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 na Paula de Barcellos Professora djunta de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERI); Doutora em Direito Público pela UERI PONDERAÇÃO, R CION LID DE E TIVID DE JURISDICION L BPDEA k TW RENOVAR Rio de aneiro • São Paulo • Recife 2 5 fleall...Bra•kl.rara ul  8,1043% L6tersbe ANo.J• RI .LIIII És At I kni NÃO Fac., etdP1+

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  na Paula de Barcellos

Professora djunta de Direito Constitucional da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERI);

Doutora em Direito Público pela UERI

PONDERAÇÃO,

R CION LID DE E

TIVID DE JURISDICION L

BPDEA

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Rio de aneiro • São Paulo • Recife

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Carlos Alberto Menezes Direito

Caio Tácito

Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.

Celso de Albuquerque Mello

in rnemoriam)

Ricardo Pereira Lira

Ricardo Lobo Torres

Vicente de Paulo Barretto

Revisão Tipográfica:

M° de Fátima Cavalcanti

Capa:

Sheila Neves

Editoração Eletrônica:

TopTextos Edições Gráficas Ltda.

2 tiragem - janeiro de 2007

JO. _

0102

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Barcellos, Ana Paula de

8426p

onderação, racionalidade e atividade jurisdicional / Ana Paula de

Barcellos. — Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

356p. ; 21 cm

Inclui bibliografia

ISBN 85-7147-511-3

1. Direito constitucional — Brasil. I. Título.

CDD 343.8104

Proibida a reprodução Lei 9.610/98)

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

AGRADECIMENTOS

Poder agradecer, já se disse, é uma benção divina.

Mas é

preciso retificar. Na verdade não se trata

propriamente de

poder

agradecer. Sempre há o que agradecer.

Na maior parte

das vezes a questão é ter olhos de ver o que se tem recebido

e humildade para reconhecer que, sozinhos, somos pouco

mais que nada. No caso específico deste trabalho, o mais cego

e soberbo dos homens não teria como deixar de ser grato.

Há tanto a agradecer e a tantas pessoas que este registro

mais do que um costume editorial, tornou-se pessoalmente

tão importante quanto o próprio trabalho que o segue. Não

fui capaz de inventar novas línguas ou imaginar formas origi-

nais de demonstrar minha gratidão e tocar as pessoas. Mais

uma vez, só me restam as palavras de sempre. Seja como for,

estou certa de que Deus ouvirá minhas orações em favor de

cada um dos envolvidos.

Este

livro corresponde, com pequenas adaptações, à tese

denominada "A técnica da ponderação: metodologia e parâ-

metros jurídicos", apresentada em conclusão do Doutorado

em Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade

do

Estado

do

Rio de Janeiro. Participaram

da banca exami-

nadora, para honra do trabalho e meu orgulho pessoal, além

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do Professor Luís Roberto Barroso, orientador do estudo, os

professores José Afonso da Silva, Clèmerson Merlin Clève,

Ricardo Lobo Torres e Paulo Braga Galvão. Sou grata de

forma muito particular a cada um deles por suas críticas,

observações e sugestões sobre a tese. A rigor, a expectativa

de ter tais professores na banca examinadora me impulsionou

a realizar o melhor trabalho que fui capaz de produzir, e

apenas por isso já sou especialmente grata.

O orientador deste trabalho foi o Professor Luis Roberto

Barroso. Há pessoas que entram na vida de outras e mudam

suas existências de forma maravilhosa e definitiva. Na minha

vida, uma dessas pessoas é, sem dúvida, o Professor Luís

Roberto Barroso. Há onze anos compartilhamos amizade,

companheirismo fraternal, projetos acadêmicos e profissio-

nais. Eu gostaria de veicular minha gratidão de uma forma

precisa, que correspondesse ao que penso e sinto, mas essa

forma não existe na Terra. Só me resta dizer obrigada; mas

me consola saber que serei perfeitamente compreendida.

Este trabalho não teria sido possível sem a ajuda incan-

sável e preciosa em cada aspecto de Danielle Lins. Seu

talento, sua inteligência e seu carinho foram imprescindíveis.

Renata Ramos, lá de Cambridge, fez uma revisão completa e

profunda do texto, além de ter sido uma interlocutora valiosa.

Também reviram o texto, e me livraram de muitos proble-

mas, Eduardo Mendonça, Luís Eduardo Barbosa Moreira e o

insuperável Nelson Diz. Ajudaram muitíssimo na revisão

formal e padronização, em momentos diversos, os Felipes

Fonte e Barcellos e Juba Rodrigues. Carmen Tiburcio foi e é

um ser humano sob a forma de injeção de ânimo para quem

está ao seu redor.

Todas as pessoas que acabo de listar estão ou estiveram

vinculadas a minha segunda família: o escritório Luis Roberto

Barroso Associados. Na verdade, se alguém não ajudou

diretamente neste trabalho foi porque não pôde. Esse é o

caso dos brilhantes advogados Karin Basílio Khalili, Viviane

Perez e Rafael Barroso Fontelles, que estavam muito ocupa-

dos trabalhando, justamente para que eu pudesse me dedicar

ao doutorado. Seu carinho em todo o tempo, porém, é o que

vale a pena e sou muito grata a eles.

Flávio Galdino, companheiro de jornadas acadêmicas,

participou de inúmeras discussões sobre diferentes pontos da

tese, reviu o texto e esteve sempre presente. Sou grata ainda

a meus alunos da Faculdade de Direito da UERJ. Muitas

vezes eles foram cobaias involuntárias das idéias desenvolvi-

das neste trabalho e o produto obtido nos grupos de pesquisa

foi útil em muitos pontos da tese que agora se transforma

em livro. Leandro Barifouse, além de cobaia, prestou impor-

tante ajuda na revisão dos originais.

Passarei o resto de meus dias ocupada em agradecer a

meu marido, Daniel; não será suficiente,

M28

será um prazer.

Ele, como ontem, e a cada dia mais, é a alegria da minha vida.

Mais uma vez, sem ele, eu sequer seria eu mesma e nada

disso teria importância ou valor algum. Obrigada, meu que-

rido. Jonatas e Felipe são meus filhos de eleição e agradeço

pelo carinho constante. Meus pais, José e Alice, e minha tia,

Marcelina, são incansáveis sustentáculos: obrigada mais uma

vez.

Reservo minhas melhores palavras para expressar minha

gratidão a Deus, acima de tudo e de todos. Sinto-me como

Abraão: em tudo tenho sido muito abençoada. A verdade é

que toda boa dádiva vem de Deus e é preciso ser grata. Ao

Todo-Poderoso, portanto, pai de nosso Senhor e Salvador

Jesus Cristo, por seu amor e por sua bondade permanentes,

agradeço com tudo o que sou e possuo.

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Prefácio

DIREITO RACIONALIDADE

E PAIXÃO

I. A autora

Há professores que mudam a vida dos seus alunos. Pelo

talento pelo amor ao ensino ou por um gesto amistoso

servem de inspiração exemplo ou símbolo para os jovens

estudiosos. Tive alguns mestres assim ao longo da vida e

os guardo na mente e no coração. Nos meus melhores

sonhos vivo a esperança de ser um desses.

É menos comum na vida acadêmica um aluno mudar

a vida de seu professor. Foi o meu caso na longa interação

acadêmica que mantenho com Ana Paula de Barcellos. Aliás

percebi que isto poderia acontecer desde o primeiro mo-

mento quando ela venceu o concurso para se tornar minha

monitora pouco mais de dez anos atrás. A velocidade e

profundidade com que dava retorno às pesquisas que eu lhe

passava impuseram a mim mesmo desde o começo do nosso

convívio um novo ritmo e um outro patamar.

De lá para cá Ana Paula e eu desenvolvemos uma

intensa relação profissional e acadêmica na qual ela tem

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sido não apenas uma interlocutora brilhante, construtiva e

dedicada, mas também co-autora de diversos trabalhos que

produzimos juntos. Em livro recente que escrevi, prestei

sobre ela o depoimento que me pareceu justo:

(...) E Ana Paula de Barcellos, que há dez anos ingres-

sou na vida acadêmica pelas minhas mãos, tendo sido

minha monitora e minha orientanda de mestrado e de

doutorado, até tornar-se professora da UERJ por con-

curso público. O leitor imaginará que tenha sido pro-

veitosa para a jovem estudiosa a convivência com seu

professor. Mas deve saber que a recíproca é mais

intensamente verdadeira: de longa data beneficio-me

eu de seu talento privilegiado, de sua inteligência

emocional e de sua dedicação plena a todos os projetos

com os quais se compromete .

Um primeiro marco dessa relação foi sua dissertação

de mestrado, intitulada A eficácia jurídica dos princípios

constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa huma-

na.

Um trabalho precioso, que se tornou leitura obrigatória

no tema. Já agora vem à luz sua tese de doutorado, uma

obra-prima acerca do novo papel de juízes e tribunais na

interpretação do direito:

Ponderação racionalidade e ati-

vidade jurisdicional. Trata-se, provavelmente, do mais

bem-sucedido esforço já realizado na dogmática jurídica

brasileira de desenvolver parâmetros de juridicidade e

racionalidade na contenção da discricionariedade judicial'.

Luis Roberto Barroso,

Temas de direito constitucional t. 111 2005

Registros.

2 Sem surpresa, seu trabalho foi aprovado com nota máxima, em

banca da qual participaram, além de mim, como orientador, os eminen-

tes professores José Afonso da Silva, Clêmerson Merlin Ceve, Ricardo

Lobo Torres e Paulo Braga Galvão.

Em homenagem à autora e ao leitor, animo-me a

algumas reflexões acerca do atual estágio do debate cons-

titucional no Brasil, que serviu de cenário e de inspiração

para o desenvolvimento da tese que ora apresento.

II. Neoconstitucionalismo, interpretação constitucional e

judicialização das relações sociais no Brasil

A dogmática jurídica brasileira sofreu, nos últimos

anos, o impacto de um conjunto novo e denso de idéias,

identificadas sob o rótulo genérico de

pós-positivismo

ou

principialismo. Trata-se de um esforço de superação do

legalismo estrito, característico do positivismo normativis-

ta, sem recorrer às categorias metafísicas do jusnaturalis-

mo. Nele se incluem a atribuição de normatividade aos

princípios e a definição de suas relações com valores e

regras; a reabilitação da argumentação jurídica; a formação

de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvi-

mento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada

sobre a idéia de dignidade da pessoa humana. Nesse

ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito

e a Ética.

Fenômeno contemporâneo, que entre nós iniciou seu

curso após a Carta de 1988, foi a passagem da Constituição

para o centro do sistema jurídico. À supremacia até então

meramente formal da Lei Maior agregou-se uma valia

material e axiológica, potencializada pela abertura do sis-

tema jurídico e pela normatividade de seus princípios'.

3

V. Pietro Perlingieri,

Perfis do direito civil

1997, p. 6: O Código

Civil certamente perdeu a centralidade de outrora. O papel unificador

do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilisticos

quanto naqueles de relevância publicista, é desempenhado de maneira

cada vez mais incisiva pelo Texto Constitucional . Vejam-se, também,

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Compreendida como ordem objetiva de valores

 

e como

sistema aberto de princípios e regras', a Constituição

transforma-se no filtro através do qual se deve ler todo o

direito infraconstitucional. Este importante desenvolvi-

mento metodológico tem sido designado como

constitucio-

Maria Celina B. M. Tepedino, A caminho de um direito civil constitu-

cional, RDC 65:21, 1993 e Gustavo Tepedino, O Código Civil, os

chamados microssistemas e a Constituição: premissas para urna refor-

ma legislativa. In: Gustavo Tepedino (org.),

Problemas de direito civil-

constitucional,

2001.

4

Na Alemanha, a idéia da Constituição como ordem objetiva de

valores, que condiciona a leitura e interpretação de todos os ramos do

direito, foi fixada no julgamento do célebre caso

Liith,

pelo Tribunal

Constitucional Federal alemão, que assentou: Los derechos funda-

mentales son ante todo derechos de defensa del ciudadano en contra

dei Estado; sin embargo, en las disposiciones de derechos fundamenta-

les de la Ley Fundamental se incorpora también un orden de valores

objetivo, que como decisión constitucional fundamental es válida para

todas las esferas dei derecho (Jürgen Schwabe,

Cincuenta anos de

jurisprudência dei Tribunal Constitucional Federal alemán,

2003, Sen-

tencia 7, 198). No caso concreto, o tribunal considerou que a conduta

de um cidadão convocando ao boicote de determinado filme; dirigido

por cineasta de passado ligado ao nazismo, não violava os bons costu-

mes, por estar protegida pela liberdade de expressão.

5

A idéia de

abertura

abriga dois conceitos:

incompletude —

a Cons-

tituição não tem a pretensão de disciplinar todos os temas e os que

disciplina somente o faz instituindo os grandes princípios — e certa

indetenninação de sentido,

que permite a integração de suas normas

pela atuação do legislador e do intérprete. V. Luís Roberto Barroso,

Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional bra-

sileiro. In:

A nova interpretação constitucional,

2003. Sobre a distinção

entre princípios e regras, v.

infra

e, especialmente, Ronald Dworkin,

Taking rights seriously,

1997, e Robert Alexy,

Teoria de los derechos

fundamentales,

1997. Para a idéia de

abertura

do sistema jurídico, v.

Claus-Wilhelm Canaris,

Pensamento sistemático e conceito de sistema

na ciência do direito,

1996. Para um tratamento sistemático destas

questões, v. também J. J. Gomes Canotilho,

Direito constitucional e

teoria da Constituição,

2000, p. 1.121 es.

nalização do direitos, uma verdadeira mudança de para-

digma que deu novo sentido e alcance a ramos tradicionais

e autônomos do Direito, como o civil, administrativo,

penal, processual etc.

Ainda nesse ambiente, desenvolveu-se um conjunto de

idéias que foi identificado — inclusive por mim e pela

autora — como

a nova interpretação constitucional , mar-

cada pela mudança de dois paradigmas: o do papel da

norma jurídica e o do papel do intérprete na realização do

direito'. Foi no âmbito dessas novas formulações teóricas

Sobre o tema, v. Riccardo Guastini, La constitucionalización dei

ordenamiento jurídico: el caso italiano. In: Miguel Carbonell (org.),

Neoconstitucionalismo(s), 2003; e Luís Roberto Barroso, O novo direi-

to constitucional e a constitucionalização do direito. In: Temas de

direito constitucional, t. III, 2005.

7

uís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, O começo da histó-

ria. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no

direito brasileiro. In: Luís Roberto Barroso,

A nova interpretação cons-

titucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas,

2003.

8 interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas gran-

des premissas: a primeira, quanto ao

papel da norma,

que seria o de

oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos;

a segunda, quanto ao papel do

juiz, que seria o de identificar a norma

aplicável ao problema que lhe cabe resolver, revelando a solução nela

contida. Sua função seria uma

função

de conhecimento técnico, de

formulação de juízos de fato. Com o tempo, as premissas ideológicas

sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram

de ser integralmente satisfatórias, quer quanto ao papel da norma, quer

quanto ao papel do intérprete. De fato, quanto ao papel da norma,

a

solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato

abstrato da norma. Muitas vezes só é possível produzir a resposta

constitucionalmente adequada à luz doproblema, dos fatos relevantes,

analisados topicamente; quanto ao

papel do juiz,

já não será apenas um

papel de conhecimento técnico, voltado para revelar o sentido contido

na norma. O juiz torna-se co-participante do processo de criação do

Direito, ao lado do legislador, fazendo valorações próprias, atribuindo

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que foram desenvolvidas ou sistematizadas categorias es-

pecíficas, que incluem o emprego da técnica legislativa das

cláusulas abertas, a normatividade dos princípios, o reco-

nhecimento da existência de colisões de normas constitu-

cionais, a necessidade do emprego da técnica da pondera-

ção de valores e a teoria da argumentação como funda-

mento de legitimação das decisões judiciais. O papel chave

da ponderação dentro desse novo modelo de racionalidade

jurídica foi a motivação do estudo ora apresentado.

Por fim, todos estes elementos novos — pós-positivis-

mo, constitucionalização do direito, nova interpretação

constitucional —, aliados a circunstâncias peculiares da

redemocratização no Brasil, levaram a um novo fenômeno:

a

judicialização da vida

a ampliação da interferência do

Judiciário nas relações sociais em geral'. Isto tem sido

verdade não apenas em relação às grandes questões insti-

tucionais —

e.g.

a constitucionalidade das Reformas da

Previdência e do Judiciário — ou afetas a direitos funda-

mentais —

e.g.

legitimidade da interrupção da gestação

de fetos inviáveis —, como também no que toca a temas

mais diretamente ligados à rotina da vida social, como o

valor da mensalidade dos planos de saúde ou a majoração

das tarifas telefônicas.

Pois bem: a abertura dos textos normativos, o exercício

de discricionariedade pelo intérprete e a expansão do papel

de juízes e tribunais criaram novas demandas de elaboração

sentido a cláusulas abertas e realizando escolhas. V. Luis Roberto Bar-

roso,

Temas de direito constitucional t.

III, 2005, p. 515-16.

9

obre este tema, v. Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Resende de

Carvalho, Manuel Palácios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos, A

judicialização da política e das relações sociais no Brasil

1999; Mark

Tushnet,

Taking the constitution away from the cozias

1999; Robert

Bork

Coercing virtue

2003; e Ran Hirschl,

Towards juristocracy

2004.

teórica. De fato, em nome da objetividade mínima do

direito e da previsibilidade das condutas, impõe-se o de-

senvolvimento de parâmetros técnicos que permitam a

controlabilidade das decisões, preservando o Estado de-

mocrático de direito de uma degeneração indesejável: a do

voluntarismo judicial. Com

pioneirismo e criatividade, este

livro enfrenta o desafio trazido pela nova realidade da

interpretação jurídica.

III. Algumas idéias centrais do trabalho

Na

primeira parte

de seu estudo, Ana Paula enuncia o

propósito de sua tese: proceder a uma ordenação metodo-

lógica da ponderação jurídica, conceituada como a técnica

de solução de conflitos normativos que envolvem valores

ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas

hermenêuticas tradicionais. Na seqüência, escreve páginas

primorosas sobre a racionalidade e a justificação das deci-

sões judiciais, analisa as críticas e formulações alternativas

à ponderação e expõe o tratamento da matéria nos direitos

norte-americano e alemão. Como pressuposto desses no-

vos desenvolvimentos, identifica a expansão do espaço

interpretativo e a ascensão política e institucional do Poder

Judiciário. Em suas palavras:

Nesse contexto, parte da sociedade (no Brasil e em

outros países), descrente do processo político normal,

alimenta a expectativa de que o Judiciário seja afinal

um espaço onde possam desenvolver-se de maneira

mais lisa a discussão e a definição de políticas públicas.

Esse movimento político acaba encontrando algum

respaldo em disposições normativas bastante vagas,

especialmente no nível constitucional, como visto aci-

ma. A despeito do impacto que essa forma de visualizar

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o

Judiciário possa ter sobre o regime democrático, a

percepção desse fenômeno ajuda a entender o ambien-

te no qual a técnica da ponderação tem se desenvolvido

e aplicado .

Na

segund p ne

do trabalho, a autora expõe um

roteiro lógico e didático da ponderação, a ser percorrido

em três etapas, analiticamente desenvolvidas. Na primeira

etapa, cabe ao intérprete proceder à identificação dos

enunciados normativos em tensão. Na segunda etapa, cabe-

lhe a identificação dos fatos relevantes e a apreciação da

repercussão da incidência dos enunciados normativos so-

bre os fatos selecionados. Por fim, chega-se à terceira

etapa, que é a fase decisória da ponderação. É bem de ver,

corno adverte o texto, que a técnica da ponderação em si

não oferece respostas para as questões de natureza material

que se colocam neste momento, mas a observância de

determinados cuidados metodológicos ajudam na formu-

lação da solução mais adequada. É como explica Ana Paula:

Neste momento, o aplicador precisará de parâmetros

propriamente jurídicos para orientar suas escolhas que,

no entanto, não são fornecidos pela técnica da ponde-

ração em si. De toda sorte, antes mesmo desses parâ-

metros, três diretrizes devem ser consideradas pelo

intérprete: (i) qualquer decisão deve poder ser gene-

ralizada para casos equiparáveis (pretensão de univer-

salidade), assim como a argumentação empreendida

deve utilizar uma racionalidade comum a todos; (ii)

sempre que possível o intérprete deve produzir a con-

cordância prática dos enunciados em disputa; e (iii) a

decisão a ser produzida deve respeitar o núcleo dos

direitos, ainda que um núcleo apenas consistente, e não

duro .

Na

terceir e últim p rte

da tese, Ana Paula de Barcellos

desenvolve um conjunto de parâmetros preferenciais que

deverão orientar a atividade do intérprete. São eles presun-

ções de caráter relativo destinadas a reduzir a subjetividade

e ampliar a controlabilidade das decisões. Tais parâmetros

poderão ser gerais — aplicáveis a qualquer espécie de litígios

— ou particulares, que se ocupam de colisões entre dispo-

sições específicas. Ao cuidar dos parâmetros gerais, assim

sintetizou a autora a sistematização que propôs:

Ao longo do processo ponderativo o intérprete pode

lançar mão de dois parâmetros gerais: (i) os enunciados

com estrutura de regra (dentre os quais os núcleos dos

princípios que possam ser descritos dessa forma) têm

preferência sobre aqueles com estrutura de princípios;

e (ii) as normas que promovem diretamente os direitos

fundamentais dos indivíduos e a dignidade humana têm

preferência sobre aqueles que apenas indiretamente

contribuem para esse resultado.

(...) Embora o parâmetro geral seja o da preferência

das regras sobre os princípios, há duas situações nas

quais as regras estarão envolvidas com a ponderação de

certa forma: (i) quando a incidência de uma regra

produz tamanha injustiça que a torna incompatível com

as opções materiais da Constituição; e (ii) quando há

uma colisão insuperável

de regras .

De minha parte, poderia prosseguir indefinidamente,

colhendo os incontáveis achados do texto. Mas seria uma

pretensão e uma inconveniência pautar a leitura do livro

de acordo com meus próprios olhos. Por isso mesmo, deixo

o

caminho livre para que o leitof possa fazer as suas

escolhas e desfrutar, sem intermediários,' desse trabalho

memorável.

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IV. Conclusão

O trabalho da professora Ana Paula de Barcellos é

motivo de orgulho e realização para o Programa de Pós-

graduação em Direito Público da Universidade do Estado

do Rio de Janeiro. Nele se concentra o melhor do nosso

ideal: boa teoria constitucional simplicidade e clareza na

forma e capacidade de promover uma interlocução cons-

trutiva entre a academia e o mundo real entre teóricos e

operadores do direito. Na juventude de seus trinta anos

Ana é uma jurista de primeira grandeza que realiza com

maestria este desiderato.

Apenas uma última advertência. Não leia este livro

incidentalmente como um fato casual da rotina dos estu-

dos jurídicos. Há risco de se desperdiçar uma grande

oportunidade. O trabalho que se segue é um marco na

compreensão das complexidades do direito em nosso tem-

po e na busca de legitimidade racionalidade e controlabi-

lidade para a interpretação judicial. Por isso mesmo é

preciso percorrer as suas páginas com os sentidos em alerta

e o coração aberto pronto para uma grande paixão. Há

risco de a vida não voltar a ser a mesma.

Rio de Janeiro 22 de junho de 2005.

Luís Roberto arroso

Professor titular de direito constitucional da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro — UERJ.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

PARTE I

I.

LOCALIZANDO O TEMA DA PONDERAÇÃO

3

1.1. Ponderação interpretação e antinomias

23

1.2. Direito racionalidade e justificação: algumas notas

9

II.

EXAMINANDO AS CRÍTICAS À PONDERAÇÃO

9

III.

HÁ ALTERNATIVAS À PONDERAÇÃO? OS

LIMITES IMANENTES O CONCEPTUALISMO E A

HIERARQUIZAÇÃO

7

ALEMÃ

SOBRE AS EXPERIÊNCIAS NORTE AMERICANA E

IV.

ENFRENTANDO A PONDERAÇÃO: NOTAS

77

PARTE II

V.

A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO: UMA PROPOSTA

EM TRÊS ETAPAS

1

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V.1. Primeira etapa: identificação dos enunciados

normativos em tensão

92

a

Interesses e enunciados normativos

96

b

Normas e enunciados normativos

103

c

Situações individuais e enunciados normativos

112

V.2. Segunda etapa: identificação dos fatos relevantes 115

a Fatos relevantes

116

13 Repercussões dos fatos sobre os enunciados

normativos.

120

V.3. Terceira etapa: decisão

123

a

Pretensão de universalidade

125

b

Busca da concordância prática

133

c

Construção do núcleo essencial dos direitos

fundamentais

139

VI.

PONDERAÇÃO PREVENTIVA OU ABSTRATA E

REAL OU CONCRETA

146

PARTE III

VII.

ALGUMASNOTASSOBRE OSPARÂMETROS

159

Parâmetros preferenciais

159

VII.2. Parâmetros gerais e particulares

163

VIII.

PARÂMETRO GERAL 1: REGRAS TÊM

PREFERÊNCIA SOBRE PRINCÍPIOS

165

VIII.1. Fundamentação

166

a

Revendo as distinções relevantes entre

princípios, sua estrutura e diferentes categorias, e

regras

b

Revendo as diferentes funções de princípios e

regras

VIII.2 É possível ponderar regras?

DIRETAMENTE DIREITOS FUNDAMENTAIS DO S

INDIVÍDUOSTÊM PREFERÊNCIA SOBRE NORMAS

IX PARÂMETRO GERAL 2: NORMAS QUE REALIZAM

RELACIONADAS APENAS INDIRETAMENTE COM

DIREITOS

235

IX.1.

O momento e o objeto do parâmetro

236

IX.2

Fundamentação: o direito interno e o

internacional e o procedimentalismo

245

X. PARÂMETROSESPECÍFICOS: ELEMENTOSPARA

SUA CONSTRUÇÃO OU UM ROTEIRO PARA A

PONDERAÇÃO PREVENTIVA OU ABSTRATA

275

CONCLUSÕES

295

Referências bibliográficas

311

166

185

201

a

Modalidades de conflitos envolvendo regras

201

b

Solucionando os conflitos envolvendo regras:

eqüidade, imprevisão e invalidade de uma

incidência específica da regra

220

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Introdução

O verbo ponderar

e o substantivo ponderação

não são

expressões privativas do chamado mundo jurídico . O Di-

cionário Houaiss descreve ponderar como a ação de

atri-

buir pesos a diversas grandezas para calcular a média pon-

derada; examinar com atenção e minúcia; avaliar, apreciar

(p. as vantagens e as desvantagens); levar em consideração;

ter atenção sobre; sopesar

Neste sentido, toda decisão

humana minimamente racional envolve algum tipo de pon-

deração. O indivíduo avalia as vantagens e desvantagens de

casar ou permanecer solteiro, de adquirir uma casa ou um

apartamento, e, em função das conclusões a que chega,

toma suas decisões.

Na esfera pública, e em particular quando se cuida do

exercício do poder político, dá-se fenômeno similar. O ra-

ciocínio ponderativo, compreendido nesse sentido amplo,

será o principal instrumento lógico de trabalho do Legisla-

tivo. Cabe aos parlamentos, acima de tudo, avaliar vanta-

gens e desvantagens,

prós e contras ,

e decidir qual é a

icionário Houaiss da Língua Portuguesa,

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melhor disciplina aplicável às diferentes matérias que lhes

cabe regular. O Executivo, embora vinculado às escolhas

do legislador na maior parte do tempo, também fará uso da

ponderação nos seus espaços de competência própria e no

âmbito de sua atuação discricionária. E o Judiciário ocupa-

se exatamente de ponderar, compreendida a ponderação

no sentido descrito acima, as provas produzidas (para defi-

nir quais fatos ocorreram) e as razões apresentadas pelas

partes (para decidir a disposição aplicável ao caso e suas

conseqüências)

 

. Não é dessa espécie de ponderação, toda-

via, que se pretende tratar neste estudo, e sim de fenôme-

no muito mais especifico.

Se a ponderação no sentido genérico referido acima é

própria de toda decisão judicial — e, a rigor, de todo dis-

curso racional —, nos últimos anos, a jurisprudência brasi-

leira tem incorporado à sua prática uma forma de pondera-

ção muito particular, que merece exame exclusivo. Na rea-

lidade, a seguinte situação tornou-se freqüente: o intérpre-

te, afirmando estar diante de um conflito entre enunciados

normativos válidos', considera necessário

ponderá los.

O

resultado dessa operação, em geral, é que um dos enuncia-

omo se sabe, além dos argumentos das partes, o juiz pondera

(considerando a expressão no sentido referido no texto até aqui),

consciente ou inconscientemente, muitos outros elementos, dentre os

quais, a sua própria pré-compreensão do tema e o impacto que a decisão

produzirá sobre a sociedade. Sobre o tema, v. LARENZ, Karl.

Metodologia da ciência do direito,

1969, p. 393 e ss.; CAMARGO,

Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação,

2001; e

TORRE, Maximo La.

Theories of Legal Argumentation and Concepts of

Law. An Approximation,

Ratio Juris, vol. 14, n°4, 2002, pp. 377 a 402.

3

este estudo, as expressões

norma

ou

comando normativo,

de um

lado, e, de outro,

enunciado

ou

dispositivo normativo

identificam

fenômenos diversos, como será exposto em tópico próprio adiante. Até

que se trate do assunto, porém, os termos não serão empregados com

extremo rigor técnico a fim de facilitar a comunicação.

2

dos identificados inicialmente é aplicado e os demais são

afastados ou que a incidência de um é restringida em pro-

veito dos outros. Já não se trata aqui, é bom notar, de ava-

liar, ponderar

argumentos, razões ou o acervo probatório

produzido; mas sim de avaliar,

ponderar

enunciados nor-

mativos válidos e em vigor, muitas vezes de estatura cons-

titucional. Vejam-se alguns exemplos.

O art. 5° da Constituição de 1988, inciso XII, prevê ser

inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações

telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo,

no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma

que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou

instrução processual penal

e, no inciso LVI, considera

inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilí-

citos .

Apesar de tais regras, e antes de editada a lei referida

no inciso XII

 

, o Superior Tribunal de Justiça, em algumas

decisões', autorizou a utilização de gravações de conversas

telefônicas obtidas ilicitamente como prova no âmbito de

processos criminais. O entendimento do STJ partia do

pressuposto de que as regras constitucionais dos incisos XII

e LVI não seriam absolutas, exigindo temperamentos, de-

vendo-se

ponderá-las

com valores maiores na construção

da sociedade , também expressos na Constituição.

Em 15.02.2000, o Superior Tribunal de Justiça decidiu

hipótese envolvendo uma desapropriação indireta já transi-

tada em julgado'. A Fazenda do Estado de São Paulo havia

sido vencida e acordara com os autores o parcelamento do

débito. Tempos depois, já pagas algumas parcelas, apurou-

4

lei exigida pelo texto constitucional veio a ser a Lei n°9.296/1996.

5 STJ, HC 3982/RJ, Rel. MM. Adhemar Maciel, DJU 26.02.1996

RSTJ 82/321) e HC 4138, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU

27.05.1996.

6

TJ, REsp 240712/SP, Rel. Min. José Delgado, DJU 21.08.2000.

3

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se que a área supostamente apossada pelo Estado já perten-

cia a ele mesmo, não aos autores. Não dispondo mais da

possibilidade de propor ação rescisória por falta de prazo, a

Fazenda paulista ajuizou ação declaratória de nulidade de

ato jurídico cumulada com pedido de repetição de indé-

bito.

O debate acerca da concessão ou não de tutela anteci-

pada, a fim de se interromperem os pagamentos das parce-

las, chegou ao STJ, cuja 1' Turma, por maioria, concedeu a

antecipação pretendida. O principal argumento utilizado

pelos votos vencedores foi o de que a coisa julgada e seu

fundamento, a segurança jurídica, não se podem sobrepor

aos princípios da moralidade pública, da razoabilidade e da

proporcionalidade, sendo indispensável ponderar todos es-

ses elementos constitucionais

 

Ainda mais dois exemplos, agora da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal. Empresário supostamente en-

volvido em crimes de contrabando foi convocado para de-

por perante Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara

dos Deputados e requereu ao STF ordem para que a sessão

da CPI na qual seu depoimento seria tomado não fosse

televisionada. O fundamento do pedido foi a necessidade

de proteção da imagem e da honra do empresário (CF, art.

5  

, X). O Ministro Cezar Peluso, relator do Mandado de

Segurança, concedeu a liminar e proibiu o uso de câmeras

que possibilitassem a gravação de imagens do impetrante.

Após a ciência da decisão judicial, porém, a CPI remarcou

a sessão para outro horário e autorizou o uso de câmeras.

7

onfiram-se comentários sobre o caso por seu próprio relator, o

Ministro José Delgado, no artigo DELGADO, José. Efeitos da coisa

julgada e os princípios constitucionais .

In:

NASCIMENTO, Carlos

Valder do (coordenador).

Coisa julgada inconstitucional,

2002.

4

Submetida ao Plenário do STF, a decisão liminar não

foi referendada. A posição firmada pela maioria pode ser

resumida da seguinte forma: as sessões das CPIs são públi-

cas e deve prevalecer na hipótese o direito à informação

(CF, arts. 5

 

, IX e 220), sendo que qualquer afronta à hon-

ra ou à imagem pode ser reparada posteriormente, por

meio de indenização. Os Ministros Cezar Peluso, Gilmar

Mendes e Joaquim Barbosa ficaram vencidos por conside-

rarem, em primeiro lugar, que o direito à informação não

foi afetado, já que a imprensa não estava impedida de

acompanhar a sessão, ficando vedado apenas o televisiona-

mento. Em segundo lugar, e sobretudo tendo em conta o

descumprimento da liminar pela Comissão, a minoria en-

tendeu que a proteção da honra e da imagem do impetrante

só seria eficaz se fosse preventiva, não bastando para isso

posterior indenização'.

Em outra ocasião, o STF examinou o conflito entre a

liberdade de expressão (CF, art. 5

 

, IV e IX) e a vedação

constitucional à prática do racismo, considerado crime ina-

fiançável e imprescritível (CF, art. 5

 

, XLII). A hipótese

era a seguinte. Um editor havia publicado livros fazendo

apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias con-

tra a comunidade judaica e, processado criminalmente,

teve habeas corpus impetrado em seu favor perante o STF.

A Corte, por maioria, entendeu que a liberdade de expres-

são, a despeito de sua importância, não é absoluta, devendo

observar os limites impostos pela própria Constituição,

dentre os quais a condenação do racismo, sendo preponde-

rantes na hipótese os princípios da dignidade humana e da

igualdade jurídica de todas as pessoas. Com

esse funda-

mento, a Corte denegou o habeas corpus

 

8

TF, MS 24832 MC/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJU 26.03.2004.

9

TF, HC 82424/RS, Rel. MM. Maurício Corrêa, DJU 19.03.2004.

5

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Uma observação superficial já revela por que motivo a

ponderação

empregada nos exemplos acima é fenômeno

diverso da ponderação genérica identificada inicialmente.

Aqui, os elementos

ponderados

são dispositivos normativos

vigentes que, a rigor, em um Estado de direito, devem ser

aplicados uma vez que se verifique sua hipótese de incidên-

cia, mas que, no caso, parecem estar em colisão a ponto de

se excluírem reciprocamente. Ademais, a ponderação sub-

mete esses enunciados a um tipo de exame cujo objetivo é,

de certo modo, verificar a conveniência de sua aplicação ao

caso, a despeito de o juízo acerca de

prós e contras

já ter

sido feito pelo Legislador. Por fim, e os exemplos ilustram

esse ponto, a ponderação parece fornecer ao intérprete po-

deres extraordinários: ele é capaz de afastar a aplicação de

dispositivos válidos em benefício da aplicação de outros,

restringir o exercício de direitos fundamentais e até mes-

mo relativizar regras constitucionais.

Não se trata, portanto, de uma ponderação qualquer,

na qual vantagens e desvantagens são livremente avaliadas.

Em sentido diverso, trata-se de uma ponderação cuja maté-

ria-prima principal são disposições normativas válidas e em

vigor e isso a torna extremamente particular. Na verdade,

há aqui um ponto interessante. Embora o direito sempre

tenha cémvivido com a questão das antinomias, nunca se

falou tanto de colisões normativas e necessidade de ponde-

ração como nas últimas décadas'°. Alguns elementos socio-

10 A questão tem se tornado tão popular que corre o risco da

banalização, na medida em que autores e sobretudo decisões judiciais

empregam a ponderação sem qualquer conteúdo próprio ou cuidado

especifico. Nesse contexto, alguns autores começam a discutir a

necessidade de auto-contenção

self-restraint)

do Judiciário. V. MELLO,

Cláudio Ari.

Democracia constitucional e direitos fundamentais,

2004, p.

203 e ss..

lógicos, jurídicos e políticos ajudam a localizar historica-

mente e a compreender o fenômeno da expansão da técni-

ca da ponderação pelos meios jurídicosn.

Do ponto de vista sociológico, duas das características

mais marcantes das sociedades contemporâneas nos últi-

mos cinqüenta anos são o aprofundamento da complexida-

de das relações humanas em seus vários níveis e, em certa

medida como uma decorrência desse primeiro fato, a cres-

cente pluralidade existente dentro das sociedades

  . As

relações familiares admitem hoje, tanto nos vínculos entre

os adultos, como entre pais e seus filhos'', variações im-

pensáveis décadas atrás, cada uma delas acompanhada de

defensores e detratores. No âmbito de grupos sociais mais

abrangentes, e mesmo da sociedade internacional, temas

complexos dividem as pessoas em diferentes grupos de

localização histórica dos fenômenos sociais é indispensável para sua

compreensão adequada. Sobre o tema, v. ORTEGA Y GASSET, José.

Que

é filosofia?,

1971, p. 11 e ss.; e SALDANHA, Nelson.

Filosofia do

direito, 1998, p. 2 e ss..

12

UNSTEIN, Cass.

Conflicting Values

in

Laia

Fordham Law Review

n° 62, 1994, pp. 1661 e 1662: The first claim is that we value thingS in

different ways; that is to say, we value things not only in terms of

intensity, but in qualitatively distinct ways. It is not simply the case that

some things are valued more; it is also the case that some things are valued

differently from others. That is my first claim, about different modes of

valuation. The second claim is that human goods are not commensurable.

This is to say that there is no available metric along which we can align the

various goods that are important to us. (...) It might be more accurate to

say that economists and environmentalists value the environment in

different ways, with economists thinking that the environment is for

hum an exploitation and use, and environmentalists sometimes

challenging that assumption.

13

São temas atuais, além da adoção, a inseminação artificial, a

manipulação genética, a doação de sêmen, a desvinculação entre

paternidade biológica e paternidade jurídica e sócio-afetiva, dentre

outros.

7

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opinião, como é o caso do conflito entre interesse público

e direitos individuais, da violência, do terrorismo, do tráfi-

co de drogas, dos direitos humanos, das intervenções inter-

nacionais etc.

Para o estudioso, ou para o cidadão que tenha a preten-

são de estar bem informado, parece realmente que não há

mais coisa alguma simples no mundo: já não é possível exa-

minar com seriedade os problemas contemporâneos sob

um único ponto de vista ou oferecer-lhes uma resposta sin-

gela e direta, já que, com freqüência, eles envolvem valores

e interesses diversificados e conflitantes. Jornais e revistas

passaram a publicar matérias compostas de várias opiniões

sobre o mesmo tema, na tentativa de dar conta de sua mul-

tiplicidade e atrair leitores de todos os grupos . Nos regi-

mes democráticos, predominantes nas sociedades ociden-

tais nos últimos cinqüenta anos, essa pluralidade recebe

espaço institucional de manifestação e desenvolvimento.

Do ponto de vista jurídico, é possível identificar dois

processos em curso, também no meio século precedente,

ambos interligados. O primeiro deles tem sido identificado

como o movimento de

retorno do direito aos valores

 

Após a Segunda Guerra Mundial, e uma vez que o signifi-

cado da barbárie nazista pôde ser apreendido pelo pensa-

mento jurídico, o positivismo exclusivamente formal e nor-

mativista, que já se encontrava em crise, deixou de ser con-

siderado uma forma adequada de compreender o direito. A

14

ANOTILHO, J. J. Gomes.

A principialização da jurisprudência

através da Constituição,

Revista de Processo n° 98 (Estudos em

homenagem ao Ministro S álvio de Figueiredo Teixeira — Segunda parte),

2000, pp. 83 a 89.

15

INO, Carlos Santiago.

Etica y derechos humanos,

1989, p. 3 e ss.;

ALEXY, Robert.

Teoria de argumentação jurídica,

2001, p. 19 e ss.; e

TORRES, Ricardo Lobo.

Os direitos humanos e a tributação —

Imunidades e isonomia,

1995, p. 6 e ss..

8

teoria jurídica voltou-se então para os valores, reaproxi-

mou-se da moral e tem procurado desenvolver formas e

técnicas capazes de lidar com esses elementos ideais, mui-

tas vezes introduzidos no direito positivo sob a forma de

princípios

 

.

O segundo processo em curso na experiência jurídica

liga-se à ampliação do espaço no qual a interpretação jurí-

dica e o intérprete estão autorizados a transitar. É fácil

perceber que existe um vínculo entre essa ampliação e a

reaproximação com os valores e a moral: tendo em conta

sua abertura e abstração características, a aplicação de valo-

res a casos concretos, ainda que veiculados sob a forma de

princípios, exigirá do intérprete um esforço considerável

de integração. De toda sorte, é possível identificar no

pró-

prio

sistema jurídico causas imediatas para essa ampliação

do espaço próprio da interpretação jurídica, tanto no nível

constitucional, como na esfera infraconstitucionalu.

16

ara uma visão mais profunda do tema, v. BARROSO, Luis Roberto.

Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional

brasileiro (pós-modernidade, teoria critica e pós-positivismo) .

In:

BARROSO, Luís Roberto (organizador).

A nova interpretação

constitucional. Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas,

2003, pp. 1 a 49.

17

SANCHIS, Luis Prieto. Neoconstitucionalismo y ponderación

judicial . In: CARBONELL, Miguel (organizador).

Neoconstitucionalimo(s),

2003, pp. 131 e 132: El constitucionalismo

está impulsando una nueva teoria dei Derecho, cuyos rasgos más

sobresalientes cabria resumir en los siguientes cinco epígrafes: más

principios que regias; más ponderación que subsunción; omnipresencia de

Ia Constitución en todas las áreas jurídicas y en todos los conflictos

minimamente relevantes, en lugar de espacios exentos en favor de la

opción legislativa o reglamentaria; omnipotencia judicial en lugar de

autonomia dei legislador ordinario; y, por último, coexistencia de una

constelación plural de valores, a veces tendencialmente contradictorios,

en lugar de homogeneidad ideológica .

9

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Diversas Constituições contemporânea& e a brasileira

em particular, são generosas na referência a elementos va-

lorativos'

s

de conteúdo bastante vago (como justiça social

e dignidade humana), cuja definição detalhada — a ser afe-

rida pelo intérprete — pode variar em certa medida no

tempo, no espaço e em função das circunstâncias do caso

concreto. Também constam do texto constitucional metas

políticas sob a forma de princípios, que em geral admitem

uma variedade de meios de realização'

 

Além disso, cartas compromissorias — como é o caso

da Constituição de 1988 — refletem, de forma nítida ou

distorcida, sociedades plurais, em vários níveis. O mesmo

texto constitucional consagra valores diferentes, opções e

interesses políticos diversos e direitos que, em vários de

seus desenvolvimentos, poderão se chocar reciprocamen-

te'''. Essa pluralidade exigirá do intérprete um esforço todo

18

LEXY, Robert.

El conceptoyla validez de derecho

1994, p.

159

19 ALEXY, Robert. Derechos fundamentales y estado constitucional

democrático .

In

CARBONELL, Miguel (organizador).

Neoconstituconalismo s),

2003, p. 35 e ss..

20

m dos exemplos mais estudados desse conflito potencial é o que se

verifica entre liberdade de imprensa, liberdade de expressão e de

informação em oposição aos direitos à intimidade, à vida privada e à

honra. Há ampla bibliografia sobre o tema. Vejam-se, por todos,

GUERRA, Sidney Cesar Silva.

A liberdadedeimprensa eodiretoà

imagem

1999; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de.

Diretodeinformaçãoeliberdadedeexpressão

1999; SOUZA, Edilsom

Pereira de.

Coisãodedretosfundamentais.

A

honra, a intimdade a

vida privada ea imagemversusa liberdadedeexpressãoedeinformação

2000; CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva.

Honra, imagem

 vda

privada eintimdade emcoisãocomoutrosdretos

2002; MARTINEZ,

Miguel Angel Alegre.

El derechoa la propa imagen,

1997; CALDAS,

Pedro Frederico.

Vida privada, liberdadedeimprensa edanomoral,

1997; BARROSO, Porfirio e TAVALERA, Maria dei Mar Lopez.

a

libertaddeexpresón ji suslimtaconesconstituconales

1998; CARDO,

10

especial — e também técnicas próprias — a fim de preser-

var cada uma das disposições envolvidas, definir-lhes os

contornos e manter a unidade da Constituição''.

No

caso

brasileiro, une-se a isso a circunstância de a Constituição

de 1988 dispor sobre os temas mais variados, autorizando

Antonio Fayos.

Derechoa la intimdadymedosdecomunicacón,

2000;

e BARROSO, Luis Roberto.

Coisãoentreliberdadedeexpressãoe

dretos da personalidade Critérios deponderação Interpretação

constituconalmenteadequada doCódigoCivil eda Le deImprensa,

Revista de Direito Administrativo n° 235, 2004, pp. 1 a 36.

Sobre esse tema, a Corte Européia de Direitos Humanos proferiu

importante decisão recentemente declarando contrária ao art. 8° da

Convenção Européia de Direitos Humanos a orientação do Tribunal

Constitucional Federal alemão em matéria de proteção à privacidade de

figuras públicas. A questão foi levada à Corte Européia pela princesa

Caroline von Hannover, do Principado de Mônaco, após diversas

tentativas de impedir a publicação de

fotos

suas em atividades cotidianas

eg,

fazendo compras ou praticando esportes). A Corte Européia

considerou que os critérios do Tribunal alemão não protegiam

satisfatoriamente a privacidade e defendeu a necessidade de uma

ponderação orientada pelo seguinte critério: a publicação se justificaria na

medida em que trouxesse uma contribuição para o debate de interesse

geral , para além da satisfação de uma mera curiosidade do público. Os

eventos da vida cotidiana de uma pessoa pública, a principio, não

poderiam ser objeto de divulgação, ainda quando ocorridos em ambientes

que não possam ser considerados como reservados . Dois juizes da

Corte, embora endossando o resultado do julgamento, discordaram do

critério fixado, retomando em parte o argumento do Tribunal alemão no

sentido de que também há um interesse juridicamente tutelável ao

entretenimento . O critério, para tais juizes, deveria ser a existência ou

não de uma expectativa legitima de privacidade , que não estaria

presente quando uma figura pública vai às compras, mas estaria quando

pratica esportes em um ambiente aparentemente protegido de

observação externa. A íntegra da decisão pode ser obtida no

sue

da Corte

Européia de Direitos Humanos

httn://www.echr.coe.int).

21

ARROSO, Luis Roberto.

Interpretaçãoeapicaçãoda Constitução

2003, p. 192 e ss..

11

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um amplo controle de constitucionalidade sobre leis e atos

administrativos em geraln.

A ordem infraconstitucional, na medida em que regula-

menta ou desenvolve disposições constitucionais, reproduz

o mesmo quadro descrito acima: previsões que tutelam

bens diversos e que, em determinado ponto, podem gerar

situações de antinomia

n

. Mas há também duas outras cau-

sas, originárias da própria ordem infraconstitucional, e, in-

dependentemente do juízo que se forme acerca delas, é

certo que elas contribuem igualmente para a ampliação do

papel da interpretação jurídica.

Em primeiro lugar, assim como a Constituição, tam-

22 Desde a promulgação da Constituição em 05.10.1988 até

22.08.2004 foram distribuídas 3294 ações diretas de

inconstitucionalidade, das quais já foram julgadas 2229, segundo a

Secretaria de Informática do STF (a informação consta do Banco

Nacional

e ados

o

oder

udiciário,

htto://www.stf.gov.bribndpi/stf/ADIN.asp

acesso em 28.08.2004).

23

mesmo acontece em outras ordens jurídicas, como a italiana, v.

GUASTINI, Riccardo. La sconstitucionalización

 

del ordenamiento

jurídico .

In

CARBONELL, Miguel organizador).

Neoconstitucionalismo(s),

2003, p. 58 e ss.. V. também DWORKIN,

Ronald.

The Judge s New Role: Should Personal Convictions

Count?,

Journal of International Criminal Justice I, 2003, pp. 5 e 6: The role of

moral judgment is pervasive and undeniable in administrative regulation,

on the other hand, because the standards of that task are themselves set

out in moral language — the language of convenience and necessity, or

reasonableness, or proportionality, for example — and because it requires

judges to choose among contested conceptions of economic and

adrninistrative efficiency, and to fix an interaction and balance between

efficiency and other moral values. The role of moral judgment is still

more pervasive and less deniable in constitutional adjudication, because

the pertinent constitutional standards are even more explicitly moral:

they declare rights of free expression, treatment as equals, and respect for

life and dignity, and sometimes make exceptions for constraints

'necessary in a democratic society', for example. .

12

bém as leis mais recentes têm empregado em seus textos

expressões gerais — como, e.g., boa-fé e função social do

contrato

  4 —, de conteúdo fluido e sentido não inteiramen-

te determinado. Ao utilizar conceitos jurídicos indetermi-

nados e cláusulas gerais, o legislador acaba transferindo a

delimitação do sentido e alcance dos enunciados normati-

vos para o intérprete'.

24 Código Civil: Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser

interpretaaos conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

(...) Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos

limites da função social do contrato.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na

conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade

e boa-fé.

Código de Defesa do Consumidor: Art. 4°. (...) III - harmonização

dos interesses dos participantes das relações de consumo e

compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de

desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os

princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da

Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas

relações entre consumidores e fornecedores;

(...) Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas

contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que

coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam

incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.

25

ARNIO, Aulis.

Reason and Authority, 1997, pp. 166 e 167:

Especially in a rapidly changing society, there is pressure to create norms

that are open in a way that makes it possible to adjust them to new

conditions at the application stage. (...) These norms, in the same way as

weighing norms in general, transfer the focus of discretionary power in

the direction of the machinery of authorities applying the law. Especially

in the sphere of public administration, some norms give only information

about the goals of law leaving open or scantily specified the criteria of the

application. (...) It seems that in the Welfare State the traditional

regulation of rights and duties is being displaced by weighing, goal and

resource norms. At least in the public sector the development moves in

13

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Em segundo lugar, e por razões que não cabe aqui apro-

fundar , os legislativos contemporâneos têm empregado

técnicas variadas de delegação de competências normativas

ao Poder Executivo . Essa transferência, explícita ou im-

plícita, amplia igualmente o espaço da interpretação jurídi-

ca própria do Judiciário, já que aos juizes caberá, em qual-

quer caso, exercitar o controle das ações administrativas ,

empregando os parâmetros disponíveis. Quando a lei não

the direction of goal and need orientation. But also in civil law, the same

tendencies are active, as is indicated by general clauses and conciliation

rules. These lines of development will not, however, be further

considered in the following presentation because the main emphasis will

be on interpretation. In them, and in them expressly, come out the

crucial questions of legal reasoning.

26

.

sobre o assunto, dentre outros, CLIVE, Clèmerson Merlin. A

lei

no estado contemporâneo

Cadernos de Direito Constitucional e Ciência

Política n° 21, 1997, pp. 124 a 138; e CLÈVE, Clèmerson Merlin.

Atividade legislativa do Poder Executivo,

2000. De forma geral, a

doutrina aponta algumas causas para essa transferência de poderes

normativos do Legislativo para o Executivo, dentre outras: a

complexidade e o caráter técnico de muitas matérias a serem

disciplinadas, a necessidade de celeridade no processo decisório, a

dificuldade de formação de consensos no âmbito do parlamento sobre a

regulação dos aspectos específicos das matérias etc.

27

obre a discussão da suposta deslegalização , v. MOREIRA NETO,

Diogo de Figueiredo.

Direito regulatório

2003; e ARAGÁ0, Alexandre

Santos de.

Agências reguladoras e

evolução do direito administrativo

econômico

2002.

28

Embora o Executivo também seja um dos intérpretes da

Constituição. V. HÃBERLE, Peter.

Hermenêutica constitucional. A

sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a

interpretação pluralista e procedimental da Constituição, 1997.

V. sobre

o tema, na experiência brasileira, BARROSO, Luís Roberto.

Poder

Executivo. Lei inconstitucional. Descumprimento,

Revista

de Direito

Administrativo n° 181/182, 1990, pp. 387 a 397; e BINENBOJM,

Gustavo.

A nova jurisdição constitucional brasileira,

2001, p. 203 e ss..

oferece parâmetros específicos, a validade da ação adminis-

trativa acaba por ser aferida em confronto com princípios

gerais, constitucionais ou infraconstitucionais, como os da

razoabilidade, da eficiência, da moralidade e da economici-

dade, dentre outros.

Por fim, há ainda um último elemento, agora de nature-

za política, que ajuda a compor o quadro aqui descrito. O

crescimento do espaço da interpretação jurídica tem sido

fomentado também por um processo de transferência da

discussão política para o Judiciário, em detrimento das ins-

tâncias de representação política. Explica-se melhor.

A crise dos parlamentos e da legalidade é um fenômeno

antigo, cuja origem é identificada pela doutrina ainda no

século XIX . Ao longo do último século, esse quadro de

crise não foi superado e é possível afirmar que a relação

de confiança entre o povo e sua representação parlamentar

é bastante frágil. Ao mesmo tempo, no caso brasileiro, a

29

Talvez o primeiro sintoma da crise tenha surgido após a

universalização do voto masculino (e posterior extensão do direito a

outros grupos), quando restou claro que a lei poderia ser apenas o

resultado de acordos entre os diferentes grupos parlamentares, e não

fruto de uma razão universal. V. sobre o tema SALDANHA, Nelson. O

Estado moderno e a separação dos poderes

1987, p. 104 e ss.; e CLÈVE,

Clèmerson Merlin.

A

teoria constitucional e o direito alternativo . M:

Uma vida dedicada ao direito — Homenagem a Carlos Henrique de

Carvalho, o editor dos juristas,

1995, pp. 34 e 35.

30

Na verdade, ao longo do século XX a crise dos parlamentos e da

legalidade parece ter se agravado em função de diversos fatores: a

experiência nazista e sua relação com um

status

de legalidade, os variados

escândalos envolvendo parlamentos e parlamentares, que são cada vez

melhor percebidos pelo público por conta da liberdade de imprensa, a

própria divulgação, pelos meios de comunicação, das manobras próprias

do jogo político contemporâneo etc. V. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y

futuro del Estado de derecho .

In:

CARBO NELL, Miguel organizador).

Neoconstitucionalismo(s),

2003, p. 20 e ss..

14

5

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redemocratização recolocou o Judiciário na sua posição de

poder político, dando-lhe cada vez maior visibilidade.

Nesse contexto, parte da sociedade (no Brasil e tam-

bém em outros países), descrente do processo político nor-

mal, alimenta a expectativa de que o Judiciário seja afinal

um espaço onde possam desenvolver-se de maneira mais

lisa a discussão e a definição de políticas públicas'. Esse

movimento político acaba encontrando algum respaldo em

disposições normativas bastante vagas, especialmente no

nível constitucional, como visto acima

 

. A despeito do im-

pacto que essa forma de visualizar o Judiciário possa ter

sobre o regime democrático, a percepção desse fenômeno

ajuda a entender o ambiente no qual a técnica da pondera-

ção tem se desenvolvido e aplicado.

Em resumo: associando-se (i) uma sociedade plural; (ii)

suas Constituições e leis — que refletem a pluralidade de

31

certo que essa expectativa em relação ao Judiciário, ao menos no

Brasil, é própria de segmentos específicos da sociedade, que têm

informação e acesso ao Judiciário. Não se pode dizer que ela seja

compartilhada pela maioria da população.

2

A TORRE Maximo.

Theories of Legal rgumentation and Concepts

of Law. An Approximation

Ratio Juris, vol. 14, n°4, 2002, p. 381: We

are seeing what has been called the 'juridification' of social life, or also, in

H abermas's words, the 'colonization of the life-world', but

this

over-production of

laws and

decrees

this instrumental and 'situationar

use of law, does not do any good to the legislator's prestige. The mass

production of laws necessarily escapes discussion of principies or

pondered public debate, obeying instead more corporative, not to say

clientelist, logic. The 'public reason' thus driven out

of

legislative

assemblies is often transferred to courtrooms, and democracy — in order

to escape the corrupt and corrupting logics of part clientelism and

technobureaucratic opacity — tenda to become, so to speak, 'judicial'

(for a comparative perspective on this phenomenon, see Guarnieri and

Pederzoli 1997). It is today the judge that is put forward as the new

centre of the legal system, no longer the legislative power, like it or not.

valores e fazem uso intensivo de expressões gerais, cujo

sentido pode variar justamente em função de concepções

valorativas ou ideológicas —, e (iii) a ascensão política do

Judiciário como espaço de discussão alternativo àquele dos

órgãos eleitos, tem-se a ampliação progressiva do espaço

próprio da interpretação jurídica. Considerando ainda que

cada intérprete dispõe de suas próprias convicções valora-

tivas e políticas, não é de surpreender que sejam diagnosti-

cados tantos conflitos normativos e que a ponderação seja,

tão freqüentemente empregada.

Descrito sumariamente o quadro sociológico, jurídico e

político no qual se insere (e no qual pode ser compreendi-

do) o crescente uso da ponderação como técnica de supe-

ração de conflitos normativos, volta-se ao ponto. Não é

difícil perceber que a ponderação — compreendida no sen-

tido estrito aqui identificado — suscita uma série de ques-

tões jurídicas relacionadas sobretudo com a legitimidade e

a previsibilidade das decisões que a empregam, questões

essas que são tanto mais graves e urgentes quanto mais

generalizado e indiscriminado se torna seu uso. É preciso,

portanto, investigar o tema, e algumas perguntas podem

ser suscitadas desde logo. O que é, afinal, a ponderação? O

que justifica sua utilização? Por que essa ferramenta dog-

mática é necessária (se é que o é de fato)? E se ela é indis-

pensável, em que consiste, do ponto de vista metodológi-

co? Como ela funciona, quais são seus limites e que parâ-

metros devem orientar o intérprete que a utiliza? O estudo

que segue pretende exatamente discutir essas questões e,

com esse propósito, foi ordenado em três partes.

O objetivo

daprimeira pane

do estudo é responder às

três perguntas iniciais: o que é a ponderação, o que justifica

sua utilização e por quais razões precisamos dela, afinal. No

primeiro capítulo, vão-se identificar as circunstâncias que

explicam a necessidade da ponderação, delinear o sentido

16

17

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propriamente dito da técnica e distingui-la das técnicas

hermenêuticas tradicionais. De forma simples, já se pode

adiantar que ponderação, no conceito adotado neste estu-

do, corresponde à técnica de decisão jurídica empregada

para solucionar conflitos normativos que envolvam valores

ou opções políticas

B

em tensão, insuperáveis pelas formas

hermenêuticas tradicionais.

Nos capítulos segundo e terceiro serão examinadas as

críticas à ponderação — que tratam sempre, com boa par-

cela de razão, de sua inconsistência metodológica e do pe-

rigo de arbítrio que seu uso enseja — e as técnicas alterna-

tivas capazes de solucionar, segundo parte da doutrina, os

mesmos problemas que a técnica da ponderação pretende

resolver com menor quantidade de inconvenientes. A con-

clusão a que se chega, porém, é a de que, a despeito das

críticas, nenhuma das opções sugeridas pela doutrina subs-

titui satisfatoriamente a ponderação e nem supera as difi-

culdades metodológicas a ela imputadas. No capítulo qua-

tro, ao fim desta primeira parte, se fará um breve registro

de como dois sistemas jurídicos — o norte-americano e o

alemão — têm lidado com a ponderação e tentado superar

suas limitações.

j3 Vale esclarecer que embora a referência feita a opções políticas ou

ideológicas ao longo do texto se aproxime, quanto ao conteúdo, da idéia

de policy

de Dworkin, não se estará trabalhando com as concepções do

autor nesse particular. Como se sabe, Dworlcin distingue

po/icy

de

principie —

DWORKIN, Ronald. Is Law a System of Rules? .

In:

SUMMERS, Robert (organizador).

Essays in Legal Philosophy

1968, p.

34 e ss. —, associando a primeira expressão a objetivos políticos,

econômicos ou sociais e, a segunda, a padrões valorativos ou morais

vinculados ao elemento justiça, extraindo dessa distinção algumas

conseqüências importantes. A Constituição brasileira de 1988, porém,

incorporou a seu texto, em geral sob a forma de princípios, tanto valores

como opções políticas, de modo que os dois grupos de fenômenos são, no

Brasil, elementos do sistema jurídico constitucional.

A busca por respostas às perguntas subseqüentes — Em

que consiste, do ponto de vista metodológico, a técnica da

ponderação? Como ela funciona, quais são seus limites e

que parâmetros devem orientar o intérprete que a utiliza?

— é o que move a segunda e a terceira partes do trabalho.

Na

segunda parte

será apresentada uma proposta de or-

denação metodológica da técnica da ponderação, em três

fases. Já que parece indispensável ter de empregá-la em

determinadas hipóteses, o propósito do estudo é organizar

um percurso lógico, com etapas definidas e fundamenta-

das, que seja capaz de conferir racionalidade ao processo e

reduzir a arbitrariedade na sua utilização. É bem de ver,

porém, que, embora a consistência metodológica seja valio-

sa, a ponderação continua a ser um mecanismo instrumen-

tal e vazio de conteúdo. Por isso, além da ordenação da

técnica, são necessários também parâmetros que condu-

zam o intérprete no momento decisório.

A

terceira parte

do estudo concentra-se na formulação

de parâmetros capazes de orientar e balizar as decisões do

intérprete no emprego da ponderação. Serão propostos,

em primeiro lugar, dois parâmetros seqüenciais e de natu-

reza geral:

seqüenciais

porque devem ser aplicados separa-

damente e na ordem em que são apresentados; e de

natu-

reza geral

porque tais parâmetros são potencialmente apli-

cáveis a qualquer conflito normativo. De forma simplifica-

da, os dois parâmetros podem ser enunciados nos seguintes

termos: (i) as regras têm preferência sobre os princípios; e

(ii) as normas que realizam diretamente os direitos funda-

mentais dos indivíduos têm preferência sobre aquelas que

estão relacionadas com esse fim apenas de forma indireta.

Por fim, já no último capítulo, serão propostos elemen-

tos a serem considerados na concepção de parâmetros es-

pecíficos, que devem ser construídos tendo em conta as

características de conflitos normativos em particular. Isso

8

9

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porque, além dos parâmetros gerais, é necessário, para cada

conflito-tipo, o desenvolvimento de parâmetros próprios,

que possam conduzir o intérprete de maneira mais precisa.

De forma simples, o propósito geral do estudo pode ser

assim resumido: considerando que o emprego da técnica da

ponderação parece realmente inevitável em determinados

casos, como fazer para lhe conferir maior juridicidade (isto

é: vinculação à ordem jurídica) e racionalidade (a fim de

reduzir o arbítrio)? A proposta de uma ordenação metodo:

lógica para a técnica — operacional e acessível — e de pa-

râmetros capazes de nortear as decisões a serem tomadas

pretende alcançar exatamente esses objetivos .

34 O presente estudo tem a ambição de apresentar propostas

operacionais por meio das quais seja possível ligar de forma proveitosa o

mundo da reflexão teórica e filosófica ao mundo da realização prática do

Direito. É certo, no entanto, que esses dois mundos vinculam-se a funções

diversas, como destaca ATIENZA, Manuel.

Las razones dei derecho.

Sobre la justificación de Ias decisiones judiciales

Revista Isonomia n° 1,

2004, p. 64: Mientras que en la ciencia y en la filosofia — sobre todo, en

la filosofia — las discusiones pueden proseguir indefinidamente, esto es,

el proceso de argumentación es un proceso abica°, en el sentido de que

no hay ninguna autoridad que tenga la última palabra, en el Derecho la

argumentación está, em diversos sentidos, limitada y, en particular,

existen instituciones — los órganos de última instancia — que ponen

punto y final ala discusión. El que las cosas sean así se debe naturalmente

a que Ias instituciones jurídicas — a diferencia de las científicas o

filosóficas — no tiene como su función central la de aumentar nuestro

conocimiento dei mundo, sino la de resolver, mejor o peor, conflictos

sociales; no persiguen basicamente una finalidad cognoscitiva, sino

práctica. . Por essa razão, algumas questões, discutidas em um nível mais

complexo e profundo pela filosofia constitucional e pelos autores que

investigam a teoria do discurso e da argumentação, serão aqui

propositadamente simplificadas, já que uma abordagem completa fugiria

aos propósitos do estudo. De todo modo, observações bibliográficas

específicas sobre os temas serão incluídas nas notas de rodapé.

PARTE I

20

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I. Localizando o tema

da ponderação

1.1. Ponderação, interpretação e antinomias

Ponderação também chamada, por influência da dou-

trina norte-americana, de

balancing

será entendida neste

estudo como

a técnica jurídica de solução de conflitos nor-

mativos que envolvem valores ou opções políticas em tensão,

insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais.

Na

verdade, a simples questão do que é a ponderação exige um

exame mais aprofundado, tanto porque a idéia tem sido

empregada pela jurisprudência de forma generosa, e fre-

qüentemente desprovida de qualquer sentido preciso,

como porque outros conceitos, diversos do que se acaba de

apresentar, têm sido associados pela doutrina à expressão.

O conteúdo propriamente dito da técnica será objeto de

análise apenas mais adiante. Assim, ainda que de maneira

objetiva, e em proveito da clareza, é necessário identificar

as principais formas pelas quais a

ponderação tem sido

compreendida ou explicada e justificar a opção que se aca-

ba de fazer.

3

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É possível visualizar na doutrina e na prática jurídica

brasileiras ao menos três maneiras diferentes de compreen-

der a ponderação. Em primeiro lugar, a ponderação é des-

crita por muitos autores como a forma de aplicação dos

princípios. Na verdade, foi assim que a ponderação ingres-

sou inicialmente nas discussões jurídicas no Brasil. A con-

cepção original de Ronald Dworkin — de que os princípios

operam em uma dimensão de peso, ao passo que as regras

obedecem a uma lógica de tudo ou nada — e as

formulações mais sofisticadas de Robert Alexy sobre o

tema continuam extremamente populares na doutrina bra-

sileira e internacional .

35 DWORKIN, Ronald.

Taking Rights Seriously

1977, pp. 24 a 26:

The difference between legal principies and legal mies is a logical

distinction. Both sets of standards point to particular decisions about legal

obligation in particular circumstances, but they differ in the character of

the direction they give. Rules are applicable in an all-or-nothing fashion.

If the facts a rule stipulates are given, then either the nile is valid, in

which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which

case it contributes nothing to the decision. (...) Of course, a mie may have

exceptions (...) However, an accurate statement of the mie would take

this exception jato account, and any that did not would be incomplete.

(...) But this is not the way the sample principies in the quotations

operate. Even those which look most like mies do not set out legal

consequences that follow automatically when the conditions provided

are met. (...) This first difference between rules and principies entails

another. Principies have a dimension that mies do not — the dimension

of weight or importance. When principies intersect (...), one who must

resolve the conflict has to take into account the relative weight of each.

36

LEXY, Robert.

Teoria delas derechos fundamentales

1997, p. 86 e

ss.; e ALEXY, Robert.

Colisão de direitos fundamentais e realização de

direitos fundamentais no estado de direito democrático

Revista de Direito

Administrativo n° 217, 1999, p. 79 e ss.

37 V. BONAVIDES, Paulo.

Curso de direito constitucional

1999, p.

243 e ss.; GRAU, Eros Roberto.

A ordem econômica na Constituição de

Nesse sentido, e empregando a lógica de Alexy, uma

vez que os princípios funcionam como comandos de otimi-

zação, pretendendo realizar-se da forma mais ampla possí-

vel, a ponderação é o modo típico de sua aplicação. Por

meio da ponderação se vai sopesar a extensão de aplicação

possível de cada princípio, considerando as possibilidades

jurídicas (outros princípios contrapostos e eventualmente

regras) e físicas existentes . Na verdade, em vários escri-

tos recentes Alexy tem manifestado preocupação em deli-

near o conteúdo da ponderação e a forma de sua utili-

zação .

1988 — Interpretação e crítica

1996, p. 92 e ss.; BARROSO, Luís

Roberto.

Interpretação e aplicação da Constituição

2000, p. 141 e ss.;

COELHO, Inocêncio Mártires.

Interpretação constitucional

1997, p. 79

e ss.; GUERRA FILHO, Willis Santiago.

Processo constitucional e direitos

fundamentais

1999, p. 51 e ss.; ROTHENBURG, Walter Claudius.

Princípios constitucionais

1999; ESPÍNDOLA, Ruy Samuel.

Conceito de

princípios constitucionais

1999. Na doutrina estrangeira, confiram-se

CANOTILHO, J. J. Gomes.

Direito constitucional e teoria da

constituição

1998, p. 1034 e ss.; BOBBIO, Norberto.

Teoria do

ordenamento jurídico

1997, pp. 158 e 159 e ss.; GARCIA DE

ENTEARIA, Eduardo.

La cons ti tución como norma y el tribunal

constitucional

1994, pp. 98 e 99 e ss.

38

LEXY, Robert.

Teoria de los derechos fundamentales

1997, p. 86 e

ss

39 ALEXY, Robert.

Colisão de direitos fundamentais e realização de

direitos fundamentais no estado de direito democrático

Revista de Direito

Administrativo n° 217, 1999, p. 75: Princípios e ponderações são dois

lados do mesmo objeto. Um é do tipo teórico-normativo, o outro,

metodológico. Quem efetua ponderações no direito pressupõe que as

normas, entre as quais é ponderado, têm a estrutura de princípios e quem

classifica normas como princípios deve chegar a ponderações A discussão

sobre a teoria dos princípios é, com isso, essencialmente, uma discussão

sobre a ponderação. . Em estudo mais recente, porém, Alexy vai

identificar a ponderação com o terceiro elemento da proporcionalidade

— a ponderação em sentido estrito —, conferindo, aparentemente, certa

25

24

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Uma segunda maneira de compreender a ponderação é

a que a visualiza, sem maiores preocupações dogmáticas,

como um modo de solucionar qualquer conflito normativo,

relacionado ou não com a aplicação de princípios. É nesse

sentido que ela tem sido empregada em muitas decisões

judiciais, que parecem identificá-la como uma técnica ge-

nérica de solução de aparentes tensões normativas. A téc-

nica consistiria em

balancear

ou

sopesar

os elementos em

conflito para atingir a solução mais adequada

°

.

Por fim, e em terceiro lugar, diversos autores ligados às

autonomia à técnica (ALEXY, Robert.

Constitutional Rights, Balancing

and Rationality,

Ratio Juris, vol. 16, n° 2, 2003, pp. 131 a 140). Em outro

trabalho, Aleicy propõe uma fórmula para a ponderação empregando a

lógica aritmética (ALEXY, Robert. On

Balancing and Subsumption. A

Structural Comparison,

Ratio Juris, vol. 16, n°4, 2003, pp. 433 a 449).

40

Vejam-se, exemplificativamente, os seguintes acórdãos: TRF 1'

Região, AGRPSL 2000.01.00.012735-8/MG, Rel. Juiz Tourinho Neto,

DJU 29.06.2000: 1. Em liminar, o juiz deve analisar, de maneira

perfunctória, superficial, os pressupostos do fumus boni iuris e do

periculum in mora, não devendo proceder, em princípio, a análise do

fundo da controvérsia. 2. Não pode a liminar coarctar a investigação de

fatos que deverão ser objeto da instrução. 3. Na ponderação dos valores

em conflito, há de prevalecer o que não cause grave lesão à ordem, à

saúde, à segurança e à economia publicas. ; e TRF 4 Região, ApMS

77562/SC, Rel. Juiz Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 05.06.2002:

Previdenciário. Benefício por invalidez decorrente de acidente do

trabalho. Restabelecimento. Mandado de segurança. Competência da

justiça estadual. A despeito da regra inscrita no inciso VIII do art. 109 da

Constituição Federal, é competente a Justiça Estadual para julgar

mandado de segurança que tenha por objeto a concessão ou revisão de

benefício previdenciário decorrente de acidente do trabalho. Se o

legislador constitucional excluiu da competência federal a matéria

relacionada com acidente do trabalho, não se pode sobrepor a esse

desígnio regra de natureza instrumental, ainda que tenha esta última

também sede na Carta Constitucional. Na ponderação dos interesses em

conflito, deve prevalecer a substância sobre a forma.

discussões sobre a teoria da argumentação compreendem a

ponderação em sentido muito mais amplo, como elemento

próprio e indispensável ao discurso e à decisão racionais.

Ponderação, nesse sentido, é a atividade pela qual se ava-

liam não apenas enunciados normativos ou normas'', mas

todas as razões e argumentos relevantes para o discurso,

ainda que de outra natureza (argumentos morais, políticos,

econômicos etc.)

 

. Nesse sentido, ao aplicar a idéia ao dis-

curso jurídico, a ponderação acaba por se confundir com a

atividade de interpretação jurídica como um todo'''. Para

esses autores, não há uma relação necessária entre a ponde-

ração e a situação específica de conflito entre disposições

normativas, já que toda decisão envolverá necessariamente

a avaliação de razões e argumentos relevantes. Assim, inter-

pretação sempre envolveria ponderação.

4

diante se vai discutir a diferença entre esses dois fenômenos.

42

omo se processa essa avaliação de razões é, naturalmente, uma das

principais preocupações dos autores. Vejam-se, por todos, PECZENIK,

Alelcsander. On

Law and Reason

1989; e ATIENZA, Manuel.

As razões

do direito,

2002.

43

Essa é aparentemente a posição de Humberto Ávila, v. ÁVILA,

Humberto.

Teoria dos princípios

2003, p. 50: Todas essas considerações

demonstram que a atividade de ponderação de razões não é privativa da

aplicação dos princípios, mas é qualidade geral de qualquer aplicação de

normas. Não é correto, pois, afirmar que os princípios, em contraposição

às regras, são carecedores de ponderação

abwãgungsbedürftig).

