Becos comunicantes #03

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Jornalismo um livre compartilhar #03 ano I janeiro 2015 A GENTE FALA COM O MUNDO p 150 AGORA SÃO OUTROS QUINHENTOS p 16 A EXTENSÃO E O CURRÍCULO p 54

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c o m u n i c a n t e s

Jornalismoum livre compartilhar

#03ano I

janeiro 2015

A GENTE FALA COM O

MUNDOp 150

AGORA SÃO OUTROS

QUINHENTOSp 16

A EXTENSÃO E O

CURRÍCULOp 54

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Revista Laboratorial do Curso de JornalismoNº 03 | Ano II | Fevereiro de 2015 | Goiânia-GO

Contato [email protected]

EXPEDIENTE

Conselho de RedaçãoAngelita Pereira de Lima, Elisama Costa Ximenes, Jéssica Adriani Rodrigues,

Lucas Botelho, Nilton José dos Reis Rocha e Vinicius de Morais Pontes

Edição GeralAngelita Pereira de Lima e Nilton José dos Reis Rocha

Projeto Editorial e GráficoElisama Costa Ximenes, Lucas Botelho, Nilton José dos Reis Rocha e Vinicius de Morais Pontes

Fotografia da Capa Amanda Oliveira | Foto da Contra-capa Marlon Robson do Carmo

TextoAlicia Sagues, Amanda Oliveira, Angelita Lima,Antônio Martins, Dalton Martins, Dayane Borges, Delmar Rezende, Edson Spenthof, Elisama Ximenes, Ga-briela Marques, Giselle Otoni, Jaciara Oliveira, Luciene Oliveira Dias, Mariza Fernandes, Michel Gomes, Milleny Cordeiro, Nilton José dos Reis Rocha,

Renato Cirino, Roberto Abdala, Sandra de Deus e Vinicius de Morais Pontes

IlustraçãoElisama Ximenes, Jessica Adriani Rodrigues e Vinicius de Morais Pontes

FotografiaAline Rodrigues, Amanda Karly, Ana Dirino, Ariel Franco, Cainã Marques, Dayane Borges, Elisma Ximenes, Janaina Vidal, Larissa Batista, Larissa Ferraz,

Luiz da Luz, Michel Gomes, Natália Moura, Nilton José dos Reis Rocha, Renato Cirino, Thais Alves e Vinicius de Morais Pontes

DiagramaçãoElisama Ximenes, Jéssica Adriani, Lucas Botelho e Vinicius de Morais Pontes

RevisãoElisama Ximenes, Jéssica Adriani, Jéssica Chiareli, Jordana Barbosa, Larissa Batista, Lucas Botelho, Nilton José dos Reis Rocha e Vinicius de Morais Pontes

ColaboraçãoAline Rodrigues, Amanda Karly, Amanda Oliveira, Ariel Franco, Caroline Carneiro, Dayane Borges, Fernanda Paixoto, Larissa Ferraz, Michel Gomes, Natália Moura, Stefany Vaz

Universidade Federal de GoiásReitor Orlando Afonso Valle do Amaral | Vice-Reitor Manoel Rodrigues Chaves | Pró-Reitor de Graduação Luiz Mello de Almeida Neto Pró-Reitor de Pós-Graduação José Alexandre Felizola Diniz Filho | Pró-Reitora de Pesquisa e Inovação Maria Clorinda Soares Fiarovanti

Pró-Reitor de Extensão e Cultura Giselle Ferreira Ottoni Candido | Pró-Reitor de Administração e Finanças Carlito LariucciPró-Reitor de Desenv. Institucional e R.H. Geci José Pereira da Silva | Pró-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária Elson Ferreira de Morais

Faculdade de Informação e Comunicação Diretor Magno Luiz Medeiros | Coord. do Curso de Jornalismo Luciene Dias |Coord. do Curso de Relações Públicas Lutiana Casaroli

Coord. do Curso de Biblioteconomia Janaína Ferreira Fialho |Coord. do Curso de Publicidade e Propaganda Marina Roriz Lousa da CunhaCoord. do Curso de Gestão da Informação Eliany Alvarenga Araújo

Conselho Editorial da FIC Ana Carolina Rocha Pessoa Temer, Claudomilson Fernandes Braga, Daniel Christino, Goiamérico Felício, Carneiro dos Santos, João de Melo Maricato, Lisandro Nogueira, Luiz

Signates, Magno Luiz Medeiros, Maria Francisca Nogueira, Maria Luisa Mendonça, Simone Antoniaci Tuzzo, Suely Henrique de Aquino Gomes e Tiago Manieri de Oliveira

Coletivo Magnínifica MundiSite www.magnificamundi.fic.ufg.br | Email [email protected] de Informação e Comunicação - Universidade Federal de Goiás Campus Samambaia - Goiânia - GO - CEP 74001-970 - Caixa postal 131

