre. Há contratos formais e contratos não formais, há atos

jurídicos formais que só podem realizar-se através de uma determinada

forma, senão não existem. Mas forma todos têm, ela pode variar, pode ser

escrita, oral, etc., mas todo ato tem uma forma, por mais livre que ela

possa ser. Ao lado desse elemento, também vêm os requisitos. Quando se

diz "tal ato só será válido se for celebrado mediante escritura pública",

estamos nos referindo não mais ao elemento forma, mas ao requisito desse

elemento: a forma tem que ser assim.

Page 132: Barbosa Moreira - Processo Civil

132

O objeto tem que ser lícito - lícito é qualidade, não é

elemento, é requisito. Se o ato tiver objeto ilícito, ele existe, tem

objeto, mas não é válido .

NÃO CONFUNDIR, PORTANTO, ELEMENTO COM REQUISITO.

Classificação dos ATOS PROCESSUAIS

Vamos aqui mencionar apenas as mais importantes. Há uma

classificação dos atos processuais que nada mais é senão uma aplicação,

neste campo, da classificação básica dos atos jurídicos em geral. Vocês

nunca devem perder de vista que o Direito é um só, as diferentes divisões

do direito são apenas metodológicas, i.e., visam a facilitar o estudo, mas o

Direito é uma unidade, o ordenamento jurídico não é dividido em

compartimentos estanques, e há toda a vantagem em nós olharmos os

fenômenos que se passam nos diversos ramos do Direito, procurando

estabelecer entre eles analogias que ajudarão na compreensão desses

fenômenos. Então, o ato jurídico é sempre ato jurídico, quer se trate de um

ato jurídico civil, comercial, penal, administrativo, processual, etc.

Há, portanto, uma Teoria Geral do Ato Jurídico, que é comum

a esses vários atos enquadráveis nas diversas molduras. Na Teoria Geral do

Direito, que é estudado em regra na cadeira de Direito Civil, por motivos

tradicionais, se estuda o que é o ato jurídico, o que é condição, o que é

termo, forma, prova, procuração, decadência. Então não é Direito Civil,

data venia, isto é Teoria Geral do Direito. São noções que vamos encontrar

em todos os ramos do Direito.

Vamos recapitular ligeiramente essa classificação geral dos

atos jurídicos, que é a que fala ao Direito Processual, aos atos processuais.

Para isto, precisamos começar antes dos atos, precisamos enquadrar os

atos nos fatos, porque a noção mais geral, mais genérica, é a do fato

jurídico. Fato jurídico é um acontecimento que produz efeitos no

mundo do direito . Por exemplo, a morte de uma pessoa, o casamento, o

nascimento de uma pessoa, uma guerra, uma enchente, se produzir

determinadas conseqüências que repercutem no mundo jurídico.

Então, a grande categoria é a dos FATOS JURÍDICOS.

Acontecimentos naturais (fatos jurídicos stricto

sensu)

/

FATOS JURÍDICOS 1) atos jurídicos

Page 133: Barbosa Moreira - Processo Civil

133

PROCESSUAIS lícitos / processuais

/ \ (stricto

sensu)

\ Ações humanas voluntárias 2) neg.

jurídicos

Atos jurídicos lato sensu

processuais

(unilateriais

ou

bilaterais)

\

ilícitos

Lato sensu quer dizer no sentido amplo, eu aí não estou

distinguindo entre fatos da natureza e ações humanas, estou englobando

tudo, mas desde logo posso fazer esta divisão em fatos jurídicos stricto

sensu e as ações humanas voluntárias, porque as ações humanas

involuntárias são tratadas pelo Direito como acontecimentos naturais.

Por ex., se alguém é agarrado por outro, que pela força física lhe leva o

braço a escrever alguma coisa, ou a bater numa criança, pode-se dizer que

houve ação da parte de quem teve o braço impelido a fazer essa coisa?

Algum movimento que se realize durante o sono, sob hipnotismo, não é uma

ação, é um acontecimento natural.

As ações humanas que tem importância para o Direito podem

ser conformes ou desconformes ao Direito. Se eu ajo de acordo com os

direitos é uma coisa, se ajo contrariamente, infringindo um preceito é outra.

E há uma grande diferença dos atos segundo esta hipótese, podem ser

lícitos ou ilícitos.

A subdivisão dos atos lícitos em atos jurídicos stricto sensu e

os negócios jurídicos, baseia-se no diferente papel da vontade. Vejam bem:

todos estes atos são voluntários, praticados voluntariamente, mas em

alguns o agente pratica o ato voluntariamente sem que, porém, a sua

vontade se dirija necessariamente à produção dos efeitos jurídicos. Ele

quer praticar o ato, mas não é necessário que ele queira atingir, através

daquele ato, aqueles efeitos, simplesmente a lei é que diz que,

praticando aquele ato os efeitos são esses, quer queira quer não .

Então, os efeitos não precisam estar visados pela vontade, o agente não

tem necessariamente em vista produzir ou fazer com que se produzam

aqueles determinados efeitos, eles se produzem por força da lei.

Ao passo que, nos chamados negócios jurídicos, a vontade do

agente é específica, não apenas ele quer praticar aquele ato, mas

Page 134: Barbosa Moreira - Processo Civil

134

sobretudo quer produzir aqueles efeitos . O contrato, v.g., é um

negócio jurídico, exige que as vontades das partes estejam concordes não

apenas em contratar, e sim em que se produzam aqueles determinados

efeitos; se alguém doa, tem que ter o animus donandi, v.g., tem que ter

intenção de fazer uma liberalidade.

Há exemplos disso no processo. Então, se vocês quiserem

adaptar esse esquema para os atos processuais, basta que acrescentem o

adjetivo "processuais". Eu acredito que isso seja possível para todos os

ramos do direito, podem fazer isso no Direito Civil, no Direito

Administrativo, etc. Fatos jurídicos processuais, atos jurídicos processuais,

negócios jurídicos processuais. Assim, ninguém me acusa de estar

invadindo seara alheia. A classificação que era genérica -+virou específica.

EXEMPLOS

1) O fato jurídico stricto sensu é um acontecimento natural que tem

repercussão no processo . A morte de uma das partes. O decurso de um

certo prazo, de um certo lapso de tempo que corresponde a um prazo. São

acontecimentos naturais, que influem no processo: a morte produz a

suspensão, o decurso do tempo produz o vencimentos dos prazos, perda de

direitos, etc.

2) Os lícitos

2.1) Atos jurídicos processuais stricto sensu. São voluntários, mas é

necessário que a pessoa queira sentir determinados efeitos da sua vontade.

Por exemplo, a confissão. Quando uma parte confessa, i.e., quando admite

a veracidade de um fato contrário ao seu interesse e favorável ao

adversário, ela não quer produzir necessariamente os efeitos que o Juiz vai

tirar daí, pois são contra ela. Ela admite que aconteceu, mas não está

querendo necessariamente que com isso os efeitos se produzam. Em geral,

a confissão é obtida por malícia, no processo civil geralmente não há formas

mais graves de obter confissões, em geral é a malícia do advogado, ou a

argúcia do Juiz, que percebe que a parte está titubeando e faz uma

pergunta mais hábil e consegue que ela confesse o fato. É claro que ela diz

aquilo voluntariamente, não diz coagida - se for coagida o ato é anulável.

Porém, a vontade dela não é de produzir aqueles efeitos . Mas produz.

Então, a confissão é um ato jurídico.

Mas há outros em que é necessário mesmo que a vontade se

dirija aos efeitos típicos. Por ex., a desistência. Essa é uma manifestação

de vontade típica. A desistência de um recurso, ou a desistência da ação,

ou a transação. Então temos os negócios jurídicos processuais.

Page 135: Barbosa Moreira - Processo Civil

135

2.2) Negócio Jurídico - os negócios jurídicos processuais podem ser

unilaterais ou bilaterais, conforme se façam por uma simples e única

manifestação de vontade, ou exijam duas manifestações de vontade .

Os bilaterais costumam se designar por diversas denominações: acordos

processuais, convenções processuais, e até há quem diga contratos

processuais (terminologia pouco usada).

Ex: UNILATERAIS - desistência de recurso, a renúncia do autor, o

reconhecimento do pedido por parte do réu, são unilaterais, basta uma

manifestação de vontade. BILATERAIS - a convenção das partes para

suspender o processo (art. 265, II; art. 453, I, ambos do CPC, são acordos,

convenções).

Importante sobre isso é que esses acordos que também são

atos jurídicos processuais bilaterais produzem efeitos processuais, em

regra, independentemente de qualquer participação do Juiz . Art. 158

- esses atos das partes consistem em declarações unilaterais ou bilaterais

de vontade, nada mais são do que os negócios jurídicos processuais. Mas

há uma exceção expressa na lei, a regra está no caput e a exceção está no

parágrafo único.