A

ponderação diz respeito tanto aos princípios quanto às regras, na medida

em que qualquer norma possui um caráter provisório que poderá ser

ultrapassado por razões havidas como mais relevantes pelo aplicador

diante do caso concreto. Concepção semelhante é a desenvolvida pOr

PECZENIK, Aleksander. On

Law and Reason,

1989, p. 81: All socially

established legal norms, expressed in statutes, precedents etc., have a

merely prima facie character. The step from prima facie legal rules to the

all-things-considered legal (and moral) obligations, claims etc. involves

evaluative interpretation, that is, weighing and balancing. (grifos no

original); e HAGE, Jaap. C.

Reasoning with Rides

1997.

26

27

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

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Não se adotou neste estudo qualquer dos três conceitos

descritos acima para a ponderação, preferindo-se um quar-

to. A fundamentação analítica dessa escolha depende de

temas a serem desenvolvidos ao longo do texto, mas é pos-

sível apresentar desde logo um conjunto de argumentos

preliminares que justificam essa decisão. Para fins didáti-

cos, será útil examinar, em primeiro lugar, por que a segun-

da forma de compreender a ponderação identificada acima

não é adequada. Em seguida, tentar-se-á demonstrar por

que tampouco foram adotadas as duas outras possibilida-

des descritas.

O direito está muitíssimo acostumado aos conflitos

normativos. A hermenêutica jurídica sempre conviveu com

o problema das antinomias e com as diversas técnicas con-

cebidas para superá-las. Os critérios temporal, hierárquico

e da especialidade continuam a ser de grande utilidade e

dão conta de boa parte dos problemas envolvendo conflitos

normativos, aplicando-se não apenas à ordem infraconsti-

tucional , mas também à constitucional . Em outra fren-

44

OBBIO, Norberto.

Teoria do ordenamento jurídico

1997, p. 71 e

SS..

45

Como se sabe, as regras contidas no art. 100 da Constituição —

disciplina geral dos precatórios — e no art. 33 do ADCT — que formula

regra especial nessa mesma matéria — convivem apenas por conta da

especialidade de uma em relação à outra. O mesmo se dá com o art. 15,

111 — regra geral quanto aos efeitos de condenação criminal sobre os

direitos políticos — e o art. 55 VI e § 2° — que cria regra especial quando

se trate de deputado federal ou senador. Emendas constitucionais

revogam o texto original da Carta (quando isso seja possível) e conflitos

entre as disposições antigas e as novas são resolvidos pelo critério

temporal. Por fim, se uma emenda pretende alterar alguma das chamadas

cláusulas pétreas

uma manifestação específica do critério hierárquico

impedirá a iniciativa, já que não se admite alteração tendendo a abolir o

que esteja contido em dispositivos que desfrutem

desse status.

28

te, os elementos clássicos de interpretação , especialmen-

te o sistemático e o teleológico, também são meios herme-

nêuticos empregados para adequar o sentido do texto à sua

finalidade e evitar incongruências e até mesmo antinomias.

Por meio desses elementos, é possível chegar a interpreta-

ções extensivas ou restritivas, desenvolver raciocínios ana-

lógicos, de tal forma que eventuais conflitos sejam supera-

dos.

Ou seja: o problema da colisão normativa (antinomia)

não é novo e, muito antes que se cogitasse formalmente da

técnica da ponderação, a hermenêutica jurídica já havia de-

senvolvido mecanismos variados para solucioná-lo. Uma

primeira crítica à idéia de que ponderação vem a ser a téc-

nica empregada para a solução de qualquer conflito norma-

tivo consiste exatamente nisto: ou bem todas essas técnicas

tradicionais de interpretação se transformaram subitamen-

te em ponderação ou a concepção descrita acerca desta

última é excessivamente abrangente.

A evidência de que a ponderação não se confunde com

as fórmulas hermenêuticas tradicionais para a solução de

antinomias coloca, porém, urna nova questão: em que a

ponderação se particulariza, comparada com os critérios da

especialidade, hierárquico ou temporal e com as demais

técnicas convencionais de interpretação? A pergunta é fun-

damental e tem na verdade duas respostas: há uma distin-

ção metodológica entre a ponderação e essas outras técni-

cas e há também uma distinção material entre os conflitos

normativos de que elas se ocupam. Na verdade, a distinção

material provoca, de certa forma, a metodológica. Explica-

se melhor.

46

Sobre os elementos clássicos de interpretação, v. BARROSO, Luís

Roberto.

Interpretação e aplicação da C onstituição

2003, p. 124 e ss..

29

 

7 1 1 1 1 1 P r r .

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Todos os elementos de interpretação tradicionais refe-

ridos acima operam, em última análise, sob a lógica da sub-

sunção, que continua a ser a lógica ordinária de aplicação

silogística do direito. O raciocínio subsuntivo aplicado ao

direito pode ser descrito simplificadamente nos seguintes

termos: em primeiro lugar, identifica-se uma premissa

maior, composta por um enunciado normativo ou por um

conjunto deles. A premissa maior incide sobre uma premis-

sa menor (o conjunto de fatos relevantes na hipótese), e

desse encontro entre as premissas maior e menor produz-

se uma conseqüência: a aplicação de uma norma específica

ao caso, extraída ou construída a partir da premissa

maior . As técnicas tradicionais de solução de antinomia e

a aplicação dos elementos sistemático e teleológico, dentre

outras fórmulas hermenêuticas , pretendem exatamente

47

Não cabe aqui aprofundar o tema, mas fica o registro de que o

processo de subsunção jurídica está longe de ser simples e unívoco. A

seleção da premissa maior aplicável, a identificação dos fatos relevantes e

a definição da conseqüência que se deve extrair da premissa maior são

questões que se interligam e podem envolver muitas complexidades, V.

REALE, Miguel.

Liçõespreimnaresdedreto

1999 p. 303: Na

realidade, porém, as coisas são bem mais complexas, implicando uma

série de atos de caráter lógico e axiológico, a começar pela determinação

prévia da norma aplicável à espécie, dentre as várias normas possíveis, o

que desde logo exige uma referência preliminar ao elemento fático. (...)

Como se vê, a norma não fica

antes

nem o fato vem

deposno raciocínio

do juiz, pois este não raro vai da norma ao fato e vice-versa, cotejando-os

e aferindo-os repetidas vezes até formar a sua convicção jurídica, raiz de

sua decisão. (...) Donde podemos concluir que o ato de subordinação ou

subsunção do fato à norma não é um ato reflexo e passivo, mas antes um

ato de participação criadora do juiz, com a sua sensibilidade e tato, sua

intuição e prudência, operando a norma como substrato condicionador de

suas indagações teóricas e técnicas.

48

Sobre elementos específicos de interpretação constitucional (afora a

ponderação , v. BARROSO, Luís Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de.

O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos

30

superar a antinomia, afastar a incidência de outras possibi-

lidades normativas e isolar uma única premissa maior, para

que a subsunção possa ter início.

Do ponto de vista metodológico, porém, a ponderação

é exatamente a alternativa à subsunção , quando não for

possível reduzir o conflito normativo à incidência de uma

princípios no direito brasileiro .

In

BARROSO, Luís Roberto

(organizador).

A nova interpreaçãoconstituconal. Ponderação dretos

fundamentaisereaçõesprivadas

2003 pp. 327 a 379

49 ALEXY, Robert. On

BalancngandSubsumption A Structural

Comparison

Ratio Juris, vol. 16, n° 4, 2003 p. 434: It is easy to see that

the application of the law is not exhausted by a deduction of this kind.

There are two reasons for this. The first is that it is always possible that

other norm, requiring another solution, is applicable. If this is the case,

the question of precedence arises. The answer to this question may

involve balancing, but it must not do so. Oftenmeta-rules like

lex superior

derogat leg inferiori, lex posterior derogat leg priori,

or lex specalis

derogat leg generali

are applicable. In order to arrive at a solution, a

second subsumption has to be performed under such a meta-rule. One

might call this second subsumption 'meta-subsumption'. S o long as

conflicts of norms are resolved by meta-subsumption, we remam

n within

the realm of subsumption. As soon as we resort, however, to balancing to

resolve the conflict, we shift over from subsumption at the first levei to

balancing at the second levei. Isso não significa que o processo de

ponderação não empregue em determinados momentos o raciocínio

subsuntivo como destaca SANCH1S Luis Prieto.

Neoconstitucionalismo y ponderación judicial .

InCARBONELL,

Miguel (organizador).

Neoconstituconalimo s),

2003 p. 145: Pero si

antes

de ponderar es preciso de alguna manera subsumir, mostrar que el

caso individual que examinamos forma parte dei universo de casos en el

que resultan relevantes dos principios en pugna,

desprás

de ponderar creo

que aparece de nuevo la exigencia de subsunción. Y ello es así porque,

como se verá, la ponderación se endereza a la formulación de una regia, de

una norma en la que, reuniendo en cuenta las circunstancias dei caso, se

elimina o posterga uno de los principios para ceder el paso a otro que,

superada la antinomia, opera como una regia y, por tanto, como la premisa

normativa de una subsunción. (grifos no original).

31

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única premissa maior. Isso é o que ocorre quando há diver-

sas premissas maiores igualmente válidas e vigentes, de

mesma hierarquia e que indicam soluções diversas e con-

traditórias. Nesse contexto, a subsunção não tem elemen-

tos para produzir uma conclusão que seja capaz de conside-

rar todos os elementos normativos pertinentes: sua lógica

de funcionamento tentará isolar uma única premissa maior

para o casos°.

Isso é o que se passa,

e.g. quando várias disposições

constitucionais originárias incidem sobre uma mesma hipó-

tese, indicando soluções diversas: todas foram editadas ao

mesmo momento, dispõem da mesma hierarquia e na

maior parte dos casos inexiste qualquer relação de genera-

lidade/especialidade entre elas. Ademais, não é possível

simplesmente escolher um

disposição constitucional em

detrimento das demais: o princípio da unidade, pelo qual

todas as disposições constitucionais têm mesma hierarquia

e devem ser interpretadas de maneira harmônica, não ad-

mite essa soluçãom.

Situação semelhante ocorre com muitos enunciados in-

fraconstitucionais que, refletindo os conflitos internos da

Constituição, encontram suporte lógico e axiológico em

algumas disposições constitucionais, mas parecem afrontar

outras. Também aqui, a verificação da constitucionalidade

5 ORRE, Maxim° La. Theories of Legal rgumentation and Concepts

of Law. An Approximation

Ratio Juris, vol. 14, n° 4, 2002, p. 380: But

the decisive problem that explains why the syllogistic model is

(theoretically) in crisis is that even where a clear provision is available,

appropriate to the case under consideration, and the factual elements

have been adequately classified and tested, it is not always possible to

reach a single correct answer.

51 Esse é o entendimento consolidado no Brasil. Veja-se, por todos,

BARROSO, Luís Roberto.

Interpretação e aplicação da Constituição

2003, p. 196 e ss.

da ordem infraconstitucional não poderá ser resolvida por

uma mera subsunção, já que várias disposições constitucio-

nais devem funcionar como parâmetro para esse controle e

cada uma delas parece indicar uma conclusão diversa acer-

ca da validade do dispositivo legal. Pois berri: a ponderação

pretende ser exatamente a técnica que conseguirá, a partir

de uma lógica diversa da subsuntiva, decidir esses conflitos

considerando todas as premissas maiores pertinentes.

Essa, portanto, é a primeira distinção entre a pondera-

ção e as técnicas tradicionais de solução de antinomias:

estas estão ligadas à subsunção, ao passo que a ponderação

é uma alternativa a ela.

A segunda distinção, como referido, relaciona-se com a

natureza dos conflitos normativos afinal superados pelas

técnicas tradicionais e daqueles que persistem e exigem o

emprego da ponderação. Embora essa forma de sistemati-

zar os conflitos normativos em dois grupos não seja rigorosa

e, possivelmente, não se aplique a todos os casos, ela ajuda

a compreender parte importante do fenômeno examinado.

As antinomias com as quais a hermenêutica tem lidado

tradicionalmente não envolvem um conflito axiológico im-

portante ou uma disputa entre opções políticas, isto é, não

se cuida de uma oposição de elementos igualmente rele-

vantes para a ordem jurídica. Trata-se, em geral, apenas de

um conflito lógico entre enunciados ou ainda de um texto

que veiculou de forma não completamente satisfatória o

que se pretendia. Os conhecidos conflitos aparentes entre

os arts. 100 do corpo permanente da Carta de 1988 e o 33

do ADCT, bem como entre ao arts. 15, III, e 55, VI, § 2°,

ambos solucionados pelo critério da especialidade, exem-

plificam o ponto.

Nesse contexto, não há propriamente um conflito en-

tre valores ou entre opções políticas fundamentais. No má-

ximo, é possível visualizar uma resistência às interpreta-

32

3

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ções menos literais, já que, ao se afastarem do sentido mais

evidente do texto, elas podem representar um risco para a

segurança jurídica e a previsibilidade. Essa tensão, entre-

tanto, é própria de toda e qualquer interpretação da lingua-

gem e dentro de certos limites não revela um conflito valo-

rativo autônomo. Em situações específicas, por outro lado,

essa tensão pode dar origem a uma colisão aberta de valo-

res, como se verá mais adiante.

Diversamente, os conflitos que não podem ser supera-

dos pelas técnicas tradicionais refletem em geral um con-

fronto entre valores ou opções políticas decorrentes da

própri

Constituição como um todo e dos princípios por

ela previstos em particular . Conflitos entre liberdade de

expressão e direito à honra e à intimidade, entre proprieda-

de e sua função social, entre proteção do meio ambiente e

direito à moradia, dentre muitos outros, revelam tensões

entre elementos consagrados pelo próprio constituinte.

Ora, além de as técnicas tradicionais de solução de an-

tinomias não serem capazes de resolver essa espécie de

conflito, também os elementos clássicos de interpretação

— que, ao delinearem o sentido dos elementos normativos

em tensão, poderiam superar o impasse — têm aplicação

limitada. É fácil entender a razão. Como se acaba de regis-

trar, a definição do próprio sentido e alcance dos enuncia-

dos normativos nesses casos depende de escolhas entre va-

lores ou opções políticas em confronto, todos refletidos de

forma mais ou menos intensa no sistema constitucional.

Ocorre que, em geral, os critérios para essas escolhas não

podem ser extraídos facilmente do texto ou do sistema.

5

ECZENIK, Aleksander. On Law and Reason

1989, p. 19: A 'hard'

case, on the other hand, 'presents a moral dilemma, or at least a difficult

moral determination' (Morawetz, 1980, 90).

Qual o fundamento para decidir entre eles, então? O crité-

rio teleológico tem pouca utilidade, já 'que não é possível

apurar

uma única

finalidade com clareza. Os demais ele-

mentos, como o lógico e o sistemático, igualmente enfren-

tam problemas: o mesmo texto e o mesmo sistema forne-

cem elementos que podem sustentar diferentes conclu-

sões. Diante de hipóteses assim, a subsunção é insuficiente

e a ponderação parece ser a única forma de superar o con-

flito e chegar a uma decisão.

A distinção material entre os conflitos reforça ainda

mais a inadequação da idéia que visualiza a ponderação

como uma técnica genérica para solução de qualquer con-

flito normativo. Não apenas a afirmação é imprecisa, como,

pior que isso, banaliza o uso da ponderação, cujo emprego

deve ser reservado apenas para as hipóteses de insuficiên-

cia da subsunção, que continua a ser a forma ordinária de

aplicação dos enunciados normativos.

Cabe agora examinar o primeiro conceito acerca da

ponderação exposto acima: o que a identifica como a forma

de aplicação dos princípios. Essa concepção não parece to-

talmente adequada por algumas razões. De fato, a maioria

absoluta dos conflitos normativos que exige ponderação

envolve princípios, já que boa parte deles ocupa-se exata-

mente de veicular valores ou opções e fins políticos. Na

verdade, a incidência simultânea do conceito de pondera-

ção proposto neste estudo —

técnica jurídica de solução de

conflitos normativos que envolvem valores ou opções políti-

cas em tensão insuperáveis pelas formas hermenêuticas tra-

dicionais —

e daquele que visualiza a ponderação como

forma de aplicação dos princípios certamente produzirá

amplas áreas de superposição. Há, porém, duas dificulda-

des que não recomendam a utilização dessa última idéia.

Em primeiro lugar, os conflitos normativos não resolvi-

dos pela subsunção podem, ainda que em caráter excepcio-

34

5

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nal, envolver regras . A ponderação, nesses casos, não

pode ser reduzida a uma forma de aplicar princípios; trata-

se na verdade de uma técnica de decisão autônoma que,

embora muitas vezes envolva princípios, não se vincula a

eles de maneira exclusivas'. Além disso, como se verá

adiante, há princípios que não funcionam completa ou ne-

cessariamente sob a lógica da ponderação (seja porque dis-

põem de núcleo com natureza de regra, seja porque têm

estrutura e funcionamento diversos). O ponto será retoma-

do adiante.

Por fim, resta expor as razões pelas quais tampouco se

adotou a terceira forma identificada acima de entender a

ponderação: aquela que a descreve como elemento ineren-

te e indistinto da atividade de interpretação e argumenta-

ção jurídicas, já que todo o discurso racional, em última

análise, depende da lógica ponderativa, por meio da qual

toda sorte de argumentos, inclusive os jurídicos, pode ser

avaliada.

A investigação do discurso racional em geral, e da argu-

mentação jurídica em particular, é da maior relevância para

o

direito contemporâneo, e a discussão sobre a ponderação

normativa em especial — sendo esta a que se ocupa direta-

mente de elementos normativos — é apenas uma parcela

de um objeto de estudo muito mais amplo. Compreender

a ponderação neste sentido amplíssimo exigiria um exame

aprofundado da teoria do discurso e da argumentação, mas

não é esse o propósito deste estudo. Aqui se pretende ana-

5

tema será examinado adiante, no Capítulo VIII.2.

54 Nesse sentido, RODRIGUEZ DE SANTIAGO, José Maria.

La

ponderación de bienes e intereses en el derecho administrativo,

2000, p. 9;

e ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios,

2003, p. 35: Com efeito, a

ponderação não é método privativo de aplicação dos

princípios.

36

usar apenas um elemento desse universo: a ponderação

propriamente dita de enunciados e normas jurídicas.

Por esta razão, sob uma perspectiva estritamente jurídi-

ca e operacional, não parece muito útil trabalhar com uma

noção tão ampla de ponderação, dentro da qual o problema

da ponderação normativa — especialmente grave para a

prática jurídica — ficaria diluído. É certo que o direito

sempre envolve ponderação no sentido comum do termo:

o

legislador considera vantagens e desvantagens envolvidas

em determinada questão e decide por um caminho. Nesse

sentido, é perfeitamente possível afirmar que em toda de-

cisão judicial há alguma ponderação: ao juiz são apresenta-

das razões contrastantes, ambas postulando primazia, e

cabe a ele decidir por uma delas ou por uma solução inter-

mediária, na medida em que isso seja possível. Isto é: o

julgador deverá levar em conta , considerar as diferen-

tes razões das partes antes de decidir. A ponderação nor-

mativa propriamente dita, porém, apresenta características

particulares, tem importância específica para a dogmática

jurídica e merece, por isso, um estudo próprio.

Ademais, como se aprofundará a seguir, por conta da

singularidade das antinomias que lhe cabe solucionar, a

ponderação normativa acaba por conferir ao intérprete po-

deres especialmente amplos. A afirmação genérica de que

toda interpretação envolve uma ponderação (quando a ri-

gor o termo

ponderação

estaria sendo usado em sentido

amplo, e não para designar uma técnica específica de solu-

ção de conflitos normativos) poderia autorizar o operador

jurídico a lançar mão desses poderes em qualquer exercício

da atividade interpretativa, ainda que não estivessem pre-

sentes as circunstâncias que os justificam .

55 CANOTILHO, J. J. Gomes.

Direito constitucional e teoria da

Constituição

1998, pp. 1161 e 1162: Em muitas propostas

37

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A despeito das críticas apresentadas, a verdade é que é

possível denominar e classificar os fenômenos jurídicos

como se prefira, em função da utilidade e da clareza visua-

lizadas em uma ou outra fórmula. O importante realmente

é que essas fórmulas sejam capazes de comunicar os con-

teúdos pretendidos aos diferentes usuários dessas conven-

ções. Pois bem: considerando os dois objetivos centrais

deste estudo — (i) propor uma ordenação que confira

maior juridicidade e racionalidade à ponderação enquanto

técnica para solução de conflitos normativos e (ii) propor

parâmetros capazes de orientar o emprego dessa técnica

—, a noção de ponderação inicialmente adotada parece sa-

tisfatória. Desse modo, para os fins deste estudo, e à guisa

de conclusão deste tópico, a ponderação será compreendi-

da e identificada como urna técnica jurídica de solução de

conflitos normativos que envolvem valores ou opções polí-

ticas em tensão, insuperáveis pelas formas hermenêuticas

tradicionais.

metodológicas a ponderação é apenas um elemento do procedimento da

interpretação/aplicação de normas conducente à atribuição de um

significado normativo e à elaboração de uma norma de decisão. Aqui o

balancing process vai recortar-se em termos autônomos para dar relevo à

idéia de que no momento de ponderação está em causa não tanto atribuir

um

significado normativo ao texto da norma, mas sim equilibrar e ordenar

bens conflituantes (ou, pelo menos, em relação de tensão) num

determinado caso. Neste sentido, o balanceamento de bens situa-se a

jusante da interpretação. A actividade interpretativa começa por uma

reconstrução e qualificação dos interesses ou bens conflituantes

procurando, em seguida atribuir um sentido aos textos normativos e

aplicar. Por sua vez a ponderação visa elaborar critérios de ordenação

para, em face dos dados normativos e factuais, obter a solução justa para

o conflito de bens.

1.2. Direito, racionalidade e justificação: algumas notas

O tópico anterior teve por fim identificar o objeto prin-

cipal de investigação deste estudo: a ponderação. Além das

notas já feitas, e antes de prosseguir, parece importante

também justificar os objetivos do estudo. Por que, afinal, é

necessário ordenar metodologicamente a técnica da ponde-

ração e formular parâmetros que orientem e limitem o seu

emprego pelo intérprete? Embora a resposta a essa pergun-

ta pareça bastante óbvia e quase intuitiva, há algumas

observações importantes a fazer sobre o ponto.

Na verdade, e como já se mencionou, o objeto deste

trabalho insere-se em uma discussão muito mais ampla,

que envolve o tema da racionalidade e da justificação do

direito e das decisões jurídicas, sobretudo as judiciais

 

. O

tema é cada vez mais relevante no Brasil, pelo menos por

duas razões. Em primeiro lugar, os sistemas jurídicos con-

temporâneos, e em particular o brasileiro, conferem ao in-

térprete um espaço de atuação e criação cada vez mais am-

plo. Retomando o que se registrou na introdução, a utiliza-

ção intensiva pelos enunciados constitucionais e legais de

princípios e conceitos abertos ou indeterminados, dentre

outros mecanismos, transfere ao Judiciário contemporâneo

um amplo poder na definição do que é, afinal, o direito.

Sob pena de serem acusadas de puramente arbitrárias e

ilegítimas em um Estado democrático de direito

  7 , as esco-

6

s temas da teoria da argumentação serão abordados apenas quando

isso seja necessário (e à medida que seja necessário) aos propósitos do

estudo. Como já referido, o objetivo do estudo é apresentar uma proposta

operacional para a técnica da ponderação e seria impossível atingir essa

meta se o estudo pretendesse aprofundar as complexas questões da teoria

da argumentação.

57 Para uma discussão mais profunda sobre o conceito de estado

democrático de direito, v. SILVA, José Afonso da. O

stado democrático

de direito

Jurisprudência Mineira n°101, 1988, p. 1 e ss..

38

9

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lhas do intérprete nesse ambiente demandam justifica-

tivas .

Por outro lado, e em segundo lugar, o processo de rede-

mocratização do País, nos últimos vinte anos, a reorganiza-

ção da sociedade civil e a liberdade de imprensa passaram a

submeter o Judiciário à crítica a que estão sujeitos todos os

poderes estatais. Obviamente, a necessidade de o agente

público demonstrar a legitimidade de seus atos cresce à

medida que haja mais controle .

58

LA TORRE Maximo.

Theories of Legal Argumentation

and

Concepts

of Law AnApproximation

Ratio Juris, vol. 14, n°4, 2002, p. 382: It is

today the judge that is put forward as the new centre of the lega system,

no longer the legislative power, like it or not. And in the judge's view

central importance inevitably attaches to the procedure by which the

decision is arrived at. Here, the law is not enough, other criteria of choice

have to be resorted to. ; e AARNIO, Aulis.

Loraconal comorazonabe

1991, p. 29: Corno se ha mencionado, el decisor ya no puede apoyarse

en una mera autoridad forma. En una sociedad moderna la gente exige

no solo decisiones dotadas de autoridad sino que pide razones. Esto vae

también para la administración de justicia La responsabilidad dei juez se

ha convertido cada vez más en la responsabilidad de justificar sus

decisiones. La base para el uso dei poder por parte dei juez reside en la

aceptabilidad de sus decisiones y no en la posición forma de poder que

pueda tener. En este sentido, la responsabilidad de ofrecer justificación

es, especificamente, una responsabilidad de maximizar el control público

de la decisión. Así pues, la presentación de la justificación es siempre

también un medio para asegurar, sobre una base raciona, la existencia de

la certeza jurídica en la sociedad.

59 MAIA, Antônio Cavalcanti.

importânca da dmensão

argumentativa à compreensãoda práxis jurídca contemporânea

Revista

Trimestral de Direito Público n° 8, 2001, pp. 280 e 281: Eis que a

reconstitucionaização implicou nítido aargamento nas funções dos juízes

e uma maior participação do Judiciário nos problemas gerais da vida

brasileira Deste modo, cabe à comunidade dos profissionas do Direito

uma reflexão mas profunda acerca destas questões, tendo em vista que a

'nova retórica oferece novas possibilidades de reflexões no mundo do

ireito e postula uma integração maior entre a produção

Além dessas razões gerais, a necessidade de racionalida-

de e justificação torna-se ainda mais acentuada quando se

trate de decisão que emprega a técnica da ponderação.

Como exposto no tópico anterior, a técnica se destina a

solucionar antinomias que, na verdade, refletem conflitos

muito mais complexos, envolvendo valores e diferentes op-

ções políticas.

Neste contexto,

as decisões jurídicas não são

tomadas com base em uma subsunção simples ou facilmen-

te perceptível, já que os critérios utilizados para definir a

solução em cada caso não estão no texto jurídico. Sua legi-

timidade, portanto, não decorre de forma evidente de

enunciados normativos. Em suma: com mais razão que a

existente relativamente a todas as decisões judiciais, a legi-

timidade daquelas que se valem da técnica da ponderação

depende fortemente de sua

r cion lid de

e capacidade de

justific ção

6

Esses dois elementos — racionalidade e jus-

tificação — exigem um breve comentário.

doutrinário-acadêmica e o quotidiano do juiz e do advogado. Ademas,

nos últimos anos tem-se freqüentemente sustentado uma fiscalização

maior da atividade do Judiciário, cogitando-se por vezes o controle

externo deste poder. Trata-se de um debate difícil, complexo e delicado.

(...) Entretanto, pode-se apontar urna outra forma — diferente daquela

do controle externo — de procurar garantir mecanismos de fiscalização da

sociedade e da comunidade dos operadores do Direito em relação ao

Judiciário. Ta se daria basicamente, a partir de uma outra perspectiva

situada numa dimensão metodológica através de um exame mas apurado

da fundamentação das decisões, à luz de todas essas cogitações de

natureza teórica abertas pela

démarche

tópica Neste quadro atua, onde

os magistrados dispõem de uma área maor anda de liberdade do que a

tradicionalmente garantida em nossa .história jurídica, impõe-se uma

atenção maor à questão concernente as justificativas pelas quas os juizes

chegam às decisões que dirimem as lides a eles submetidas.

60

PECZENIK, Aleksander. On

LatoandReason

1989, p. 31: Why

should value judgments, based on weighing and balancing of various

considerations, play such a great role in legal reasoning, particularly in

40

41

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De forma simples, é possível dizer que a racionalidade

na esfera das decisões jurídicas está ligada a dois elemen-

tos: (i) a capacidade de demonstrar conexão com o sistema

jurídico

6

e (ii) a racionalidade propriamente dita da argu-

legal interpretation? The answer is based on the fact that the

interpretation and application of law is to some extent rational and, for

that reason, promotes legal certainty in material sense, that is, the optimal

compromise between predictability of legal decisions and their

acceptability in view of other moral considerations. (grifos no original);

e AARNIO, Aulis.

La tesis de la única respuesta correcta y el principio

regulativo dei razonamiento jurídico

Revista Doxa n° 8, 1990, p. 25 e ss..

Sobre a especial necessidade de racionalidade e justificação da jurisdição

constitucional, v. VILLALÓN, Pedro Cruz. Legitimidade da justiça

constitucional e princípio da maioria .

In: Legitimidade e legitimação da

justiça constitucional — Colóquio no 10

 

aniversário do Tribunal

Constitucional

1995, p. 88; GARCIA DE ENTERRIA, Eduardo.

La

constitución como norma y el tribunal constitucional 1983

pp. 234 a 236:

Es precisamente esa calificación estrictamente judicial, aplicada a una

materia tan trascendental y tan sensible para el cuerpo político y social, la

que exige de manera particular a las sentencias constitucionales

intensificar la exigencia común de la motivación de todo fallo judicial, la

de presentarse como

principie

justificada de una manera detallada y

explícita en principios que trasciendan la apreciación singular dei caso,

principios que aqui han de ser precisamente los expresados en la

Constitucion o deducibles de los mismos con claridad. (...) Se trata, en

definitiva, en la expresiva dicotomia dei libro de Howard Bali, de

presentar ai pueblo las decisiones constitucionales con un producto de la

artesanía jurídica, a partir de los principios constitucionales, y no como

ukases, como decisiones de poder que solo podrían apoyarse en las

inclinaciones personales de los jueces constitucionales, inclinaciones

irrelevantes para el pueblo y que carecen de cualquier legitimidad para

erigirse em motivos últimos de dichas decisiones. ; e TAVARES, André

Ramos.

Tribunal e jurisdição constitucional

1998, p. 40 e ss..

61 Essa vinculação pode assumir variadas formas, admitindo

modalidades mais ou menos diretas. A existência de disposições

implícitas, construídas a partir do sistema, e de princípios gerais do direito

não é uma novidade.

42

mentação

6 2 , em especial nas hipóteses em que existam vá-

rias conexões possíveis — e diferentes — com o sistema

jurídico

6 3

. Explica-se melhor.

De forma esquemática, em um Estado de direito, repu-

blicano e democrático, no qual se adota como pressuposto

a igualdade de todos, a imperatividade do ordenamento

jurídico decorre de contar, em última análise, com o respal-

do de uma decisão majoritária, representada pela lei e/ou

pela Constituição. Isto é: apenas uma decisão tomada em

bases majoritárias, com a participação direta ou indireta

das pessoas, pode ser considerada legitimamente obrigató-

ria e capaz de desencadear os mecanismos de coerção do

Estado. Nesse mesmo sentido, e deixando de lado outras

considerações, a legitimidade da atuação judicial decorre

 

igualmente de sua

vinculação a decisões majoritárias.

Superou-se há muito, é certo, a ficção de que o juiz

seria um agente neutro de execução de subsunções lógicas,

62

ECZENIK, Aleksander. On Law and Reason

1989, pp. 188 e 189.

O autor registra que, além da coerência com o sistema jurídico (o que

envolve inclusive a criação de parâmetros), é preciso que também o

processo de argumentação e decisão seja racional e coerente. Salvo por

algumas observações pontuais, este estudo ocupa-se apenas da coerência

sistemática e não da argumentativa.

63 O que qualifica uma argumentação ou decisão jurídicas como

racionais? Esta é uma das questões mais importantes e complexas da

teoria da argumentação. Alelcsander Peczenik, por exemplo, visualiza na

racionalidade três exigências principais. PECZENIK, Aleksander. On

Law and Reason

1989, p. 119: I have also put forward three different

demanda of rationality, that is, the demand that the conclusion is logically

and linguistically valid (L-rationality), follows from a highly coherent set

of statements (S-rationality), and would not be refuted in a perfect

discourse (D-rationality). . Veja-se também TEIXEIRA, João Paulo

Aliam

Crise moderna e racionalidade argumentativa no direito: o modelo

de Aulis Aarnio

Revista de Informação Legislativa n° 154, 2002, pp. 213

a 227.

43

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não lhe cabendo qualquer papel criativo ou inovador. Se

essa crença já era ilusória no século XIX e na primeira me-

tade do século XX, que se dirá nos dias de hoje, tendo em

conta a abertura dos sistemas jurídicos contemporâneos? A

visualização mais precisa do real papel do aplicador do di-

reito, no entanto, não deve conduzir o debate ao outro ex-

tremo. Continua a ser vedado ao juiz, em um Estado demo-

crático de direito, inovar na ordem jurídica sem fundamen-

to majoritário, sob pena de usurpar a competência própria

dos demais poderes estatais.

Nesse sentido, portanto, a vinculação da decisão judi-

cial ao sistema jurídico em vigor é um primeiro elemento

de racionalidade; ao demonstrar essa vinculação de forma

consistente

 

, a decisão judicial se beneficia da presumida

racionalidade do sistema jurídico e, sobretudo, da contida

em seu elemento central: a Constituição .

Muitas vezes, porém, o próprio sistema fornece funda-

mentos para diferentes decisões, e técnicas interpretativas

diversas podem conduzir a resultados incompatíveis. Isto

é: nem sempre o sistema indicará uma solução única e in-

disputada e, nessas circunstâncias, não bastará demonstrar

alguma

conexão com o sistema jurídico: é necessário de-

monstrar a

racionalidade propriamente dita

da conexão es-

colhida. Será necessário responder racionalmente a ques-

64

PECZENIK, Aleksander. On

LawandReason

1989, p. 177: A legal

justification which neither explicitly nor implicitly refers to a system is an

ad-hoc justification. Neither universal nor general, it would not fulfill

elementary demands of justice (MacCormick 1984, 243). Justice

requires that legal justification is embedded in a fairly coherent system.

(grifos no original).

65

É claro que sob uma perspectiva filosófica ou sob a ótica da teoria do

discurso é possível questionar a racionalidade do sistema jurídico e da

própria Constituição. Essa discussão, porém, está fora do escopo deste

estudo.

44

tões como as seguintes: Por que determinados enunciados

estão sendo considerados e outros não? Por que uma deter-

minada solução deve ser adotada e não outra, igualmente

respaldada por fundamento normativo?

A

justificação por sua vez, está associada à necessidade

de explicitar as razões pelas quais uma decisão foi tomada

dentre outras que seriam possíveis. Na verdade, cuida-se

de transformar os diferentes processos lógicos internos do

aplicador, que o conduziram a uma determinada conclusão,

em linguagem compreensível para a audiência . Há aqui

um ponto importante que é muitas vezes negligenciado.

Em um Estado republicano, no qual — repita-se — todos

são iguais, ninguém tem o direito de exercer poder político

por seus méritos pessoais, excepcional capacidade ou sabe-

doria. Todo aquele que exerce poder político o faz na qua-

lidade de agente delegado da coletividade e deve a ela

satisfações por seus atos . Esse raciocínio, bastante singelo

66É freqüente que o termo justificaçãoseja compreendido como

englobando não apenas a obrigação de apresentar a motivação das

decisões, mas também de fornecer uma motivação consistente, racional e

jurídica. Apenas para que fosse mais fácil visualizar os dois momentos —

a apresentação da justificativa e o juízo acerca de seu conteúdo — é que

se fez a distinção no texto, de modo que

justificação

acabou por ser

associada apenas à prestação de contas por parte do intérprete.

67 BARROSO, Luis Roberto. Promoção de magistrado por

merecimento e recusa de promoção por antigüdade. Dever de voto

aberto e motivado .

In PELLEGRINA, Maria Aparecida e SLVA, Jane

G ranzoto Torres da organizadoras).

Constituconalismosocal — Estudos

emhomenagemaoMinistroMarcoAuréioMendes deFaria Melo

2003

pp. 194e 195: Assinale-se que em um Estado democrático de direito,

todo poder é representativo, no sentido de que é exercido em nome do

povo e deve visar à promoção do bem comum. O fato de os agentes

públicos investidos de função judicial não serem escolhidos por meio de

sufrágio popular não infirma a premissa estabelecida. Juízes não são

eleitos por uma opção do constituinte, que reservou parcela do poder

45

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do ponto de vista da teoria democrática, também se aplica

ao Judiciário. O juiz exerce poder político ao desempenhar

uma das atividades próprias do Estado: a jurisdição. E, por-

tanto, um agente delegado da sociedade, a quem deve con-

tas de sua atuação. Note-se que a decisão judicial não é

mero conselho: ela poderá ser imposta pela força ao jurisdi-

cionado, se necessário, em uma manifestação típica do po-

der de império estatal. Parece evidente que o cidadão tem

o direito de saber por que um seu agente delegado decidiu

em determinado sentido e não em outro .

Não se ignora o sem-número de obstáculos enfrentados

pelo juiz para cumprir o dever de motivar adequadamente

político para ser exercida com base em critérios técnicos, sem submissão

aos mecanismos majoritários. Aliás, o Judiciário desempenha, muitas

vezes, uma função contra-majoritária, invalidando atos dos outros

Poderes e protegendo os direitos fundamentais contra o abuso das

maiorias políticas. Mas o constituinte não dispensou os órgãos judiciais de

um conjunto importante de controles próprios do regime democrático .

V. também PECZENIK, Alelcsander. On

LawandReason

1989, p. 41:

Thus, democracy demands a legal decision making which harmonizes

respect for both the wording of the law and its preparatory materiais and,

on the other hand, moral rights and values, including freedom and

equality. 1t also demands that the decisions are justified as clearly as

possible.

68

AARNIO, Aulis.

ReasonandAuthority

1997, p. 193: This is, thus,

due to the fact that one of the most important properties of a mature

democracy is openness. It makes the externai control of the

decision-making activity possible. This holds true also as to the

adjudication. The independence of the courts of justice does not mean

that they are completely outside of the democratic control. The division

of power guarantees the independence of the courts only in relation to

the other power centres, especially to the executive power. On the other

hand, the courts of justice are a part of society and of its democratic

order. Also the courts must thus, in an open society, be under a societal

control used by people. The only means of this control is the demand that

the courts really

argue

for their decisions. .

46

(número reduzido de juízes, grande quantidade de deman-

das repetidas etc. ), e igualmente as diversas propostas

hoje discutidas para tentar superar esses obstáculos. O que

importa destacar aqui é que o dever de motivar não decorre

apenas de uma regra formal contida no texto constitucional

(art. 93, IX) ou de uma exigência do direito de defesa das

partes. Ele está vinculado à própria necessidade republica-

na de justificação das decisões do Poder Público. Quando o

juiz emprega a técnica da ponderação, essa necessidade é

potencializada: se há uma variedade de soluções possíveis

nesses casos, é preciso demonstrar o motivo de se escolher

uma delas em detrimento das demais

m.

69 Sobre esse tema, acaba de ser divulgado pelo Ministério da Justiça

interessante estudo estatístico denominadoDiagnósticodoPoder

Judcário

Ministério da Justiça, Brasil, 2004. De acordo com o

levantamento, o país tem 7,7 juízes por 10000habitantes e no ano de

2003 foram distribuídos 17,3 milhões de processos ao Judiciário

brasileiro. Os problemas estruturais do Judiciário brasileiro não

constituem propriamente uma novidade. Há alguns anos são feitas

pesquisas sobre o tema, ainda que não tão abrangentes, como observa

BONAVIDES Paulo.

Dopais constituconal aopaís neocoonial,2001, p.

80e ss.

70Examinando a mesma questão sob uma perspectiva diversa e muito

interessante, v. DWORKIN, Ronald.

TheJudges NewRoe Should

Personal Convctions Cot u?

Joumal of Intemational Criminal Justice I,

2003, p. 11: The new role played by judges — wielding power in service

of conscience — was once played by priests and then later by politicians.

(...) Priests ruled by divination from the occult (...) Democratic

politicians now rule, not by the instinctive wisdom and fairness

celebrated in the old parliamentary model, but by representation, which

means by compromises, trade-offs and political deals that do not even

aim at coherence. Neither priests nor politicians have a responsibility of

justification in principie. (...) But that responsibility for articulation is the

nerve of adjudication. Judges are supposed to do nothing that they cannot

justify in principie, and to appeal Only to principies that they thereby

undertake to respect in other contexts as well. (...) Government by

47

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Em suma: em um Estado de direito, republicano e de-

mocrático, as decisões judiciais devem vincular-se ao siste-

ma jurídico da forma mais racional e consistente possível, e

o processo de escolhas que conduz a essa vinculação deve

ser explicitamente demonstrado. Aprimorar a consistência

metodológica da técnica da ponderação e construir pai-à--

metros jurídicos capazes de orientar seu emprego são es-

forços dogmáticos que podem contribuir, em primeiro lu-

gar, para que a vinculação ao sistema das decisões que em-

pregam essa técnica seja juridicamente mais consistente e

mais racional. Em segundo lugar, e aqui apenas de forma

indireta, a ordenação objetiva e clara das etapas a serem

percorridas pelo intérprete no uso da ponderação poderá

facilitar a demonstração pública do processo decisório no

momento da motivação.

adjudication is newly appealing for a different reason as well: it seems

better suited that the alternatives to the cultural and ethical pluralism

that is so marked in modern political communities and associations. (...)

The church as Caesar is no longer an option: we are too divided about

religion, and too united in our conviction that religion and State should be

separate, to permit that. We lcnow that politicians aim mainly at their

next electoral success, and while it is sensible to give officials who have

that prime ambition the task of benefiting the majority, it seems less

sensible to ask them to be the majority's conscience as well.

II. Examinando as críticas

à ponderação

Antes de apresentar uma proposta de ordenação para a

técnica da ponderação, anunciada nos tópicos anteriores, é

preciso enfrentar um questionamento relevante. Nos últi-

mos anos, autores têm formulado críticas contundentes à

propriedade da ponderação, à sua utilidade e até mesmo à

sua necessidade como ferramenta da hermenêutica jurídi-

ca. O exame dessas críticas (objeto deste capítulo) e das

opções à ponderação concebidas pela doutrina (objeto do

próximo capítulo) não atende apenas a uma necessidade de

organização do estudo acadêmico. Na verdade, a despeito

de se concluir ao final que a ponderação continua sendo

indispensável em diversas hipóteses, o exame das críticas

auxilia na identificação de inconsistências da técnica e no

esforço para aprimorá-la. Como se verá, a proposta de or-

denação exposta no capítulo V absorve e procura superar

várias das objeções formuladas contra ,a ponderação, bem

como assimila idéias lançadas pelos autores que defendem

a substituição da técnica por outras opções hermenêuticas.

Volte-se então ao ponto.

48

49

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Ao longo das últimas décadas, muitas críticas têm sido

formuladas à ponderação. E, embora dirigida de forma ge-

ral à ponderação como técnica de decisão jurídica em am-

bientes de conflitos normativos, a crítica se torna especial-

mente incisiva em duas situações: quando a ponderação

envolve direitos fundamentais previstos constitucional-

mente e quando se trata da modalidade chamada pelos nor-

te-americanos de

ad hoc balancingn

De forma simples, o

ad hoc balancing

descreve a pon-

deração levada a cabo pelo juiz no caso concreto, livremen-

te, isto é, independentemente de qualquer parâmetro ou

standard

anterior e abstrato ao qual o aplicador esteja vin-

culado. Adiante se voltará a tratar mais detidamente desse

fenômeno. Por motivos bastante lógicos, o tema se torna

ainda mais controvertido quando a ponderação envolve di-

reitos fundamentais. Em muitos países, tais direitos têm

status

constitucional e, em outros, até constituem cláusu-

las pétreas, de sorte que nem mesmo o constituinte deriva-

do pode restringi-los (no caso brasileiro, como se sabe, não

podem ser aprovadas emendas tendentes a abolir tais direi-

tos — art. 60, § 4°, IV). Mesmo nos Estados em que tais

disposições não são qualificadas como cláusulas pétreas, a

possibilidade de se restringirem por meio de decisões judi-

ciais direitos assegurados constitucionalmente desperta al-

guma perplexidade.

Nesse contexto, é possível sistematizar as principais

críticas à ponderação nas seguintes proposições:

a) A ponderação seria uma técnica inconsistente do

ponto de vista metodológico. As noções de balanceamento

ou sopesamento são vagas e não veiculam uma idéia clara

sobre o conteúdo da técnica. Além disso, não há parâme-

71

eja-se, por todos, ALEINIKOFF, T. Alexander. Constitutional Law

in the Age of Balancing

Yale Law Journal n° 96, 1987, p. 964 e ss..

tros racionais para a ponderação e inexiste um padrão de

medida homogêneo e externo aos bens em conflito capaz

de

pesar

de forma consistente a importância de cada um

deles . A ausência de parâmetros impede até mesmo que

se verifique se uma ponderação levada a cabo é ou não

correta .

b) Por conta da inconsistência metodológica, a ponde-

ração admite um excessivo subjetivismo na interpretação

jurídica e, portanto, enseja arbitrariedade e voluntarismo.

c) A ponderação arruína as conquistas próprias do Esta-

do de direito, em especial a contenção do arbítrio por meio

da legalidade (enunciados gerais e abstratos) e a segurança

jurídica daí decorrente, transmudando o Estado de direito

em um Estado de ponderação'.

72 SERNA Pedro e TOLLER Fernando. La interpretación

constitucional de los derechos fundamentales. Una alternativa a los

conflictos d e derechos 2000, p. 31: Como explica alguna doctrina, no es

posible contrapesar dos bienes sin establecer un

tertium comparationis

es

decir sin sefialar un principio un parámetro con respecto ai c-ual se pueda

determinar cuál pesa más. Nesse mesmo sentido, v. ALEINIKOFF, T.

Alexander. Constitutional Lato in the Age of Balancing

Yale Law Journal

n°96, 1987, p. 943 e ss..

73 ALEXY, Robert. Constitutional Rights Balancing and Rationality

Ratio Juris vol. 16 n° 2 2003 p. 134 e ss.; HABERMAS Jurgen.

Direito

e democracia entre facticidade e validade vol.

I, 2003, p. 241 e ss.; e

CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição constitucional democratica

2004, p. 135 e ss..

7 4

ORRES, Ricardo Lobo. A legitimação dos Direitos Humanos e os

Princípios da Ponderação e da Razoabilidade . /n: TORRES, Ricardo

Lobo (organizador),

Legitimação dos Direitos Humanos

2002, p. 421 e

ss.; e NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constiuição

2003, p. 640: O recurso à

ponderação de bens no Direito Público e, designadamente, no domínio

que aqui nos ocupa exclusivamente, o das restrições aos direitos

fundamentais, generalizou-se, nos últimos cinqüenta anos, de uma forma

tão avassaladora que pôde ser designada, criticamente, numa

50

1

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d)

A lógica da ponderação transforma a aplicação do

direito em um novo processo político, no qual vantagens

e

desvantagens serão livremente (re) avaliadas por órgãos que

não têm legitimidade para exercer esse ofício, em franca

violação ao princípio da separação de poderes.

e)

Quando envolve a Constituição, a ponderação acaba

por aniquilar a conquista da normatividade de suas disposi-

ções, já que dilui a certeza e a previsibilidade que deveriam

caracterizá-las, especialmente quando se trate de cláusulas

pétreas. A ponderação submete tais disposições ao jogo

próprio da política e à imprevisibilidade, ameaçando sobre-

tudo os direitos fundamentais .

f)

Na maior parte dos casos, o juiz manifestará as

convicções comuns à maioria da população acerca dos dife-

rentes temas constitucionais. Historicamente, porém, os

direitos fundamentais têm previsão constitucional justa-

mente para estarem a salvo dos humores das maiorias. Se

tais direitos puderem ser livremente submetidos à ponde-

ração, na prática eles estarão sendo lançados às maiorias

novamente. E nem se tratará de uma maioria política, elei-

caracterização que revela a controvérsia que acompanha esse processo,

como determinando uma substituição do Estado de Direito pelo

Estado

da ponderação

(LEISNER). Impossibilidade de colher da Constituição

parâmetros materiais susceptíveis de balizar objectivamente o recurso ao

método, subjectivismo, intuicionismo e arbitrariedade, transferência

ilegítima de poderes do legislativo para o juiz com substituição da reserva

de lei pela reserva de sentença, dissolução dos controlos típicos de Estado

de Direito, corrosão da força normativa da Constituição, nivelação e

indiferenciação dos direitos fundamentais, tirania dos valores e fórmula

vazia de tudo a ponderação de bens no domínio dos direitos

fundamentais tem sido, e com argumentos de peso, acusada.

75 ALEXY, Robert.

Constitutional Rights, Balancing and Rationality,

Ratio Juris, vol. 16, n° 2, 2003, p. 134: Habermas's first objection is that

balancing approach deprives constitutional rights or their normative

power.

ta, que represente os diferentes segmentos da sociedade

(em particular quando se adote o sistema eleitoral propor-

cional), mas apenas da opinião pessoal de um juiz ou de um

grupo de juizes sobre o assunto. Ou seja: os dispositivos

constitucionais sobre direitos fundamentais acabam por va-

ler menos que um enunciado normativo qualquer.

É preciso reconhecer que a crítica resumida acima é em

boa parte procedente. Não há como negar, considerando o

estado atual da dogmática sobre o assunto, que, de fato, a

ponderação é metodologicamente inconsistente, enseja ex-

cessiva subjetividade e não dispõe de mecanismos que pre-

vinam o arbítrio.

Por outro lado, parte da crítica resumida acima seria

aplicável, ainda que em menor intensidade, à interpretação

jurídica como um todo , especialmente nas hipóteses em

que o intérprete está diante de princípios que veiculem

valores ou opções políticas, ou ainda diante de conceitos

76 DWORKIN, Ronald.

The Judge s New Role: Should Personal

Convictions Count?,

Journal of International Criminal Justice I, 2003, p.

5: I know that many non-lawyers (and even some law professors, lawyers

and judges) think that law is wholly independent of morality, and that

judges who appeal to moral principies or ideais to support their decisions

are trespassing on the roles of priests, statesmen and moralizers, and

violating their responsibilities to decide cases according to what the law

is, not what it should be. That positivist canon was never defensible —

nor, perhaps, would any of us here defend it. it was not true even when

the highest courts of modern democracies were occupied almost entirely

with enforcing codes or statutes or applying the precedent decisions of

the common law to new situations. The strict positivistic sources of law

had fuzzy boundaries and left gaps: these had to be sharpened or filled in

with interpretation, and interpretation requires judges to decide which

way of continuing the story that the legislature or other judges have begun

is the most satisfactory ali things considered. That is a judgment that is

moral at its core.

5

3

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vagos que exijam determinação. Nessa espécie de ambien-

te normativo, a subsunção, ainda que possível, está longe

de ser objetiva ou rigorosamente previsível, franqueando

ao intérprete amplo espaço para avaliações e escolhas .

Em qualquer caso, não são apenas os autores contrários

ao uso da ponderação como uma técnica válida de solução

de conflitos normativos que se ocupam de criticá-la; tam-

bém aqueles que a consideram um instrumento útil para os

fins a que se destina apontam problemas similares

  . A di-

77

A posição de Kelsen sobre a questão é bastante conhecida, v,

KELSEN, Hans.

Teoria pura

do direito,

1998, p. 390: Se por

'interpretação' se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do

objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente

pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e,

conseqüentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro

desta moldura existem. Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve

necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única

correta, mas possivelmente a várias soluções que — na medida em que

apenas sejam aferidas pela lei a aplicar — têm igual valor, se bem que

apenas urna delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do

Direito.

78

NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constituição,

2003, p. 722: Cabe, nessa

altura, perguntar, com LARENZ, se a ponderação é verdadeiramente um

método ou apenas a

confissão

da sua impossibilidade com a remissão do

problema para o parecer subjectivo de um juiz que decide, não de acordo

com ordens de valores inexistentes ou inoperativas, mas segundo pautas

que ele próprio estabelece. Segundo a perspectiva que defendemos, só há

a ganhar no reconhecimento frontal dessa debilidade. A saída para ela não

reside nas propostas dos modelos que atrás criticamos e que, como vimos,

não constituem alternativas plausíveis à ponderação de bens, mas em

estratégias razoáveis e praticáveis — porque conscientes dos seus limites

— de racionalização dos procedimentos de ponderação de bens, de

redução do intuicionismo que lhe é inerente. Como diz Ossenbühl, não ha

que lamentar as debilidades de um procedimento que é inevitável, mas

antes que procurar racionalizar progressivamente a sua utilização.

54

ferença reside nas conseqüências extraídas desse quadro

pelos diferentes autores.

Para muitos, a despeito de todos os inconvenientes, os

conflitos normativos que envolvem valores e/ou diferentes

opções político-ideológicas de fato existem, é preciso solu-

cioná-los e não há outra maneira de fazê-lo a não ser por

meio da ponderação. E já que a necessidade de empregar a

ponderação é inexorável, cabe tentar aprimorar a técnica

com o objetivo de resolver as imprecisões que fundamen-

tam as críticas  9

. Esse na verdade é o propósito central des-

te estudo. A tentativa de ordenar a estrutura da técnica da

ponderação, exposta na segunda parte do estudo, destina-

se exatamente a lhe conferir maior consistência metodoló-

gica. A elaboração de parâmetros, objeto da terceira parte,

é um dos instrumentos para reduzir a subjetividade do in-

térprete, preservar o conteúdo próprio dos elementos nor-

mativos envolvidos, sobretudo os constitucionais, e assegu-

rar maior previsibilidade ao processo.

Para outros autores, diversamente, as dificuldades en-

volvendo a ponderação são de tal ordem que a técnica deve

79

SANCHIS, Luis Prieto. Neoconstitucionalismo y ponderación

judicial .

In: CARBONELL, Miguel organizador).

Neoconstitucionalismo s),

2003, p. 152: Las críticas de subjetivismo no

pueden ser eliminadas, pero tal vez si matizadas. ; SCACCIA, Gino.

bilanciamento degli interessi come tecnica di controllo costituzionale,

Giurisprudenza constituzionale, vol. VI, 1998, p. 3998: Nella dottrina

italiana, di giomo in giorno pià sensibile all'esigenza di delimitare gli spazi

di discrezionalitá delle operazioni di bilanciamento e di ridurre una

creatività talora incompatibile con il carattere giurisdizionale dell'attività

espletata dalla Corte (...). ; e CISME, Clèmerson Merlin e FREIRE,

Alexandre Reis Siqueira. Algumas notas sobre colisão de direito

fundamentais .

In

GRAU, Eros Roberto e CUNHA, Sérgio Sérvulo da

(organizadores).

Estudos de direito constitucional em homenagem a José

Afonso da Silva,

2003, p. 241 e ss..

55

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ser descartada

. Parece também razoável investigar o terna

sob esse ponto de vista, antes de se chegar a uma conclusão.

Se a ponderação é tão indesejável, se suscita tantas dificul-

dades e perigos, por que usá-la? A ponderação é realmente

necessária? Os conflitos normativos que ela pretende solu-

cionar não poderiam ser superados de outra forma, que

oferecesse menor quantidade de contra-indicações? Mais

que isso: esses conflitos são reais efetivamente? O

próximo

tópico cuida justamente de examinár a viabilidade das al-

ternativas à técnica da ponderação que têm sido formula-

das pela doutrina.

80 Essa é a conclusão de ALEINIKOFF, T. Alexander.

Constitutional

Laut intheAgeof Balancng

Yale Law Journal ri° 96, 1987, pp. 992 e

1005: If each constitutional provision, every constitutional value, is

understood simply as an invitation for a discussion of good social policy,

it means little to talk of constitutional theory. Ultimately, the notion of

constitutional supremacy hangs in the balance. (...) In sum, balancing is

not inevitable. To balance the interests is not simply to be candid about

how our minds -- and legal analysis

must work. It is to adopt a

particular theory of interpretation that requires justification. Balancing

has turned us away from the Constitution, supplying 'reasonable'

policymalcing in lieu of theoretical investigations of rights, principles and

structures. Constitutional law may not represent the search for truth or

beauty, moral salvation or divine inspiration. But it is crucial for this

political society to have a distinct way of thinking and talking about

fundamental background principies of govemment — one that both

connects up with, and pushes beyond past understandings.

Constitutional law wll have trouble helping to define the arena of politics

if it is seen simply as an act of ordinary politics. This is not to suggest that

constitutional law is not intensely political, rather that there is real value

in seeing it as a different sort of politics.

III. Há alternativas à ponderação?

Os limites imanentes, o conceptualismo

e a hierarquização

Em continuidade às críticas formuladas à ponderação, e

como decorrência delas, vários autores têm procurado de-

senvolver alternativas a essa técnica. Algumas das diferen-

tes soluções propostas podem ser agrupadas, de forma sim-

plificada'', em duas grandes categorias: (i) os que negam —

total ou parcialmente — a realidade dos conflitos normati-

vos que solicitam o emprego da ponderação e, por conse-

qüência, afastam a própria necessidade da técnica; e (ii) os

que reconhecem a realidade dos conflitos e procuram ofe-

recer uma técnica alternativa. Na primeira categoria, dois

conjuntos de idéias podem ser indicados desde logo: as di-

81

É bem de ver que cada autor apresenta propostas e observações

particulares que o distinguem dos demais. Não há uma preocupação de

refletir na exposição essas variedades com precisão. O objetivo aqui é

apurar os elementos essenciais comuns aos diferentes autores, de modo a

proporcionar uma visão sistemática, ainda que em certa medida

simplificadora.

56

7

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ferentes teorias sobre os limites imanentes e o conceptua-

lismo. Na segunda, encontra-se a proposta de hierarquiza-

ção dos elementos normativos em conflito.

A idéia de limites imanentes foi desencadeada de ma-

neira particular (embora não exclusiva) a partir da seguinte

concepção sobre o sistema constitucional dos direitos fun-

damentais. Ao dispor sobre determinados direitos, algumas

constituições autorizam o legislador a regulamentar seu

exercício e definir seus contornos; em outros casos não há

cláusula semelhante e o direito é aparentemente formula-

do em termos absolutos. A questão que se coloca nesse

contexto é bastante simples: que conseqüência atribuir a

essa diferença de redação? A conclusão aparentemente

mais lógica é a de que, quanto a esse segundo grupo de

direitos, a Constituição teria vedado a possibilidade de

restrições (tanto pelo legislador quanto, com muito mais

razão, pelo aplicador do direito). A Constituição portugue-

sa, como se sabe, refere de forma explícita em seu texto

que a restrição a direitos não é admitida fora das hipóteses

previstas pelo texto constitucional .

82 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos.

Os direitos fundamentais

na

Constituição portuguesa de 1976

1998; CANOTILHO, J. J. Gomes.

Direito constitucional e teoria da Constituição

1998, p. 1199 e ss.; e

HESSE, Konrad.

lementos de direito constitucional da R epública Federal

da Alemanha

1998, p. 250 e ss.. No Brasil, v. STEINMETZ, Wilson

Antônio.

olisão de direitos fundamentais e principio da

proporcionalidade

2001, p. 15 e ss..

83 Essa é a redação do art. 18, n° 2 da Carta Portuguesa: A lei só pode

restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente

previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário

para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente

protegidos:. Em linha semelhante, veja-se a Constituição Argentina,

1854 (com as alterações de 1994), art. 28: Los principios, garantias y

derechos reconocidos en los anteriores artículos, no podrán ser alterados

por las leyes que reglamenten su ejercicio. .

8

O raciocínio descrito acima, porém, embora aparente-

mente lógico, acabava por gerar problemas insustentáveis

de interpretação e aplicação constitucional. As exigências

da vida social — preocupações urbanísticas, sanitárias, am-

bientais, dentre outras — impõem sempre alguma espécie

de restrição ao exercício de direitos individuais. No mesmo

sentido, a convivência com outros direitos também previs-

tos na Constituição não admite uma interpretação absolu-

tizadora de cada um deles. Mas o que fazer com a diferença

de redação das normas constitucionais ou com a própria

cláusula que veda a restrição de direitos não autorizada

expressamente pela Carta? Ignorá-la?

A idéia de limites imanentes de certa forma contorna o

problema que se acaba de apontar . Por ela se sustenta que

cada direito apresenta limites lógicos, imanentes, oriundos

da própria estrutura e natureza do direito e, portanto, da

própria disposição que o prevê . Os limites já estão conti-

dos no próprio direito, portanto não se cuida de uma restri-

ção imposta a partir do exterior . No conhecido exemplo

84 Tratando da experiência portuguesa, v. NOVAIS, Jorge Reis.

As

restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela

Constituição

2003, p. 185 e ss., 307 e ss., e 528 e ss.. Esse raciocínio

também foi empregado pelo Tribunal Constitucional italiano, como

descreve ZAGREBELSKY, Gustavo. El Tribunal Constitucional

italiano . In:

Tribunales constitucionales europeos y derechos

fundamentales

1984, p. 413 e ss..

85 Alguns autores sublinham que os limites imanentes decorrem da

compreensão de cada direito em conjunto com elementos implícitos no

sistema jurídico, como a cláusula de comunidade, a prevenção do

exercício abusivo, o respeito à lei moral e a outros direitos, etc. V.

STEINMETZ, Wilson Antônio.

Colisão de direitos fundamentais e

princípio da proporcionalidade

2001, p. 45 e ss..

86 A chamada teoria institucional dos direitos fundamentais parte de

pressupostos semelhantes. V. NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos

59

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do Professor Vieira de Andrade, a liberdade de expressão

artística não autoriza um pintor a armar seu cavalete no

meio de uma via expressa para lá permanecer pintando:

essa pretensão seria bloqueada por um limite imanente,

lógico, contido no próprio direito 

.

direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituiçã

o  

2003, pp. 310 a 312: Já para a teoria institucional dos direitos

fundamentais, que inspira a nova concepção alternativa de limites do

s

direitos fundamentais, não haveria mais lugar para uma compreensão de

liberdade como esfera ou reserva natural a defender da intervenção do

Estado, no quadro da concepção liberal de separação Estado/sociedade

(...) Hoje, a liberdade só tem sentido enquanto liberdade na sociedade,

enquanto liberdade normativamente conformada e ordenada; (...) Os

limites não são elementos 'externos' legitimadores de intervenções

ablativas no conteúdo dos direitos fundamentais, mas sim concretizações

da sua substância jurídica, fronteiras

do seu âmbito de garantia

constitucional, reveladas a partir 'de dentro' do direito, ou seja, 'limites

imanentes' aos direitos fundamentais cuja eventual positivação, na

qualidade de elementos negativos da sua previsão normativa, tem um

caracter meramente declarativo.

8 IEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os

direitos fundamentais na

Constituição portuguesa de 1976 1998, pp. 216 e 217: No entanto, há

'limites imanentes' dos direitos fundamentais que s6 são determináveis

por interpretação pelo facto de estarem apenas implícitos no

ordenamento constitucional. Se é fácil saber qual o bem que está

protegido, já é muitas vezes difícil determinar-lhe os contornos,

sobretudo quando o seu exercício se faça de modos atípicos ou em

circunstâncias especiais, afectando, de uma maneira ou de outra, valores

ou direitos também constitucionalmente protegidos. Estes casos são

muitas vezes acriticamente considerados como de conflitos

entre direitos

e valores constitucionais ou como colisões de direitos. Importa, todavia,

distinguir nesta matéria situações que não podem ter o mesmo

tratamento jurídico. Por exemplo, poder-se-á invocar a liberdade religiosa

para efectuar sacrifícios humanos ou para casar mais de uma vez? Ou

invocar a liberdade artística para legitimar a morte de um actor no palco,

para pintar no meio da rua, ou para furtar o material necessário à execução

de uma obra de arte? (...) Nestes, como em muitos outros casos, não se

deve falar propriamente de um conflito entre o direito invocado e outros

Em verdade, a doutrina não apresenta um método es-

pecífico para determinar esses limites; sua percepção é

considerada quase intuitiva e está relacionada com a evi-

dência desses limites para o senso comum. Note-se, ainda,

que toda a discussão sobre os limites imanentes repercute

apenas sobre conflitos ou colisões envolvendo enunciados

que afetem direitos fundamentais, e não sobre todo e qual-

quer conflito normativo.

Os autores se dividem quanto às conseqüências a ex-

trair da construção dos limites imanentes. Para alguns, to-

dos os aparentes conflitos envolvendo direitos fundamen-

tais inexistem de fato. Os limites imanentes de cada um

direitos ou valores, por vezes expressos através de deveres fundamentais.

É que se trata de algo mais ou de algo menos do que isso. É o próprio

preceito constitucional que não

protege essas formas de exercício do

direito fundamental, é a própria Constituição que, ao enunciar os direitos,

exclui da respectiva esfera normativa esse tipo de situações. E a diferença

é importante, como veremos melhor, já que, se entendermos que não há

conflito, a solução do problema não tem que levar em conta o direito

invocado, porque ele não existe

naquela situação. Pelo contrário, havendo

conflito, tal significaria a existência de um direito em face de outros

direitos ou de outros valores (deveres) e a solução nunca poderia sacrificar

totalmente o direito invocado a não ser que se partisse do

reconhecimento de uma ordenação hierárquica dos bens

constitucionalmente protegidos, sacrificando-se então o menos valioso.

Só que um critério de hierarquia não é sustentável e acabaria, de qualquer

modo, por suscitar uma série de problemas sem solução racional.

Preferimos, por isso, considerar a existência de limites imanentes

implícitos nos direitos fundamentais, sempre que não seja pensável que a

Constituição, ao proteger especificamente um certo bem através da

concessão e garantia de um direito, possa estar a dar cobertura a

determinadas situações ou formas do seu exercício, sempre que, pelo

contrário deva concluir-se que a Constituição as exclui sem condições

nem reservas. A idéia de limites imanentes não é nova e tem sido

largamente utilizada na doutrina e jurisprudência alemãs. (grifos no

original)

60

61

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dos direitos impedem O

confronto. Na verdade, por conta

dos limites imanentes, a abrangência de cada direito é me-

nor do que se supõe inicialmente, portanto não chega a

haver conflito algum. Não havendo conflito, não há neces-

sidade de técnica para solucioná-lo e, destarte, a pondera-

ção é desnecessária. Caberia ao intérprete apenas declarar

esses limites pré-existentes, a fim de delinear o espaço do

direito .

Para outros autores, diversamente, os limites imanen-

tes superam de fato um conjunto importante de conflitos

que são apenas aparentes . Essas supostas antinomias não

existem na realidade, pois a colisão ocorreria entre

manifestações hipotéticas dos direitos que se encontram

fora de seus limites imanentes. Este segundo conjunto de

autores admite, contudo, que podem persistir conflitos en-

volvendo direitos mesmo depois de considerados os limites

88 Para uma apresentação geral sobre o tema, v. NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos dretos fundamentais nãoexpressamenteautorizadas

pea Constitução

2003, p. 185 e ss. e 363 e ss..

89 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os

dretos fundamentais na

Constituçãoportuguesa de1976

1998, p. 214: Esse conflito não se

apresenta sempre da mesma maneira e, assume, visto da perspectiva do

direito limitado, formas diferentes, que convém separar. Umas vezes, a

'limitação' do direito atinge o seu próprio âmbito de protecção

constitucional, de tal maneira que exclui em termos absolutos certas

formas ou modos do seu exercício — fala-se então de

limtesimanentes

Outras vezes, a limitação resulta dos compromissos naturais entre valores

constitucionais que concorrem directamente em determinados tipos de

situações e que, nessas circunstâncias, reciprocamente se limitam —

estamos perante as

coisões

de direitos ou

conflitos

em sentido estrito.

Noutros casos, ainda, a limitação resulta de uma intervenção normativa

dos poderes públicos para salvaguarda de valores constitucionais — esta

intervenção é reservada ao poder legislativo e, por isso, põe-se aqui o

problema das

les restritivas

de direitos fundamentais.

62

imanentes e, nesse particular, o único meio de saná-los se-

ria realmente a ponderação

9 . O importante aqui é que,

para tais autores, o recurso à ponderação ficará restrito a

um número significativamente menor de situações, já que

boa parte dos conflitos normativos seria resolvida pela ma-

nipulação do conceito de limites imanentes.

Uma segunda alternativa que tem sido concebida para

substituir a técnica da ponderação pode ser denominada de

conceptualismo. Seus resultados práticos são semelhantes

aos obtidos por aqueles que sustentam que todo e qualquer

conflito normativo envolvendo direitos é na verdade um

falso conflito, já que a questão pode ser solucionada com a

identificação dos limites imanentes. Outra semelhança

com os limites imanentes é que também o conceptualismo

se ocupa basicamente dos conflitos envolvendo direitos

fundamentais. A estrutura dessa opção, porém, é bastante

diversa.

Os defensores do que se convencionou denominar

con

90 Quanto aos resultados obtidos, a identificação dos limites imanentes

de cada direito (na modalidade que admite a necessidade de ponderação)

se aproxima da idéia de

deintional balancngdos norte-americanos e

igualmente do esforço para a construção de parâmetros específicos objeto

do último capítulo deste estudo. V. CANOTILHO, J. J. Gomes,

Direto

constituconal eteoria da Constitução

1998, p. 1164: delimitar o

âmbito de proteção de uma norma constitucional, estabelecendo uma

espécie de linha de demarcação entre o que entra nesse âmbito e o que

fica de fora. É o que a doutrina americana designa por definitional

balancing e que no esquema metódico atrás referido corresponde ao

recorte do chamado âmbito normativo . A linha dedeintional balancng

é seguida pela jurisprudência americana para precisar a esfera de proteção

da norma e excluir certas dimensões. (...) Como se vê, o

deintional

balancng

não é, em rigor, um modelo de ponderação, pois localiza-se

ainda no procedimento interpretativo destinado a determinar o âmbito de

proteção de normas garantidoras de direitos e bens constitucionais.

Define, por via geral e abstracta, os 'campos normativos'.

63

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ceptualismo

negam a existência de conflitos envolvendo

os

direitos fundamentais. Para eles, a difundida idéia de que

os direitos podem colidir entre si e/ou com disposições

constitucionais que consagram bens coletivos ou fins públi-

cos tem origem em um pressuposto filosófico equivocado,

de origem liberal e individualista, que compreende os di-

reitos como poderes individuais ilimitados e desvinculados

de qualquer função ou propósito

 

.

Esse pressuposto filosófico liberal acaba por ter uma

conseqüência hermenêutica que estimula a multiplicação

dos conflitos: os direitos deixam de ser compreendidos

como conceitos, isto é, como noções com sentido próprio,

construídas historicamente e associadas a determinado

fim, para serem identificados com o texto do enunciado

normativo e todas as suas possibilidades lingüísticas. As-

sim, equivocadamente, passou a ser considerada

direito

toda e qualquer manifestação humana que, do ponto de

vista lingüístico, pudesse agasalhar-se sob a descrição con-

tida no texto normativo, ainda que não guardasse qualquer

relação lógica com os fins daquele direito. Esse conjunto de

equívocos acabou por conferir o status

de direito funda-

mental a situações que simplesmente não poderiam ser

classificadas dessa maneira; e, com a multiplicação desses

pseudo direitos

surge o problema dos conflitos. Mantendo

o exemplo do pintor na via expressa, para o conceptualis-

mo, a iniciativa do pintor nada tem a ver com o direito de

expressão artística, podendo ser descrita como um

pseudo

direito; e se não há direito, tampouco há conflito.

Para os conceptualistas, os direitos fundamentais de-

91 SERNA, Pedro e TOLLER, Fernando.

La interpretación

constitucional de los derechos fundamentales. Una alternativa a los

conflictos de derechos

2000; e CIANCIARDO, Juan.

El conflictivismo en

los derechos fundamentales

2000.

6

vem ser compreendidos não como vetores em oposição,

mas de forma integrada, cada qual ocupando um espaço e

desempenhando um papel na construção do bem-estar do

homem dentro da sociedade. De acordo com essa concep-

ção, cada direito corresponde a um conceito jurídico asso-

ciado a determinados fins e fruto de uma história. Com-

preendidos dessa forma, os direitos fundamentais e as exi-

gências coletivas se completam e formam uma unidade ló-

gica, não havendo espaço para conflito .

A conseqüência hermenêutica dessa forma de ver o

problema é a seguinte: o texto normativo apenas procura

captar o conceito

de cada direito, mas não se confunde com

ele. Isto é: o texto que prevê o direito e suas possibilidades

lingüísticas não se confunde com o direito em si. A delimi-

tação do conceito de cada direito deverá ter em conta os

elementos referidos acima — função social e histórica do

direito e seus fins lógicos —, além da própria necessidade

de convivência com os demais direitos. Uma vez delinea-

dos os conceitos dos diferentes direitos, não haverá confli-

92 SERNA, Pedro e TOLLER, Fernando.

La interpretación

constitucional de los derechos fundamentales. Una alternativa a los

conflictos de derechos

2000, pp. 40 e 41: Como se ha expuesto más

arriba, el conflicto o la colisión entre las normas relativas a derechos

fundamentales — tomadas como enunciados lingüísticos — resulta

prácticamente inevitable. Por outra parte, si los derechos son la expresión

de la regra de coexistencia entre los individuos y sus pretensiones, los

conflictos entre ellos no sólo son evitables sino que, en rigor, son

imposibles. Por tanto, la primeira pauta hermeneutica para resolver los

conflictos será distinguir entre derechos fundamentales y normas de

derecho fundamental, y buscar la armonización en el nível de los

derechos, no de las meras normas. Dicho de outro modo, se tratará de

superar — en los casos de conflicto — la interpretación literal de las

normas iusfundamentales, dando entrada a los derechos por via de una

interpretación dirigida al fundamento de la norma, concretamente de una

interpretación teleolágica y sistemática.

65

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tos entre eles ou entre eles e exigências associadas a algu 

interesse coletivo. Dito de outra forma, o problema dos

conflitos deixa de existir — e também assim a necessidade

da técnica da ponderação — na medida em que se estabe-

leça com razoável precisão o conceito de cada um dos direi-

tos e se deixe de considerá-los como o conjunto de todos os

fenômenos que possam ser enquadrados lingüística e se-

manticamente sob o enunciado contido no texto constitu-

cional.

As teorias dos limites imanentes e do conceptualismo,

como mencionado inicialmente, questionam a própria exis-

tência do conflito normativo e, por isso, em maior ou me-

nor grau, acabam por negar a necessidade da técnica da

ponderação. Ao lado dessas duas concepções, porém, há

uma terceira que igualmente rejeita o emprego da pondera-

ção, mas por motivos inteiramente diversos: trata-se da

hierarquização.