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Como se fosse uma opereta, cômica Três coisas parecem fundamentais no empenho de se editar os conteúdos dos debates e painéis da Jornada Magnifica Mundi, realizada ano passado em refe-rência ao jornalismo compartilhado, como opção e perspectiva teórica. E, claro, para festejar os 14 anos do Laboratório e Coletivo1. O primeiro cumprindo suas funções de contribuir com o ensino, a pesquisa e a extensão, en-quanto esferas isonômicas (de igual importância), que dialogam e se alimentam. E o Coletivo como responsabilidade de pensar e debater e subverter as questões da teoria e colocá-las à disposição da humanidade e, de modo especial, dos povos brasileiros dos cerrados centrais. Afinal, aqui é lugar de onde se fala, de onde falamos. A primeira preocupação é de se reinventar a universidade, algo que está bem claro nas ideias sobre a extensão e, de modo especial, no debate que se seguiu. A sociedade está atenta e deseja uma universidade comprometida com suas aspira-ções mais libertárias. A segunda, vinculada a esta, é a necessidade de se debater e experimentar as reinvenções, também, do jornalismo, ao tentar superar a observação do mexica-no Jésus Galindo, “jornalismo do século XIX, com tecnologias do século XXI”. As eleições e as pelejas simbólicas (pouco jornalísticas) no pós- eleição dão justas razões a quem, criticamente, considera que, embora com armaduras modernas, ainda não se escapou da lógica burguesa no jornalismo. Da sociedade de privilégios. Em terceiro lugar, a urgência de se construir ou (re)inventar conceitos e métodos que consigam compreender e explicar as sociedades e os sujeitos sociais que, aqui e acolá, desafiam, insubmissos, as lógicas autoritárias. Inclusive nas de-mocracias. Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão Jornalismo e Diferença empresta sua lógica e acolhe nossas contradições e fraquezas para, juntos, se construir, como diz Brandão, as saídas para uma universidade aberta à vida, à sociedade. Ao prazer de estar e de pensar. Esta edição rouba a clareza dos debatedores da Jornada e, assim como numa opereta bufa, apresenta, com precisão, as perspectivas teóricas sobre as quais Becos ganha corpo e o coletivo Magnífica se consolida e completa 15 anos. E, na busca, paciente, desses caminhos é que, um dia, se teimou em orga-nizar um ciclo de debates com a Educação. Algo impensável e difícil. O curioso é que um dos conferencistas, que conversou sobre estas inquietações, ainda iniciais, agora vira ministro. Foi Renato Janine, foi.

Nilton José dos Reis Rocha e Angelita Pereira de Lima

1 Os dois sustentam o mesmo nome, Magnífica Mundi.

PRELÚDIO

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ADÁGIO

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ALLEGROABERTURA

8. Para começos de conversa

16. Por um jornalismo de profundidade: agora são outros quinhentos

54. A extensão e o currícu-lo: jornalismo para além da sala de aula

78. Brinca comigo: práticas de comunicação na escola pública

92. Educação do campo, corpo e infância

102. Cinema e democracia na América Latina: imagens que não calam

126. Oficinas criativas

130. Parcerias nas narrativas e na vida

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INTERLÚDIO MOLTO VIVACE

#03ano I

janeiro 2015

FINALE

150. Mais do que nunca, a gente fala com o mundo... e do mundo

156. Parcerias que constroem redes

160. Nas web ondas do rádio

162. Cultura de fronteiras: Jornalismo no fim do mundo

168. Um dia de julho

174. Sobre a arte e o Sertão

176. Da vida e da escola, educomunicação

178. A bola da vez

180. Laboratório de Infografia

182. O médio Araguaia

188. Moara

190. Goiás em áudio e visual

194. Comunicação como ferramenta de luta

201. Tanto afeto

134. Apresentações culturais

142. Pela jornada, um andarilho

144. Transmissões

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ABERTURAintrodução musical a uma ópera,

ou pequena peça independente sem forma pré-estabelecida

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TEXTOS Angelita Lima, Luciene Dias e Vinicius Pontes| DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

ABERTURA

PRA COMEÇOS DE

CONVERSAAngelita Lima

A jornada da Magnífica Mundi, tradicionalmente, dura uma semana, mas nesse ano ela foi organizada em 30 dias. Teremos uma jornada

muito intensa e rica, neste décimo quarto aniversário da Magnífica. Na primeira mesa de abertura, o professor Nilton vai coor-denar e contar umas histórias. Além disso, vamos receber o Renato Cirino, conhecido como Pirei. O Renato foi meu orientando de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), é servidor técnico administra-tivo da FAV (Faculdade de Artes Visuais), com mestrado focado na experiência na Magnífica. O tema de abertura é “Da comunicação comunitária à co-municação compartilhada”. Nós estamos já com 30 anos dessa traje-tória que começou no final da década de 1980. Época em que, para o jornalismo, já estava posta a questão da produção da informação, da notícia, da produção jornalística. Numa perspectiva não só da com-preensão da sociedade, mas de inserção e comprometimento social. Da comunicação comunitária, nossa bandeira dos anos 1980, chegamos ao conceito de jornalismo compartilhado a partir de uma ampliação e de uma revolução numa perspectiva muito mais radical do que a gente vivia há 30 anos. Não quer dizer que não era radical, era de uma radicalidade importante que contrapunha o jornalismo empresarial, hegemônico no Brasil. Apontava também para uma possível crise desse jornalismo empresarial que hoje, como vemos, luta por sua sobrevivência.

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TEXTOS Angelita Lima, Luciene Dias e Vinicius Pontes| DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

PRA COMEÇOS DE

CONVERSA

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Hoje, as tecnologias nos permitem viabilizar a concepção do jornalismo compartilhado e nós teremos um debate específico sobre esse tema com o jornalista Antônio Martins e o professor Dalton Martins. Agora, o Renato vai apresentar sua pesquisa de mestra-do que é muito importante como concepção, principalmente com a apropriação da técnica. Não é presunçoso e não é desonesto dizer que, em grande medida, essa semente nasceu na Magnífica. Então é justo abrir a Jornada com o Renato apresentando as suas pesquisas nessa perspectiva do jornalismo compartilhado. Eu agradeço a presença de vocês. O fato de estarmos aqui é supostamente pequeno, mas o fato de estarmos gravando e transmi-tindo amplia, e torna nosso alcance muito maior, e isso para nós já é suficiente. E a Magnífica se fez assim, independente de ter um, dez ou mil usuários de rede, plugados, logados. E é assim que ela vai comple-tando seus 14 anos com muita vitalidade e com isso a gente só pode agradecer a persistência, a coragem e a competência coletiva. Então, para começar, digo que está aberta a Jornada Magnífica 2014.