ATENÇÃO: Não devem confundir os negócios jurídicos processuais bilaterais,

duas manifestações de vontade concomitantes que se fundem para formar o

ato, com situações em que uma das partes manifesta uma determinada

vontade e o Juiz, para atender, tem que obter o consentimento da outra. Há

vários casos assim, uma parte manifesta determinada vontade, mas o Juiz

só pode acolher aquilo se a outra parte concordar . Isso não é negócio

jurídico bilateral, são dois atos independentes. Uma manifestação de

vontade aqui e outra acolá, e o efeito é do lado do Juiz . É diferente. Por

ex., diz o art. 267, § 4º - "Depois de decorrido o prazo..."; daí se segue

porventura que depois desse prazo a desistência da ação seja um ato

bilateral? Não, não parece próprio, alguns dizem e vocês talvez encontrem

em algum livro, mas não me parece próprio - ela continua unilateral, no

sentido de que quem quer desistir é um só, é o autor . Aliás, só o

autor é que pode desistir, vejam bem: não tem sentido uma desistência

bilateral porque o réu não pode desistir de nada, não foi ele quem

propôs a ação. Apenas o autor manifesta sua vontade, desistindo. O Juiz

consulta o réu, que concorda ou não. Se concordar, o Juiz homologa a

desistência e ela então produz efeitos. Mas se não concordar, a ação

prossegue. Mas a concordância do réu não significa que ele também esteja

participando do ato da desistência. É diferente. Acho que vocês percebem

a diferença entre isso e o acordo das partes para adiar a audiência. As

duas manifestações de vontade vêm juntas, casadas . E creio que tem

uma importância prática, não só teórica tal distinção. Por ex., vou figurar

uma questão interessante:

Page 136: Barbosa Moreira - Processo Civil

136

O autor manifesta a vontade de desistir. O Juiz despacha

assim: "Diga o réu, consulte o réu sobre se concorda ou não"; vem o réu e

diz "De acordo, nada a opor." Então, eu pergunto: pode o autor (depois da

homologação é claro que não, mas se o Juiz ainda não homologou, ainda

não proferiu a sentença, chancelando a desistência) voltar atrás, isto é,

desistir de desistir, ou por outra, revogar a desistência? Penso que sim,

exatamente porque o ato continua sendo unilateral . Se ele fosse

bilateral, aí não poderia, porque ninguém pode sozinho revogar um ato

bilateral, a não ser que a lei expressamente consinta . Por ex., o

comprador pode revogar a compra e venda depois de celebrado o contrato?

Não. Vejam bem, é uma questão de lógica: se um ato se forma pela

conjugação de duas vontades, não pode desfazer-se senão também pela

conjugação das duas vontades, e parece que aí há um aspecto prático

interessante dessa distinção - há um acordo já feito, um sozinho não pode

revogar o ato. Mas se o ato é unilateral, mesmo que o outro tenha

concordado, eu posso não querer mais. Penso que nada impede. É claro

que depois da homologação pelo Juiz, aí não, porque aí já há um ato novo

que produz os seus próprios efeitos.

Classificação específica dos ATOS PROCESSUAIS

Eu lhes disse que os atos processuais, todos, como qualquer

ato jurídico, têm sujeito. Pois bem, de acordo com o sujeito, os atos

processuais podem classificar-se. Os principais sujeitos do processo são o

órgão judicial e as partes, mas há outras pessoas. Então vejamos:

1ª Classificação de acordo com o SUJEITO - atos do Juiz e atos das

partes. Esses são os principais, e em terceiro lugar atos de outras pessoas.

Por ex., o M.P., quando fiscal da lei, os auxiliares do Juízo, as testemunhas.

Tudo isso é ato processual, a meu ver. Há quem não pense assim, quem

reduza somente aos atos do Juiz e das partes.

ATOS DO JUIZ - O Juiz pratica ao longo do processo uma infinidade de atos

das mais variadas espécies, mas dentre eles distinguimos uma classe mais

importante que é a classe dos PRONUNCIAMENTOS. É quando o Juiz se

pronuncia. A esses, e só a esses, é que se refere o CPC no art. 162. Está

se vendo que isso aí não é exaustivo . Os atos do Juiz não são só esses;

por ex., quando o Juiz faz a tentativa de conciliação, quando interroga a

testemunha, quando vistoria um imóvel, aí não está nem sentenciando nem

proferindo decisão interlocutória nem despachando. Então isso aí é uma

classificação não dos atos do Juiz em geral, mas daqueles que eu destaquei

como sendo o núcleo mais importante dentre os atos do Juiz . Por isso

nós podemos previamente subdividir assim:

Page 137: Barbosa Moreira - Processo Civil

137

- de mérito ou

definitivas Sentenças - meramente

terminativas

/

ATOS DO - Pronunciamentos - Decisões interlocutórias

JUIZ \

Despachos

- Outros, de naturezas as mais diversas

Os PRONUNCIAMENTOS é que estão no art. 162 . Vamos

ver como é que eles se subdividem. Isto é muito importante, vai ter uma

série de conseqüências, notadamente em matéria de recurso, cada tipo de

pronunciamento tem um disciplina específica em matéria de recurso.

Art. 162, § 1º - "... decidindo ou não o mérito." O processo

pode extinguir-se com julgamento ou sem julgamento do mérito. Em

qualquer dessas hipóteses o ato pelo qual o Juiz extingue o processo chama-

se sentença. As sentenças, portanto, podem ainda subdividir-se. Se as

sentenças decidem o mérito, elas se chamam sentenças de mérito ou

definitivas. Se o processo se extingue sem julgamento do mérito, a

sentença se denomina meramente terminativa. ATENÇÃO: esses nomes

não estão na lei, são doutrinários, mas são muito usados, a todo

momento aparecem. A sentença terminativa acaba o processo mas não

decide o mérito. Por ex., o autor desistiu da ação, o Juiz homologa a

desistência; eis aí uma sentença meramente terminativa. O Juiz julgou o

autor carecedor de ação - é outro exemplo.

Art. 162, § 2º - A diferença entre sentença e decisão

interlocutória é o lugar - se estiver no fim do processo é sentença, se

estiver no meio é decisão interlocutória . Ex: a parte requer uma

perícia, o Juiz, decide se manda ou não manda fazer, se defere ou se

indefere, é uma decisão interlocutória. A parte alega a incompetência do

Juízo - vem a decisão: "sou competente", ou então "sou incompetente" -

esta é uma decisão interlocutória. Seja qual for, o processo vai

continuar.

Agora, o que há de comum entre a sentença e a decisão

interlocutória? Ambas decidem alguma coisa, têm conteúdo decisório . O

que não acontece com os despachos.

Art. 162, § 3º - A característica dos despachos é não terem

conteúdo de decisão, não decidem nada, simplesmente dão impulso ao

processo. Ex: o Juiz marca audiência no dia tal, ou então "ao contador

para fazer o cálculo", ou "diga o réu sobre o documento junto pelo autor" -

são atos de mero impulso processual, estão dando andamento ao processo.

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138

ATOS DAS PARTES - costumam ser classificados de acordo com seu

conteúdo, em quatro classes, e a classificação mais comum:

1) Atos postulatórios - são aqueles em que a parte pede

alguma coisa ao Juiz. Ex.: a demanda, que é o ato postulatório por

excelência, i.e., o ajuizamento da ação. É o protótipo do ato postulatório.

O recurso - quando a parte requer, ela quer obter uma nova decisão sobre

aquela matéria, então pede a reforma da decisão proferida.

2) Atos instrutórios - atos de produção de provas.

3) Atos dispositivos - nada mais são do que os negócios

jurídicos processuais. São as manifestações de vontade produtoras de

efeitos típicos. Ex.: desistência da ação, desistência dos recursos,

renúncia, reconhecimento do pedido.

4) Atos Reais - (essa denominação é curiosa, parece que os

outros são irreais) São atos que traduzem um comportamento material e

não por palavras. A parte faz coisas, em vez de se manifestar com

palavras ou por escrito . Ex.: pagamento das custas - é um ato real, não

é manifestação de vontade, não está pedindo nada, está simplesmente

fazendo uma coisa material; é um exemplo típico.

Eis aí a classificação dos atos jurídicos processuais quanto aos

sujeitos. Vimos primeiro os atos do Juiz, depois os atos das partes. Para

terminar, vamos ver alguma coisa da classificação dos atos processuais

quanto à FORMA .

Temos mais de uma classificação. Vou lembrar apenas duas

mais importantes: 1ª) Atos orais e atos escritos - Há certos atos que são

praticados no processo pela forma oral, p.ex., o depoimento da parte ou da

testemunha. E outros que se praticam necessariamente por escrito, p.ex., a

demanda tem por instrumento a petição inicial, não pode ser oralmente,

esse ato tem que obedecer à forma escrita. A defesa do réu (salvo no

procedimento sumaríssimo, quando ela pode ser oral) é escrita. A

contestação no procedimento ordinário é escrita obrigatoriamente. No

procedimento sumaríssimo pode ser oral, na audiência é feita oralmente.

Agora dirão os srs: verba volant, scripta manent (as palavras voam, os

escritos ficam) - então, é claro que os atos praticados oralmente no

processo, em princípio, têm que ser repetidos na escrita , do contrário

não ficaria nos autos nenhum registro deles. A não ser que se usasse no

processo fita gravada, mas mesmo assim a fita é um registro.

Então, os atos orais são documentados e os documentos que

registram o que aconteceu nos atos orais chamam-se termos ou autos. Às

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139

vezes a lei usa a palavra termos, às vezes usa a palavra autos, variando

sem muito critério. Essas duas palavras são usadas na lei sem muito

critério que permita distingui-las com clareza. Uma e outra indicam

documentos que registram atos orais . Ex.: o termo de audiência. A

arrematação é um ato oral, o Juiz apregoa um bem, vê quem dá mais e

declara vitorioso aquele mais. Mas depois tem que escrever isso. Aí

escreve-se o auto de arrematação. A lei às vezes uma termo, outras vezes

usa autos.

Finalmente, convém também, ainda quanto à forma, distinguir

os 2ª) atos públicos e os atos sigilosos . Art. 155 do CPC (v. CF arts. 5º,

LX e 93, IX) - o princípio geral é de que os atos processuais são públicos.

Qualquer pessoa pode assistir a uma audiência (e é bom que assista), a um

julgamento importante, salvo nesses casos em que por motivos óbvios o

processo corre em segredo.

Atos processuais quanto à FORMA, LUGAR E TEMPO.

Como todos os atos humanos, o atos processuais se

realizam num determinado lugar, sob uma determinada forma e,

evidentemente, num determinado momento . São esses aspectos que

vamos analisar hoje aqui, examinando as regras que o Código traça a

respeito do lugar, da forma e do tempo dos atos processuais.

No tocante ao lugar, não há muito que dizer. A matéria se

encontra tratada no Código. O Título V do Livro I trata dos atos

processuais. O primeiro capítulo trata da forma - art. 154 e seguintes e, a

rigor, contem normas que não são propriamente dedicadas à forma, i.e., ao

modo de exteriorização dos atos processuais. O segundo capítulo trata do

tempo e do lugar dos atos processuais, e o terceiro, que é o último e o que

nos interessa, trata de um peculiar e importantíssimo aspecto do tempo

relativamente aos atos processuais, que é a matéria concernente aos

prazos.