Para os defensores da hierarquização, os conflitos nor-

mativos existem e são inexoráveis. Nada obstante, a forma

de resolvê-los não deve ser a ponderação. A proposta dessa

corrente de pensamento será a construção de uma tabela

hierárquica ou de importância entre os enunciados norma-

tivos — inclusive e especialmente os constitucionais. As-

sim, diante do conflito, o intérprete disporá de um elemen-

to objetivo para decidir, fornecido pelas diferentes posi-

ções dos enunciados em disputa na escala hierárquica. As

disposições normativas mais bem situadas nessa escala de-

veriam preponderar sobre as que ocupam posições menos

graduadas .

93

KMEKDJIAN, Miguel Angel.

De nuevo sobre el orden jerárquico de

los derechos civiles

El Derecho n°114, p. 945 e ss., 1985 apud SERNA,

Pedro e TOLLER, Fernando.

La interpretación constitucional de los

derechos fundamentales. Una alternativa a los conflictos de derechos

66

A hierarquização tem como fundamento último as cor-

rentes filosóficas para as quais é possível escalonar os valo-

res em função de sua importância essencial . Como os

enunciados constitucionais, sobretudo os princípios, estão

direta ou indiretamente associados a valores, a um escalo-

namento de valores poderia corresponder um escalona-

mento de disposições constitucionais .

2000, p. 8 e ss.; e EKMEKDJAN, Miguel Angel. El valor dignidad y la

teoria dei orden jerarquico de los derechos individuales . /72: BIDART

CAMPOS, German J. e DOMINGUEZ, Andres Gil.

Los valores em la

Constitucion argentina

1999

 

pp. 9 a 36. Para uma exposição sobre o

tema, v. SERNA, Pedro e TOLLER, Fernando.

La interpretación

constitucional de los derechos fundamentales. Una alternativa a los

conflictos de derechos

2000, pp. 7 e 109 e ss.; e CIANCIARDO, Juan.

El

conflictivismo en los derechos fundamentales

2000, p. 107 e ss..

94 Sobre a hierarquia de valores na concepção de Max Scheler,

The

Cambridge Dictionary of Philosophy

1998 (verbete: Max Scheler), faz o

seguinte registro (p. 714): The core of Scheler's phenomenological

method is bis conception of the objectivity of essences, which, though

contained in experience, are a priori and independent of the lcnower. For

Scheler, values are such objective, though non-Platonic, essences. Their

objectivity is intuitively accessible in immediate experience and feelings,

as when we experience beauty in music and do not merely hear certain

sounds. Scheler distinguished between valuations or value perspectives

on the one hand, which are historically relative and variable, and values on

the other, which are independent and invariant. There are four such

values, the hierarchical organization of which could be both immediately

intuited and established by various public criteria like duration and

independence: pleasure, vitality, spirit and religion. Veja-se também

FRANCA, Pe. Leonel.

Noções de história da filosofia 1987, p. 249 e ss..

95 Esse esca lonamento dependerá naturalmente de avaliações de

natureza valorativa. SERNA, Pedro e TOLLER, Fernando.

La

interpretación constitucional de los derechos fundamentales. Una

alternativa a los conflictos de derechos 2000, pp. 7 e 8: Por outra parte,

las diferentes jerarquizaciones propuestas suelen depender de criterios y

baremos que, aunque gozan de cierta justificabilidad en términos

constitucionales se encuentran fuertemente marcados por

67

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Concluída a breve exposição sobre essas alternativas à

ponderação, cabe fazer uma análise, ainda que rápida,

so

-

bre o exposto. Seria realmente desejável que a hermenêu-

tica jurídica, em seu arsenal de técnicas, pudesse prescindir

da ponderação, considerando os efeitos colaterais e riscos a

ela associados. A verdade, porém, a despeito das formula-

ções descritas acima, é que isso não parece possível . A

afirmação de que os conflitos valorativos são fictícios não é

consistente e as opções metodológicas apresentadas pelos

críticos da ponderação apresentam problemas ainda maio-

condicionamientos ideológicos. Para la visión más extendida, la cláusula

dei interés general o el estándar de lo necesario en una sociedad

democrática determinan, por ejemplo, la supremacia de la libertad de

prensa, convirtiéndola en una libertad 'preferida', 'estratégica' e

'institucional'. Otros, desde una consideración de los derechos por

referencia a su mayor o menor cercania con el núcleo de la personalidad,

considerarán prevalentes el honor o la vida privada frente a la

información, que estaria más lejos de la persona, pues se situaria, ai menos

a simple vista, en su vida de relación. A similares consecuencias se podria

llegar ai enfrentar otros derechos, como la libertad de cátedra y el derecho

de los titulares de los centros educativos, o el de los padres a elegir la

educación de los hijos. . A despeito da crítica formulada pelos autores,

dentro de certos limites, o emprego de critérios materiais na

interpretação constitucional não constitui um problema metodológico,

especialmente tendo em conta que as Constituições contemporâneas

formulam explicitamente opções valorativas. O ponto será retomado

mais adiante. V. sobre o tema SOUZA NETO, Cláudio Pereira de.

Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais: uma

reconstrução teórica à luz do principio democrático In: MELLO, Celso

de Albuquerque e TORRES Ricardo Lobo (organizadores).

Arquivos de

Diretos Humanos,

vol. 4, 2002, pp. 17 a 61.

96 CANOTILHO, J. J. Gomes.

A princpalizaçãoda jurisprudênca

através da Constituição,

Revista de Processo n° 98, 1999, pp. 83 a 89; e

NOVAIS Jorge Reis.

srestriçõesaosdretosfundamentaisnão

expressamenteautorizadas pea Constiuição

2003, pp. 357 e 695 e ss..

res que os da técnica da ponderação

  . Não é difícil de-

monstrar essa conclusão.

A teoria dos limites imanentes não propõe qualquer

método pelo qual seja possível apurar o que se encontra

dentro desses limites e o que está fora deles. Como fixar,

em cada caso, as coordenadas por onde deve passar a linha

de fronteira entre esses dois espaços? É evidente que, se

todos os envolvidos estiverem de acordo acerca dos limites

de um determinado direito, a ponderação não será necessá-

ria ou qualquer outra técnica sofisticada, simplesmente

porque não haverá conflito e sequer será preciso discutir a

questão.

Mas e se o tema for controvertido? Por qual fundamen-

to uma posição acerca dos limites imanentes — a que de-

fende, por exemplo, um sentido mais amplo para o direito

— deve prevalecer em detrimento da outra? Na verdade,

independentemente da forma pela qual se queira denomi-

nar o processo de decisão na hipótese, o intérprete não

97 Para uma critica de cunho filosófico sobre as diferentes formas de

lidar com os conflitos (reais ou aparentes) de direitos, v. MORELLI,

Mariano G.

Los llamados conflictos dederechos . El cálculodebenes

utilitarista yla critica deJohnFinns,

Revista Telemática de Filosofia dei

Derecho n°7, 2004.

98 NOVAIS Jorge Reis.

As restrições aos diretos fundamentais não

expressamenteautorizadas pea Constiuição2003, p. 320: Com efeito,

sempre que num contexto argumentativo se invoca a existência de limites

imanentes a um direito fundamental a decorrência prática naturalmente

inevitável éa da consequente legitimação da acção restritiva do poder

público. Porém, esse resultado — baseado exclusivamente na afirmação

da existência imperativa de limites imanentes — édificilmente acessível

ao crivo da análise critica já que ao contrário do que acontecia no modelo

da teoria externa, se 'esconde' o jogo de interesses opostos em disputa e

das correspondentes razões e contra-razões que, na realidade,

determinaram a decisão

68

69

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escapará de empregar um raciocínio ponderativo

  . E, as-

sim, aos problemas associados à ponderação agrega-se um

novo, que é o fato de encobrir-se a ocorrência de uma po

n -

deração. Este é um ponto importante. Se o processo inter-

pretativo corresponde a uma simples declaração de limites

imanentes e pré-existentes do direito, o intérprete sente-

se livre do ônus argumentativo que acompanha a pondera-

ção. Há mais espaço para o arbítrio e para o abuso.

O mesmo se pode dizer acerca do conceptualismo. Na

forma descrita pelos autores que tratam do tema, o proces-

so de delimitação ou construção do

conceito

do direito

identifica-se, na prática, com o emprego da própria técnica

da ponderação. Valem aqui as mesmas questões postas para

as teorias dos limites imanentes: como será construído o

conceito

do direito? Por que ele terá tais ou quais contor-

nos, será mais ou menos abrangente? Afinal, o conceito de

cada direito não está pronto e acabado, à disposição do

intérprete; ele precisará ser construído por meio de algum

processo que deverá levar em conta, além de seus fins lógi-

cos e das exigências sociais, os demais direitos que com ele

disputam espaço

. Qual a diferença essencial do que se

acaba de descrever para a lógica da ponderação?

99

ALEXY, Robert.

Colisão de direitos fundamentais e realização de

direitos fundamentais no estado de direito democrático

Revista

de Direito

Administrativo n° 217, 1999, p. 76; e NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições

aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela

Constituição

2003, p. 173: Porém, na medida em que qualquer

restrição pode ser teoreticamente configurável como limite imanente

(...), os limites aos limites ficariam, na prática, sem objecto de aplicação

ou, pelo menos, a exigência da sua aplicação seria manipulável de

forma

totalmente arbitraria.

100 O

processo de definição do conceito do direito é descrito nos

seguintes termos por SERNA, Pedro e TOLLER, Fernando. La

interpretación constitucional de los derechos fundamentales.

Una

70

Talvez a principal distinção aqui decorra da circunstân-

cia de os conceptualistas trabalharem a idéia de

conceito de

direito

tanto quanto possível em abstrato, em tese, e não

perante um caso concreto. Mas, como se verá adiante, a

ponderação também pode e deve desenvolver-se em abs-

trato ou preventivamente. Em suma: tanto a idéia de limi-

tes imanentes quanto a do conceptualismo não oferecem

uma metodologia alternativa para solução dos conflitos

normativos que envolvem valores e opções políticas, e sua

negação dos conflitos não é, afinal, consistente. Embora

empregando outras denominações, essas teorias acabam

por exigir o emprego da ponderação em maior ou menor

medida.

Por fim, o que dizer da hierarquização? Essa proposta

enfrenta obstáculos ainda maiores que as anteriores. Con-

siderando o axioma da unidade da Constituição, simples-

mente não é possível estabelecer uma hierarquia em abs-

trato entre as disposições constitucionais de tal forma que,

alternativa a los conflictos de derechos

2000, pp. 53 e 57: El modo de

determinar cuándo se está ante un ejercicio lícito de ciertas libertades

concretas es conjugar su finalidad con la perspectiva aportada por la visión

coexistencial, esto es, por los bienes jurídicos básicos afectables

eventualmente por el ejercicio de esta libertad. (...) El contenido total de

un derecho, su determinación completa, implica la especificación de ai

menos los siguientes elementos: quién es su titular; quién debe respetar o

dar efecto ai derecho de aquél; cuál es el contenido de la obligación,

describiendo no solo sus actos específicos, sino también el tiempo y otras

circunstancias y condiciones para su aplicación; cuáles son las condiciones

en las que el titular pierde su derecho, incluyendo aquéllas — si las

hubiera — bajo las cuales puede renunciar a las obligaciones relevantes;

qué facultades y poderes ostenta el titular en caso de incumplimiento dei

deber; y, sobre todo, quê libertades disfruta el titular que demanda el

derecho, incluyendo una especificación de sus fronteras, como es el caso

de la determinación de sus deberes, especialmente el deber de no

interferencia con las libertades de otros titulares de ese derecho ode otros

derechos reconocidos.

7

Como registrado acima, a idéia de hierarquizar rigida-

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

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perante o conflito, a melhor posicionada na escala devesse

preponderar. Na verdade, esse óbice reflete um problema

filosófico mais complexo: qual será o fundamento axiológi-

co apto a justificar a hierarquização das disposições consti-

tucionais, sobretudo quando se trate dos direitos funda-

mentais? Há ainda uma outra dificuldade: como a hierar-

quização poderá lidar com diferentes manifestações de um

mesmo direito? Embora a simplicidade da fórmula possa

ser sedutora, ela não é compatível com a realidade jurídica

nem com a realidade social, que exige a convivência, tão

harmônica quanto possível, de valores diversos, e não a eli-

minação de uns em prol de outros'''.

A despeito da crítica que se acaba de fazer, e embora as

opções à ponderação apresentadas pela doutrina não pare-

çam oferecer qualquer alternativa consistente para a solu-

ção de conflitos normativos envolvendo valores e opções

políticas, algumas questões suscitadas por seus defensores

merecem ser consideradas. Na verdade, mais que isso, es-

ses questionamentos podem contribuir de forma relevante

para aprimorar a própria técnica da ponderação.

101 SERNA, Pedro e TOLLER, Fernando.

La interpretación

constitucional de los derechos fundamentales. Una alternativa a los

confnetos de derechos

2000, p. 26: Una jerarquia cerrada implica no

tomar en serio todos los derechos, porque alguns siempre quedarán

diferidos en las controversias judiciales ante la presencia de otros de rango

superior. (...) Además, la jerarquización de los derechos no tiene en

cuenta la complejidad de este tipo de problemas y la multiplicidad de

excepciones y matices que ofrece la vida practica. ; SCACCIA, Gino.

II

bilanciamento degli interessi come tecnica di controllo costituzionale

G iurisprudenza constituzionale, vol. VI, 1998, p. 3962 e ss.; e

STEINMETZ, Wilson Antônio.

Colisão de direitos fundamentais e

princípio da proporcionalidade

2001, p. 120: Inaceitável,

juridicamente, é uma hierarquia de valores. Parece impossível

fundamentar, jurídico-constitucionalmente, uma tábua de valores.

Qualquer hierarquia é uma construção fundada meramente em

preferências políticas, ideológicas, pessoais, de grupos etc.

mente as disposições normativas, sobretudo as constitucio-

nais, a fim de obter-se um critério de solução objetivo e

pronto diante dos conflitos não é compatível com a ordem

constitucional. Nada obstante, é cada vez mais comum na

doutrina a referência a uma diferenciação axiológica entre

os enunciados constitucionais

a mesma linha, fala-se

também de uma espécie de hierarquização funcional: não

há dúvida, por exemplo, de que os direitos fundamentais e

os princípios contidos nos artigos iniciais da Carta de 1988

são axiologicamente mais relevantes que as regras,

e.g.

de

natureza orçamentária. A própria Constituição de 1988

identifica uma categoria de

preceitos fundamentais

ao criar

a argüição de descumprimento de preceito fundamental

(art. 102, § 10103)

Ora, as constituições contemporâneas em geral, e a bra-

sileira em particular, consagram o homem, sua dignidade e

seu bem-estar como centro do sistema jurídico. Se é assim,

é perfeitamente possível conceber uma preferência — de

caráter

prima facie —

para as disposições constitucionais

diretamente relacionadas com esses fins constitucionais,

em contraste com outras que apenas indiretamente contri-

buam para a dignidade humana. Nesse sentido, ainda que

não se trate de hierarquia, a preferência atribuída às nor-

102 V. BARROSO, Luís Roberto.

Interpretação e aplicação da

Constituição

2003, p. 203; e TAVARES, André Ramos. Elementos para

uma teoria geral dos princípios na perspectiva constitucional .

In

LEITE,

George Salomão (organizador).

Dos princípios constitucionais.

Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição

2003, pp. 27 e 28.

103 CF/88: Art. 102 (...) § 1° A argüição de descumprimento de

preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo

Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. . O dispositivo foi

regulamentado pela Lei n°9.882/1999.

72

mas que diretamente produzem o bem-estar das pessoas e

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

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protegem seus direitos poderá ser um parâmetro de orien-

tação para o intérprete no emprego da ponderação' . O

terna será retomado adiante.

Das idéias conceptualistas é possível extrair ao menos

uma contribuição particularmente valiosa que pode ser in-

corporada para aprimorar a técnica da ponderação. O con-

ceito de cada direito, como já se registrou, não é um ele-

mento pronto, ao qual se possa recorrer para solucionar

conflitos, ainda que aparentes. Na verdade, a construção

do conceito já é o resultado final, obtido após a solução do

problema. Por quais meios, no entanto, se terá chegado a

essa solução? Se a disputa envolver valores em oposição, ou

opções político-ideológicas conflitantes, não há como al-

cançar esse resultado sem ponderação, mesmo que se quei-

ra chamar a técnica de outro nome. Não obstante a crítica,

o conceptualismo projeta luz sobre uma questão importan-

104 Na verdade, embora uma hierarquia rígida seja inviável, um sistema

de preferências entre os enunciados é não apenas possível, .como

desejável. V. ALEXY, Robert.

Sistema jurídico principios jurídicos y

razán práctica

Revista Doxa n°3, 1988, pp. 149 a 150: Los problemas

de una jerarquia de los valores juridicamente relevantes se han discutido

con frecuencia. Se ha mostrado asi que no es posible un orden que

conduzca en cada caso precisamente a un resultado — a tal orden habría

que llamarlo 'orden estricto'. Un orden estricto solamente seria posible si

el peso de los valores o de los principios y sus intensidades de realización

fueran expresables en una escala numérica, de manera calculable. El

programa de semejante orden cardinal fracasa ante los problemas de una

medición dei peso y de la intensidad de realización de los principios

jurídicos o de los valores jurídicos, que sea más que una ilustración de un

resultado ya encontrado. El fracaso de los ordenes estrictos no significa sin

embargo que sean imposibles teorias de los principios que sean más que

un catálogo de topoi. Lo que es posible en un orden débil que consista de

tres elementos: 1) un sistema de condiciones de prioridad, 2) un sistema

de estructuras de ponderación y 3) un sistema de prioridades prima

facie. . O tema será retomado adiante.

74

te: quanto mais a doutrina precisar os contornos de cada

direito, isoladamente considerado e na convivência com

outros, menor será a necessidade da chamada ponderação

ad hoc

(aquela levada a cabo pelo juiz no caso concreto,

sem vinculação a qualquer parâmetro). Quanto maior a

quantidade de parâmetros delimitando o sentido e o alcan-

ce de cada enunciado normativo, menor será a discriciona-

riedade e subjetividade envolvidas na ponderação'''. Mais

adiante se voltará ao assunto.

105 Das teorias dos limites imanentes também é possível extrair algumas

idéias para o aprimoramento da técnica da ponderação. A principal delas

provavelmente se relaciona com a percepção de que há, realmente, uma

quantidade importante de pseudo conflitos, que não configuram colisão

normativa alguma. A dificuldade é que essa observação apenas terá

utilidade prática na hipótese de todos os agentes envolvidos estarem de

acordo sobre o ponto; caso contrário, apenas ao fim do processo

interpretativo, e eventualmente após o emprego da ponderação, será

possível chegar a essa conclusão.

7

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77

IV. Enfrentando a ponderação:

Notas sobre as experiências

norte-americana e alemã

Registrados os traços gerais das principais propostas al-

ternativas à ponderação desenvolvidas basicamente na Eu-

ropa e na América Latina cabe agora fazer um rápido regis-

tro sobre como o tema é tratado nas experiências norte-

americana e alemã nas quais a despeito das objeções a

ponderação tem sido incorporada à prática judiciáriaws. O

propósito deste tópico não é prover informação sobre a

história da ponderação nesses países mas sim identificar

ainda que de forma esquemática como essas experiências

têm lidado com suas limitações e fragilidades.

Na experiência norte-americana as críticas à pondera-

ção levaram em geral a movimentos de reforma da própria

106 Especialmente pelos órgãos de cúpula dos respectivos sistemas

judiciários. Para uma visão geral sobre o tema v. SERNA Pedro e

TOLLER Fernando.

a interpretación constitucional de los derechos

fundamentales. Una alternativa a los conflictos de dere chos

2000 p. 11 e

ss

e jurisprudencial no sentido de aperfeiçoá-la do ponto de

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

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técnica

 

. Na Alemanha, a despeito de desenvolvimento

s

teóricos que procuram substituir a ponderação por outras

técnicas de decisão, há também amplo esforço doutrinário

107 ALEINIKOFF, T. Alexander.

Constitutional Law in the Age of

Balancing

Yale Law Journal n°96, 1987, pp. 964 a 966: Over the past

few decades, with little justification or scrutiny, balancing has come of

age. Every sitting Justice on the Supreme Court has relied on balancing,

and Justices Blackmun, Brennan, Marshall, Powell, and White frequently

adopt a balancing approach. As a result, balancing now dominates major

areas of constitutional law. In Fourth Amendment cases, the Court has

balanced in determining the scope of the Fourth Amendment, the

definition of a search, the reasonableness of a search, the reasonableness

of a seizure, the meaning of probable cause, the levei of suspicion

required to support stops and detentions, the scope of the exclusionary

rule, the necessity of obtaining a warrant, and the legality of pretrial

detention of juveniles. Balancing has been a vehicle primarily for

weakening earlier categorical doctrines restricting governmental power to

search and seize. Occasionally, however, the balance worIcs against the

government. Whichever way the balance tips, the role of balancing in the

law of search and seizure is clear. As the Court has stated and restated,

'the balancing of competing interests' [is] 'the key principie of the Fourth

Amendment.'. Balancing has also become the central metaphor for

procedural due process analysis. The rise of balancing here is closely

linked with the recognition of new forms of property protected by the

due process clause. The importance of entitlements such as welfare

benefits and government employment seemed to demand procedural

protections against their deprivation, but the ever-increasing size of the

welfare state made imposition of procedures a costly enterprise.

Balancing provided a flexible strategy that took account of both interests.

By 1976, the Court hadsettled on the now familiar three-pronged test of

Mathews v. Eldridge. Justice S tone introduced balancing to the dormant

commerce clause cases. Since the 1970s, the Court has increasingly

relied on a balancing test to decide whether state regulations impose an

'undue burden' on interstate commerce. The classic formulation is

Justice Stewart's in Pike v. Bruce Church, Inc. (...) Balancing, of course,

has had a long affair with the First Amendment. ; e NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas

pela Constituição

2003, p. 644 e ss. e 897 e ss..

78

vista metodológicoi°s. É bem de ver que os meios emprega-

dos por norte-americanos e alemães na tentativa de apri-

morar a ponderação são bastante diversos e, por isso mes-

mo, acabam sendo complementares.

A percepção da ponderação como técnica ou método

para lidar com conflitos normativos envolvendo valores ou

opções políticas pode ser localizada nos Estados Unidos ao

longo das décadas de 30 e 40 do Século >0<, mas foi sobre-

tudo na década de 50 que o tema passou a ser mais ampla-

mente debatido, tendo em conta um contexto bastante es-

pecífico

  9

. Nesse período, como se sabe, o Judiciário nor-

te-americano foi confrontado por diferentes leis e atos que

restringiam liberdades individuais consagradas pela Consti-

tuição por conta de necessidades relacionadas com a segu-

rança nacional e o combate ao comunismo.

Considerando a fórmula ampla com que os direitos fo-

ram consagrados no

Bill of Rights

as restrições só seriam

válidas se se admitisse a ponderação dos direitos em ques-

tão com outros bens considerados valiosos. É fácil perceber

que, nesse primeiro momento, o debate em torno da pon-

deração/balancing assumiu um contorno evidentemente

político. Aqueles que consideravam válidas as restrições às

liberdades individuais abraçaram o

balancing

como uma

técnica pertinente de interpretação dos direitos, argumen-

tando que o exercício dos direitos poderia ser condiciona-

do em função de interesses gerais, como a segurança nacio-

108 ALEXY, Robert.

Constitutiona/ Rights Balancing and Rationality

Ratio Juris, vol. 16, n° 2, 2003, p. 134 e ss.; e NOVAIS, Jorge Reis.

As

restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela

Constituição

2003, p. 678 e ss..

109 ALEINIKOFF, T. Alexander.

Constitutional Law in the Age of

Balancing

Yale Law Journal n°96, 1987, pp. 943 a 1005.

79

nal. Aqueles que rejeitavam as restrições defendiam, n

esse

nica da ponderação, de categorias, parâmetros, testes dog-

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

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contexto, o absolutismo das cláusulas do

Bill of Rights.

Na prática judicial, acabou prevalecendo o uso do

balancing

que, nesse ponto, assumiu os contornos do que

se passou a denominar de

ad hoc balancing °.

Como já

referido, o

ad hoc balancing

identifica as situações nas

quais o juiz, diante de um caso concreto, pondera livremen-

te os elementos em disputa, sem qualquer parâmetro pré-

vio, objetivo e público que o oriente, guiado mais pelo seu

bom senso do que por qualquer outro elemento.

Com o passar do tempo, superada a intensa disputa

política dos primeiros debates, os defensores originais do

absolutismo retraíram-se, de certa forma, e passaram a re-

conhecer que uma concepção absoluta dos direitos funda-

mentais seria insustentável na sociedade contemporânea.

Por outro lado, há amplo consenso na doutrina norte-ame-

ricana de que o

ad hoc balancing,

ao ensejar excessiva sub-

jetividade e discricionariedade, é altamente indesejável e

deve ser tanto quanto possível evitado. A síntese dessas

duas posições tem sido o desenvolvimento, associado à téc-

110 Em Car/son v.

Landon,

342 U.S. 524 (1952), a Suprema Corte

norte-americana decidiu que o

Attorney General

poderia manter preso

até a decisão sobre a deportação, sem direito à fiança, estrangeiro que

fosse membro do Partido Comunista dos Estados Unidos, quando

houvesse indício de risco para a segurança nacional por conta da liberação

por fiança, embora não houvesse dispositivo constitucional que

respaldasse essa competência. Embora a decisão desrespeitasse a cláusula

do devido processo legal (quinta emenda), entendeu-se que essa garantia

deveria ser ponderada com a proteção da segurança nacional. Em

Barenblatt v. United States, 360 U.S. 109 (1959), a Corte considerou

constitucional a legislação que conferia ao Comitê de Atividades Não

Americanas do Parlamento plenos poderes para investigar atividades

comunistas no país, o que incluía a possibilidade de interrogar professores

universitários acerca de sua participação em grupos comunistas, sob pena

de prisão.

80

maticamente sustentáveis e aplicáveis de forma geral e abs-

trata a fim de reduzir a subjetividade do processom

No mais das vezes, a doutrina e a jurisprudência norte-

americanas tratam do assunto casuisticamente, procurando

construir parâmetros específicos para os diferentes confli-

tos'''. O exemplo mais expressivo desse esforço é o amplo

material existente sobre as várias hipóteses de tensão que

envolvem a liberdade de expressão (consagrada pela Pri-

meira Emendam). Há diferentes

standards

conforme a

111 S CHAUER, Frederick.

Principies, Institutions and the First

Amendment,

Harvard Law Review, vol. 112, n° 1, 1998, pp. 84 a 120; e

ALEINIKOFF, T. Alexander.

Constitutional Law in the Age of Balancing,

Yale Law Journal n° 96, 1987, p. 948: Commentators have occasionally

distinguished balancing that establishes a substantive constitutional

principie of general application (labeled 'definitional' balancing by

Professor Nimmer) from balancing that itself is the constitutional

principie (so-called 'ad hoc balancing). New York v. Ferber is an example

of definitional balancing. Ferber's holding, that the distribution of child

pornography is not protected by the First Amendment, may be appliedin

subsequent cases Without additional balancing. Ad hoc balancing is

illustrated by the Court's approach in procedural due process cases.

Under Mathews v. Eldridge, the process that the Constitution requires is

determined by balancing the governmental and private interests at stake

in the particular case. V. também NISHIGAI, Makato.

Comment: From

Categorizing to Balancing Liberty Interests in Constitutional

Iurisprudence: An Emerging Sliding-Scale Test

in

the Seventh Circuit and

Public School U niform Policies,

Wisconsin Law Review 2001, pp. 1583 a

1617.

112 Vale registrar que da experiência norte-americana não se extraem

exclusivamente parâmetros para conflitos específicos. A jurisprudência

construiu, por exemplo, standards

gerais vedando que leis ou atos

restritivos de direitos empreguem expressões excessivamente vagas ou

abrangentes

vagueness

ou

broadness).

113 Texto da Primeira Emenda: Congress shall make no law respecting

an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or

abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people

8

manifestação dessa liberdade esteja relacionada a objetivos

por conta da ameaça que esse recurso hermenêutico pode-

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

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políticos, culturais ou comerciais (propaganda comercial);

conforme as restrições envolvam o conteúdo da mensagem

ou apenas o modo, tempo e/ou lugar como ela será divulga-

da; dentre outras variações'

.

Na Alemanha, as discussões sobre a ponderação, a par-

tir da Constituição de 1948, desenvolveram-se em um

con-

texto

político totalmente distinto do norte-americano e re-

ceberam o influxo de idéias as mais diversas' . Seria im-

possível descrever aqui com um mínimo de precisão esse

complexo debate, travado sobretudo nas décadas de 50 a

70' I'. Para os fins deste capítulo, basta destacar algumas

práticas já consolidadas pelo Tribunal Constitucional ale-

mão

  7

.

Também na Alemanha, a possibilidade de o juiz proce-

der ao

ad hoc balancing

suscitou inúmeras críticas (muitas

das quais resumidas nos tópicos anteriores), não só por for-

ça da inconsistência metodológica da técnica, mas também

peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of

grievances.

114 SCHAUER, Frederick.

Principies, Institutions and the First

Antendment,

Harvard Law Review, vol. 112, n° 1, 1998, pp. 84 a 120;

SUNSTEIN, Cass.

Pornography and the First Emendment,

Duke Law

Journal, 1986, pp. 589 a 627; e PORTO, Brian L.

The Constitution and

Political Patronage: Supreme Court Jurisprudence and the Balancing of

First Amendment Freedoms, Pace Law Review n° 13, 1993, pp. 87 a 139.

115 NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constiuição, 2003, p. 678 e ss..

116 V. sobre o tema, TORRES, Ricardo Lobo. A legitimação dos

direitos humanos e os princípios da ponderação e da razoabilidade .

In

TORRES, Ricardo Lobo (organizador).

Legitimação dos direitos

humanos,

2002, p. 421 e ss..

117 RUPP, Hans G. El Tribunal Constitucional Federal alemán .

In

Tribunales constitucionales europeosy derechos fundamental es,

1984, pp.

319 a 412.

82

ria representar em matéria de restrições a direitos funda-

mentais'''. Esse quadro foi especialmente agravado uma

vez que também na Alemanha desenvolveu-se a discussão,

já referida, sobre a possibilidade ou não de restringirem-se

direitos (pela via legislativa ou jurisprudencial) formulados

de maneira aparentemente absoluta pelo constituinte (isto

é, sem qualquer cláusula autorizativa de restrição), em

oposição àqueles outros direitos que contêm uma reserva

de regulamentação atribuída pela Constituição ao legis-

lador.

Uma técnica concebida inicialmente como alternativa à

ponderação foi a chamada concordância prática .

Por

meio dela se buscaria uma otimização dos bens em conflito

sem privar qualquer deles de sua garantia jurídico-constitu-

cional. A doutrina registra que o principal instrumento me-

todológico da concordância prática era (e é) a idéia de pro-

porcionalidade, analiticamente desenvolvida em suas três

fases (adequação, necessidade e proporcionalidade em sen-

tido estrito) pela doutrina alemã e já amplamente incorpo-

rada pela doutrina e prática judicial brasileiraslw.

118 CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza.

Jurisdição constitucional

democrática, 2004, p. 157 e ss..

119 HESSE, Konrad.

Elementos de direito constitucional da República

Federal da Alemanha,

1998, p. 65 e ss..

120 ,BARROSO, Luis Roberto.

Interpretação e aplicação da Constituição,

2003, p. 213; ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios,

2003, p. 104 e

ss.; ÁVILA, Humberto.

A distinção entre princípios e regras e a

redefinição do dever de proporcionalidade,

Revista de Direito

Administrativo n°215, pp. 151 a 179; SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O

proporcional e o razoável,

Revista dos Tribunais n°798, 2002, pp. 23 a 50;

e GUERRA FILHO, Willis Santiago. Sobre o princípio da

proporcionalidade . In: LEITE, George Salomão (organizador). Dos

princípios constitucionais. Considerações em torno das normas

83

A concordância prática foi concebida inicialmente

ponderação incorporou-se definitivamente ao arsenal her-

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

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como uma técnica alternativa à ponderação, pois se imagi-

nava que a ponderação levaria sempre à preeminência de

um bem constitucional sobre o outro, ao passo que a con-

cordância prática procurava harmonizá-los. A fórmula de

solucionar conflitos pela qual um elemento normativo pre-

valecia em detrimento dos demais, àquela altura identifica-

da com a própria ponderação, era objeto de acirrada crítica,

especialmente tendo em conta a necessidade de manter-se

a unidade da Constituição. Com o tempo, e considerando

a prática do Tribunal Constitucional, a concordância práti-

ca acabou por ser incorporada à ponderação como um seu

ideal, e com ela os testes relacionados com a proporciona-

lidade. Isto é: a ponderação deve, sempre que possível,

buscar a concordância prática' .

De toda sorte, e como registra Robert Alexy, a partir de

1958 (sobretudo após o julgamento do caso Lüth' ), a

principiológicas da Constituição

2003, pp. 237 a 253. Mais adiante será

examinada a relação entre a concordância prática e a proporcionalidade.

121 Nada obstante, essa oposição entre os conceitos continua a ser

defendida por alguns autores, como se percebe da observação de SERNA,

Pedro e TOLLER, Fernando. La interpretación constitucional de los

derechos fundamentales. Una alternativa a los conflictos de derechos

2000, p. 34: Es interesante observar — por lo que se dirá en el siguiente

capitulo — que este 'principio de la concordancia práctica' es

denominado por Scheuner 'principio interpretativo de la 'armonización',

y por Lerche 'equilibrio de máximo respecto en ambas direcciones'.

Desafortunadamente, el Tribunal Constitucional Federal alemán recurre

a tal principio solo cuando a través de la ponderación de bienes no ha

logrado establecer una jerarquia entre los bienes en conflicto, invirtiendo

asi el orden que debiera ser más razonable desde su propia perspectiva.

122 O caso decidido pelo Tribunal Constitucional pode ser resumido,

simplificadamente, nos seguintes termos. No fim da década de 40, Erich

Lüth havia defendido publicamente o boicote geral a determinado filme

produzido por cineasta que servira ao regime nazista. A produtora do

84

menêutico do Tribunal Constitucional alemão

1 2 3

. Ao longo

do tempo, a jurisprudência do Tribunal elaborou diversas

diretrizes sobre a matéria, especialmente quando se trate

de conflitos entre direitos fundamentais e metas públicas

ou bens coletivos. Algumas dessas diretrizes podem ser re-

sumidas nos seguintes termos: (i) quanto maior for a inten-

sidade da restrição, mais significativos devem ser os valores

comunitários que a justificam; (ii) quanto maior for o peso

e a premência de realização do interesse comunitário que

justifica a restrição, mais intensa ela poderá ser; e (iii)

quanto mais diretamente forem afetadas manifestações

elementares da liberdade individual, mais exigentes devem

ser as razões comunitárias que fundamentam a restrição

1 2 4

 

filme ajuizou demanda contra Lüth e o Tribunal estadual de Hamburgo

julgou o pedido procedente, considerando a conduta de Lüth ilícita, com

fundamento em disposição do Código Civil sobre bons costumes, e

condenando-o a interrompenhar a campanha pelo boicote, sob pena de

prisão ou multa. O Tribunal Constitucional, entretanto, reformou a

decisão da Corte estadual (Sentença 7, 198, de 1958). O Tribunal

Constitucional entendeu que a legislação infraconstitucional deve ser

interpretada à luz do direito fundamental à liberdade de opinião e, que no

caso, a liberdade constitucional de opinião protegia a conduta de Erich

Lüth. Para maiores detalhes, v. SCHWABE, Jürgen,

Cincuenta arios de

jurisprudencia dei Tribunal Constitucional Federal Alemán

2003, p. 132

e ss

123 ALEXY, Robert.

Constitutional Rights Balancing and Rationality

Ratio Juris, vol. 16, n° 2, 2003, p. 134: From a methodological point of

view, the concept of balancing is the central concept in the adjudication

of the Federal Constitutional Court, which has developed further the line

first set out in the

Lüth

decision.

124 NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constituição

2003, p. 692 e ss.; e

ALEXY, Robert.

Constitutional Rights Balancing and Rationality

Raio

Juris, vol. 16, n° 2, 2003, p. 131 e ss..

85

Também decorre da jurisprudência do Tribunal a cons-

trução que visualiza no texto constitucional uma ordem

combinações delas podem ser especialmente úteis para a

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escalonada de valores, conformada pelos direitos funda-

mentais, de modo que da própria Constituição se podem

extrair relações de preferência condicionada ou

prima facie

entre seus enunciados. Mais recentemente, a doutrina ale-

mã, e Robert Alexy em particular, tem procurado desen-

volver uma fórmula esquemática para ordenar a ponde-

ração, a fim de conferir-lhe mais racionalidade e objetivida-

de'

2 5

 

Da rápida narrativa que se acaba de fazer, é interessan-

te observar um ponto. Diferentemente dos Estados Uni-

dos, onde a ponderação foi sendo ordenada, sobretudo por

meio da elaboração casuística de standards materiais (isto

é: relativos ao conteúdo específico das disposições em ten-

são e por isso mesmo aplicáveis a conflitos particulares), na

Alemanha, o esforço doutrinário e as próprias formulações

do Tribunal Constitucional se concentram na criação de

parâmetros lógicos de caráter geral, cujo objetivo é organi-

zar e controlar o raciocínio jurídico levado a cabo quando se

emprega a ponderação.

São mecanismos diferentes cujo propósito, em última

análise, é semelhante: reduzir a discricionariedade do in-

térprete, conferindo maior racionalidade e previsibilidade

ao processo ponderativo. E essas duas formas de conferir à

ponderação maior previsibilidade e racionalidade — isto é:

standards

materiais associados a conflitos específicos e

construídos a partir da observação da casuística e parâme-

tros gerais de natureza argumentativa e lógica — ou

125 ALEXY, Robert., On

Balancing and Subsumption. A Structural

Comparison

Ratio Juris, vol. 16, n°4, 2003, p. 433 e ss.. No artigo, Alexy

procura organizar uma fórmula para a ponderação empregando noções de

aritmética.

86

experiência brasileira.

Em resumo desta primeira parte, é possível registrar o

que se segue. A ponderação é uma técnica de solução de

determinados conflitos normativos, a saber, aqueles que

envolvem colisões de valores ou de opções político-ideoló-

gicas. Essa técnica, embora venha se tornando cada vez

mais popular, sofre hoje com a inconsistência metodológi-

ca, com a excessiva subjetividade e com a banalização do

discurso constitucional, dentre outras críticas.

Essas críticas são em boa parte pertinentes e devem ser

enfrentadas, mesmo porque as alternativas à técnica não

parecem consistentes e não superam as dificuldades impu-

tadas à ponderação, apenas modificando a nomenclatura

aplicável. As experiências norte-americana e alemã têm

procurado aperfeiçoar a técnica através de mecanismos di-

ferentes e é possível inspirar-se na experiência internacio-

nal para conceber fórmulas adequadas à realidade nacio-

na

  1 2 6

 

O objetivo da próxima parte do estudo é exatamente

propor uma ordenação para a técnica da ponderação que

possa superar, ainda que parcialmente, as críticas descritas

acima.

126

NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constiuição

2003, p. 643: Assim,

enquanto que na Europa, particularmente sob influência da experiência

alemã, a síntese do processo de racionalização e dessubjectivização do

recurso à ponderação de bens gira em torno da sua integração e aplicação

concreta nos quadros do princípio da proporcionalidade em sentido lato,

nos Estados Unidos da América, sem se desconhecer, como se verá, este

instituto a síntese opera-se sobretudo na

standardização

dos

procedimentos de controlo e na cristalização tendencial dos seus

resultados em regras de aplicação geral e abstracta.

87

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V. A técnica da ponderação:

Uma proposta em três etapas

O objetivo deste capítulo é propor um modelo de orde-

nação da técnica da ponderação pelo qual seja possível

identificar com maior clareza as etapas que o intérprete

deve percorrer ao empregá-la. Trata-se, ao mesmo tempo,

de um roteiro para o próprio intérprete e de uma forma de

controlar com mais facilidade suas conclusões.

A proposta concebe a aplicação da ponderação como

um processo composto de três etapas sucessivas' , que

127

ÁVILA, Humberto.

Teoria dos princpos

2003, propôs igualmente

uma ponderação em três etapas que identifica da seguinte forma (fls. 79

e ss.): (i) a preparação da ponderação (análise o mais exaustiva possível de

todos os elementos e argumentos pertinentes); (ii) a realização da

ponderação (fundamentar a relação estabelecida entre os elementos

objeto de sopesamento); e (iii) reconstrução da ponderação (formulação

de regras de relação com pretensão de validade para além do caso). V.

também BARROSO, Luís Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. O

começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos

princípios no direito brasileiro . In: BARROSO, Luís Roberto

(organizador). A nova interpretaçãoconstituconal. Ponderação dretos

fundamentais ereações privadas

2003, pp. 327 a 379.

91

podem ser identificadas, muito resumidamente, nos se-

guintes termos. Na primeira delas, caberá ao intérpret

e

a ponderação se desenvolva sem maiores distorçõ

es  2 9

. É

fácil perceber que, se um dispositivo — relevante para o

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identificar todos os enunciados normativos que aparente-

mente se encontram em conflito ou tensão e agrupá-los em

função da solução normativa que sugerem para o caso con-

creto. A segunda etapa ocupa-se de apurar os aspectos de

fato relevantes e sua repercussão sobre as diferentes solu-

ções indicadas pelos grupos formados na etapa anterior. A

terceira fase é o momento de decisão: qual das soluções

deverá prevalecer? E por quê? Qual a intensidade da restri-

ção a ser imposta às soluções preteridas, tendo em conta,

tanto quanto possível, a produção da concordância prática

de todos os elementos normativos em jogo? Cada etapa

exige algumas considerações específicas.

V. 1. Primeira etapa: identificação dos enunciados

normativos em tensão

Parece natural que a

primeira etapa

da ponderação

consista exatamente em identificar os enunciados normati-

vos aparentemente em conflito; afinal, esta é a circunstân-

cia que justifica o recurso à técnica da ponderação' . A

identificação de todos os elementos normativos que devem

ser levados em conta em determinado caso é vital para que

128 Na verdade, não basta o conflito aparente entre os enunciados. Como

se registrou na primeira parte deste estudo, só será necessário empregar a

ponderação se o conflito não puder ser superado pelas técnicas

tradicionais de solução de antinomias, por envolver uma disputa grave

entre valores ou opções políticas. Assim, após a identificação preliminar

dos enunciados em tensão, será o caso de verificar se o conflito não pode

ser solucionado por qualquer das técnicas tradicionais. Apenas se isso não

for possível é que o processo de ponderação terá continuidade.

92

caso — for ignorado pelo intérprete, os elementos que su-

gerem uma solução contrária à que a disposição ignorada

indicaria assumirão um peso artificialmente maior ao longo

da arg

umentaçãom.

129 ALEXY, Robert.

Colisão de direitos fundamentais e realização de

direitos fundamentais no estado de direito democrático

Revista de Direito

Administrativo n° 217, 1999, p. 69: Exatamente para compreender

adequadamente colisões complexas, porém, é necessário identificar

claramente os elementos fundamentais dos quais elas são compostas. , e

ÁVILA, Humberto,

Teoria dos princípios

2003, pp. 87 e 88: Nessa fase

devem ser analisados todos os elementos e argumentos, o mais

exaustivamente possível. É comum proceder-se a uma ponderação sem

indicar, de antemão, o que, precisamente, está sendo objeto de

sopesamento. Isso, evidentemente, viola o postulado científico da

explicitude das premissas, bem como o princípio jurídico da

fundamentação das decisões, ínsito ao conceito de Estado de Direito. .

130 Um exemplo curioso desse desequilíbrio se deu no julgamento do

habeas corpus

73662/MG, decidido pela 2

 

Turma do Supremo Tribunal

Federal. Tratava-se de definir se a presunção de violência, referida no art.

213 c/c o art. 224,

a

do Código Penal, que qualifica como estupro a

relação sexual mantida com menor de 14 anos, era absoluta ou relativa. O

voto do Ministro Marco Aurélio, relator do processo, acompanhado pela

maioria, considerou que a presunção era relativa, fundado principalmente

nas circunstâncias fáticas do caso, mas também por conta do art. 226 da

Constituição, que trata da proteção à família. O argumento era o de que

o acusado de estupro no caso, após os eventos que deram origem à ação

penal, havia constituído família e sua condenação desagregaria esse grupo

social que a Constituição pretendia proteger. A minoria sequer examinou

esse elemento normativo, fundando-se em outro enunciado

constitucional: o art. 227, § 4°, no qual se impõe ao legislador o dever de

punir severamente a exploração sexual de crianças e adolescentes. O

argumento da minoria era o de que compreender a presunção do art. 224,

a

do Código Penal como relativa violaria o dispositivo constitucional em

questão, já que bastaria a vítima — com freqüência coagida pelo agressor

— afirmar que não houve violência para descaracterizar o crime. O art.

227, § 4°, da Constituição, porém, sequer foi examinado pelo voto do

9

O processo se desenvolve de forma semelhante no caso

de disposições infraconstitucionais cuja validade esteja em

Não há nesses processos um contraditório propriamen-

te dito, a despeito do papel reservado à Advocacia Geral da

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disputa por força da incidência de enunciados constitucio-

nais diversos, que aparentemente indicam conclusões con-

traditórias'''. Todos os elementos devem ser identificados

— os que postulam a constitucionalidade do dispositivo e

os que sugerem sua inconstitucionalidade — para que se

possa passar à segunda fase' .

Note-se um ponto importante. Em processos subjetivos,

em que há lide, pretensão e resistência, é razoável supor que

cada parte tentará levar ao juiz todos os argumentos normati-

vos imagináveis capazes de sustentar sua posição jurídica.

Por conta do esforço das partes, o órgão competente terá

melhores condições de visualizar o quadro completo de inci-

dências normativas para iniciar a ponderação. O mesmo não

ocorre nos processos objetivos de controle de constituciona-

lidade, como é o caso da ação direta de inconstitucionalidade

(ADIn) e da ação declaratória de constitucionalidade

(ADECON) e, de certa forma, também da argüição de des-

cumprimento de preceito fundamental (ADPF)' .

Ministro Relator. (STF, HC 73662/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU

20.09.1996).

131 As cláusulas constitucionais que tratam do devido processo legal e do

direito de defesa,

e.g.

fornecerão suporte para um dispositivo legal que

restrinja a possibilidade de concessão de providências liminares em

processos judiciais. A garantia constitucional da inafastabilidade do

controle judicial, no entanto, poderá indicar em sentido oposto. O tema

foi enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn n° 223, que será

examinada adiante, no capitulo VIII.

132 HAGE, Jaap C.

Reasoning with Rules,

1997, p. 86 e ss.. Embora o

autor compreenda a ponderação em sentido muito mais amplo e diverso

do que o proposto neste estudo, seu raciocínio pode ser aplicado aqui com

proveito, apenas procedendo-se a algumas adaptações.

133 O espaço para ponderação e a necessidade de emprego da técnica

poderão ser mais limitados em processos abstratos e objetivos, nos quais

União de defender a disposição impugnada no caso da

ADIn' 

. Nesse contexto, a figura do amicus curiae,

intro-

duzida no Brasil pelo art. 7

 

, § 2°, da Lei n° 9868/1999',

poderá ser um instrumento capaz de fazer chegar ao Supre-

mo Tribunal Federal percepções diversas acerca da maté-

ria, das quais talvez o autor da ação, o Advogado Geral da

União, o Ministério Público e os próprios Ministros não

cogitasseml . Os setores da sociedade diretamente inte-

eventuais tensões normativas serão examinadas em tese. Sobre o tema, v.

SANCHÍS, Luis Prieto.. Neoconstitucionalismo y ponderación judicial .

/n: CARBONELL, Miguel (organizador).

Neoconstitucionalimo s),

2003,

p. 155 e ss.. Nada obstante, embora tais processos sejam descritos como

objetivos

pelo fato de neles se discutir a compatibilidade em abstrato de

enunciado normativo com a Constituição, e não pretensões individuais,

não há como ignorar que a decisão a ser tomada acerca da validade do

enunciado terá sempre repercussão na esfera dos interesses subjetivos. V.

BINENBOJM, Gustavo.

A nova jurisdição constitucional brasileira,

2001, p. 137 e ss..

134 Note-se, ademais, que o Supremo Tribunal Federal tem dispensado

o Advogado Geral da União de proceder à defesa do dispositivo

impugnado, quando já houver entendimento do STF no sentido da sua

inconstitucionalidade. V. STF, ADIn 2687/PA, Rel. MM. Nelson Jobim,

DJU 06.06.2003; ADIn 1616/PE, Rel. Min. Maurício Correa, DJU

24.08.2001; e ADIn 2101/MS, Rel. MM. Maurício Correa, DJU

05.10.2001.

135 O STF tem considerado aplicável, por analogia, a figura do

amicus

curiae

também no processo de argüição de descumprimento de preceito

fundamental. STF, ADPF 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, decisão

liminar, DJU 02.08.2004.

136 A partir do segundo semestre de 2003,0 Supremo Tribunal Federal,

em oposição a sua tendência inicial restritiva, ampliou as possibilidades

e

participação do

amicus curiae,

admitindo não só que ele (ou eles)

apresente memoriais, como também que sustente oralmente suas razões,

a juízo da Corte. Vejam-se, entre outros, os seguintes acórdãos que

94

5

ressados nas questões discutidas muitas vezes são capazes

de demonstrar incidências normativas que, em tese, talvez

resses e, de forma geral, a justiça ou injustiça de suas pre-

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não fossem tão facilmente perceptíveisl . Seja no processo

subjetivo, seja no objetivo — e neste de forma especial,

tendo em conta os efeitos

erga omnes e vinculantes de suas

decisões —, o importante é que todos os enunciados nor-

mativos pertinentes sejam identificados nesse primeiro

momento da ponderação, ou ao menos que se tente produ-

zir o quadro mais completo possível desses elementos nor-

mativos. Há ainda três observações a fazer sobre essa pri-

meira etapa do processo.

a Interesses e enunciados normativos

Quando o intérprete é confrontado com um impasse

jurídico, é freqüente que os interesses em oposição sejam

percebidos de forma mais clara que os próprios enunciados

normativos envolvidos. Em outras palavras, é comum que a

primeira coisa a captar a atenção de quem esteja examinan-

do o caso sejam as conveniências dos envolvidos, seus inte-

trataram da admissão do

amcuscuriae

no STF: ADIn 1104/DF, Rel.

Min. Gilmar Mendes, DJU 29.10.2003; e ADIn 2540/RJ, Rel. Min.

Celso de Mello, DJU 08.08.2002.

137

MORSE, Allison.

GoodScence BadLaw a MutipeBaancng

Aproach toAdudication

South Dakota Law Review n°46, 2000/2001,

pp. 410 e 411: This article advocates a multiple balancing framework

in which the Court takes into consideration multiple sources of

information. (...) The more information of which the Court must take

notice, the more it will be forced to provide explicit reasoning why it

relies on some information and not on other information. (...) In order to

get the Court's biases out in the open, 'multiple balancing' calls for the

Justices to follow an explicit process of adjudication. Additionally,

'multiple balancing' allows the input of other voices from different

disciplines to submit amicus briefs, in order that the Justices take in

account perspectives of other values.

96

tensões. Não obstante isso, quando se vai iniciar a primeira

fase da ponderação, interesses genericamente considerados

só podem ser levados em conta se puderem ser reconduzi-

dos a enunciados normativos explícitos ou implícitos. Um

interesse que não encontre fundamento no sistema jurídico

não deverá ser considerado' e, em qualquer caso, nesta

primeira fase, o que estará sendo examinado é o enunciado

normativo no qual o interesse encontrou respaldo lógico, e

não o interesse propriamente dito. Explica-se melhor.

A ponderação, como já se mencionou, é uma técnica de

decisão jurídicam .

Se o intérprete a quem cabe decidir

considerar, ao lado de elementos normativos pertinentes, e

no mesmo nível destes, interesses não qualificados pelos

138

Esse fundamento normativo não significa necessariamente um

dispositivo explícito, já que, como se sabe, o sistema jurídico é aberto. V.

CLEVE, Clèmerson Merlin e FREIRE, Alexandre Reis Siqueira.

Algumas notas sobre colisão de direitos fundamentais .

In GRAU Eros

Roberto e CUNHA, Sérgio Sérvulo da (organizadores).

Estudosdedreto

constitucona emhomenagema JoséAfonsoda Silva

2003, p. 233: Os

conflitos entre direitos fundamentais e bens jurídicos de estatura

constitucional ocorrem quando o exercício de direito fundamental

ocasiona prejuízo a um bem protegido pela Constituição. Nesta hipótese

não se trata dequalquer valor interesse exigênca

imperativo da

comunidade, mas sim de um bem jurídico. Bens jurídicos relevantes são

aqueles que a Constituição elegeu como dignos de especial

reconhecimento e proteção.

139 HESSE, Konrad.

Elementosdediretoconstitucona da Repúbica

Federa da Alemanha

1998, p. 66: De todo, é inadmissível dar primazia

a 'bens comunitários superiores' constitucionalmente não protegidos —

que se deixam sustentar discricionalmente — e, com isso, não só

simplesmente ludibriar a unidade da Constituição, mas também a

Constituição. Na medida em que as valorações de uma ponderação de

bens são determinadas 'somente no plano constitucional', um princípio

de ponderação de bens, assim entendido, aproxima-se do princípio da

concordância prática. (grifos no original).

97

órgãos competentes como juridicamente relevantes e dig-

nos de proteção, isto é, se se admite o ingresso de meros

cam uma solução contrária ao reconhecimento do direito à

compensação  4

, mas o mero interesse de aumentar a arre-

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interesses no processo, a ponderação acaba por se transfor-

mar em uma avaliação puramente política. É próprio da

lógica política considerar todas as vantagens e desvantagens

de uma determinada decisão; não é isso, porém, que cabe

fazer na ponderação de que se cuida aqui. Embora a estru-

tura do raciocínio seja semelhante, na ponderação jurídica

deverão ser considerados apenas os elementos normativos

em conflitol . Equiparar disposições normativas e interes-

ses não juridicizados é uma forma ilegítima de refazer o

ofício do legislador. Alguns exemplos ajudam a esclarecer o

ponto.

Suponha-se que um juiz esteja examinando um feito no

qual se discute a não-cumulatividade do IPI ou do ICMS,

prevista nos arts. 153, § 3

 

, II, e 155, § 2°, I, da Constitui-

ção Federal. Contra a pretensão do particular de ver reco-

nhecida a não-cumulatividade e o direito à compensação

tributária, a Fazenda federal ou estadual argumenta que, no

caso, a não-cumulatividade produzirá uma queda impor-

tante de arrecadação. É fácil perceber que o interesse gené-

rico da Fazenda de incrementar a arrecadação não o trans-

forma, por si só, em um elemento jurídico capaz de valida-

mente se contrapor aos enunciados constitucionais referi-

dos em um hipotético processo de ponderação. A Fazenda

poderá demonstrar que outros elementos normativos indi-

HAGE, Jaap C. Reasoning with Rules, 1997, p. 90: Practically this

means that if we are engaged in a legal discussion and we collect mies to

base reasons on, these mies must be

leg lly

valid. Legal conclusions must

be based on legal reaons, which in their tum must be based on legal mies

(or legal principies, or legal goals etc.). O autor considera (p. 92 e ss.)

que além dos enunciados legais propriamente ditos, há regras sociais

(social mies) que são reconhecidas e empregadas pela comunidade como

leg l rides

e, nesse caso, também elas devem ser consideradas.

98

cadação não pode ser considerado nesta primeira fase da

ponderaçãoi .

Imagine-se ainda, como outro exemplo, que os vizinhos

de um edifício em construção — regularmente licenciado

— preferissem que nada fosse edificado no lote em ques-

tão, para preservar a tranqüilidade atual da área. O simples

interesse ou desejo, porém, não é um elemento normativo.

Há algum fundamento jurídico capaz de respaldar esse in-

teresse? O advogado do grupo talvez pudesse cogitar, na

esfera constitucional, dos princípios que consagram os di-

reitos difusos ao meio ambiente ecologicamente equilibra-

do e à sadia qualidade de vida, previstos no art. 225 da

Constituição.

Assim, um hipotético conflito entre, de um lado, as

disposições normativas que regulam o direito de construir

e a autorização para edificar na cidade e, de outro, o desejo

dos vizinhos de não verem coisa alguma construída no local

deve ser descrito, nessa primeira fase do processo pondera-

tivo, como um conflito entre as disposições normativas que

tutelam o direito de construir e concedem a autorização

para edificar na cidade e os princípios constitucionais que

tratam do meio ambiente e da qualidade de vida, inscritos

no

c puz

  do art. 225 da Carta. Não se trata, note-se, de um

já referido, a simples existência de antinomias aparentes ou de

pretensões resistidas não transforma a disputa em uma hipótese na qual a

ponderação deverá ser empregada; as técnicas hermenêuticas tradicionais

solucionam a maioria dos casos. O objetivo do exemplo é apenas destacar

a diferença entre interesses e enunciados normativos,

As repercussões fáticas do acolhimento da pretensão do particular

poderão ser examinadas na segunda fase da ponderação, como se verá

adiante.

99

conflito entre os enunciados que consagram o direito de

construir e um suposto direito à não construção do pré-

histórico ou cultural, um determinado sistema jurídico não

apresenta essas características, antes de se discutir a pon-

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dio , pois não existe disposição normativa alguma atribuin-

do esse direito aos vizinhos do empreendimento. Se esse

direito vier a existir, no caso, ele terá sido construído, a

partir do dispositivo mencionado, após o processo de inter-

pretação e, se necessário, de ponderação

  4

. O ponto será

aprofundado no tópico seguinte. Nesse momento, tudo

que existe a favor dos vizinhos são os princípios do art. 225

e são eles os elementos normativos a serem identificados.

Cabe aqui uma observação importante. O que se acab

a

de registrar não significa que a ponderação deva orientar-se

por uma lógica positivista normativista ou que interesses,

bens e valores devam ser eliminados do processo pondera-

tivo. E isso por um conjunto de razões. Em primeiro lugar,

a questão sequer se coloca uma vez que se mantenha o

debate sobre a ponderação dentro do seu contexto históri-

co. Os sistemas jurídicos nos quais essa discussão se desen-

volve — de que é exemplo o brasileiro — são sistemas

abertos, compostos de princípios e regras, explícitos e im-

plícitos, que incorporam opções valorativas e professam

compromisso com a dignidade humana, com os direitos

fundamentais, com a igualdade de todos e com a democra-

ciai . Ou seja: na verdade, os elementos valorativos inte-

gram o próprio sistema, e todas as questões discutidas nes-

se estudo pressupõem esse quadro. Se, em outro ambiente

143

Supondo evidentemente, para simplificar o exemplo, que o único

enunciado normativo capaz de oferecer fundamento à pretensão dos .

vizinhos seja a disposição constitucional referida.

144 Aliás,

como mencionado na introdução, uma das causas jurídicas

imediatas da multiplicação de conflitos normativos que exigem a

ponderação é justamente a ampla introdução de elementos valorativos no

sistema, e sobretudo na Constituição.

100

deração será necessário travar um debate acerca da legiti-

midade desse sistema' 5

 

mas não é disso que se cuida aqui.

Em segundo lugar, associando-se a moderna hermenêu-

tica a sistemas jurídicos como os que se acaba de descrever,

ter-se-á tantas modalidades de vínculos entre uma preten-

são e o sistema quantas a argumentação e a lógica jurídicas

forem capazes de construir, desde a subsunção mais sim-

ples, até os raciocínios mais sofisticados. Ou seja: interes-

ses, bens, valores ou qualquer outra espécie de argumento

poderão, sim, ingressar na primeira etapa da ponderação,

uma vez que possam ser descritos juridicamente e encon-

trem suporte em algum elemento do sistema. É certo que

não basta a indicação ritualística de um enunciado norma-

tivo qualquer para que se encontre satisfeita a exigência. A

consistência do vínculo entre a pretensão e o ordenamento

jurídico será submetida a controle argumentativo ao longo

da ponderação, sobretudo tendo-se em conta que preten-

sões opostas podem justificar-se a partir do mesmo sis-

tema.

Na verdade, o uso exclusivo de enunciados normativos

na ponderação tem por objetivo preservar o espaço de de-

terminação democrática e a legitimidade da própria opera-

ção ponderativa, na medida em que se exige, desde o início,

que as diferentes pretensões demonstrem sua vinculação

45

A discussão acerca da legitimidade do conteúdo de um determinado

sistema jurídico pode envolver parâmetros morais extraídos de consensos

substantivos (apurados historicamente ou de alguma outra forma) ou

pode valer-se de concepções procedimentais acerca da forma mais

adequada de ordenação da sociedade. O tema é próprio da filosofia do

Estado e do Direito.

101

com o sistema juridico

 46

. Os interesses que não puderem

demonstrar alguma conexão com a ordem jurídica não se-

li Normas e enunciados normativos

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rão admitidos na discussão 47 . Desse modo, tenta-se redu-

zir a fragilidade apontada pela crítica quando afirma que a

ponderação seria um meio de politizar as decisões jurídicas

e invadir, arbitrária e ilegitimamente, a esfera reservada aos

órgãos majoritários. Também a crítica de que a ponderação

não contaria com um parâmetro de comparação externo

aos elementos em conflito perde consistência, já que o sis-

tema jurídico vigente, e o constitucional em particular, for-

necem esse parâmetro' .

A segunda observação, ainda sobre esta primeira etapa,

envolve uma definição mais precisa do que seja o

l m nto

normativo

que estará sendo identificado aqui. Trata-se na

verdade de fazer uma distinção da maior importância entre

dois fenômenos diversos, ainda que interligados: o enuncia-

do normativo e a norma.

A distinção que há entre enunciado normativo e norma

não é nova'49, mas recentemente tem sido sublinhada pela

doutrina

5

. De forma geral, o enunciado normativo corres-

146 ALEXY Robert. Teoria da argumentaçãojurídca

2001, p. 212: A

questão sobre o que distingue a argumentação jurídica da argumentação

geral pratica é um dos problemas centrais da teoria do discurso jurídico.

Um ponto pode ser estabelecido mesmo neste estágio: a argumentação

jurídica é caracterizada por seu relacionamento com a lei válida; contudo,

isso precisa ser determinado. Isso esclarece uma das mais importantes

diferenças entre a argumentação jurídica e a argumentação prática geral.

No contexto da discussão jurídica nemtodas as questões estão abertas ao

debate. Essa discussão ocorre com certas limitações.

147 AARNIO, Aulis.

ReasonandAuthority

1997, p. 192: This means

that one has to be able to justify every interpretation by referring to the

formallaw(statute; legal rule), but it must, in addition to this, fulfil the

set standards of

valuation.

Only thus can the expectation of legal

certainty be fulfilled to its maximum, and therefore legal certainty seems

always to be, partially, a substantive notion.

148

ALEXY, Robert. On

BalancngandSubsumption. A Structural

Comparison

Ratio Juris, vol. 16, n° 4, 2003, p. 442: The question is not

the direct comparability of some entities, but the comparability of their

importance for the constitution, which of course indirectly leads to their

comparability. The concept of importance for the constitution contains

two elements which suffice to bring about commensurability. The first is

a common point of view: the point of view of the constitution. It is,

naturally, possible to have a dispute about what is valid fromthis point of

view. Indeed, this occurs regularly. It is, however, always a dispute about

what is correct on the basis of the constitution. Incommensurability,

indeed, comes into being immediately, once the common point of view is

given up. This would, for example, be the case if one interpreter of the

constitution were to say to the other that from bis point of view the one

thing is valid, and fromthat of the other the opposite, so that each is right

from his point of view, and neither of them can be wrong or even

criticized, because a common point of view from which anything couldbe

proven as wrong neither exists nor could exist. Discourse which is more

than empty rhetoric, that is, rational discourse about the right or correct

solution, would then be impossible. Now, the opposite is valid, too. If

rational discourse about what is correct on the basis of the Constitution is

possible then a common point of view is possible. It becomes real as soon

as rational discourse begins which is oriented to the regulative idea of

what is correct on the basis of the constitution. Whoever wants to

undermine the possibiliity of evaluations by appeal to the impossibility of

a common point of view must then be prepared to claim that rational

discourse about evaluations in the framework of constitutional

interpretation is impossible.

149

LARENZ Karl.

Metodooga da cênca dodreto

1969, p. 270 e ss..

150

MOI

FR, Friedrich.Méodos detrabalhododretoconstituconal

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS Edição especial

comemorativa dos 50 anos da Lei Fundamental da República Federal da

Alemanha, 1999, p. 45 e ss.; GUASTINI, Riccardo.

Distinguendo Stud

d Teoria eMetateoria de Diritto

1996, pp. 82 e 83; e GRAU, Eros

Roberto.

Ensaioedscursosobrea interpretaçãoeapicaçãododreto

2002, p. 17: O que em verdade se interpreta são os textos normativos;

102

103

ponde ao conjunto de frases, isto é, aos signos lingüístico

s

que compõem o dispositivo legal ou constitucional e des-

gamento, não está obrigado a prestar esclarecimentos ou

fornecer informações que lhe possam ser desfavoráveis. Ele

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crevem uma formulação jurídica deontológica, geral e abs-

trata, contida na Constituição ou na lei, ou extraída do

sistema. Quando se trate de disposições constitucionais ou

legais, o enunciado normativo corresponde ao texto, mas é

perfeitamente possível haver enunciados implícitos ou que

decorram do sistema como um todo'''.

A norma, diversamente, corresponde ao comando es-

pecífico que dará solução a um caso concreto. De forma

geral, ela encontra seu fundamento principal em um ou

mais de um enunciado normativo, ainda que seja perfeita-

mente possível haver normas extraídas do sistema como

um todol . Um exemplo ajuda a compreender o ponto.

O art. 5

0

, inciso LXIII, da Constituição de 1988 regis-

tra que

o preso será informado de seus direitos, entre os

quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assis-

tência da família e de advogado .

Este é o enunciado nor-

mativo. A norma que mais evidentemente se extrai desse

enunciado produz-se nas seguintes circunstâncias, já roti-

neiramente conhecidas: um indivíduo, preso e levado a jul-

da interpretação dos textos resultam as normas. Texto e norma não se

identificam. A norma é a interpretação do texto normativo. (...) O

conjunto dos textos — disposições, enunciados — é apenas ordenamento

em potência, um conjunto de possibilidades de interpretação, um

conjunto de normas potenciais [Zagrebelsky].

151 A identificação dos enunciados implícitos ou daqueles que decorrem

do sistema exige, por natural, um esforço interpretativo prévio. Antes de

sua introdução formal no sistema jurídico, isso era o que se passava, por

exemplo, com a razoabilidade, a boa-fé e a vedação do enriquecimento

sem causa.

152 Sobre o tema, v. ÁVILA, Humberto.

Teoria dos princípios,

2003, p.

13.

104

terá direito ao silêncio e o exercício desse direito não pode-

rá ser usado contra ele para reforçar sua incriminação' .

Interessantemente, em função de outras circunstâncias

concretas que foram se repetindo no mundo dos fatos,

doutrina e jurisprudência desenvolveram outra norma a

partir desse mesmo enunciado normativo: os indivíduos

convocados para prestar esclarecimentos perante Comis-

sões Parlamentares de Inquérito (CPIs) — embora não se-

jam, a rigor, acusados de coisa alguma e muito menos este-

jam presos — podem socorrer-se do direito constitucional

ao silêncio e deixar de prestar informações que considerem

prejudiciais a seus interesses  5

. Na verdade, entende-se

153 STF, HC 80949/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU

14.12.2001: O privilégio contra a auto-incriminação —

nemo tenetur se

detegere —

erigido em garantia fundamental pela Constituição — além

da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186

C.Pr.Pen. — importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juizo, ao

dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da

advertência — e da sua documentação formal — faz ilícita a prova que,

contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal

e, com mais razão, em 'conversa informal' gravada, clandestinamente ou

não.

154 STF, HC 79812/SP, Rel. MMCelso de Mello, DJU 16.02.2001: O

privilégio contra a auto-incriminação — que é plenamente invocável

perante as Comissões Parlamentares de Inquérito — traduz direito

público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de

testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante

órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.

— O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os

órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição

à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa

fundamental. Precedentes. O direito ao silêncio — enquanto poder

jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas

105

que o enunciado contido no art.

5 1

LXIII reflete um enun-

ciado mais geral, que vem a ser o que protege os indivíduos

urna interpretação ou, eventualmente, de uma ponde-

ração' .

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da auto-incriminação.

É fácil perceber que as duas normas referidas acima —

a que diz respeito aos presos e a que envolve depoentes em

CPIs — são distintas como conseqüência da incidência de

um mesmo enunciado sobre diferentes ambientes fáticos.

Ou seja: o mesmo enunciado poderá desencadear o surgi-

mento de normas diversas, em função das diferentes cir-

cunstâncias de fato sobre as quais incidal . A norma cor-

responderá afinal ao comando, extraído ou construído a

partir de enunciado(s), para incidir sobre determinada cir-

cunstância de fato

15 6

. Quanto à estrutura, portanto, a nor-

ma será uma

regra

que corresponde ao resultado final de

respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) — impede,

quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal

específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou

pelas autoridades do Estado. — Ninguém pode ser tratado como culpado,

qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido

atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória

transitada em julgado. O princípio constitucional da não-culpabilidade,

em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede

o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao

indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido

condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário.

Precedentes.

155 É possível cogitar de situações nas quais o mesmo enunciado pode ser

apresentado por partes em conflito, cada qual pretendendo extrair dele

uma norma que atenda a seus interesses. Os argumentos suscitados nos

debates envolvendo aborto opõem em geral, dentre outros elementos, a

dignidade da gestante e do feto. O mesmo princípio da legalidade (CF,

art. 5°, II) pode ser empregado na argumentação da Administração e

d o s

particulares em sentidos diversos e para justificar pretensões

eventualmente colidentes.

156 GRAU, Eros Roberto.

Ensaio e discurso sobre a interpretação e

aplicação do direito

2002, p. 19.

106

A despeito do que se acaba de observar, não é possível

ignorar que o termo

norma

tem sido usado indistintamente

para significar ora o enunciado normativo, ora a norma pro-

priamente dita, e que será provavelmente inútil lutar con-

tra um uso lingüístico tão enraizado. Mais do que as pala-

vras, porém, a distinção é importante porque terá conse-

qüências práticas e não apenas teóricas. No que diz respei-

to ao terna deste tópico, a conseqüência mais relevante é a

seguinte: para o fim de verificar quais são os elementos

normativos em tensão, o que deverá ser identificado nessa

primeira fase da ponderação são os enunciados normativos,

e não as normas. A observação parece óbvia e de fato o é: se

a ponderação é uma técnica pela qual se vai decidir qual a

solução do caso — ou seja, qual a

norma

que se deve extrair

do conjunto de diferentes enunciados que incidem na hipó-

tese —, não se pode, evidentemente, iniciar o processo a

partir do fim.

É certo que o tema envolve um outro aspecto. Embora

enunciado normativo e norma sejam fenômenos distintos,

eles interagem ao longo de todo o processo ponderativo e

antes mesmo de seu início formal. Como já se referiu, a

ponderação será empregada quando se esteja diante de um

conflito normativo que envolva valores ou opções políticas

e que não tenha sido solucionado pelas técnicas hermenêu-

ticas tradicionais. Há, portanto, um momento preliminar

no qual o intérprete, tendo em conta as circunstâncias fáti-

cas da hipótese e sua compreensão da realidade e do Direi-

157 ALEXY, Robert. On

the Structure of L egal Principies Ratio Juris vo l.

13, n°3, 2000, p. 297 e ss.; e HAGE, Jaap C.

Reasoning with Rules

1997,

p. 96.

107

toi5 8

, visualiza um conflito dessa natureza entre as normas

que imagina ou intui decorrerem do sistema jurídico

1 5 9

.

Feita a digressão, e retornando ao ponto, repita-se ain-

da uma vez: são os enunciados normativos em tese aplicá-

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Ora, a primeira etapa da ponderação é justamente um

momento de reflexão acerca desse impulso inicial, na qual

se procurará identificar se há de fato enunciados normati-

vos no sistema jurídico fundamentando as normas que se

imaginou estarem em conflito e, por conseqüência, se há

efetivamente um conflito normativo. Essa primeira etapa

serve também para que se verifique se todos os enunciados

pertinentes estão sendo considerados e se eles justificam a

existência de outras normas, capazes inclusive de superar o

conflito visualizado inicialmente. Com

efeito, após esse es-

forço inicial é perfeitamente possível concluir — e quiçá

essa será a hipótese mais freqüente — que não há afinal um

conflito normativo ou que ele pode ser superado por meios

hermenêuticos convencionais, sendo desnecessário percor-

rer as etapas seguintes da ponderação. Como se vê, há aqui

um movimento de ir e vir entre enunciado e normas possí-

veis

1 6 0

, como a rigor é próprio da interpretação em geraP

6 1  

158

Embora não caiba aprofundar o tema aqui, a interpretação não é um

fenômeno externo ao objeto interpretado ou neutro em relação a ele. De

certa forma, a interpretação participa da própria constituição desse

objeto. Sobre o tema, v. PASQUALINL Alexandre.

Hermenêutica e

sistema jurídico 1999, p. 15 e ss.; e CAMARGO, Margarida Maria

Lacombe.

Hermenêutica e argumentação

2001.

159

Como se verá ao longo do estudo, a ponderação pode se desenvolver

também em abstrato ou preventivamente, isto é, fora de um caso

concreto. Mesmo nesses casos, porém, sempre haverá circunstâncias

fáticas a considerar, fruto da observação de casos pretéritos ou da

imaginação dos teóricos.

160

O que inclui também, necessariamente, uma apreciação preliminar

dos fatos, embora seu exame ordenado só vá ocorrer na segunda fase da

ponderação.

161 REALE, Miguel.

Lições preliminares de direito

1999, p. 303:

Donde podemos concluir que o ato de subordinação ou subsunção do

veis à hipótese que devem ser indicados nesta fase, seja

qual for sua estrutura (regra ou princípio). Ou seja: se o

enunciado que se considera aplicável é um princípio geral

(como a dignidade humana ou o princípio democrático), é

ele que deverá figurar nessa fase. No exemplo do empreen-

dimento imobiliário descrito no tópico anterior, são os

princípios gerais que protegem o meio ambiente ecologica-

mente equilibrado e a sadia qualidade de vida que deverão

ser indicados nesta primeira fase.