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Luciene Oliveira Dias

O tema desta jornada é “Jornalismo, um livre compartilhar”, e nós temos tentado desenvolver essa temática ao longo desse mês com

intensas atividades. Iniciamos agradecendo imensamente ao coletivo Magnífica Mundi por ter proposto e conduzido tão bem os trabalhos. Agradecemos ao professor Nilton José e, também, aos professores do curso de Jornalismo, Edson Spenthof, Solange Franco, Angelita Lima e aos estudantes de jornalismo que se dispúseram a participar e pensar com a gente o tema de hoje, que é relevante para o nosso processo de ensino e aprendizagem: “A extensão para além da sala de aula”. Agradecemos à professora Sandra de Deus, coordenadora de extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e à pro-fessora Giselle Ottoni, Pró-reitora de extensão da Universidade Fe-deral de Goiás. As duas Pró-reitoras vieram aqui para compartilhar conosco suas experiêncis e reflexões sobre a prática de extensão no jornalismo, tema forte para construir uma agenda positiva nisso que chamamos de século XXI.

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Vinicius de Morais Pontes

A jornada dura um mês e a aniversariante é a Mag. A programação conta com o 3º Ciclo de Debates que tem como tema 30 anos

da Comunicação Comunitária no Curso de Jornalismo. Além disso, to-das as segundas-feiras, teremos exposições de filmes e documentários independentes no que chamamos de 1ª Mostra Latino Americana de Cinema Popular. A jornada vem para organizar também as 8as Oficinas Criativas da Mag que vão acontecer, em geral, às quartas ou quintas-feira à tar-de. A programação está bem colorida, com lançamentos de produtos das mais variadas origens e apresentações culturais. Dentre os temas das principais mesas de debates que devem ocorrer estão o Cinema e Democracia na América Latina, imagens que não calam, cuja mesa conta com a professora Alícia Saguéz, do Chile. Por um jornalismo de profundidade, agora são outros quinhentos, é ou-tro tema que deve ser debatido pelo jornalista Antônio Martins do site Outras Palavras. A pró-reitora de extensão da UFRGS, Sandra de Deus, é nossa convidada para falar sobre A extensão no currículo do século XXI, um jornalismo muito além da sala de aula. Hoje começamos com a fala do Pirei e, durante esses ciclos de debates, mais ex-estudantes do jornalis-mo que fizeram parte da história da Magnífica Mundi devem dar suas contribuições.            Para saber mais detalhes da programação e se inscrever, basta acessar o site da II Jornada Magnífica. Obrigado!

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ALLEGROsignifica de caráter alegre,

designa um andamento rápido

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AGORA SÃO OUTROS QUINHENTOSP O R U M J O R N A L I S M O D E P R O F U N D I D A D E

CONFERÊNCIA Antônio Martins, Edson Spenthof e Dalton MartinsILUSTRAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

ALLEGRO

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AGORA SÃO OUTROS QUINHENTOSP O R U M J O R N A L I S M O D E P R O F U N D I D A D E

CONFERÊNCIA Antônio Martins, Edson Spenthof e Dalton MartinsILUSTRAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

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...a gente procura articular muitos coletivos e fazer parte de muitas articulações também.

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Antônio Martins

Muito obrigado, obrigado pelo convite, gente, essa oportunidade de dialogar com vocês da Magnífica. É, o Nilton estava me con-

tando o caminho, um pouco, a história da formação de vocês. É, acho que isso podia ser o início de um diálogo. No Outras Palavras a gente procura trabalhar com o que a gente chama de a reinvenção do jorna-lismo de profundidade. Na época da comunicação compartilhada, eu vou falar um pouquinho mais sobre isso, mas isso significa que a gente procura articular muitos coletivos e fazer parte de muitas articulações de coletivos também. Seria muito interessante que essa conversa nossa fosse continuada depois em troca de informação, em troca de experi-ências porque, eu acho, que nós estamos em uma batalha muito dura. Muito importante também é que a gente deve fazê-la em com-partilhamento. Eu vou falar quase telegraficamente aqui de duas coi-sas. Uma é trocar algumas opiniões com vocês sobre o que significa essa nova era da comunicação compartilhada, esse novo paradigma, quais são as possibilidades e também quais são os bloqueios, os obs-táculos, as disputas que ele implica quais são os nossos desafios nessas disputas e queria falar um pouquinho depois também, eu vou tentar falar breve para poder dialogar mais do que qualquer coisa, sobre a crise do jornalismo e a possibilidade de sua reinvenção. Então, a comunicação compartilhada, essa crise de paradigmas que a gente está vivendo... Nós estamos passando por um momento que, talvez, tenha tido um precedente útil nas invenções dos tipos mo-veis pelo Gutenberg há 500 ou 600 anos. Toda a comunicação que a gente viveu nesses últimos 600 anos tinha como característica o fato de ser a chamada, que ficou conhecido, como comunicação de massa. O que significa essa comunicação de massa? Significa um número cada vez menor de emissores falando com plateias cada vez mais gigan-tescas. Isso começou a partir do momento que foi uma fase impor-tantíssima para humanidade. A gente tem que ver a dialética desses processos todos. Ele está associado, por exemplo, aos movimentos revolucio-

...a gente procura articular muitos coletivos e fazer parte de muitas articulações também.