No tocante ao LUGAR, em regra, num processo de

conhecimento, os atos processuais, em sua grande maioria, são praticados

na sede do Juízo . No processo de conhecimento essa regra é quase

absoluta, praticamente todos os atos processuais são praticados na sede do

Juízo. Há determinados atos que por sua própria natureza se praticam fora

dele - por ex., a citação que o oficial de justiça (quando a citação é

feita por intermédio dele) vai procurar o réu no seu domicílio a fim

de levar-lhe a notícia de que foi oferecida a demanda e convocá-lo a

participar do processo e se defender . No processo de execução não é

bem assim. Já há mais atos do que no processo de conhecimento praticados

Page 140: Barbosa Moreira - Processo Civil

140

fora da sede do Juízo. Mesmo no processo de conhecimento, porém,

excepcionalmente, determinados atos que seriam normalmente praticados

na sede do Juízo podem ser realizados fora dela. Vejam o art. 176, que

trata do lugar: "... podem todavia efetuar-se em outro lugar, em razão de

deferência" (p. ex. a inquirição de determinadas autoridades, Presidente da

República, Ministros de Estado, etc.; como testemunhas de processo, não é

feita na sede do Juízo, é feita na residência dessas pessoas ou no local onde

elas exerçam a suas funções - art. 411); de interesse da justiça (pode

acontecer que o Juiz, a fim de inteirar-se melhor dos fatos relevantes para

decidir a causa, se veja compelido a examinar ,ele próprio, um determinado

local, exercer uma inspeção; evidentemente terá que deslocar-se para esse

local - arts. 440 a 443); e finalmente de obstáculo argüido pelo interessado

e acolhido pelo Juiz (pode acontecer, na inquirição da testemunha, que ela

se encontre doente, impossibilitada de locomover-se e que não seja possível

ou conveniente aguardar-se o seu restabelecimento e que ela venha depor.

O Juiz fica autorizado, portanto, por força lá de uma regra expressa - art.

410, III - a deslocar-se até o local onde essa pessoa se encontra para tomar

o seu depoimento).

Da FORMA os srs. já receberam algumas noções quando

estudaram os elementos dos atos processuais, uma vez que forma é um

elemento do ato processual, o modo através do qual ele se manifesta,

se exterioriza. Antes de mais nada, é necessário desfazer um equívoco

que ocorre principalmente entre leigos. Há muita gente que supõe que o

estabelecimento de requisitos de forma e o estabelecimento de exigências

de formalidades nos atos processuais constitui algo indesejável, que

devesse ser abolido, que contribui para dificultar a resolução, a defesa dos

direitos. Existe muita gente que se angustia com o problema das formas,

das formalidades estabelecidas pela lei para os atos processuais e que

supõe que o ideal seria abolir qualquer exigências no tocante à forma. Essa

abolição seria absolutamente impraticável, o que se deve abolir,

naturalmente, são as formalidades desnecessárias, excessivas , mas a

forma cumpre no processo uma função relevantíssima; nos direitos de modo

geral e no Direito Processual de modo específico. Ela constitui,

indiscutivelmente, uma garantia para as próprias partes e para o

Estado no tocante ao exercício da função jurisdicional . Imaginem os

srs. se a petição inicial não precisasse ter a forma escrita. Não precisasse

conter com clareza e precisão os elementos da ação, não precisasse indicar

com clareza e precisão o pedido ou a causa petendi. Como é que o réu teria

condições de defender-se se não se registrasse num escrito os fatos que o

autor alega, se não se obrigasse o autor a fazer isso? Imaginem a

insegurança que seria gerada se uma sentença pudesse ser proferida

oralmente e nenhum registro ficasse dela. O Juiz chegaria a uma conclusão,

proferiria a sentença e nem ele próprio a lançaria por escrito nem ninguém

reduziria essa sentença a termo. De maneira que as formalidades no

Page 141: Barbosa Moreira - Processo Civil

141

processo exercem de maneira muito especial uma função relevantíssima, de

segurança para as próprias partes e para o Estado, e seria absolutamente

impraticável abolí-las.

Agora, evidentemente, e esta é a tendência no direito

moderno, nós devemos simplificar, no sentido de o legislador não

estabelecer requisitos formais que sejam excessivos, que superem a

necessidade de segurança. A forma - e isso é que é fundamental - não é

nunca um fim em si mesma . A observância a requisitos formais não

constitui, não deve constituir nunca um fim em si mesma - é um meio de

serem alcançados valores relevantes para as partes e para o Estado

quando exerce jurisdição . A tendência no direito moderno é no sentido

de simplificar a forma dos atos processuais, afastar as exigências que não

se façam necessárias para aquela finalidade que se pretende alcançar e, por

outro lado, não tratar com rigor drástico a violação de normas que

estabeleçam requisitos formais. Agora, a forma, a exigência dos requisitos

formais no processo, é absolutamente indispensável, dentro desses limites.

No tocante à forma, os atos processuais podem ser

classificados de acordo com alguns critérios. Um deles é o que distingue

atos processuais que se praticam por escrito e atos processuais que se

praticam oralmente. Sendo que o normal é que os atos orais sejam

reduzidos a escrito a fim de que os autos contenham aquilo que foi dito,

sejam documentados.

Uma outra classificação, mais importante do que essa, é a que

distingue atos processuais em que a lei não estabelece requisitos de forma,

em que a forma, o modo pelo qual eles podem exteriorizar-se é livre - atos

processuais de forma livre, e de outro lado atos processuais em que a

forma vem prescrita pelo legislador, é vinculada, no sentido de que o

legislador estabelece requisitos formais vinculativos para aqueles que

praticam o ato - atos processuais de forma vinculada .

A regra geral é a liberdade da forma, o que não significa que

os atos possam ser praticados de qualquer modo, não é isso, os atos

processuais se praticam com uma determinada finalidade. Ainda quando a

lei não a estabeleça, a forma deve ser sempre adequada a que se

alcance essa finalidade . A forma deve ser encarada sempre como um

meio para que o ato alcance a finalidade que lhe é própria. Como regra

geral, prevalece o que se denomina de princípio da liberdade da

forma, que tem esse sentido - não que os atos processuais possam ser

praticados, em princípio, de qualquer maneira, mas que eles, em princípio,

podem ser praticados de qualquer modo que se revele adequado a

alcançar a finalidade deles.

Page 142: Barbosa Moreira - Processo Civil

142

Em outros casos, o legislador estabelece qual a forma que, a

seu ver, seja apta para alcançar a finalidade do ato . São os atos de

forma vinculada. É a lei que, de antemão, ao estabelecer a forma, reputa

que aquele modo é o mais adequado, é o único adequado para que se

alcance a finalidade daquele ato que se tem em vista. Ainda aí nós

devemos fazer uma distinção: há casos em que a lei estabelece requisitos

formais e, por reputar que aquela forma que ela estabelece é a única capaz

de fazer com que o ato atinja sua finalidade, a lei não tolera nenhuma

violação no tocante à forma, cominando invalidade para o ato, que diz

respeito à forma que foi pela lei estabelecida . O legislador reputa que

aquele modo que ele prescreve é o único adequado para que o ato seja

capaz de alcançar sua finalidade, de tal maneira que qualquer inobservância

no tocante às regras que estabelecem requisitos formais acarreta a

invalidade do ato. É o que acontece, por ex., com a citação, que é um ato

fundamental no processo. Ela pode ser feita por mais de um modo, um

deles, o mais comum, é através do oficial de justiça. Vejam os art. 226 do

CPC. É necessário que o oficial de justiça leia o mandado e mais, que

entregue ao citando uma contrafé a fim de que permaneça em poder do

citando uma cópia do mandado que permitirá que ele fique com o conteúdo

essencial da demanda a que está respondendo. Aí está o modo pelo qual

deve o oficial de justiça realizar a citação, minuciosamente descrito na lei.

Art. 247 - Então, na citação a lei estabelece a forma pela qual

ela deve realizar-se, e porque o legislador reputou que aquele modo é o

único adequado para que a citação cumpra a sua finalidade, que é a de

levar ao réu o conhecimento da demanda e lhe proporcionar meios para

defender-se, ela não tolera qualquer violação no tocante à forma que

se realize a citação . Da invalidade os srs. tratarão com mais vagar

proximamente.

Em outros casos, e eles são talvez até mesmo a maioria, a lei

estabelece requisitos formais também por considerar que aqueles requisitos

que ela estabelece constituem o modo mais adequado para que o ato

processuais atinja sua finalidade, mas não vai a esse extremo de não

admitir qualquer violação no tocante àquela forma. Ela estabelece

requisitos formais que ficam valendo, a rigor, mais como uma

recomendação feita àqueles que tenham que praticar o ato

processual. De tal maneira que se o ato processual se pratica de forma

diversa daquela estabelecida pela lei, mas a despeito disso se torna

indiscutível que, mesmo por outro modo, o ato alcançou a sua finalidade, a

lei não se incomoda, não invalida aquele ato, permite que ele continue

válido a despeito da inobservância da forma.

Isso é o que acontece no tocante à grande maioria dos atos

processuais. São até mesmo excepcionais os casos em que, no Código, as

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143

violações da forma são tratadas com tal rigor que acarretem

necessariamente a invalidade dos atos. A regra é a de que, mesmo quando

ocorre a inobservância do requisito formal, se o ato por outra forma

alcançou a sua finalidade, ele é válido, não vai gerar nenhuma

conseqüência. Art. 154 - é o princípio da liberdade de forma - no tocante a

atos de forma vinculada, cuja forma é estabelecida em lei mas que

pertencem a essa última categoria que apontei, atos de forma vinculada em

que a violação da forma, por si só, não acarretará a invalidade. É o

princípio de aproveitar-se tanto quanto possível a atividade envolvida

no processo. A mesma regra está no art. 244, que os srs. estudarão

também mais adiante e que constitui mais ou menos uma reprodução da

última parte do art. 154.