Esse cuidado é importante a fim de evitar-se um desvio

que não é incomum na argumentação jurídica. O intérpre-

te, desejando — conscientemente ou não — fazer prevale-

cer uma determinada solução, procede da seguinte forma

nessa primeira etapa. Para fundamentar a solução que lhe é

cara, ele indica uma norma construída de forma isolada a

partir de apenas um ou alguns dos enunciados relevantes,

sem submetê-los, dessa forma, ao confronto com os demais

enunciados pertinentes; para justificar a solução oposta,

porém, o intérprete apresenta os enunciados no seu nível

de generalidade próprio. Por esse mecanismo, um (ou al-

guns) dos enunciados corre por fora e se apresenta na

primeira fase do processo como uma disposição muito mais

concreta do que de fato é, e eventualmente com uma estru-

tura diversa da sua original: em vez de princípio, ele passa a

figurar como urna regra, desequilibrando a ponderação.

O exemplo a seguir, embora um tanto curioso, ajuda a

fato à norma não é um ato reflexo e passivo, mas antes um ato de

participação criadora do juiz, com a sua sensibilidade e tato, sua intuição

e prudência, operando a

epois no raciocínio do juiz pois este não raro vai

da norma ao fato e vice-versa, cotejando norma como substrato

condicionador de suas indagações teóricas e técnicas.

108

109

esclarecer a questão. Suponha-se que uma senhora de 66

anos more em uma casa na frente da qual há um amplo e

belo jardim. Infelizmente, a senhora já não tem condições

O importante a destacar aqui é que o intérprete, ao

identificar os enunciados normativos em conflito na pri-

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de pagar o jardineiro, o jardim começa a deteriorar-se e ela

decide exigir judicialmente que o Poder Público custeie a

manutenção da área. Os fundamentos da demanda são o

dever estatal de amparar as pessoas idosas e defender o seu

bem estar (Constituição Federal, art. 230) e o fato de que

a visão do jardim bem cuidado tornou-se indispensável para

a sua qualidade de vida (art. 225), para sua saúde psíquica

e emocional (art. 196) e, afinal, para sua dignidade (art. I°,

III). Evidentemente, é possível cogitar de um conjunto

grande de outros enunciados, constitucionais e infraconsti-

tucionais, que se opõe à pretensão da senhora, mas não há

necessidade de discorrer sobre esse ponto.

Se, porém, na primeira fase de um hipotético processo

de ponderação, em vez dos princípios contidos nos referi-

dos arts. 1°, III, 196, 225 e 230 da Constituição, já se

concluir que deles decorre um direito a ter o jardim manti-

do pelo Poder Público, haverá uma distorção no processo.

Em vez de se confrontarem com os princípios que consti-

tuem o vínculo da pretensão da senhora com a ordem jurí-

dica, os enunciados que venham a se opor a essa pretensão

terão de disputar primazia com um direito específico,

construído com base nos enunciados suscitados apenas pela

autora. Toda a operação hermenêutica para saber se o con-

junto de enunciados alegados pela autora autoriza que se

fale de um direito a ter o jardim mantido pelo Poder Públi-

co terá sido subtraída do processo. Do ponto de vista estru-

tural também haverá uma distorção: em vez de princípios,

a pretensão autoral terá agora uma regra a seu favor' .

162 Interessante problema, semelhante ao descrito no texto, é discutido

nos Estados Unidos acerca da forma mais ou menos geral como um direito

meira fase da ponderação, deve ter a cautela de não intro-

duzir normas obtidas com base em apenas alguns enuncia-

dos de forma isolada, à margem do processo de ponderação

e antes que ele possa se desenvolver. É certo que muitas

em discussão deve ser identificado. V. TRIBE, Laurence H. e DORF,

Michael C..

Leveis of General ity in the Definition of Rights University of

Chicago Law Review n° 57, 1990, p. 1065: Bowers v Hardwick

illustrates the centrality of the leveis of generality question. Writing for

the majority, Justice White contended that 'the issue presented is

whether the Federal Constitution confers a fundamental right upon

homosexuals to engage in sodomy'.. In dissent, Justice Blacicmun argued

that the case was no more about 'a fundamental right to engage in

homosexual sodomy' than Stanley v Georgia, 394 US 557 (1969), was

about a fundamental right to watch obscene movies, or Katz v United

States, 389 US 347 (1967), was about a fundamental right to place

interstate bets from a telephone booth. Rather, this case is about 'the

most comprehensive of rights and the right most valued by civilized men',

namely, 'the right to be let alone'. Justice Blackmun may have overstated

the point, since Katz involved a type of 'privacy' that 'does make the

claimant's substantive conduct irrelevant; at issue [in a case like Katz] is

the government's manner of discovering the conduct'. But he overstated

it only a little, because the Court need not have regarded Hardwick as a

case about 'homosexual sodomy' at ali. The state statute at issue drew no

distinction between homosexual and heterosexual intimacies. The

majority and the dissenters in Hardwick argue over how abstractly to

describe the right at issue. The majority describes the right narrowly, the

dissent broadly. These alternative descriptions evidently reflect the fact

that the majority and dissent have reached different conclusions as to

whether Hardwick's behavior is constitutionally protected. As such, we

might view them as shorthand for the holding and the dissent. Yet the

characterizations are the starting points for the analysis. Because the

majority and dissent ask different questions, it is not surprising that they

give different answers. The majority's question answers itself. Describing

a claimed right in very specific terms — here, as a 'right to engage in

homosexual sodomy' — disconnects it from previously established

rights.

110

11

vezes o aplicador, intuitivamente, já sabe a que resultado

chegará ao fim da ponderação e haverá a tendência de ante-

cipá-lol . Ora, o propósito de ordenar e explicitar as eta-

resses coletivos pretendem restringir direitos indivi-

duais' . É freqüente que nessas hipóteses o intérprete seja

tentado a visualizar o problema normativo como uma opo-

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pas do raciocínio ponderativo é precisamente submeter a

intuição a controles de juridicidade e racionalidade. Se o

resultado intuitivo for afinal juridicamente consistente e

racional, ele resistirá a esses controles e será possível che-

gar à mesma conclusão — agora fundamentadamente —

após todo o percurso.

c Situações individuais e enunciados normativos

Sobre essa primeira fase do processo ponderativo, há

uma última observação a fazer, que se relaciona à anterior.

Como já se repetiu várias vezes, devem ser selecionados

nesta primeira fase apenas os enunciados normativos. Man-

ter-se fiel a essa premissa é particularmente importante

quando o caso concreto no qual o conflito se manifesta

confronta situações individuais e algum tipo de política de

interesse geral.

Os exemplos mais freqüentes dessa espécie de conflito

ocorrem quando as chamadas leis de ordem pública pare-

cem chocar-se com atos jurídicos perfeitos ou direitos ad-

quiridos' 

, ou ainda quando leis ou atos fundados em inte-

163 Curiosamente, o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal

Federal, não se limita a reconhecer o fato, chegando a recomendar ao

magistrado essa postura, nos seguintes termos, que reproduz em alguns de

seus votos: Ao examinar a lide, o magistrado deve idealizar a solução mais

justa, considerada a respectiva formação humanística. Somente após,

cabe recorrer à dogmática para, encontrado o indispensável apoio,

formalizá-la.

e.g.,

RE 111787/GO, DJU 13.09.1991, RTJ 136/1292).

164 Sobre o conflito entre o direito adquirido e a incidência das

chamadas

leis de ordem pública,

v. PORCHAT, Reynaldo.

Da

112

sição entre o interesse de um indivíduo e o interesse da

coletividade como um todo. A formulação do conflito nes-

ses termos, como é fácil perceber, gera um equívoco lógico

que poderá produzir uma distorção inicial do processo pon-

derativo em favor da solução que privilegia os interesses da

coletividade.

O equívoco lógico pode ser descrito da seguinte manei-

ra. Ao imaginar que o conflito se opera entre a pretensão

individual e o enunciado que consagra um bem coletivo, o

intérprete estará contrapondo uma norma — o direito do

indivíduo — e um enunciado normativo. O desequilíbrio

decorre de a contraposição se dar entre fenômenos diver-

sos, já que o direito do indivíduo está fundado também em

um enunciado normativo geral, que consagra determinada

posição jurídica não apenas para o benefício de um indiví-

duo em particular, mas para o benefício de todos que este-

jam em situação equivalente.

Assim, quando um particular questiona a incidência de

determinada lei de ordem pública sobre sua posição jurí-

dica, alegando violação a direito adquirido, o conflito que

retroactividade das leis civis,

1909, p. 67: O que convém ao applicador

de uma nova lei de ordem pública ou de direito público, é verificar se, nas

relações jurídicas já existentes, há ou não direitos adquiridos. No caso

affirmativo, a lei não deve retroagir, porque a simples invocação de um

motivo de ordem publica não basta para justificar a offensa ao direito

adquirido, cuja inviolabilidade, no dizer de Gabba, é também um forte

motivo de interesse publico.

165 Robert Alexy formula uma preferência abstrata dos direitos

individuais sobre os interesses coletivos. V. ALEXY, Robert.

Derechos,

razonamiento jurídico e discurso racional,

Revista Isonomia n° 1, p. 44 e

ss., 1994. A esse ponto se voltará no capítulo 1X.

113

pode se estabelecer não é entre a pretensão individual e o

enunciado de ordem pública, mas sim entre a disposiçã

o

constitucional que protege o direito adquirido contra a in-

suma: os enunciados normativos devem ser todos aprecia-

dos no mesmo nível de abstração, não se confundindo com

a(s) norma(s) que cada um deles pode justificar.

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cidência da lei nova — e que certamente também pode ser

descrita como de ordem pública'

 

— e o enunciado legal

em questão. Quando se visualiza o conflito equivocada-

mente como posição individual

versus

enunciado de ordem

pública, isso poderá conduzir o intérprete à conclusão

apressada — e a rigor imprecisal — de que o direito indi-

vidual deve ceder em benefício do interesse público'''. Em

166

BARROSO, Luis Roberto.

Interpretação e aplicação da Constituição

2003, p. 47 e ss..

167

A moderna doutrina de direito público brasileira tem questionado e

reformulado o tradicional princípio da supremacia do interesse público,

tendo em conta a centralidade do indivíduo e dos direitos fundamentais

no sistema jurídico, especialmente após a Carta de 1988. ÁVILA,

Humberto Bergman.

Repensando o princípio da supremacia do interesse

público sobre o particular

Revista Trimestral de Direito Público n°

24

1998

p. 159; e OSÓRIO, Fábio Medina.

Existe uma supremacia do

interesse público sobre o privado no direito administrativo brasileiro?

Revista dos Tribunais n°770

 

1999, p. 53.

168

Essa assimetria entre, de um lado, pretensões de

interesse público

e

de outro, pretensões individuais pode ocorrer não apenas nos termos

descritos no texto, mas também em conseqüência de como se interpreta

cada um dos enunciados O tema é recorrente na experiência

norte-americana. V., por todos, ACKERMAN, Bruce.

Exchange; Levels of

Generality

in

Constitucional Interpretation: Liberating Abstraction

University of Chicago Law Review n°59, 1992, p. 318: The statism of

the new Republican court expresses itself in a fundamental asymmetry in

its attitude toward legal abstraction. In interpreting the power-granting

side of the Constitution, today's Court exhibits no hesitation about the

liberating power of abstraction. It shows no serious inclination to question

the New Deal transformation of a federal government with limited

powers into a national government with plenary powers at home and

abroad. Instead, the Court saves ali its doubts about abstract thought for

the rights-granting side of the Constitution. This asymmetry — abstract

powers, but particular rights — shows the authoritarian bias in the

114

Ainda nesta primeira fase, após a identificação dos

enunciados pertinentes, é conveniente ordená-los em gru-

pos de sentido, em função das direções que indiquem para

a solução do caso concreto . Essa operação não envolverá,

em geral, maiores complexidades e com essas observações

já se pode avançar para a segunda fase da ponderação.

V.2. Segunda etapa: identificação dos fatos relevantes

Na segunda fase cabe examinar as circunstâncias con-

cretas do caso e suas repercussões sobre os elementos nor-

emerging pattern of Supreme Court decisions. Time and again, the Court

authorizes the activist state to assault fundamental constitutional rights in

ways that evade the narrowing judicial focus. This asymmetry would be

troubling enough if it were 'only' a matter of legal method. it is a single

Constitution we are interpreting — both when it speaks about powers

and when it speaks about rights. Nobody who takes interpretation

seriously should feel free to split the text in two, and approach the

fragments in radically different ways — unless he is prepared to tell us

why. ; e EASTERBROOK, Frank. H..

Exchange; Levels of Generality in

Constitutional Interpretation: Abstraction and Authority

University of

Chicago Law Review n°59, 1992, pp. 349 a 380.

169

Embora seja comum a polarização dos elementos, formando dois

grupos, nada impede que haja mais de dois, cada qual apontando para uma

direção diversa. É possível imaginar, por exemplo, hipóteses em que

diferentes enunciados constitucionais relativos à ordem econômica

possam entrar em tensão, como, por exemplo, o que prevê o tratamento

favorecido para empresas brasileiras de pequeno porte (art. 170, IX), o

que comanda que a lei apóie e estimule o cooperativismo (art. 174, §§ 2°

a 4°) e o que autoriza a exploração direta pelo Estado de atividades

econômicas (art. 173).

115

inativos, daí se dizer que a ponderação depende substan-

cialmente do caso concreto e de suas particularidades'

 

°

Há algumas observações a fazer sobre a questão.

to pelo qual se consideram relevantes determinados fatos é

a existência de disposições normativas que autorizam essa

conclusãom. É certo que haverá hipóteses nas quais o in-

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A frase examinar as circunstâncias concretas do caso e

suas repercussões sobre os elementos normativos descre-

ve, na verdade, uma operação composta de no mínimo duas

partes. Em primeiro lugar, o intérprete terá que destacar,

dentre todas as circunstâncias de fato que caracterizam a

hipótese, aquelas que considera relevantes. E o primeiro

problema que se coloca é saber o que atribui relevância a

um aspecto de fato. Em segundo lugar, e as duas questões

estão interligadas, os fatos relevantes terão influência sobre

o

peso ou a importância a ser reconhecida aos enunciados

identificados na fase anterior e às normas por eles propug-

nadas. Essa repercussão dos fatos sobre os enunciados tam-

bém merece uma breve nota.

a Fatos relevantes

O que leva uma determinada circunstância fática a ser

considerada relevante no sentido aqui referido? Essa dis-

cussão pode muitas vezes transitar pelo óbvio ou, ao con-

trário, suscitar graves disputas. Nesse contexto, será útil

observar que há em geral dois fundamentos que justificam

a relevância atribuída aos elementos de fato. O primeiro

deles é dado pelo senso comum de uma sociedade, forma-

do a partir de sua história e cultura. Dessa forma, um de-

terminado aspecto fático é considerado relevante se a ex-

periência social assim o considera. Um segundo fundamen-

170 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, 2001, p. 227;

SARMENTO, Daniel.

A ponderação de interesses na Constituição

Federal

2000; e DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico,

1996

(os três primeiros capítulos).

térprete identificará um elemento de fato como relevante

por conta dos dois fundamentos. Alguns exemplos ajudam

a ilustrar a hipótese.

Com fundamento apenas no senso comum, e conside-

rando a realidade brasileira, a cor dos cabelos do indivíduo

será irrelevante para a decisão acerca da maior ou menor

proteção de sua vida privada, quando este bem esteja em

confronto, e.g.,

com a liberdade de imprensa. Já mesclando

o

senso comum com fundamentos jurídicos, a solução des-

se mesmo conflito normativo será certamente influenciada

pelo fato de a pessoa envolvida ser,

e.g.

titular de um man-

dato eletivo, de modo que este será agora um aspecto de

fato relevante. As disposições normativas que tratam da

democracia, da obrigação de prestar contas por parte dos

agentes políticos e do princípio da publicidade qualificarão

a circunstância como relevante nessa espécie de conflito.

Entretanto, nem sempre o processo de apurar a rele-

vância dos fatos será simples assim, tanto quando se trate

do senso comum, como quando se cuide de relevância por

qualificação jurídica. Famosa decisão de tribunal estadual

considerou que determinada atriz, cuja foto, na qual posava

nua, foi publicada por jornal popular sem autorização espe-

cífica, não tinha direito à indenização por dano moral —

embora fizesse jus à reparação pela violação do direito à

imagem —, pois se tratava de moça especialmente bonita e

o

evento não lhe teria causado sofrimento algum. Na per-

cepção do órgão julgador, haveria dano moral apenas se se

171 LARENZ, Karl.

Metodologia da ciência do direito, 1969,

p 280 e ss

116

17

tratasse de moça feia que fosse retratada nessas condi-

ções'''. O fato identificado como relevante no caso foi a

beleza (ou a falta dela) da moça. Posteriormente, a juris-

A qualificação de fatos a partir de elementos jurídicos

também poderá ensejar alguma discussão. A Constituição

afirma que, salvo na hipótese de segredo de justiça, os atos

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prudência evoluiu em sentido diverso, considerando que a

beleza ou não da pessoa que tem sua imagem exposta não é

relevante para o fim de configurar-se o dano moral ou a

violação do direito à honra. O que será considerado humi-

lhante ou vexatório para cada indivíduo dependerá de no-

vas avaliações que levem em conta as circunstâncias do caso

concreto

  7

.

172

TJRJ, Embargos Infringentes n°250/99 Rel. Des. Wilson Marques,

DORJ 04.10.1999: Só mulher feia pode se sentir humilhada,

constrangida, vexada em ver seu corpo desnudo estampado em jornais ou

em revistas. As bonitas, não. Fosse a autora uma mulher feia, gorda, cheia

de estrias, de celulite, de culote e de pelancas, a publicação de sua

fotografia desnuda — ou quase — em jornal de grande circulação,

certamente lhe acarretaria um grande vexame, muita humilhação,

constrangimento enorme, sofrimento sem conta, a justificar — aí sim —

o

seu pedido de indenização de dano moral, a lhe servir de lenitivo para o

mal sofrido.

173

Ao votar no julgamento do Recurso Especial que reformou o acórdão

do TJRJ acima referido, a Min. Nancy Andrighi fez o seguinte registro: A

amplitude de que se utilizou o legislador no art. 5

 

, inc. X da CF/88

deixou claro que a expressão 'moral', que qualifica o substantivo dano,

não se restringe aquilo que é digno ou virtuoso de acordo com as regras da

consciência social. E possível a concretização do dano moral

independentemente da conotação média de moral, posto que a honra

subjetiva tem termômetro próprio inerente a cada indivíduo. (...) Por

isso a sábia doutrina concebeu uma divisão no conceito de

honorabilidade: honra objetiva, a opinião social, moral, profissional,

religiosa que os outros têm sobre aquele indivíduo, e honra subjetiva, a

opinião que o indivíduo tem de si próprio. (...) A norma jurídica protetora

da honra alcança as dores internas. (STJ, REsp 270730/RJ, Rel. Min.

Nacy Andrighi, DJU 07.05.2001). Vejam-se, ainda, STJ, REsp

230268/SP, Rel. MM Antônio de Pádua Ribeiro, DJU 18.06.2001 e STJ,

REsp 448604/RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJU 25.02.2004.

118

processuais são públicos'  

. Isso significa que questões dis-

cutidas no âmbito de processos judiciais podem ser livre-

mente divulgadas pela imprensa? Esse tem sido o entendi-

mento no Brasil' , ao menos na maior parte dos casos, mas

não foi essa a tese vitoriosa no caso

Lebach,

julgado em

1973, pelo Tribunal Constitucional alemão' . Seria impos-

174

CF: Art. 5° - (...) LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos

atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o

exigirem .

175

STF, RE 208685/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 22.08.2003:

Direito à informação (CF, art. 220). Dano moral. A simples reprodução,

pela imprensa, de acusação de mau uso de verbas públicas, prática de

nepotismo e tráfico de influência, objeto de representação devidamente

formulada perante o TST por federação de sindicatos, não constitui abuso

de direito. Dano moral indevido. RE conhecido e provido. No mesmo

sentido, v. STF, AO 770/AM, Rel. Min. limar Galvão, DJU 09.05.2003.

176

Em linhas gerais, tratava-se de decidir se um canal de televisão

poderia exibir documentário sobre um homicídio que havia abalado a

opinião pública alemã alguns anos antes, conhecido como o assassinato

de soldados de Lebach . A questão foi suscitada por um dos condenados,

então em fase final de cumprimento de pena, sob o fundamento de que a

veiculação do programa atingiria a sua honra e, sobretudo, configuraria

sério obstáculo ao seu processo de ressocialização. A primeira instância e

o

tribunal revisor negaram o pedido de liminar formulado pelo autor, que

pretendia obstar a exibição. O fundamento adotado foi o de que o

envolvimento no fato delituoso o tornara um personagem da história

alemã recente, o que conferia à divulgação do episódio interesse público

inegável prevalente inclusive sobre a legítima pretensão de

ressocialização. Diante disso, o autor interpôs recurso constitucional

Verfassungsbeschwerde)

perante o Tribunal Constitucional, alegando,

em síntese, violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, que

abrigaria em seu conteúdo o direito à reinserção social. Após proceder à

oitiva de representantes do canal de televisão interessado, da comunidade

119

sível, por óbvio, examinar aqui a relevância das inúmeras

circunstâncias de fato que podem ocorrer nos diferentes

conflitos envolvendo valores ou opções políticas e nem é

buem propriamente um peso maior ou menor a determina-

da solução; diversamente, elas são responsáveis por infor-

mar o grau de restrição que a escolha de cada uma das

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esse o propósito deste estudo. É bem de ver que um dos

objetivos que se pretende alcançar com a construção de

parâmetros específicos, sobre o que se tratará na terceira

parte deste trabalho, é exatamente tabular os elementos de

fato relevantes que com maior freqüência estão presentes

nos diferentes tipos de conflito dessa natureza. O exame da

jurisprudência será especialmente útil nesse particular.

b Repercussões dos fatos sobre os enunciados norma-

tivos

Há ainda duas observações a fazer sobre esta segunda

fase da ponderação. A experiência indica que as circunstân-

cias de fato podem repercutir de duas formas distintas so-

bre as soluções indicadas pelos grupos de elementos nor-

mativos identificados ao fim da primeira fase, descrita aci-

ma. Em primeiro lugar, os fatos podem atribuir um peso

maior ou menor a alguma delas. Assim, em um confronto

entre as duas soluções — publicar ou não matéria jornalís-

tica sobre a rede de amigos de um deputado federal —, o

fato de se tratar de matéria envolvendo um deputado fede-

ral atribuiria maior peso, nesse caso, ao grupo de enuncia-

dos normativos que sugere a publicação da matéria.

Há outras circunstâncias de fato, porém, que não atri-

editorial alemã, de especialistas nos diversos ramos do conhecimento

pertinentes, do Governo Federal e do Estado da Federação onde o

condenado haveria de se reintegrar, o Tribunal reformou o entendimento

dos juizos anteriores, concedendo a liminar para impedir a veiculação do

programa, caso houvesse menção expressa ao interessado.

soluções possíveis pode impor sobre as demais naquele

caso concreto. Essa informação será da maior utilidade para

o intérprete: se a realização prática de uma das soluções

importar uma restrição insignificante ao que as derhais pos-

tulam, os enunciados normativos correspondentes a essa

primeira solução terão um peso reforçado no caso concre-

to. O chamado caso Glória Trevi , decidido pelo Supre-

mo Tribunal Federal, ilustra essa espécie de situação.

A cantora Glória Trevi, ao descobrir-se grávida na pri-

são, acusou de estupro os policiais que trabalhavam na car-

ceragem. Quando do nascimento da criança, os acusados

apresentaram seus padrões de bNA e solicitaram que fosse

realizado o exame na Criança, de modo que a veracidade

das acusações formuladas pela mãe pudesse ser submetida

à prova. A questão acabou sendo decidida pelo STF, que, a

despeito da oposição da mãe, deferiu o pedido. A decisão

do Supremo Tribunal Federal levou em conta especialmen-

te a possibilidade de realizar o exame com o material da

placenta, o que não importaria qualquer restrição impor-

tante à integridade física da mãe ou da criançal .

Note-se que o dado fático em questão — a circunstân-

cia de ser possível realizar o exame de DNA a partir de

material da placenta — não confere maior importância à

honra dos policiais. Ele simplesmente revela que o atendi-

mento dessa peetensão no caso não causa qualquer restri-

ção relevante ao outro elemento em disputa, a saber: a in-

tegridade física da mãe e, sobretudo, da criança. Por outro

lado, a adoção de uma norma que vedasse a realização do

177

STF, RCL 2040/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 27.06.2003.

120

,

21

teste impediria a comprovação da falsidade da acusação,

meio pelo qual se poderia restaurar a honra e o bom nome

dos acusados.

corresponde a uma norma possível, isto é, a uma possibili-

dade normativa a ser extraída do conjunto de enunciados

pertinentes no caso. Esses dados de fato permitirão ao in-

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A última observação importante sobre esta segunda

fase do processo ponderativo guarda relação com o que se

acaba de registrar acerca do grau de restrição que a adoção

de cada uma das soluções apuradas na Primeira fase impõe

às demais. Muito freqüentemente haverá diferentes meios

físicos de realizar, com mais ou menos intensidade, cada

um dos conjuntos normativos em conflito. E cada uma des-

sas diferentes possibilidades produzirá um equilíbrio dife-

renciado entre os enunciados em tensão. Explica-se melhor

com um exemplo.

Imagine-se que um indivíduo qualquer, portador de

epilepsia, estivesse assistindo a uma sessão do plenário do

Senado Federal e sofresse uma grave crise, necessitando de

cuidados médicos. A imprensa pretende divulgar o ocorri-

do e o indivíduo deseja impedir a divulgação, alegando a

proteção de sua intimidade. Na realidade, não existem ape-

nas as opções de

divulgar

e

não divulgar

o ocorrido. Dentro

da solução que autoriza a divulgação, há diversas possibili-

dades: (i) a história pode ser descrita sem referência ao

nome da pessoa e sem imagens que possam identificá-la,

(ii) a história pode referir o nome do indivíduo, mas sem a

utilização de imagens, e (iii) por fim, a empresa de comu-

nicação pode contar a história referindo o nome do envol-

vido e ilustrando com imagens.

Nesta segunda fase, e sempre que isso seja possível, o

intérprete deverá cogitar de todas as possibilidades fáticas

por meio das quais as diferentes soluções indicadas pelos

grupos normativos da primeira fase podem ser realizadas,

desde a que atende mais amplamente às suas pretensões,

até a que as restringe de forma importante, na linha exem-

plificada acima. Cada uma dessas soluções, na verdade,

térprete apurar se existe alguma possibilidade fática de

atender a todas as soluções em um nível ótimo e, em qual-

quer caso, servirão de importante subsídio para a última

etapa da ponderação, como se verá adiante, especialmente

para a realização, quando viável, da concordância prática.

V.3. Terceira etapa: decisão

Identificados todos os elementos pertinentes — nor-

mativos e fáticos — chega-se afinal à fase de decisão. É

nesta etapa que se estará examinando conjuntamente os

diferentes grupos de enunciados, a repercussão dos fatos

sobre eles e as diferentes normas que podem ser construí-

das, tudo a fim de apurar os pesos que devem ser atribuídos

aos diversos elementos em disputa' . Diante da distribui-

ção de pesos — e esse o diferencial da ponderação — será

178 Lembre-se, como já se referiu, que as três fases propostas para o

processo ponderativo não são estanques ou incomunicáveis. Acontece

aqui, como em toda atividade hermenêutica, o movimento de ir e vir (o

circulo hermenêutico) entre as diferentes premissas, fáticas e normativas,

e as possíveis conclusões, até que se chegue à solução final. Em todo caso,

a necessidade de fundamentação posterior impõe a ordenação do

raciocínio. V. LARENZ, Karl.

Metodologia da ciência do direito

1969, p.

371 e ss.; GRAU, Eros Roberto.

Ensaio e discurso sobre a interpretação e

aplicação do direito

2002, p. 31; CLÈVE, Clèmerson Merlin e FREIRE,

Alexandre Reis Siqueira. Algumas notas sobre colisão de direitos

fundamentais . In: GRAU, Eros Roberto e CUNHA, Sérgio Sérvulo da

(organizadores).

Estudos de direito constitucional em homenagem a José

Afonso da Silva 2003, p. 234 e ss.; e CAMARGO, Margarida Maria

Lacombe.

Hermenêutica e argumentação

2001, p. 50 e ss..

123

122

o momento de definir se é possível conciliar os diferente

s

elementos normativos ou se algum deles deve preponderar

e, afinal, qual a norma que dará solução ao caso.

dos parâmetros propriamente jurídicos, é possível anotar

três diretrizes gerais que não só podem como devem orien-

tar a atividade do intérprete nesse momento decisório.

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A despeito da formulação quase singela, esta é sem dú-

vida a fase mais complexa de toda a operação. Na verdade,

as questões que se colocam aqui são várias. Que peso deve

ser atribuído a cada elemento normativo? Por que uns rece-

berão um peso maior que outros? Por qual razão uma solu-

ção indicada por determinados elementos normativos deve

prevalecer sobre outra? A técnica da ponderação não ofere-

ce respostas definitivas para essas perguntas' . Em si mes-

ma, a ponderação é apenas uma técnica instrumental, vazia

de conteúdo. E bem de ver que essa limitação não retira o

valor de aprimorar-se a técnica da ponderação propriamen-

te dita. A organização do raciocínio ponderativo facilita o

processo decisório, torna visíveis os elementos que partici-

pam desse processo e, por isso mesmo, permite o controle

da decisão em melhores condições.

Ou seja: as etapas de exame já descritas são úteis para

conduzir o raciocínio e ordenar a argumentação, mas a ver-

dade é que elas não fornecem parâmetros para fundamen-

tar uma escolha diante dos elementos em colisão. A cons-

trução de parâmetros que auxiliem o intérprete nesse pon-

to é absolutamente necessária: esse é o objeto da terceira

parte deste estudo. Porém, antes de ingressar na discussão

179 ALEXY, Robert. On

Balancing and Subsumption. A Structural

Comparison,

Ratio Juris, vol. 16, n° 4, 2003, pp. 439 e 448: Of course,

such judgments presuppose standards that are not themselves to be

found in the Law of Balancing. (...) Neither the Subsumption Formula

nor the Weight Formula contributes anything directly to the justification

of the content of these premisses. To this extent both are completely

formal. But this cannot diminish the value of identifying the lcind and the

form of the premisses which are necessary in order to justify the result.

124

Em primeiro lugar, o intérprete deve estar comprome-

tido com a capacidade de universalização tanto dos funda-

mentos empregados no processo, como da decisão propria-

mente dita. Em segundo lugar, e como já referido, os esfor-

ços do aplicador nesta fase devem ter por meta a concor-

dância prática dos enunciados normativos em conflito. Por

fim, uma terceira questão que não pode ser negligenciada

nesta fase, quando ela envolva direitos fundamentais, diz

respeito ao núcleo dos direitos e o limite que ele representa

à ponderação. Explica-se melhor cada um desses elemen-

tos.

a Pretensão de universalidade

Para que o discurso em geral, e o discurso jurídico em

particular, possa ser considerado minimamente racional,

ele deve atender a um conjunto bastante amplo de exigên-

cias lógicas'

 

. Não se vai cuidar aqui desse tema, como já

sublinhado, mesmo porque ele demandaria um estudo ex-

clusivo. Entretanto, dentre essas exigências, uma se desta-

ca de forma particular e merece algumas notas: trata-se

justamente da pretensão de universalidade' .

180 V. sobre o tema ALEXY, Robert.

Teoria da argumentação jurídica,

2001; PECZENIK, Alelcsander. On

Law and Reason, 1989; e MA1A,

Antônio Cavalcanti e SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Os princípios

de direito e as perspectivas de Perelman, Dworkin e Alexy .

In

PEIXINHO, Manoel Messias. Os

princípios da Constituição de 1988,

2001, pp. 57 a99.

181 Como já se registrou antes, o objetivo deste estudo não é expor as

diferentes questões debatidas pelos teóricos da argumentação, mas

apresentar uma proposta operacional de organização da técnica da

ponderação e de parâmetros que possam servir-lhe de balizamento. Por

125

Com a expressão

pretensão de universalidade

quer-s

e

significar, na verdade, duas necessidades distintas: uma re-

lacionada com a argumentação jurídica propriamente dita e

outra com a decisão final do intérprete. Em primeiro lugar,

magistrado, não pode valer-se de argumentos ou razões que

apenas façam sentido para um grupo, e não para a totalida-

de das pessoas' .

Imagine-se um exemplo: uma nova seita mística susten-

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espera-se do intérprete jurídico que ele empregue uma ar-

gumentação universal, assim entendida aquela aceitável de

forma geral dentro da sociedade e do sistema jurídico no

qual ela está inserida e racionalmente compreensível por

todos'

 

. Vale dizer: o aplicador do direito, sobretudo o

essa razão, apenas a exigência da universalidade será abordada de forma

específica.

182 A exigência pode ser associada ao conceito geral de razão

pública de

John Rawls. É bem de ver que ao tratar da razão

pública o autor

desenvolve diversas outras discussões, afora a mencionada no texto. Para

os fins deste estudo, basta registrar que, embora a propriedade do uso da

razão pública em outras relações dentro da sociedade possa ser discutida,

apenas essa espécie de razão deve ser admitida na fundamentação das

decisões judiciais. RAWLS, John. Liberalismo político

1992, pp. 204,

205 e 207: No todas las razones son razones públicas, pues existen las

razones no públicas de las Iglesias, universidades y de otras muchas

asociaciones en la sociedad civil. (...) La razón pública es característica de

un pueblo democrática: es la razón de sus ciudadanos, de aquellos que

comparten la calidad de ciudadanía en pie de igualdad. (...) Outra

característica de la razón pública es que sus limites no se aplican a nuestras

deliberaciones y reflexiones personales sobre lãs cuestiones políticas, o ai

razonamiento acerca de ellas por miembros de asociaciones tales como Ias

Iglesias y las universidades, todo lo cual forma parte importante dei

trasfondo cultural. Está claro que en esto pueden desempenar un papel

apropiado las consideraciones religiosas, filosóficas y morales de muchas

clases. Pero el ideal de la razón pública se aplica a los ciudadanos cuando

empreenden la defensa política de algún asunto en el foro público. (...) Se

aplica también, de manera especial, ai Poder Judicial y, sobre todo, a la

Suprema Corte, en una democracia constitucional donde existe la

revisión judicial en todas las instancias. . Para Rawls, tendo em conta sua

teoria da justiça o espaço da razão pública esta relacionado

principalmente com o reconhecimento de determinados direitos e

liberdades aos indivíduos em caráter prioritário e com a existência

e

ta que as pedras e minérios não devem ser retirados de seus

locais de origem na natureza, sob pena de todo o universo

desintegrar-se. Imagine-se, ainda, que uma companhia mi-

neradora ingressa em juízo disputando o direito de explora-

ção de uma mina de cobre com outra empresa. Por eviden-

te, o juiz não poderá adotar validamente, como um dos

fundamentos de sua decisão, qualquer que seja ela, a con-

cepção mística acerca dos minérios descrita acima. Por essa

mesma razão, um magistrado ateu não pode fundamentar

suas decisões a partir de sua própria concepção materialista

do universo, assim como um religioso não pode impor aos

jurisdicionados sua crença como razão de decidir. Em

meios apropriados para que todos possam desenvolver suas liberdades e

oportunidades básicas. V. RAWLS, John.

Liberalismo político 1992, p.

213 e ss.. Sobre o conceito correlato de

espaço público

e suas diferentes

concepções, v. TORRES, Ricardo Lobo. O

espaço público e os intérpretes

da Constituição

Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do

Rio de Janeiro n°50, 1997, pp. 92 a 110.

183 Essa preocupação é manifestada por vários autores. Para Perelman, a

racionalidade e objetividade do discurso dependem de os argumentos

serem aceitáveis e convincentes para a audiência que, no caso do jurista,

já não é a audiência universal própria da filosofia, mas aquela vinculada a

uma comunidade social específica (PERELMAN,

Logique jurídique.

Nouvelle rhétorique

1976). Na mesma linha, PECZENIK, Alelcsander.

On Law and Reason

1989, p. 189: What matters for rationality is not

actual consensus but acceptability within the relevant group of people,

that is, 'audience', colleag-ues, peers, etc. These persons accept p or at

least agree that p is acceptable according to the standards they accept; p

is acceptable to a person. ; CAMARGO, Margarida Maria Lacombe.

Hermenêutica e argumentação

2001, p. 220 e ss.; e TORRE, Maximo La.

Theories of LegalArgumentation and Concepts of Law. AnApproximation

Ratio Juris, vol. 14, n° 4, 2002, p. 384 e ss..

126

27

suma: as pessoas têm ampla liberdade de convicção e práti-

ca religiosa e filosófica — o que é, afinal, um precioso bem

protegido por praticamente todas as Constituições con-

temporâneas ocidentais' —, mas razões exclusivas de gru-

A exigência de universalidade será mais sensível quan-

do se trate de selecionar fatos, apreciar sua relevância e

escolher os enunciados normativos em cada hipótese. A

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pos sociais parciais não podem fundamentar decisões que

devem justificar-se no espaço público'''.

Essa exigência será mais facilmente atendida quando o

intérprete esteja lidando com argumentos predominante-

mente jurídicos, derivados de enunciados normativos. E

isso por duas razões. Em primeiro lugar, porque se presume

que o conteúdo dos enunciados compartilhe de uma racio-

nalidade comum a todos . E, em segundo lugar, porque o

argumento em si da

imperatividade própria

aos dispositivos

,Y jurídicos é um elemento da racionalidade geral em um Es-

tado de direito, especialmente em se tratando de um siste-

ma romano-germânico. Dito de outra forma, as pessoas es-

tão de acordo com a regra geral de que os enunciados nor-

mativos são obrigatórios, e vinculantes e, por isso, devem

ser obedecidos.

184 Razões próprias dos diferentes grupos religiosos ou filosóficos serão

levadas em conta quando se trate exatamente de proteger a liberdade de

crença e convicção. A rigor, porém, o fundamento de qualquer decisão

nesse sentido será a própria liberdade de crença e convicção em si, e não

o conteúdo de cada crença em particular. E a liberdade de crença e

convicção é por certo um elemento comum à racionalidade geral, ao

menos nas democracias ocidentais. Veja-se sobre o tema SOUZA NETO,

Cláudio Pereira de. Teoria constitucional e democracia deliberativa 2004

(ainda mimeografada).

185 É evidente que, como em todas as demais circunstâncias, o raciocínio

do intérprete será influenciado por suas concepções filosóficas,

ideológicas e religiosas. O controle do discurso, porém, é o meio

disponível de obter-se a neutralidade possível.

86 É certo que nos sistemas que admitem o controle de

constitucionaliclade das leis e atos do Poder Público essa presunção é

relativa.

128

seleção inicial dos enunciados pertinentes e dos fatos que

devem ser considerados são operações preliminares de di-

fícil controle, determinadas, no mais das vezes, pela forma

como o intérprete compreende a própria realidade, que

pode variar em função de sua pré-compreensão do tema .

A atribuição de relevância aos fatos, como já se viu, poderá

depender de avaliações não apenas jurídicas, mas também

— e principalmente — culturais, e por isso mesmo há o

risco de opiniões pessoais não justificáveis publicamente

dominarem o processo. Sobretudo nesses momentos, por-

tanto, o raciocínio desenvolvido pelo intérprete deve utili-

zar categorias comuns a todos e, nesse sentido, ser univer-

sal, de modo a ser compreendido racionalmente por todos

dentro de um determinado sistema jurídico .

187 V. GRAU, Eros Roberto.

Ensaio e discurso sobre a interpretação e

aplicação do direito

2002, p. 27: Como a interpretação abrange também

os fatos, o intérprete os reconforma, de modo que podemos dizer que o

direito institui a sua própria realidade. Dai a importância do relato dos

fatos (= narrativa dos fatos a serem considerados pelo intérprete) para a

interpretação. Pois é certo que os fatos não são, fora de seu relato (isto é,

fora do relato a que correspondem), o que são. O que desejo afirmar é a

fragilidade do compromisso entre o relato e seu objeto, entre o relato e o

relatado. Esse compromisso é, antes de mais nada, comprometido em

razão (1) de jamais descrevermos a realidade; o que descrevemos é o

nosso modo de ver a realidade. Além de não descrevermos a realidade,

porém o nosso modo de ver a realidade, (2a) essa mesma realidade

determina o nosso pensamento e, (2b) ao descrevermos a realidade, nossa

descrição da realidade será determinada (i) pela nossa pré-compreensão

dela (= da realidade) e (ii) pelo lugar que ocupamos ao descrever a

realidade (= nosso lugar no mundo e lugar desde o qual pensamos).

188 Isso não significa que todos deverão concordar com o intérprete, já

que outros argumentos igualmente universais podem ser relevantes e

129

O segundo sentido da pretensão de universalidad

 

en-

volve a decisão formulada pelo intérprete e pode ser des-

crita de forma simples. A solução a que chega o intérprete

deve poder ser generalizada para todas as outras situações

metida ao teste da universalização: é possível e adequado

aplicar a decisão a que se chegou a todos os casos similares?

Essa exigência decorre naturalmente do dever de isono-

mia aplicado à prestação da jurisdição', pelo qual todos

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semelhantes ou equiparáveis' e, para isso, deve ser sub-

aqueles que se encontrem em situação equivalente devem

receber a mesma resposta do Poder Judiciário'''. Além dis-

conduzir a conclusões diversas. Veja-se sobre o tema AARNIO, Aulis.

La

tesis de la única respuesta correcta y el principio regulativo dei

razonamiento jurídico,

Revista Doxa n° 8, 1990, pp. 23 a 38. Embora o

autor reconheça que muitas vezes é impossível apurar uma resposta única

correta, ele propõe a seguinte diretriz para a argumentação jurídica (p.

37): En• la decisión de un caso difícil se debe tratar de alcanzar una

solución tal y una justificación tal que la mayoría de los miembros

racionalmente pensantes de la comunidad jurídica pueda aceptar esa

solución y esa justificación. .

189 ALEXY, Robert.

Teoria da argumentação jurídica,

2001, pp. 186,

187 e 197: As regras que definem o discurso prático racional são de

diferentes tipos. (...) A validade do primeiro grupo de regras é urna

condição prévia da possibilidade de toda comunicação lingüística que dá

origem a qualquer questão sobre a verdade ou a correção: (1.1) Nenhum

orador pode se contradizer. (1.2) Todo orador apenas pode afirmar aquilo

em que crê. (1.3) Todo orador que aplique um predicado F a um objeto

tem de estar preparado para aplicar F a todo outro objeto que seja

semelhante a a

em todos os aspectos importantes. (1.4) Diferentes

oradores não podem usar a mesma expressão com diferentes significados.

(...) Quem fizer uma afirmação normativa que pressuponha uma regra

com certas conseqüências para a satisfação dos interesses de outras

pessoas deve ser capaz de aceitar essas conseqüências, mesmo na situação

hipotética em que esteja na situação dessas pessoas. ; e PECZENIK,

Aleksander. On

Lato and Reason, 1989, p. 191 e ss.. Em sentido diverso,

GUASTINI, Riccardo.

Distinguendo. Studi de teoria e metateoria dei

diria°,

1996, p. 145: L'operazione di bilanciamento dei principi si fonda

dunque su una peculiare interpretazione dei principi di cui si trattta,

noncué su un soggettivo giudizio di valore (un giudizio in termini di

'giustizia') dei giudice. Cosi facendo, ii giudice sovrappone una

valutazione sua propria alia valutazione dell'autorità normativa (in questo

caso, l'autorità costituente). Inoltre, ii conflitto non è

risoltostabilmente,

una volta per tutte, facendo senz'altro prevalere uno dei chie principi

confliggenti sull'altro (como accadrebbe invece se si adottasse ii criterio

'lex specialis'); ogni soluzione dei conflitto vale solo per il caso concreto,

e resta pertanto imprevedibile la soluzione deito stesso conflitto in casi

futuri.' A posição de Guastini parece decorrer da importância essencial

atribuída pelo autor às características de cada caso concreto para a solução

da ponderação. Embora essas características sejam realmente da maior

importância, isso não significa (e seria•irreal afirmá-lo) que inexistam

casos equiparáveis ou semelhantes, aos quais, por um imperativo de

isonomia, deva-se aplicar a mesma solução. Para uma crítica à posição de

Guastini, v. MORESO, José Juan. Conflictos entre principios

constitucionales .

In:

CARBONELL, Miguel (organizador).

Neoconstitucionalismo s),

2003, p. 100 e ss..

190 Sobre o tema, vejam-se, dentre muitos outros: DANTAS, San Tiago.

Igualdade perante a lei e due process of law .

In: Problemas de direito

público

1953; FAGUNDES, M. Seabra. O

principio constitucional da

igualdade perante a lei e o Poder Legislativo,

Revista dos Tribunais n° 235,

1995, p. 3; MELLO, Celso Antdnio Bandeira de.

Conteúdo jurídico do

princípio da igualdade,

1993; BARROSO, Luís Roberto. A igualdade

perante a lei .

In: Temas atuais do direito brasileiro,

1987 e, do mesmo

autor,

Interpretação e aplicação da Constituição,

2003, p. 230 e ss.;

CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O

princípio da isonomia e a

igualdade da mulher no direito constitucional,

1983. A construção do

sentido da cláusula constitucional

equality under the lato é

um dos mais

recorrentes temas do direito constitucional norte-americano. Vejam-se,

por todos, TRIBE, Laurence.

American Constitutitional Lato,

1988, e

NOWAK, ROTUNDA e YOUNG,

Constitutional Lato,

1986. Entre os

autores portugueses v. CANOTILHO J. J. Gomes.

Direito

constitucional e teoria da Constituição,

1998, p. 1160 e ss..

191 STF, Mandado de Injunção n° 58, Rel. MMCelso de Mello, Revista

de Direito Administrativo n° 183, p. 143: Esse princípio [o da isonomia]

— cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações

130

131

so, assim como se passa com a ampliação de uma imagem

qualquer, ao se formular como regra geral a solução apura-

da para um determinado caso, será mais fácil visualiza

 

b Busca da concordância prática

O objetivo final do processo de ponderação será sempre

alcançar a concordância prática dos enunciados em tensão,

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eventuais distorções ou vícios nela contidos' .

Vale dizer: além de empregar argumentos que possam

transitar livremente no espaço público, e que façam senti-

do para todos os indivíduos independentemente de suas

convicções individuais, a decisão proposta ao fim da ponde-

ração deve poder ser validamente universalizada para os

demais casos equiparáveis

1 9 3 . Embora essas diretrizes lógi-

cas não forneçam ao intérprete critérios materiais para

orientar suas decisões, elas funcionam como controles nes-

sa fase decisória.

do Poder Público — deve ser considerado, em sua precípua função de

obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA, 55/114), sob

duplo aspecto: a) o da igualdade na lei; b) o da igualdade perante a lei. A

igualdade na lei — que opera uma fase de generalidade puramente

abstrata — constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de

sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação,

responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei,

contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos

demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão

subordiná la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou

discriminatório .

192 V. ATIENZA, Manuel.

Las razones dei derecho. Sobre la justificación

de las decisiones judiciales,

Revista Isonomia n°1, 2004, p. 51 e ss..

193 PECZENIK, Aleksanàer.

The Basis of Legal Justification,

1983, p.

63: Whenever one reinterprets or ranks norms which are prima facie

colliding with each other, one should do so in a manner which one can

repeatedly use when confronted with similar collisions between other

norms. One requires especially strong reasons to justify a reinterpretation

or a priority order applied ad hoc that is, only in the case under

consideration. (grifos no original)

132

isto é, sua harmonização recíproca de modo que nenhum de-

les tenha sua incidência totalmente excluída na hipótese

1 9 4

Para isso, a concordância prática, na qualidade de diretriz

metodológica, pode valer-se de todo o arsenal hermenêutico

disponível: os elementos clássicos de interpretação, a eqüi-

dade, a proporcionalidade''', as técnicas modernas de inter-

194 A concordância prática é, por certo, uma das exigências da coerência

no processo de justificação jurídica. Sobre a noção de coerência, v.

PECZENIK, Aleksander. On

Law and Reason,

1989, p. 158 e ss.. Sobre

a concordância prática propriamente: HESSE, Konrad.

Elementos de

direito constitucional da República Federal da Alemanha,

1998, pp. 66 e

67: Em conexão estreita com isso está o princípio da

concordância

prática; bens jurídicos protegidos jurídico-constitucionalmente devem,

na resolução do problema, ser coordenados um ao outro de tal modo que

cada um deles ganhe realidade. Onde nascem colisões não deve, em

'ponderação de bens' precipitada ou até 'ponderação de valor abstrata,

um ser realizado à custa do outro. Antes, o principio da unidade da

Constituição põe a tarefa de uma otimização: a

ambos

os bens devem ser

traçados limites, para que ambos possam chegar a eficácia ótima. Os

traçamentos dos limites devem, por conseguinte, no respectivo caso

concreto ser proporcionais; eles não devem ir mais além do que é

necessário para produzir a concordância de ambos os bens jurídicos.

(grifo no original). O conceito de integridade, desenvolvido por Dworkin,

pode ser visualizado como uma espécie de coerência máxima:

DWORKIN, Ronald. O

império do direito,

1999, p. 294: O direito como

integridade, então, exige que um juiz ponha à prova sua interpretação de

qualquer parte da vasta rede de estruturas e decisões políticas de sua

comunidade, perguntando-se se ela poderia fazer parte de uma teoria

coerente que justificasse essa rede como um todo.

195 Note-se que embora concordância prática e proporcionalidade não

se confundam (como registra ÁVILA, Humberto.

Teoria dos princípios,

2003, pp. 88 e 89 e 104 a 116), os três testes da proporcionalidade

(adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) podem

133

pretação constitucionall% etc. A questão, porém, nem sem-

pre é simples e merece alguns comentários.

Como descrito no início deste estudo, os conflitos no

r

 

mativos que exigem ponderação são aqueles que reflete

m

de elementos resulta freqüentemente em um conflito par-

cial, isto é, que não confronta de forma radical os enuncia-

dos a ponto de a realização de um importar a não incidência

do outro' . Explica-se melhor.

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tensões entre valores e/ou opções político-ideológica

s

e,

muito freqüentemente, os enunciados envolvidos nessas

disputas têm a estrutura de princípios' . Essa conjugação

ser úteis eventualmente na operação de tentar obter a concordância

prática. Com

efeito, ao verificar se uma norma possível é capaz de atender

aos efeitos pretendidos pelos diferentes enunciados em disputa, faz-se

um juízo de adequação. A eliminação de uma solução em favor de outra

pelo fato de a primeira restringir excessiva e desnecessariamente algum

dos enunciados envolve de forma evidente uma avaliação acerca da

necessidade das providências. A proporcionalidade em sentido estrito, a

rigor, permeia não apenas esta terceira etapa da ponderação, mas toda ela,

já que o propósito aqui é exatamente racionalizar o processo de atribuição

de pesos aos diferentes elementos em conflito.

196 Sobre algumas técnicas próprias da interpretação constitucional, v.

MENDES, Gilmar Ferreira.

Jurisdição constitucional,

1998; do mesmo

autor,

Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 1998;

e

BARROSO, Luís Roberto.

Interpretação e aplicação da Constituição,

2003.

197

Quando um aparente conflito normativo envolve valores em um

nível mais abstrato há ainda a questão filosófica de delinear o sentido de

tais valores. O ponto é sublinhado por Ronald Dworkin ao tratar do

conflito entre liberdade e igualdade. Para o autor, é possível conciliar

esses dois valores uma vez que se tenha uma adequada compreensão

deles. V. DWORKIN, Ronald.

Do Values Conflict? A Hedgehog s

Approach,

Arizona Law Review n°43, 2001, pp. 255 e 256: We need

philosophical analysis to tell us what liberty and equality really are, not

what they are widely supposed to be. (...) Liberty and equality are not

natural kinds, like gold and dogs, but values, and we cannot understand a

value unless we understand why it is important that we respect or seek

out that value, unless we understand what is good about it. (...) We have

established something important: so far as the famous and celebrated

conflict between liberty and equality depends on adopting the flat

conceptions of these two virtues, it is a fake conflict.

Os princípios, e a questão será examinada mais detida-

mente adiante, descrevem em gerétIrn conjunto de efeitos

tugd

ue pretendem ver realizados net.

dos fatos, sendo

que cada um deles pode justificar con dto diversas. Nesse

contexto, em um caso concreto, a disputa e

t

lkis enunciados

que apresentem a estrutura de princípios dificihnente coni 77,,

fronta todos esses efeitos e condutas ao mesmo tei

srliao í /7

. 5 .

mais comum é que ocorram oposições parciais entre det

o

minados efeitos ou condutas, de modo que a colisão afeta,

na prática, apenas algumas manifestações de sentido dos

enunciados  9 9

. E para visualizar os aspectos realmente afe-

198

Um exemplo simples ilustra o ponto. Alegando que o rodízio de

veículos, imposto por lei estadual paulista, violava a liberdade de

locomoção, um indivíduo impetrou mandado de segurança pretendendo

ver reconhecido o direito de circular livremente com seu veiculo. A

ordem foi concedida em primeiro g rau, mas o Tribunal de Justiça

denegou a segurança sustentando, dentre outros fundamentos, que o

'rodízio' não acarreta a violação ao direito de locomoção, considerando

que o impetrante pode cumprir seus compromissos utilizando-se de

transporte coletivo, de táxis e mesmo de outro veículo, nos dias do

impedimento. (TJSP, AC 0378855/1-00, Rel. Des. Ribeiro Machado, j.

18.08.1998)

199 NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constituição,

2003, pp. 129 e 130: Com

idêntico sentido, é necessário, também, distinguir entre o direito

principal — aquele que a interpretação permite concluir ser o sentido

primário de garantia visado pela norma de direito fundamental,

independentemente da possibilidade da sua perspectivação estilizada em

cada uma das faculdades ou pretensões nele contidas — e os direitos

instrumentais, ou seja, os direitos que se destinam a proteger, concretizar,

tornar possível ou a garantir um exercício optimizado ou adequado do

direito principal, a afastar os perigos ou ameaças que sobre ele impendem

134

35

tados pelo conflito é necessário apurar as possibilidade

 

de

realização do efeito pretendido pelos diversos grupos de

enunciados normativos e o grau de restrição que cada uma

dessas possibilidades impõe sobre os diferentes enunciados

mente será possível, no mundo real, conceber uma fórmula

que restrinja igualmente todos os enunciados em disputa,

mesmo porque inexiste um instrumento de medida capaz

de verificar se há ou não igualdade de restrição em rela-

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envolvidos (como já se havia afirmado ao tratar da segunda

fase da ponderação).

É certo que apenas conceber essas diferentes possibili-

dades não soluciona o problema; cada uma delas produzirá

um grau de restrição diferenciado sobre os elementos em

disputa e de qualquer modo será preciso decidir qual delas

deve ser escolhida. De toda sorte, a idéia de concordância

prática já oferece uma diretriz geral para essa escolha, que

pode ser enunciada nos seguintes termos: o intérprete deve

escolher a solução que produz o melhor equilíbrio, impon-

do a menor quantidade de restrição à maior parte de ele-

mentos normativos em discussão.

Embora a diretriz que se acaba de enunciar seja útil em

muitos casos, ela enfrenta duas limitações principais que

não devem ser desconsideradas. Em primeiro lugar, dificil-

ou a reconstruir a situação anterior a uma lesão verificada no seu âmbito

de protecção ou, na impossibilidade dessa reconstrução, a compensar o

titular por danos sofridos. (...) Logo, na norma constitucional do art. 24°

('a vida humana é inviolável'), se, para além dos deveres jurídicos

objectivos que dela resultam para o Estado, considerarmos que há

também um 'direito à vida', então, o direito principal será o direito de

cada um a ter uma vida. Este direito principal é integrado por um

conjunto de faculdades ou pretensões como, por exemplo, a de não ver a

sua vida afectada, a de não ser privado da própria vida, 'a ter' uma vida em

condições mínimas de dignidade, a, eventualmente, dispor da própria

vida. Qualquer uma destas pretensões ou direitos especiais encontra-se,

relativamente ao direito principal, numa relação de especialidade, de

concretização ou de conformação, pelo que podemos dizer constituírem,

cada um deles, elementos integrantes do próprio direito principal, mas

que, simultaneamente, podem ser considerados autonomamente como

direitos fundamentais.

ção a todos os elementos normativos. Em segundo lugar, e

mais importante, alguns elementos normativos poderão ter

maior relevância em abstrato ou em concreto do que ou-

tros, e sua restrição, mesmo que pequena, seria ainda assim

inaceitável.

Retome-se o exemplo descrito no tópico anterior do

rapaz epiléptico que sofre uma crise no plenário do Senado

Federal. A imprensa pretende divulgar o ocorrido e surge o

conflito entre a intimidade e a liberdade de informação e

de imprensa. Cogitou-se, àquela altura, de várias possibili-

dades de solução do conflito: (i) a proibição de divulgação

da história; (ii) a divulgação da história sem menção ao

nome do rapaz ou uso de qualquer imagem que pudesse

identificá-lo; (iii) a divulgação contendo apenas a informa-

ção do nome da pessoa; e (iv) a divulgação com nome e

imagens. Aparentemente, as soluções que produzem o me-

lhor equilíbrio de restrições são as duas intermediárias, isto

é, aquela que autoriza que a história seja contada sem a

exposição do nome ou da imagem do rapaz ou apenas com

a referência ao nome.

Imagine-se agora o mesmo conflito em tese — intimi-

dade v rsus

liberdade de informação e de imprensa — mas

em outra circunstância. Trata-se de Ministro de Estado

qu

é encontrado inconsciente e alcoolizado em uma calçada e

precisa ser internado. As mesmas possibilidades de solução

descritas acima se apresentam aqui, mas parece evidente

que impedir o meio de comunicação de identificar a pessoa

em questão nesse caso — embora se trate igualmente de

intimidade — terá um peso totalmente diverso. As circuns-

137

136

tâncias do caso, qualificadas por outros fatores jurídicos,

atribuem maior relevância a alguns dos elementos em ten-

são. E há ainda hipóteses em que os enunciados em conflito

poderão ter uma relevância diferenciada, mesmo conside-

cia em nenhuma medida de um enunciado válido e perti-

nente em determinado caso, não afastado por qualquer das

exceções admitidas pela ordem jurídica, constitui uma

quebra de sistema e deve, tanto quanto possível, ser evita-

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rados em abstrato: ainda que se pudesse medir uniforme-

mente a restrição a diferentes enunciados normativos, res-

tringir a integridade física de um indivíduo é por certo di-

ferente de restringir o princípio federativo'''.

A observação que se acaba de fazer presta-se a demons-

trar que a diretriz geral puramente lógica da concordância

prática — pela qual a decisão deve recair sobre a solução

que produza a menor restrição possível sobre a maior parte

dos elementos em conflito — não pode ser aplicada isola-

damente, mas precisa ser combinada com parâmetros que

apresentem fundamento normativowl, tema da terceira

parte deste estudo.

Há ainda uma última nota a fazer sobre essa questão. A

despeito do que se acaba de afirmar acerca da concordância

prática, é necessário reconhecer que haverá hipóteses em

que, depois de percorridas as etapas anteriores da pondera-

ção, simplesmente não será possível obter qualquer harmo-

nização dos elementos em disputa: um afastará totalmente

o outro e será preciso escolher entre eles' . A não incidên-

200 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os

direitos fundamentais na

Constituição portuguesa de 1976,

1998, pp. 222 e 223: o principio da

concordância prática não prescreve propriamente a realização óptima de

cada um dos valores em jogo, em termos matemáticos. É apenas um

método e um processo de legitimação das soluções que impõe a

ponderação de todos os valores constitucionais aplicáveis. (...) O princípio

da concordância prática executa-se, portanto, através de um critério de

proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito.

201 HESSE, Konrad.

Elementos de direito constitucional da República

Federal da Alemanha, 1998, p. 67.

202 V. ATIENZA, Manuel.

I os razones dei derecho. Sobre la justificación

da. De toda sorte, quando se tratar de um resultado inevi-

tável, o processo de ponderação continuará a ser uma ferra-

menta importante de ordenação e fundamentação da esco-

lha entre as soluções propugnadas pelos enunciados confli-

tantes.

c Construção do núcleo essencial dos direitos funda-

mentais

Ainda nesta fase de decisão, uma última diretriz a ser

observada pelo intérprete diz respeito ao núcleo ou conteú-

do essencial dos direitos fundamentais. Como se sabe, a

idéia de núcleo ou conteúdo essencial foi introduzida em

várias constituições contemporâneas como uma forma de

proteger os direitos contra a ação do legislador e também,

de certa forma, do aplicador do direito

  3

. Mesmo onde não

de las decisiones judiciales,

Revista Isonomia n°1, 2004, p. 67 e 68. Como

se verá adiante, isso acontece mais freqüentemente com regras.

203 Constituição Alemã, art. 19: 1. Quando, segundo esta Lei

Fundamental, um direito fundamental for restringido por lei ou em

virtude de lei, essa lei será aplicada de maneira geral e não apenas para um

caso particular. Além disso, a lei deverá especificar o direito fundamental

afetado e o artigo que o prevê. 2. Em hipótese nenhuma um direito

fundamental poderá ser afetado em sua essência. 3. Os direitos

fundamentais se aplicarão igualmente as pessoas jurídicas nacionais, na

medida em que a natureza desses direitos o permitir. (...)

Constituição Portuguesa, art. 18: 3. As leis restritivas de direitos,

liberdades e garantias têm de revestir caracter geral e abstracto e não

podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do

conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

138

39

há uma previsão formal nesse sentido, como no Brasil, en-

tende-se que os direitos fundamentais não podem ser res-

tringidos (pelo legislador ou pelo juiz) a ponto de se torna-

rem invólucros vazios de conteúdo, sobretudo em sistemas

Paralelamente a essa garantia ao núcleo, admite-se cor-

rentemente na prática jurídica que os direitos possam so-

frer conformações

2 5

(mesmo porque o sentido e os contor-

nos precisos dos direitos não decorrem automaticamente

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

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onde desfrutem do

status

de cláusulas pétreas

2 4

.

Constituição Espanhola, art. 53: 1. Los derechos y libertades

reconocidos en el Capítulo segundo dei presente Titulo vinculan a todos

los poderes públicos. Sólo por ley, que en todo caso deberá respetar su

contenido esencial, podrá regularse el ejercicio de tales derechos y

libertades que se tutelarán de acuerdo con lo previsto en el artículo 161,

I , a).

Declaração de Direitos da África do Sul (Bill of Rights), art. 36: (1)

The rights in the Bill of Rights may be limited only in terms of law of

general application to the extent that the limitation is reasonable and

justifiable in an open and democratic society based on human dignity,

equality and freedom, talcing into account all relevant factors, including

the nature of the right; the importance of the purpose of the limitation

;

the nature and extent of the limitation; the relation between the

limitation and its purpose; and less restrictive means to achieve the

purpose. (2) Except as provided in subsection (1) or in any other

provision of the Constitution, no law may limit any right entrenched in

the Bill of Rights.

Constituição do Timor Leste, art. 24: 1. A restrição dos direitos,

liberdades e garantias só pode fazer-se por lei, para salvaguardar outros

direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e nos casos

expressamente previstos na Constituição. 2. As leis restritivas dos

direitos, liberdades e garantias têm, necessariamente, carácter geral e

abstracto, não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo

essencial dos dispositivos constitucionais e não podem ter efeito

retroactivo.

Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, art. 52: 1:

'Any limitation on the exercise of the rights and freedoms recognised by

this Charter must be provided for by law and respect the essence of those

rights and freedoms. Subject to the principie of proportionality,

limitations mar be made only if they are necessary and genuinely meet

objectives of general interest recognised by the Union or the need to

protect the rights and freedoms of others.

204 Como é o caso da Constituição brasileira de 1988, art. 60, § 4°, IV.

140

205 Ainda que com fundamento em argumentações variadas, como já se

referiu ao tratar das teorias sobre os limtes imanentes e o

conceptualismo. Para parte dos autores que tratam do assunto, ao

regulamentar o exercício do direito o legislador poderá explicitar limites

imanentes, independentemente de expressa previsão constitucional. V.

sobre o assunto STEINMETZ, Wilson Antônio.

Coisãodedretos

fundamentaiseprincpoda proporconalidade

2001

 

p 60 e ss ;

NOVAIS, Jorge Reis.

Asrestriçõesaosdretosfundamentaisnão

expressamenteautorizadaspea Constitução

2003; e SERNA, Pedro e

TOLLER, Fernando.

La interpretacón constituconal delos derechos

fundamentaes— Una aternativa a losconflicosdederechos

2000.

206 Como já advertiam, com parcela de razão, os conceptualistas, para

quem o conceito do direito não se confunde com o texto que o prevê, mas

depende de uma elaboração teórica que leve em conta, dentre outros

elementos, a formação histórica do direito, seus fins, os demais elementos

do sistema jurídico etc. Veja-se mais sobre esse assunto

no Capítulo III.

207 Como já se expôs no Capítulo III, será bastante difícil distinguir,

antes do fim do processo herinenêutico, o que é conformação e o que é

restrição, embora alguns autores considerem a distinção relevante. V.

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os

dretosfundamentaisna

Constituçãoportuguesa de1976 1998, p. 230 e ss..

141

do texto que os preveo

até mesmo algum grau de restri-

ção, tendo em conta conflitos específicos envolvendo direi-

tos entre si ou direitos e enunciados que consagram fins

coletivos

2 7

. Da conjugação desses dois elementos tem-se a

seguinte conclusão: não se pode admitir que conformações

ou restrições possam chegar a esvaziar o sentido essencial

dos direitos, que, afinal, formam o conjunto normativo de

maior fundamentalidade, tanto axiológica, quanto norma-

tiva, nos sistemas jurídicos contemporâneos. Nesse senti-

do, o núcleo deve funcionar como um limite último de

sentido, invulnerável, que sempre deverá ser respeitado.

Essa, portanto, é a terceira diretriz a ser observada pelo

intérprete: a decisão que vier a ser apurada no processo de

ponderação não poderá violar o núcleo dos direitos funda-

mentais. Ou, em outras palavras, as prerrogativas contidas

pectivamente, teorias do

núceoduro

e teorias do núceo

flexíve.

As teorias absolutas ou do

núceoduro

sustentam duas

concepções principais acerca do conteúdo essencial dos di-

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no núcleo ou consideradas essenciais ao direito devem ser,

em qualquer caso, respeitada0

. Mas a questão realmente

importante aqui é a seguinte: o que é, afinal, o núcleo de

cada direito fundamental? Onde encontrar a descrição des-

sas prerrogativas essenciais e desses contornos?

Não cabe aqui examinar as diferentes discussões teóri-

cas que o tema tem suscitado na doutrina estrangeira e

nacional. Basta identificar uma distinção corrente entre

dois grupos de concepções sobre o assunto  9

: as teorias

absolutas e as teorias relativas, denominadas também, res-

208 Trabalha-se aqui com a idéia de núcleo como garantia da dimensão

subjetiva dos direitos, isto é, como uma proteção do indivíduo na

qualidade de titular desses direitos, e não como mecanismo de

preservação do enunciado objetivo e abstrato, pelo qual seu papel seria

apenas o de proteger o enunciado de modificações em sua redação. Sobre

esta distinção, v. CANOTILHO, J. J. Gomes.

Diretoconstituconal e

teoria da Constituição

1998, p. 430 e ss.; e ANDRADE, José Carlos

Vieira de.

Osdretosfundamentaisna Constituçãoportuguesa de1976

1998, p. 230 e ss..

209 É certo que cada autor, dentro dos grupos identificados, apresenta

sua concepção particular do tema, mas não há necessidade de abordar

aqui as especificidades das diferentes teorias. V. sobre o tema GAVARA

DE CARA, Juan Carlos.

Derechos fundamentales ydesarrololegslativo

La garantia de contendoesencal delosderechosfundamentalesenla Ley

Fundamental deBonn

1994; LOPES, Ana Maria D Ávila. Os

dretos

fundamentaiscomolimtesaopoder delegslar

2001; BARROS, Suzana

de Toledo. O

princpod proporcon lid deeocontroede

constituconalidadedas les restritivas dedretos fundamentais

1996; e

MELO, Sandro Nahmias.

A garantia doconteúdoessencal dos dretos

fundamentais

Revista de Direito Constitucional e Internacional n° 43.

pp. 82 a97, 2003.

142

reitos, ambas intimamente relacionadas. Para essas teorias,

o núcleo de cada direito corresponde a um conteúdo nor-

mativo que não pode sofrer restrição ou ser relativizado em

nenhuma circunstância e, por isso mesmo, esse conteúdo

deve ser delimitado em abstrato para cada direito. De acor-

do com essa concepção, portanto, antes mesmo de iniciar

um processo de ponderação, o intérprete já saberá que

prerrogativas dos direitos envolvidos não podem ser res-

tringidas, de modo que há um limite objetivo e pré-estabe-

lecido para sua atuação. Os críticos apontam duas grandes

objeções a essa forma de conceber o núcleo dos direitos.

Em primeiro lugar, afirmam que esse núcleo abstrato não

existe pronto em lugar algum, de modo que é uma ficção

imaginar que o intérprete tem como conhecê-lo antecipa-

damente. Ademais, a idéia do núcleo duro acabaria por

desvalorizar os elementos do direito localizados fora do nú-

cleo.

As chamadas teorias relativas, por sua vez, sustentam

que o conteúdo essencial de um direito só pode ser visuali-

zado diante do caso concreto e que, portanto, apenas de-

pois da ponderação será possível identificar o que é afinal o

núcleo. Não se pode falar, assim, de um conteúdo abstrato

que não possa sofrer restrições; esse conteúdo será identi-

ficado caso a caso, em função das circunstâncias da hipóte-

se examinada. A crítica central às teorias relativas ou do

núcleo flexível é a de que elas destroem a proteção dos

direitos que a idéia de núcleo deveria assegurar, na medida

em que ela acaba por se confundir e ser dissolvida na pró-

pria noção de ponderação. Se o conteúdo essencial deveria

143

funcionar como um limite à ponderação, como ele poderá

ser um resultado dela?

Diante do quadro que se acaba de descrever, permane-

ce a questão: qual diretriz deve ser seguida afinal pelo in-

como se o sentido dos conceitos jurídicos não variasse em

função da compreensão histórica dos fenômenos sociais.

O que se acaba de registrar, porém, não significa que a

impossibilidade de se atingir o ideal das teorias absolutas

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térprete na fase decisória da ponderação? De acordo com

as teorias relativas, não haverá diretriz alguma, já que ape-

nas após a ponderação é que se descobrirá o núcleo dos

direitos fundamentais. Do ponto de vista operacional, essas

teorias reduzem a pouco mais que nada o conceito de nú-

cleo de direito ou conteúdo essencial, uma vez que ele já

não serve de qualquer tipo de balizamento ou limite para o

intérprete no momento decisório.

As teorias absolutas, por sua vez, fornecem uma dire-

triz teoricamente consistente, mas a verdade é que não

existe pronto, à disposição do aplicador, um manual com a

descrição do núcleo de cada direito fundamental. Mais que

isso, parece realmente impossível (e mesmo inconvenien-

te) que se possa delinear esse núcleo de forma absoluta —

dura — e permanente, como se fosse humanamente viá-

vel formular um juízo

ali things considered

2

capaz de

antever e considerar todos os elementos relevantes, ou

210 PECZENIK, Alelcsander. On

LawandReason,

1989, pp. 76 e 77: A

practical statement is definitive only if by uttering it one declares that one

no longer is prepared to pay attention to reasons which justify the

contrary conclusion. Our culture demands that definitive moral

statements are all-things-considered moral statements. In order to state

this demand more precisely, one needs the followng distinction. A

practical statement has the all-things-considered quality sensu stricto if

and only if it has support of considerations regarding (a) ali morally

relevant circumstances, that is, ali facts relevara in practical reasoning

about ethics, utilitarian moralily, moral principies, rights and duties,

virtues, justice etc., and (b) ali criteria of coherent reasoning. No human

being has resources sufficient to formulate all-things-considered

statements sensu stricto. (grifos no original)

144

condene o intérprete e os jurisdicionados às teorias flexí-

veis ou relativas. E perfeitamente possível e desejável, por

meio da reflexão abstrata e/ou do estudo e tabulação dos

precedentes judiciais, que a doutrina se ocupe de construir

os sentidos próprios de cada direito, propondo parâmetros

ou

standards

específicos capazes de identificar o que deve

ser considerado como prerrogativa essencial de cada direi-

to, o que pode sofrer restrição, em que circunstâncias isso

pode acontecer, dentre outros elementos necessários para

a compreensão mais precisa dos direitos

 

. Esse esforço

hermenêutico contínuo não produzirá um núcleo duro nem

permanente ou não-histórico, mas fornecerá um núcleo su-

ficientemente consistente para funcionar como limite à

atuação do intérprete e proteger em alguma medida os di-

reitos fundamentais de ações arbitrárias e abusivas. O pró-

211 Em decisão proferida em junho de 1995 a Corte Constitucional da

República Sul Africana

TheStatev. T. MakwanyaneandM Mchunu

Case n° CCT/ 3/94) considerou a pena de morte incompatível com a

dignidade humana e especialmente com o direito à não submissão a penas

desumanas e cruéis (a Constituição Sul Africana definitiva entrou em

vigor apenas em 07.02.97, mas desde 27.04.94 vigia uma Constituição

Interina . Na ausência de um conjunto próprio de decisões capaz de servir

de parâmetro, uma vez que o Tribunal Constitucional fora instalado

apenas no fim de 1994, a Corte valeu-se do que identificou como

jurisprudência comparada dos direitos fundamentais , empregando para

isso os critérios construídos pela jurisprudência do Canadá dos Estados

Unidos, da Alemanha, da índia e da Corte Européia dos Direitos

Humanos sobre o assunto. V. HOFFMAN, Florian.

Jurisdição processoe

argumentaçãona orte onstituconal da

África

doSu nocaso

paradigma

Leadingcase) TheStatev. T. MakwanyaneandM. Mchunu

 1995) [Proibçãoda pena demorte] , 1999.

145

ximo capítulo e o último retomam o tema da construção de

standards

específicos para os diversos enunciados normati-

vos, sobretudo para aqueles que prevêem direitos, incluin-

do a delimitação de seu núcleo essencial.

ponderativo acontecendo em um outro ambiente. Na ver-

dade, mais que possível, é desejável que a ponderação se

desenvolva também antes do surgimento do caso concreto.