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nários que instituíram o que a gente chama de democracia hoje. A revolução inglesa lá nos anos mil e seiscentos foi fortemente influen-ciada e possibilitada pela condição nova que as pessoas tinham de transmitir ideias por meio de papéis, de panfletos impressos, coisas que não existiam antes. Então, em certo sentido, isso mostra o poder da tecnologia quando ela é apropriada pelas sociedades. Esse proces-so que permitiu para o ser humano pela primeira vez se comunicar em escala, diferente do que ocorria no mundo feudal, digamos. Você se comunicava praticamente pela palavra escrita no seu feudo, no seu pequeno local de moradia, de trabalho. Essa comunicação de massa não tirou o ser humano des-sa condição, permitiu ao ser humano falar para centenas, depois para milhares, depois para milhões de pessoas. Tem um elemento de avanço civilizatório democrático, inclusive. E isso esteve muito associado com a substituição da sociedade feudal, com as sociedades pelos estadosnações e por algumas formas foram muito avançadas, para época, de democracia. Então, se a gente acompanhar hoje, nós estamos vivendo uma crise da velha comunicação, do velho jornalismo e da velha demo-cracia também. Durante, pelo menos durante, esses 400 últimos anos desde a Revolução Inglesa, Francesa e Americana e a formação dos sistemas de democracia representativa, esses dois elementos - institui-ções politicas e mídias de comunicação - de jornalismo em particular, tiveram muito associados. Ai o curioso que a crise deles também seja coincidente, né? Como que eles estavam associados? De que forma estava essa associação? Tem tudo a ver com esse tipo de democracia que a gente viveu nesses últimos séculos, que teve seu avanço e que hoje está em crise. Significava que você tinha um ambiente nacional, você como cidadão, coisa que você não era já na fase medieval. Você não é um servo, você é um cidadão, alguém que tem direitos iguais. Isso de-morou: muita luta, muita gente lutou, viveu, morreu por causa disso, a possibilidade de você ser um igual aos seus semelhantes. Como não era possível dirigir as sociedades, coordenar as relações sociais a partir de imensas assembleias você tinha a representação, o voto, os partidos políticos, as eleições e as pessoas que eram eleitas para em certo sentido representar o nosso desejo político, representar as nossas visões de mundo, representar as nossas visões de futuro.

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Se reuniam lá no seu parlamento, elegiam, participavam da eleição do governo, às vezes a própria sociedade era convidada para participar da eleição do governo. Era democracia representativa, a de-mocracia mais avançada que a gente conseguiu criar até hoje em escala nacional. Eu não decido sozinho, eu elejo meus representantes e a as-sembleia desses representantes, e a mídia como é que funcionava? O jornalismo funcionava como expressão do debate que levaria à eleição dos governantes, eu não posso votar em alguém por gostar da cara, eu voto em plataformas, eu voto em projetos. Esses projetos são debatidos permanentemente pelas comunicações, pelo jornal, depois pelo rádio. Eu preciso disso, eu não tenho condições de dialogar direta-mente com o meu representante e mesmo que eu tivesse, eu preciso de um sistema que me conte o que está acontecendo na escala da minha cidade, na escala do meu bairro, na escala da minha nação. São os âmbitos onde a gente elege representantes de governo. Preciso saber o que está acontecendo com a Amazônia pra poder escolher alguma proposta, de algum representante que me represente, que expresse os meus pontos de vista. Preciso saber o que está acontecendo no campo brasileiro, pra saber se eu sou a favor de políticas que estimulem o agronegócio ou se eu sou a favor da reforma agrária. Preciso de infor-mação sobre isso. Eu não vou ter essa informação conversando com o deputado, preciso de um sistema de comunicação. Então, era paralelo à democracia por causa disso.

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Isso se estendeu desde as primeiras revoluções que formaram os primeiros sistemas parlamentares, entra em crise mais ou menos a partir da metade do século passado, primeiro a comunicação, né? Como é a crise da Comunicação? Basicamente, ela tem a ver em um certo sentido com tecnologia, para a gente ver que tecnologia não significa sempre algo positivo e tem a ver principalmente com a mistura, a simbiose de imprensa e empresa. Descaracterizou totalmente o papel inicial da im-prensa, desenvolvimento de novas tecnologias, o rádio, a televisão. Os grandes sistemas de comunicação que permitem que a gen-te fale com o mundo se tornaram uma coisa extremamente custosa. É muito mais difícil você montar uma Rede Globo do que você montar um jornal como se havia no começo do século passado. É caro, exige muito equipamento, muita especialização, muitas horas de trabalho. Precisa de muito capital para construir uma rede globo e isso signifi-cou a entrada de recursos maciços na comunicação e ela foi deixando de cumprir aquele papel de informação. Não só de informação, repare bem, era de informação e debate político juntos. Os jornais expressa-vam pontos de vista assim como tinham o sistema de partidos: cada um o vasto espectro das posições politicas. Os jornais expressavam posições políticas também.

Falando para audiências cada vez maiores

tornaram-se ao mesmo tempo os meios de comunicação cada

vez menos úteis para a democracia.