As formas constituem meios, instrumentos para atingir o

objetivo do ato - em princípio, se o objetivo é atingido, ainda que

tenham sido violadas normas que estabeleçam exigências formais, o

ato se reputará válido . As formas constituem instrumentos - é o que se

denomina de princípio da instrumentalidade das formas .

Essa classificação dos atos é fundamental - atos de forma livre

e atos de forma vinculada, com esse desdobramento: aqueles que têm

forma prescrita em lei e que a lei não tolera qualquer inobservância, e

aqueles que têm forma prescrita em lei mas que essa forma constitui mais

uma recomendação do legislador, se não for observada. Mas se o ato

atingir sua finalidade, será válido . E esses princípios, que são também

fundamentais: o da LIBERDADE DA FORMA, que prevalece em caráter

geral, e o da INSTRUMENTALIDADE DA FORMA , que significa que a forma

não deve ser encarada como um fim em si mesma, mas como um meio de

proporcionar com maior facilidade, com maior segurança, o objetivo

do ato processual .

Atos processuais em relação ao TEMPO - A matéria está

disciplinada no Código em lugares diferentes. No segundo capítulo do Título

V - do tempo e do lugar dos atos processuais. O terceiro capítulo trata dos

prazos. A distinção que o Código faz não é muito justificável - a matéria

relativa a prazos é obviamente relativa a tempo dos atos processuais. No

Capítulo II o Código vai regulamentar dois aspectos temporais do ato

processual: os dias em que podem ser praticados atos processuais, os dias

adequados à sua prática e os horários dentro dos quais eles podem ser

praticados, para, no Capítulo seguinte, tratar dos prazos. Vamos ver

primeiro dias e horas, ou seja, a matéria regulamentada no Capítulo II.

No tocante a dias, em princípio, só se pode praticar atos

processuais em dias nos quais haja expediente forense ; tanto os atos

que se realizam na sede de Juízo quanto os de que se realizam fora dela, em

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princípio, só podem ser praticados em dias nos quais haja expediente

forense, não sendo admissível, portanto, a prática de atos processuais no

que a lei chama de feriados. Feriados, para a lei, não significa apenas o

que nós chamamos de feriados - é qualquer dias em que não haja

expediente forense (art. 175) . Para simplificar, vamos adotar a

definição legal, à qual o Código não se manteve fiel, como veremos mais

adiante. De um lado feriados, incluindo os sábados, domingos,

feriados propriamente ditos, etc .; e de outro lado férias coletivas, que

nós na primeira instância não conhecemos aqui no Rio de Janeiro. A justiça

de primeira instância no Estado do Rio de Janeiro não tem férias coletivas,

os Tribunais têm. São períodos de paralisação da atividade

processual.

No tocante a horários, em princípio, atos externos (que são

praticados fora da sede de Juízo) só podem ser realizados de 6 da manhã às

18 horas. Atos internos se realizam durante o expediente forense e quem

fixa o expediente é a lei de organização judiciária. Art. 172 do CPC - o

parágrafo primeiro estabelece uma regra cuja razão de ser é intuitiva -

serão concluídos depois das 18 horas os atos iniciados antes, quando o

adiamento prejudicar a diligência ou causar graves danos. O parágrafo

segundo estabelece uma exceção no tocante à regra de que os atos

processuais só se praticam em dias no quais há expediente forense e se

externos só se podem praticar de 6 às 18 horas - a citação e a penhora,

em casos excepcionais e mediante autorização expressa do Juiz,

poderão realizar-se em domingos e feriados (expressão redundante

em vista do disposto no art. 175) ou nos dias úteis fora do horário

estabelecido neste artigo, observando-se do disposto no art. 5º, XI

da Constituição da República , que estabelece regra no tocante à

inviolabilidade do domicílio. Em caráter excepcional e urgente, se for

necessária a prática de tais atos, sendo de se temer que a não realização

deles possa acarretar um prejuízo talvez irreparável, nessas circunstâncias

permite o Código que sejam praticados: 1) em feriados e 2) nos dias úteis,

fora daqueles limites de horário estabelecidos no caput.

O art. 173, por sua vez, estabelece exceção também a essa

regra, segundo a qual os atos processuais só devem praticar-se em dias no

quais haja expediente forense e de 6 às 18 horas. Exceções no tocante às

férias, enumerando atos processuais que podem ser praticados durante

férias forenses, férias coletivas (que nós temos aqui na segunda instância,

não na primeira), atos que, se não forem praticados logo, talvez venham a

se tornar inúteis.

O art. 174 trata de assunto correlato, mas um pouco diferente.

O art. 173 enumera atos que podem ser praticados, o art. 174 estabelece

causas que não têm a sua movimentação sustada pelo advento de férias

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forenses, que continuam a correr durante as férias coletivas. O art. 173

enumera atos - uma vez praticados aqueles atos, vindo as férias, em

princípio os processos terão sua marcha sustada , as férias coletivas

provocam, em princípio, a sustação da marcha dos processos. O art. 174

estabelece exceções a essa regra, enumerando causas que correm

durante as férias forenses.

Exemplos de causas que a lei federal determina que corram durante as

férias forenses: desapropriação, falência, concordata - são causas que, ao

ver do legislador, devem merecer uma atenção especial, devem ter um

desfecho rápido; e justamente por isso ele subtrai essas causas da

conseqüência que normalmente acarreta o advento de férias forenses, que é

a de sustar o andamento dos processos.

PRAZOS PROCESSUAIS - matéria importantíssima, uma vez que toda a

atividade processual está subordinada ao cumprimento de prazos

estabelecidos. Os prazos são lapsos de tempo compreendidos entre dois

momentos, entre dois acontecimentos. E o momento inicial do prazo se

denomina termo inicial e o momento final se denomina de termo final.

Termo inicial ou dies a quo; termo final ou dies ad quem.

Termo, aliás, é expressão que tem mais de um sentido em

Direito de modo geral. Em Direito Processual também se denomina de

termo a documentação de uma ato que foi praticado no Juízo -

reduzir a termo . Por contraposição a auto, que exprime a

documentação de um ato praticado fora da sede de Juízo . Ex: auto de

penhora. De qualquer maneira é normalmente utilizada a expressão termo

para designar o momento inicial e o momento final dos prazos . As

unidades de que se pode valer a lei para fixar prazos são as unidades de

tempo que nós conhecemos - há prazos fixados em minutos, em horas, em

dias, em meses e em anos. No CPC os srs. encontram prazos que tomam

como ponto de referência cada um dessas unidades.

Mais importante do que isso são as classificações dos prazos.

De um lado, nós temos prazos nos quais os atos processuais devem ser

praticados. Prazos que a lei estabelece para que, no curso deles, os atos

processuais sejam praticados. E de outro lado, prazos que são

estabelecidos para que durante o transcurso deles não sejam praticados

atos processuais. Prazos estabelecidos para que durante eles sejam

praticados atos processuais se denominam prazos peremptórios .

Prazos estabelecidos na lei para que durante eles não sejam praticados

atos processuais chamam-se prazos dilatórios . As expressões são

significativas - dilatório tem sentido de afastar, de maneira que quando se

estabelece um prazo dilatório não se querendo que enquanto corre o

processo o ato seja praticado, a lei - ou então as partes ou o Juiz - estará

Page 146: Barbosa Moreira - Processo Civil

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afastando a prática daquele ato processual. Peremptório vem de perimir -

terminar, cessar, findar. São prazos que, uma vez terminados, o ato que

era para ser praticado durante eles não vai mais poder ser praticado. A

todo momento nós nos defrontamos na vida com prazos peremptórios e

dilatórios. Às vezes a gente tem que fazer alguma coisa até amanhã, e às

vezes a gente diz "a partir de amanhã eu pensarei em fazer isso."

Essa classificação tem uma relevância processual. O art. 181

diz que as partes podem, de comum acordo, reduzir ou prorrogar os prazos

dilatórios. E também o art. 182 diz que é defeso às partes, ainda que todas

estejam de acordo, reduzir ou prorrogar os prazos peremptórios. Prazos

peremptórios são quase todos - é o prazo para o oferecimento da

contestação, para interposição de recursos, quer dizer, atos que têm

que ser praticados durante o prazo . Exemplo de prazo dilatório - a

suspensão do processo, quando tenha sido estabelecida por convenção das

partes, de maneira que fica desde logo demarcado um período de tempo

fixo para a suspensão.

Outra classificação - Os prazos podem vir fixados na própria

lei. Não são poucos os que a lei fixa. São os prazos legais. Art. 177 -

prazos fixados pelo Juiz, prazos judiciais e há um terceira espécie, que são

os prazos estabelecidos de comum acordo pelas partes, o que ocorre, p.ex.,

na suspensão convencional do processo, permitida pela lei - prazos

convencionais.

Quando a lei não fixa o prazo, quando não há prazo legal, diz o

art. 177 que o Juiz determinará o prazo. Agora, pode acontecer, e acontece

praticamente, que nem a lei estabeleça nem o Juiz tenha fixado,

hipótese que é solucionada pelo art. 185, que tem caráter

subsidiário, mas que é importantíssimo - não há atividade processual

que não esteja subordinada a prazo - porque se a lei não fixa e se o Juiz não

determina, diz o art. 185: "Não havendo preceito legal, nem assinação pelo

Juiz será de 5 dias..."