Na medida em que a ponderação vai sendo forjada em abs-

trato ou preventivamente, por meio da discussão de casos

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Em suma: após identificar os enunciados normativos

em tensão e as diferentes normas que eles podem justificar

primeira fase) e selecionar os aspectos fáticos relevantes

segunda fase), o intérprete chega à etapa decisória da po

 

deração. Neste momento, o aplicador precisará de parâme-

tros propriamente jurídicos para orientar suas escolhas

que, no entanto, não são fornecidos pela técnica da ponde-

ração em si. De toda sorte, antes mesmo desses parâme-

tros, três diretrizes devem ser consideradas pelo intérpre-

te: i) qualquer decisão deve poder ser generalizada para

casos equiparáveis pretensão de universalidade), assim

como a argumentação empreendida deve utilizar uma ra-

cionalidade comum a todos; ii) sempre que possível o in-

térprete deve produzir a concordância prática dos enuncia-

dos em disputa; e iii) a decisão a ser produzida deve res-

peitar o núcleo dos direitos, ainda que um núcleo apenas

consistente, e não duro.

VI. Ponderação preventiva ou abstrata e real ou

concreta

Os tópicos anteriores foram ocupados com o exame de

algumas críticas à ponderação e com a proposta de uma

ordenação para o uso dessa técnica. Antes de prosseguir,

contudo, é importante fazer um registro. Como já se obser-

vou, tanto críticos como defensores da técnica discutem o

tema tendo em mente a chamada ponderação

ad hoc

isto

é, aquela feita pelo juiz diante de um caso concreto que ele

deverá decidir. E possível, no entanto, visualizar o processo

hipotéticos ou passados, o juiz terá balizas pré-fixadas

quando se defrontar com casos reais. Esse conjunto de

idéias conduz à formulação de dois momentos para a pon-

deração ou de duas modalidades de processo ponderativo,

que podem ser denominadas ponderação preventiva ou

abstrata e ponderação real ou concreta. Explica-se melhor.

A imagem que em geral está associada à idéia de ponde-

ração no meio jurídico é a do magistrado posto diante de

um complexo caso concreto para o qual não há solução

pronta no ordenamento ou, pior que isso, para o qual o

ordenamento sinaliza com soluções contraditórias diante

das quais caberá a ele decidir o que fazer: ninguém pode

ajudá-lo e não há a quem recorrer.

O cenário que se acaba de descrever corresponde, sem

dúvida, a um momento da técnica da ponderação, mas ape-

nas a um, ou a uma das formas possíveis de sua manifesta-

ção. Tanto assim que é possível imaginar uma outra cena.

Um grupo de acadêmicos se encontra para debater a tensão

potencial que existe entre,

e.g.

a liberdade de reunião e

manifestação pública

 

, de um lado, e bens coletivos rela-

cionados com a tranqüilidade, a saúde e a livre circulação

das demais pessoas, de outro. No encontro, diversos ques-

tionamentos podem ser formulados na tentativa de demar-

car o conteúdo específico de cada enunciado e as fronteiras

de convivência entre eles. A liberdade de reunião e mani-

festação pública exige que essas reuniões possam ser feitas

em qualquer local da cidade inclusive,

e.g.

próximo a hos-

212 Consagrada, no Brasil, no art. 5°, XVI, da Constituição.

146

47

O exercício descrito acima é também uma forma de

ponderação; apenas se trata de uma ponderação em abstra-

to ou preventiva. Na verdade, muitos conflitos normativos

de natureza constitucional podem ser antecipados com o

auxílio de situações hipotéticas: livre iniciativa

versus

pro-

pitais)? A autoridade pública pode definir que as

manifestações públicas sejam feitas apenas em determina-

dos locais? A autoridade pública pode exigir que o evento

se realize em local amplo e onde haja fácil transporte, mas

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teção do consumidor e proteção do meio ambiente; liber-

dade de informação e de imprensa

versus

intimidade, hon-

ra e vida privada, dentre muitos outros. Da mesma forma,

a observação e a contínua experiência com a interpretação

e aplicação desses dispositivos produz uma espécie de ban-

co de dados formado por situações típicas e elementos de

fato relevantes, em função dos quais é possível, mesmo em

tese, isto é, independentemente de um caso concreto espe-

cífico, proceder a um raciocínio de natureza ponderativa

para propor parâmetros. Um exemplo ajuda a esclarecer a

idéia.

30.09.1960 (Presidente da Corte o Mia Nelson Hungria), considerou

válido ato de Secretaria de Segurança estadual que fixou locais onde

poderiam se realizar comícios eleitorais, uma vez que a finalidade do ato

seria a preservação do interesse público com a manutenção das condições

de trânsito da cidade. O mesmo TSE, na Resolução n° 14526/1994,

definiu que a realização de comícios não está restrita ao horário de

propaganda eleitoral disciplinado pelo Código Eleitoral, devendo os

partidos e coligações observarem apenas a designação dos locais

adequados e a comunicação às autoridades policiais com no mínimo 24

horas de antecedência, nos termos da Lei n° 1207/1950. Autoridades de

trânsito portuguesas determinaram a manifestante, que obstruía o

trânsito em determinada ponte da cidade comum veículo, que retirasse o

veículo do local, mas não foram obedecidos. O Tribunal de Relação de

Lisboa entendeu que houve crime de desobediência na hipótese, alegando

que, embora previstas na Constituição, as liberdades de manifestação e

reunião não podem colidir com outros direitos fundamentais dos

cidadãos, dentre os quais o de livre circulação (número do documento

RL199610160007333, Rel. Diniz Alves, j. 16.10.1996). O Tribunal

Constitucional da Espanha também já examinou hipóteses semelhantes

(STC 59/1990 e 66/1995).

149

longe das regiões centrais da cidade? As manifestações pú-

blicas podem realizar-se em qualquer horário? A autorida-

de pública pode impor horários específicos para sua realiza-

ção? A natureza da manifestação — se se trata de uma ma-

nifestação de natureza política, artística, comercial ou de

qualquer outro tipo — terá alguma influência no nível

maior ou menor de restrição que se poderá admitir sobre a

liberdade em questão?

O debate acadêmico pode ser enriquecido se às ques-

tões descritas acima forem agregadas informações acerca

dos pronunciamentos jurisprudenciais na matéria. O Su-

premo Tribunal Federal, e.g.

no julgamento da ADIn no

1969-4/DF (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 05.05.2004) sus-

pendeu, em sede cautelar, decreto autônomo que proibia a

utilização de carros ou aparelhagem de som em manifesta-

ções realizadas em determinadas áreas do Distrito Federal

(Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios e Praça

do Buriti). O voto do Relator, embora admitindo que o

direito de manifestação não tem viés absoluto, considerou

que a restrição pretendida esvaziaria a garantia constitucio-

nal, afetando a manifestação do pensamento e as conquis-

tas democráticas. O Plenário do Tribunal discutiu ampla-

mente questões como limitações geográficas, uso ou não de

aparelhos de amplificação de som, controle prévio ou ape-

nas repressivo de abusos, a cargo de autoridades públicas,

dentre outros aspectos .

213 Há outras decisões sobre o assunto na jurisprudência brasileira e

estrangeira que podem enriquecer ainda mais o debate. Seguem alguns

exemplos. O Tribunal Superior Eleitoral, em decisão proferida em

148

Suponha-se o conflito entre liberdade de informaçã

o

e

de imprensa v rsus

intimidade, honra e vida privada. É pos-

sível examinar alguns elementos freqüentement

 

encon-

trados nesse ambiente e formular questões diversas: (i)

quem se encontra em local público está em sua esfera pes-

ao aplicador pela ponderação em abstrato acabam por

transformar muitos conflitos normativos, que seriam casos

difíceis, em fáceis, simplesmente porque já há um modelo

de solução que lhes é aplicável. Nem sempre, todavia, os

parâmetros concebidos em abstrato serão capazes de solu-

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soal de intimidade? (ii) Atos considerados criminosos per-

tencem à esfera de privacidade ou podem/devem ser de-

nunciados à opinião pública? (iii) A informação verdadeira

e obtida de forma licita pode ser proibida? (iv) A proteção

à vida privada de titulares de cargos eletivos e artistas é

menor que a assegurada a cidadãos comuns?

A partir das respostas sugeridas a essas questões, pode-

se então propor um conjunto de soluções ponderativas pré-

fabricadas,

e.g.:

se a informação é verdadeira, foi obtida de

forma licita, envolve a prática de crime e o indivíduo é

titular de mandato eletivo, não se poderá impedir a divul-

gação dos fatos invocando proteção à intimidade'''. Como

é fácil perceber, esses modelos de solução foram construí-

dos por meio de uma ponderação feita em abstrato ou pre-

ventivamente e servem de parâmetros para o aplicador no

momento em que este se debruçar sobre casos concretos.

Note-se, porém, um ponto importante. Uma vez que as

circunstâncias fáticas imaginadas pela doutrina se reprodu-

zam no caso real, ou se repitam hipóteses já verificadas

anteriormente, o juiz terá à sua disposição modelos de so-

lução pré-prontosm. Na verdade, os subsídios oferecidos

214 Sobre o tema, v. BARROSO, Luís Roberto.

Colisão entre liberdade

de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação.

Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de

Imprensa,

Revista de Direito Administrativo n° 235, 2004, pp. 1 a 36.

215 SANCHIS, Luis Prieto. Neoconstitucionalismo y ponderación

judicial .

In

CARBONELL, Miguel (organizador).

Neoconstitucionalimo s),

2003, pp. 145 e 146: La ponderación se

configura, pues, como un paso intermedio entre /a declaraci6n de

cionar adequadamente um conflito normativo concreto. É

perfeitamente possível imaginar situações em relação às

quais modelos elaborados em abstrato não se adaptam, seja

porque nenhuma das formulações em tese existentes é per-

tinente, seja porque detalhes fáticos que se apresentam

agora como importantes não foram cogitados antes, seja

por outra razão qualquer que não se é capaz de antecipar'''.

Nesses casos, para além da aplicação dos parâmetros,

será necessária uma ponderação específica, particular para

aquela hipótese

m

: um modelo de alta costura, cosido sob

relevancia de dos principios en conflicto para regular

prima facie

un cierto

caso y la construcción de una regia para regular

en definitiva

ese caso;

regia que, por cierto, merced ai precedente, puede generalizarse y

terminar por hacer innecesaria la ponderación en los casos centrales o

reiterados. ; e SCACCIA, Gino. II

bilanciamento degli interessi coMe

tecnica di controlo costituzionale,

Giurisprudenza constituzionale, vol.

VI, 1998, p. 3966 e ss..

216 A verdade é que, algumas vezes, a complexidade de determinados

conflitos concretos exigirá um exame particular. V. BUCHANAN, G.

Sidney.

Accommodation of Religion in the Public Schools: a Plea for

Careful Balancing of Competing Constitutional Values,

University of

California Law Review, vol. 28, 1981, p. 1047: Finally, as applied in the

public school setting, a 'weighing of values' approach better enables

courts to disentangle 'the complexity of strands' in the accommodation

inquiry, thereby avoiding, in this area of constitutional law, 'the perils

that are latent in 'a jurisprudence' of absolutes.

217 STEINMETZ, Wilson Antônio.

Colisão de direitos fundamentais e

princípio da proporcionalidade,

2001, p. 143: Esses pressupostos

indicam que a ponderação de bens deve ser uma ponderação concreta de

bens. A norma de decisão não resulta de uma ponderação abstrata de

bens, consistente na comparação dos direitos ou bens com base em uma

150

51

medida, e não um modelo prêt-a-porter.

Trata-se do qu

e

se identificou aqui como ponderação em concreto ou real.

Não será mais o caso de uma simples ponderação

ad hoc

na

qual o juiz conta apenas com o seu próprio bom senso para

solucionar o conflito; ao contrário, haverá um conjunto im-

são levadas a cabo a partir de informações padronizadas

que em um caso real poderão se apresentar de maneira

diversa, cabendo ao aplicador proceder aos ajustes necessá-

rios

n

Basta retomar um exemplo já descrito para perceber a

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portante de

standards

públicos a sua disposição e, mais que

isso, caberá a ele justificar de forma específica por que os

standards existentes não são adequados para aquele caso

concreto ou merecem algum tipo de adaptação.

Aqui será útil resgatar a distinção entre

norma e

enun-

ciado normativo

observada na primeira parte do estudo.

Na verdade, a distinção ajuda a compreender a convivência

da ponderação em abstrato ou preventiva com a desenvol-

vida diante dos casos concretos. Em primeiro lugar, ainda

no âmbito da ponderação em abstrato, é relevante perceber

que a norma aplicável a um caso paradigmático ou a uma

situação-tipo constitui fenômeno diverso do enunciado

normativo em si. Por outro lado, já considerando a ponde-

ração em concreto ou real, se as normas concebidas em tese

pela doutrina e pela jurisprudência a partir dos enunciados

existentes e/ou do sistema como um todo não forem capa-

zes de solucionar o conflito verificado no caso concreto,

este, com suas sutilezas e particularidades, vai fornecer ao

aplicador subsídios para uma nova regulagem do processo

ponderativo e, conseqüentemente, para a construção da

norma adequada a ele. Lembre-se que na ponderação em

abstrato a atribuição de pesos e todas as demais avaliações

hierarquia ou em uma escala prévia. Contudo, isso não impede que o

operador do Direito, previamente à aplicação da ponderação concreta de

bens, possa fazer uma ponderação abstrata apenas com finalidades

heurísticas, como por exemplo, para verificar se há uma colisão real

(autêntica) ou se há uma carga argumentativa a favor de um dos direitos

em colisão.

relevância das circunstâncias do caso para a ponderação.

Imagine-se um esforço doutrinário para construir, em abs-

trato, parâmetros capazes de balizar conflitos que se verifi-

quem entre o direito à integridade física e o direito à honra.

A primeira dificuldade, facilmente percebida, reside na

circunstância de esse tipo de conflito não ser freqüente e,

portanto, inexistirem casos típicos nos quais ele possa ser

observado. De toda sorte, é possível cogitar de uma hipóte-

se: um indivíduo pretende agredir fisicamente outro pelo

fato de este haver ofendido sua honra de forma que julga

grave. Em um exame preliminar, parece evidente que o

direito à integridade física deverá prevalecer sobre a forma

(agressão física) por meio da qual o ofendido pretende ob-

ter a reparação pelo ataque sofrido. No caso Glória Trevi,

referido acima, porém, a solução foi exatamente a inversa.

Como registrado, no caso Glória Trevi, o próprio Su-

premo Tribunal Federal destacou que as circunstâncias

particulares do caso — interferência diminuta na integrida-

de física da mãe e do menor (o material orgânico foi retira-

do da placenta) e a repercussão das acusações perpetradas

pela mãe aos servidores públicos — tiveram papel decisivo

no peso atribuído a cada uma das disposições constitucio-

nais em confronto. Diante de outras circunstâncias,

e.g.

se

a acusação de estupro tivesse sido conhecida por pequeno

218 PECZENIK, Aleksander. On

Law and Reasan

1989, p. 251: The

all-things-considered law is an idealisation. In practice, nobody can

consider ali things. But the more the interpreted law approximates the

all-things-considered law, the better the interpretation.

152

153

grupo de pessoas ou se fosse necessário efetivamente co-

lher material orgânico do recém nascido, talvez a decisão

do STF — isto é, a norma própria ao caso concreto -- fosse

diferente.

Uma vez que se proceda a uma ponderação em concre-

partir das conclusões dessa ponderação preventiva, é possí-

vel formular parâmetros específicos para orientação do

aplicador quando ele esteja diante dos casos concretos.

Evidentemente, o aplicador estará livre para refazer a

ponderação, considerando agora os elementos da hipótese

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to, a solução adotada no caso poderá aprimorar o modelo

geral formulado pela ponderação em abstrato. Isto é, o mo-

delo geral poderá incorporar os novos dados fáticos que se

verificaram no caso concreto, assim como a solução a que

se chegou em função deles, de tal modo que, caso eles se

reproduzam em situação análoga, não será mais necessário

recorrer à ponderação no caso concreto: a ponderação em

abstrato já será capaz de fornecer o modelo adequado. Por

natural, para que a ponderação em concreto possa alimen-

tar a ponderação em abstrato de informações é preciso que

as soluções adotadas em cada caso possam ser universaliza-

das'''. O tema da pretensão de universalidade das decisões

já foi examinado no tópico anterior.

Em suma: há, na realidade, dois níveis possíveis de aná-

hse quando se trata de ponderação. É possível, primeira-

mente, percorrer em abstrato ou preventivamente todas as

etapas do processo descrito no capítulo anterior, isto é,

considerar apenas situações-tipo de conflito (imaginadas

e/ou colhidas da experiência) tanto no que diz respeito aos

enunciados envolvidos, como no que toca aos aspectos de

fato. Tudo isso sem que se esteja diante de um caso real. A

219 NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constituição

2003, p. 945: O modelo

da ponderação de bens, quando os resultados obtidos não se orientarem à

formulação de regras generalizáveis ou a metodologia não for estruturada

segundo

standards

de controlo constringentes, é totalmente imprevisível

(...) e acentua o subjectivismo e discricionaridade do exercício da justiça

constitucional.

real, toda vez que esses parâmetros não se mostrarem per-

feitamente adequados. De toda sorte, caberá ao intérprete

o ônus argumentativo de demonstrar por que o caso por ele

examinado é substancialmente distinto das situações-tipo

empregadas na ponderação preventiva. Isto é: o juiz deverá

mostrar por que os parâmetros por ela sugeridos — cuja

legitimidade decorre de haverem sido concebidos e discu-

tidos publicamente e de serem aceitos racionalmente de

forma geral — não devem ser aplicados à hipótese. O obje-

tivo deste tópico era apenas identificar o fenômeno da pon-

deração preventiva ou abstrata, destacar suas potencialida-

des e distingui-lo da ponderação real ou concreta. O tema

específico dos parâmetros é objeto dos próximos capítulos.

155

154

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PARTE III

Nos tópicos anteriores procurou-se conferir melhor or-

dem metodológica à ponderação na qualidade de técnica

hermenêutica. Por isso se tratou das etapas que o intérpre-

te deve percorrer, dos cuidados a tomar e dos elementos a

considerar. Nada obstante isso, e como também já se refe-

riu, a ponderação continua a ser uma técnica vazia de senti-

do material, apenas um instrumento de organização do

pensamento e do processo decisório, o que, embora seja

importante e irti1  

, não é suficiente. O objetivo desta ter-

ceira parte do estudo é formular parâmetros juridicamente

220 ALEXY, Robert.

Teoria da argumentaçãojurídca

2001, p. 224:

No entanto, a exigência de justificação interna não é vã. No curso da

justificação interna se torna claro quais premissas têm de ser

externamente justificadas. Pressuposições que caso contrário

permaneceriam ocultas têm de ser explicitamente formuladas. Isso

aumenta a possibilidade de reconhecer erros e de criticá-los. Finalmente,

articular regras universais facilita a consistência da tomada de decisão e,

assim, contribui para a justiça e a segurança jurídica.

157

fundamentados que, associados à técnica propriamente

dita, poderão orientar o intérprete em seu ofício'. Antes

de apresentar esses parâmetros, é preciso fazer duas

observações preliminares, expostas nos itens que seguem.

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221

TORRE, Maximo La.

Theories of Legal rgumentation and Concepts

of Law. An Approximation

Ratio Juris, vol. 14, n°4, 2002, p. 380: "But

practical reason, the reason that justifies value judgements ar deontic

statements, does not precisely coincide with theoretical reason. This is

because experiential data and logical operations are not enough to supply

us with indications of preference and guides to action. There is a need

or

a further type of premise, for criteria ar normative principies.; e ÁV1LA,

Humberto.

Teoria dos princípios

2003, p. 86: "E preciso estruturar a

ponderação com a inserção de critérios."

158

VII. Algumas notas sobre

os parâmetros

VII. . Parâmetros preferenciais

Antes de propor qualquer espécie de parâmetro para a

ponderação, cabe responder a uma pergunta relevante.

Considerando a importância que os elementos do caso con-

creto têm para a ponderação, e tendo em conta que muitas

vezes as particularidades de cada caso é que vão determinar

sua solução, é possível e/ou útil estabelecer afinal algum

parâmetro? A resposta, já se adianta, é afirmativa, por um

conjunto de razões.

A relação extremamente próxima que há entre a pon-

deração e o caso concreto concentra, ao mesmo tempo, a

força e a fragilidade dessa técnica de decisão jurídica. E sua

força porque, como referido, fornece ao intérprete um ins-

trumento poderoso, capaz de resolver casos para os quais

não há solução pré-fabricada no ordenamento. Por outro

lado, como também já se examinou nos capítulos iniciais,

não parece compatível com a idéia de Estado de direito ou

com a opção por uma Constituição rígida autorizar que boa

159

parte da interpretação e aplicação das disposições constitu-

cionais (incluindo os direitos fundamentais) seja definida

em função de juízos exclusivamente pessoais (bem ou mal

intencionados), puramente casuísticos e que, muitas vezes,

serão contraditórios entre si.

sam ser aplicados à moda da subsunção clássica pelo intér-

prete ao caso, até por conta da natureza das hipóteses que

exigem o emprego da ponderação. Quando um parâmetro

normativo formulado em tese puder ser aplicado objetiva-

mente, de forma generalizada e sem maiores dificuldades,

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Com efeito, se o constituinte originário, para retirar

determinadas matérias do alcance das disputas políticas

(matérias que idealmente correspondem a um consenso

social básico), impediu que o constituinte derivado pudes-

se aprovar emendas tendentes a abolir as cláusulas

pé-

treas

dentre as quais os direitos e garantias individuais

(CF, art. 60, § 4°, IV), conferir ao intérprete o poder de

restringir e até mesmo afastar a aplicação de disposições

constitucionais não parece coerente com o sistema consti-

tucional. Aliás, não há razão alguma para supor que o intér-

prete — e aqui em especial o judicial —, diferentemente

dos demais órgãos do Estado, não tenderia a utilizar pode-

res tão amplos de forma abusiva ou arbitrária  

.

Nesse passo, se a ponderação é inevitávelm, por conta

da complexidade da sociedade contemporânea, da estrutu-

ra estatal e da própria Constituição, isso não condena os

cidadãos a dependerem cegamente de cada intérprete e de

suas concepções pessoais. Parâmetros — e aqui se estará

tratando de parâmetros que possam ser juridicamente fun-

damentados — não só podem como devem ser buscados

para balizar e controlar a interpretação jurídica, de modo a

assegurar, ao menos, a aplicação isonômica do direito.

Por outro lado, nem sempre será possível apresentar

parâmetros inteiramente objetivos ou definitivos, que pos-

222 O axioma da ciência política, pelo qual se registra que o detentor de

um poder sem controle ou limites tenderá a empregá-lo abusivamente,

continua válido.

223 Sobre o ponto, v. os capítulos II e III.

160

já não se estará diante de um conflito normativo insuperá-

vel e a ponderação em abstrato terá sido capaz de resolver

a dificuldade. Mas nem sempre será assim. Repete-se, en-

tão, a pergunta inicial deste tópico: é possível e útil, ainda

neste ponto, construir parâmetros? A resposta continua a

ser afirmativa e as observações que seguem ajudam a escla-

recer o porquê.

Os modelos que se passa a discutir não pretendem fun-

cionar como elementos rígdos e imutáveis, mas como pre-

ferências ou parâmetros preferenciais'''. Ao modo das

224 PECZENIK, Aleksander. On

Lauf and Reason

1989, p. 80: One

may assume that individual situations may be classified into moral Pines.

All situations belonging to such a type are weighed in the same way. We

can then say generallv that in the situation of the tvoe Sithe value VI

fulfilled to the extent ei precedes the value v2 fulfilled the extent e2; etc.

Under this assumption, a general mie os a general value-statement can

have a ceteris-oaribus all-things-considered character, in the following

sense: if circumstances remam

n unchanged, that is, nothing new and

morally relevant happens, then one always ought to follow the mie. Or, if

ali morally relevant circumstances remam unchanged, then an object of a

certain type is good etc. (grifos no original); e ALEXY, Robert. On

the

Structure of Legal Principies

Ratio Juris, vol. 13, n° 3, 2000, p. 297: The

collision law expresses the fact that the priority relations between the

principies of a system are not absolute but only conditional or relative.

The task of optimizing is to determine correct conditional priority

relations. The fact that a determination of a conditional priority relation

in accordance with the collision law is always the determinations of a mie

formed on the occasion of the case demonstrates that the respective

leveis of principies and mies are by no means unconnected. To solve a

case by weighing is to decide by means of a mie that is substantiated by

6

presunções, tais parâmetros devem ser observados regular-

mente pelo intérprete. Entretanto, este não estará radical-

mente impedido de afastá-los em um caso concreto, por

razões ' extremamente particulares que sejam capazes de

ilidir a presunção contida nos parâmetros. Nessas circuns-

VII.2. Parâmetros gerais e particulares

Afora o caráter preferencial, referido acima, os parâme-

tros podem ser classificados em dois grupos distintos, e

essa é a segunda observação a fazer sobre o tema antes de

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tâncias, que muitas vezes veiculam até mesmo situações

inevitáveis de ruptura do sistema, como se verá adiante, o

intérprete carregará o ônus especialmente reforçado da

motivação. Caberá a ele demonstrar, de forma analítica, o

porquê de se estar afastando de tais parâmetros.

A despeito de seu caráter preferencial e não absoluto, a

utilidade desses parâmetros parece evidente: juntamente

com elementos de verificação da racionalidade do discurso

jurídico

 

, eles são os únicos instrumentos capazes de con-

trolar em alguma medida as possibilidades quase ilimitadas

que a ponderação oferece. O fato de não ser possível ou

adequado formular parâmetros absolutos e inderrogáveis

não deve impedir a construção e o emprego daqueles que

sejam possíveis e que, na maior parte dos casos, funciona-

rão apropriadamente.

giving priority to the preceding principie. In this respect, principies are

necessarily reasons for rules. ..

225 Sobre a idéia de razões , v. HAGE, Jaap C.

Reasoning with Rules

1997, p. 20 e ss..

226 Alguns desses elementos já foram expostos no texto, corno a

necessidade de os argumentos utilizados serem compartilháveis pela

razão pública e a pretensão de universalidade. A teoria da argumentação

se ocupa do tema especificamente. Sobre o tema, no Brasil, v. MAIA,

Antônio Carlos Cavalcanti. Notas sobre direito, argumentação e

democracia .

In:

CAMARGO, Margarida Maria Lacombe (organizadora).

1988-1998: uma década de Constituição

1999; e SOUZA NETO,

Cláudio Pereira de.

Jurisdição constitucional, democracia e racionalidade

prática

2002.

se dar início ao estudo dos parâmetros propriamente ditos.

Com

efeito, é possível distinguir parâmetros de natureza

geral, aplicáveis a qualquer espécie de conflito ou ao menos

úteis na maioria absoluta deles, e outros de natureza parti-

cular, que se ocupam de colisões entre disposições especí-

ficas, aos quais inclusive já se fez menção. Explica-se me-

lhor.

Nos tópicos anteriores utilizaram-se vários exemplos

envolvendo conflitos normativos específicos

e.g.,

liberda-

de de imprensa e de informação

versus

intimidade, vida

privada e honra; integridade física

versus

direito à honra

etc.). De fato, um dos importantes trabalhos da dogmática

constitucional é exatamente esse: formular parâmetros

fundamentados que permitam delinear os limites de cada

um dos enunciados constitucionais, especialmente nas

situações em que, com maior freqüência (ou mais previsi-

velmente), eles entrem em confronto uns com os outros. O

estudo em abstrato desses conflitos, como descrito no Ca-

pítulo VI, e os parâmetros que venham a ser propostos em

decorrência dele proporcionarão maior segurança e unifor-

midade à interpretação constitucional. Cuida-se aqui, por-

tanto, de parâmetros particulares, que se relacionam com

conflitos entre enunciados normativos específicos. O últi-

mo capítulo deste estudo voltará a tratar deles.

Entretanto, ao lado desses parâmetros particulares é

possível também formular parâmetros gerais. Os parâme-

tros gerais decorrem de construções da metodologia jurídi-

ca, estão fundados no sistema como um todo e não se ligam

a qualquer circunstância de fato específica: eles servem de

162

63

referência a ser usada pelo aplicador diante de qualquer

conflito.

Nos próximos tópicos se estará discutindo exatament

 

a proposta de dois parâmetros gerais, que podem ser des-

critos da seguinte forma: i) em uma situação de pondera-

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ção, regras constitucionais e infraconstitucionais) devem

ter preferência sobre princípios; e ii) as normas que atri-

buem ou promovem diretamente direitos fundamentais

dos indivíduos devem ter preferência sobre as que com elas

por acaso se choquem e se liguem à realização desses direi-

tos apenas de forma indireta. Em seguida, vai-se igualmen-

te propor um conjunto de elementos capazes de orientar a

construção de parâmetros para conflitos normativos espe-

cíficos na nomenclatura aqui adotada, parâmetros particu-

lares). A ordem em que os temas são apresentados não é

aleatória: como se verá, os parâmetros particulares que ve-

nham a ser construídos deverão levar em conta os parâme-

tros gerais na seqüência descrita.

VIII. Parâmetro geral I:

Regras têm preferência

sobre princípios

O primeiro parâmetro proposto pode ser descrito nos

seguintes termos: diante de uma situação que exija o

emprego da ponderação, as regras constitucionais e infra-

constitucionais) têm preferência sobre os princípios

constitucionais e infraconstitucionais). Isso significa, de

forma simples, que diante de um conflito insuperável

pelos métodos tradicionais de interpretação aqui já in-

cluída a utilização dos princípios de interpretação especi-

ficamente constitucionais e também da interpretação das

regras orientada pelos princípios, dentre outras técnicas

da moderna :hermenêutica constitucional), o princípio

deve ceder, e não a regra, já que esta, como padrão geral,

não deve ser ponderada. Lembre-se que regras e princí-

pios são categorias de enunciados normativos, de modo

que é de enunciados que se está cuidando quando se trata

deste primeiro parâmetro.

164

5 5

O parâmetro que se acaba de propor pode parecer em

desarmonia com tudo o que recentemente se tem como

conhecimento assentado acerca dos princípios: sua ascen-

dência axiológica em relação às regras e sua centralidade no

sistema'. Como se verá, no entanto, o parâmetro que in-

distinção entre princípios e regras

 

. Não é preciso descre-

ver aqui todas as discussões teóricas envolvendo o tema '

e nem seria útil reproduzir os vários critérios que têm sido

empregados para extremar as duas espécies de enunciados

normativos

. Bastam, para os fins aqui pretendidos, dois

registros: um sobre a distinção geral entre princípios e re-

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dica a preferência das regras sobre os princípios em situa-

ções de conflito não está em desacordo com qualquer des-

ses pressupostos da moderna teoria dos princípios. Muito

ao revés: os fundamentos desse parâmetro preferencial de-

correm, na verdade, tanto de algumas distinções relevantes

entre princípios e regras, que já se tornaram correntes na

doutrina brasileira e estrangeira, quanto dos próprios con-

ceitos de Constituição e democracia. Ainda que de forma

objetiva, os próximos tópicos cuidam de revisitar essas no-

ções.

VIII]. Fundamentação

a Revendo as distinções relevantes entre princípios,

sua estrutura e diferentes categorias, e regras.

Muito se tem escrito, no Brasil e no exterior, acerca da

227

Talvez o registro mais famoso sobre o tema seja o de MELLO, Celso

Antônio Bandeira de.

Elementos de direito administrativo,

1986, p. 230:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema,

verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre

diferentes normas (...) Violar um princípio é muito mais grave do que

transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não

apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de

comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,

conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência

contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.

228 a

verdade, embora o tema seja hoje recorrente, a juridicidade dos

princípios é uma conquista recente mais ainda dos princípios

constitucionais. V. sobre o tema, SILVA, José Afonso.

Aplicabilidade das

normas constitucionais,

1998; e BONAVIDES, Paulo.

Curso de direito

constitucional,

1999, p. 228 e ss..

229

Sobre o tema, vejam-se, dentre muitos, BONAV1DES, Paulo.

Curso

de direito constitucional,

1999, p. 243 e ss.; GRAU, Eros Roberto.

A

ordem econômica na Constituição de 1988 — Interpretação e crítica,

1996, p. 92 e ss.; GRAU, Eros Roberto.

Ensaio e discurso sobre a

interpretação e aplicação do direito,

2002, p. 122 e ss.; BARROSO, Luís

Roberto.

Interpretação e aplicação da Constituição,

2003, p. 141 e ss.;

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo

direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e

pós-positivismo) .

In:

BARROSO, Luís Roberto (organizador).

A nova

interpretação constitucional. Ponderação direitos fundamentais e relações

privadas,

2003, p. 27 e ss.; COELHO, Inocêncio Mártires.

Interpretação

constitucional,

1997, p. 79 e ss.; e ESPÍNDOLA, Ruy Samuel.

Conceito

de princípios constitucionais,

1999. Na doutrina estrangeira, confiram-se

CANOTILHO,

J. J.

Gomes.

Direito constitucional e teoria da

Constituição,

1998, p. 1034 e ss.; ALEXY, Robert.

Teoria de los derechos

fundamentales,

1997, p. 83 e ss.; e DWORKIN, Ronald.

Taking Rights

Seriously,

1977, p. 95 e ss..

230 VIGO Rodolfo L..

Los principias jurídicos — perspectiva

jurisprudencial,

2000, pp. 9 a 20. O autor apresenta um interessante

panorama dos critérios distintivos entre princípios e regras já propostos

pela doutrina. Pode-se encontrar um apanhado desses critérios também

em BARCELLOS, Ana Paula de.

A eficácia jurídica dos princípios

constitucionais —

O

princípio da dignidade da pessoa humana,

2002, p.

40 e ss.. Confira-se também, para uma visão crítica de alguns desses

critérios, SANCHIS, Luis Prieto.

Sobre principios y normas. Problemas

dei razonamiento juridico,

1992.

166

67

gras e outro sobre a estrutura própria de parte dos princí-

pios constitucionais i.

Para alémde outros critérios distintivos, há algum

consenso acerca do fato de que princípios e regras são

categorias de enunciados ' que têm estrutura diver-

sam

, sendo que essa diferença pode ser descrita de modos

variados. Uma forma bastante simples de apresentar a ques-

tão é a seguinte: as regras descrevemcomportamentos, sem

se ocupar diretamente dos fins que as condutas descritas pro-

curamrealizar. Os princípios, ao contrário, estabelecemes-

tados ideais, objetivos a seremalcançados, semexplicita-

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231 A razão pela qual se faz referência a apenas parte dos princípios

constitucionais éexplicitada na nota n° 240.

232 Emsentido diverso, ÁVILA, Humberto.

Teoria dos princpos

2003,

p. 26: Enfim é justamente porque as normas são construídas pelo

intérprete a partir dos dispositivos que não se pode chegar à conclusão de

que este ou aquele dispositivocontém

uma regra ou umprincípio. Essa

qualificação normativa depende de conexões axiológicas que não estão

incorporadas ao texto nema ele pertencem mas são, antes, construída

 

pelo próprio intérprete. . Para o autor, p. 56: A distinção entre

categorias normativas, especialmente entre princípios e regras, temduas

finalidades principais. Emprimeiro lugar, visa a

antecpar

características

das espécies normativas de modo que o intérprete ou o aplicador possa ter

facilitado seu processo de interpretação e aplicação do Direito. Em

conseqüência disso, a referida distinção busca, emsegundo lugar,

alivar

estruturando-o, o ônus de argumentação do aplicador do Direito, na

medida emque a uma qualificação das espécies normativas permte

mnorar — elimnar, jamais — a necessidade de fundamentação, pelo

menos indicando o que deve ser justificado. (...) Uma análise mais atenta

das referidas distinções entre princípios e regras demonstra que os

critérios utilizados pela doutrina muitas vezes manipulam, para a

interpretação abstrata das normas, elementos que só podemser avaliados

no plano concreto de aplicação das normas. Ao fazêlo, elegemcritérios

abstratos de distinção que, no entanto, podemnão ser — e com

freqüência não o são — confirmados pela aplicação concreta. Com

isso, a

classificação, emvez de aliviar o ônus de argumentação do aplicador do

Direito, elimna-o. (grifos no original) Ao registrar que só épossível falar

de princípio ou regra ao fimda interpretação, o autor parece querer

desvincular-se do critério de aplicação tudo ou nada , identificado por

parte da doutrina como umelemento distintivo das regras. E isso para

concluir (p. 45) que as regras tambémpodemter seu conteúdo

prelimnar de sentido superado por razões contrárias, mediante um

processo de ponderação de razões. , exigindo para isso apenas umônus

argumentativo maior. Lembre-se, como já referido, que o autor

168

compreende a ponderação emsentido amplo, como inerente a toda

interpretação, e não no sentido estrito discutido neste estudo.

Como se verá na seqüência do texto, não se sustenta aqui que o tudo

ou nada seja umtraço identificador das regras e, nesse ponto, a crítica de

Humberto Ávila éinteiramente procedente. Entretanto, se a classificação

princpoou regra é

umproduto final da interpretação, jánão háutilidade

emempregá-la; o objetivo da distinção indicado pelo próprio autor na

transcrição acima — antecipar as características da espécie normativa e

facilitar o processo de interpretação — parece pressupor, como aqui se

sustenta, que a qualidade de princípio ou regra éprópria dos enunciados

normativos e não o resultado final da interpretação (tendo emconta a

distinção feita neste estudo entre enunciado e norma). Alémdisso, o

objetivo final da interpretação não équalificar os diferentes enunciados

examnados e simapurar a norma adequada — cuja estrutura é

tipicamente a de uma regra, como jáse viu — para o caso concreto.

Quanto ao tema da ponderação de regras, ele seráexamnado de forma

específica mais adiante.

233 Essa éa concepção forte da distinção entre princípios e regras que se

tornou majoritária no Brasil. Háautores, porém que sustentamhaver

apenas uma distinção

fraca

entre eles, isto é, regras e princípios teriama

mesma estrutura básica, e a diferença estaria apenas na intensidade maior

ou menor de algumas características. É o caso, entre outros, de

SANCHIS, Luis Prieto.

Sobreprincposynormas Probemasde

razonamentojuridco

1992, p. 132: (...) los Ilamados principios no son

nada sustancialmente distintos a las normas, caracterizándose

simplemente por la posesión de ciertos rasgos (generalidad,

fundamentalidad, etc.) que no se configuran a la manera de todo o nada,

sino que se pueden tener, y que de hecho se tienen, en determnada

medida. Consiguientemente, y desde uma perspectiva positivista, la

existencia de los principios plantea los msmos problemas que la

existencia de las normas. .

169

associado a outros) pretende produzir efeitos sobre a reali-

dade. Esses efeitos podem ser relativamente simples —

impedir que menores de 18 anos trabalhem à noite — ou

complexos — assegurar que a Administração Pública trate

os particulares de forma isonômica. Essa complexidade,

como é fácil perceber, pode decorrer das próprias caracte-

rem necessariamente as ações que devem ser praticada

 

para a obtenção desses fins

  4 .

Embora a descrição acima seja suficiente para explicar

boa parte da realidade, há momentos em que ela exigirá

complementação. Por vezes,

e.g.

além de descrever uma

conduta de forma específica, uma mesma regra pode justi-

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rísticas do efeito e/ou da diversidade de circunstâncias de

fato sobre as quais o enunciado incidirá. Seja como for, o

efeito pretendido pelo enunciado é o primeiro elemento

importante a ser considerado. O segundo dado fundamen-

tal envolve as condutas necessárias para realização desses

efeitos e que podem ser exigidas. Cada conduta que se

identifique como necessária e exigível relativamente a um

efeito descreve o conteúdo de uma norma construída a

partir do enunciado em questão. Feito o esclarecimento

inicial, volta-se ao ponto.

As regras são enunciados que estabelecem desde logo

os efeitos que pretendem produzir no mundo dos fatos,

efeitos determinados e específicos'''. Dependendo da

complexidade do efeito pretendido, a regra pode deman-

dar uma única conduta (muitas vezes descrita de forma

direta no próprio enunciado), que não sofrerá alteração im-

portante em decorrência dos diferentes ambientes de fato

sobre os quais incidirá, ou condutas diversas, que variam

em função dos fatos subjacentes, ainda que o efeito preten-

dido seja sempre o mesmo.

Exemplos ajudam a esclarecer o que se afirma. A regra

que proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos

ficar a exigibilidade de outras obrigações. Por conta da ge-

neralidade de sua formulação e dos diferentes ambientes

sobre os quais incidem, as regras podem dar origem a dife-

rentes normas e, por conseqüência, ensejar condutas diver-

sas. O exemplo já referido acerca do direito ao silêncio

conferido ao preso (CF, art. 5', LXIII) ilustra o ponto.

Trata-se de regra a partir da qual, além da norma mais

evidente, relacionada ao preso, desenvolveu-se uma outra,

que conferiu aos depoentes em Comissões Parlamentares

de Inquérito o direito ao silêncio diante das perguntas dos

parlamentares. Também quanto aos princípios, a mera afir-

mação de que eles indicam fins sem definição das condutas

nem sempre será o bastante. Há hipóteses em que ao me-

nos algumas ações necessárias para atingir o fim proposto

podem ser definidas desde logo, ao passo que os fins descri-

tos no enunciado podem apresentar-se determinados ou

relativamente indeterminados.

Uma outra forma de descrever a distinção entre princí-

pios e regras ' depende da compreensão prévia de dois

elementos '. Todo enunciado normativo (isoladamente ou

234

ÁVILA, Humberto.

Teoria dos princípios

2003, p. 56 e ss..

235

Esse mesmo tema foi abordado de forma mais analítica em

BARCELLOS, Ana Paula de.

A eficácia jurídica dos princípios

constitucionais —

O

princípio da dignidade da pessoa humana

2002,

embora no presente estudo novos elementos tenham sido agregados à

discussão.

236

A distinção proposta na seqüência procura diferenciar princípios e

regras predominantemente a partir de suas características estruturais,

embora se recorra, em determinado ponto, a elementos materiais. A

questão será exposta com mais detalhes no texto.

237

É importante não confundir a indeterminação dos efeitos com a

indeterminação de conceitos empregados na descrição da hipótese fática

utilizada

por muitas regras. A esse ponto se voltará adiante.

170

171

menores de dezoito anos pretende produzir um efeito es-

pecífico: nenhum menor de dezoito anos poderá realizar

trabalhos noturnos, perigosos ou insalubres, mesmo que

ainda seja necessária uma definição técnica sobre o que é

perigoso ou insalubre. A conduta óbvia que dela decorre é

a de que nenhum empregador pode contratar um menor

o

efeito pretendido pela regra encontra-se definido e as

diversas condutas referidas decorrem logicamente dele.

Este é um aspecto importante. As complexidades que a

regra enfrenta no percurso entre o enunciado e sua aplica-

ção concreta — isto é, entre o efeito determinado descrito

no enunciado e as normas condutas) necessárias para sua

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nessas condições. Situação similar ocorre com a regra que

afirma que aos sindicatos caberá a defesa, judicial ou extra-

judicial, dos direitos e interesses coletivos ou individuais da

categoria. O efeito pretendido pela regra é o de que o sin-

dicato possa participar de uma demanda judicial, adminis-

trativa, ou de qualquer outra natureza, em nome da catego-

ria. Nada além disso. Aqui a regra já impõe várias condutas:

o

juiz ou o administrador terá de reconhecer a legitimidade

do sindicato. O mesmo se diga da parte contrária na dispu-

ta que, caso vencida, estará obrigada a reconhecer o benefí-

cio obtido pelo sindicato relativamente a todos os seus fi-

liados.

Já a regra contida no art. 37, XXI, da Constituição, pela

qual se impõe que a contratação de obras, serviços, com-

pras e alienações com a Administração Pública seja prece-

dida de licitação, poderá dar a origem a normas e,

a foniori

a condutas bastante diversas. O efeito pretendido aqui é

determinado, embora muito mais complexo que nos dois

exemplos anteriores, recebendo ademais o influxo de ou-

tras regras e princípios. Com

fundamento nessa regra,

como se sabe, a Administração está obrigada, i) antes de

qualquer coisa, a licitar, salvo nas hipóteses excluídas por

lei; ii) a impor aos interessados apenas as exigências neces-

sárias ao fim por ela pretendido com a licitação; iii) a não

adotar cláusulas discriminatórias, de modo que a maior

quantidade de interessados possa participar do certame,

etc.

De toda forma, a despeito dessa variedade de condutas,

realização — decorrem da natural dificuldade que o direito

em geral enfrenta para disciplinar os fenômenos sociais e

são, a rigor, inelimináveis. Para produzir efeitos mais com-

plexos sobre a realidade é necessário impor um conjunto

variado de condutas. Além disso, é impossível prever todas

as circunstâncias de fato que estarão recebendo a incidên-

cia da regra, de modo que, também por conta disso, condu-

tas diferentes poderão ser apuradas a partir de um mesmo

enunciado normativo.

Esses elementos — efeitos e condutas/normas — e as

relações entre eles se apresentam de forma diversa quando

se trata de princípios. Como descrito acima, as regras

enunciam desde logo efeitos determinados e o caminho

que os liga às condutas por eles exigidas pode ser mais ou

menos longo, mas em todo caso trata-se de um único cami-

nho. Os princípios, todavia, funcionam diversamente. Para

facilitar a exposição sobre os princípios, e tendo em conta

razões estruturais, é possível agrupá-los em duas catego-

rias.

O primeiro grupo congrega os princípios que descre-

vem efeitos relativamente indeterminados, cujo conteúdo,

em geral, é a promoção de fins ideais, valores ou metas

políticas. E essa indeterminação, ainda que relativa, decor-

re de a compreensão integral do princípio depender de

concepções valorativas, filosóficas, morais e/ou de opções

ideológicas.

O segundo grupo também pretende produzir efeitos

associados a metas valorativas ou políticas, assim como

172 173

acontece com o primeiro, mas os fins aqui descritos são

determinados, o que aparentemente os aproximaria das re-

gras. A dificuldade, porém, é que a identificação das con-

dutas necessárias e exigíveis para a realização dos efeitos

desses princípios não depende apenas da complexidade do

próprio efeito e/ou da variedade de circunstâncias fáticas

seja dignidade humana, influenciadas por posições religio-

sas, filosóficas, políticas, etc. Muito provavelmente, haverá

opiniões diversas sobre os efeitos da dignidade neste ponto.

O mesmo se pode dizer,

e.g.

do princípio da livre ini-

ciativa. Certamente, um dos efeitos que tal enunciado nor-

mativo pretende produzir é impedir a apropriação estatal

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sobre as quais ele incide, como nas regras. Por conta da

natureza do efeito pretendido, não se trata apenas de em-

preender um raciocínio lógico-jurídico para apurar as con-

dutas exigíveis; cuida-se, diversamente, de escolher entre

diferentes condutas possíveis a partir de distintas posições

políticas, ideológicas e valorativasm. Se há um caminho

que liga o efeito às condutas no caso das regras, há uma

variedade de caminhos que podem ligar o efeito do princí-

pio a diferentes condutas, sendo que o critério que vai de-

finir qual dos caminhos escolher não é exclusivamente jurí-

dico ou lógico.

Alguns exemplos ajudam a esclarecer o que se acaba de

expor. Tome-se, em primeiro lugar, o princípio da dignida-

de da pessoa humana: que efeitos ele pretende produzir? O

que ele significa? Ora, que as pessoas tenham uma vida

digna. Sem maiores dificuldades, é possível concluir que

matar indiscriminadamente as pessoas viola a dignidade e,

portanto, impedir tal espécie de ação e assegurar a vida é

um dos efeitos pretendidos por esse princípio. Mas que se

dirá da pena de morte, da eutanásia e do aborto, para ficar

apenas no aspecto 'vida' da dignidade? Muitas vezes os de-

fensores e detratores de algumas dessas políticas fundam-

se, em última análise, em concepções diferentes do que

238 Os dois grupos não são estanques evidentemente. Princípios cujos

efeitos são relativamente indeterminados também podem depender de

decisões políticas ou valorativas para a definição das condutas necessárias

à realização de seus efeitos (ainda que a parte determinada deles).

174

de todos os meios de produção. Mas teria ele também o

condão de impedir a existência de monopólios estatais? E

empresas públicas explorando atividades econômicas? E o

controle de preços por parte do Poder Público? Também

nesse particular não há unanimidade. O efeito pretendido

não é totalmente definido e sua definição depende de

avaliações que não são propriamente jurídicas.

Fenômeno semelhante se passa quando, embora o efei-

to pretendido pelo princípio sobre o mundo dos fatos seja

perfeitamente definido, há uma multiplicidade de condu-

tas em tese possíveis e adequadas para atingi-lo, sem que a

Constituição tenha optado por qualquer uma delas

  3 9

. O

enunciado constitucional que determina à ordem econômi-

ca a busca do pleno emprego apresenta um exemplo dessa

característica. Não há propriamente indeterminação no

que toca aos efeitos pretendidos pelo dispositivo: seu claro

propósito é que todos tenham emprego. É essa alteração

que ele deseja produzir no mundo dos fatos. Porém, esse

resultado pode, em tese, ser alcançado de várias manei-

ras

  4

239 Essa é a fórmula usada, em geral, para descrever as chamadas normas

programáticas que, nada obstante, estruturalmente consideradas, nada

mais são do que espécies de princípios.

240 ÁVILA, Humberto.

A distinção entre princípios e regras e a

redefinição do dever de proporcionalidade

Revista da Pós-Graduação da

Faculdade de Direito da USP vol. 1, 1999, p. 43: Essas considerações

levam à seguinte conclusão: tanto as normas de conduta [regras] quanto

aquelas que estabelecem fins [princípios] possuem a conduta como

175

Uns dirão que a melhor forma de atingi-lo é a abertura

de frentes de trabalho pelo Estado; outros, que é o incenti-

vo a pequenas e médias empresas; outros, que é o aparelha-

mento da infra-estrutura, que atrairá as empresas que,

por

sua vez, gerarão empregos. Outros ainda dirão que o Estado

deve investir em turismo. Ainda que o fim seja bastante

que se passa com algumas regras. Em relação a elas, a varie-

dade de condutas exigíveis decorre da necessidade, própria

do direito em geral, de ajuste entre o efeito previsto no

enunciado e a complexidade das situações de fato que ele

pretende regular ou sobre as quais vai incidir

 

.

Registradas as diferenças fundamentais entre princí-

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preciso, o fato é que há meios variados para alcançá-lo em

função das diferentes opções político-ideológicas que

po-

 em

ser adotadas. O mesmo raciocínio se pode aplicar,

eg

em relação aos enunciados que propugnam a redução

da desigualdade regional, a erradicação da pobreza, o in-

centivo estatal à pesquisa e tecnologia etc. O dispositivo

não escolhe o meio.

Os dois grupos de princípios que se acaba de descrever

têm sua indefinição — no primeiro caso, indefinição de

efeitos, e, no segundo, das condutas — associada a disputas

entre valores diversos, concepções morais e filosóficas e/ou

diferentes opções político-ideológicas, sendo que, repita-

se, a escolha entre esses elementos não decorre de um juízo

puramente jurídico ' . Esse quadro é bastante diverso do

objeto. A única diferença é o grau de determinação quanto à conduta

devida: nas normas finalísticas, a conduta devida é aquela adequada à

realização dos fins; nas normas de conduta, há previsão direta da conduta

devida, sem ligação direta com fins. (grifo no original) Artigo também

publicado na Revista de Direito Administrativo n°215, 1999, pp. 151 a

179.

241

A distinção descrita no texto entre princípios e regras é

forte

isto

é,

decorre de uma diferença essencial entre eles e não apenas de grau ou

intensidade relativamente a características comuns aos dois tipos de

enunciados. Nada obstante, é possível agrupar em uma terceira categoria

enunciados que a doutrina em geral identifica como princípios mas que,

na verdade, apresentam estrutura muito mais próxima das regras e delas

se diferenciam por conta da intensidade de determinadas características.

Trata-se daqueles princípios que pretendem impor determinadas

qualidades ou virtudes a atos jurídicos, como,

eg

s chamados princípios

176

pios e regras, cabe um último registro acerca da indetermi-

nação que, a rigor, caracteriza as duas categorias de princí-

da moralidade, da eficiência, da impessoalidade e da isonomia (em

sentido formal). O efeito que esses enunciados pretendem produzir não

depende de novas decisões valorativas ou políticas e a indeterminaçáo que

os caracteriza decorre na realidade da multiplicidade de situações sobre as

quais o enunciado vai incidir. Nesse ponto, aliás, é preciso reconhecer

que, embora a distinção forte entre princípios e regras seja extremamente

útil na maioria dos casos, há hipóteses em que os fenômenos se

aproximam de tal forma que as discussões sobre o tema têm pouca valia.

Anotam esse ponto, V. NOVAIS, Jorge Reis.Asrestriçõesaosdretos

fundamentaisnãoexpressamenteautorizadaspea Constiuição2003, pp.

344 e 345 e 350 e ss.; AARNIO, Aulis.

ReasonandAuthority

1997, p.

174 e ss.; SERNA, Pedro e TOLLER, Fernando. La interpretacón

constituconal delos deechos fundamentale. Una altenativa a los

conflictosdederechos 2000, p. 59; e CIANCIARDO, Juan.

Princposy

regas: una aproximacón dedelos criteios dedstincónBoletín

Mexicano de Derecho Comparado, nueva serie, afio >0=1, n° 108,

2003, pp. 891 a 906.

4 Como se pode perceber, a distinção entre princípios e regras

apresentada no texto conjuga um

critérioestrutural

(a determinação dos

efeitos e/ ou a multiplicidade de meios para atingi-los) com umcritério

material:

a circunstância de a determinação dos efeitos e/ou dos meios

para atingi-los depender ou não de decisões de natureza política,

ideológica ou valorativa. Em estudo anterior

A eicáca jurídca dos

princposconstituconais—

O princpoda dgnidadeda pessoa humana,

2002) desenvolvemos apenas o critério estrutural que, no entanto, parece

agora insuficiente. Nesse sentido, portanto, procedente a crítica

formulada por SILVA, Virgílio Afonso da.

Princpioseregras: mtose

equívocosacerca deuma dstinção

Revista latino-Americana de Estudos

Constitucionais n° 1, 2003, p. 623 e ss..

177

pios referidas acima. Ao longo do texto, e até aqui, falou-se

sempre de efeitos

relativamente

e não

completamente

in-

determinados, e o mesmo acontece com as condutas

  4

E

isso porque, a despeito de todas as indeterminações, é pos-

sível afirmar, com freqüência, que certos efeitos estão con-

tidos de forma inexorável na descrição do princípio, até por

pas chão, mesas e bancadas), ao passo que o interior dos

eletrodomésticos fogão, geladeira e microondas) não so-

freu qualquer intervenção. Insatisfeito, o empregador pas-

sa a entregar ao empregado uma lista de atividades especi-

ficas a serem desempenhadas ao longo do dia, na qual inclui

a limpeza interna dos três eletrodomésticos referidos, ob-

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força de uma imposição lingüística, já que toda expressão

haverá de ter um sentido mínimo. Esse conjunto de efeitos

forma um núcleo essencial de sentido do princípio, com

natureza de regra, uma vez que se trata agora de um con-

junto de efeitos

determinados.

Igualmente, muitas vezes

será possível afirmar que certas condutas são absolutamen-

te indispensáveis para a realização do fim indicado pelo

princípio.

Observe-se urna questão importante. Quando se afirma

que é possível identificar um núcleo com natureza de regra

nos princípios seja de efeitos determinados, seja de con-

dutas indispensáveis à realização de efeitos), já não se está

trabalhando no plano dos enunciados normativos originais.

Esse núcleo — e,

a fortiori,

essas regras — é apurado após

um processo de interpretação e, se necessário, de pondera-

ção abstrata ou preventiva

  4 4  

Um último exemplo: um empregado doméstico recebe

de seu empregador a ordem de limpar a cozinha de uma

residência ao longo de um determinado dia. Ao fim do dia,

o empregador verifica que apenas as superfícies foram lim-

tendo, assim, o resultado desejado.

Na primeira situação descrita, como é fácil perceber, o

empregador veiculou sua ordem por meio de um princípio,

ao passo que, no segundo caso, utilizou-se de regras especi-

ficas. É interessante notar que as percepções dos dois indi-

víduos acerca do que se pretendia com a ordem e das con-

dutas necessárias para atingir esse fim a limpeza da cozi-

nha) eram diversas, embora apresentassem um núcleo co-

mum a limpeza das superfícies).

Dito de forma direta, as duas categorias de princípios

podem ter sua estrutura descrita como dois círculos con-

cêntricos. O círculo interior corresponderá — quanto ao

primeiro grupo de princípios — a um núcleo de efeitos que

acabam tornando-se

determinados

por decorrerem de for-

ma inafastável do seu sentido e, conseqüentemente, adqui-

rem a natureza de regra. Isto é: cuida-se de um conjunto

mínimo de efeitos determinados e a partir deles as condu-

tas necessárias e exigíveis deverão ser construídas) conti-

dos no princípio. Ainda que haja disputa sobre a existência

de outros efeitos a partir desse núcleo, a idéia é a de que

quanto a estes haverá consenso. O espaço intermediário

entre o círculo interno e o externo a coroa circular) será o

espaço de expansão do principio reservado à deliberação

democrática; esta é que definirá o sentido, dentre os vários

possíveis em uma sociedade pluralista, a ser atribuído ao

princípio a partir de seu núcleo.

O mesmo pode ocorrer com a segunda categoria de

princípios. Embora a definição das condutas necessárias

243 A partir deste momento a distinção entre as duas categorias de

princípios já não terá maior relevância.

244 Sobre o tema da ponderação abstrata ou preventiva, veja-se o

Capítulo VI. Sobre o núcleo do princípio da dignidade humana

relativamente a prestações materiais v. BARCELLOS, Ana Paula de.

A

eficácia jurídica dos princípios constitucionais —

O

principio da

dignidade da pessoa humana,

2002.

178

179

para realizar o efeito normativo dependa de avaliações po-

líticas, em muitos casos será possível identificar condutas

básicas indispensáveis para a realização do efeito indicado

pelo princípio, independentemente de colorações ideológi-

cas. Desse modo, a imagem de dois círculos concêntricos

também aqui pode ser empregada de forma útil: o círculo

dução de efeitos determinados, de maneira que a não veri-

ficação desses efeitos importa violação das mesmas. Trata-

se em geral de estruturas subsuntivas que, em um Estado

de direito, devem ser observadas. Não é preciso alongar-se

neste ponto.

A situação não será tão rígida quando se trate de princí-

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interior ocupado por condutas mínimas, elementares, e

exigíveis e o exterior a ser preenchido pela deliberação de-

mocrática

  4 5

. A estrutura que se acaba de descrever revela

um dado da maior importância, descrito a seguir. Os prin-

cípios em questão operam na realidade de duas formas dis-

tintas: relativamente ao seu núcleo, funcionam como regras

e, apenas em relação a sua área não nuclear, funcionam

como princípios propriamente ditos.

Feita essa longa exposição sobre as diferenças entre re-

gras e princípios e sobre a estrutura destes últimos, cabe

perguntar: qual a relação entre o que se acaba de descrever

e a ponderação, sobretudo tendo em conta o parâmetro da

preferência das regras, anunciado logo de início? A questão

não é complexa. Como visto, as regras determinam a pro-

245

identificação do núcleo será em geral mais fácil — aqui já migrando

para um exame do conteúdo dos enunciados — quando se trate de

princípios que consagram direitos. Princípios que estabelecem metas ou

fins públicos de natureza geral sofrem muito maior influência de

concepções políticas diversas que os direitos, cuja existência lógica

independe, em geral, do Direito. V. NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições

aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela

Constituição

2003, pp. 162 e 163. Em qualquer caso, o ideal é que os

efeitos e condutas identificados no núcleo dos princípios possam ser

exigidos diretamente, como acontece com a maior parte das regras, uma

vez que a estrutura normativa será equivalente (eficácia positiva ou

simétrica). Nada obstante, a questão da eficácia jurídica dos princípios

envolve outros desdobramentos que não podem ser aprofundados aqui.

Sobre o tema, v. BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos

princípios constitucionais —

O

princípio da dignidade da pessoa humana

2002.

pios, e em particular da área não nuclear deles. Como se

viu, a partir de seu núcleo, os princípios vão admitir uma

realização mais ou menos ampla, dependendo da concep-

ção valorativa ou política que venha a prevalecer na defini-

ção do seu sentido e das condutas que se considerem ne-

cessárias e exigíveis para realizá-lo. Se é assim, parece evi-

dente que diante de um conflito aparentemente insuperá-

vel entre uma regra (aqui incluindo-se o núcleo dos princí-

pios aos quais se possa atribuir natureza de regra) e a área

não nuclear de um princípio

  4 6

a regra deverá ter prefe-

rência.

Nesse mesmo sentido, como já se tornou corrente, é a

conclusão de Ronald Dworkin e Robert A1exy

  4 7

, ainda que

a distinção entre princípios e regras por eles proposta não

seja exatamente a que se acaba de descrever. Na concepção

desses autores, as regras têm estrutura biunívoca, aplican-

do-se de acordo com o modelo do tudo ou nada

4 8

. Isto é,

246

Na verdade, como se verá adiante, o conflito se dará entre a regra e

uma norma construída pelo intérprete a partir da área não nuclear do

princípio.

247

Para uma visão crítica da distinção elaborada por Alexy entre

princípios e regras v. ÁVILA, Humberto.

Teoria dos princípios

2003, p.

35 e ss..

248

DWORKIN, Ronald.

Taking Rights Seriously

1977, pp. 24 a 26:

The difference between legal principies and legal rules is a logical

distinction. Both sets of standards point to particular decisions about legal

obligation in particular circumstances, but they differ in the character of

180

81

dado seu substrato fático típico, as regras só admitem duas

espécies de situação: ou são válidas é incidem ou não inci-

dem por inválidas

  4 9 . Juridicamente, uma regra vale ou não

vale. Não se admitem gradações.

Ao contrário das regras, os princípios determinam qu

e

algo seja realizado na maior medida possível, admitindo

senvolvendo esse critério de distinção, Alexy chama as re-

gras de comandos de definição e os princípios, de coman-

dos de otimização

  5

. Por isso mesmo, na hipótese de coli-

são, as regras terão preferência sobre os

princípios

  5

Seja como for, a repercussão para o processo pondera-

tivo de tudo o que se acaba de descrever é simples: tendo-

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uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as pos-

sibilidades físicas e jurídicas existentes. Esses limites jurí-

dicos, que podem restringir a otimização de um princípio,

são (i) regras que o excepcionam em algum ponto e (ii)

outros princípios opostos que procuram igualmente maxi-

mizar-se, daí a necessidade eventual de ponderá-los"°. D

e _

the direction they give. Rules are applicable in an ai -or-nothing fashion.

If the facts a rule stipulates are given, then either the mie is valid, in

which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which

case it contributes nothing to the decision. (...) Of course, a mie may have

exceptions (...) However, an accurate statement of the mie would take

this exception into account, and any that did not would be incomplete.

(...) But this is not the way the sample principies in the quotations

operate. Even those which look most like rules do not set out legal

consequences that follow automatically when the conditions provided

are met. (...) This first difference between mies and principies entails

another. Principies have a dimension that mies do not — the dimension

of weight or importance. When principies intersect (...), one who must

resolve the conflict has to take into account the relative weight of each."

249 ALEXY, Robert.

Teoria de los derechos fundamentales,

1997, p. 88.

V. também BARROSO, Luís Roberto.

Interpretação e aplicação da

Constituição,

2003.

250 ALEXY, Robert.

Derechos, razonamiento jurídico e discurso

racional,

Revista Isonomia n° 1, 1994, p. 41: "Los derechos que se basan

en regias son derechos definitivos. Los principios son normas de un tipo

completamente distinto. Estos ordenan optimizar. Como tales, son

normas que ordenan que algo debe hacerse en la mayor medida fáctica y

juridicamente posible. Las posibilidades jurídicas, además de depender

de regias, están esencial mente determinadas por otros principios

opuestos, hecho que implica que los principios pueden y deben ser

182

se em conta a estrutura dos enunciados normativos, as re-

gras não são concebidas para serem ponderadas, pois a pon-

deração significará no mais das vezes sua não aplicação, a

negativa de sua vigência. Em geral, não é possível aplicar

mais ou menos uma regram; ou seus efeitos determinados

verificam-se ou não. Com

os princípios, tudo é diferente

ponderados. Los derechos que se basan en principios son derechos

prima

facie. .

Confira-se sobre o tema: SCHOLLER, Heinrich. O

principio da

proporcionalidade no direito constitucional e administrativo da

Alemanha,

Revista Interesse Público n° 2 1999 p. 93 e ss.

SARMENTO, Daniel. "Os princípios constitucionais e a ponderação de

bens". In: TORRES, Ricardo Lobo (organizador).

Teoria dos direitos

fundamentais,

1999, p. 35 e ss..

251 ALEXY, Robert.

Teoria de los derechos fundamentales,

1997, p. 86.

Boa parte da doutrina brasileira tem trabalhado com esse critério

distintivo. V. STUMM, Raquel Denize.

Principio da proporcionalidade

no direito constitucional brasileiro,

1995, p. 42; e PIMENTA, Patilo

Roberto Lyrio.

Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais

programáticas,

1999, p. 121 e ss.

252 Em sentido diverso, GRAU, Eros Roberto.

Ensaio e discurso sobre a

interpretação e aplicação do direito,

2002, p. 174 e ss., pois na concepção

do autor não há antinomia entre princípios e regras, mas apenas entre

princípios.

253 A

afirmação

não deve ser compreendida de forma rígida, já que

também as regras estão submetidas à interpretação e, muitas vezes, será

possível fixar um sentido mais ou menos amplo para a regra, e até mesmo

evitar colisões com outros enunciados por meio de técnicas

herme nêuticas convencionais O ponto

será retomado nos tópicos

seguintes.

183

(lembrando sempre que, ao se falar de princípios, é preciso

distinguir seu núcleo, que na verdade tem natureza de re-

gra, e sua área não nuclear, que tem natureza de princípio

propriamente dito). O princípio pode ser, como referido

por Alexy, não só mais ou menos intensamente adimplido,

mas também adimplido de formas variadas. Admite-se

b Revendo as diferentes funções de princípios e regras

A diferença estrutural de princípios e regras descrita no

tópico anterior não serve apenas de deleite para os teóricos

e nem constitui mero capricho do legislador, que poderá

escolher, em cada caso, uma fórmula ou outra (regra ou

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aqui, logicamente, compressões recíprocas, nos termos da

ponderação

  5

.

Esse é, portanto, o fundamento lógico para o primeiro

parâmetro preferencial proposto para a ponderação o de

que as regras têm preferência sobre os princípios

  5 5

, já que

a estrutura daquelas não é adequada, logicamente, para so-

frer ponderações. A preferência das regras na hipótese de-

corre também de outro fundamento, intimamente relacio-

nado com este primeiro, mas de natureza substancial. Ele

será o tema do próximo tópico.

254 Como a distinção entre regras e princípios, para Alexy, encontra-se

na sua forma de aplicação, ao defrontar-se com o problema da colisão de

direitos fundamentais o autor sustenta que apenas uma teoria que

visualize os direitos fundamentais como princípios é capaz de

solucioná-lo. V. ALEXY, Robert.

Colisão de direitos fundamentais e

realização de direitos fundamentais no estado de direito democrático,

Revista de Direito Administrativo n° 217, 1999, p. 79: A teoria dos

princípios é capaz não só de estruturar racionalmente a solução de colisões

de direitos fundamentais. Ela tem ainda uma outra qualidade que, para os

problemas teórico-constitucionais que devem aqui ser considerados, é de

grande significado. Ela possibilita um meio-termo entre vinculação e

flexibilidade. A teoria das regras conhece somente a alternativa: validez

ou não-validez. . Uma distinção estrutural entre as espécies normativas

(regra e princípio) e também a percepção de suas diferentes funções não

admitem a simplicidade da solução de Alexy.

255 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constituição, 2003, p. 332 e ss..

princípio) para veicular suas intenções. Há funções e pro-

pósitos substanciais associados a essas diferentes estrutu-

ras; na realidade, funções gerais do sistema jurídico como

um todo e funções particulares, próprias da ordem consti-

tucional   5 6 .

Há amplo consenso de que a ordem jurídica é uma fun-

ção de dois valores principais interdependentes: de um

lado, a segurança, a previsibilidade e a estabilidade das rela-

ções sociais e, de outro, a justiça

  5

'. Ambos contribuem

direta ou indiretamente para o bem-estar humano, para a

proteção e promoção de sua dignidade e para a criação de

condições que permitam o seu pleno desenvolvimento.

Um sistema que supervaloriza a segurança pode tornar-se

iníquo e desconectar-se das legítimas expectativas de justi-

ça. Por outro lado, uma ordem jurídica que despreza a se-

gurança acaba por instituir um ambiente de imprevisão e

incerteza que dificulta as relações sociais e o desenvolvi-

mento pessoal dos indivíduos. Não há novidade neste

par-

ticular.

Além disso, quanto maior for a possibilidade, autoriza-

256 Vale observar que, no caso da atividade legislativa, a opção entre

princípio ou regra pode estar relacionada também com a maior ou menor

concretização que se pretende atribuir a algum dispositivo constitucional.

Nesse ponto, uma disciplina infraconstitucional insuficiente pode

inclusive ser objeto de controle de constitucionalide por omissão parcial.

257 LARENZ, Karl. Derecho justo,

1985, p. 42 e ss.

184

85

da pelo sistema, de realizar justiça no caso concreto, maior

liberdade será conferida ao aplicador, crescendo na mesma

proporção o risco de arbítrio e a ameaça para a isonomia, já

que mais facilmente se produzirão julgamentos desiguais

para casos idênticos. Por outro lado, negar ao intérprete

qualquer espaço de adaptação ao caso pode inviabilizar sua

atuação, em especial diante de realidades intensamente

pios são espécies normativas que se ligam de modo mais

direto à idéia de justiça ou, ao menos, são instrumentos

mais capazes de produzir justiça no caso concreto.

Assim, como esquema geral, é possível dizer que a es-

trutura das regras facilita a realização do valor

segurança

ao passo que os princípios oferecem melhores condições

para que a

justiça

possa ser alcançada. Esse modelo é natu-

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mutáveis como as contemporâneas, em que é simplesmen-

te impossível regular as novas questões no mesmo ritmo

em que elas surgem e são levadas ao Judiciário. Em suma: a

harmonia de um sistema jurídico reside no equilíbrio efi-

ciente entre segurança e justiça.

Princípios e regras desempenham cada qual um papel

diferenciado, porém da maior importância para manter

esse equilíbrio. Com efeito, é possível identificar uma rela-

ção, no âmbito do sistema romano-germânico ocidental,

entre a segurança, a estabilidade e a previsibilidade e as

regras jurídicas. Isso porque, na medida em que veiculam

efeitos determinados, pretendidos pelo legislador de forma

específica, as regras contribuem para a maior previsibilida-

de do sistema jurídico

  8 .

A justiça, por sua vez, depende em geral de disposições

mais flexíveis, à maneira dos princípios, que permitam uma

adaptação mais livre às infinitas possibilidades do caso con-

creto e que sejam capazes de conferir ao intérprete liberda-

de de adaptar o sentido geral do efeito pretendido, muitas

vezes impreciso e indeterminado, às peculiaridades da hi-

pótese examinada . Nesse contexto, portanto, os princí-

258 Nos sistemas de

common law

ao lado das hoje cada vez mais

freqüentes leis positivas, muitas das quais empregando regras. a

estabilidade e a segurança decorrem também da regra do precedente

judicial.

259 Inclusive contribuindo para a interpretação das próprias regras.

186

ralmente simplificador, já que há princípios que propug-

nam exatamente, dentre outros, o valor segurança — como

o princípio da legalidade—, da mesma forma que inúmeras

regras são, na verdade, a cristalização de soluções requeri-

das por exigências de justiça. Tudo isso, porém, não afasta

a utilidade do modelo para esclarecer uma parcela da reali-

dade.

Ora, se as regras respondem pela segurança e os princí-

pios pela justiça, conclui-se que, quanto mais regras houver

no sistema, mais seguro, isto é, mais previsível, mais estável

ele será; porém, mais dificilmente ele será capaz de adap-

tar-se a situações novas. Por outro lado, quanto mais prin-

cípios existirem, maior será o seu grau de flexibilidade e

sua capacidade de acomodar e solucionar situações impre-

vistas. No mesmo passo, porém, também crescerão a inse-

gurança, em decorrência da imprevisibilidade das soluções

aventadas, e a falta de uniformidade de tais soluções, com

prejuízos evidentes para a isonomia. Repete-se, portanto, o

que parece bastante óbvio: uma quantidade equilibrada e

apropriada de princípios e regras produzirá um sistema ju-

rídico ideal, no qual haverá segurança e justiça suficientes.

Naturalmente, o equilíbrio do sistema jurídico não de-

pende apenas da existência adequada de princípios e re-

gras; é preciso também que eles funcionem e sejam mani-

pulados pelos operadores jurídicos dentro de suas caracte-

rísticas próprias. Isto significa, portanto, que, como padrão

geral, as regras não foram concebidas para serem pondera-

187

das. Com

efeito, a ponderação corriqueira de regras fragili-

zaria a própria estrutura do Estado de direito; pouco vale-

riam as decisões do Poder Legislativo se cada aplicação de

um enunciado normativo se transformasse em um novo

processo legislativo, no qual o aplicador passasse a avaliar,

novamente, todas as conveniências e interesses envolvido

s

na questão, bem como todos os princípios pertinentes

2 6°

condições para o desenvolvimento do pluralismo político,

de modo que o povo, em cada momento histórico, possa

fazer as escolhas que entender por bem2 €

 

Esse equilíbrio — consenso mínimo

versus

pluralismo

político — guarda uma relação muito próxima com a estru-

tura de princípios e regras observada acima. As regras cons-

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para, ao fim, definir o comportamento desejável. A situa-

ção oposta se coloca quando não se reconhece aos princí-

pios capacidade de produzir qualquer efeito, o que acarreta

acentuado desequilíbrio em detrimento dos elementos de

justiça. Afora essa relação geral entre princípios e justiça e

entre regras e estabilidade/segurança, comum a todo o sis-

tema jurídico, é possível visualizar outra relação de nature-

za substancial, mais específica, própria do ambiente consti-

tucional.

Uma Constituição rígida e democrática procura reali-

zar ao menos dois propósitos gerais: (i) estabelecer deter-

minados consensos mínimos e colocá-los a salvo (ou prote-

gê-los) das deliberações majoritárias; e (ii) preservar as

260 HAGE, Jaap C.

Reasoning with Rules

1997, pp. 170 e 171: Rules

of law are often the result of a legislative decision making process, in

which a number of reasons, based on policies, goals, values, interests,

principies etc. are weighed to achieve a balanced result. In many of the

cases to which these rules of law can be applied, the underlying goals,

principies etc. would also be relevant for the legal consequences of the

case, had their application not been excluded by the applicability of the

legal rule. The reasons generated by the rule replace the reasons

generated by the goals and principies that underlie that mie. The role of

the goals and principies was confined to their influence on the drafting of

the mie. That is why I called the reasons, generated by a

tule replacing

reasons.