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A entrada maciça do dinheiro nesse sistema transforma os meios de comunicação em um negócio principalmente hoje. Você vê os jornais ou você vê as cadeias de televisão, elas não expressam clara-mente um ponto de vista. Elas expressam um investimento destinado a se multiplicar. É claro que eles têm interesse em que prevaleçam e também se igualam nisso, não há divergência entre eles a não ser uma espécie de pensamento único. O objetivo essencial deles é o lucro. O Roberto Marinho, os filhos dele, compram estúdios porque estão in-teressados em ganhar mais dinheiro, em multiplicar o dinheiro. Isso acirrou essa característica, essa contradição da cultura de massa. Cada vez menos gente... Tem quantas emissoras aqui no Brasil? Falando para audiências cada vez maiores tornaram-se ao mesmo tempo os meios de comunicação cada vez menos úteis para a democracia, menos servíveis, digamos assim, para a democracia. Não tem debate de ideias nos meios de comunicação tradicionais. Isso se prolonga até mais ou menos o final do século, quando surge um pro-cesso diferente que é o processo que a gente está vivendo agora, o Dal-ton pode falar com mais propriedade. Mas é assim do ponto de vista político, o que eu queria debater com vocês. É o seguinte, a internet não foi criada para facilitar a comunicação humana, ela foi criada mui-to ligada a disputas militares, atômicas inclusive. Ela serviu durante muito tempo para multiplicar dinheiro nos mercados financeiros, ela foi apropriada a partir de um certo momento pela sociedade que se aproveitou do caráter descentralizado dela para começar a criar novas formas de comunicação. Então, surge a internet. Ela começa permitir que a gente entre em contato com realidades muito mais amplas que os jornais. Surgem depois maneiras, em voga novamente, os zapatistas, 1993/94, há 20 anos pela primeira vez surgiu um movimento que podia falar com o mundo e que se comunicava de forma poética, inclusive: política com o mundo. Os zapatistas jamais teriam tido a repercussão que tiveram sem a internet, por exemplo. Ou seja, é o ser humano, o movimento social se apropriando de uma tecnologia existente para transformá-la em certo sentido. Isso é, vai se multiplicando, surge mais ou menos na virada do século os blogs que permitem que cada um de nós possa construir a sua expressão. Não são simplesmente os movimentos, é uma democratização um pouco mais profunda. Cada um de nós, além dos movimentos em que a gente participa, posta; cada um de nós tem condições de ser um narrador do presente e surge, depois, as redes sociais que tem uma série de contradi-ções. Tornam isso ainda mais fácil e podem ter enorme repercussão políti-ca, Mas qual é o sentido politico principal? A possibilidade principal aberta com isso? É que eu rompo o paradigma de um pequeníssimo número de emissores e todo mundo, o resto como plateia fascina.

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E eu crio uma situação que, a princípio, não significa que vai ocorrer. Tem enormes disputas pelo controle da internet, pelo futuro da internet, mas eu, em teoria, passo pra uma situação em que todo mundo é emissor. É muito mais difícil do ponto de vista do capital, do controle social, do poder econômico controlar uma multidão de emissores do que controlar seis emissores tanto do ponto de vista da restrição. É muito mais difícil eu estabelecer censura, por exemplo, do ponto de vista do próprio poder econômico quanto do ponto de vista da democracia que representa isso. Cada um de nós pode falar com todos nós sem intermedia-ção de um grande estúdio, de uma grande equipe, sem intermedia-ção da Rede Globo. Isso fez historia já, começou a fazer história. Se a gente observar desde o começo desse século, tem um conjunto ex-pressivo de mobilizações sociais que produziram efeitos concretos, que foram articulados graças à essa nova forma de comunicação. Os casos mais recentes, são da primavera árabe, que convive em contra-dições hoje, mas que derrubou algumas ditaduras importantes, uti-lizando como ferramenta essencial as redes sociais, a comunicação via internet. Essa novidade, que está sob disputa. O capital está procuran-do se apropriar, têm coisas novíssimas e terríveis surgindo. Outro dia o Snowden, é esse sujeito que traiu a C.I.A, e se aliou a socieda-de, começou a revelar os esquemas que os Estados Unidos, a par-tir das agências militares deles, estão construindo pra se apropriar das redes sociais e transformá-las numa fábrica; deturpar de certa maneira as redes sociais criando uma multidão de empregados que cumprem ordens, digamos assim. Tem na aparência de perfis como se fossem nós, mas eles estão contratados pra difundir certas men-sagens que interessam a determinados objetivos. A gente vai ver isso muito intensamente nessas eleições, vocês podem ter certeza. Vão ser marcadas por isso. O fenômeno de tentativa de manipulação das redes sociais. Por isso nenhuma dessas tecnologias a gente deve endeusar. A internet surgiu como outra coisa, foi reapropriada pela socieda-de pra estabelecer uma comunicação sem intermediação, que pode ser reapropriada também para estabelecer um falso diálogo entre a sociedade. Pode ser reapropriada pelo capital nesse movimento. A tecnologia não define o mundo, ela é uma arma, é uma ferramenta a ser apropriada e ela é definida não por si mesma, mas pelas disputas sociais que há em torno do controle dela. Enfim, e há essa possibi-lidade - que é inédita - e que é extremamente transformadora, essa de nós nos comunicarmos entre nós mesmos sem vínculos e sem sermos passivos, sendo sujeitos ativos da nossa comunicação.

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Nós somos consumidores de informação e nós somos, ao mes-mo tempo, produtores de informação. É uma mudança dramática em relação ao que entra em vigor nos últimos 400, 500 anos; é uma mu-dança potencialmente revolucionária. Bom, é o que isso diz em relação aos nossos modos de produzir jornalismo; seja televisão, rádio, sites. Jornalismo baseado no texto escrito, né; também meio telegraficamen-te. Acho que tem considerações políticas, editoriais e econômicas nisso tudo. Ostentação material desses projetos, né? A gente brinca reto-mando aqui agora que é preciso reinventar o jornalismo, né? Reinven-tar por quê? Esse jornalismo, que existiu nos últimos 300 anos, está em cri-se por diferentes maneiras. Porque ele faz parte de um sistema demo-crático que é muito limitado, que foi também assim como a comunica-ção. Foi muito corrompido pelo poder financeiro. Basta ver como nas eleições parlamentares, por exemplo, cada candidato se parece muito com outro, não tem mais projetos, tem marketing politico. Basta ver como influem nos parlamentos, como as campanhas são financiadas por empresas. Os parlamentares se elegeram e têm que começar a pre-parar a próxima campanha.