Já vimos, portanto, em matéria de classificação, prazos

peremptórios e dilatórios de uma lado, e de outro lado prazos legais, prazos

judiciais e prazos convencionais. E agora, numa última classificação: prazos

próprios e prazos impróprios. Denominam-se próprios os prazos cuja

inobservância acarreta conseqüências processuais . Têm esse

caráter, em regra, os prazos que são estabelecidos para os atos

processuais praticados pelas partes ; normalmente, estabelecido para a

parte o prazo peremptório, extinto o prazo, o ato não poderá mais ser

praticado. É uma conseqüência de caráter processual , gerada pela

inobservância daquele prazo - prazo próprio. Prazos impróprios são

prazos cuja inobservância não gera conseqüências processuais . Ex.:

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147

os prazos que a lei estabelece para o Juiz. A inobservância deles pode gerar

conseqüências de ordem disciplinar para o Juiz e existe até um movimento

muito sério para isso, preconizado pela Lei Orgânica da Magistratura. Mas a

inobservância pelo Juiz dos atos que são estabelecidos para ele não gera

conseqüências processuais, e por isso esses prazos se chamam prazos

impróprios.

Contagem do prazos

Antes de mais nada é necessário que façamos uma distinção:

uma coisa é a definição pela lei do termo inicial do prazo. A lei precisa

definir o momento a partir do qual o prazo vai correr, a lei precisa

estabelecer o termo inicial do prazo. Normalmente, em um processo em

curso, para as partes, os termos iniciais dos prazos estabelecidos para elas

são as intimações, i.e., os atos que levam ao conhecimento das partes as

situações ocorridas no processo. Essa é a definição de termo inicial. Agora,

outra coisa é o critério da contagem - é o início da contagem dos

prazos.

Em matéria de contagem dos prazos, diz o art. 184: "Salvo

disposição em contrário, computar-se-ão os prazos excluindo o dia do

começo e incluindo o do vencimento." Excluindo o dies a quo e incluindo o

dies ad quem, quer dizer, excluindo o termo inicial, de tal maneira que

a fixação do termo inicial não significa que a partir dele, inclusive,

vai se começar a contagem do prazo, e incluindo o dia do

vencimento - essa é a regra fundamental . Pode acontecer que, de

acordo com esse critério, o último dia do prazo caia, por ex., num domingo,

ou em um outro dia em que não haja expediente forense, ou num dia em

que excepcionalmente se determinou o fechamento do foro, de tal maneira

que a parte, não sabendo disso, teve subtraída uma parcela dos dias de que

dispunha para praticar o ato processual. Para essas hipóteses, estabelece o

§ 1º do art. 184 - prorroga-se o prazo nesses casos até o primeiro dia

útil. Suponhamos a hipótese de interposição de apelação contra a sentença

- prazo de 15 dias, contados da intimação da sentença. Então, exclui-se o

primeira dia, o dia em que ocorreu a intimação, e se contam 15 dias. O 15º

dia, porém, cai num domingo - diz o § 1º que o prazo fica prorrogado até o

primeiro dia útil, de tal maneira que nesse exemplo o último dia do prazo

será na segunda-feira, se houver expediente forense.

O § 2º é um complemento do caput do art. 184. O caput diz

que os prazos se contam excluindo o termo inicial e incluindo o termo final;

diz o § 2º que, além disso, para que o prazo comece a correr, desde logo é

necessário que o dia seguinte ao termo inicial seja útil, isto é, que naquele

dia haja expediente forense. De tal maneira que se o dia seguinte não for

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148

útil, o termo inicial ficou lá, mas a contagem só vai se iniciar no

primeiro dia útil subseqüente .

Ex.: uma intimação de uma sentença que se faça numa sexta-feira.

Aplicando apenas a regra de que, salvo disposto em contrário, contar-se-ão

os prazos excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento, nós

começaríamos no sábado. Para essa hipótese é que diverge o § 2º, dizendo

que se o dia seguinte ao termo inicial não for útil, o prazo não começa a

correr. Nesse exemplo, os 15 dias para o oferecimento do recurso

começariam não no sábado, mas na segunda-feira, se fosse dia útil.

Portanto, exclui-se sempre o termo inicial e é necessário, para que o prazo

comece a correr, que a data do início da contagem do prazo seja um

dia útil, um dia em que haja expediente forense .

Suspensão e interrupção dos prazos - Os srs. já devem conhecer a

distinção entre esses dois fenômenos. Ambos acarretam uma paralisação

temporária da contagem do prazo. Fica parada momentaneamente a

contagem de um prazo, tanto na suspensão quanto na interrupção. A

diferença entre esses dois institutos é a de que na interrupção, quando

ela cessa, o prazo vai ser recomeçado , a contagem vai ser recomeçada

da estaca zero, vai ser contado todo o prazo novamente, a partir da

cessação da interrupção, desprezando-se o período de tempo que houver

decorrido antes da interrupção. Na suspensão, ao contrário, cessada a

suspensão, a contagem recomeça aproveitando-se o período que

houver decorrido anteriormente a ela . De tal maneira que o prazo,

depois da cessação da suspensão, é aquele que ficou faltando quando

ocorreu a causa suspensiva do prazo. Retoma-se a contagem do ponto em

que havia parado; e na interrupção o prazo recomeça a correr todo ele

integralmente.

Algumas das causas da suspensão são previstas no art. 179 e

no art. 180. Atenção: não é a suspensão do processo, é a suspensão

do prazo. Art. 179, caso de férias; art. 180, caso nítido de suspensão do

prazo.

Exemplo de interrupção de prazos do Código os srs. têm no

art. 507, que é peculiar a um tipo de prazo - prazo para interposição de

recursos. É o caso de falecimento da parte ou do seu advogado durante o

prazo para interposição. Ocorrendo um dos casos estabelecidos nesse

artigo, o prazo se interrompe, e quando começa a correr recomeça por

inteiro e não apenas a parte que estava faltando.

Agora, não se suspende o prazo nos feriados, quer dizer,

dias nos quais em geral não haja expediente forense. Eles vão ser

suspensos pelo advento de férias coletivas, se for o caso, mas não vão

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149

suspender-se nos feriados (art. 178), não pára a contagem na sexta-feira e

recomeça na segunda, ele segue. Evidentemente, se o termo final cair num

dia em que não haja expediente forense, o prazo fica prorrogado para o

primeiro dia útil seguinte. Agora, a existência de feriados não acarreta

suspensão do prazo , de tal maneira que, na contagem dos prazos entram

os sábados, domingos, feriados propriamente ditos, etc.

Além da suspensão e da interrupção, outros fenômenos que

podem ocorrer no tocante aos prazos é eles serem ampliados ou

reduzidos. Já vimos que, por convenção das partes (um exemplo de

ampliação e redução de prazos), os prazos dilatórios podem ser ampliados

ou reduzidos. Uma regra importante está no art. 182, segunda parte,

relativo a qualquer espécie de prazo. O art. 182 começa dizendo que é

defeso às partes, ainda que todas estejam de acordo, reduzir ou prorrogar

os prazos peremptórios. E diz mais, que o Juiz poderá, nas Comarcas onde

for difícil o transporte, prorrogar, ampliar portanto, qualquer prazo, mas

nunca por mais de 60 dias. Parágrafo único - em casos de calamidade

pública, poderá ser excedido esse limite. No caput, a ampliação ou a

redução são feitas pelas partes e se restringem aos prazos dilatórios; aqui,

a regra prevalece para qualquer espécie de prazo, dilatório ou peremptório

e a ampliação, a prorrogação do prazo, é feita pelo Juiz em função dessas

circunstâncias: dificuldade habitual ou excepcional de transporte ou caso de

calamidade pública, no primeiro caso havendo um limite máximo de 60 dias

e no segundo caso não havendo limite algum.

VÍCIOS OU DEFEITOS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

Todo ato processual, como aliás todo ato jurídico, para

completar-se e, portanto, para existir, reclama o concurso de determinados

elementos; faltando um ou mais de um, não se pode dizer que o ato

exista. Mas como às vezes há uma aparência , um simulacro, uma falsa

imagem de ato, nós nos referimos a esses atos (numa linguagem talvez

rigorosamente não muito adequada) como atos jurídicos inexistentes. A

rigor, um ato jurídico inexistente é o nada, mas é claro que para designar o

nada precisamos de uma expressão e usamos atos jurídicos inexistentes

para designar algo que tem uma vaga semelhança com um ato jurídico, mas

que, bem analisado, não apresenta todos os seus elementos

essenciais. Ex.: o "casamento", no qual não houvesse algum dos

elementos essenciais (duas pessoas de sexos diferentes, mútuo consenso,

celebração). Um episódio da vida no qual não estivessem presentes esses

três elementos, por mais que parecesse um casamento exteriormente, não

seria um verdadeiro casamento. Mas como às vezes importa estudar a

figura assim formada, diz-se que se trata de um casamento inexistente.

Page 150: Barbosa Moreira - Processo Civil

150

Vejam que aí estamos no plano da existência do ato. O ato

só existe quando se reúnem todos os elementos essenciais . Basta

faltar um para que já não se tenha mais um verdadeiro ato jurídico. Esta

categoria - atos inexistentes - existe também no Direito Processual. Por

vezes nós estamos diante de comportamentos ou episódios que apresentam

certa semelhança externa com um ato processual, mas que na realidade não

chegam a reunir todos os elementos essenciais desse ato. Por ex.: a

sentença à qual faltasse conclusão - o Juiz redigiu a sentença, escreveu em

cima "sentença", expôs os acontecimentos do processo, isto é, fez o

relatório, depois redigiu a segunda parte da sentença, a fundamentação ou

motivos, analisando as questões que influíram ou que influiriam no

resultado, mas esqueceu de concluir, não disse se condenava o réu ou se

julgava improcedente o pedido. Faltou a conclusão, que é sua parte mais

importante, pois ali é que está o coração da decisão. O Juiz omitiu essa

parte, datou e assinou. Então, esse ato tem uma certa semelhança com

uma sentença, mas na realidade não chegou a ter tudo o que precisaria ter

para que realmente se configurasse uma verdadeira sentença. Então, nós

chamamos sentença inexistente a um ato desse tipo; não é uma sentença,

mas em todo caso é algo diferente de uma folha em branco. Assim também

uma "sentença" redigida e subscrita por um dos srs., que não têm poder

jurisdicional, também não seria uma sentença, embora tivesse uma

aparência, porque faltaria um elemento essencial, que é o sujeito. Não

haveria um órgão investido de jurisdição, que é o único possível sujeito da

sentença.