Similarly, the legal mie can be said to replace its underlying goals

and principies. (...) This means that if a mie replaces a principie, the

applicability of the mie to a case excludes the application of the principie

to this case.

188

titucionais — aí incluído, lembre-se, o núcleo dos princí-

pios — respondem em geral pelas decisões associadas

àquele consenso mínimo

2 6 2

. Através delas, o poder consti-

tuinte procura estabelecer desde logo condutas determina-

das, específicas. Os princípios, diversamente, estabelecem

fins gerais a serem alcançados que, para além de seu nú-

cleo, poderão ser preenchidos de sentido e delineados sob

formas diversas em função das diferentes concepções do

intérprete.

Em uma democracia, é natural que apenas um sentido

mínimo de determinado princípio seja definido constitu-

cionalmente — e, portanto, seja oponível a qualquer grupo

que venha a exercer o poder político —; o restante da ex-

tensão possível do princípio deverá ser preenchido pela de-

liberação majoritária, em função da convicção das maiorias

em cada momento político: e nesse ponto ter-se-á, em es-

pecial, as regras infraconstitucionais. Isto é: esse espaço de

expansão do princípio fica reservado, pela Carta, à defini-

ção pelos meios próprios da deliberação democrática em

um ambiente de pluralismo político. Em suma: caberá ao

Legislativo e ao Executivo, no exercício de suas competên-

261

MELLO, Cláudio Ari.

Democracia constitucional e direitos

fundamentais

2004.

262

Fica a ressalva de que em Constituições compromissorias e

elaboradas em um ambiente sujeito a pressões corporativas não é

incomum encontrarem-se regras que em nada se relacionam com a idéia

de consenso mínimo exposta no texto.

189

cias constitucionais, formularem as opções que darão con-

teúdo aos princípios para além de seu núcleo '.

O reflexo do que se acaba de expor sobre o estudo da

ponderação reforça o parâmetro proposto inicialmente: as

regras (constitucionais e infraconstitucionais) devem ter

preferência sobre os princípios. Isto é: em uma situação de

conflito inevitável, a regra deve ser preservada e o princípio

ses efeitos ou, ainda, que o Legislativo e/ou o Executivo

estejam livres para formular quaisquer opções sob o pre-

texto de estarem disciplinando a área não nuclear de um

princípio constitucional. Como se sabe, aos princípios, em

toda a sua extensão, se reconhecem as modalidades de efi-

cácia interpretativa, negativa e, quando seja o caso, vedati-

va do retrocesso  6 . Também não está afastado o conheci-

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comprimido, e não o oposto.

Ao se afastar uma regra sob o fundamento de que ela se

oporia a alguma conduta derivada da área não nuclear de

um princípio, incorre-se em um conjunto de distorções.

Em primeiro lugar, caso se trate de uma regra infraconsti-

tucional, o intérprete estará conferindo à sua concepção

pessoal acerca do melhor desenvolvimento do princípio

maior importância do que à concepção majoritária, apurada

pelos Órgãos legitimados para tanto. A situação é ainda mais

grave se a regra envolvida consta da Constituição. Nesse

caso, o intérprete estará afastando a incidência de uma re-

gra elaborada pelo poder constituinte originário e que,

como padrão, veicula consensos básicos do Estado organi-

zado pela Constituição. Por fim, como a solução do caso

baseou-se na percepção individual do intérprete, muito

freqüentemente ela não se repetirá em circunstâncias idên-

ticas, ensejando violações do princípio da isonomia.

O que se acaba de expor não significa que a área não

nuclear dos princípios não pretenda produzir efeito algum

e que nenhuma conduta possa ser exigida para realizar es-

263

Naturalmente que o que se acaba de descrever produz uma

dificuldade que será preciso enfrentar: trata-se de definir, em relação a

cada princípio ao qual a distinção seja aplicável, o que corresponde ao

núcleo, e portanto tem natureza de regra, e o que diz respeito à sua

áre

não nuclear, em relação à qual vale o que se expôs acima acerca da

estrutura dos princípios.

190

264 Por eficácia negativa se designa a possibilidade de exigir que atos e

decisões contrárias aos efeitos pretendidos pelo princípio (isto é: que se

encontrem fora do campo de atuação legítimo traçado por ele) sejam

considerados inválidos. A vedação do retrocesso é

uma aplicação

especific

da eficácia negativa às hipóteses em que a revogação das

disposições que regulamentam o exercício de direitos fundamentais

torna-os inaplicáveis, configurando uma ação inconstitucional. Com

fundamento na eficácia interpretativa por sua vez, é possível exigir que,

dentre as interpretações possíveis dos enunciados, o Judiciário adote

aquela que melhor contribui para a realização dos princípios. V. sobre o

tema geral da eficácia jurídica dos princípios, MIRANDA, Jorge.

Manual

de direito constitucional vol.

11, 1990, p. 220 e ss.; BIDART CAMPOS,

German J La interpretacion y el control constitucionales eu la

juriscliccion constitucional 1987, p. 238 e ss.; SILVA, José Afonso da.

Aplicabilidade das normas constitucionais

1998; BARROSO, Luís

Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas 2003, p.

113 e ss.; e BARCELLOS, Ana Paula de. A

eficácia jurídica dos princípios

constitucionais — O princípio da dignidade da pessoa humana

2002, p.

66 e ss.. Sobre a vedação do retrocesso, em particular, v. VIEIRA DE

ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição

portuguesa de

1976, 1998, pp. 307 e 308; SILVA, José Afonso da.

Aplicabilidade das normas constitucionais

1998, p. 158 e ss.; SARLET,

Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica:

dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de

retrocesso social no direito constitucional brasileiro . In:

ROCHA,

Carmen Lúcia Antunes (organizadora).

Constituição e segurança

jurídica.- direito adquirido ato jurídico perfeito e coisa julgada — estudos

em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence

2004, pp. 85 a 135;

MENDONÇA, José Vicente Santos de.

Vedação do retrocesso: o que é e

como perder o medo

Revista da Associação dos Procuradores do Novo

Estado do Rio de Janeiro, vol. XII — Direitos Fundamentais, 2004, pp.

191

mento, já consolidado, de que a interpretação das regras

(constitucionais e infraconstitucionais) deve ser informada

pelos princípios. Lembre-se, porém, que o objeto deste es-

tudo — a técnica de ponderação — só entra em cena quan-

do o conflito normativo não pode ser superado por nenhum

desses recursos da teoria constitucional moderna.

Na verdade, retomando a imagem dos princípios como

Em suma: seja porque essa é a conseqüência natural das

diferenças estruturais entre princípios e regras, seja por-

que, considerando o contexto constitucional, as duas espé-

cies de enunciados desempenham funções diferentes, o

primeiro parâmetro que deve orientara ponderação é o de

que as regras devem ter preferência em face dos princípios.

Assim, diante de um conflito insuperável entre regra e

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círculos concêntricos, que ocupam grandes áreas, porém

de maneira difusa e com pouca densidade (com exceção de

seu próprio núcleo), as regras podem ser visualizadas corno

pontos de alta densidade espalhados por toda essa superfí-

cie. Os princípios, para além de seu núcleo, estabelecem as

fronteiras de um largo campo de atuação possível, dentro

de cujos limites as opções políticas podem ser consideradas

legítimas. As regras correspondem exatamente a decisões

políticas específicas, de efeitos determinados, já tomadas

no interior de tais fronteiras2 6 5

 

205 a 236; e BAPTISTA, Felipe Derbli de Carvalho.

A Constituição de

1988 e o princípio da proibição do retrocesso social: uma investigação dos

limites à atividade legislativa

ainda mimeografada, 2004.

265 LEITE, George Salomão e LEITE, Glauco Salomão. A abertura da

Constituição em face dos princípios constitucionais . In: SALOMÃO,

George (organizador).

Dos princípios constitucionais. Considerações em

torno das nonnas principiológicas da Constituição

2003, p. 159: A

Constituição, em razão de sua incompletude, permanece aberta ao

tempo. Por esta razão, na maior parte das vezes traça apenas as diretrizes,

os fundamentos das matérias objeto de regulamentação

normativo-constitucional, deixando o papel de integração/concretização

nas mãos do legislador e dos aplicadores do Direito. A Constituição não

estabelece nem determina a total ordenação da unidade política, senão

limita-se apenas a consignar em seu corpo os princípios setores de uma

determinada coletividade. (...) Entretanto, esta abertura e flexibilidade

constitucional só se tornam possíveis em razão da presença dos princípios

na Constituição. O elevado teor de abstração e a intensa carga axiológica

fazem com que a Constituição acompanhe a dinâmica social sem,

contudo, cair em desuso.

192

princípio que demande a ponderação dos enunciados em

choque, a regra constitucional (aqui incluído 

repita-se, o

núcleo dos princípios) deve ser preservada e o princípio,

comprimido.

O funcionamento desse parâmetro, aplicado a um con-

flito entre um princípio constitucional e uma regra infra-

constitucional, pode ser observado na Ação Direta de In-

constitucionalidade n°223, julgada pelo Supremo Tribunal

Federal. As características do caso eram as seguintes. No

pacote jurídico que acompanhou o Plano Collor foi editada

a Medida Provisória n° 173, de 18.03.1990, que vedava a

concessão de liminar em mandados de segurança e em a-

ções ordinárias e cautelares decorrentes de um conjunto de

10 (dez) outras medidas provisórias2 5 6

, bem como proibia a

execução das sentenças proferidas em tais ações antes de

seu trânsito em julgado. A Ação Direta de Inconstituciona-

lidade n° 223

 

foi proposta para o fim de ver declarada a

inconstitucionalidade da MP n° 173/1990 por afronta, ge-

266 As 10 (dez) medidas provisórias (151, 154, 158, 160, 161, 162, 164,

165, 167 e 168) versavam sobre assuntos variados: extinção de entidades

da Administração Pública, criação de nova sistemática para reajustes de

preços e salários em geral, isenção ou redução do imposto de importação,

legislação tributaria em vários pontos (imposto sobre operações

f i nance i ras e i mpos t o

de renda principalmente), dentre outros temas.

267 STF AD1n 223 MC/DF Rel. Min. Paulo Brossard DJU

29.06.1990.

193

nericamente, aos princípios do acesso à justiça e da inafas-

tabilidade do controle judicial.

Por maioria, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal

Federal indeferiu a liminar solicitada na medida cautelar

requerida juntamente com a ação direta de inconstitucio-

nalidade, manifestando o entendimento de que, ao menos

em juízo sumário, a MP n° 173/1990 seria constitucional.

Na verdade, a leitura dos votos proferidos na ocasião

revela que as discussões travadas no STF por conta da

ADIN n° 223 tiveram três frentes principais: na primeira

delas, discutiu-se propriamente o conflito entre a MP n°

173/1990 e o princípio constitucional do acesso à Justiça;

na segunda frente, vários votos preferiram examinar o pro-

blema sob o ponto de vista técnico-processual no que dizia

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Nada obstante, a ementa do acórdão registra um comentá-

rio incomum: a decisão que se acabava de tomar no STF

não impedia que qualquer juiz, diante de um caso concre-

to, considerasse a norma inconstitucional

  8

 

268 Esta é a parte mais relevante da ementa: Ação direta de

inconstitucionalidade contra a Medida Provisória 173, de 18.3.90, que

veda a concessão de 'medida liminar em mandado de segurança e em

ações ordinárias e cautelares decorrentes das medidas provisórias

números 151, 154, 158, 160, 162, 165, 167 e I68': indeferimento do

pedido de suspensão cautelar da vigência do diploma impugnado: razões

dos votos vencedores. Sentido da inovadora alusão constitucional à

plenitude da garantia a jurisdição contra a ameaça a direito: ênfase a

função preventiva de jurisdição, na qual se insere a função cautelar e,

quando necessário, o poder de cautela liminar. Implicações da plenitude

da jurisdição cautelar, enquanto instrumento de proteção ao processo e

de salvaguarda da plenitude das funções do Poder Judiciário.

Admissibilidade, não obstante, de condições e limitações legais ao poder

cautelar do juiz. A tutela cautelar e o risco do constrangimento

precipitado a direitos da parte contrária, com violação da garantia do

devido processo legal. Conseqüente necessidade de controle da

razoabilidade das leis restritivas ao poder cautelar. Antecedentes

legislativos de vedação de liminares de determinado conteúdo. Critério

de razoabilidade das restrições, a partir do caráter essencialmente

provisório de todo provimento cautelar, liminar ou não. Generalidade,

diversidade e imprecisão de limites do âmbito de vedação de liminar da

MP 173, que, se lhe podem vir, a final, a comprometer a validade,

dificultam demarcar, em tese, no juizo de delibação sobrei) pálido de sUja

suspensão cautelar, até onde são razoáveis as proibiçõeS'néli imposta&

enquanto contenção ao abuso do poder cautelar, e onde se inicia,

inversamente, o abuso das limitações e a conseqüente afronta à plenitude

respeito ao cabimento da liminar na hipótese; e um terceiro

e interessante debate se travou acerca da posição política

do STF. Vários Ministros questionaram, considerando o

regime democrático e os limites do papel do STF, a perti-

nência de uma decisão capaz de por em risco plano de re-

cuperação econômica que contava com amplo apoio popu-

lar e que seria de imediato submetido ao Congresso Nacio-

nal. De toda sorte, para os fins deste estudo apenas a pri-

meira das discussões é pertinente.

Os Ministros Paulo Brossard, relator do feito, Celso de

Mello e Sepúlveda Pertence foram os que de forma mais

direta enfrentaram a questão do conflito entre a MP n°

173/1990 e o princípio constitucional do acesso à Justiça,

embora tenham chegado a conclusões diversas. O Ministro

Paulo Brossard deferiu a liminar em parte, para considerar

inconstitucional a restrição imposta pela MP no caso de

mandados de segurança. O Ministro Celso de Mello a defe-

riu completamente, por entender inconstitucional como

um todo a medida. O Ministro Sepúlveda Pertence, por

sua vez, indeferiu a liminar, no que acabou sendo acompa-

nhado pela maioria, ainda que por razões diversas.

da jurisdição e ao Poder Judiciário. Indeferimento da suspensão liminar

da MP 173, que não prejudica, segundo o relator do acórdão, o exame

judicial em cada caso concreto da constitucionalidade, incluída a

razoabilidade, da aplicação da norma proibitiva da liminar.

Considerações, em diversos votos, dos riscos da suspensão cautelar da

medida impugnada.

195

194

A argumentação do Ministro Paulo Brossard pode ser

resumida da seguinte forma. Para o Ministro, a proibição

de liminares em abstrato não seria inconstitucional, tanto

assim que outras disposições, jamais consideradas inconsti-

tucionais pelo STF, já previam essa possibilidade. Em algu-

mas circunstâncias, no entanto, essa restrição poderia se

tornar grave a ponto de impedir o acesso do cidadão ao

O Ministro Celso de Mello, diversamente, deferiu inte-

gralmente a liminar requerida por entender que a lei não

poderia impor restrições à concessão de liminares, já que o

poder de conferi-las é necessário para que o Estado possa

adimplir sua obrigação de prestar tutela jurisdicional °.

período relativamente longo e que se pode tornar excessivamente longo,

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Poder Judiciário: nessas hipóteses, tais restrições seriam

inválidas e não poderiam ser admitidas.

A MP, a juízo do Ministro Relator, era excessivamente

ampla e geral nas restrições que impunha, podendo chegar

a bloquear a atuação do Poder Judiciário na reparação de

lesões e ameaças de lesões. Na tentativa de distinguir as

situações — restrições aceitáveis do acesso à Justiça e

restrições inaceitáveis — o Ministro Brossard criou um pa-

râmetro. A MP havia impedido a concessão de liminares e

a execução provisória de decisões em ações ordinárias, cau-

telares e mandados de segurança; porém, afirmou o Minis-

tro, o mandado de segurança é em si mesmo um direito

individual tutelado pela Constituição de modo que, em

relação a ele, não se poderia admitir qualquer espécie de

restrição em tese

  9

 

269 Confiram-se alguns trechos de seu voto: Em determinadas

situações, porém, a lei veda a sua concessão. De modo que, in abstracto,

a proibição de liminares não chega a constituir novidade e tem sido

admitida. (fls. 05)

(...) No caso vertente, o que chama desde logo a atenção é a

amplitude e generalidade da medida, que envolve nada menos de dez

medidas provisórias, com mais de uma centena de dispositivos, bem

como sua extensão. De chofre, por via unilateral e imperatória,

sumariamente se proíbe a concessão de liminares, bem como a execução

de sentença sem trânsito em julgado, em mandados de segurança, em

ações ordinárias e em ações cautelares, decorrentes das dez medidas

provisórias, que enumera. Desse modo, a missão reparadora de lesões de

direitos, inerente ao Poder Judiciário, fica bloqueada e durante um

196

não se pode dar a reparação judicial, ainda que a lesão seja insigne e o

direito liquido e certo. (fls. 09)

(...) Em relação a algumas normas, a irreparabilidade do dano é

menos clara ou mais hipotética; da medida provisória 151, por exemplo.

Em relação a outras, porém, qualquer procrastinação significaria o

abandono do cidadão ao arbítrio da autoridade, sem que se pudesse

levantar o escudo protetor da lei maior na defesa do seu direito,

condenado por medidas de duvidosa constitucionalidade ou de

transparente inconstitucionalidade. (fls. 10/11)

(...) Buscando um critério objetivo e seguro, quer me parecer que na

medida em que se tratar de direito individual ferido ou ameacado de

lesão para cuja proteção eficaz a própria Constituição outorga, também

como direito individual o mandado de segurança, não pode este ser

tolhido; o mandado de segurança, na sua expressão tradicional, é um

direito individual em si mesmo, tanto mais valioso quando, muitas vezes,

é o mais apropriado e eficaz instrumento de defesa de outros direitos

individuais exatamente pela possibilidade de proteção liminar. De modo

que, permitir sua paralisia, ainda que parcial e limitada, importaria em

atingir, em maior ou menor grau, além do próprio mandado de segurança,

outros direitos individuais, solenemente assegurados na Constituição.

(fls. 11) (sublinhado no original)

27 A linha de pensamento do Ministro pode ser facilmente

compreendida pelo exame dos seguintes trechos de seu voto: Essa

correlação, que se traduz no binômio direito subjetivo ao processo /

obrigação estatal de efetivação da tutela jurisdicional, não pode ser

unilateralmente rompida pelo Poder Público, sob pena de configurar, o

ato de sua inobservância, uma frontal ofensa ao dogma do judicial review.

(fls. 02)

(...) A proteção jurisdicional imediata, dispensável a situações

jurídicas expostas a lesão atual ou potencial, não pode ser inviabilizada por

ato

normativo de caráter infraconstitucional que, vedando o exercício

liminar da tutela jurisdicional cautelar pelo Estado, enseja a aniquilação

197

O Ministro Sepálveda Pertence, por sua vez, partiu do

mesmo pressuposto lógico usado pelo Ministro Brossard.

Também para ele não se trata de considerar inconstituci

o-

nal toda e qualquer restrição feita à concessão de liminares,

mesmo porque o princípio do devido processo legal poderá

recomendar alguma limitação nesse sentido. Entretanto,

não seria possível em abstrato saber em que momento essa

A questão discutida pelos Ministros pode afinal ser des-

priori a toda e qualquer restrição que se faça à concessão de liminar, é

impossível, no cipoal, de medidas provisórias que se subtraíram ao

deferimento de tais cautelares initio litis, distinguir, em tese e

só assim

poderemos decidir neste processo—, até onde as restrições são razoáveis,

até onde são elas contenções, não ao uso regular, mas ao abuso do poder

cautelar, e onde se inicia, inversamente, o abuso das limitações e a

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restrição deixa de ser adequada e necessária e afeta essen-

cialmente o princípio do acesso à Justiça. Apenas diante do

caso concreto será possível aferir essa inconstitucionalida-

de. Por essa razão, o Ministro decidiu indeferir a liminar

pleiteada, ressalvando, porém, que cada juiz poderá, diante

de um caso concreto, declarar a inconstitucionalidade da

norma incidentalmente. O Ministro Relator, embora venci-

do, fez constar essa ressalva na parte final da ementa do

acórdão ' .

do próprio direito material. O princípio da inafastabilidade do controle

jurisdicional representa, pelo seu caráter global e abrangente,

instrumento de defesa do direito à ação de conhecimento, do direito à

ação de execução e do direito à ação cautelar. Particularizar qualquer

dessas situações e, em conseqüência, excluí-Ia da tutela constitucional

significaria, em última análise, repudiar conquista de inegável valor

político-jurídico. (fls. 08/09)

Voto, assim, tendo presentes as razões expostas, pela concessão

integral da liminar postulada. (fls. 10)

271 Confira-se a reprodução do pensamento do Ministro Pertence sobre

a questão: De tal modo, Senhor Presidente, que o que choca, realmente,

na Medida Provisória 173 são a generalidade e a imprecisão. Não se trata,

apenas, de proteger leis de emergências. Repito: se fez uma reforma, que

eu não tenho como avaliar neste momento, as suas repercussões, uma

reforma diversificada da Legislação Tributária Federal e até se chegou ao

Direito Privado, ao Direito Cambial. (...) Mas, Senhor Presidente, essa

generalidade e essa imprecisão, que a meu ver, podem vir a condenar, no

mérito, a validez desta medida provisória, dificultam, sobremaneira agora,

esse juízo sobre a suspensão liminar dos seus efeitos, nesta ação direta.

Para quem, como eu, acentuou que não aceita veto peremptório, veto a

conseqüente afronta à jurisdição legítima do Poder Judiciário. (fls.

10)

(...) Por isso, Senhor Presidente, depois de longa reflexão, a

conclusão a que cheguei, data venia dos dois magníficos votos

precedentes, é que a solução adequada às graves preocupações que

manifestei — solidarizando-me nesse ponto com as idéias já manifestadas

pelos dois eminentes Pares — não está na suspensão cautelar da eficácia,

em tese, da medida provisória. O caso, a meu ver, faz eloqüente a extrema

fertilidade desta inédita simbiose institucional que a evolução

constitucional brasileira produziu, gradativamente, sem um plano

preconcebido, que acaba, a partir da Emenda Constitucional 16, a acoplar

o velho sistema difuso americano de controle da constitucionalidade ao

novo sistema europeu de controle direto e concentrado. Mostrei as

dificuldades que vejo na suspensão cautelar da eficácia da própria lei em

tese. (fls. 11)

(...) O que vejo, aqui, embora entendendo não ser de bom aviso,

naquela medida de discricionariedade que há na grave decisão a tomar, da

suspensão cautelar, em tese, é que a simbiose institucional a que me

referi, dos dois sistemas de controle da constitucionalidade da lei,

permite não deixar ao desamparo ninguém que precise de medida liminar

em caso onde — segundo as premissas que tentei desenvolver e melhor do

que eu desenvolveram os Ministros Paulo Brossard e Celso de Mello — a

vedação da liminar, por que desarrazoada, por que incompatível com o

art. 5', XXXV, por que ofensiva do âmbito de jurisdição do Poder

Judiciário, se mostra inconstitucional. Assim, creio que a solução estará

no manejo do sistema difuso, porque nele, em cada caso concreto,

nenhuma medida provisória pode subtrair ao juiz da causa um exame da

constitucionalidade, inclusive sob o prisma da razoabilidade, das

restrições impostas ao seu poder cautelar, para, se entender abusiva essa

restrição, se a entender inconstitucional, conceder a liminar, deixando de

dar aplicação, no caso concreto, à medida provisória, na medida em que,

em relação àquele caso, a julgue inconstitucional, porque abusiva. (fls.

12)

198

199

crita da seguinte forma: uma regra de natureza infraconsti-

tucional encontra-se em aparente colisão com um princípio

constitucional — o princípio do acesso à Justiça ou da ina-

fastabilidade do controle judicial. Para o Ministro Celso de

Mello trata-se de um caso simples de inconstitucional ida-

de: para ele há de fato uma colisão total entre a regra e o

princípio constitucional de modo que a primeira será na-

pios constitucionais: no primeiro caso o choque poderá se

dar com o núcleo do princípio; no segundo com a área não

uclear do princípio. Para essas duas situações de conflito

potencial já se pode apresentar soluções padronizadas:

quando a regra infraconstitucional viola o núcleo essencial

do princípio constitucional haverá simples inconstituciona-

lidade da regra e não ponderação. No segundo quando a

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turalmente inválida. Não há novidade neste ponto. Para os

Ministros Paulo Brossard e Sepúlveda Pertence no entan-

to a situação é diversa. Ambos reconhecem que a regra cria

iestrições ao princípio. Entretanto algumas dessas restri-

ções serão aceitáveis e legítimas; outras ao contrário afe-

tarão tão gravemente o acesso à Justiça que não podem ser

consideradas válidas Ou seja: uma regra poderá valida-

mente restringir o princípio até um determinado ponto

mas não além dele.

De certa forma a conclusão dos dois Ministros decorre da

circunstância registrada acima de que muitos princípios

são compostos por duas áreas de sentido: um núcleo onde

se situam seus efeitos essenciais e uma área não nuclear

como a coroa de dois círculos concêntricos para onde o

princípio se expande quase indefinidamente dependendo

das concepções individuais acerca do tema. Caso a restri-

ção produzida por uma regra incida nessa área de expansão

não haverá invalidade ao passo que se a restrição disser

respeito ao núcleo do princípio haverá inconstitucionalida-

de. O interessante no caso examinado pelo STF é que as

diferentes normas produzindo diversos níveis de restrição

do princípio constitucional terão como origem o mesmo

enunciado normativo o mesmo dispositivo legal: a

MP

173/1990.

O precedente examinado ilustra duas possibilidades

em que regras estarão entrando em confronto com princí-

oposição se passa entre a regra e a área não nuclear de um

princípio em geral a regra permanecerá sendo considerada

válida na qualidade de opção legítima do legislador demo-

cráticom e nesse ponto se realiza o primeiro parâmetro

descrito acima: as regras têm preferência sobre os prin-

cípios.

VIII.2. É possível ponderar regras?

a Modalidades de conflitos envolvendo regras

A despeito de toda a fundamentação do parâmetro que

se acaba de expor a experiência tem demonstrado que esse

modelo adotado de forma pura se mostra muitas vezes

insuficiente diante de casos concretos. Ou seja há hipóte-

ses em que a regra perfeitamente válida em tese e perti-

nente no caso parece desencadear um conflito insustentá-

vel com outros enunciados normativos. Como resolver esse

conflito? Parte da doutrina sustenta que nesses casos tam-

272 Salvo por natural se a opção do legislador for tão incompatível com

os efeitos pretendidos pelo princípio que esteja fora inclusive de sua área

não nuclear Nessa hipótese a regra será inválida por conta da eficácia

negativa reconhecida aos princípios.

201

00

bém a regra deve ser ponderada. Será?  7 3

Como exposto

acima, a lógica da ponderação está associada à estrutura dos

princípios, de modo que é possível ponderá-los sem que

isso produza a sua não aplicação absoluta

  7 4

. Em outras pa-

273 Na verdade, essa parece ser a posição dos autores que concebem a

ponderação (i) em sentido amplo (pela qual todos os tipos de argumentos,

lavras, a ponderação pode conduzir a uma compressão recí-

proca entre os princípios envolvidos (suas áreas não nuclea-

res), que prosseguem sendo aplicados e respeitados como

válidos, ainda que em intensidades diversas. Mas o que di-

zer das regras?

É verdade que, por vezes, elementos contidos na pró-

pria estrutura da regra conferem ao intérprete certa liber-

dade na definição de seu sentido. O exemplo mais evidente

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jurídicos e não jurídicos, são levados em consideração) e (ii) como uma

atividade inerente a qualquer interpretação jurídica (vide Capítulo I).

Para eles, as regras poderiam ser superadas mediante um processo de

ponderação de razões: se há mais razões para a aplicação da regra, ela deve

prevalecer; se, ao contrário, há mais razões para sua não incidência, não se

deve aplicá-la. As normas que decorrem das regras, portanto, teriam um

caráter apenas preliminar, já que poderiam ser afastadas por razões

contrárias, cabendo ao julgador, em cada caso concreto, fazer essa

avaliação. Nesse sentido, ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios

2003,

pp. 45 e 46: As regras também podem ter seu conteúdo preliminar de

sentido superado por razões contrárias, mediante um processo de

ponderação de razões. Ademais, isso ocorre nas hipóteses de relação entre

a regra e suas exceções. A exceção pode estar prevista no próprio

ordenamento jurídico, hipótese em que o aplicador deverá, mediante

ponderação de razões, decidir se há mais razões para a aplicação da

hipótese normativa da regra ou, ao contrário, para a de sua exceção. (...) E

a exceção pode não estar prevista no ordenamento jurídico, situação em

que o aplicador avaliará a importância das razões contrárias à aplicação da

regra, sopesando os argumentos favoráveis e os argumentos contrários à

criação de uma exceção diante do caso concreto. (...) O importante é que

o processo mediante o qual

as exceções

são constituídas também é um

processo de valoração de razões; em função da existência de uma razão

contrária que supera axiologicamente a razão que fundamenta a própria

regra, decide-se criar uma exceção. Trata-se do mesmo processo de

valoração de argumentos e contra-argumentos — isto é, de ponderação. .

V. sobre o tema HAGE, Jaap C.

Reasoning with Rules 1997

p. 113 e ss..

Como se verá no texto, não se está de acordo com essa posição, ao menos

não na abrangência sugerida.

274 Mesmo os autores que sustentam a possibilidade genérica da

ponderação de regras reconhecem que se trata de um mecanismo

excepcional, urna vez que a ponderação se aplica mais propriamente aos

princípios. V. PECZENIK, Aleksander. On

Law and Reason

1989, p. 81:

202

dessa situação é o das regras que empregam conceitos jurí-

dicos indeterminados ou cláusulas de indeterminação de

outra natureza — como mulher honesta , relevante inte-

resse social , dentre outros. Nessas hipóteses, o aparente

conflito da regra com outras disposições poderá ser supera-

do dependendo do sentido que se atribua ao conceito nela

contido

5 .

Weighing in the law also concerns both principies and rules. All socially

established legal norms, expressed in statutes, precedents etc., have a

merely prima facie character. The step from prima facie legal mies to the

ali-things-considered legal (and moral) obligations, claims etc. involves

evaluative interpretation, that is, weighing and balancing. For that reason,

one may doubt whether the distinction between rules and principies is

important. To answer this question, one must evaluate the following

differences between rules and principles. (The list of differences has been

elaborated in cooperation with Aulis Aamio). 1. Unlike a principie, the

rule in question may be obeyed or not. There are no degrees of obedience.

The rule does not claim to be obeyed as much as possible. h rather claims

to be obeyed in so many cases as possible. (...) In routine ('easy') cases,

one ought to follow socially established legal rules without any necessity

of weighing and balancing. An act of weighing and balancing is then

necessary only in order to ascertain whether the case under adjudication

is an easy one or not. Only if the case is not easy but 'hard', must one

perform a value-laden legal reasoning, that is, an act of weighing and

balancing. On the other hand, no cases of application of principies are

easy. (grifos no original)

275 No HC 73662/MG (Rel. MM. Marco Aurélio, DJU 20.09.1996), já

referido, o aparente conflito normativo foi resolvido por esse mecanismo.

203

Nada obstante, quando não for esse o caso, é difícil

conceber a aplicação mais ou menos intensa de determina-

da regra. E a submissão de uma regra ao processo de ponde-

ração poderá ter como resultado final a sua não aplicação

no caso específico. Isto é: a ponderação de regras poderá

acarretar a ruptura do sistema do Estado de direito, já que

o intérprete simplesmente deixaria de aplicar uma regra

Em caso que obteve pouca repercussão na imprensa, a

2

a Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade,

sendo relator do feito o Ministro Marco Aurélio, decidiu

trancar ação penal proposta com fundamento no art. 1° do

Decreto-lei n° 201/1967

 

, contra ex-prefeita, por contra-

tação sem realização de concurso público. A hipótese pode

ser resumida nos seguintes termos'.

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válida em abstrato e que seria pertinente no caso concreto.

Como lidar com essa espécie de dificuldade?

Na verdade, é importante distinguir duas modalidade

s

bastante diferentes de situações que envolvem regras e re-

lativamente às quais parece ser necessário empregar a pon-

deração. A

primeira

delas, e por certo a mais freqüente, se

dá quando a incidência da regra no caso produz uma injus-

tiça tão grave que parece intolerável. Por conta do sentido

relativamente indeterminado da idéia de justiça, é comum

que o intérprete perceba e descreva o problema como um

conflito da regra com princípios como os da razoabilidade,

proporcionalidade e até o da dignidade humana, e acabe

deixando de aplicar a regra alegando que procedeu a uma

ponderação. Um exemplo ajudará o entendimento.

A 2' Turma do STF dividiu-se entre conceder ou não a ordem a rapaz que

havia mantido relações sexuais com menor de 14 anos por conta das

circunstâncias do caso, que indicavam que a relação havia sido consentida

pela moça. A decisão da maioria, pela concessão da ordem, fundou-se em

uma reinterpretação da expressão presunção de violência

contida nos

arts. 213 e 224,

a

do Código Penal, que foi compreendida na hipótese

como consagrando uma presunção relativa, e não absoluta.

276 Embora não haja necessidade de aprofundar a discussão nesta sede,

vale registrar que razoabilidade e proporcionalidade não são expressões

tecnicamente fungíveis, como a doutrina contemporânea tem procurado

destacar. V. sobre o tema, ÁVILA, Humberto.

Teoria dos princípios

2003, p. 94 e ss.; e SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o

razoável

Revista dos Tribunais n° 798, 2002, pp. 23 a 50.

204

O Município de São José de Coroa Grande, Pernambu-

co, contratou sem concurso público, por um período de

cerca de 9 (nove) meses (12 de abril de 1992 a 28 de

janeiro de 1993), um gari. Posteriormente, o gari veio a

ingressar na justiça trabalhista para ver reconhecida uma

série de direitos e o Município, em sua defesa, alegou a

nulidade da relação por ausência de concurso público. O

Juízo trabalhista acolheu a alegação, julgou improcedente a

reclamação trabalhista e determinou a remessa de peças ao

Ministério Público, para que este promovesse a responsabi-

lização da autoridade responsável pela contratação direta.

A ação penal foi então proposta contra a ex-prefeita. O

habeas corpus

foi impetrado contra o acórdão do Superior

277 Decreto-Lei n°201/1967: Art.1 — São crimes de responsabilidade

dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário,

independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

(...) XIII — Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa

disposição de lei.

(...) § I° Os crimes definidos neste artigo são de ordem pública,

punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e

os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.

§ 2° A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste

artigo acarreta a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos,

para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem

prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou

particular.

278 STF, Rel. Min. Marco Aurélio, HC 770034/PE, DJU 11.09.98.

205

Tribunal de Justiça que confirmou o recebimento da de-

núncia contra a ex-Prefeita.

A 2' Turma do Supremo Tribunal Federal, em votação

unânime, concedeu a ordem de

habeas corpus

determinan-

do o trancamento da ação penal por falta de justa causa.

Não foi suscitada, nem mesmo pela impetrante (ao menos

ao que consta do relatório), qualquer discussão sobre os

fatos: realmente houve a contratação direta do gari, sem

ção da regra. Em resumo, a incidência da regra no caso

produzia um resultado tão injusto, que ela foi afastada.

Note-se que em ponto algum se questionou a validade do

art. 1° do Decreto-lei n°201/1967, a estatura constitucio-

nal da exigência do concurso público ou a ilicitude de sua

não observância. Apenas se considerou que, naquele caso, a

conseqüência indicada pelo enunciado era grave demais.

O problema da injustiça grave que decorre da incidên-

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concurso público, pelo período referido. Em seu relatório,

o

Ministro Marco Aurélio reproduz afirmação do impetran-

te de que a ex-Prefeita sequer conhecia o gari, mas nenhum

dos votos fez qualquer consideração sobre esse ponto.

A conclusão dos Ministros para o caso foi, textualmen-

te, a seguinte:

insignificância jurídica do ato apontado

como delituoso gerando falta de justa causa para a ação

penal.

Para fundamentar sua conclusão, o acórdão invoca

genericamente os princípios constitucionais da razoabilida-

de e da proporcionalidade e o princípio da insignificância

ou da bagatela, considerando-se que

o evento isolado não

tem nenhuma significação no contexto jurídico da vida de

uma pessoa jurídica de direito público .

Uma última ordem de argumentação adotada no julga-

mento tem natureza pragmática: Não se coaduna com os

interesses maiores da sociedade acionar-se o Judiciário, mo-

vimentando-o, no que já por demais sobrecarregado, tendo

presente situação concreta que nenhum prejuízo trouxe para

o

bem protegido pelo Decreto-lei n° 201/67. .

O acórdão

afirma ainda que o evento não teria causado prejuízo para a

Municipalidade.

Da leitura do acórdão resta bastante claro que os Minis-

tros simplesmente não estavam dispostos a atribuir uma

conseqüência tão grave, como uma ação e uma possível

condenação penais, a um evento tão sem importância real,

embora a hipótese se enquadrasse perfeitamente na descri-

cia de uma regra é relativamente fácil de apreender, ainda

que difícil de solucionar. Embora as regras tratem, em ge-

ral, de condutas, sem maiores considerações sobre o propó-

sito para que foram concebidas, essas condutas estão indi-

retamente associadas, por evidente, a fins e a valores que

buscam realizar. Daí por que se visualiza nas regras

razões

entrincheiradas  9 .

Com essa expressão se pretende trans-

mitir a idéia de que as regras estão ligadas a razões ° últi-

279 A expressão ( razões entrincheiradas ) é de Humberto Ávila. O

autor, tratando sobre a possibilidade de ponderação de regras, faz o

seguinte registro: ÁVILA, Humberto.

Teoria dos princípios, 2003, p. 58:

é preciso ponderar a razão geradora da regra com as razões substanciais

para o seu não cumprimento, diante de determinadas circunstâncias, com

base na finalidade da própria regra ou em outros princípios. Para fazê-lo,

porém, é preciso uma fundamentação que possa superar a importância

das razões de autoridade que suportam o cumprimento incondicional da

regra. . Para uma abordagem geral sobre problemas envolvendo a

interpretação de regras, v. SUNSTEIN, Cass R.

Problems with Rules,

California Law Review n°83, 1995, pp. 953 a 1023.

280 Para uma abordagem mais profunda do conceito de razão na

argumentação jurídica, v. HAGE, Jaap C. Reasoning with Rides, 1997, p.

45: Reasons are facts that derive their status of reasons from a mental

disposition that a belief in the reason causes a belief in the conclusion of

the reason. This means that reasons are on the one hand facts, and

therefore part of the world, and on the other hand mind-dependent. The

causal connection in the mind that forms the basis for the existence of

reasons is dispositional. The belief in the presence of a reason need not

always cause a belief in the conclusion of this reason. If a dispositional

207

206

mas que lhes deram origem, mas a discussão sobre elas está

a priori bloqueada por uma espécie de trincheira. Essa trin-

cheira pode ser descrita como a necessidade de segurança

jurídica e de previsibilidade das relações no âmbito do Es-

tado de direito, que levam o legislador exatamente a insti-

tuir determinada providência sob a forma de regra. Não é

difícil perceber que o sistema seria muitas vezes mais inse-

guro se a cada incidência de uma regra se reabrisse o debate

adequado sacrificar o indivíduo afetado pelo caso concreto

no altar do aprimoramento das instituições político-jurí-

dicas

Ou seja: além dos fins específicos para os quais a con-

duta determinada pela regra pretende contribuir, a simples

observância de seu enunciado realiza outros fins essenciais

ao sistema jurídico, dentre os quais o da segurança e da

previsibilidade  8 . Isso torna o debate sobre a ponderação

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acerca de seus fins e de sua justiça ou injustiça e sua aplica-

ção pudesse ser afastada.

A observância fiel das regras, ainda que elas possam

gerar incidências injustas ocasionais, é um meio de fortale-

cer o respeito institucional pela ordem jurídica. Parece evi-

dente que a flexibilização corriqueira do disposto pelas re-

gras fragiliza a estrutura do Estado de direito, além de favo-

recer o exercício de autoridades arbitrárias e voluntaristas.

Com efeito, se cada aplicador puder afastar uma regra por-

que a considera injusta no caso concreto, pouco valor terão

as regras e o ofício do legislador

  8

' . Por outro lado, será

connection between beliefs is to give rise to reasons, this connection must

both be known and it must be approved of. If the causal connection

between the belief in a reason and the belief in the conclusion of this

reason is incidentally interrupted, there are three

the

interruption is the consequence of belief in the presence of an

exclusionary reason; 2. the interruption is the consequence of the belief

in the presence of a reason against the conclusion; 3. the interruption is a

case of irrationality.

281 HECK, Luís Afonso. Regras, princípios jurídicos e sua estrutura no

pensamento de Robert Alexy .

In:

LEITE, George Salomão

(organizador).

Dos princípios constitucionais. Considerações em torno das

normas principiológicas da Constituição

2003, p. 65: Quem quer inserir

uma exceção carrega uma carga argumentativa, que se refere não só a isto,

que Sua resolução deve ser melhor que a prevista pela regra, mas também

a isto, que ela deve ser tanto melhor que se justifique um desvio de algo

determinado autorizadamente. Isso é um fundamento para isto, que

208

de regras consideravelmente mais complexo, já que não se

trata apenas de uma disputa entre os efeitos pretendidos

pela regra e pelos outros enunciados normativos aparente-

mente em colisão. Mais que isso, cuida-se de uma erupção

da tensão permanente que perpassa o sistema jurídico en-

tre a realização da justiça no caso concreto e o aperfeiçoa-

mento institucional do Estado de direito.

Esse conflito pode ser ilustrado com um exemplo. A

Constituição de 1988 prevê, de forma clara, que serão

inadmissíveis no processo as provas obtidas ilicitamentem.

Boa parte da doutrina: 8 4

e da jurisprudência, e essa é a

posição do Supremo Tribunal Federal, entendem que em

nenhuma hipótese se poderá flexibilizar a regra constitu-

regras têm um caráter

prima facie

essencialmente mais forte que

princípios. As regras formam, em virtude dessa qualidade, a parte dura do

ordenamento jurídico. Quanto mais peso é atribuído ao princípio da

vinculação no determinado autorizadamente e quanto mais é fixado por

regras, tanto mais duro é o ordenamento jurídico.

282 NOVAIS, Jorge Reis .

As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constiuição

2003, pp. 348 e 349.

283 CF : Art. 5°. (...) LVI — são inadmissíveis, no processo, as provas

obtidas por meios ilícitos.

284 Para uma discussão mais ampla sobre o tema, v. GRINOVER, Ada

Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO, Antonio

Magalhães.

As nulidades no processo penal

1998.

209

 

cional

  8

. E isso não apenas porque a regra não admite essa

possibilidade, mas também porque seria catastrófico para a

construção do respeito aos direitos fundamentais, obra ain-

da em curso no âmbito das estruturas de investigação cri-

minal, a possibilidade de se validar uma prova obtida ilici-

tamente. Alguns autores, porém, como o ilustre Professor

José Carlos Barbosa Moreira

  8 6

, tendo em conta outros ele-

mentos, entendem diversamente e admitem alguma espé-

como fins da República'ss, o constituinte tornou difícil a

convivência de decisões gravemente injustas dentro do sis-

tema

  8 9

.

Como equilibrar essas necessidades? No próximo tópi-

co serão propostas três formas de lidar com o problema das

incidências injustas de regras. Antecipando o que será ex-

posto, é possível dizer, de forma simples, que, (i) em qual-

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cie de flexibilização da regra constitucional diante de casos

excepcionais.

Há ainda um outro aspecto a considerar. Se a aplicação

da regra, embora válida em tese, gera uma situação de grave

injustiça no caso concreto

  8 7

, as opções políticas formula-

das pelo constituinte de 1988 oferecem de fato amplo su-

porte àquele que procure uma fórmula para superar a situa-

ção de injustiça. Ao consagrar,

e.g.

a justiça, geral e social,

285 Essa é também a posição de parte da doutrina portuguesa em relação

a dispositivo similar contido naquela Carta. V. NOVAIS, Jorge Reis.

As

restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela

Constiuição

2003, pp. 374 a 375: Por exemplo, quando a nossa

Constituição prescreve a nulidade de todas as provas obtidas mediante

abusiva intromissão na vida privada, no domicilio, na correspondência ou

nas telecomunicações (art. 32, n° 8) a essa disposição subjaz uma óbvia

ponderação de bens. (...) Portanto, as proibições ou imposições decididas

pelo legislador constituinte como resultado de juizos próprios de

ponderação de bens são para levar a sério; por mais que tais resultados lhes

desagradem ou pareçam absurdos, não podem, em consequência,

legislador ordinário, Administração e poder judicial ignorá-los ou

substituí-los pelas suas próprias valorações.

286 BARBOSA MOREIRA, José Carlos.

A Constituição e as provas

ilicitamente obtidas. Revista Forense n°337, 1997, pp. 125 a 134.

287 Note-se que para se chegar a tal conclusão terá sido necessário

percorrer ao menos as duas primeiras etapas da ponderação descritas na

parte anterior do estudo.

288 Preâmbulo, art.

30,1

e 170.

289 Diante dessa espécie de situação, G ünther sustenta que a validade e

a aplicabilidade das disposições normativas formam duas questões

distintas, GONTHER, Klaus. Un

concepto normativo de coherencia para

una teoria de Ia argumentacion jurídica

Revista Doxa n° 17-18, 1995,

pp. 279 e 283: Deseo defender la tesis de que con la fundamentación

imparcial de la validez de una norma pensamos algo diferente a su

aplicación imparcial en un caso particular. Deberia setialarse que a nuestra

comprensión pragmática de una norma válida no pertenece la adecuación

de su aplicación en cualquier caso particular, por lo que tampoco seria

necesaria aquella hipótesis irrealista de que debamos estar en la situación

de prever todas las colisiones pensables de intereses en todo los posibles

casos particulares. (...). De cara a una situación de acción las normas

válidas solo son acplicables prima facie. Este es siempre el caso si las

circunstancias previstas por cilas se dan en una situación de aplicación.

Las circunstancias que se mantienen iguales deben completarse, por

tanto, con una descripción integra de la situación que considere también

las circunstancias variables en cada situación. Dado que esta tarea no la

puede atender ex definitione un discurso de validez, se necesita para elle

un discurso de un tipo especial, ai que en lo sucesivo me referiré como

discurso

de aplicación'. Tan pronto como iniciamos este discurso

debemos ampliar la perspectiva presupuesta con la validez de una norma

a las circunstancias que se mantienen en cada situación. En el discurso de

aplicación las normas válidas tienen tan solo el status de razones prima

facie para la justificación de enunciados normativos particulares tipo

'debes hacer ahora p'. . A despeito da propriedade da distinção, o

imp cto do discurso d v lid de sobre o d plic ção p rece

excessivamente frágil, já que com muita facilidade uma disposição válida

poderá ser considerada inaplicável. O ponto ficará mais claro ao longo do

texto.

211

210

quer caso, a regra deverá ser interpretada de acordo com a

eqüidade; que ii) a regra poderá deixar de ser aplicada na

hipótese de ser possível caracterizar a imprevisão legislati-

va; e que iii) uma determinada norma, produzida pela in-

cidência da regra, poderá ser declarada inconstitucional,

ainda que o enunciado da regra permaneça válido em tese.

Fora dessas hipóteses, isto é, caso afora o uso da eqüidade)

não seja razoável demonstrar a imprevisão legislativa e não

O Supremo Tribunal Federal já examinou alguns casos

similares entre si) em que essa espécie de colisão entre

regras pode ser identificada. Tratava-se de hipótese em que

Estado da Federação não dispunha de recursos para pagar

os precatórios relativos a créditos alimentares, nos termos

do art. 78 do ADCT, e cumprir, ao mesmo tempo, outras

regras constitucionais que exigem investimentos específi-

cos de recursos públicos, como é o caso da obrigação de

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se possa sustentar de maneira consistente a inconstitucio-

nalidade da norma particular, não será legítimo pretender

afastar uma regra a pretexto de ponderá-la.

Cabe ainda identificar, como referido acima, o

segun-

do

tipo de situações nas quais a ponderação estaria envolvi-

da com regras. Esse segundo grupo é bastante excepcional

e congrega aquelas hipóteses em que há uma colisão de

regras, insuperável por qualquer das técnicas tradicionais

da hermenêutica jurídica. Embora pouco freqüentes, esses

casos também exigem a atenção da doutrina e da jurispru-

dência.

Em tais hipóteses, cuida-se na verdade de uma ruptura

do sistema jurídico, pois a antinomia será de tal ordem que

restará ao intérprete apenas escolher qual das regras deverá

ser obedecida e qual delas, desrespeitada. A rigor, sequer

se trata aqui de uma ponderação jurídica ou normativa, mas

sim de uma ponderação de valores ou bens de forma mais

geral. Isso porque, para escolher que regra deve ser aplica-

da, será necessário ascender na escala de abstração e exami-

nar os fins, as razões e os valores que, em última análise,

justificam cada uma das duas regras em confronto as pró-

prias

razões entrincheiradas

referidas acima). De toda for-

ma, nesse ambiente de disputa, será especialmente útil

aplicar não só o raciocínio ponderativo descrito nos capítu-

los anteriores, como também os parâmetros sobre os quais

se tratará nos capítulos seguintes.

aplicar determinados percentuais em prestações de saúde e

educação. Como se sabe, uma das conseqüências possíveis,

tanto do não pagamento dos precatórios, como da não apli-

cação dos percentuais previstos na Carta em prestações de

saúde e educação, é a intervenção federal CF, art. 34, VI

e VII,

e .

A questão que se colocava, portanto, era a de saber se

se deveria autorizar a intervenção, aplicando-se as regras

que disciplinam os precatórios e, indiretamente, determi-

nando o seu pagamento, ao passo que, com o mesmo ato, se

estaria provocando o descumprimento de outras regras

constitucionais. Ao votar em um dos casos, além das regras

específicas em confronto, o Ministro Gilmar Mendes sus-

citou os demais enunciados pertinentes, incluindo princí-

pios, e também outros bens relevantes, como é o caso, a

favor da intervenção, da necessidade de proteção das deci-

sões judiciais e, em sentido oposto, o princípio da autono-

mia dos Estados.

Quanto aos aspectos de fato, a Corte destacou, de um

lado, a boa fé do Estado no caso, que estaria empenhando

seus melhores esforços para solucionar o problema finan-

ceiro. De outro, e o voto do Ministro Gilmar Mendes des-

taca o ponto, a circunstância de que a insuficiência de re-

cursos não seria superada pela simples presença de um in-

terventor. Também ele teria de lidar não apenas com as

limitações financeiras, mas também com as demais regras

212

213

constitucionais que impõem despesas ao Estado de modo

que a intervenção na hipótese restringiria a autonomia do

Estado sem qualquer proveito para o cumprimento da re-

gra pretendida. Na verdade o descumprimento das outras

regras constitucionais envolvendo as aplicações mínima

s

em educação e saúde também ensejam intervenção fede-

ral. Em suma: a providência seria desproporcional.

Nesse contexto a conclusão da Corte foi a de que na

da a proveniente de transferências,

na

manutenção e

desenvolvimento do ensino. A Constituição também pre-

vê, no art. 198, § 2°, a aplicação de recursos mínimos

pelos Estados na área de saúde.

O

descumprimento de

tais obrigações, por óbvio, representaria negativa de efi-

cácia a normas constitucionais, bem como implicaria a

configuração de específica hipótese de intervenção fede-

ral. De fato, o art. 34, VI, alínea 'e', prevê expressamente,

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214

15

medida em que o Estado não esteja atuando dolosamente

com o fim de não pagar suas obrigações — ao contrário

uma vez que seja possível aferir sua boa-fé na gestão dos

recursos públicos — a intervenção não deveria ser autori-

zada por ser desproporcional. Considerou-se ainda que en-

tre a regra que impõe o pagamento dos precatórios e as

regras que determinam o investimento em saúde e educa-

ção estas últimas deveriam ter preferência. Ainda que a

transcrição seja um pouco longa vale reproduzir trecho es-

pecialmente interessante do voto do Ministro Gilmar

Mendes que acabou por conduzir o julgamento:

É evidente a obrigação constitucional quanto aos pre-

catórios relativos a créditos alimentícios, assim como o

regime de exceção de tais créditos, conforme a disciplina

do art. 78 do ADCT. Mas também é inegável, tal como

demonstrado, que o Estado encontra-se sujeito a

u

quadro de múltiplas obrigações de idêntica hierarquia.

Nesse quadro de conflito, assegurar, de modo irrestrito

e imediato, a eficácia da norma contida no art. 78 do

ADCT, pode representar negativa de eficácia a outras

normas constitucionais. Exemplo bastante ilustrativo é

a obrigação dos Estados no que se refere à educação e à

saúde. Nos termos do art. 212 da Constituição, os Esta-

dos estão obrigados a aplicar vinte e cinco por cento, no

mínimo, da receita resultante de impostos, compreendi-

como hipótese de intervenção, a garantia da observância

da 'aplicação do mínimo exigido da receita resultante

de impostos estaduais, compreendida a proveniente de

transferências, na manutenção e desenvolvimento do en-

sino e nas ações e serviços públicos de saúde'.

Diante de tais circunstâncias, cumpre indagar se a me-

dida extrema da intervenção atende, no caso, às três

máximas parciais da proporcionalidade.

É duvidosa, de imediato, a adequação da medida de

intervenção.

O

eventual interventor, evidentemente, es-

tará sujeito àquelas mesmas limitações factuais e nor-

mativas a que está sujeita a Administração Pública do

Estado. Poderá o interventor, em nome do cumprimento

do art. 78 do ADCT, ignorar as demais obrigações cons-

titucionais do Estado? Evidente que não. Por outro lado,

é inegável que as disponibilidades financeiras do regime

de intervenção não serão muito diferentes das condições

atuais.

Enfim, resta evidente que a intervenção, no caso, sequer

consegue ultrapassar o exame de adequação, o que bas-

taria para demonstrar sua ausência de proporcionali-

dade.

Também é duvidoso que o regime de intervenção seja

necessário, sob o pressuposto de ausência de outro meio

menos gravoso e igualmente eficaz. Manter a condução

da Administração estadual sob o comando de um Go-

vernador democraticamente eleito, com a ressalva de

que esteja o mesmo atuando com boa-fé e com o inequí-

voco propósito de superar o quadro de inadimplência, é

inegavelmente medida menos gravosa que a ruptura n

 

condução administrativa do Estado (...).

A intervenção não atende, por fim, ao requisito da pro-

porcionalidade em sentido estrito. Nesse plano, é neces-

sário aferir a existência de proporção entre o objetivo

cional da intervenção, somado às circunstâncias já ex-

postas recomendam a precedência condicionada do

princípio da autonomia dos Estados.

(.-.)

Desse modo, enquanto o Estado de São Paulo se manti-

ver diligente na busca de soluções para o cumprimento

integral dos precatórios judiciais, não estarão presentes

os pressupostos para a intervenção federal ora solicita-

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perseguido, qual seja o adimplemento de obrigações de

natureza alimentícia, e o ônus imposto ao atingido que,

no caso, não é apenas o Estado, mas também a própria

sociedade. Não se contesta, por certo, a especial relevân-

cia conferida pelo constituinte aos créditos de natureza

alimentícia. Todavia, é inegável que há inúmeros outros

bens jurídicos de base constitucional que estariam sacri-

ficados na hipótese de uma intervenção pautada por um

objetivo de aplicação literal e irrestrita das normas que

determinam o pagamento imediato daqueles créditos.

.. 3

Estão claros, no caso, os princípios constitucionais

m

situação de confronto. De um lado, em favor da inter-

venção, a proteção constitucional às decisões judiciais, e

de modo indireto, a posição subjetiva de particulares

calcada no direito de precedência dos créditos de natu-

reza alimentícia. De outro lado, a posição do Estado, no

sentido de ver preservada sua prerrogativa constitucio-

nal mais elementar, qual seja a sua autonomia, e, de

modo indireto, o interesse, não limitado ao ente federa-

tivo, de não se ver prejudicada a continuidade da pres-

tação de serviços públicos essenciais, como educação e

saúde.

Assim, a par da evidente ausência de proporcionalidade

da intervenção para o caso em exame, o que bastaria

para afastar aquela medida extrema, o caráter excep-

da. Em sentido inverso, o Estado que assim não proceda

estará sim, ilegitimamente, descumprindo decisão judi-

cial, atitude esta que não encontra amparo na Consti-

tuição. °

A ponderação em casos como o descrito acima é capaz

de orientar a decisão acerca de qual regra deve ser escolhi-

da. Embora essa espécie de situação continue a representar

uma quebra do sistema, o emprego da ponderação ao me-

nos conferirá maior racionalidade à decisão a ser tomada.

De todo modo, não se trata rigorosamente de uma ponde-

290 STF, IF 164/SP, Rel. MM. Gilmar Mendes, DJU 14.11.2003. Na

verdade, o Ministro reproduziu o seu voto proferido na IF 29I5-5/SP. Em

artigo doutrinário, o hoje Ministro Eros Roberto Grau examinou conflito

similar e concluiu em sentido semelhante: GRAU, Eros Roberto.

A

emenda constitucional n° 30/00: pagamento de precatórios judiciais,

Revista de Direito Administrativo n° 229, 2002, p. 98: Assim,

demonstrada ao Poder Judiciário a excepcionalidade expressa na

inexistência de disponibilidades de caixa suficientes para o pagamento

integral dos precatórios — e quero deixar bem claro que a existência de

disponibilidades para tanto apenas poderá ser computada após a reserva

dos recursos financeiros indispensáveis a assegurar a continuidade dos

serviços públicos — demonstrada essa excepcionalidade, dizia, o

pagamento insuficiente das quantias por ele determinadas não ensejará o

seqüestro; no caso, aliás, não haverá mesmo recursos que possam ser

seqüestrados sem violência ao principio da continuidade dos serviços

públicos.

216

217

ração entre as regras, isto é, entre seus enunciados norma-

tivos, mas sim entre o conjunto de razões e valores que se

acomodam atrás desses enunciados.

Antes de prosseguir no exame para investigar os três

subparâmetros propostos relativamente à questão da inci-

dência injusta de regras, convém fazer uma última observa-

ção. Na parte inicial deste capítulo procurou-se demons-

trar que o primeiro parâmetro para a ponderação é aquele

pelo qual as regras têm preferência sobre os princípios (so-

com fundamento nas leis de Newton o homem chegou à

lua e prevê com precisão os movimentos planetários, e ape-

nas por conta das descobertas de Einstein foi possível de-

senvolver a energia nuclear. Einstein

  9

passou boa parte de

sua vida em busca de uma teoria geral que harmonizasse as

diferentes leis cientificas, que até hoje não foi descoberta.

Nem por isso suas conclusões perderam importância ou

utilidade. Stephen W. Hawking, eleito para ocupar a cadei-

ra de Isaac Newton em Cambridge, registra essa limitação

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bre a área não nuclear deles, lembre-se). Mais que isso,

sustentou-se que as regras não estão logicamente sujeitas à

ponderação. Nada obstante, o que se acaba de registrar, e

igualmente as três fórmulas que se vai discutir na seqüên-

cia, revela que esse parâmetro sofre algumas limitações. E

é de todo conveniente dispor de humildade intelectual

para reconhecê-lo.

Os esquemas intelectuais e as concepções doutrinárias

são necessários e úteis, na tentativa de ordenar e explicar os

fenômenos, mas não podem ter a pretensão de abarcar toda

a realidade com precisão. Nem mesmo no ambiente das

ciências exatas é possível ambicionar esse resultado. Leis

diferentes e contraditórias convivem na Física moderna, na

medida em que cada urna delas é válida em determinado

ambiente. A lei de gravitação de Newton, por exemplo,

continua válida, ainda que alguns de seus pressupostos con-

trariem os da Teoria da Relatividade ' . Nada obstante,

291 EINSTEIN, Albert.

A teoria da relatividade especial e geral, 1999, p.

87; HAWKING, Stephen W.

Uma breve história do tempo, 1995, pp. 55

a 59; ASIMOV, Isaac.

Gênios da humanidade, vol. 2, 1980, pp. 590 a

592; e HART, Michael H.

As 100 maiores personagens da História,

2001,

pp. 58 e 100 a 103. Para Newton, diversamente do que desenvolveu

Einstein mais tarde, o tempo é absoluto e não relativo, o espaço é plano, e

não curvo, e massa e energia são fenômenos diferentes, e não aspectos

diversos do mesmo fenômeno.

218

nos seguintes termos:

Provou-se que é muito difícil descobrir uma teoria que

descreva todo o universo. Por isso divide-se o problema

em diversas partes e inventam-se inúmeras teorias par-

ciais. Cada uma delas descreve e prevê um número limi-

tado de categorias de observação, relegando os efeitos de

outras quantidades, ou os representando por conjuntos

simples de números. Pode ser que esta abordagem seja

completamente errada. Se tudo no universo, de maneira

fundamental, depende de todo o resto, talvez seja im-

possível atingir uma solução plena através da investiga-

ção das partes isoladas do problema. Ainda assim, foi

esta certamente a forma com que se fez progressos no

passado.

93

Se é assim com a física, com muito maior razão será em

temas jurídicos, cuja matéria-prima são relações sociais,

sempre embebidas de toda a complexidade que caracteriza

o homem

  9 4

. Em suma: ainda que os parâmetros gerais aqui

9

Einstein — vida e pensamentos. Clipping,

1997, pp. 26 e 33.

293 HAWK1NG, Stephen

W. Uma breve história do tempo,

1995, pp.

214 e 215.

294 A presença de quebras no sistema é, a rigor, natural. CANARIS,

219

propostos devam conviver com exceções e situações ex-

cepcionais, isso não lhes retira sua consistência e validade.

h Souconandoos conflitos envovendoregras: eqüi-

dade imprevisãoeinvalidadedeincdênca especfic

a

da regra

Como identificado no item anterior, há hipóteses em

que as regras, embora aplicáveis ao caso concreto, geram

se tratou das características e das funções próprias das re-

gras e não há necessidade de reproduzi-los aqui. Afinal, que

legitimidade tem o aplicador para afastar uma decisão dos

órgãos majoritários (isto é: a regra) em favor de sua própria

concepção acerca do que é justo ou injusto, razoável ou

irrazoável? Como já se anunciou, a não ser que a decisão

majoritária seja de tal modo teratológica a ponto de ser

considerada inconstitucional ou, ainda, que seja possível

sustentar que o legislador não cogitou da circunstância con-

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uma solução profundamente injusta e inadequada. Junte-

se a isso o fato, também sublinhado, de que as opções ma-

teriais da Constituição não convivem confortavelment

 

com a consagração de injustiças graves; princípios como o

da justiça social, da razoabilidade e do próprio Estado de

direito repelem essa possibilidade.

Como então lidar com essa dificuldade? Autorizar am-

plamente a não aplicação das regras, na medida em que

pareçam injustas ou impróprias? Ora, os argumentos que

afastam essa linha de atuação já foram examinados quando

creta em questão, não será possível afastar uma regra a

pretexto de ponderação.

Em suma: afora o uso da eqüidade, que em qualquer

caso respeita as possibilidades semânticas do texto, o intér-

prete apenas poderá deixar de aplicar uma regra por consi-

derá-la injusta se demonstrar uma de duas situações: (i)

que o legislador, ao disciplinar a matéria, não anteviu a

hipótese que agora se apresenta perante o intérprete: im-

previsão; ou (ii) que a incidência do enunciado normativo à

hipótese concreta produz uma norma inconstitucional, de

tal modo que, ainda que o legislador tenha cogitado do caso

concreto, sua avaliação deve ser afastada por incompatível

com a Constituição. Sublinhe-se que tais fórmulas funcio-

nam como exceções ao parâmetro geral da preferência das

regras e, por isso mesmo, fazem recair sobre o intérprete o

ônus argumentativo especialmente reforçado de moti-

vação.

Feita essa introdução geral, vale fazer algumas notas

sobre as três idéias expostas, por meio das quais se poderá

superar o problema das regras injustas e da necessidade de

ponderação dessa espécie normativa: a eqüidade, a impre-

visão legislativa e a invalidade de determinada incidência

de regra em tese válida.

Como já era registrado por Aristóteles, o caso concreto

freqüentemente apresentará particularidades que não fo-

ram previstas de forma geral pelo legislador. Assim, ao apli-

Claus-Wilhelm,

Pensamentosstemáticoeconcetodesstema na cênca

dodreto 1989, pp. 199 e 200; De facto a formação de um sistema

completo numa determinada ordem jurídica permanece sempre um

objectivo não totalmente alcançado. Opõe-se-lhe, invencivelmente, a

natureza do Direito e isso a dois títulos. Por um lado, uma determinada

ordem jurídica positiva não é uma 'ratio scripta, mas sim um conjunto

historicamente formado, criado por pessoas, apresentando como tal, de

modo necessário, contradições e incompletudes, inconciliáveis com o

ideal da unidade interior e da adequação e, assim, com o pensamento

sistemático. Mas por outro, há na própria idéia de Direito um elemento

imanente contrário ao sistema e, designadamente, a chamada 'tendência

individualizadora justiça que contracenando com o pensamento

sistemático — assente na 'tendência generalizadorall — tem como

consequência o surgimento de normas que

priorise opõem à

determinação sistemática. 'Quebras no sistema e 'lacunas no sistema

são, por isso, inevitáveis.

220

221

car um enunciado normativo, o juiz poderá introduzir um

elemento adicional: a

eqüidade

que autoriza adaptar a

conseqüência a ser extraída do enunciado de acordo com as

características próprias do caso. Trata-se, como se tornou

corrente referir, da justiça do juiz ou da justiça do caso

concreto, na expressão clássica do próprio Aristóteles

  9

s.

295 ARISTOTELES. Ética a Nicômaco , Livro V.

In: Os pensadores

 

Nessa função de elemento retificador da justiça rigoro-

samente legal, a eqüidade não tem o poder de afastar de

todo a aplicação de um enunciado normativo pelo fato de

ser inadequado ou injusto

  9 . A imagem da régua de

Lesbos

é esclarecedora quanto a esse ponto: o fato de ser maleável

permite que ela se adapte às diferentes reentrâncias das

superfícies, sem, no entanto, deixar de ser ela mesma.

Atualizando a imagem, é possível dizer que o texto de um

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1996, pp. 212 e 213: A razão é que toda lei é de ordem geral, mas não é

possível fazer

um

afirmação universal que seja correta em relação a

certos casos particulares. Nestes casos, então, em que é necessário

estabelecer regras gerais, mas não é possível fazê-lo completamente, a lei

leva em consideração a maioria dos casos, embora não ignore a

possibilidade de falha decorrente desta circunstância e nem por isto a lei

é menos correta, pois a falha não é da lei nem do legislador, e sim da

natureza do caso particular, pois a natureza da conduta é essencialmente

irregular. Quando a lei estabelece uma regra geral, e aparece em sua

aplicação um caso não previsto por esta regra, então é correto, onde o

legislador é omisso e falhou por excesso de simplificação, suprir a

omissão, dizendo o que o próprio legislador diria se estivesse presente, e

o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão. Por

isto o eqüitativo é justo, e melhor que uma simples espécie de justiça,

embora não seja melhor que a justiça irrestrita (mas é melhor que o erro

oriundo da natureza irrestrita de seus ditames). Então, o eqüitativo é, por

sua natureza, uma correção da lei onde esta é omissa devido à sua

generalidade. De fato, a lei não prevê todas as situações porque é

impossível estabelecer uma lei a propósito de algumas delas, de tal forma

que às vezes se torna necessário recorrer a um decreto. Com

efeito,

quando uma situação é indefinida a regra também tem de ser indefinida,

como acontece com a régua de chumbo usada pelos construtores em

Lesbos; a régua se adapta à forma de pedra e não é rígida, e o decreto se

adapta aos fatos de maneira idêntica. Agora podemos ver claramente a

natureza do eqüitativo, e perceber que ele é justo e melhor que uma

simples espécie de justiça. É igualmente óbvio, diante disto, o que vem a

ser uma pessoa eqüitativa; quem escolhe e pratica atos eqüitativos e não

se atém intransigentemente aos seus direitos, mas se contenta com

receber menos do que lhe caberia, embora a lei esteja do seu lado, é uma

pessoa eqüitativa, e esta disposição é a eqüidade, que é uma espécie de

justiça e não uma disposição da alma diferente.

222

enunciado dificilmente comporta apenas um sentido uní-

voco; o mais comum é que ele descreva um campo de pos-

sibilidades semânticas

  9 7 . É dentro desse campo, que pode-

rá ser mais ou menos amplo, mas em qualquer caso não é

ilimitado, que a eqüidade poderá se desenvolver

  9 8 .

296 Em outra acepção, Aristóteles admitiria que a eqüidade chegasse a

corrigir o direito legislado, autorizando a não aplicação da regra injusta em

face do caso concreto. V. sobre o ponto, TORRES, Ricardo Lobo.

A

eqüidade no processo administrativo tributário

Revista de Direito da

Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro n° 30, 1976, p. 82 e ss..

De toda sorte, para os fins da proposta desenvolvida neste estudo, apenas

as possibilidades descritas no texto são atribuídas à eqüidade. A não

aplicação de uma regra válida a um caso concreto dependerá da

verificação de uma das duas hipóteses apresentadas na seqüência: a

imprevisão legislativa ou a incidência inconstitucional da regra.

297 LARENZ, Karl.

Metodologia da ciência do direito

1969, p. 369: Se

assim o critério literal na maior parte dos casos não basta como critério

interpretativo precisamente porque ainda permite diversas

interpretações, já contudo o sentido literal possível, isto é, a totalidade

daqueles significados que, segundo a linguagem vulgar, ainda podem estar

ligados à expressão, indica o

limite da interpretação

(em sentido

restrito). ; e BARROSO, Luís Roberto.

Interpretação e aplicação da

Constituição

2003, p. 117 e ss..

298 ÁVILA, Humberto.

Teoria dos princípios

2003, pp. 94 e 95: A

razoabilidade estrutura a aplicação de outras normas, princípios e regras,

notadamente das regras. Para o autor, uma das manifestações da

razoabilidade confunde-se com a eqüidade.

223

A figura da eqüidade é reconhecida explicitame

n

t

e

pelo direito brasileiro, que inclusive prevê casos específi-

cos em que a questão posta diante do magistrado deverá ser

decidida com fundamento na eqüidade

2 9 9

. Isto é: na incon-

veniência de prever critérios normativos em tese, o próprio

legislador autorizou que a decisão seja tomada, em cada

caso, de acordo com a concepção de justiça do juiz'°. Nada

299 Seguem alguns dispositivos a título de ilustração.

obstante essas previsões, independentemente de autoriza-

ção legislativa particular, o juiz sempre poderá e deverá

empregar a eqüidade em suas decisões, dando ao enuncia-

do o sentido possível que aproxime, da melhor forma, a sua

finalidade das circunstâncias do caso concreto

3 1 . Na maior

parte dos casos, o instrumental empregado pelo intérprete

para esse desiderato são as técnicas convencionais da her-

menêutica jurídica. O elemento sistemático e lógico, as

interpretações extensiva e restritiva, a analogia, a interpre-

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No Novo Código Civil:

Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz

se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da

penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e

a finalidade do negócio.

No Código de Defesa do Consumidor:

Art. 51 — São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas

contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV — estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que

coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam

incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade

No Código de Processo Civil:

Art. 127 — O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em

lei.

Na Lei 9.099 de 26/09/1995 (Dispõe sobre os Juizados Especiais

Cíveis e Criminais e dá outras providências):

Art. 25 — O árbitro conduzirá o processo com os mesmos critérios

do Juiz, na forma dos artigos 5 e 6 desta Lei, podendo decidir por

eqüidade.

No Decreto n° 1.979 de 09/08/1996 (Promulga a Convenção

Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado,

Concluída em Montevidéu, Uruguai, em 8 de maio de 1979):

Art. 9 — As diversas leis que podem ser competentes para regular

os diferentes aspectos de uma mesma relação jurídica serão aplicadas de

maneira harmônica, procurando-se realizar os fins colimados por cada

uma das referidas legislações. As dificuldades que forem causadas por sua

aplicação simultânea serão resolvidas levando-se em conta as exigências

impostas pela eqüidade no caso concreto.

309 ALVIM, Agostinho.

Da eqüidade

Revista dos Tribunais n° 132,

1941, pp. 3 a 8 (republicada no n°797, 2002, pp. 767 a 770).

224

tação orientada pelos princípios, dentre outras ferramen-

tas, são especialmente úteis nesse particular.

A questão da incidência injusta de regras pode assim,

em parte, ser reconduzida à estrutura geral da eqüidade.

Apenas em parte porque, como já referido, a eqüidade, por

si só, não autoriza o intérprete a negar aplicação a uma

regra. Em muitas ocasiões, no entanto, a eqüidade bastará

para dar solução ao caso. Em boa medida, é possível fazer

uma aproximação do parâmetro da eqüidade

com as técni-

cas relacionadas com a interpretação conforme a Constitui-

ção. Como se sabe, pela

interpretação conforme a Consti-

tuição

o intérprete procura, empregando o instrumental

hermenêutico disponível, afastar as possibilidades de inter-

pretação incompatíveis com a Constituição, respeitando o

limite do texto e suas potencialidades

3 2

. No caso, a eqüi-

dade conduz a uma

interpretação conforme a justiça do caso

301 SERPA LOPES, Miguel Maria de.

Curso de direito civil vol. I 1988

p. 145: Em resumo podem ser fixados os seguintes princípios: a

eqüidade, como função de interpretação da norma, independe de

autorização legal, pois deve ser utilizada para coadjuvar a inteligência do

dispositivo interpretando, de acordo com os dados sociológicos que o

envolverem e a finalidade que tiver .

302 BARROSO, Luís Roberto.

Interpretação e aplicação da C onstituição

2003 p. 185 e ss.; e MENDES Gilmar Ferreira.

Jurisdição

constitucional

1998, p. 268 e ss..

5

concreto

tendo em conta os princípios constitucionai

s

que,

direta ou indiretamente, fundamentam a exigência de jus-

tiça. Ou seja: respeitado o limite do texto e suas possibili-

dades, o intérprete poderá empregar uma

interpretação

conforme a eqüidade

da regra, de modo a evitar a incidênci

a

iníqua.

A segunda forma de lidar com o problema da incidência

injusta de regras é por meio de uma aplicação analógica da

conhecida

s

ente e um provável cenário futuro. Se a despeito do esfor-

ço e previdência das partes a relação jurídica for atingida

por elementos imprevistos que alterem substancialmente o

e

quilíbrio do ajuste, será possível alterar as regras originais

para adequá-las à nova realidade.