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As campanhas são caríssimas. Pra eleger um deputado são mi-lhões de reais; ninguém consegue pelos seus próprios meios fazer isso, tem um ou dois em cada Estado. A grande maioria dos parlamentares é eleita pelo poder econômico e precisa, depois de eleito, prestar contas para o poder econômico. É um sistema democrático cada vez menos democrático, cada vez mais capturado pelo poder econômico. Então, as sociedades vão sentindo isso. Vão surgindo movimentos como esse dos indignados na Espanha, que diz “nem banqueiros, nem políticos nos representam”. Bom, vai surgir um sistema de crise, vai surgir um projeto de crise desse sistema de representação e o jornalismo, que estava colado nele, também está em crise. Ninguém confia muito nesses jornais, ninguém acha que eles tão falando muito a verdade. Mas por que que não basta simplesmente a gente constatar isso? Porque, se a gente quiser transformar o mundo, a gente tem que conhecer o mundo em profundidade. Então, eu acho que a gente precisa fazer muito o trabalho de denúncia dos limites das manipulações, que os meios de comunicações tradicionais fazem. Mas, mais importante que isso e mais atual do que isso, é a gente começar a pensar como utilizar as novas tecnologias como ferramentas para construir um jornalismo mais de profundidade do que aquele jorna-lismo que existiu nos últimos séculos e que está em crise agora. Como? Alguns elementos, que são coisas que eu disse para vo-cês no inicio, eu acho que estão em construção, construir isso juntos. Não é uma coisa que está inventada. Não se trata da gente reproduzir uma receita, se trata de algo novo, uma realidade nova que surgiu. Nessa realidade, a gente tem que construir formas de atuar e formas de enxergá-la e de transformá-la ao mesmo tempo, né? Alguns elementos, por exemplo, eu acho que a gente deve viver a superação da exclusi-vidade do jornalista como narrador social, narrador da vida social. A gente deve ser claramente, não contra o curso de jornalismo nem contra o diploma de jornalista, mas contra a obrigação de ser jornalis-ta para ser narrador social, isso é um absurdo é um contrassenso do ponto de vista democrático.

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A vida social precisa ser narrada por todo mundo, não só pelo jornalista. O papel do jornalista é um pouco mais específico, a gente não deve abrir mão das técnicas jornalistas, ao contrário, a gente deve preser-var e se esforçar para que essas técnicas jornalistas sejam compartilhadas com a sociedade, com os comunicadores sociais de todos os movimentos e mesmo com as pessoas que querem ser narradoras do seu tempo sem fazer parte dos movimentos sociais. O que significa isso? Significa valo-rizar coisas que as universidades, inclusive, ensinam e que o jornalismo criou ao longo desses últimos 400 anos, algumas conquistas. Acho que se a gente sintetizar o papel do jornalismo e o papel do jornalista, seja ele com o diploma ou não, eu diria que é o sujeito que consegue compreen-der e narrar, de modo popular e atraente, realidades complexas. Em certo sentido acho que essa é a especificidade que o jornalista, seja ele com diploma ou sem diploma, tem que assumir. As redes sociais permitem que cada um conte que houve um desastre na frente da sua casa, ou que estourou mais um cano de água e que está vazando agua. Não é preciso mais do que ser uma pessoa alfabetizada, e com algum desejo de compartilhamento social, para contar isso. Não precisa um jornalista ir na frente da minha casa pra contar que rompeu a adutora, mas precisa de técnicas importantes que podem ser apropriadas por qualquer ser humano desde que ele esteja disposto pra isso e tenha acesso pra contar os motivos da falta d’água, pra contar porque não foram feitos investimentos suficientes para ge-rar água, para contar porque que determinadas formas de produção agrícola, por exemplo, consomem muita agua quando não precisavam, quando poderiam ser substituídas por outras. Então, isso exige mais do que dar palpite, isso exige técnicas de compreensão, de apuração de realidades complexas, de realidades que não estão na nossa mostra, que não estão aflorando a flor da terra,. É preciso cavoucar, é preciso enfrentar contradições, é preciso enfrentar pontos de vista contraditórios, informações capciosas que, na verdade, são contrainformações. É preciso construir um ponto de vista sobre esses temas complexos e contar, contar porque que está faltando água em São Paulo, contar porque a Amazônia está sendo destruída.