Num segundo plano, que não se confunde com esse, surge o

problema de saber se um ato ao qual não falta nenhum elemento, que está

completo, contém todos os elementos essenciais e, portanto, existe no

mundo do Direito, foi realizado ou não com observância de todos os

requisitos. Já agora não se trata mais de uma investigação sobre a

presença dos elementos do ato e sim sobre a satisfação dos seus requisitos.

Lembremos esta diferença: elementos são substantivos e requisitos

são adjetivos. Então o ato pode existir de duas maneiras diferentes:

existir com satisfação plena dos requisitos, ou existir sem

satisfação plena dos requisitos . Neste segundo plano é que se põe o

problema da validade do ato. Não são a mesma coisa ato inexistente e ato

inválido. O ato pode existir e no entanto não ser válido perante o

Direito, exatamente porque falta não um elemento, mas um

requisito que deveria ter sido observado na prática daquele ato .

Assim, o casamento, por ex., desde que reúna duas pessoas de sexos

diferentes, mútuo consenso e celebração, existe. Agora, qualquer desses

elementos pode estar defeituoso, i.e., pode não satisfazer a algum dos seus

requisitos. A celebração pode ter sido feita por autoridade incompetente.

Falta uma qualidade. Então, esse casamento pode ser inválido por falta

Page 151: Barbosa Moreira - Processo Civil

151

desse requisito, competência da autoridade celebrante. É coisa

completamente diferente do casamento não celebrado.

Assim também o ato processual. A sentença pode reunir todos

os elementos, conter todas as partes necessárias e, portanto, existir e, no

entanto, apresentar um defeito consistente em falta de observância de

determinado requisito. Por ex., o Juiz que a proferiu não era competente.

Então, essa circunstância pode afetar a validade da sentença, não a sua

existência, que é indiscutível.

No plano da Teoria Geral do Direito nós distinguimos

doutrinariamente dois graus de invalidade , conforme a maior ou menor

gravidade da inobservância dos requisitos. Por vezes um ato é praticado

com desprezo, com desrespeito, com inobservância de um requisito muito

importante. Então o vício, o defeito que esse ato apresenta, é grave.

Outras vezes a lei considera que a transgressão da norma que impunha a

satisfação de determinado requisito o qual não foi observado é menos grave

e atribui então conseqüências menos sérias. Daí surge uma distinção

básica que se faz na Teoria Geral dos atos jurídicos, entre duas possíveis

conseqüências do vício ou defeito do ato. Notem que vício ou defeito só

se podem falar em relação a atos existentes . O ato inexistente nem

chega a ser defeituoso, visto que não existe. Quando falamos em atos

defeituosos, atos viciados, falamos em atos existentes, nos quais essa

imperfeição, esse vício ou defeito, podendo ser mais ou menos grave, é

capaz de conduzir a duas possíveis, conseqüências que são as sanções

estabelecidas na lei para a transgressão da norma que impunha a

observância do requisito.

A sanção mais grave é a nulidade e a menos grave é a

anulabilidade. Essas duas figuras devem ser cuidadosamente distinguidas.

A nulidade é uma conseqüência mais grave ; quando o ato apresenta

defeito muito sério aos olhos da lei, esta o comina com a sanção da

nulidade. Quando apresenta um defeito menos sério ela prevê uma

conseqüência mais branda, que é a anulabilidade. A diferença conceitual

entre as duas é a seguinte: a nulidade, por ser uma conseqüência mais

séria, dispensa a iniciativa de alguém afastar o ato , combatê-lo,

impugná-lo e portanto anulá-lo. Ele já é nulo e, portanto, já não vale,

independentemente de qualquer agressão, digamos assim, de

qualquer impugnação . Quando o Juiz olha para aquele ato e vê que ele é

nulo, já não o leva em conta, independentemente de que alguém tenha ou

não tomado a iniciativa de impugná-lo. Agora, o ato anulável, por seu

defeito ser menos grave, obedece a uma disciplina distinta; a lei exige que

alguém tome a iniciativa de promover a sua destruição . Anulável é

aquilo que pode ser anulado, mas não é nulo; se fosse nulo ninguém

precisaria anulá-lo. Então, quando o ato é simplesmente anulável, é

Page 152: Barbosa Moreira - Processo Civil

152

necessário que alguém tome a iniciativa de impugná-lo. Se essa

impugnação for bem sucedida o ato se desfaz, é anulado e daí em diante

obviamente não pode mais ser levado em conta. Mas até que isso aconteça,

ele está de pé e o Juiz não pode desconhecê-lo, não pode negar-lhe

efeitos enquanto ele não seja anulado . Existe um prazo para que

alguém tome a iniciativa de anulá-lo e, esgotado esse prazo, não se pode

mais atacar o ato e ele, apesar de defeituoso, subsiste como que curado do

seu defeito, porque não é mais possível impugná-lo por essa razão. Daí em

diante, decorrido o prazo, ele subsistirá para sempre, tal como se fosse

perfeito.

Na nulidade é dispensável e até diria que não tem sentido nem

é necessário nem possível que alguém requeira a destruição do ato. Não

há interesse nisso porque, tal como ele é, já é nulo e se já é nulo

não pode (não é que não precise, é que nem sequer pode) ser

anulado. O que é nulo não pode ser anulado, só pode ser anulado o

que é anulável.

Na Teoria Geral do Direito distinguimos uma subdivisão na

nulidade: absoluta e relativa; mas vamos deixar isso, que não interessa por

enquanto.

ATENÇÃO: Nulidade e anulabilidade não são vícios e sim conseqüências

dos vícios. Não se pode dizer que um ato tem o vício da nulidade, ou que

tem o defeito de ser anulável - não tem sentido. Pode-se dizer o seguinte:

"este ato é nulo por causa do seu vício, a incompetência do agente",

suponhamos, ou "este ato é anulável porque tem o defeito de a vontade ter

sido expressa por coação". O defeito é a coação, a conseqüência do defeito

é a anulabilidade; o vício é a incompetência, a conseqüência é a nulidade.

Nunca digam, porque é totalmente impróprio, que a nulidade é um vício do

ato jurídico; a nulidade é a sanção , é a reação da ordem jurídica em face

do vício.

ATENÇÃO: O mesmo vício pode, às vezes, ser considerado pela lei como

muito grave e noutros casos como menos grave, ou até sem gravidade

nenhuma, depende do contexto. Então isso leva à seguinte conclusão:

dependendo de onde se situa o ato, nós podemos ter 2 ou 3 ou mais atos

jurídicos com vícios perfeitamente análogos, dos quais um é válido, o outro

pode ser anulável e o terceiro é nulo. Isso pode acontecer, porque a

valoração da gravidade dos vícios é feita livremente pelo

legislador, tendo em vista razão de conveniência . Então, ele pode

achar que no terreno do D.Civil, p.ex., um determinado vício é gravíssimo e

deve sempre acarretar a nulidade do ato; ao passo que o mesmo vício no

plano do D.Administrativo já não seria tão grave, e no campo do D.

Processual poderia não ter gravidade nenhuma aos olhos da lei. Quer dizer,

Page 153: Barbosa Moreira - Processo Civil

153

o mesmo tipo de defeito pode acarretar, portanto, conseqüências diversas

conforme o ramo do direito que regula o ato.

Nós não podemos transplantar para o Direito Processual as

mesmas causas de nulidade ou de anulabilidade que se estudam no D.Civil.

Agora, o conceito de nulidade e o conceito de anulabilidade são

iguais, do contrário a confusão se instala. Quando falamos em ato nulo,

nós temos que dizer com isso a mesma coisa, quer se trate de um ato

jurídico civil, comercial, internacional, processual, administrativo, etc.

Quando falamos em ato anulável, também o conceito é igual. Agora, as

causas em virtude das quais um ato é nulo ou é anulável, podem

variar. A mesma causa pode conduzir, no plano do D.Civil, à nulidade; no

plano do D. Processual à anulabilidade e não ter, por ex., no plano

administrativo conseqüência nenhuma, o ato pode ser válido. O conceito de

ato nulo e ato anulável é o mesmo em todos os ramos do Direito, as causas

de nulidade e anulabilidade podem e costumam variar . Ex.: o vício do

consentimento no D.Civil torna o ato anulável, como sabem. A coação é um

deles. Então um contrato assinado sob coação ou um testamento feito sob

coação são anuláveis; mas uma sentença proferida sob coação é anulável?

Não. Porque de duas uma: ou a sentença está errada, e pode ser consertada

por meio de recurso, sem precisar anular, ou ela está certa, e seria absurdo

anulá-la se está certa. Pelo menos a lei acha isso. Dirão os srs., mas pode

acontecer que o tribunal julgue também sob coação. Já é mais difícil, seria

preciso coagir no mínimo três juízes. E se nós pensarmos que há, em regra,

diversos recursos que o interessado pode ir esgotando sucessivamente até

chegar ao STJ ou STJ, os srs. compreendem que é desprezível a hipótese de

alguém coagir o STF ou o STJ a julgar de um determinado modo. Não é que

não possa acontecer - pode, mas é tão remota essa hipótese que a lei faz

abstração dela.

O mesmo não se pode dizer no caso das partes. Para

complicar as coisas, no D. Processual há uma diferença muito grande entre

o tratamento dado aos atos do órgão judicial e o tratamento dado aos atos

das partes. Nos atos das partes nós podemos levar em contra o vício da

vontade - se a parte, por ex., desistir da ação sob coação - aí o ato é

anulável.