A teoria da imprevisão pressupõe, em suma, que as par-

tes teriam pactuado diferentemente se imaginassem os

eventos futuros. Os dois elementos essenciais para sua in-

cidência, portanto, são: (i) a imprevisibilidade do evento

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teoria da imprevisão.

De forma bastante sim-

ples, a teoria da imprevisão destina-se a reequilibrar rela-

ções atingidas por eventos imprevisíveis e imprevistos pe-

las partes envolvidas. Tanto em ajustes de natureza priva-

da, como em contratos administrativos

 

, com maior ou

menor liberdade, as partes prevêem as regras que discipli-

narão seu relacionamento tendo em conta um cenário pre-

303 Lei n° 8666/1993:

Art. 57 — § 1

  Os prazos de início de etapas de execução, de

conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais

cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio

econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos,

devidamente autuados em processo:

II — superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à

vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de

execução do contrato .

Art. 65 — Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados,

com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (...)

II — por acordo das partes: (...)

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente

entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a

justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a

manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na

hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de

conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do

ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do

príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

226

futuro e (ii) a alteração substancial que ele provoca no ce-

nário que as partes tinham em mente (em relação ao pre-

sente e ao futuro) quando pactuaram

  4  

304 PEREIRA, Caio Mário da Silva.

Instituições de direito civil vol. III

1997, p. 100: Admitindo-se que os contratantes, ao celebrarem a avença,

tiveram em vista o ambiente econômico contemporâneo, e previram

razoavelmente para o futuro, o contrato tem de ser cumprido, ainda que

não proporcione às partes o benefício esperado. Mas, se tiver ocorrido

modificação profunda nas condições objetivas coetâneas da execução, em

relação às envolventes da celebração, imprevistas e imprevisíveis em tal

momento e geradoras de onerosidade excessiva para um dos

contratantes, ao mesmo passo que para o outro proporciona lucro

desarrazoado, cabe ao prejudicado insurgir-se e recusar a prestação. Não

o justifica uma apreciação subjetiva do desequilíbrio das prestações,

porém a ocorrência de um acontecimento extraordinário, que tenha

operado a mutação do ambiente objetivo, em tais termos que o

cumprimento do contrato implique em si mesmo e por si só, no

enriquecimento de um e empobrecimento do outro. ; e AZEVEDO,

Alvaro Villaça.

Teoria da imprevisão e revisão judicial nos contratos

Revista dos Tribunais n°733, 1996, p. 109: Em suma, a cláusula rebus

sic stantibus instala-se nos contratos, para prevenir contra a alteração

objetiva, imprevista e imprevisível, das situações, existentes no momento

da contratação, contra a onerosidade excessiva, representada pelo

desequilíbrio prestacional, e contra o enriquecimento de um dos

contratantes, com prejuízo do outro, não previstos no negócio Esse

acontecimento deve ser anormal (...), o que, se previsível, não teria levado

as panes à conclusão do contrato.

227

De certa forma, a mesma lógica se aplica ao processo

legislativo. Também o legislador, ao editar qualquer espé-

 e

de enunciado normativo, provê tendo em conta deter-

minadas situações de fato ou padrões de conduta, presen-

tes e futuras, que planeja regular, e nem haveria como ser

diferente. É certo que diversas modificações podem ocor-

rer com o tempo. Algumas vezes, novas realidades se agre-

gam às anteriores, exigindo a mesma disciplina, problema

por ser esquecidas: poucos se socorrem delas e pouquíssi-

mos as aplicamms.

Há, no entanto, uma outra possibilidade, que é a que

mais diretamente interessa aqui. Trata-se da circunstância

de a regra prosseguir perfeitamente válida; porém, ela vem

a incidir sobre uma hipótese particular que é substancial-

mente diversa das situações-tipo para as quais foi planeja-

da. Os elementos de fato que se consideram essenciais para

provocar sua incidência não estão presentes naquele caso,

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que pode ser facilmente resolvido quando o dispositivo

emprega uma fórmula geral em seu enunciadoms. Outra

possibilidade de superação hermenêutica dessa dificuldade

é a chamada interpretação evolutiva, que na verdade con-

siste em uni processo informal de reforma do dispositivo,

pelo qual novos conteúdos são atribuídos ao mesmo texto,

sem modificação do seu teor literal

3 6

.

Há outras situações em que a realidade se altera de tal

forma que a regra prevista torna-se totalmente inconve-

niente e indesejável — não há solução institucional para

esse problema em um Estado de direito de tradição roma-

no-germânica clássica

3 7

. Na prática, é freqüente que essas

regras ingressem em um estado de inércia no qual acabam

305 O art. 159 do Código Civil de 1916, por exemplo, incorporou ao

longo do tempo a indenizabilidade do dano moral. A Constituição

norte-americana, como se sabe, adotou uma linguagem bastante geral

exatamente para preservar sua capacidade de adaptação às mudanças.

306 Sobre a idéia geral de mutação constitucional, v. SILVA, José Afonso

da.

Poder constituinte e poder popular

2000, p. 291 e ss.. Especificamente

sobre a interpretação evolutiva, v. BARROSO, Luis Roberto.

Interpretação e aplicação da Constituição

2003, p. 144 e ss..

307 As coisas se passam de forma diferente no sistema da

common law.

Sobre esse tema, veja-se: CALABRESI, Guido.

A Common Lato for the

Age of Statutes

1982.

embora do ponto de vista lingüístico o enunciado possa ser

aplicado; há uma disparidade quanto aos pressupostos de

fato entre aquele caso específico e as situações em geral às

quais o dispositivo é aplicado comumente. Em suma: a si-

tuação específica não estava nas cogitações razoáveis do

legislador; não foi prevista por ele

3 9

pois, se o tivesse sido,

308 É o que se passa,

e.g.

com o art. 240 do Código Penal, que tipifica

como crime o adultério.

309 HAGE, Jaap C.

Reasoning with Rides

1997, pp. 109, 112 e 117: In

the law, a particularly important category of scope limitations derives

from the phenomenon of rule conflicts. Legal ideology will have it that

rules of law do not conflict. If two rufes seem to conflict, at least one of

them is not applicable. The scopes of conflicting rules are assumed to be

disjoint. This phenomenon can be explainecl if we take into account that

legal mies are meant to identify reasons which replace the original reasons

on which the rufes are based. The necessary weighing of reasons is

considered to be the task of the legislator. The legislator so to speak

oversees ali conflicting goals and principies, and determines for each

possible case what is the outcome of their interaction. This outcome is

'described in the legal rufes that are laid down in legislation. (...)

However, if there still are legally relevant facts that were not taken into

account by the legislator, not even in the sense that they were discarded

as irrelevant, these facts are not excluded by the reasons generated by the

legal rule. A legal decision maker must still take these facts into account

as legal reasons next to the reason identifiedby the legal tule. (...) Still, in

exceptional cases, there may be some reasons that were not taken into

228

29

a solução seria diversan°. Há aqui, como se vê, uma situa-

ção de imprevisibilidade e de substancial diferença entre o

cenário planejado para a aplicação do enunciado e o caso'l

Nesse sentido, a aplicação da idéia de imprevisão de-

pende de ser possível responder positivamente a essas duas

perguntas: (i) é consistente afirmar que o legislador não

imaginou uma situação como a que se apresenta ao aplica

dor? E (ii) há uma disparidade essencial e grave entre as

circunstâncias de fato do caso examinado e as que caracte-

aplicado? Na verdade, caso as duas perguntas acima sejam

respondidas afirmativamente, tudo funciona como se a in-

cidência daquela regra ao caso decorresse apenas de uma

coincidência lingüística, por inexistir, na realidade, disci-

plina jurídica para aquela hipótese. Não havendo enuncia-

do pertinente aplicável —já que o que existe é uma mera

coincidência de signos lingüísticos —, a hipótese será deci-

dida nos termos do art. 4° da Lei de Introdução ao Código

Civil, pelo qual, sendo omissa a lei,

o

juiz

decidirá o caso

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rizam normalmente as hipóteses às quais o enunciado é

account by the legislator, and are therefore not excluded by the

applicability of the legal nde. In that case, there still be reasons not to

apply the rule, and if the rule is not applied, its conclusion does not

follow. É bem de ver que o autor admite a não aplicação de regras em

outras hipóteses além da referida na transcrição e que de certa forma se

equipara à idéia de imprevisão descrita no texto.

310 GRAU, Eros Roberto.

A emenda constitucional n° 30/00: pagamento

de precatórios judiciais,

Revista de Direito Administrativo n°229, 2002,

p. 97: Aristóteles observa que a lei é sempre geral e existem casos em

relação aos quais não é possível estipular-se um enunciado geral que se

aplique com retidão. Nos casos nos quais é necessário limitar-se o

enunciado a generalidades, sendo impossível fazê-lo corretamente, a lei

não torna em consideração senão os casos mais freqüentes, sem ignorar os

erros que isso possa importar. Nem por isso ela é menos correta, porque

a culpa não está na lei, nem no legislador, mas sim na natureza das coisas;

porque, em razão de sua própria essência, a matéria das coisas da ordem

prática reveste-se do caráter de irregularidade. Por isso, quando a lei

expressa uma regra geral e surge algo que se coloca fora dessa formulação

geral, devemos, onde o legislador omitiu a previsão do caso e pecou por

excesso de simplificação, corrigir a omissão e fazer-nos intérpretes do que

o legislador teria dito, ele mesmo, se estivesse presente neste momento e

teria feito constar da lei se conhecesse o caso em questão. O autor faz

uma nota de rodapé ao fim do trecho citado com a seguinte dicção:

Tome-se sob as devidas ressalvas a alusão à vontade ou pensamento do

legislador.

311 PECZENIK, Aleksander. On

Lazy and Reason,

1989, p. 76 e ss..

230

de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais

de direito. .

Em qualquer caso, a não aplicação da regra

nessas circunstâncias exigirá do julgador a demonstração

analítica da presença dos elementos indispensáveis à confi-

guração da imprevisão legislativa'''.

Por fim, haverá uma terceira forma de lidar com o pro-

blema das regras que produzem resultados injustos. Trata-

se da

declaração de inconstitucionalidade da norma

produzida pela incidência da regra sobre uma determi-

nada situação específica.

A distinção entre

enunciado

normativo

e

norma

já foi examinada no Capítulo V e não há

necessidade de retomar as questões ali expostas.

É possível cogitar de situações nas quais um enunciado

normativo, válido em tese e na maior parte de suas incidên-

cias, ao ser confrontado com determinadas circunstâncias

312 PECZENIK, Aleksander. Ora

Law and Reason,

1989, p. 342: 2.

Democracy requires that the courts sufficiently respect statutes, enacted

by the representatives of the people. In hard cases, an extensive and

general justification is a necessary condition for making it clear that the

court has actually fulfilled this requirement; 3. An extensively and

generally justified decision directly fulfils the demand of intersubjective

testability and thus an important principie of rational practical discourse.

In other words, one knows on which grounds one may criticise it.

Testability promotes objectivity of the decision, and thus legal certainty.

231

concretas, produz uma norma inconstitucional. Lembre-se

que, em função da complexidade dos efeitos que preten-

dam produzir e/ou da multiplicidade de circunstâncias de

fato sobre as quais incidem, também as regras podem justi-

ficar diferentes condutas que, por sua vez, vão dar conteú-

do a normas diversas. Cada uma dessas normas opera em

um ambiente fático próprio e poderá ser confrontada com

um conjunto específico de outras incidências normativas,

justificadas por enunciados diversos. Por isso, não é de es-

valores pretendidos pelo autor sejam antecipados pela Fa-

zenda Pública antes de proferida a decisão final.

No segundo caso entram em jogo os enunciados relacio-

nados com o direito à vida e à saúde impertinentes no

primeiro exemplo) e o grave risco de perecimento do direi-

to. Nesse contexto, a norma que se extrai do mesmo enun-

ciado é diversa: ela veda que o juiz autorize a realização de

cirurgia sem a qual o autor poderá vir a falecer. Não é difícil

concluir que essa segunda norma afeta muito mais intensa-

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tranhar que determinadas normas possam ser inconstitu-

cionais em função desse seu contexto particular, a despeito

da validade geral do enunciado do qual derivam. Ilustra-se

com um exemplo.

A possibilidade que se acaba de identificar já foi reco-

nhecida pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn n° 223,

descrita acima, na qual se discutia a validade de disposições

que proibiam a concessão de medidas liminares e antecipa-

ções de tutela em face da Fazenda Pública. A ação direta foi

julgada improcedente, como referido, já que, em tese, a

restrição à concessão de providências de urgência não era

inconstitucional. Admitiu-se, porém, que em circunstân-

cias específicas a incidência daqueles dispositivos poderia

gerar normas inconstitucionais.

É fácil perceber que o mesmo enunciado produzirá nor-

mas diversas e, mais que isso, será confrontado por enun-

ciados diferentes conforme a demanda judicial envolva,

e.g., i)

o reenquadramento de servidores públicos ou ii) o

custeio de cirurgia urgente e indispensável à manutenção

da vida do particular que deveria ter sido realizada pela

rede pública de saúde, mas que, por qualquer razão, não o

foi. No primeiro caso, o direito patrimonial poderá em ge-

ral ser satisfeito adequadamente ao fim da demanda e, por-

tanto, a norma produzida pelo enunciado apenas veda que

mente o núcleo do direito de acesso ao Judiciário do que a

primeira.

Os três mecanismos descritos como aptos a lidar com o

problema dos conflitos normativos envolvendo regras fo-

ram apresentados em ordem crescente de intervenção no

sistema jurídico. No primeiro caso, a injustiça da incidência

da regra pode ser superada dentro dos limites semânticos

do enunciado por meio do uso da eqüidade. No segundo, a

questão é solucionada uma vez que seja consistente susten-

tar que a injustiça aparentemente produzida pela aplica-

ção da regra não foi realmente pretendida nem pela mens

legislatoris e nem pela

mens legis. Trata-se de uma coinci-

dência lingüística que deve ser desconsiderada por conta da

imprevisão legislativa.

Por fim, o terceiro mecanismo enfrenta a hipótese na

qual o legislador de fato proveu para a hipótese, mas a

solução por ele concebida, em determinado caso, torna-se

incompatível com a Constituição. Note-se que as observa-

ções pertinentes ao controle de constitucionalidade das leis

e atos normativos aplicam-se também aqui. O juízo de in-

constitucionalidade é um remédio excepcional que deve

ser reservado para as hipóteses em que há violação evidente

e grave de disposições constitucionais e não como instru-

mento de afirmação das convicções políticas pessoais do

232

233

intérprete'''. E como em qualquer decisão em que se de-

clare a inconstitucionalidade de atos do Poder Público,

cabe ao juiz o dever de fundamentar de forma especial,

 

mente sólida suas conclusões.

O parâmetro proposto neste capítulo — a preferênci

a

das regras sobre os princípios —, juntamente com suas

cláusulas de exceção identificadas acima, procuram orde-

nar o processo de ponderação tendo em conta a estrutura

dos enunciados normativos em disputa (se regras ou princí-

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pios), independentemente de seu conteúdo. É fácil perce-

ber, contudo, que se dois enunciados de igual estrutura

entrarem em colisão, esse parâmetro terá pouco a dizer ao

intérprete. Assim, além desse parâmetro de natureza es-

trutural, é preciso formular igualmente algum parâmetro

substancial, que leve em consideração o conteúdo dos ele-

mentos normativos e forneça balizas para a ponderação

quando a preferência das regras sobre os princípios, e tudo

o mais que se expôs até aqui, não for capaz de solucionar o

conflito normativo. É sobre esse novo parâmetro que se

passa a tratar.

313 Esse caráter excepcional da declaração de inconstitucionalidade é

uma decorrência lógica da separação de poderes e do principio

democrático, que dão origem à presunção de constitucionalidade dos atos

do Poder Público. V. sobre o ponto BARROSO, Luis Roberto.

Interpretação e aplicação da Constituição

2003, p. 160 e ss..

234

IX. Parâmetro geral 2:

Normas que realizam diretamente

direitos fundamentais dos indivíduos

têm preferência sobre normas

relacionadas apenas indiretamente com

os direitos fundamentais

O segundo parâmetro preferencial a ser proposto neste

estudo pode ser descrito nos seguintes termos: a norma

que de forma direta promova e/ou proteja a dignidade hu-

mana deve ter preferência sobre outra norma que apenas

indiretamente está associada com a proteção ou promoção

da dignidade humana. Promoção e proteção da dignidade

humana, além de apresentarem ampla comunicação com

temas filosõficos'm e históricos

  5

, são idéias muito gerais

314 A questão da legitimação ontológica da dignidade humana sempre

será uma questão de metafísica filosófica. V. sobre o tema, BARBOSA,

Ana Paula Costa. A fundamentação do princípio da dignidade humana .

In:

TORRES, Ricardo Lobo (organizador).

Legitimação dos direitos

humanos

2002, pp. 51 a 98; e ALVES, Cleber Francisco. O

princípio

235

merecedoras de um exame próprio, que não poderá ser

desenvolvido aqui. Para os fins deste estudo e do parâme-

tro que se acaba de propor, entretanto, a proteção e a p

ro

 

moção da dignidade podem ser identificadas com a prote-

ção e a promoção dos direitos fundamentais dos indiví-

duos , bem como de condições materiais necessárias para

seu bem estar mínimo e para o exercício da cidadania .

Há duas observações preliminares a fazer sobre o parâ-

metro enunciado. A primeira se relaciona com o objeto sobre

são os enunciados normativos, como referido. Cabe ao in-

térprete identificar, relativamente a cada enunciado, a sua

estrutura — se regra ou princípio (e se núcleo ou área não

n

uclear de princípio) — e, em decorrência disso, aplicar a

preferência indicada pelo parâmetro. Do ponto de vista das

etapas da ponderação, a preferência das regras sobre os

princípios pode ser empregada já na primeira fase, pois

uma vez que os enunciados em disputa tenham sido identi-

ficados, a preferência já pode ser visualizada

  8

.

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o

qual o parâmetro incide e o momento próprio no qual ele

deve ser utilizado. A segunda observação envolve as expres-

sões

diret e

indiret

empregadas para descrevê-lo.

IX.1.0 momento e o objeto do parâmetro

A matéria-prima do primeiro parâmetro discutido nes-

te estudo (o da preferência das regras sobre os princípios)

constituconal da dgndadeda pessoa humana:

O

enfoqueda doutrina

socal da Igrea

2001.

315

O conteúdo da noção de dignidade tem sempre uma dimensão

históricae cultura. V. PINILLA, Ignacio Ara. /nr

transfonnaconesdelos

derechoshumanos 1994;

e MARTINEZ G regorio Peces-Barba:

Derechos

socalesypostivismojurídco 1999.

316

Sobre a relação entre direitos fundamentais e dignidade humana

veja-se, dentre outros, SARLET, Ingo Wolfgang.

A eicáca dosdretos

fundamentais

1998, p. 27 e ss.; e, do mesmo autor,

Digndadeda pessoa

humana da ConstituçãoFederal de1988

2001.

317

A questão das condições materiais necessárias paraasobrevivência o

bemestar mnimo e o exercício da cidadania podemser descritas como

um

mnmoexistencal.

Sobre o tema especifico, v. TORRES Ricardo

Lobo. Os

dretos humanos ea tributação— Imundades eisonoma

1995; e BARCELLOS Ana Paula de.

A eicáca jurídca dosprincpos

constituconais— O

princpoda dgndadeda pessoa humana

2002.

Sobre a evolução dos direitos sociais no Brasil v. GALVÃO Paulo Braga.

Os

dretossocaisnasConstituções

1981.

236

O parâmetro que se acaba de enunciar — preferência

das normas que de forma direta promovem os direitos fun-

damentais — funciona de maneira diversa. Uma vez que

ele propõe uma comparação de natureza substancial entre

o

conteúdo dos elementos normativos, seu objeto de inci-

dência são as normas, e não os enunciados normativos. Já se

demonstrou que um mesmo enunciado pode justificar a

existência de variadas normas, cujo

conteúdo

será diverso

em função das circunstâncias de fato e da confluência de

outros enunciados. Isso significa, portanto, que apenas as

normas autorizam a visualização precisa do conteúdo espe-

cífico dos elementos normativos em cada caso.

Esta observação acerca do objeto sobre o qual deve in-

cidir o parâmetro está diretamente relacionada com a nota

que deve ser feita a propósito do momento próprio de sua

318 Como

já se referiu, adivisão do processo ponderativo emetapas tem

como objetivo ordenar o raciocínio, destacar problemas metodológicos

que devem ser considerados e especialmente induzir o intérprete à

justificação da decisão. Isso não significa que as três fases não se

comuniquem muito ao revés, mesmo porque esse movimento de ir e vir

entre premissas e resultados possíveis é próprio da

atividade

hermenêutica.

No caso, por exemplo, dos parâmetros envolvendo a

ponderação de regras, descritos acima eqüidade, imprevisão e

inconstitucionaidade concreta), esse contato entre as diferentes etapas

será arigor indispensável.

237

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na face lateral dos prédios que distem menos de 1,5 m de

outras construções. O proprietário de um apartamento

nessa situação, porém, a despeito das regras, abre uma ja-

nela. Questionado, o indivíduo alega que é alérgico e preci-

sa de mais ventilação na sua residência; sustenta ainda que

a providência é necessária para a promoção de sua saúde

corolário direto da dignidade humana, de modo que as rei

gras municipais e do Código Civil não devem prevalecer na

hipótese.

A

mesma estrutura de raciocínio exposta no exemplo

Ora, se o parâmetro material fosse empregado logo de

início, antes de levar-se em conta a diferente estrutura dos

enunciados normativos, praticamente nenhum outro dis-

positivo resistiria quando confrontado com a dignidade,

ainda que a pretensão apenas pudesse ser justificada com

base em uma concepção particular do princípio e especial-

mente distanciada de seu conteúdo nuclear. Por essa razão,

o parâmetro material deve ser usado apenas quando há de

fato um conflito insuperável entre

normas

não resolvido

pelas técnicas tradicionais, nem pelo primeiro parâmetro.

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anterior aplica-se aqui. O argumento do proprietário do

imóvel parece descrever um conflito entre a dignidade hu-

mana (em sua área não nuclear) e as regras em questão e, se

fosse o caso de aplicar o parâmetro material isoladamente,

seria possível cogitar da prevalência da dignidade na hipó-

tese. Esse, entretanto, e por evidente, não é o caso. Tam-

bém aqui, o suposto conflito seria facilmente superado

pelo primeiro parâmetro, que cuida da estrutura dos enun-

ciados, a saber: a preferência das regras sobre os princípios.

Note-se, portanto, que o parâmetro material não será

empregado sem que antes a hipótese tenha sido submetida

ao crivo do primeiro parâmetro. E isso porque, em decor-

rência do conteúdo relativamente indeterminado dos prin-

cípios, a maior parte das pretensões individuais pode ser

reconduzida em última análise à idéia,

e.g.

de dignidade, e

cada um será capaz de atribuir ao princípio o sentido que

lhe pareça melhor.

§ 1° As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como

as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco

centímetros.

§ 2° As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz

ou ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de

comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso.

Cabe agora fazer uma última observação da maior impor-

tância, acerca das idéias de realização

direta

ou indireta

da

dignidade humana contidas na descrição do parâmetro.

O sistema jurídico não é feito apenas de princípios,

quanto à estruturam, e nem apenas de enunciados que de

forma direta promovem a dignidade humana, assim enten-

didos aqueles que cuidam de direitos de forma ampla. Há

uma série de outros enunciados que se ocupam de delinear

estruturas e instituições da maior relevância e que, de for-

322 CANOTILHO, J. J. Gomes.

Direito Constitucional e teoria da

Constituição 1998, p. 1088: Um modelo ou sistema constituído

exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de

limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina legislativa

exaustiva e completa — legalismo — do mundo e da vida, fixando, em

termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurídicas.

Conseguir-se-ia um 'sistema de segurança', mas não haveria qualquer

espaço livre para a complementação e desenvolvimento de um sistema,

como o constitucional, que é necessariamente aberto. (...) O modelo ou

sistema baseado exclusivamente em princípios levar nos ia a

consequências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência de

regras precisas, a coexistência de princípios conflituantes, a dependência

do 'possível' fáctico e jurídico, só poderiam conduzir a um sistema falho

de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a

complexidade do próprio sistema.

240

41

ma indireta, também estão relacionadas com o bem estar

humano. É fácil demonstrar o ponto.

A separação de poderes, por exemplo, é historicame

n

t

e

a melhor técnica de organização do exercício do poder

po-

lítico

e seu propósito último sempre foi conter o abuso e a

arbitrariedade daqueles que exercem o poder, como forma

de proteger os direitos dos indivíduos

 

. O mesmo se diga

da legalidade e dos orçamentos, dentre vários outros exem-

plos: ambos são, ao mesmo tempo, instrumentos de afir-

mação democrática da vontade da maioria e formas de con-

Mais que isso, já não se admite a idéia, sedutora em

outros tempos, de um ditador bom ; aquele que, livre das

formalidades próprias à democracia — como legalidade,

previsão orçamentária, negociações com o Congresso, etc.

—, pudesse empregar seu poder de forma direta e eficien-

te, sem dispersão de energia, em favor da promoção e pro-

teção da dignidade das pessoas.

E não é apenas a Constituição de 1988 que rejeita as

soluções messiânicas e consagra a democracia institucional;

também do ponto de vista filosófico e histórico a opção por

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trolar a autoridade, submetendo-a à vontade geral. No

mesmo sentido, as chamadas garantias institucionais exis-

tem, em última análise, para assegurar o bem das pes-

soas

  4 . Direitos não propriamente individuais, como a li-

berdade de imprensa, desempenham função similar: eles

garantem condições para o exercício do pluralismo políti-

co, da liberdade de expressão e do controle social das ações

do Poder Público '.

323

BARCELLOS, Ana Paula de.

eparação

de Poderes. Maioria

Democrática e Legitimidade do Controle de Constitucionalidade

evista

Trimestral de Direito Público n° 32, 2000, p. 184 e ss..

324

V. sobre o tema BONAVIDES Paulo. Curso

de direito

constitucional

1999, p. 490 e ss.; e TORRES, Ricardo Lobo. Os

direitos

fundamentais e o Tribunal de Contas

Revista do Tribunal de Contas do

Estado do Rio de Janeiro n° 23, 1992, p. 55 e ss..

325

FARIAS, Edilsom Pereira de.

Colisão de direitos — a honra a

intimidade a vida privada e a imagem

versus a liberdade de expressão e

informação

2000, pp. 166 e 167: Se a liberdade de expressão e

informação, nos seus primórdios, estava ligada à dimensão individualista

da manifestação livre do pensamento e da opinião, viabilizando a critica

política contra o ancienrégime

a evolução daquela liberdade operada pelo

direito/dever à informação, especialmente com o reconhecimento do

direito ao público de estar suficientemente e corretamente informado;

àquela dimensão individualista-liberal foi acrescida uma outra dimensão

de natureza coletiva: a de que a liberdade de expressão e informação

242

uma

ditadura esclarecida

não é mais admissivel. Do ponto

de vista filosófico, essa possibilidade traz consigo a idéia

intolerável de que os homens não são iguais, não são capa-

zes de governar-se e dependem de um Rei-Sábio-Ditador

que os conduza. Historicamente, a fórmula já mostrou ser

mal sucedida inúmeras vezes. Em suma: o fim último atri-

buído ao Estado, de promover e proteger a dignidade hu-

mana, não é alcançado apenas através de providências dire-

tas, mas também por meio de instituições que, indireta-

mente, contribuem para esse mesmo objetivo.

Essa observação tem duas conseqüências principais. A

primeira está associada ao registro feito acima. Não se pode

aplicar isoladamente o parâmetro material na fase inicial da

ponderação, antes da incidência da preferência das regras

sobre os princípios, sob pena de destruírem-se todas as

estruturas e instituições que, ainda que indiretamente, são

indispensáveis para assegurar a dignidade humana. Como é

fácil perceber, empregando apenas o parâmetro material,

bastaria formular um conflito entre as regras que dão corpo

contribui para a formação da opinião pública pluralista — esta cada vez

mais essencial para o funcionamento dos regimes democráticos, a

despeito dos anátemas eventualmente dirigidos contra a manipulação da

opinião pública.

243

a essas instituições e o princípio da dignidade humana para

que este último prevalecesse, já que a relação entre as

instituições e a dignidade é indireta. Esse problema, no

entanto, pode ser superado na medida em que se tenha o

cuidado de empregar o parâmetro no momento e sobre o

objeto adequados.

Por outro lado, essa observação repercute também so-

bre a aplicação propriamente dita do parâmetro material.

Se há de fato um conflito insuperável,

e.g.

entre duas re-

gras ou, como ocorre com maior freqüência, entre conjun-

decisão entre uma norma que promove

diretamente

a dig-

nidade das pessoas e outra que apenas contribui para esse

fim indiretamente, a primeira deve prevalecer. Há diferen-

tes maneiras de fundamentar o parâmetro que se acaba de

expor. Mas, antes de qualquer outra, é possível visualizar

uma razão lógica bastante simples: se existem fins, e há

meios para alcançá-los, e se, em determinadas circunstân-

cias, os meios conflitam com os próprios fins que buscam

realizar, não se deve privilegiar o meio em detrimento do

fim. Do ponto de vista político-jurídico, há pelo menos três

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tos de elementos normativos que dão origem a diferentes

normas), isto é, se o confronto entre elas não pode ser

solucionado por qualquer técnica tradicional e/ou pela pre-

ferência das regras sobre os princípios, caberá então apurar

qual delas, de forma direta

promove a dignidade do indiví-

duo.

Note-se, portanto, ainda que sob outra perspectiva,

que as diferentes normas que o processo de ponderação

venha a apurar sempre podem, em alguma medida, ser re-

conduzidas à idéia de dignidade humana. O propósito do

parâmetro é conferir preferência àquela que o faz de forma

mais direta. Essa preferência, porém, não se funda em

qualquer espécie de desprezo pelas estruturas que, indire-

tamente, promovem a dignidade das pessoas, mas sim e

apenas na necessidade de decidir entre uma coisa e outra.

Idealmente, as disposições que promovem a dignidade

humana de forma direta como as que cuidam dos direitos

fundamentais, por exemplo) devem conviver de maneira

harmoniosa com aquelas outras que, indiretamente, têm o

mesmo propósito. Entretanto, se esses enunciados geram

normas e elas são, em determinado ambiente, inconciliá-

veis, caberá ao intérprete ponderá-las e decidir qual deverá

ser aplicada e em que medida quando isso seja possível).

Nesse contexto de conflito inexorável e necessidade de

caMinhos diversos que podem ser percorridos para justifi-

car a preferência das normas que diretamente promovem a

dignidade humana sobre aquelas que o fazem apenas de

forma indireta. É sobre eles que se passa a tratar sucinta-

mente no tópico seguinte.

IX.2. Fundamentação: o direito interno e o

internacional e o procedimentalismo

Empregar o conteúdo das normas em disputa como cri-

tério para solucionar conflitos entre elas parece aproximar

o parâmetro proposto da idéia de hierarquia normativa.

Não é disso, porém, que se trata. A proposta de hierarqui-

zação de disposições constitucionais já foi objeto de exame

e crítica Capítulo III) e também já se expôs a natureza

preferencial — e não absoluta — dos parâmetros propostos

neste estudo Capítulo VII). De qualquer modo, não é pos-

sível afastar a necessidade de, em determinadas circunstân-

cias, escolher entre normas que conflitam de forma irreme-

diável

  6

. A questão a ser respondida, portanto, pode ser

326 Na verdade, estabelecer relações de prioridade em caráter

prima

facie

entre as normas pode agregar coerência ao sistema, na medida em

244

45

formulada nos seguintes termos: diante de situações dessa

natureza, porque se deve empregar como parâmetro a pre-

ferência das normas que promovem a dignidade humana de

maneira direta?

Há muitas formas de responder a essa indagação e este

estudo se ocupará de três delas de forma bastante objetiva.

As duas primeiras fundamentam o parâmetro a partir de

consensos substantivos: uma, no âmbito do direito interno

e a outra na esfera do direito internacional. Com

efeito, a

Constituição brasileira de 1988 formulou uma opção pre-

como fim máximo do Estado e reconhecer direitos básicos

aos indivíduos.

O terceiro fundamento apresentado adiante para o pa-

râmetro é extraído de um conjunto variado de formulações

teóricas que têm em comum dois elementos. Em primeiro

lugar, a crença de que em uma realidade plural como a

contemporânea não é possível apurar consensos materiais,

nem, conseqüentemente, empregá-los para legitimar deci-

sões que afetem a sociedade política. Se é assim, essa legi-

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ferencial pela dignidade humana, alçando-a a valor central

do sistema jurídico. Na esfera internacional, embora haja

pouco consenso sobre os diferentes meios de promover e

proteger a dignidade humana, há ampla concordância teó-

rica quando se trata de afirmar o bem estar do homem

que permite lidar racionalmente com conflitos aparentemente

insuperáveis. V. PECZENIK, Aleksander. On

Law and Reason

1989,

p.164: Moreover, coherence of some theories depends on priority orders

between reasons. Inter alia priority orders are important when one faces

a collision of principies, e.g., when an individual right collides with the

demand to protect the environment. The relevant question is then, How

to optimalise both principles within the system? This is the question of

creating coherence. The only possible answer is to establish conditional,

more or less general, all-things-considered priority relations and

prima-fade priority orders. This is the case regardless the fact that one

can never establish an unconditional priority arder, applicable to all

thinkable cases of a collision between the principies in question. To

establish a conditional priority arder is the only way to avoid the risk that

the system will be used to justify incoherent decisions. Incoherence

would consist in the fact that though the decisions are logically

compatible, their relation to each other is arbitrary. (grifos no original)

Sobre a possibilidade e até mesmo a necessidade de adotar-se uma certa

hierarquização axiológica no sistema jurídico, v. FREITAS, Juarez.

A

interpretação sistemática do direito

1998; e PASQUALINI, Alexandre.

Hermenêutica e sistema jurídico 1999

p. 109 e ss..

246

timação só poderá decorrer da correção e qualidade dos

procedimentos por meio dos quais tais decisões são apura-

das. De toda sorte, como se verá, a partir de uma lógica

totalmente diversa da empregada nos dois fundamentos

anteriores, também os

procedimentalistas

acabam por con-

cluir que a proteção de direitos básicos do homem é pres-

suposto indispensável para o funcionamento adequado dos

procedimentos por eles propostos. Explica-se melhor cada

uma dessas três idéias.

Do ponto de vista do

direito interno

a Constituição

de 1988

 

' oferece amplo respaldo à preferência das nor-

mas que promovem diretamente a dignidade humana. O

axioma da unidade da Constituição, que decorre de reco-

nhecer-se a todos os enunciados a mesma hierarquia, é bas-

tante conhecido e não há necessidade de desenvolver aqui

maiores considerações sobre o seu conteúdous. Nada obs-

tante, tornou-se corrente o registro doutrinário de que de-

327 E da mesma forma diversas outras Constituições contemporâneas,

especialmente após a Segunda Guelra Mundial.

328 A igualdade hierárquica entre as normas constitucionais e,

conseqüentemente a necessidade de preservação da unidade

constitucional foi registrada pelo STF de forma peremptória ao rejeitar a

alegação de inconstitucionalidade de normas do ADCT. V. STF, RE

160486/SP, Rel. MM Celso de Mello, DJU 09.06.1995.

247

terminadas disposições desempenham funções diferente

s

ou são dotadas de uma superioridade axiológica quand

o

comparadas com outras. Para registrar apenas um exemplo,

é evidente, e na verdade até intuitivo, que o dispositivo que

trata da isonomia desempenha um papel muito diverso do

atribuído ao art. 236 da Carta de 1988, que cuida dos ser-

viços notariais e de registro.

O próprio texto constitucional identificou, dentre to-

dos os enunciados constitucionais, um grupo que conside-

Na verdade, sem que isso produza uma ruptura do prin-

cípio da unidade, é apenas natural que o conteúdo material

dos enunciados — e

a fortiori

das normas — funcione como

um elemento relevante para a hermenêutica jurídica °. Em

primeiro lugar, porque há muito já se superou a modalida-

de de positivismo que apenas era capaz de lidar com os

invólucros dos enunciados, independentemente daquilo

que eles continham. Mais que isso, quando se trata da

Constituição, a questão do conteúdo das disposições assu-

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rou

fundamentais

ao criar a argüição de descumprime

 

t

o

de preceito fundamental (ADPF). Já se fez referência a

este ponto. Embora nem a Constituição nem a Lei n°

9.882/1999 (que regulou a argüição) tenham definido

quais são os preceitos considerados fundamentais, a doutri-

na e a jurisprudência têm se ocupado desse mister. E em

todas as listas propostas figuram como fundamentais os

preceitos relacionados com a dignidade humana e com os

direitos fundamentais

  9 .

329 Sobre o tema, v. BARROSO, Luís Roberto. O

controle de

constitucionalidade no direito brasileiro — Exposição sistemática da

doutrina e análise critica da jurisprudência

2004, pp. 215 a 248; REGO,

Bruno Noura de Moraes.

Argüição de descumprimento de preceito

fundamental

2003; TAVARES, André Ramos. Tratado da argüição de

preceito fundamental

2001; VELOSO, Zeno.

Controle jurisdicional de

constitucionalidade

1999; BINENBOJM, Gustavo.

A nova jurisdição

constitucional brasileira

2001; MENDES, Gilmar Ferreira.

Argüição de

descumprimento de preceito fundamental e Argüição de descumprimento

de preceito fundamental: demonstração de inexistência de outro meio

eficaz disponíveis em www.iusnavigandi.com.br

acesso em 28.05.2004;

VELLOSO, Carlos Mário da Silva.

A argüição de descumprimento de

preceito fundamental

Fórum Administrativo n° 24/2003; SILVA, José

Afonso

da Comentário de acórdãos

Cadernos de soluções

constitucionais n° I, 2003; CLÈVE, Clemerson Merlin. Algumas

considerações em torno da argüição de descumprimento de preceito

fundamental . In:

SAMPAIO, José Adércio Leite e CRUZ, Álvaro

me importância ainda maior: como já se referiu, uma das

características mais destacadas das Cartas contemporâneas

Ricardo de Souza.

Hermenêutica e jurisdição constitucional

2001; p. 18 a

49; e SARMENTO, Daniel.

Apontamentos sobre a argüição de

descumprimento de preceito fundamental

Revista de Direito

Administrativo n° 224, 2001, pp. 95 a 116, 2001.

330 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Fundamentação e

normatividade dos direitos fundamentais: uma reconstrução teórica à luz

do princípio democrático ,

In

TORRES, Ricardo Lobo e MELLO, Celso

de Albuquerque (organizadores).

Arquivos de direitos humanos vol.

IV,

2002, p. 19: (...) a tendência atual é de se passar a delimitar o campo da

fundamentalidade com base em argumentos materiais, e não meramente

teórico-formais ou positivos. É o que se verifica, p. ex., com a atribuição

de fundamentalidade material a determinados direitos sociais através de

critérios decorrentes do conceito de mínimo existencial. Note-se que esta

tendência específica, de se deslocar o debate do âmbito formal para o

material, é somente uma das manifestações que se incluem em um

cenário contemporâneo mais amplo de ressurgimento do discurso sobre a

fundamentação filosófica dos direitos fundamentais. Aos antigos

argumentos da positividade, se agregam argumentos situados no plano da

fundamentação racional. Nessa linha, pode-se afirmar, p. ex., que as

normas incluídas no âmbito do conceito de direitos fundamentais serão

efetivadas já não só porque gozam de um determinado tipo de

positividade, mas também porque representam verdadeiros critérios de

legitimação do próprio poder criador de positividade. Supera-se, assim, a

velha e já estéril dicotomia entre os planos da fundamentação e da

efetividade.

248

49

é precisamente a decisão de constitucionalizar valores ma-

teriais e opções políticas ' . Ignorar as diferenças que exis-

tem entre os enunciados constitucionais no que diz respei-

331 Sobre a experiência alemã, v. ALEXY, Robert.

El conceptoyla

validez de derecho

1994, p. 159: El ejemplo más importante de una

posición

constitticonalista

lo ofrece la axiología dei Tribunal

Constitucional Federal. (...) la Ley Fundamental contiene en su capitulo

sobre derechos fundamentales, un 'orden objetivo de valores' que, en

tanto Idecisión iusconstitucional fundamental', vale para todos los

to ao seu conteúdo não faria sentido algum diante das esco-

lhas do próprio constituinte originário.

Nesse contexto, a decisão de tomar como critério para

a ponderação a preferência das normas que diretamente

promovem a dignidade humana justifica-se amplamente

com a Carta de 1988. É absolutamente tranqüilo na doutri-

 l

3 3

e na jurisprudência que a Constituição fez uma opção

material clara pela centralidade da dignidade humana e,

como conseqüência direta, dos direitos fundamentais

3 3 3

.

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ámbitos dei derecho y del cual reciben 'directrices e impulsos ' la

legislación, la administración y la justicia. La suposición de que, a más de

ias normas de tipo tradicional, ai sistema jurídico pertenecen también

valores que, en tanto valores de range constitucional, ejercen un 'efecto

de irradiación' en todo el derecho ordinario tiene amplias consecuencias.

La Constitución no es ya solo base de autorización y marco dei derecho

ordinario. Con conceptos tales como los de dignidad, libertad e igualdad

y de Estado de derecho, democracia y Estado social, la Constitución

proporciona un contenido substancial ai sistema jurídico. Na mesma

linha, sobre a Carta espanhola, v. SEGADO, Franciso Fernández.

La

teoria jurídca delos derechos fundamentales enla ConstitucónEspaiioa

de1978 yensu interpretacónpor e Tribunal Constituconal

Revista de

Informação Legislativa n° 121, 1994, p. 73 e ss.. Sobre a Carta belga, a

despeito de se tratar de um texto bem mais antigo que os demais aqui

referidos, v. DELPÉRÉE, Francis. O direito à dignidade humana .

In

BARROS Sérgio Resende de e ZILVETI Fernando Aurelio

(coordenadores).

Diretoconstituconal — Estudos emhomenagema

Manoe Gonçalves Ferrera Filho

1999, p. 151 e ss.. Na França, a

dignidade humana é considerada um elemento implícito desde a

Declaração de 1789. Assim tem se manifestado, reiteradamente, o

Consel Constitutionne:

Considérant que le peuble français a, par le

preambule de la Constitution de 1958, proclame solennellement 'son

attachement aux droits de l'homnie et aux principes de la souveraineté

nationale tels qu'ils ont été définis par la Déclaration de 1789, confirmée

et complétée par le preambule de la Constitution de 1946; qu'il ressort,

par ailleurs, do preambule de la Constitution de 1946 que la sauvegarde

de la dignité de la personne humaine contre toute forme d'asservissement

et de dégradation est un principe de valeur constitutionnelle (Décision

n°98408 DC, 22.01.1999).

250

332 V. sobre o tema, na doutrina nacional, SARLET, Ingo Wolfgang.

Dignidadeda pessoa humana edretos fundamentais na Constituição

Federal de1988

2001; SANTOS, Fernando Ferreira dos. O

princpo

constituconal da dgnidadeda pessoa humana

1999; FARIAS, Edilsom

Pereira de.

Coisãodedretos. A honra a intimdade a vda privada ea

imagemversus a liberdadedeexpressãoeinformação

1996; SILVA, José

Afonso da.

dgndadeda pessoa humana comovalor supremoda

democraca

Revista de Direito Administrativo n°212, 1998, pp. 89 a 94;

MENDES, Gilmar Ferreira. Os

dretos fundamentais eseus mútipos

significados na ordemconstituconal

Revista Brasileira de Direito Público

n° 2, 2003, pp. 91 a 104; ROCHA, Carmen Lucia Antunes. O

princpo

da dgnidadeda pessoa humana ea excusãosocal

Revista Interesse

Público n° 4, 1999, p. 23 e ss.; NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O

dretobrasileroeoprincpoda dgnidadeda pessoa humana

Revista de

Direito Administrativo n° 219, 2000, p. 237 e ss.; SANTOS, Marcos

André Couto.

A deimtaçãodeumconteúdopara odreto embusca de

uma renovada teoria geral combasena proteçãoda dgnidadeda pessoa

humana

Revista de Informação Legislativa n° 153, 2002, pp. 163 a 191.

Na doutrina estrangeira, v. ALEXY, Robert.

DiscourseTheoryand

HumanRights

Rodo Juris, vol. 9, n° 1, 1996, pp. 209 a 235.

333 V., dentre muitos, o seguinte acórdão: STF, Ext 633/CH, Rel. Min.

Celso de Mello, DJU 06.04.2001: O fato de o estrangeiro ostentar a

condição jurídica de extraditando não basta para reduzi-lo a um estado de

submissão incompatível com a essencial dignidade que lhe é inerente

como pessoa humana e que lhe confere a titularidade de direitos

fundamentais inalienáveis, dentre os quais avulta, por sua insuperável

importância, a garantia do due process of law. Em tema de direito

251

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possibilidade (e a realidade) de inspeções e intervenções,

até mesmo armadas, de organismos internacionais em paí-

ses que desrespeitem normas consideradas fundamentais

pela sociedade internacional, dentre outros exemplos.

Pois bem. Uma das questões responsáveis por boa parte

desse fenômeno foi por certo, e continua a ser, o tema da

proteção dos direitos hurnanos

  4

° e o processo de interna-

cionalização dessa preocupação'''. O tema justificou inclu-

sive a criação de uma nova disciplina, o Direito Internacio-

nal dos Direitos Humanos, já introduzida em muitos cursos

universitários

  4

. Os principais organismos internacionais

rnultilaterais

  4

, de que fazem parte considerável parcela

dos países do mundo, consideram a proteção dos direitos

humanos um de seus objetivos principais e contam com

instrumentos institucionais para realizá-law. Há um nú-

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339

O fenômeno da proliferação das organizações internacionais é

descrito em MELLO, Celso D. de Albuquerque.

Curso de direito

internacional público vol.

I, 2001, p. 573 e ss.. O autor traz alguns

exemplos de organizações internacionais: Organização das Nações Unidas

(ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA), Organização

Mundial do Comércio (OMC), Organização Internacional do Trabalho

(OIT), Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização de Aviação

Civil Internacional (OACI), Organização Mundial de Saúde (OMS),

entre outras.

340 A expressão

direitos humanos é

mais freqüente no debate

internacional que direitos fundamentais. Alguns autores, com efeito,

atribuem sentidos diversos às duas expressões. Direitos humanos seria a

expressão reservada ao conjunto de direitos ideais, metafísicos, derivados

da natureza do homem, ao passo que os direitos fundamentais seriam

apenas aqueles reconhecidos por uma ordem jurídica positiva. Por essa

razão a expressão direitos humanos seria a locução mais freqüentemente

empregada na esfera internacional. CANOTILHO, J. J. Gomes.

Direito

constitucional e teoria da constituição

1997, p. 347 e ss..

341 Nessa linha, e mesmo fora da experiência da comunidade européia,

vários países já alteraram suas Constituições para consagrar a

superioridade hierárquica dos tratados internacionais de direitos

humanos sobre o direito interno, como é o caso da Argentina (1994),

Equador (1998) e Venezuela (1999). V. TORRES, Ricardo Lobo.

Direitos humanos e tributação nos países latinos . In: TORRES, Ricardo

Lobo e MELLO, Celso Albuquerque (organizadores).

Arquivos de

direitos humanos vol.

III, 2001, p. 112 e ss.. O Brasil segue caminho

semelhante. A recente Emenda Constitucional n° 45, de 8.12.2004,

introduziu os seguintes parágrafos ao artigo 5' da Carta de 1988:

§ 3° Os tratados e convenções internacionais sobre direitos

254

humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em

dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão

equivalentes às emendas constitucionais.

§ 4

 

0 Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional

a cuja criação tenha manifestado adesão. .

342

CANÇADO TRINDADE Antônio Augusto.

A proteção

internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos

básicos

1991; PIOVESAN, Flávia.

Direitos humanos e o direito

constitucional internacional 2000; BONAVIDES, Paulo. Os direitos

fundamentais e a Globalização . In: LEITE, George Salomão

(organizador).

Dos princípios constitucionais. Considerações em torno das

normas principiologicas da Constituição 2003 pp. 165 a 179; e

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o princípio da dignidade

humana .

In

LEITE, George Salomão (organizador).

Dos princípios

constitucionais. Considerações em torno das normas principiológicas da

Constituição 2003, pp. 193 a 195: Consagra-se, assim, a dignidade

humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito

Internacional e o Interno. (...) É no valor da dignidade humana que a

ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida

e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. (...) Assim,

seja no âmbito internacional, seja no âmbito interno (à luz do direito

constitucional ocidental), a dignidade da pessoa humana é princípio que

unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial

prioridade.

343

Destacam-se, entre outras, a ONU, a OEA e a OMC.

344 O

Conselho Econômico e Social da ONU, por exemplo, conta com

uma Comissão de Direitos Humanos. O ingresso na OMC depende de

uma avaliação, feita pela organização, acerca da observação pelo país dos

direitos humanos.

255

mero enorme de atos internacionais (tratados, declaraçõ

es

etc.) abordando pontos relacionados com a proteção dos

direitos hum nos e pr tic mente tod s s recentes

intervenções patrocinadas por organismos internacionai

s

pretenderam legitimar-se alegando a necessidade de prote-

ção dos direitos das populações locais

  4 5  

Ou seja: o direito internacional encontra-se comprome-

tido com a dignidade humana e com a proteção dos direitos

humanos. Não é apenas a Constituição brasileira de 1988

Neste ponto, todavia, é preciso fazer uma observação.

Não se pode ignorar que o aparente consenso acerca dos

direitos humanos na esfera internacional enfrenta algumas

dificuldades. A primeira dificuldade está relacionada com

o descompasso entre esses padrões supostamente univer-

sais e a realidade institucional e cultural de muitos países,

especialmente os não ocidentais ou de tradições diversas

das ocidentais

  4 7  

A segunda, se desenvolve no plano teórico e, alimenta-

da de certa maneira pela primeira, manifesta-se na forma

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que consagra a dignidade humana como fim central do sis-

tema jurídico e do Estado, para o qual todos os demais

elementos devem convergir. Não se trata de uma idiossin-

crasia nacional. Também o direito internacional comparti-

lha dessa mesma opção substantiva  4 6

e, portanto, o parâ-

metro proposto neste capítulo pode contar com fundamen-

tação não apenas no direito interno, mas também no direito

internacional.

345 Seguem alguns exemplos de resoluções do Conselho de Segurança

da ONU que autorizaram a intervenção militar em Estados membros por

razões humanitárias: Resolução n° 688/1991 — Intervenção humanitária

no Iraque em função da repressão aos Curdos; Resolução n° 794/1992 —

Intervenção humanitária na Somália, pois o país estava em estado de

anarquia decorrente da guerra civil entre várias facções; Resolução n

929/1994 — Intervenção humanitária na Ruanda em razão das guerras

étnicas entre tutsis e hutus; Resolução n° 940/1994 — Intervenção

humanitária no Haiti decorrente do golpe de Estado efetuado pelos

militares que levou o pais à guerra civil; Resolução n° 770/1992 —

Intervenção humanitária na Bosnia-Herzegovina em razão da guerra civil

separatista empreendida pelo Estado; Resolução n° 1244/1999 —

Intervenção militar em Kosovo também por razões humanitárias. Os

textos estão disponíveis em http://www.un.org/documents/

. V. sobre o

tema, RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos

humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria

2000.

346 Sobre o tema, v. PIOVESAN, Flávia.

Direitos humanos e o direito

constitucional internacional 2000.

256

de um conjunto de questionamentos: O que significa a lo-

cução

direitos humanos?

De que direitos se está tratando

afinal? A tentativa de universalizar o discurso dos direitos

humanos não seria uma modalidade de imposição e domi-

nação culturais de um produto tipicamente ocidental sobre

culturas totalmente diferentes? O que legitima essa impo-

sição? Ou, pior, o tema dos direitos humanos — até por sua

fluidez — não se prestaria facilmente a operar como urna

justificativa ideológica e moral para um neo-imperialismo

político e econômico ocidental? Esse é o debate que opõe,

de um lado, aqueles que sustentam a universalidade dos

direitos humanos — os universalistas — e os que criticam

esse entendimento — os culturalistas, regionalistas ou rela-

tivistas. Entre esses dois extremos, por evidente, há um

conjunto de posições intermediárias'''.

347 É certo que também muitos países ocidentais não implementam

esses padrões, mas em geral o problema nesses casos não é de oposição

cultural, mas de ineficiência político-administrativa, falta de recursos,

prioridades distorcidas, ou, ainda, de uma concepção específica acerca do

sentido dos direitos humanos em determinadas circunstâncias, dentre

outros fatores. V. MAIA, Antônio Cavalcanti. Direitos humanos e a

teoria do discurso do direito e da democracia .

In

TORRES, Ricardo

Lobo e MELLO, Celso Albuquerque (organizadores).

Arquivos de

direitos humanos vol.

II, 2000, p. 5 e ss..

348 V. WALZER, Michael.

Spheres of Justice —A Defense of Pluralism

257

A questão é complexa, não admite uma resposta sim-

plista e cabe aqui apenas registrá-la. Nada obstante, uma

nota importante deve ser feita. Um exame dos atos inter-

nacionais'

4 9

sobre direitos humanos revela, ao contrário do

que talvez se pudesse imaginar, que entre seus subscritore

 

não se encontram apenas países ocidentais ou ocidentaliza-

dos'', mas também diversos países africanos e asiáticos, de

tradições culturais totalmente diversas das ocidentais '. É

certo que as formulações dos atos internacionais são muitas

vezes providencialmente genéricas e que o discurso exter-

ses que com a decisão do Estado de implementar o conteú-

do do ato. De todo modo, é sintomático que ainda assim os

governos se sintam compelidos a expressar compromissos

com a dignidade humana e com os direitos humanos.

Não há dúvida de que o debate entre universalismo e

culturalismo, identificado acima, além da relevância filosó-

fica, será vital no momento em que seja necessário delinear

concretamente que direitos devem ser considerados

direi-

tos humanos

e o que pode ser feito para impor seu cumpri-

mento, sobretudo em ambientes de tradição cultural e ins-

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

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no dos países não é necessariamente coerente com sua rea-

lidade interna, jurídica, histórica ou cultural. Também se-

ria ingenuidade ignorar que, por vezes, a subscrição de um

ato internacional está mais relacionada com outros interes-

and Equality

1983, p. 9 e ss.; e, do mesmo autor,

Thick and Thin. Moral

Argionent at Home and Abroad

1994, p. 8 e ss..

349

Aí incluídos de tratados a meras declarações. As declarações

veiculam em geral valores de grande relevância e caráter duradouro e têm

ampla influência nas relações internacionais, mas não possuem força

jurídica impositiva imediata. Apenas após serem amplamente

reconhecidas é que são consideradas fontes de direito, como é o caso da

Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Os tratados (e

também as convenções, pactos e protocolos), por outro lado, são firmados

pelas pessoas de Direito Internacional com o objetivo de produzir efeitos

de direito em suas relações mútuas e, em geral, passam a integrar o direito

interno dos países com a ratificação. V. o

Dicionário da Cidadania

disponível em www.dhnet.org.br

(acesso em 12.09.2004).

350

Como, ainda que em parte, Austrália, Nova Zelândia e Israel, dentre

outros.

351

O art. 4° da Carta Geral das Nações Unidas de 1945, por exemplo,

admitiu como países membros, dentre outros, Afeganistão, Azerbaijão,

Albânia, Coréia do Sul, Coréia do Norte, Emirados Árabes, Kuait,

Nigéria, Paquistão, Somália, Tailândia, Uganda, Uzbequistão, Zâmbia e

Zimbábue. Também a Declaração Universal dos Direitos do Homem de

1948 foi assinada por países como o Afeganistão, a China, a Etiópia, o Irã,

o Iraque, o Líbano, o Paquistão e a Tailândia.

titucional diversa da ocidental. Nada obstante isso, no nível

teórico, é possível dizer que há confortável consenso na

esfera internacional acerca da prioridade do homem e do

seu bem estar.

Além disso, o objetivo deste estudo é apresentar uma

proposta operacional de parâmetros para a técnica da pon-

deração dirigida à realidade jurídica ocidental. Desse

modo, o debate universalismo

versus

culturalisrno não im-

pede que se afirme, para os fins aqui em vista, que também

a sociedade internacional compartilha da opção material

pela dignidade humana como valor fundamental da ordem

jurídica, ainda que no plano teórico e talvez em extensão

menor que o direito interno

3 5

. É o que basta para funda-

352 É apenas natural que haja dificuldade na construção de uma teoria

universalmente válida sobre os direitos humanos, já que o direito é

sempre experiência cultural e histórica. Isso não impede, ao contrário,

que se formulem teorias contextualizadas e válidas nesses ambientes. V.

LARENZ, Karl.

Metodologia da ciência do direito

1969, p. 158: A

validade objectiva de qualquer experiência imediata de valores é

indemonstrável. O subjectivismo judicial, por outro lado, harmoniza-se

mal com a exigência de decisões uniformes e com a necessidade de

segurança jurídica. Afigura-se assim que a questão dos critérios de valor

não pode receber resposta satisfatória. A verdade, porém, é que a

experiência demonstra que em matéria de valor é também possível um

258

59

mentar a prioridade das normas que de forma direta pro-

movem a dignidade humana quando em confronto com ou-

tras que estão associadas a esse objetivo apenas de form

a

indireta.

Os dois elementos que se acaba de apresentar — direi-

to interno e internacional — são mais do que suficiente

s

para fundamentar o parâmetro aqui em discussão. Em pri-

meiro lugar, como se acaba de sublinhar, porque o universo

de trabalho deste estudo é o sistema jurídico ocidental, que

comunga, tanto na esfera interna, como internacional, de

sideravelmente a possibilidade de ampliação pelo intérpre-

te do conceito geral de dignidade humana. É certo que

resta o problema de delinear o núcleo dos princípios, que

terão natureza de regra: esse tema será retomado no último

capítulo.

Como referido, os dois fundamentos apresentados até

este ponto para o parâmetro em questão fundam-se em

consensos substanciais, isto é, opções de conteúdo valorati-

vo. Não se pode, no entanto, ignorar a constante crítica

filosófica e política que tem se voltado contra o emprego

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consensos materiais acerca da dignidade humana e dos di-

reitos fundamentais. Ademais, o risco da indefinição ou de

uma ampliação excessiva do conceito jurídico de proteção

e promoção da dignidade humana — real nas discussões

internacionais —, é bastante reduzido no contexto da pro-

posta deste estudo.

Como já exposto, o primeiro parâmetro a ser emprega-

do no processo ponderativo consagra a preferência das re-

gras sobre os princípios (sua área não nuclear, na verdade).

Assim, no mais das vezes, o segundo parâmetro lidará ape-

nas com disputas envolvendo regras

  5

, o que restringe con-

consenso,

e que há portanto critérios de valor que — pelo menos numa

época e numa comunidade cultural determinadas — são reconhecidos de

modo dominante. (...) Se extrairmos desta ordem 'positiva' de valores

princípios jurídicos susceptíveis de fornecer orientação ao legislador e ao

juiz, obteremos uma espécie de

Direito natural relativo,

constituído pelos

valores que são objectos de experência histórica — isto é, que se dão à

consciência do homem na realidade histórica de determinada época.

353 Em tese, o segundo parâmetio poderá ter de lidar com normas

oriundas de um conflito do tipo regra

versus

regra ou do tipo área não

nuclear de princípio

versus

área não nuclear de princípio. Esta segunda

hipótese, bastante incomum, terá lugar quando a questão não seja

regulada por regra alguma. Nesse caso, como já determinava a Lei de

Introdução ao Código Civil, o intérprete terá de recorrer à analogia, ao

costume e aos princípios afinal, ainda que em sua área não nuclear.

260

dessa espécie de consenso como fundamento de qualquer

construção teórica ou como elemento de legitimação de

estruturas sociais e jurídicas, não apenas na esfera interna-

cional, mas também no âmbito do direito interno

  5

O fundamento desse ceticismo acerca de consensos

materiais repousa, em última análise, na percepção de uma

sociedade (interna e internacional) cada vez mais plural,

dividida por concepções as mais diversas acerca de defini-

ções valorativas (o que é a justiça, o bem ou o belo), ten-

dências políticas e ideológicas, opções pessoais de vida

  5 5 ,

dentre tantos outros aspectos. A revisão das grandes ideo-

354 HABERMAS, Jurgen.

Direito e democracia entre facti cidade e

validade, vol.

I, 2003; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza.

Jurisdição

constitucional democrática,

2004, p. 135 e ss.; POZZOLO, Suzanna. Un

constitucionalismo ambíguo .

In

CARBONELL, Miguel (organizador).

Neoconstitucionalismo s),

2003, p. 187 e ss.; e BARBEAIS, Mauro.

Neoconstitucionalismo, democracia e imperialismo de la moral . In:

CARBONELL, Miguel (organizador).

Neoconstitucionalismo s),

2003, p.

259 e ss..

355 V. WALZER, Michael.

Spheres of Justice —A Defense of Pluralism

and Equality,

1983; ALMEIDA, Ricardo. A critica comunitarista ao

liberalismo .

In

TORRES, Ricardo Lobo (coordenador).

Teoria dos

direitos fundamentais,

1999; e CITADINO, Gisele.

Pluralismo, direito e

justiça distributiva — lementos da filosofia constitucional

contemporânea, 1999,

p. 159 e ss..

261

logias do século XX, com a decadência do socialismo histó-

rico e a crise do Estado de bem estar social, agravou ainda

mais esse quadro. De acordo com esses críticos, não é pos-

sível identificar um consenso material compartilhado pelos

diversos grupos dentro da sociedade de modo que, por essa

razão, não é possível empregar tais consensos como funda-

mento legitimador de decisões ou estruturas no âmbito da

sociedade política.

Já que não é viável concluir, sob urna perspectiva co-

mum a todos, que determinada solução é materialmente

boa ou justa, tudo o que se pode pretender é a existência de

tros condicionantes, indivíduos cru um estado original e

sob o véu da ignorância firmam um novo contrato social

sem saber quais serão suas convicções valorativas e ideoló-

gicas na sociedade. O conteúdo do novo contrato social não

pode depender das concepções materiais dos participantes

e nem se justifica com base nelas; sua legitimidade está

fundada na correção do procedimento por meio do qual foi

possível chegar aos princípios propostos pelo autor. E certo

que Rawls não adota um procedimentalismo radical: fixa-

dos esses princípios no momento inicial, as deliberações

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um procedimento para a tomada de decisões que, por suas

características, ainda que apenas formais, possa legitimar as

decisões que venham a ser apuradas. Ou seja: corno não se

pode controlar o resultado produzido ao final desse proce-

dimento, uma vez que isso exigiria um juízo de natureza

material, os autores, a partir de diferentes pressupostos e

com propósitos igualmente diversos, ocupam-se de discu-

tir modelos procedimentais, suas características, seus pres-

supostos e as condições necessárias para seu desenvolvi-

mento.

Esse elemento

procedimentalista e crítico dos consen-

sos materiais, em maior ou menor intensidade, está

presen-

te

em diferentes construções teóricas contemporâneas.

John Rawls

Uma teoria da justiça e Liberalismo políti-

co   6

 

emprega o raciocínio procedimental ao discutir prin-

cípios para ordenação da sociedade justa. Na formulação

do autor, esses princípios são concebidos a partir de um

modelo de justiça processual pura

no qual, dentre ou-

para alcançá-lo. Na justiça processual perfeita, há umpadrão

independenteepreciso paradecidir qua o resutado justo, bemcomo uni

procedimento quegaranteaobtenção deta resutado. O autor reconhece

queestasituação é idea, não severificando napráticadeformareevante

Por outro lado, acaracterísticadajustiçaprocessua imperfeitaé que,

emborahaaumcritério independente paradetermnar qua o resultado

correto, não háquaquer processo prático que assegure que ele será

atingido. Por fim ajustiçaprocessua puraaplica-se quando não há

critério independente parao resultado justo, mas existe umprocesso

correto ou equitativo que, devidamente aplicado e respeitado, permte

que o resultado, seaele qua for, seaiguamente correto ou equitativo.

Este é o modelo adotado pelo autor emsua teoria já que, como

conseqüênciadadiversidadeindividua deprojetos econcepções devida

edejustiça Raws entendequenão há umresultado justo

pré-estabelecido e consensua entre os homens. O que asuateoriada

justiçapretende é estabelecer umprocedimento equitativo que conduza

aumresultado, senão justo, ao menos não injusto. V. John Rawls,

Uma

teoria da justiça

1993, p. 86 ess.. V. tambémTORRES, Ricardo Lobo.

A teoria da justiça deRawseopensamentodeesquerda

Revistada

FacudadedeDireto daUERJ n° 5, pp. 157 a175, 1997; BARCELLOS,

AnaPaulade. O mnimo existencia e agumas fundamentações: John

Rawls, Michael Wazer e Robert Alexy . In: TORRES, Ricardo Lobo

(organizador).

Legtimaçãodosdretoshumanos

2002; e SOUZA

NETO, Cláudio Pereirade. Fundamentação e normatividade dos

direitos fundamentas: umareconstrução teóricaà luz do principio

democrático .

MELLO, Celso deAlbuquerqueeTORRES, Ricardo

Lobo (organizadores).

Arquvosdedretoshumanos vo.

IV, 2002, p. 49.

356 RAWLS, John.

Uma teoria da justiça 1993;

e

Liberalismopoítico

1992.

.

357 Rawls confrontatrês noções correlatas: ajustiçaprocessua perfeita

ajustiçaprocessua imperfetaeajustiçaprocessua pura Cadaumadeas

va trabahar comdois elementos: aquaidadedo resultado eo processo

262 263

públicas posteriores (inclusive as relacionadas com o con-

teúdo da Constituição e das leis) estão a eles vinculada

s

para o fim de aplicá-los e desenvolvê-los

  5 9 .

A concepção de Jurgen Habermas acerca da razão co-

municativa adota a lógica procedimental de forma muito

mais abrangente

  5 9

. Para Habermas, a legitimação do direi-

to nas sociedades contemporâneas deve ser construída a

partir do consenso obtido por meio da comunicação e diá-

logo públicos, e não a partir de argumentos autoritativos ou

consensos materiais prévios °. Sendo assim, a deliberaçã

 

Essas reflexões de cunho predominantemente filosófi-

co refletem sobre a Teoria do Direito em geral e, em parti-

cular, sobre a Teoria da Constituição. O chamado

constitu-

cionalismo procedimental

trabalha justamente com a idéia

de que as opções de caráter material, valorativo, devem

ficar a cargo da deliberação majoritária em cada momento

histórico

  6

, cabendo à Constituição tratar apenas das re-

gras e procedimentos necessários para o funcionamento

das estruturas democráticas

  5

. Embora haja nesse caso

toda uma fundamentação democrático-majoritária para a

teoria (que, a rigor, não deixa de ser uma opção material),

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

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pública está aberta a qualquer resultado final no que diz

respeito ao seu conteúdo, justificando-se na medida em

que o procedimento seja adequado '.

358 Sobre esse elemento substancialista ou material da teoria de Rawls,

veja-se a bela tese de doutorado de Cláudio Pereira de Souza Neto, ainda

em mimeo,

Teoria constitucional e democracia deliberativa,

2004.

359 Para um exame mais amplo do pensamento de Habermas sobre o

ponto, v. MAIA, Antônio Cavalcanti. Direitos humanos e a teoria do

discurso do direito e da democracia . In: TORRES, Ricardo Lobo e

MELLO, Celso Albuquerque (organizadores).

Arquivos de direitos

humanos, vol.

II, 2000, pp. 3 a 80.

360 HABERMAS, Jurgen.

Direito e democracia entre facticidade e

validade, vol.

I, 2003, p. 154 e ss.; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza.

Jurisdição constitucional democrática,

2004 p. 193 e ss.; e

CANOTILHO J. J. Gomes

Direito constitucional e teoria da

Constituição,

1998, p. 1310 e ss..

361 MAIA, Antônio Cavalcanti. Direitos humanos e a teoria do discurso

do direito e da democracia .

In

TORRES, Ricardo Lobo e MELLO, Celso

Albuquerque (organizadores).

Arquivos de direitos humanos, vol.

II,

2000, pp. 22 a 27: A ética do discurso pode ser caracterizada como uma

ética da argumentação. (...) Além da ética do discurso apresentar-se como

universalista, cognitivista e deontológica, ela também possui uma

característica formalista (...) Afinal, uma ética formalista deve poder

fornecer um princípio que justificadamene consiga dirimir questões

prático-morais litigiosas por meio de um acordo racional motivado. Por

264

conseguinte, esta característica implica que os conteúdos morais surgirão

da própria vida social, por meio dos embates travados pelos próprios

interessados, os quais, seguindo a moldura argumentativa proposta pela

ética do discurso, podem chegar consensualmente a acertar suas

diferenças. De modo algum o teórico, dentro da perspectiva da ética

comunicativa, assume a posição de quem pode indicar padrões

axiológicos; o que ele sustenta é a inevitabilidade do reconhecimento de

determinadas regras de argumentação provenientes de uma análise

interna das propriedades da comunicação lingüística em geral. A ética do

discurso é um veículo para a reflexão sistemática acerca do problema de

como obter um acordo racionalmente motivado em uma sociedade

pluralista.

362 Veja-se, sob uma perspectiva diversa, SUNSTEIN, Cass R.

Legal

Reasoning and Political Conflict,

1996.

363 ELY, John Hart.

Democracy and Distrust. A Theoty of Judicial

Review,

1980; VIEIRA. Oscar Vilhena.

A Constituição e sua reserva de

justiça,

1999, p. 213 e ss.; BINENBOJM, Gustavo.

A nova jurisdição

constitucional brasileira,

2001, p. 93 e ss.; PIRES, Francisco Lucas.

Legitimidade da justiça constitucional e principio da maioria .

In:

Legitimidade e legitimação da justiça constitucional — Colóquio no 10

 

aniversário do Tribunal Constitucional,

1995, p. 167 e ss.; e HAGE

SOBRINHO, Jorge.

Democracy and distrust — A Theoly of judicial

review — John Hart Ely: resumo e breves anotações à luz da doutrina

contemporânea sobre interpretação constitucional,

Arquivos do Ministério

da Justiça n°48 (186), 1995, pp. 201 a 225.

265

o constitucionalismo procedimental se funda també

m

no

pressuposto de que, além de indesejável, na verdade seria

inviável contar com consensos materiais permanentes.

Há, no entanto, um aspecto fundamental a ser observa-

do aqui. As diferentes teorias que incorporam elementos

procedimentais, e é o que acontece com os exemplos lista-

dos nos parágrafos anteriores, assumem como pressuposto

a igualdade de todos os indivíduos

  6 4

e,

a fortiori

uma pri-

meira característica legitimadora dos diferentes modelos

procedimentais por eles propostos deverá ser seu caráter

democrático

  6 5

. Ora, a conseqüência direta desses pressu-

dos os canais de participação popular, por exemplo. E,

igualmente, cada indivíduo deve ter respeitado um conjun-

to básico de direitos fundamentais, sem os quais ele não

terá condições de exercer sua liberdade, de participar cons-

cientemente do processo político democrático e do diálogo

no espaço público

  6 6

. Em outras palavras, o sistema de diá-

logo democrático não tem como funcionar de forma mini-

mamente adequada se as pessoas não tiverem condições de

dignidade ou se seus direitos, ao menos em patamares mí-

nimos, não forem respeitados.

Na mesma linha, o constitucionalismo procedimental

reconhece que, além de regras puramente procedimentais

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

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postos — a igualdade e o caráter democrático do procedi-

mento — é a necessidade de assegurar a liberdade das pes-

soas para que elas possam participar do procedimento.

E,

para que essa liberdade possa ser exercida em condições

razoáveis, exige-se também um conjunto mínimo de condi-

ções materiais, como educação, alimentação, etc.

Habermas registra exatamente que o funcionamento

adequado de sua proposta exige um conjunto de condições

ou pré-requisitos. É necessário manter livres e desobstruí-

364 AARNIO, Aulis.

Reason andAuthority

1997, p. 217 e ss.; e ALEXY,

Roberto.

Derechos, razonametztojurídicoediscursoraconal.

evista

Isonoinia n° 1, 1994, pp. 48 e 49: Para el argumento que quiero

presentar ahora, solo necesito la idea de libertad e igualdad en los

argumentos, que es la base normativa de la teoria dei discurso. La teoria

del discurso sostiene que una argumentación que excluye o suprime

personas o argumentos — excepto por razones pragmáticas que tienen

que ser justificadas — no es una argumentación racional, y que las

justificaciones que se obtienen de la misma soa defectuosas. (...)Mi tesis

es que el resultado de un discurso racional seria un sistema de derechos

fundamentales que incluya una preferencial

prima facede los derechos

individuales sobre los bienes colectivos.

365 O que, a rigor, não deixa de ser uma opção material de caráter

valorativo.

266

(como a disciplina das eleições e da separação de poderes),

as Constituições também devem tratar da proteção de di-

reitos fundamentais

  6 7

. Na verdade, o regime democrático

depende de todos os cidadãos terem assegurado um con-

junto mínimo de direitos que permita sua participação livre

e consciente na formação da vontade majoritária. Note-se

366 HABERMAS, Jurgen.

Diretoedemocraca entrefacticdadee

validade vol.

I, 2003, p. 154 e ss.; MAIA, Antônio Cavalcanti. Direitos

humanos e a teoria do discurso do direito e da democracia .

In

TORRES,

Ricardo Lobo e MELLO, Celso Albuquerque (organizadores).

Arquvos

dediretos humanos, vol.

II, 2000, p. 58 e ss.; NASCIMENTO, Rogério

Soares do. A Ética do discurso como justificação dos direitos

fundamentais na obra de Jürgen Habermas .

In

TORRES, Ricardo Lobo

(organizador),

Legtimaçãodos diretos humanos,

pp. 451 a 498, 2002;

BINENBOJM, Gustavo.

A nova jurisdiçãoconstituconal brasilera,

2001, p. 47 e ss.; e SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Fundamentação

e normatividade dos direitos fundamentais: uma reconstrução teórica à

luz do principio democrático . In: TORRES, Ricardo Lobo e MELLO,

Celso de Albuquerque (organizadores).

Arquivos dediretos humanos,

vo IV, 2002.

367 BAYÓN, Juan Carlos. Derechos, Democracia y Constitución .

In

CARBONELL, Miguel (organizador).

N eoconstituconalismo s),

2003, p.

225 e ss..

267

que esses direitos deverão ser respeitados quer se faça par-

te da maioria ou não  8

. Se a maioria pudesse violar os direi-

tos da minoria, ela poderia destruir o próprio sistema de-

mocrático, obstruindo os canais de participação e instalan-

do uma ditadura do grupo majoritário naquele momento

histórico

  9.