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Contar essas realidades de uma forma clara e agradável, pra mim, é um enorme desafio, um desafio que a gente tem que fazer em conjunto e que a gente tem que assumir, é um desafio politico, edito-rial, literário. É muito diferente do que é fazer isso na época das reda-ções centralizadas do jornalismo, é um pouco a superação da época industrial e a possibilidade de surgimento de um jornalismo de rede. É difícil fazer isso. O jornalista assalariado, ele é como um soldado, che-ga recebe uma ordem que é uma pauta, vai atrás dessa pauta, escreve, passa sua matéria pra um outro e passa pra um editor. O jornal tradicional funciona como uma fábrica, como um exército também. Ele tem uma lógica totalmente hierárquica que não funciona com as redes. No Outras Palavras, por exemplo, que é o site que eu edito, a gente tem algumas centenas de colaboradores, mas a relação com esses colaboradores, que é uma coisa que a gente está aprendendo, é uma coisa totalmente diferente da relação de um chefe de redação com seus subordinados. As pessoas colaboram na medida que elas podem colaborar, na medida que elas têm desejo de colaborar. As pessoas não têm prazos rígidos para fazer o trabalho, escrevem com estilos diferentes, e você tem que criar uma sinfonia de estilos e não um estilo único. Esse é um grande desafio. Eu, como jornalista, gostaria de viver os próximos 30 anos, se eu tiver enfrentando esse desafio. Envolve experimento, envolve erro, mas é preciso ter esse horizonte porque se a gente, não tiver esse horizonte, se a gente se satisfizer simplesmente com a existência das redes sociais, a gente não vai ser capaz de criar um jornalismo para transformação do mundo. É um pouco o que acontece hoje com as comunidades de blogueiros, que são coisas importantíssi-mas, meritórias e necessárias. Mas você vê, por exemplo, nessa nossa disputa com os meios de comunicação tradicionais, aqui no Brasil inúmeros meios, certamente vocês já ouviram falar isso, é chama-do o PIG, o Partido da Imprensa-Golpista. Existe um movimento muito grande nas redes sociais, dentre os blogueiros, de denunciar a existência desse partido da imprensa copista. Mas enquanto a gente ficar só fazendo isso a gente vai estar sempre na defensiva, a gente não vai construir uma visão nova do nosso mundo. Eu sugiro, inclu-sive, que a gente use cada vez menos o ataque ao PIG. E use cada vez mais a construção de uma alternativa. Se a gente for olhar para nós mesmos, a gente vai ver que a gente está muito distante de fazer isso. A gente não encontra entre os meios alternativos, um movimento sistemático de compreender, de narrar os principais temas nacionais. Porque, primeiro, a gente não tem força pra criar algo pra isso; segundo, a gente não tem como estabe-lecer mecanismos que substituem essa força material. Aposto que é

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possível fazer isso, que existe inteligência na sociedade que possa ser mobilizada, possa ser seduzida pra construir o que a gente chama, lá no Outras Palavras, de redes de informação recíprocas. Talvez seja uma das receitas para reconstruir o jornalismo nessa nova fase. São pessoas que em geral tem outras atividades, mas são pessoas que se dispõem a narrar de alguma forma, a compreender e narrar um ele-mento importante para gente e se dispõe a narrar de forma atraente, de forma popular, de forma não hermética. Não narrar pra si mes-mo, nem para os seus pares, mas narrar para um público mais amplo que eu acho que é necessário. Outro elemento da técnica jornalís-tica, que precisa ser recuperado e compartilhado ao máximo. Não adianta eu contar a história para mim, no meu ponto de vista tenho que contar me imaginando, contando quase num esforço psicológi-co no cérebro, na mente da pessoa que vai receber essa informação. É mais ou menos a mesma coisa que a gente faz quando conta uma notícia pra alguém na linguagem oral que é a nossa grande mes-tra, né? Então, quando eu conto uma notícia pessoal, alguma coisa que aconteceu com um amigo para outro amigo, eu me coloco na cabeça, na mente, desse refletor. Ao escrever uma narrativa sobre uma realida-de complexa, eu tenho que fazer isso. Eu sou especialista em água, não posso ficar usando os termos técnicos dos especialistas em água, tenho que traduzir aquilo pra um conjunto de pessoas que quer compre-ender e quer transformar o mundo e que não entendem aquilo. Esse esforço didático também tem coisas que sejam atraentes, que tenham vida, que sensibilizem as pessoas acho que é outro elemento.

São pessoas que se dispõem a narrar de alguma forma, a

compreender e narrar um elemento importante para gente

e se dispõe a narrar de forma atraente, de forma popular, de

forma não hermética.

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Pra terminar, esse novo jornalismo precisa de uma nova for-ma de sustentação pela qual a gente tem que lutar também. Ele não é lucro, não é mercadoria, digamos assim, ele deve ser o mais acessível possível. De preferência, ele deve continuar sendo grátis como era o acesso às coisas na internet, à maior parte das coisas hoje. Isso é uma conquista civilizatória que eu acho que a gente deve manter. Você criar um mundo em que a informação, o cinema, a cultura circulam porque é um direito humano e é um prazer humano você contar algo que você sabe. Você compartilhar uma forma de ver o mundo, isso não deve ser vendido, isso deve ser disponível pra sociedade, não deve haver uma barreira, o dinheiro não deve ser a barreira que separa quem vai poder comprar tudo de quem não vai poder comprar. Mas isso significa também que é preciso financiar de alguma outra maneira esse trabalho, porque isso significa trabalho para al-gumas pessoas, algumas horas por mês pra algumas outras que ar-ticulam, que constroem, por exemplo, um site, que constroem uma webTV. Isso exige dedicação moral, isso exige esforço, trabalho. Então, essas pessoas precisam ser remuneradas em condições de ampliar seu trabalho, inclusive. Eu acho que a gente vai cada vez mais descobrir políticas públicas como o financiamento da comunicação comparti-lhada, dessa nova forma de jornalismo. Num certo sentido, isso não é algo totalmente louco. A comu-nicação, desde que existe o jornalismo, foi subsidiada pelas sociedades por meio dos Estados. Inclusive; porque durante boa parte da existência do jornalismo ele não era uma máquina de ganhar dinheiro, era uma máquina de transmitir ideias. Esse trabalho custa e as sociedades todas criaram um mecanismo de associar a comunicação à comunicação de massa, só que não tem ainda hoje pra comunicação compartilhada. O papel do jornal vem ser imposto de importação, a publicida-de dos Estados é essencial pra manter os jornais. Volta e meia quando um grupo de comunicação, parece os bancos, está em dificuldade o estado Brasil, via BNDS, isso aconteceu com a Abril, aconteceu com a Globo, financia, socorre esses grupos. O espaço das emissoras de televisão não é vendido pelo Estado, é utilizado pelas empresas que inclusive cobram do Estado. Por exemplo, a campanha eleitoral gra-tuita, que não é gratuita, o Estado paga os comerciais que os partidos não pagam; as emissoras transmitem, mas elas recebem, os partidos não pagam, mas nós, os cidadãos, pagamos. Quando um governo faz anúncio de uma vacina, vai fazer uma campanha de vacinação, ele tem que pagar as emissoras de televisão.