Há uma certa dificuldade na aplicação ao D. Processual, aos

atos processuais, desse esquema que acabamos de ver. E um dos fatores

que contribuem para essa dificuldade de transportarmos as noções que

temos sobre as causas de nulidade e de anulabilidade aprendidas, por ex.,

no D. Civil, ao campo do processo, é exatamente a preocupação do

legislador processual, em regra, de salvar os atos processuais, salvar

no sentido de reconhecer-lhes validade, mesmo quando afetados de

certos defeitos que, em qualquer outro ramo jurídico, seriam considerados

Page 154: Barbosa Moreira - Processo Civil

154

merecedores da sanção de anulabilidade ou até de nulidade. No campo do

processo não, exatamente porque as conseqüências da invalidade do

ato podem ser calamitosas. Se o ato invalidado está, por ex., no início

do processo e dele dependem todos os outros, a invalidação daquele ato

pode acarretar nada mais nada menos do que a destruição total do

processo, com óbvio prejuízo, porque o tempo dispendido e as energias da

máquina judiciária foram desbaratadas, as despesas que se fizeram, tudo

aquilo foi posto fora e, o que é mais grave, procrastinou de modo

notável o julgamento , i.e., o momento em que se fará justiça, com óbvio

detrimento para o litigante que tem razão.

De sorte que a lei procura evitar que isso aconteça. Daí

podemos dizer que um defeito como este da coação, considerado grave para

um contrato, para um casamento, não é considerado grave para um

sentença, não afeta a sua validade - são conseqüências que, à primeira

vista, desconformam, parecem paradoxais, mas não são.

Então há uma certa dificuldade, como dizia, em

transportarmos a disciplina que aprendemos, em geral no D. Civil, a

respeito das causas da nulidade e da anulabilidade, para os atos

processuais, principalmente para os atos do órgão judicial. Os atos das

partes ainda comportam uma aplicação aproximada, mas os do

órgão judicial recebem tratamento diferente .

Se formos examinar a disciplina desta matéria no CPC, vamos

defrontar certas dificuldade, pelo menos à primeira vista. Não vamos

encontrar no CPC, como encontramos, por ex., no Código Civil, uma lista

dos requisitos que o ato jurídico deve ter, sob pena de ser nulo ou anulável,

e a discriminação dos casos de nulidade e de anulabilidade - não

encontramos. Exatamente porque o legislador processual não está

preocupado com isso, ele está preocupado é com dizer quando é que o ato,

apesar de defeituoso, não é nulo, não é inválido.

No capítulo das nulidades do CPC nós vamos perceber que o

espírito do legislador está preocupado não em dizer quando o ato é inválido,

mas sim, ao contrário, prestar os atos, salvá-los do afogamento, e portanto

está preocupado em dizer quando é que o ato, não obstante defeituoso,

deve ser considerado válido . Isso é o que devemos ter em mente

quando lemos o capítulo, senão não se entende. O que ele diz a toda hora

é: "não é nulo", não deve decretar a nulidade, não é isso, não é aquilo; nega

tanto quanto possível a invalidade do ato. O capítulo é bem inspirado.

Realmente, no D. Processual moderno, a tendência é essa: nulidade só em

último caso, onde não há outro jeito. Agora, ele não é muito bem redigido,

as idéias que orientaram o legislador são corretas, embora a técnica de

redação desses dispositivos seja desigual. Por isso deu lugar a uma série

Page 155: Barbosa Moreira - Processo Civil

155

de dúvidas na aplicação prática dos dispositivos. Antes de ler quero fazer

outra observação: esse capítulo quase que se ocupou exclusivamente com o

problema da invalidade ou da validade do ato em função da forma, mas nós

sabemos que a forma não é o único elemento do ato, e portanto não é só

em relação à forma que o ato precisa satisfazer determinados requisitos

para ser válido. Há os requisitos referentes aos outros elementos, por ex.,

ao sujeito - se o sujeito é o Juiz há o requisito da competência, se é a parte

há o requisito da capacidade. Então o Código não considerou isso nesse

capítulo. Exclusivamente trata das questões referentes à forma, das

possíveis infrações da forma. Então há, dispersos ao longo do Código,

outros dispositivos concernentes ao mesmo assunto. Por ex., o art. 113, §

2º cuida do problema da falta do requisito da competência. Eis aí uma

regra curiosa: trata-se da incompetência absoluta, não é a relativa. Ora,

um dos requisitos que em princípio o ato processual deve satisfazer é a

competência do sujeito. O sujeito é um elemento do ato e deve ser

competente. Nós poderíamos pensar então que toda vez que faltar esse

requisito o ato é inválido, mas estaríamos pensando mal. Por motivos de

conveniência, para salvar tanto quanto possível os atos praticados ao longo

do processo, a incompetência do sujeito nem sempre acarreta

invalidade. Quando o Juiz é incompetente, tecnicamente nós poderíamos

supor que todos os atos que ele praticou fossem anulados. Mas tal não

acontece. "Somente os atos decisórios" - notem que existe uma diferença

quanto aos atos do mesmo sujeito. Se o Juiz praticou no processo 50 atos

dos quais só um teve caráter decisório, o mesmo defeito que está presente

em todos aqueles atos produz conseqüências diferentes. Em relação aos

atos não decisórios esse defeito não afeta a validade : uma prova,

interrogação de testemunha, inspeção judicial de um imóvel, nada disso é

nulo, só é nulo o ato que ele praticou em caráter decisório; aproveita-se o

mais. Então notem: a mesma circunstância ora tem a conseqüência de

invalidar o ato, ora não. Dentro do próprio processo, ora anula ora não

anula. Então, aí está uma regra relevante para o assunto, e no entanto

situada fora do capítulo das nulidades.

No capítulo das nulidade os srs. notarão que se emprega

sempre a palavra nulidade e não há referência à anulabilidade. É uma falha

técnica. Não quer dizer que todos os atos inválidos no processo sejam

nulos - há certos efeitos que só produzirão conseqüências se a parte

interessada tomar a iniciativa de provocar a distruição do ato , e é

perfeitamente compreensível que assim seja, porque há certas regras que

protegem exclusivamente interesses privados e são dispositivas, i.e., o

interessado pode utilizar aquela garantia. Vejam, por ex., o art. 217 (vários

casos de interesse privado referindo-se à citação). Se a citação for feita

numa dessas circunstâncias, esta citação deve ser considerada válida?

Vejam: se o interessado é exclusivamente o citado e se ele pode abrir mão

dessa garantia que a lei lhe outorga, ele pode dizer, p.ex., que se casou na

Page 156: Barbosa Moreira - Processo Civil

156

véspera, mas abre mão da garantia, por que se há de considerar nulo esse

ato? Qual a razão para isso? A pessoa interessada não reclama, não

protesta, aceita; agora, ela pode dizer que se casou ontem e impugnar essa

citação. Aí sim, ela está fazendo valer o direito que a lei lhe dá. Então

esse ato é simplesmente anulável, não é um ato nulo.

Voltemos ao capítulo das nulidades. Art. 243 e seguintes.

Vejam que a preocupação é exclusivamente a respeito da forma. Tanto num

caso como noutro, a lei procura salvar e não cominar o ato, até mesmo

quando ela própria comina a sanção de nulidade para a inobservância da

forma (art. 243), mesmo aí ela põe uma restrição. É claro que isso aí só

vale para os casos de anulabilidade, porque para os casos de

verdadeira nulidade pouco importa que a pessoa tome ou não a

iniciativa, o Juiz pode, de ofício, reconhecer a nulidade . A norma está

mal redigida, porque ela na verdade se refere aos atos anuláveis e não aos

atos nulos.

Quanto ao art. 244, a lei tempera o rigor da sanção com uma

consideração finalística: desde que o ato tenha atingido a sua finalidade,

pouco importa que tenha sido praticado por uma forma diferente daquela

que a lei impunha ou recomendava; se atingiu a finalidade por outra forma

vale, não é nulo.

Art. 245 - Aí também está em causa a hipótese de atos cuja

invalidação dependa da iniciativa da parte, o que se vai ver pelo parágrafo

único. É óbvio que se o Juiz a declarar de ofício, pouco importa que a

parte tenha ou não alegado a tempo, ou até que nem tenha alegado ,

já que a declaração de nulidade não depende da iniciativa da parte. Por

isso chamei a atenção para o fato de que a lei não é muito técnica na sua

terminologia; o seu espírito é louvável, mas é mal redigida do ponto de

vista técnico. Porque isso só se refere a ato cujo defeito tenha que ser

impugnado pela parte. Por isso, precisamos ter cuidado para não

escorregarmos nessas casquinhas de banana que o texto espalha à nossa

frente.

Art. 246 - Aí já se trata de coisa diferente, não é mais nulidade

do ato processual, é nulidade do processo. Vamos deixar para o fim.

Art. 247 - Nulas, aí, deve ser entendido com inválidas,

podendo ser nulas ou apenas anuláveis, conforme o caso. Se a citação é

feita com infração da regra editada para proteger o interesse público, então

é nula. Assim como naquele caso que vimos dos noivos: é apenas o

interesse particular que está em jogo e o direito é disponível, a a parte

pode abrir mão daquele privilégio, então a citação seria apenas anulável e

não nula.

Page 157: Barbosa Moreira - Processo Civil

157

Art. 248 - também vamos deixar par o fim.

Art. 249 e §§ - Agora é que é uma regra importante. Também

constitui uma tentativa de salvação. Vejam quantas "bóias" a lei atira aos

atos processuais irregulares, defeituosos, para evitar que naufraguem. Isso

mostra que esse capítulo abre uma série de chances para que o ato

defeituoso não seja invalidado , não seja considerado nem nulo nem

anulável em certos casos. A regra do § 2º é a contrapartida, no CPC, da

chamada LEI DA VANTAGEM do direito do futebol. Porque o futebol tem

direito, suas regras constituem um ordenamento jurídico, como as de

qualquer jogo. Há uma regra de futebol que ordena ao juiz que, quando

aquele que sofreu a falta e portanto seria o interessado em impugnar a

validade do lance, contudo não é prejudicado e consegue levar vantagem, o

juiz não deve anular o episódio, isto é, não deve marcar a falta. E a mesma

coisa também vale para o ato processual. Desde que o Juiz vai poder

decidir a favor da parte a quem, se não fosse assim, aproveitaria a

invalidade do ato, qual é o melhor para a parte? É o ato ser invalidado ou é

ela ganhar a causa?