368 Sobre o tema das relações democracia e direitos fundamentais, v.

Landelino Lavilla. Constitucionalidad y legalidad. Jurisdiccion

constitucional y poder legislativo .

In Divsondepoderese

interpretacon— Haca una teoria dela praxia constituconal,

PINA

Por fim, também Rawls reconhece que o funcionamen-

to de seu modelo de justiça processual pura pressupõe logi-

camente a garantia não apenas de liberdades aos indiví-

duos, mas também de condições elementares de existência

material. Com

efeito, o autor registra que, para que o pro-

cedimento decidido pelos indivíduos no estado original

seja verdadeiramente eqüitativo, é necessário que eles te-

nham assegurado um conjunto de direitos, que deve incluir

os direitos de liberdade e condições materiais mínimas

para o exercício dessas liberdades. A falta desse pressupos-

to, o processo deixa de ser eqüitativo, arruinando a lógica

8/17/2019 Barcellos, Ana Paula de - Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barcellos-ana-paula-de-ponderacao-racionalidade-e-atividade-jurisdicionalpdf 145/178

Antonio Lopes (organizador), 1997, pp. 58 a 72; QUADRA, Tomás de la;

PERGOLA Antonio La; GIL Antonio Hernández;

RODRIGUEZ-ZAPATA, Jorge Gustavo; ZAGREBELSKY;

BONIFACIO Francisco P.; DENNINGER Erhardo e HESSE Conrado.

Metodos y criterios de interpretacion de la constitucion .

In

PINA

Antonio Lopes (organizador).

Divsiondepoderes einterpretacon—

Haca una teoria dela praxia constituconal,

1997

 

p. 134; e SEGADO,

Francisco Femández.

La teoria jurídca delosderechosfundamentalesen

la ConstitucónEsparioa de1978 y ensuinterpreaconpor e Tribunal

Constituconal,

Revista de Informação Legislativa n° 121, 1994, p. 77:

(...) los derechos son, simultaneamente, la conditio sine qua non dei

Estado constitucional democrático.

369 Essa observação é comum a procedimentalistas e substancialistas,

como se vê da observação de um não procedimentalista como

DWORKIN, Ronald.

FreedomsLaw TheMoral Readngo theAmerican

Constitution

1996, pp. 17 e 18: Democracy means govemment subject

to conditions — we might call these the 'democratic' conditions — of

equal status for ali citizens. When majoritarian institutions provide and

respect the democratic conditions, then the veredicts of these

institutions should be accepted by everyone for that reason But when

they do not, or when their provision or respect is defective, there can be

no objection, in the name of democracy, to other procedures that protect

and respect them better. The democratic conditions plainly include, for

example, a requirement that public offices must in principie be open to

members of ali races and groups on equal terms. If some law provided

that only mernbers of one race were eligible for public office, then there

would be no moral cost — no matter for moral regret at ali — if a court

that enjoyed the power to do so under a valid constitution struck down

procedimental concebida pelo autor

°

.

that law as unconstitutional. That would presumably be an occasion on

which the majoritarian premise was flouted, but though this is a matter of

regret according to the majoritarian conception of democracy, it is not

according to the constitutional conception. No mesmo sentido, v.

MARTINEZ, Gregorio Peces-Barba.

Derechossocalesy postivsmo

jurídco

1999, p. 57: El primer argumento pues, para defender su

inclusión en la categoria genérica de los derechos fundamentales, pasa por

este reconocimiento de la conexión de los derechos económicos, sociales

y culturales, con la generalización de los derechos políticos. Su objetivo

era la igualdad a través de la satisfacción de necesidades básicas, sin Ias

cuales muchas personas no podián alcanzar los niveles de humanidad

necesarios para disfrutar de los derechos individuales, civiles y políticos,

para participar en plenitud en la vida política y para disfrutar de sus

beneficios. ; PEREZ LUNG, Antonio Enrique.

Derechoshumanos,

Estadodederechoy Constitucon

1999, p. 227.; e ESPADA, João Carlos.

Diretos socais ecdadana,

1999; e GARCIA, Maria.

Impicaçõesdo

princpoconstituconal da igualdade

Revista de Direito Constitucional e

Internacional n° 31, 2000, p. 109 e ss..

370 RAWLS, John.

Uma teoria da justiça,

1993, p. 221. V. também pp.

81 e 222. Mais eape

cificamente, vale conferir os seguintes trechos de seu

Liberalismopoítico

1992,pp. 32 e 33: En especial, el primer principio,

que abarca los derechos y libertades iguales para todos, bien puede sir

precedido de un principio que anteceda a su formulación, el cual exija que

las necesidades básicas de los ciudadanos sean satisfechas, cuando menos

en la medida en que su satisfacción es necesaria para que los ciudadanos

268

269

Ainda que não se compartilhe inteiramente da posição

descrita acima do ponto de vista filosóficom e, mais que

isso, que ela não produza um impacto tão importante do

ponto de vista operacional no funcionamento do parâmetro

aqui em discussão (já que o estudo ocupa-se de uma pro-

posta jurídica, e não filosófica, destinada a operar em um

sistema constitucional que já fez uma opção material pela

dignidade humana, como é o caso da Carta de 1988), há

aqui um ponto que merece ser sublinhado. Mesmo concep-

ções que operam com categorias essencialmente procedi-

mentais acabam por reconhecer que os direitos fundamen-

Um exemplo do emprego desse parâmetro pode ser

observado na interpretação que significativa parte da dou-

trina — a nosso ver com acerto—confere ao art. 213, § 1°

da Constituição Federal, referente à destinação dos recur-

sos públicos na educação. O dispositivo tem a seguinte dic-

ção:

§

°

Os

recursos de que trata deste artigo poderão ser

destinados abolsas de estudo para o ensino fundamental

e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem

insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas

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tais terão de ser prioritariamente respeitados, ainda que

sob fundamentos diferentes e provavelmente em extensão

menor do que a pretendida pelos fundamentos materiais

de direito interno e internacional.

Em suma: seja por se tratar de uma opção material cla-

ramente perceptível na Constituição de 1988, seja por de-

correr de um consenso universal, seja pela necessidade de

construir um ambiente no qual procedimentos democráti-

cos e eqüitativos possam funcionar, a prioridade das nor-

mas que diretamente promovem a dignidade — quando em

conflito insuperável com outras cuja relação com o bem

estar individual seja apenas indireta — encontra-se ampla-

mente justificada do ponto de vista jurídico e racional.

entiendan y puedan ejercer fructiferamente esos derechos y esas

libertades. Ciertamente, tal principio precedente debe adoptarse al

aplicar el primer principio. .

371 Para urna crítica às teses procedimentalistas, v. BONAVIDES,

Paulo. A constituição aberta, 1996,

p. 33 e ss. (embora o autor se ocupa

mais especificamente do procedimentalismo sociológico, suas reflexões

podem ser generalizadas ; e STRECK. Lênio Luiz.

Jurisdição

constitucional e hermenêutica. Unia nova crítica do direito,

2004, p. 147

e ss..

e cursos regulares da rede pública na localidade da resi-

dência do educando, ficando o Poder Público obrigado a

investir prioritariamente

na

expansão de sua rede na

localidade.

A leitura imediata do enunciado leva o intérprete à se-

guinte conclusão: não havendo vagas suficientes na rede

pública de ensino, e enquanto o Poder Executivo investe na

sua expansão, caberá ao Legislativo disciplinar a concessão

de bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio

para os que demonstrem insuficiência de recursos. Mas e

se não houver vagas na rede pública e nem lei regulando a

matéria? Poderá o Judiciário, provocado, determinar a con-

cessão de bolsas de estudo?

A resposta de boa parte da doutrina à pergunta que se

acaba de formular é positiva. O conflito normativo no caso

pode ser desenhado, resumidamente, da seguinte forma.

Os princípios da legalidade e da separação de poderes exi-

gem a lei para que as bolsas de estudo sejam concedidas, já

que a decisão envolve dispêndio de recursos públicos, exi-

gência que afinal consta do próprio dispositivo com nature-

za de regra, por meio da locução

na forma da lei.

De outra

parte, os enunciados que consagram o direito fundamental

270 71

à educação — no caso do ensino fundamental claramente

sob a forma de regra — postulam que, de alguma forma, o

indivíduo tenha acesso ao ensino fundamental e médio e

possa usufruir desse direito.

Qual deve ser a escolha então? Atender à regra que

exige lei prevista no dispositivo, e assim manter fora da

escola um indivíduo sem recursos para obter educação for-

mal por outro meio? Ou obedecer à regra constitucional

sobre educação fundamental e admitir a concessão de bol-

sas mesmo na ausência de lei? Qual das duas normas deve

prevalecer?

Em atenção à centralidade constitucional da pessoa hu-

Note-se um aspecto interessante. Na hipótese, não foi

sequer necessário afastar a regra que exigia lei: bastou con-

ferir-lhe uma interpretação capaz de acomodar a preferên-

cia em favor dos direitos do indivíduo. Como registrado ao

tratar da terceira etapa da ponderação, sempre que possível

convém evitar que algum dos enunciados em conflito seja

totalmente esvaziado.

Em resumo do que se expôs até aqui é possível registrar

o seguinte. Os dois parâmetros descritos, neste capítulo e

no anterior, têm natureza geral, isto é, procuram fornecer

ao intérprete preferências racionais e juridicamente consis-

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mana, de sua dignidade e dos direitos fundamentais, diver-

sos autores têm concluído que é preferível restringir par-

cialmente os princípios da legalidade e da separação dos

poderes, que se relacionam indiretamente com o bem estar

do homem no caso, e assesurar ao indivíduo o acesso à

escola a fazer o inverso

  7

. E possível cogitar-se, inclusive,

para que a regra ( na forma da lei ) não seja completamen-

te ignorada, que ela se destina apenas ao Executivo, que

não poderá, sem lei, conceder bolsas de estudo em escolas

privadas, ao invés de investir na expansão da rede pública.

O Judiciário, no entanto, não estará limitado por essa res-

trição, mesmo porque, no momento em .que a disputa che-

ga ao Judiciário, isso significa que nem o Poder Executivo

ofereceu vagas na rede pública e nem o Legislativo regula-

mentou a concessão de bolsas.

372 V. BARCELLOS, Ana Paula de.

A eficácia jurídica dos princípios

constitucionais —

O

princípio da dignidade da pessoa humana

2002, p.

260 e ss.; BARROSO, Luis Roberto. O

direito constitucional e a

efetividade de suas normas

2003, p. 114 e ss.; e SANTOS, Marcelo de

Oliveira Fausto Figueiredo. As normas programáticas — Uma análise

político-constitucional

Cadernos de Direito Constitucional e Ciência

Política n° 16, 1996, p. 119 e ss..

tentes para a solução dos conflitos normativos que, por suas

peculiaridades, exijam o emprego da ponderação. A prefe-

rência das regras sobre os princípios orienta o intérprete na

primeira fase da ponderação, quando são identificados os

enunciados relevantes. A preferência das normas que pro-

movem diretamente a dignidade opera na terceira fase,

momento em que as normas propriamente ditas já foram

apuradas

Entre a primeira e a terceira fases da ponderação, po-

rém, há uma etapa intermediária, na qual são identificados

os fatos relevantes, atribuídos pesos aos elementos norma-

tivos e afinal construídas as normas em disputa, que conti-

nua desvinculada de qualquer parâmetro objetivo. Na ver-

dade, a construção de parâmetros ou

standards

capazes de

orientar o intérprete nesse momento depende do estudo

da casuística dos conflitos. Aqui será preciso construir pa-

râmetros específicos para cada tipo de conflito de que se

possa cogitar, seja por meio do levantamento de casos reais,

e nesse sentido o estudo da jurisprudência é da maior im-

portância, seja pela elaboração teórica de conflitos hipoté-

ticos.

Este trabalho não se ocupa de examinar ou propor parâ-

metros para conflitos específicos, já que cada um deles exi-

272

273

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intérprete terá a sua disposição — para sua instrução e tam-

bém para o controle de sua atuação — uma quantidade

importante de parâmetros e preferências abstratas

3 7 4

. A

partir delas será mais fácil visualizar, em cada caso real, os

elementos de fato relevantes e os pesos que devem ser

atribuídos aos diferentes conjuntos normativos ao longo do

processo de ponderação.

É certo que não se pode pretender antecipar por inteiro

as complexidades da vida real para o fim de identifica

r

todas as circunstâncias que podem interferir na aplicação

de um enunciado normativo. Isso seria impossível

3

 . En-

tretanto, o fato de não ser viável imaginar parâmetros abso-

lutos ou completos

ali things consideredn

não impede

que se conceba aquilo que é possível para os fins desejados.

A construção dos parâmetros particulares em abstrato pre-

tende fornecer ao aplicador balizas para orientar sua deci-

são, discutidas ampla e previamente pela doutrina, no espa-

ço público'. De toda sorte, como já se registrou, os parâ-

principios constitucionales .

In: CARBONELL,

Miguel (organizador).

Neoconstitucionalismo s),

2003, pp

j

 

120 e 121: En relación con la

movilidad

de las jerarquizaciones ideales de nuestros principios en

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374 NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constituição,

2003, pp. 910 e 911: Os

resultados obtidos na

categorização

são, à partida, funcionalment

 

orientados para a formulação de regras gerais de preferência relativa entre

bens ou de valoração diferenciada de modalidades concretas de exercício

dos direitos fundamentais — regras que resultam de ponderações, mas

que, simultaneamente, permitem a orientação e estruturação de

ponderações futuras. (...) A formulação deste tipo de regras pode, ainda,

desenvolver-se num nível muito mais concreto e capaz de fornecer a

solução dos posteriores casos com dispensa de recurso a ponderações de

caso concreto, na medida em que a máxima previamente fixada, ainda

que formulada com base em anteriores ponderações, estabeleça já uma

relação de prioridade concretizável através de procedimentos de mera

subsunção e só infirmável através da ponderação de novos factores

circunstanciais não considerados na formulação da regra em causa ou

mediante novos resultados de ponderação que conduzam à alteração da

regra anterior. Nessas circunstâncias, a formulação de uma regra funciona

simultaneamente como orientação e quadro das futuras ponderações que

devam ocorrer por força da necessidade de consideração de novos

factores, mas constitui também, enquanto parâmetro substantivo que o

Estado deve observar, um

standard

de controlo das restrições que

venham a ocorrer no contexto abrangido pela regra

375 José Juan Moreso sustenta, otimisticamente, que a construção de

parâmetros pode chegar a reduzir toda a ponderação a subsunção, na

medida em que sempre poderia existir um parâmetro ao qual o caso

concreto se subsume. V. MORES O, José Juan. Conflictos entre

276

conflicto, hay algún grado de indeterminacion en la aplicación de los

principios en conflicto, pero la movilidad no supone la incapacidad de

convertir la ponderación en una operacion de

subsunción.

La racionalidad

subsuntiva es, en mi opinión, un presupuesto necesario para la

justificación de todas nuestras decisiones. Es posible, sin embargo, que no

siempre estemos en condiciones de articular consistentemente nuestras

evaluaciones, que nuestras intuiciones sean opacas a la articulacion, y,

claramente, es también posible que no estemos interesados en justificar

algunas de nuestras decisiones (...). Sin embargo, en la medida en que

consigamos aislar un conjunto de propiedades relevantes, estamos en

disposición de ofrecer soluciones para todos los casos, aunque dichas

soluciones puedan ser desafiadas cuanto cuestionamos la adecuacion del

criterio por el cual hemos seleccionado las propiedades relevantes. Ahora,

bien

idealmente

el juez constitucional que aplica principios

constitucionales opera con un conjunto delimitado de propiedades

relevantes que permiten correlacionar de manera unívoca determinados

casos genéricos con sus soluciones normativas. La ponderacion consiste en

la articulacion de ese conjunto de propiedades relevantes, en la

explicitacion de las condiciones de aplicación que previamente eran solo

implícitas. Una vez realizada esta tarea, la aplicación de los principios

consiste en la subsunción de casos individuales en casos genéricos. Si la

aplicación del Derecho consiste en resolver casos individuales mediante

la aplicación de pautas generales, entonces — por razones conceptuales —

no hay aplicación del Derecho sin subsunción.

376 PECZENIK, Aleksander. On

Law and Reason,

1989, p. 76 e ss..

377 Neste ponto, a contribuição dos conceptualistas é da maior

importância. Veja-se, sobre o tema, o Capítulo III.

277

metros abstratos (tanto os gerais, expostos nos capítulos

anteriores, como os particulares, que venham a ser cons-

truídos a partir do roteiro proposto aqui) têm natureza pre-

ferencial e não absoluta? . O intérprete não está impedido

de afastá-los, uma vez que seja capaz de justificar sua opção

satisfatoriamente, tanto do ponto da vinculação ao sistem

a

jurídico, como da racionalidade propriamente dita'''.

Não há fórmula pronta que esclareça como construir

parâmetros para os conflitos específicos, mas um conjunto

de perguntas ou testes e suas respostas podem auxiliar o

interessado nessa tarefa . A proposta que segue descrita

de forma bastante objetiva emprega três grupos de pergun-

promovem os direitos fundamentais dos indivíduos, sobre

aquelas que o fazem apenas de forma indireta), caso isso

seja necessário. O

terceiro grupo

de perguntas procura

identificar circunstâncias que interferem de forma relevan-

te na definição do sentido e propriamente com a aplicação

do enunciado ' .

Começando pelo

primeiro grupo,

é possível formular

resumidamente as perguntas ou testes descritos abaixo.

(i)

O

enunciado examinado tem natureza de princí-

pio ou de regra?

Dessa informação dependerá em boa me-

dida a compreensão do papel do enunciado no sistema jurí-

dico e a apuração de seus efeitos e de sua eficácia jurídica,

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tas com essa finalidade. As perguntas reunidas no

primeiro

grupo

estão relacionadas de forma preponderante com a

estrutura do enunciado normativo e já incorporam as

preocupações do primeiro parâmetro geral (regras prefe-

rem princípios).

O

segundo conjunto

de perguntas está associado ao con-

teúdo material do enunciado: os efeitos que ele pretende

produzir no mundo dos fatos, as condutas necessárias e

exigíveis à realização desses efeitos e, afinal, as prerrogati-

vas que ele confere. As respostas obtidas aqui, dentre ou-

tras utilidades, auxiliarão o intérprete a visualizar o núcleo

dos princípios e a empregar o segundo parâmetro geral pro-

posto acima (preferência das normas que de forma direta

378 Tópico VII.2.

379 Veja sobre os elementos da racionalidade o tópico 1.2.

380 Algumas das idéias para a proposta descrita no texto foram colhidas

em SERNA Pedro e TOLLER Fernando.

La interpretación

constitucional de los derechos fundatnentales. Una alternativa a los

conflictos de derechos,

2000, p. 57 e ss.. As diretrizes sugeridas por

Humberto Ávila para a análise dos princípios serão especialmente úteis no

processo de construção dos parâmetros específicos. V. ÁVILA,

Humberto.

Teoria dos

princípios

2003, p. 73 e ss..

278

especialmente se for necessário aplicar o primeiro parâme-

tro geral (regras preferem princípios — Capítulo VIII).

Nem sempre a distinção será evidente e por vezes classifi-

car um enunciado como regra ou princípio pode envolver

um conjunto intrincado de ações hermeneuticas

  8

. De

toda sorte, alguns equívocos podem ser evitados com esse

esforço. Por exemplo, a afirmação generalizante de que

todo direito fundamental é um princípio não é correta na

realidade constitucional brasileira, já que a Carta de 1988

veicula vários direitos sob a forma de regras'.

ii)

Caso se trate de uma regra, há elementos de

indeterntinação em seu enunciado?

Como se viu em vá-

rios exemplos ao longo do texto, elementos de indetermi-

38 Os

testes descritos no texto procuram se adequar ao maior número

possível de tipos de enunciados.

382 V. nota n° 240.

383 É o que acontece

 

e.g.,

com os seguintes incisos do art. 5 : III —

ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante ; LVI — são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por

meios ilícitos:. É certo que a definição do que exatamente deve ser

considerado como tratamento desumano ou degradante ou do que define

uma prova como ilícita ficará a cargo da doutrina e da jurisprudência.

279

nação contidos nas regras oferecem espaços para argumen-

tação e muitas vezes é possível solucionar conflitos reais ou

•aparentes apenas por meio da definição de sentido dessas

cláusulas

  84. É certo que muitas vezes não se vislumbra na

regra, examinada em abstrato, essa espécie de elemento,

que acaba por surgir apenas diante de um caso concreto

  85

De todo modo, é útil tentar identificar desde logo essa

característica do enunciado.

iii)

O

enunciado atribui um direito? Define compe-

tências? Fixa metas públicas ou bens coletivos?

Essa dis-

tinção é particularmente relevante quando se esteja diante

ou também por estrangeiros? Jornalistas estrangeiros estão

incluídos entre seus titulares? O estrangeiro que recebeu

asilo político também goza desse direito?' Outro exem-

plo. O direito a não ter sua correspondência pessoal viola-

da, salvo nos termos previstos pela Constituição (CF, art.

5

0

, XII), destina-se apenas a homens livres ou também

àqueles que estejam presos?' O direito à licença materni-

dade é titularizado exclusivamente por gestantes ou tam-

bém por mães adotivas, cujos filhos sejam de tenra ida-

de? '

v) Por fim, se o enunciado atribui um direito, quem

está obrigado a respeitá-lo ou dar-lhe efeito?

O Estado?

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de princípios. Em geral, é mais fácil identificar os efeitos

pretendidos, as condutas necessárias para realizá-los e até

mesmo a área nuclear de princípios que consagram direi-

tos; princípios que estabelecem metas públicas de caráter

geral exigem uma compreensão diferenciada, já que seu

sentido pode depender intensamente de decisões de natu-

reza política e ideológica.

iv) Se o enunciado atribui um direito, quem é seu

titular?

A resposta a essa questão ajuda a definir o espectro

de abrangência do enunciado normativo. Alguns exemplos

demonstram a relevância desse teste. A liberdade de ex-

pressão,

e.g., é um direito titularizado apenas por nacionais

384 Um dos exemplos em que isso aconteceu foi no julgamento do HC

73662/MG. Por maioria, a 2' Turma do STF considerou que a presunção

de violência a que se referia o art. 213 do Código Penal, e que tipificava a

relação sexual mantida com menor de 14 anos como estupro, era relativa,

e não absoluta. Com essa interpretação, concedeu o

habeas corpus

ao

agente que havia de fato mantido relação sexual com moça menor de 14

anos, tendo em conta que, no caso, teria ficado demonstrado que não

ocorreu violência (STF, HC 73662/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU

20.09.1996) .

385 Foi o que aconteceu quando da interpretação do art. 213, § 1°,

da

Constituição, levada a cabo no fim do capítulo anterior.

280

Os particulares? Ambos? Por quais razões? Assim como a

questão anterior, identificar quem será atingido pelo enun-

ciado, não pelos benefícios que outorga, mas pelos deveres

que impõe, ajuda a delinear seu sentido e alcance. O deba-

te sobre a chamada eficácia horizontal dos direitos funda-

mentais ou a eficácia dos direitos fundamentais sobre as

relações privadas tem muito a oferecer neste particular

  89

 

386 O Decreto n° 1570/1937, trata da questão, mas resta saber se ele foi

recepcionado pela Carta de 1988.

387 O STJ, no julgamento do HC 3982/ RJ (Rel. Min. Adhemar Maciel,

DJU 26.02.1996) e do HC 4138 (Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU

27.05.1996), admitiu como prova a gravação, obtida ilicitamente, de

conversas mantidas por presos. Um dos argumentos apresentados pelo

Ministro relator foi o de que a garantia constitucional não protegeria os

presos

388 Essa discussão foi travada pelo STF, já diante de casos concretos, no

RE 197807/RS, Rel. MM Octavio Gallotti, DJU 18.08.2000. O STF

entendeu que o direito tinha como destinatárias apenas as gestantes A Lei

n° 10.421/2002 estendeu o beneficio também às mães adotivas, nos

termos em que disciplina.

389 SARMENTO, Daniel.

Diretos fundamentais ereações privadas

2004; e PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a

aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre

281

O recorrente tema que envolve a possibilidade de exigir do

Estado prestações positivas também deverá ser retomado,

em relação a cada enunciado, neste ponto

3 9

- Cabe agora passar ao

segundo grupo

de testes, ligado

s

ao conteúdo propriamente dito dos enunciados. São pro-

postas apenas três perguntas, embora elas possam desdo-

brar-se em outras, na medida em que a investigação se

aprofunde.

(i) Que efeitos o enunciado pretende produzir no

mundo dos fatos?

Essa questão é fundamental para qual-

quer espécie de enunciado, mas sobretudo quando se este-

ja lidando com princípios, até para que seja possível, no

validade derivam da própria ordem jurídica dependem

igualmente dos contornos que essa mesma ordem jurídica

lhes confere. Se, diversamente, os fenômenos têm uma di-

nâmica e existência praticamente independente do Direi-

to, ao incorporá-los, os enunciados apenas reconhecem sua

existência como elementos da realidade, tendo menor es-

paço para alterar seu sentido e configuração

3 9 i

. Assim,

e.g.,

391

NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constituição,

2003, pp. 162 e 163: De

acordo com esta tipologia, direitos fundamentais como as liberdades

artística ou cientifica, as liberdades de crença ou de consciência são, no

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teste seguinte, identificar seu núcleo, se for o caso. Outras

questões que podem derivar desta estão relacionadas com

o

grau de determinação desses efeitos e com a identificação

do ponto a partir do qual a definição desses efeitos depen-

de da percepção individual do intérprete acerca de elemen-

tos morais, valorativos ou políticos.

Uma outra informação relevante neste ponto está rela-

cionada com a circunstância de os fenômenos que o enun-

ciado pretende disciplinar (i) se formarem no inundo dos

fatos, independentemente do direito (ex. artes, ciências,

crença), (ii) serem, ao contrário, tipicamente jurídicos (ex.

princípio da tipicidade penal), ou (iii) terem natureza mis-

ta, combinando elementos próprios da realidade e elemen-

tos jurídicos (ex. casamento, família).

A relevância dessa classificação está em que os efeitos

de enunciados que envolvem fenômenos cujo surgimento e

particulares . In: BARROSO, Luis Roberto (organizador).

A nova

interpretação constitucional. Ponderação, direitos fundamentais e relações

privadas, 2003, pp. 119a 192.

390 MASELL1, Marcos. Controle judicial das omissões administra as,

2003.

essencial, determinadas materialmente, ou seja, têm uma dinâmica e

existência praticamente independentes do Direito: respeitam as garantias

de necessidades elementares ou de complexos de acções que não se

fundam no Direito, não recolhem nele os seus elementos estruturais, nem

carecem de regulamentação jurídica no que se refere ao seu núcleo. Com

efeito, a crença, a consciência, a arte e a ciência situam-se numa área

pré-jurídica, não sendo nem criadas nem conformadas pelo Direito;

aquilo que a Constituição faz é, apenas, reconhecer estas estruturas como

manifestações específicas da liberdade humana. Então, o facto de esses

direitos fundamentais serem normalmente consagrados sem reservas não

é a causa mas antes uma consequência da sua não determinabilidade pelo

Direito, sendo a inexistência de reservas, quando muito, um indício da

presença daquela característica estrutural. E a sua natureza de direitos de

determinação puramente material que os torna total ou parcialmente

inacessíveis à conformação do legislador ordinário. Já, por sua vez,

garantias constitucionais como as da

nulla poena sine lege

ou da

no bis in

idem

ou, em geral, as garantias processuais constituem direitos que devem

o

seu surgimento e validade à própria ordem jurídica. Num plano

intermédio situar-se-iam direitos fundamentais, como as garantias da

propriedade, da família, do casamento, da profissão, que apresentam uma

estrutura mista, pois, embora não sejam produzidos juridicamente na sua

totalidade, têm por objecto institutos de direito civil, instituições ou

relações sociais parcialmente determinadas pelo Direito — facto de que,

precisamente, a doutrina das 'garantias institucionais' procurou dar conta

— e, como tal, são mais ou menos acessíveis ou carentes de uma

intervenção do legislador ordinário.

232

83

a liberdade religiosa já dispõe de um conteúdo material ao

ser consagrada pelo dispositivo constitucional, ao passo que

o direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço exis-

te apenas nos termos definidos pela própria legislação.

ii) Que outros enunciados estão relacionados com

esse mesmo tema e, portanto, com esses mesmos efeitos?

Como é corrente, os diferentes enunciados normativos

não existem isolada e autonomamente

  9

. Eles estão inte-

grados ao sistema jurídico como um todo, dentro do qual se

ligam a outros enunciados, formando subsistemas temáti-

cos que englobam disposições constitucionais e também

infraconstitucionais. Assim,

e.g.,

há um conjunto de enun-

pluralismo político (CF, art. 1°, V) não existe sozinho no

sistema jurídico brasileiro. Ele é acompanhado de uma sé-

rie de outros princípios e regras que disciplinam,

e.g.,

direi-

tos políticos, liberdade de expressão, partidos e eleições,

etc., e também de disposições infraconstitucionais sobre o

assunto. O mesmo se diga,

e.g., do princípio constitucional

que trata da proteção ao meio ambiente (CF, art. 225) e de

muitos outros temas.

iii) Que condutas são necessárias e exigíveis para

realizar os efeitos pretendidos pelo enunciado?

A identificação das condutas necessárias e exigíveis re-

lativamente a cada enunciado é provavelmente a etapa

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ciados constitucionais que tratam do tema educação —

disposições que atribuem competências legislativas e admi-

nistrativas para disciplina do assunto, fixam princípios ge-

rais para o setor e descrevem direitos específicos — e tam-

bém infraconstitucionais (Lei n° 9394/1996 — Lei de Di-

retrizes e Bases da Educação Nacional; Lei n° 942

 

996

— Dispõe sobre o Fundo de manutenção e desenvolvimen-

to e valorização do magistério; Lei n° 9766/1998 — Salá-

rio-educação, dentre outras).

Na hipótese de um conflito aparente com outras

disposições, o intérprete deverá considerar não apenas o

enunciado isoladamente, mas também os demais que com

ele se relacionam, e para isso será fundamental identificar

os elementos desse subsistema temático. Um princípio

constitucional aparentemente bastante genérico como o do

392 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico,

1997

 

pp. 19 e

20: (...) as normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em

um contexto de normas com relações particulares entre si (...) Repetimos

que a norma jurídica era a única perspectiva através da qual o Direito era

estudado (...) Para nos exprimirmos com uma metáfora, considerava-se a

árvore, mas não a floresta.

284

mais complexa de toda a investigação doutrinária. Nada

obstante, ela é simplesmente vital para a construção da

eficácia jurídica dos enunciados, já que é neste momento

que cabe identificar o que pode ou não ser exigido (judi-

cialmente até, se necessário) com fundamento neles

  9 .

Cabe aqui uma observação importante. Ao lidar com

princípios, a identificação das condutas

necessárias à reali-

zação dos efeitos do enunciado encontrará muitas vezes o

obstáculo das escolhas de natureza política. Quando exis-

tam várias formas de realizar um efeito pretendido pelo

enunciado, a escolha de uma ou algumas delas nem sempre

poderá ser fundamentada juridicamente. Sempre restam, é

bem de ver, outras formas de conduta que, mesmo indire-

tamente, podem contribuir para sua realização, como, e.g.,

a proibição de ações que produzam efeitos contrários aos

pretendidos pelo enunciado.

Além de apurar as condutas

necessárias, é necessário

qualificar também quais, dentre elas, são

exigíveis,

isto é,

393 V. BARCELLOS, Ana Paula de.

A eficácia jurídica dos princípios

constitucionais — O

princípio da dignidade da pessoa humana,

2002, p.

59 e ss..

285

podem ser de fato exigidas até mesmo pela via judicial.

Novas questões podem se colocar aqui, como os limites

impostos à atuação do Judiciário pela separação de poderes

e as limitações orçamentárias. Como se percebe, a identifi-

cação das condutas necessárias e exigíveis estará freqüente-

mente em contato com o tema, referido inicialmente, do

equilíbrio indispensável entre democracia e Constituição

e, conseqüentemente, dos espaços a serem ocupados por

cada uma das funções estatais (jurisdição, administração e

legislação). Essas dificuldades, porém, precisam ser en-

frentadas para que os enunciados ganhem mais consistên-

cia dogmática  9

.

simples, mas podem surgir outras complexidades. Há

enunciados que ensejam um grande conjunto de condutas,

que devem, tanto quanto possível, ser identificadas. Há

ainda problemas externos ao enunciado, mas que podem

interferir com a sua eficácia, como acontece com os custos

por acaso envolvidos nas condutas necessárias à realização

de seus efeitos

  9 6

 

Por fim, o

terceiro conjunto

de perguntas se ocupa das

circunstâncias específicas que podem envolver a aplicação

do enunciado e lhe agregar especificidades '. Algumas

perguntas úteis nesse contexto são descritas abaixo.

i) Há circunstâncias relevantes que interferem com

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De forma específica, travam-se neste momento, no

caso dos princípios, ao menos duas discussões: (i) a possibi-

lidade de identificar-se, no princípio, um núcleo de sentido

com natureza de regra, de modo que seja possível atribuir

às condutas contidas nesse núcleo a eficácia positiva ou

simétrica própria das regras (isto é: a exigibilidade direta

de tais condutas); e (ii) a construção de modalidades de

eficácia jurídica alternativas, como a interpretativa, a

nega-

tiv

e a vedativa do retrocesso s, quando não seja possível

atribuir a eficácia positiva ou mesmo em conjunto com ela.

Em matéria de regras, sua eficácia jurídica típica é a

positiva ou simétrica, o que em geral torna a questão mais

394 CLÈVE, Clemerson Merlin. A teoria constitucional e o direito

alternativo .

Irt: Unia vida dedicada ao direito — Homenagem a Carlos

Henrique de Carvalho, o editor dos juristas,

1995, pp. 37 e 38: Mais do

que isso, importa, hoje, para o jurista participante, sujar as mãos com a

lama impregnante da prática jurídica, oferecendo, no campo da

dogmática, novas soluções, novas fórmulas, novas interpretações, novas

construções conceituais. Este é o grande desafio contemporâneo.

395 V. BARCELLOS, Ana Paula de.

A eficácia jurídica dos princípios

constitucionais — O

principio da dignidade da pessoa humana,

2002, p.

61 e ss..

a aplicação do enunciado como condições de modo de

exercício, tempo ou lugar)?

Ao longo dos capítulos anteriores se destacou, em vá-

rios momentos, a importância das circunstâncias de fato

396 GALDINO, Flávio. O custo dos direitos . /Ir TORRES, Ricardo

Lobo (organizador).

Legitimação dos direitos humanos,

2002, pp. 139 a

222.

397 ALEXY, Robert.

Sistema jurídico, principios jurídicos

y razón

práctica,

Revista Doxa n°5, 1988, pp. 145 e 146: El que las colisiones

entre principias deban resolverse mediante ponderación en el caso

concreto, no significa que la solución de la colisión sea solamente

significativa para el caso concreto. Antes bien, pueden establecerse, con

ocasián de la decisión para casos concretos, relaciones de prioridad que

son importantes para la decisión de nuevos casos. (...) Las condiciones de

prioridad establecidas hasta el momento en un sistema jurídico y las regias

que

se corresponden con ellas proporcionan información sobre el peso

relativo de los principios. Sin embargo, a causa de la posibilidad de nuevos

casos con nuevas combinaciones de características, no se puede construir

con su ayuda una teoria que determine para cada caso precisamente una

decisión. Pero de todos modos, abren la posibilidad de un procedimiento

de argumentación que no se daria sin alas. Este procedimiento, desde

luego, debe ser incluido en una teoria completa de la argumentación

jurídica.

286

87

para a interpretação em geral e para a ponderação em par-

ticular. É apenas natural, portanto, que a aplicação dos

enunciados sofra interferência desses elementos fáticos,

levantamento casuístico, e crítico, dessas interferências re-

lativamente a cada enunciado (na verdade, aqui já no pro-

cesso de construção da norma) facilita a identificação dos

conflitos apenas aparentes e, no caso de conflitos reais,

permite a visualização do grau de restrição e das possibili-

dades de acomodação da disputa a que se fez referência nas

segunda e terceira fases da ponderação (Capítulo V)

3 9 8

 

Alguns exemplos ajudam a ilustrar o ponto.

Do exame da jurisprudência envolvendo o direito a

rior)

4

; e (ii) constar ou não o medicamento solicitado pela

parte da lista padronizada do Ministério da Salide

4 . Esses

400 STJ REsp 353147/DF Rel. Min. Franciulli Netto DJU

18.08.2003: O Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da

assistência, de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em

todos os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a

necessidade do tratamento no exterior para que seja evitada a cegueira

completa do paciente, deverão ser fornecidos os recursos para tal

empresa. Não se pode conceber que a simples existência de Portaria,

suspendendo os auxílios-financeiros para tratamento no exterior, tenha a

virtude de retirar a eficácia das regras constitucionais sobre o direito

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prestações de saúde em face do Estado é possível listar dois

elementos de fato freqüentemente indicados pelas deci-

sões judiciais para fundamentar o acolhimento do pedido

do autor da ação: (i) a gravidade da doença; e (ii) a possibi-

lidade (ainda que remota) de eficácia do tratamento

3 9 9

. In-

teressantemente, outras duas circunstâncias fáticas, que

anos atrás eram suscitadas pelos juizes como óbices ao de-

ferimento dos pedidos formulados, têm sido consideradas

irrelevantes em algumas decisões mais recentes: (i) o fato

de o local do tratamento ser ou não no Brasil (várias deci-

sões têm determinado o custeio de tratamentos no exte-

398 NOVAIS, Jorge Reis.

As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constituição

2003, p. 237 e ss.

399 STJ, REsp 509753/DF, Rel. MM. Teori Albino Zavascki, DJU

06.10.2003: Em face do principio constitucional à saúde, deve

prevalecer a possibilidade, ainda que remota, do tratamento a ser

realizado em Cuba, por ser reconhecidamente o pais que, atualmente,

vem conseguindo os melhores resultados no tratamento da retinose

pigmentar. Na verdade, embora a questão de mérito tenha sido

amplamente discutida, e mantido afinal o acórdão recorrido que

consagrava a solução acima, a maioria entendeu que o recurso não deveria

ser conhecido, pois nele se discutia matéria constitucional.

288

fundamental à vida e à saúda . Em sentido oposto, STJ, MS 8895/DF,

Rel. Min. Eliana Calmon, DJU 07.06.2004: 1. Parecer técnico do

Conselho Brasileiro de Oftalmologia desaconselha o tratamento da

'retinose pigmentar' no Centro Internacional de Retinoses Pigmentaria

em Cuba, o que levou o Ministro da Saúde a baixar a Portaria 763,

proibindo o financiamento do tratamento no exterior pelo SUS. 7

Legalidade da proibição, pautada em critérios técnicos e científicos. 3. A

Medicina social não pode desperdiçar recursos com tratamentos

alternativos, sem constatação quanto ao sucesso nos resultados. 4.

Mandado de segurança denegado .

401 STJ, REsp 325337/RJ, Rel. MM. José Delgado, DJU 03.09.2001:3.

É dever constitucional da União, do Estado, do Distrito Federal e dos

Municípios o fornecimento gratuito e imediato de medicamentos para

portadores do vírus HIV e para tratamento da AIDS. 4. Pela

peculiaridade de cada caso e em face da sua urgência, há que se afastar a

delimitação no fornecimento de medicamentos constante na Lei n°

9.313/96. ; e STJ, MS 8740/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha,

DJU 09.02.2004: Não se pode generalizar a aplicação da norma que veda

ao Estado a concessão de auxílio financeiro para tratamento fora do Pais,

a ponto de abandonar à sua própria sorte aqueles que

comprovadamente, não podem obter, dentro de nossas fronteiras,

tratamento que garanta condições mínimas de sobrevivência digna. Não

havendo no País equipamento terapêutico apropriado ao tratamento da

enfermidade, justifica-se que o Estado disponibilize recursos para a sua

aquisição no exterior, não podendo servir de óbice às pretensões do

doente, necessitado, argumentos fundados em questões burocráticas, de

cunho orçamentário.

289

parâmetros, formulados pela jurisprudência, são adequa-

dos? Ou devem ser acrescidos outros? Seguem mais dois

exemplos.

A liberdade de reunião prevista no inciso XVI do art. 50

da Constituição pode sofrer restrições em função do local

em que se pretende realizar o evento? E do horário? É pos-

sível impor limitações,

e.g.,

quanto ao volume de som que

pode ser utilizado? ' O estudo da jurisprudência que lida

com confrontos entre o princípio da segurança jurídica e

exigências decorrentes da legalidade também fornece um

conjunto de informações interessantes acerca dos elemen-

tos fáticos considerados pertinentes. Ao menos dois po-

ii) Há circunstâncias relevantes que interferem

com a aplicação do enunciado relativamente ao titular

do direito?

Esta questão pode se ligar em alguns casos àquela for-

mulada no primeiro grupo de testes, envolvendo os benefi-

ciários do enunciado normativo. É possível, no entanto, co-

gitar de circunstâncias transitórias que, ainda assim, podem

se tornar relevantes para a aplicação de enunciados. Como

já se referiu, no caso,

e.g.,

do direito à intimidade e à vida

privada, a maior parte dos autores destaca que o fato de o

indivíduo ser uma pessoa pública (no sentido de notória)

ou desconhecida, titular de uma função publica ou não, são

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dem ser encontrados em quase todos os casos: (i) o trans-

curso de longos períodos de tempo entre a consolidação da

situação considerada ilegal e o questionamento de sua vali-

dade

4

; e (ii) a boa-fé da parte que alega em seu favor a

segurança jurídica. Um terceiro elemento, presente em

muitos casos, é o argumento de que a situação, mesmo

ilegal, contribuiu para a realização de algum fim constitu-

cional geral, como,

e.g.,

a promoção da educação404.

402 Como registrado anteriormente, o tema foi examinado pelo STF na

ADIn 1969/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 25.03.2004.

403 No MS 24268/MG, Rel. MM. Gilmar Mendes, j. 15.03.2004, o STF

examinou caso muito interessante no qual esse ponto foi debatido. A

impetrante questionava no mandado de segurança ato do TCU que havia

considerado ilegal e cancelado sua pensão especial, concedida há dezoito

anos, sem ouví-la previamente. O STF anulou o ato do TCU, por violação

ao devido processo legal, mas o voto do Ministro Relator destacou que o

princípio da segurança jurídica igualmente se aplicava na hipótese, tendo

em conta, em primeiro lugar, o longo tempo transcorrido entre o ato e o

seu questionamento (dezoito anos), e também a boa-fé da impetrante.

404 Este último argumento é invocado nas freqüentes disputas

envolvendo alunos transferidos para universidades públicas cuja

transferência é posteriormente considerada inválida. Nesse sentido,

290

elementos que conformam diferentemente a extensão do

direito

. Note-se que estas indagações podem estar per-

feitamente contidas na pergunta anterior. A separação visa

apenas a facilitar a visualização das questões que podem ser

úteis para a construção dos parâmetros.

iii) Há circunstâncias relevantes que interferem

com a aplicação do enunciado relativamente àqueles

que estão obrigados a respeitar os direitos por ele ou-

torgados?

Esta pergunta é também um desdobramento das duas

anteriores. De fato, é possível imaginar exemplos em rela-

ção aos quais esse tema será relevante. Ao lidar como direi-

to de imagem de alguém, um jornalista, cujo propósito é

noticiar um evento, e um publicitário, que planeja produzir

dentre muitos outros, STF, MC 2900/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.

08.04.2003, Informativo STF ri' 310; e STJ, MC 4546/MG, Rel. Min.

Luiz Fux, DJU 16.12.2002.

405 BARROSO, Luís Roberto.

Colisão entre liberdade de expressão e

direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação

constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa,

Revista de Direito Administrativo n° 235, 2004, pp. 1 a 36.

291

uma peça comercial, encontram-se em posições bastante

diferentes. O jornalista poderá utilizar a imagem de um

indivíduo para a notícia, dentro de certos limites, sem ne-

cessidade de autorização; o publicitário por certo não po-

derá fazer o mesmo em uma peça publicitária. Outro

exemplo: o princípio constitucional que trata da proteção

do meio ambiente (art. 225) não incide da mesma forma

sobre as pessoas em geral e sobre as populações indígenas

(art. 231).

iv)

Quais as finalidades lógica e histórica associa-

das ao enunciado?

As finalidades lógica e histórica associadas ao enuncia-

que podem ser visualizadas entre diferentes enunciados ou

grupos de enunciados (seja pela experiência, seja pela for-

mulação de hipóteses) e cogitar, considerando os elemen-

tos identificados nas etapas descritas até aqui, como ele

deve ser superado e por quais razões, seja ou não possível

chegar à concordância prática .

O conjunto de testes descrito acima não é por certo o

único possível nem o mais abrangente que se poderia ima-

ginar e nem tinha ele qualquer dessas pretensões. Seu ob-

jetivo é apenas associar aos parâmetros gerais, descritos ao

408 Alguns conflitos por sua freqüência ou repercussão têm atraído em

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do

4 6

contribuem para a identificação das áreas de aplica-

ção do enunciado mais resistentes a qualquer espécie de

restrição e outras mais sensíveis à presença de elementos

normativos em oposição. No caso de enunciados que atri-

buem direitos, as hipóteses de exercício abusivo também

podem ser investigadas nesse mesmo contexto

4 7

. A liber-

dade de expressão e de imprensa,

e.g.,

está historicamente

ligada à manifestação política, ideológica e artística e, nesse

ambiente, dificilmente convive com restrições. Já a publi-

cidade comercial, embora seja também uma manifestação

da liberdade de expressão, poderá admitir limitações mais

intensas.

v)

É possível identificar situações de conflito com

outros enunciados? Como é possível supera-las?

A última pergunta sugerida neste roteiro se beneficia

de todas as conclusões apuradas nas anteriores. Cabe agora,

neste último momento, identificar as situações de conflito

406 Ainda que a definição dessas finalidades possa em si mesmo envolver

alguma controvérsia.

407 BARBOSA MOREIRA José Carlos.

Abusododreto

ADV/COAD

março/ 2003 pp. 16 a 20.

292

particular a atenção da doutrina. Sobre as tensões e limites envolvendo as

liberdades de expressão e informação e outros enunciados

constitucionais vejam-se dentre outros SILVA José Afonso da.

Ordenaçãoconstituconal da cultura

2001 p. 70 e ss.; MENDES Gilmar

Ferreira.

Colisãodediretos fundamentais: liberdadedeexpressãoede

comuncaçãoedretoà honra eà imagem

Revista de Informação

Legislativa n° 122 1994 pp. 297 a 301; CHAVES Antônio

Imprensa

Captaçãoaudovsual. Informática eos dretos da personalidade

Revista

dos Tribunais n° 729 1996 pp. 11 a 42; e LEONCY Léo Ferreira.

Coisãodedretos fundamentais a partir da Le 6.075/ 97—

O dretoà

imagemdos presos vítimas etestemunhas eà liberdadedeexpressãoede

informação

Revista de Direito Constitucional e Internacional n° 37

2001 pp. 274 a 279. Na doutrina estrangeira v. também SUNSTEIN

Cass R.

TeevsionandPublicInterest

California Law Review n° 88

2000 pp. 499 a 564. As discussões envolvendo a garantia constitucional

da propriedade e sua função social também tem sido objeto de exame

doutrinário sobretudo sob a ótica do direito urbanístivo v. SILVA José

Afonso.

Diretourbansticobrasilero

2000 p. 68 e ss.. Sobre as possíveis

oposições entre a garantia do devido processo legal e a efetividade da

prestação jurisdicional v. ZAVASCKI Teori Albino. Os

princpos

constituconais doprocessoesuas limtações

Revista da Escola Superior

da Magistratura do Estado de Santa Catarina vol. 6 1998 pp. 49 a 58.

Acerca da necessária convivência entre os diferentes princípios

constitucionais próprios ao direito tributário v. TORRES Ricardo Lobo.

Legalidadetributária eriscossocais

Revista Dialética de Direito

Tributário n°59 2000 pp. 95 a 112.

293

longo do texto, ferramentas que possam auxiliar a constru-

ção de parâmetros específicos, de tal modo que se possa

fornecer ao aplicador um conjunto amplo e consistente de

st nd rds

metodológicos e materiais capazes de orientá-lo

quando seja necessário empregar a técnica da ponderação.

Conclusões

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À guisa de conclusão, parece útil apresentar um breve

resumo dos objetivos gerais do estudo, por meio dos quais

se poderá ter uma visão de conjunto do trabalho, para, em

seguida, compendiar de forma mais analítica as principais

idéias desenvolvidas ao longo do texto.

A ambição deste estudo foi contribuir para a redução

do voluntarismo no emprego da ponderação e para atingir

esse objetivo duas proposições centrais foram estudadas.

Em primeiro lugar, apresentou-se uma proposta de ordena-

ção metodológica para a técnica da ponderação, com a indi-

cação das etapas a percorrer e dos cuidados de natureza

lógica ou argumentativa a tomar em cada uma delas. Em

segundo lugar, foram propostos dois parâmetros gerais, ca-

pazes de orientar o intérprete na generalidade dos casos em

que a ponderação seja necessária e de utilização seqüencial,

a saber: i) os enunciados com estrutura de regra aqui

incluídos os núcleos de princípios que possam ser descritos

dessa forma) preferem aqueles com estrutura de princípio;

e ii) as normas que promovem diretamente direitos fun-

294

95

damentais dos indivíduos têm preferência sobre normas

relacionadas apenas indiretamente com direitos.

O estudo ocupou-se ainda de dois outros temas ambos

vinculados ao mesmo propósito geral. Ao tratar do primei-

ro parâmetro descrito acima três sub-parâmetros foram

sugeridos para lidar com o problema dos conflitos envol-

vendo regras. Ao fim do estudo além dos dois parâmetros

gerais produziu-se também um catálogo de elementos que

podem auxiliar a construção de parâmetros específicos

destinados a fixar

st nd rds

para a solução de conflitos

normativos particulares.

De forma analítica é possível compendiar as principais

idéias desenvolvidas ao longo do estudo nas proposições

ponderação para a qual os mais diversos argumentos de-

vem ser considerados de modo que toda interpretação en-

volveria sempre ponderação. O objeto deste estudo é mais

restrito mesmo porque a ponderação normativa propria-

mente dita nos termos descritos acima apresenta tama-

nhas especificidades que demanda um exame particular.

3.

As hipóteses de colisão ou tensão entre enunciados

normativos válidos muitas vezes de estatura constitucio-

nal têm se tornado cada vez mais freqüentes por um con-

junto de razões e exigem um estudo próprio. As sociedades

democráticas contemporâneas são cada vez mais plurais e

as diferentes concepções de pessoas e grupos nem sempre

são harmônicas. Do ponto de vista jurídico não só a Cons-

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que se seguem. Na medida do possível elas serão apresen-

tadas na ordem em que os assuntos foram tratados no tex-

to.

1

O termo

ponder ção

não é privativo do Direito. Em

sentido geral ele significa avaliar todas as vantagens e des-

vantagens relacionadas com determinada situação de

modo que toda decisão humana minimamente racional en-

volve algum tipo de ponderação. Não é nesse sentido am-

plíssimo porém que o termo foi empregado neste estudo.

2.

A ponderação aqui estudada pode ser descrita como

a técnica jurídica de solução de conflitos normativos que

envolvem valores ou opções políticas em tensão insuperá-

veis pelas formas hermenêuticas tradicionais. Afastou-se a

idéia de que a ponderação se destinaria a solucionar qual-

quer espécie de conflito normativo já que a maior parte

deles é superado por técnicas convencionais de solução de

antinomias que empregam a lógica subsuntiva. Igualmente

não se incorporou aqui a noção que identifica a ponderação

com a forma própria de aplicação dos princípios já que ela

também poderá ser relevante no tratamento de regras. Por

fim o estudo não adotou uma concepção abrangente

 

d

296

tituição mas também a ordem infraconstitucional empre-

gam com progressiva intensidade expressões genéricas cujo

conteúdo varia em função de avaliações de natureza valora-

tiva ou política transferindo para o aplicador a definição

precisa de seu sentido.

4.

O processo descrito no item anterior tem ampliado

significativamente o espaço ocupado pela interpretação ju-

rídica na definição do que é afinal o Direito. Junte-se a isso

a ascensão política do Poder Judiciário visualizada por seg-

mentos importantes das sociedades em várias partes do

mundo como espaço de discussão alternativo aos órgãos

eleitos em geral e ao Legislativo em particular. Consideran-

do que cada intérprete carrega sua própria bagagem de pré-

compreensões o cenário para a proliferação de conflitos

normativos encontra-se montado.

5.

Se as exigências de racionalidade e justificação são

próprias a toda interpretação e decisão jurídicas o serão

ainda com maior intensidade nas hipóteses em que se pre-

tenda utilizar a ponderação. Isso porque nesses casos a

legitimidade de uma decisão ou dos critérios adotados para

superar conflitos normativos não decorre de forma eviden-

297

te de enunciados normativos e nem se funda em uma sub-

sunção simples. A racionalidade de uma decisão judicial

está ligada i) à sua capacidade de demonstrar conexão com

o

sistema jurídico e, nas hipóteses em que várias conexões

diferentes são possíveis, ii) à racionalidade propriamente

dita da escolha feita entre essas conexões. A justificação

por sua vez, envolve a prestação de contas e a motivação d;

decisão propriamente dita.

6.

A técnica da ponderação e sua utilização têm sido

objeto de numerosas críticas por parte da doutrina. A téc-

nica seria metodologicamente inconsistente, inexistindo

parâmetros racionais ou um padrão de medida externo ca-

paz de pesar os elementos em conflito. Conseqüentemen-

há conflito, não há necessidade de ponderação. A dificulda-

de consiste exatamente em como determinar o que se en-

contra dentro e o que se encontra fora de tais limites.

9.

O conceptualismo, por sua vez, afirma que o sentido

de cada direito corresponde a um conceito que deve levar

em conta os fins próprios daquele direito, sua história, as

necessidades de convivência social e os demais direitos.

Delineados dessa forma, os conceitos dos diferentes direi-

tos formarão uma unidade harmónica e, assim, eliminado o

conflito entre eles, a ponderação torna-se desnecessária. A

dificuldade, também aqui, está precisamente no processo

de construção do conceito de cada direito.

10.

A hierarquização, diferentemente das propostas an-

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te, a ponderação ensejaria voluntarismos e arbitrariedades,

transformando a aplicação do direito em um novo processo

político no qual se re)avaliam vantagens e desvantagens,

em usurpação das funções próprias dos demais poderes.

Nessa linha, a ponderação é uma ameaça à normatividade

da Constituição e sobretudo aos direitos fundamentais.

7.

As críticas resumidas no item anterior são em boa

parte procedentes e, por isso mesmo, concepções alterna-

tivas à ponderação têm sido propostas pela doutrina, espe-

cialmente quando se trata de lidar com conflitos normati-

vos envolvendo direitos fundamentais. As três principais

opções concebidas, e examinadas neste estudo, são as teo-

rias dos limites imanentes, o conceptualismo e a hierarqui-

zação.

8.

A idéia de limite imanente pode ser descrita nos

seguintes termos: cada direito possui limites lógicos que

decorrem de sua própria estrutura e natureza. Assim, boa

parte dos conflitos envolvendo direitos fundamentais ou

todos eles) não é real, já que o suposto conflito afetaria

uma manifestação do direito que se encontra fora dos limi-

tes imanentes. A conclusão, portanto, seria simples: se não

298

teriores, reconhece que os direitos colidem em determina-

das circunstâncias. Sua idéia para a solução deste proble-

ma, no entanto, consiste na fixação de uma ordem hierár-

quica entre os direitos de tal modo que, diante de um con-

flito entre eles, aquele dotado de maior hierarquia deve

preponderar sobre os demais. A sedutora simplicidade des-

sa fórmula encontra diferentes obstáculos: a necessidade

de manutenção da unidade da Constituição não admite a

hierarquização entre seus enunciados, o fundamento axio-

lógico que justificaria a escala hierárquica é questionável e

o

critério não é capaz de lidar com diferentes manifesta-

ções de um mesmo direito.

11. Os limites imanentes, o conceptualismo e a hierar-

quização ou empregam a ponderação sem explicitá-la,

usando outra denominação, ou apresentam as mesmas es-

pécies de limitações ou oferecem ainda maiores problemas

que os apontados relativamente à técnica da ponderação.

Na verdade, o recurso à ponderação parece realmente in-

dispensável em determinadas hipóteses, o que não afasta a

necessidade — antes a reforça — de aprimorar a técnica,

299

inclusive incorporando idéias desenvolvidas pelos três con-

juntos de teorias que se acaba de referir.

12.Nas últimas décadas, a ponderação tem sido empre-

gada de forma explícita como técnica de decisão jurídica

nas experiências norte-americana e alemã e ambas desen-

volveram formas de neutralizar as limitações e as fragilida-

des da técnica, a despeito das múltiplas diferenças que cer-

cam ouso da ponderação e os resultados por ela produzidos

nos dois países.

13.

Nos Estados Unidos, doutrina e jurisprudência ocu-

pam-se predominantemente de conceber

st nd rds

espe-

cíficos para os diferentes conflitos tendo em conta situa-

ções comumente observadas. As diferentes categorias nas

conflito na hipótese e agrupá-los em função das soluções

que indiquem para o caso.

15. Há dois cuidados centrais a observar nessa primeira

fase do processo de ponderação. Em primeiro lugar, meros

interesses só devem ser admitidos se puderem contar com

o

suporte de algum elemento do sistema jurídico. Em se-

gundo lugar, apenas enunciados — isto é: o conteúdo do

texto dos dispositivos ou a enunciação de princípios ou

regras implícitos no sistema —, e não normas, devem ser

listados nesta primeira fase. A norma, como se sabe, corres-

ponde ao comando específico que dá solução a um caso e é

o

produto final da interpretação jurídica, e bem assim da

ponderação. Embora seja construída a partir de enuncia-

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quais a liberdade de expressão foi subdividida pela juris-

prudência norte-americana é um exemplo dessa espécie de

raciocínio. Na Alemanha, a maior ênfase se concentra na

criação de parâmetros lógicos de caráter geral, cujo objeti-

vo é organizar e controlar o raciocínio jurídico, de que é

exemplo, tão difundido no Brasil, a idéia de proporcionali-

dade. Essas duas formas de conferir à ponderação maior

previsibilidade e racionalidade — isto é:

st nd rds

mate-

riais associados a conflitos específicos e construídos a partir

da observação da casuística e parâmetros gerais de natureza

argumentativa e lógica — ou combinações delas podem ser

especialmente úteis para a experiência brasileira. O estudo

ocupou-se principalmente de conceber parâmetros gerais

não exclusivamente lógicos, mas em certa medida tam-

bém dotados de conteúdo material) e uma estrutura meto-

dologicamente ordenada para a própria técnica da pondera-

ção.

14. De acordo com a proposta de organização sugerida

para a ponderação, o intérprete deve percorrer três etapas

ao empregar a técnica. Na primeira delas lhe cabe identifi-

car todos os enunciados normativos aparentemente em

300

dos, a norma não se confunde com eles, contribuindo para

sua confecção outros elementos, sobretudo as circunstân-

cias de fato do caso concreto, que ainda não foram exami-

fiadas organizadamente nesta primeira etapa da pondera-

ção.

16.

Uma aplicação dessa segunda observação envolve as

hipóteses de confronto entre direitos individuais e enun-

ciados que consagram interesses de natureza coletiva. Não

é incomum que se observe o conflito opondo ao direito

individual isto é, à norma particular) o enunciado sobre

bens coletivos, o que pode desequilibrar o raciocínio crian-

do uma artificial e equivocada preferência em favor do se-

gundo elemento normativo.

17.

Na segunda etapa do processo ponderativo, cabe ao

intérprete examinar as circunstâncias concretas do caso e

suas repercussões sobre os enunciados identificados na fase

anterior. A relevância atribuída aos fatos, algumas vezes

instintivamente, funda-se em geral em elementos jurídicos

ou na experiência cultural da sociedade, ou ainda em uma

mistura desses dois fenômenos, e deve ser justificada. Os

fatos repercutem de duas maneiras principais sobre os gru-

3 1

 

pos de enunciados identificados na etapa anterior: i) eles

podem atribuir maior ou menor peso a alguns desses gru-

pos; e/ou ii) eles podem esclarecer o grau de restrição que

cada solução norma) possível impõe aos diferentes enun-

ciados envolvidos.

18.

A terceira e última etapa é o momento de decidir

tendo em conta os grupos de enunciados, os fatos relevan-

tes e sua repercussão sobre a hipótese e as diferentes nor-

mas que podem ser construídas para a solução do conflito.

A técnica da ponderação em si não oferece respostas para

as questões de natureza material que se colocam neste mo-

mento. Nada obstante, há três cuidados metodológicos a

observar nesta etapa.

conflitos já identificados pela experiência. A ponderação

em abstrato procura formular modelos de solução pré-fa-

bricados parâmetros gerais e particulares) que deverão ser

empregados pelo aplicador nos casos que se mostrem se-

melhantes. Caso os modelos propostos pela ponderação

em abstrato não sejam inteiramente adequados às particu-

laridades do caso concreto, o intérprete deverá justificar

expressamente essa circunstância e proceder a uma nova

ponderação — a ponderação em concreto —, agora tendo

em conta os elementos específicos da situação real por

isso diz-se que os parâmetros são apenas preferenciais). A

utilidade da distinção consiste especialmente em fomen-

tar, na doutrina, o estudo e a formulação de parâmetros

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19.

Em primeiro lugar, o intérprete deve estar compro-

metido com a capacidade de universalização dos argumen-

tos empregados no processo, que devem ser aceitáveis para

a comunidade em geral, e da decisão propriamente dita,

que deve poder ser generalizada para todas as situações

equivalentes. Em segundo lugar, o intérprete deve escolher

a solução que impõe a menor quantidade de restrição à

maior parte dos elementos normativos em discussão con-

cordância prática), embora essa diretriz deva ser aplicada

em conjunto com

st nd rds

materiais em cada caso. Em

terceiro lugar, quando a disputa envolve direitos funda-

mentais, a decisão que vier a ser apurada no processo de

ponderação não pode traspassar o núcleo de nenhum deles,

entendido aqui não como um núcleo rígido ou absoluto,

mas como o conjunto de parâmetros materiais preferen-

ciais construídos pela doutrina e jurisprudência acerca do

conteúdo essencial dos direitos em questão.

20.

É possível falar de uma ponderação em abstrato ou

preventiva e de uma ponderação em concreto ou real. A

ponderação em abstrato .é a desenvolvida pela dogmática

jurídica considerando a metodologia própria do direito e os

302

que possam servir de norte ao aplicador, reduzindo a subje-

tividade do processo ponderativo.

21.

Ao longo do processo ponderativo o intérprete

pode lançar mão de dois parâmetros gerais: i) os enuncia-

dos com estrutura de regra dentre os quais os núcleos dos

princípios que possam ser descritos dessa forma) têm pre-

ferência sobre aqueles com estrutura de princípios; e ii) as

normas que promovem diretamente os direitos fundamen-

tais dos indivíduos e a dignidade humana têm preferência

sobre aqueles que apenas indiretamente contribuem para

esse resultado.

22.

A preferência das regras sobre os princípios na ver-

dade, sobre a área não nuclear deles) justifica-se com fun-

damento em três razões principais. Em primeiro lugar, as

regras estabelecem desde logo os efeitos que pretendem

produzir no mundo dos fatos e é possível identificar as

condutas necessárias para realizá-los independentemente

de novas decisões de natureza valorativa ou ideológica. Os

princípios, diversamente, descrevem efeitos relativamente

indeterminados cuja compreensão integral depende de

avaliações valorativas) ou, mesmo quando se ocupam de

303

efeitos determinados, a identificação das condutas neces-

sárias para realizá-los pressupõe uma escolha valorativa ou

ideológica. Assim, a não realização dos efeitos das regras

envolve em geral sua violação e, em um Estado de direito,

as regras devem ser obedecidas. O mesmo não ocorre com

os princípios, que admitem logicamente compressões di-

versas na definição de seus efeitos e das condutas próprias

para sua realização. Assim, havendo um conflito entre uma

regra e a área não nuclear de um princípio o primeiro terá

preferência.

23. Em segundo lugar, as regras, por conta de sua pró-

pria estrutura, desempenham um papel específico na or-

dem jurídica ao prover previsibilidade e estabilidade, ao

ral pelas decisões associadas a esse consenso mínimo, ao

passo que os princípios delineiam um campo de atuações

possíveis, dentro de cujos limites as opções políticas po-

dem ser consideradas legítimas. As regras correspondem

exatamente a decisões políticas especificas, de efeitos de-

terminados, já tomadas no interior de tais fronteiras.

25.

Embora o parâmetro geral seja o da preferência das

regras sobre os princípios, há duas situações nas quais as

regras estarão envolvidas com a ponderação de certa forma:

(i) quando a incidência de uma regra produz tamanha injus-

tiça que a torna incompatível com as opções materiais da

Constituição; e (ii) quando há uma colisão insuperável de

regras.

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passo que os princípios garantem abertura e flexibilidade

ao sistema. As regras correspondem ainda a decisões espe-

cíficas dos poderes eleitos, gozando de considerável legiti-

midade democrática. Se os princípios, além de sua função

própria, ocuparem-se de afastar a incidência das regras in-

discriminadamente (sendo que a aplicação da área não nu-

clear dos princípios sempre vem impregnada das concep-

ções valorativas e ou políticas do intérprete), haverá um

incremento da insegurança, em função da imprevisibilida-

de e da falta de uniformidade das decisões, com prejuízos

evidentes para o equilíbrio do sistema, sobretudo no que

diz respeito à isonomia e à legitimidade dessas próprias

decisões.

24.

Há um terceiro fundamento para o parâmetro pro-

posto, uma vez que a questão se coloque no nível constitu-

cional. As constituições contemporâneas procuram realizar

ao menos dois propósitos gerais: estabelecer determinados

consensos mínimos, que devem inclusive ser protegidos da

ação das maiorias, e garantir as condições para o desenvol-

vimento do pluralismo político. As regras constitucionais

(aí incluídos os núcleos dos princípios) respondem em ge-

304

26.

Três parâmetros são capazes de lidar com o proble-

ma das regras injustas sem romper com a racionalidade do

parâmetro geral pelo qual as regras têm preferência sobre

os princípios, a saber: (i) a interpretação conforme a eqüi-

dade das regras; (ii) a caracterização da imprevisão legisla-

tiva; e (iii) a inconstitucionalidade da norma produzida

pela incidência da regra na hipótese concreta.

27.

No caso da colisão insuperável de regras haverá de

fato uma ruptura do sistema, já que alguma delas deixará

de ser observada. A escolha entre elas configura uma espé-

cie de ponderação entre os bens que justificam as regras.

De toda forma, será útil utilizar também nesse processo

decisório a proposta de ordenação da ponderação descrita

acima e os parâmetros jurídicos que se mostrarem perti-

nentes, especialmente o segundo parâmetro geral e os parâ-

metros particulares, examinados na seqüência.

28.

O segundo parâmetro geral proposto neste estudo

pode ser descrito nos seguintes termos: diante de um con-

flito normativo insuperável, a norma que de forma direta

promova e/ou proteja os direitos fundamentais dos indiví-

duos tem preferência sobre aquelas que estejam apenas

305

indiretamente relacionadas com esses direitos. O objeto

deste segundo parâmetro são as normas apuradas ao cabo

da ponderação e ele deverá ser manejado apenas após a

aplicação, se pertinente, do primeiro parâmetro geral.

29.

O segundo parâmetro geral pode ser justificado a

partir de duas perspectivas diversas. Em primeiro lugar, é

possível falar de um consenso material acerca da prioridade

do homem e de seus direitos fundamentais tanto no direito

interno, especialmente após a Constituição de 1988, como

na ordem internacional, ainda que neste último caso o con-

senso possa ser apenas teórico em vários pontos. A opção

pela norma que realize diretamente direitos fundamentais

funda-se, portanto, na aplicação dessa prioridade às hipóte-

desses parâmetros são, por certo, as características próprias

da estrutura de cada enunciado

Trata-se de um princípio?

Regra? Apresenta elementos de indeterminação? Atribui di-

reitos? Define competências? Fixa metas públicas? Se atri-

bui direito, quem é seu titular? Quem está obrigado a res-

peitar tal direito ou dar-lhe efeito?),

o conteúdo de cada

enunciado

Que efeitos ele pretende produzir? Que outros

enunciados guardam relação com o tema? Que condutas são

necessárias e exigíveis para realizar esse efeito?)

e as cir-

cunstâncias que interferem com sua aplicação, inclusive

situações de conflito com outros enunciados.

Ao fim desse resumo das principais idéias desenvolvi-

das ao longo do texto, vale notar alguns aspectos importan-

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ses de conflito normativo.

30.

O parâmetro encontra justificativa também a partir

de uma concepção procedimentalista pela qual a legitimi-

dade das decisões decorre da correção do processo delibe-

rativo, já que não é possível apurar consensos materiais

abrangentes na sociedade plural contemporânea), uma vez

que se adote corno premissa a igualdade dos indivíduos. Se

os indivíduos são iguais, qualquer deliberação pública exi-

girá que a cada participante seja reconhecido um conjunto

básico de direitos sem os quais o procedimento não poderá

funcionar adequadamente. Esse conjunto de direitos mere-

ce proteção prioritária, já que opera como condição para o

próprio procedimento. Nesse sentido, ainda que o conjun-

to de direitos aqui seja menor que o previsto pelo direito

interno, o parâmetro descrito continua a encontrar funda-

mentação consistente.

31.

Além dos dois parâmetros gerais descritos nos itens

anteriores, a redução do subjetivismo no uso da pondera-

ção depende também da existência de parâmetros particu-

lares, construídos em função de conflitos entre enunciados

específicos. Alguns elementos a considerar na construção

306

tes. O modelo sugerido de ordenação para a técnica, embo-

ra não garanta por si só a previsibilidade do resultado, con-

fere maior consistência metodológica à ponderação, com

proveitos evidentes para a redução do subjetivismo. No

momento em que a doutrina indica com maior clareza as

etapas a serem percorridas pelo intérprete e os cuidados a

serem por ele observados nesse percurso, não apenas o apli-

cador do direito estará mais consciente do seu ofício, como

o controle do processo de argumentação e decisão ficará

facilitado.

Ademais, não há dúvida de que i) demonstrar a vincu-

lação das diferentes pretensões e interesses em jogo a

enunciados normativos, ii) justificar a relevância atribuída

aos fatos, iii) empregar exclusivamente argumentos que

possam transitar livremente no espaço público, iv) preser-

var, na medida do possível, a integridade dos enunciados

em conflito, e v) fundamentar a possibilidade de universa-

lização da decisão apurada são exigências que, dentre ou-

tras, contribuem para reduzir o risco de voluntarismos e

arbitrariedades no uso da ponderação.

Associado a esse esforço de organização racional da téc-

307

nica, a formulação de parâmetros, tanto gerais como espe-

cíficos, se destina a orientar as decisões do intérprete, ago-

ra sim, tornando mais previsível o resultado da ponderação.

O caráter preferencial de tais parâmetros decorre de have-

rem sido discutidos publicamente pela doutrina e, por con-

ta de sua fundamentação lógica

jurídica, contarem com a

aceitação geral. O aplicador, por natural, não está rigida-

mente vinculado a eles ou à solução por eles indicada, mas,

ao desconsiderá-los, deverá demonstrar de forma específi-

ca por quais razões os fundamentos que informam o parâ-

metro devem ser afastados no caso concreto.

Há ainda duas observações finais a fazer. A pretensão

deste estudo não foi eliminar o elemento subjetivo das de-

tivamente incorporadas ao cotidiano da interpretação jurí-

dica e da prestação jurisdicional. Este é um ponto impor-

tante. O debate teórico, especialmente no que diz respeito

à argumentação jurídica, pode tornar-se extremamente

complexo, até por conta de seu objeto de estudo, ingres-

sando amplamente no terreno filosófico da justificação do

discurso racional em geral e do jurídico em particular. É

apenas natural e próprio que seja assim.

Nada obstante, é freqüente que, na impossibilidade de

incorporar toda a sofisticação teórica ao dia-a-dia da aplica-

ção do Direito, cuja compreensão, ademais, é por vezes

dificultada por um certo hermetismo lingüístico, os opera-

dores jurídicos simplesmente ignorem ou deixem de lado

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cisões jurídicas, o que seria impossível, mas apenas reduzi

-

 

° 

. Por certo haverá situações em que após aplicação da

ponderação nos termos aqui propostos, juntamente com

todos os parâmetros sugeridos, ainda restará espaço para

avaliações e decisões puramente pessoais. De toda sorte, a

previsibilidade das decisões judiciais é uma garantia pró-

pria do Estado republicano, democrático e de direito e,

tanto quanto seja possível, não deve ser banalizada.

Por fim, o objetivo deste trabalho foi apresentar um

conjunto de propostas operacionais, que pudessem ser efe-

409 GRAU, Eros Roberto. O

direito posto e o direito pressuposto

1989,

p. 33 e ss.; e TRIBE, Laurence H. and DORF, Michael C. On

Reading the

Constitution

1991, pp. 18 e 19: It should not be terribly surprising to

learn that judicial deliberation, like ali legal discussion, cannot be reduced

to scientific processes

o

deduction and induction, although some people

apparently continue to be surprised by this truism. The impossibility of

airtight 'proof' does not, however, translate — as some seem to believ it

does — into such total indeterminacy that

ali

interpretations of the

Constitution are equally acceptable. Nor does it follow that the only way

to judge an interpretation is to ask whether it advances or retards your

vision of the good society. It is possibile to do much better than that.

importantes contribuições desenvolvidas no âmbito da aca-

demia. Assim, o que não deixa de ser irônico, os diferentes

desenvolvimentos teóricos que versam justamente sobre a

interpretação jurídica acabam tendo pouca ou nenhuma re-

percussão na atividade concreta de interpretação e aplica-

ção do Direito.

Parece fundamental, portanto, desenvolver uma outra

linha de estudos que, sem prejuízo do progressivo aprofun-

damento das questões no nível teórico, produza uma co-

municação eficiente entre esses dois mundos. Essa comu-

nicação deve ser capaz de transformar formulações teóricas

em instrumentos operacionais, utilizáveis pelo juiz no dia-

a-dia de sua atividade, ainda que isso imponha, em alguns

momentos, a simplificação de discussões mais complexas.

O presente estudo se insere nesse contexto e pretende fa-

zer essa comunicação, de modo que a realidade da aplica-

ção do Direito, e a vida das pessoas, afinal, possa se benefi-

ciar dos avanços e elaborações da teoria jurídica.

309

08

Referências bibliográficas

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