Art. 250 - Esta é uma regra que se refere ao processo e

não ao ato processual .

Qual é a conseqüência da invalidação de um ato processual,

seja declarando-se nulo, seja anulando-se? O processo é uma série

contínua e nele os atos posteriores dependem dos anteriores, há uma

relação de dependência entre eles . Daí a regra do art. 248 - uma regra

importante, que é o aproveitamento daquilo que no ato é válido. É uma

regra que existe também no direito privado. Quando num ato é possível

distinguir partes autônomas, o fato de uma delas ser defeituosa não

prejudica as outras. Salva-se aquilo que for possível do ato. É claro que

isso só se aplica aos atos concretos e que tenham uma pluralidade

de aspectos. Assim, por ex., a audiência de instrução e julgamento é um

ato concreto, tem várias etapas. Se no curso dela surge um motivo de

invalidade, anula-se o que ocorre dali em diante, mas não se anula a

audiência inteira. Então, na hora de refazer, só será necessário refazer a

parte que foi invalidada e não a parte anterior que já foi feita.

Eu lhes disse que era preciso distinguir entre o problema da

validade ou da invalidade dos atos processuais considerados cada um de

per si, e o problema da validade ou invalidade do processo considerado no

conjunto, no seu todo. Há certos atos, certas circunstâncias, que

afetam não um ato processual ou dois ou três, afetam o processo

todo. Ex: no art. 214, faltando a citação inicial, portanto, o processo é

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158

todo ele inválido, não é um ato, não é a nulidade do ato, é a nulidade do

processo.

Art. 246 - Se o M.P. não for intimado para atuar como fiscal da

lei, o processo é nulo. Então o caso é de nulidade do processo e não de

atos isolados.

Uma pergunta, à primeira vista engraçada: num processo nulo

pode acontecer que haja pelo menos um ato válido? Sim. O ato pelo qual

ele é anulado, esse ato é válido . Se o Juiz, lá no fim do processo verifica

que houve uma causa de nulidade e diz "anulo todo o processo", essa

decisão não é válida? Se não o fosse, o processo não seria anulado. É um

caso interessante em que, serrado o galho junto do tronco, contudo, um

fruto permanece em seu lugar.

PROBLEMAS

Pendendo um processo entre A e B sobre a propriedade de certo imóvel, C,

que por sua vez se considera dono, quer intervir a fim de reclamá-lo para si.

Pergunta-se:

1) Qual a modalidade de intervenção adequada ao caso?

R.: O art. 56 do CPC é o dispositivo aplicável. "Quem pretender, no todo ou

em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu, poderá,

até ser proferida a sentença, oferecer OPOSIÇÃO contra ambos.

2) Até que momento deve C utilizar-se dela se quiser ter a certeza de que o

seu pedido será julgado na mesma sentença que julgar a ação de A contra

B?

R.: É aquele problema que nós vimos. O Código trata, na seção dedicada à

oposição, da oposição como modalidade de intervenção de terceiro e de

uma outra oposição, que não constitui modalidade de intervenção de

terceiro, porque dá ensejo à formação de um outro processo ,

descaracterizando, portanto, a intervenção de terceiro. Para que fique

seguro de que o seu pedido será apreciado conjuntamente com o pedido

formulado pelo autor primitivo, ele tem de intervir no processo pendente. E

isso ele só pode fazer até o início da audiência de instrução e julgamento.

O art. 59 do CPC diz que a oposição oferecida antes da audiência será

apensada aos autos principais e correrá simultaneamente com a ação,

sendo ambas julgadas pela mesma sentença. Eu perguntaria o seguinte:

caso C, ao invés de formular o seu pedido antes da audiência, formulasse

depois, existiria alguma possibilidade de que os pedidos venham a ser

apreciados conjuntamente, concomitantemente? Desde que ainda não

Page 159: Barbosa Moreira - Processo Civil

159

tenha havido julgamento do primeiro pedido, desde que o processo

originário ainda esteja correndo em primeira instância (porque pode

acontecer que quando C vai formular o seu pedido o processo já se encontre

em grau de recurso, hipótese em que seria inconcebível o julgamento

simultâneo em primeira instância), desde que ainda não haja sentença em

relação ao processo primitivo, existe a possibilidade, a despeito de C propor

a sua ação depois do início da audiência, de os dois pedidos serem

apreciados simultaneamente. É justamente para alcançá-la que o Código,

no art. 60, permite ao Juiz sobrestar o andamento do primeiro processo por

90 dias (prazo máximo), a fim de que se verifique se os dois podem acertar

o passo e conseqüentemente se os dois pedidos podem se julgados

concomitantemente.

OBS: Existe aí a prevenção? A prevenção pode ocorrer, mas isso não é

prevenção. Isso é uma autorização legal para que o Juiz detenha, durante

um prazo mínimo previsto na lei, a marcha do primeiro processo. A

prevenção é o fenômeno relativo à competência, que pressupõe dois ou

mais órgãos em tese competentes para processar e julgar aquela causa.

Por ex., aqui na capital existem várias varas cíveis, todas elas com a

mesma atribuição, todas com competência para processar e julgar o mesmo

tipo de causa. De tal maneira que se faz necessário, diante da pluralidade

de órgãos, todos eles em tese competentes, verificar qual deles será

competente em relação a um processo determinado. Prevenção é isso. Ela

provoca essa determinação da competência num desses órgãos e, por outro

lado, atrai para o órgão em relação ao qual ela se formou, ações que

guardem com ela uma certa familiaridade, por ex., ações conexas. Como a

oposição, mesmo que não seja formulada com intervenção de terceiro,

contem um parentesco com o pedido originário, a prevenção ocorre se for

possível, se o processo ainda estiver pendente do órgão de primeiro grau,

mas a prevenção é isso - não é possibilidade de sobrestar o andamento do

processo.

3) Que posição ocuparão A e B em face de C?

R.: Quem formula a oposição, como se chama? OPOENTE. Ele é o autor,

sem dúvida alguma, ele propõe ação, a oposição é uma ação, quer seja

formulada autonomamente, quer seja embutida naquele processo

pendente e, portanto, quem a propõe é autor . Agora, esse autor tem

nome técnico, que é opoente. E as partes do processo que já corria, após a

oposição e perante a oposição, de denominam OPOSTOS. C é o opoente; A

e B os opostos; ocuparão em face de C a posição de réus. Uma pluralidade

de réus - litisconsórcio, que não deixa de ser necessário. A rigor, foge um

pouco do esquema de litisconsórcio necessário, ele é inevitavelmente

necessário, não deixa de ser necessário. Aí já fica difícil encontrar o

dispositivo legal, seria mais uma construção teórica do que uma indicação

de dispositivos legais. O problema aí não tem característica propriamente

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normativa, a resposta deveria revelar a compreensão de que, defronte ao

opoente, o autor e o réu, quer dizer, os opostos, ficam irmanados num

ponto que é esse, ver repelida a pretensão do opoente, embora entre si

continuem a digladiar-se.

O litisconsórcio é inevitavelmente necessário se a oposição é

formulada como uma intervenção de terceiro no processo. Não há como ele

deixar de ser necessário, mas não é por isso que ele deixa de ser. Para

mim alguma coisa não encaixa muito bem no litisconsórcio necessário.

Que é litisconsórcio passivo, é indiscutível no tocante à

oposição. O problema é com relação aos opostos e não ao opoente. O

opoente terá ingressado no processo porque quis, uma vez que a oposição é

uma modalidade voluntária de intervenção. Agora, ele tendo ingressado no

processo, necessariamente serão citadas as partes que figuravam no

processo, autor e réu. Então é necessário, no sentido de que, oferecida a

oposição, serão citados e figurarão como réus, como litisconsortes,

inevitavelmente, autor e réu, que já figuravam naquele processo. E se um

reconhecer, ele terá reconhecido como réu, e portanto ele terá sido réu, e

portanto terá havido litisconsórcio. Mas esse litisconsórcio não seria

unitário. Mas nada impede que o réu da ação primitiva, por ex., diga o

seguinte: "Em relação ao autor eu ia brigar até a morte, mas em relação ao

opoente eu reconheço, ele é realmente o dono." Nada impede que isso

aconteça. Tem até um dispositivo expresso no Código, art. 58, que diz que

se um dos opostos reconhecer a procedência do pedido, contra o outro

prosseguirá o opoente. Portanto, até isso acontecer, terá havido um

litisconsórcio.

4) Caso C não intervenha, ficará impedido de reclamar o imóvel

posteriormente da parte vitoriosa no primeiro processo?

R.: Caso C não intervenha, ele não ficará impedido de reclamar o imóvel

posteriormente da parte vitoriosa no primeiro processo. Ele ficaria

vinculado àquela decisão se ele não tivesse participado do processo? Não.

A relação jurídica de que ele se considera titular seria abrangida por aquele

decisão? Não. De tal maneira que a falta da intervenção não lhe traz

nenhum prejuízo por isso, porque qualquer que seja o resultado daquele

processo, nada lhe impedirá de posteriormente reclamar a coisa contra

parte que tiver saído vitoriosa.

Aí seria necessário demonstrar a compreensão de que um dos

efeitos da oposição, como intervenção no processo, é ficar o opoente

vinculado à decisão, de tal maneira que, se ele não ingressa no processo,

ele não fica vinculado à decisão, aquela decisão não o afeta, e nada lhe

impede de instaurar mais tarde um outro processo, para reclamar aquele

bem. A menção exata aos dispositivos legais os srs. não estariam

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habilitados a fazer em termos exaustivos, que abrangeria, inclusive, coisa

julgada, etc., que só será estudado ano que vem. O quer seria exigido na

resposta seria a demonstração de que o aluno compreendeu porque o

opoente não fica impedido de mais tarde instaurar novo processo - porque

se ele tiver participado e tiver perdido, não poderá mais tarde instaurar

outro processo.

FIM DO PRIMEIRO VOLUME