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Eu calculo que seja de alguns milhões de reais o subsidio que o Estado dá para os meios de comunicação de massa. Nós deveríamos rei-vindicar que cada centavo dado aos meios de comunicação de massa, um centavo fosse dado para os meios de comunicação compartilhada, numa forma muito mais democrática porque a comunicação compartilhada é pulverizada por milhões de pessoas. Eu imagino a gente começar a pensar políticas onde pessoas que têm alguma experiência em produção de blogs, de sites, fossem remuneradas pelo Estado, não só pra produzir, mas pra ensinar, nas escolas públicas essas técnicas que elas desenvolve-ram. Nossas escolas públicas hoje quase todas têm computador e têm computador ligado na internet mas é um desperdício, ou fica trancado porque o diretor acha que a criançada vai estragar o computador. Evidente que fechado estraga por obsolescência mesmo ou os professores, que estão lá, sabem menos aquelas técnicas do que os pró-prios alunos que, pelo menos, sabem fazer uma página no facebook. Muitas vezes, o professor ainda não sabe. Mas esses alunos precisam ser preparados, ter acesso a determinadas técnicas que ensinam a fazer uma boa foto, ensinam a fazer um bom filme. Todo mundo sabe fazer um filme no celular, mas para comunicar bem, algumas realidades, algumas técnicas são importantes. Mas para escrever bem se precisa de algumas técnicas. Para eu contar o que está acontecendo direito em um assenta-mento de Goianésia precisa de algumas técnicas, por exemplo.

Da esquerda para direita: Dona Neide, Clementina, Rafael, Wanderson, Dona Floripa, Ketllyn, Antônio Martins, Palloma, Dona Neuza e Karolyne

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Eu não posso contar de qualquer jeito, mas eu vou publicar melhor se eu ter acesso às técnicas. É uma forma concreta de financiar a comunicação compartilhada. Outra coisa, nós precisamos de cente-nas de laboratórios de formação, todo mundo que está numa escola pública tem que ter acesso ao básico. Mas algumas dessas pessoas - o Brasil é muito rico na comunicação, nas redes sociais - têm talentos especiais, deveriam ver não só nas universidades, mas nas cidades al-guns laboratórios experimentais aonde profissionais pudessem convi-ver com gente que quer aprender um pouco mais. Não é o conjunto dos alunos, mas aqueles que têm mais vocação, que têm mais desejo de fazer isso bem. Eu acho que o próprio comunicador deve ser remunerado, al-guns comunicadores devem ser remunerados pelo fato de serem comu-nicadores. Eu acho que devem ser remunerados pelo Estado com toda a independência. É mais ou menos o sistema semelhante ao que existe em uma universidade pública. O que é uma universidade pública? Ela é financiada pelo Estado, o professor não é obrigado, ele passou em um concurso, houve um processo de seleção que tem que ser melhorado, mas é efetivo e ele tendo sido aprovado por esse processo de seleção, ele é membro nomeado pela sociedade para prestar um serviço que é consi-derado como essencial, é essencial ter uma universidade, não é? É importante pro Estado, e isso não pode ser feito de maneira a evitar o controle político. Eu brinco aqui que às vezes as pessoas falam que isso significa reestabelecer controle governamental, mas é ao con-trário. Quem tem mais liberdade, um professor aqui na sala da UFG ou um diretor da Rede Globo? É evidente que é o professor, porque ele tem mecanismos que são da contratação direta pelo governante, tem me-canismos de ação que permitem filtrar a decisão político partidária e permitem estabelecer sistemas de competência, por que isso não poderia funcionar também com a comunicação? Com jornalistas? Com comu-nicadores? Com produtores de TV? Mas que tivessem dispostos a ofere-cer seu conhecimento, a transformar seu conhecimento em produção de conteúdo jornalístico pra que outras pessoas pudessem fazer o mesmo. Então, eu acho que a gente tem que desenvolver politicamente essa nova forma de fazer comunicação em rede, desenvolver ao longo da aventura aqui. Vocês que são mais jovens terão mais tempo de fazer, desenvolver editorialmente essas novas possibilidades e tem que desenvolver também a luta por financiamento público não governamental, para que a socieda-de reconheça e viabilize materialmente isso. Bom, muito obrigado a vocês e espero não ter tomado muito tempo e que a gente parta dessa conversa para um diálogo, uma cola-boração mais permanente.

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Quem tem mais liberdade, um professor aqui na sala da UFG ou um diretor da Rede Globo?

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“”

Se cria toda uma mística em cima da tecnologia.

Parece que tecnologia é coisa de engenheiro...

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Dalton Martins

Vou procurar ser bem breve, eu queria ressaltar um aspecto que eu acho que é um desafio e acho que a gente pode chamar um pouco

esse desafio para nós que estamos aqui na UFG, em relação com as comunidades com as quais a gente se relaciona e com os projetos que a gente desenvolve e que foi também um dos motivos pelo qual eu conheci o Antônio, pelo qual a gente se aproximou. Que é esse debate sobre a apropriação da tecnologia, eu acho que o Antônio ressalta isso na fala dele em vários momentos, quando ele diz que a tecnologia é uma ferramenta a ser apropriada. E fica evidente que o conhecimento sobre essa tecnologia é algo que nos amplia, que nos dá um grau de liberdade a mais. Quer dizer, na medida em que eu tenho condições técnicas de montar um site, as ferramentas para construir uma forma de comuni-cação que é o que eu desejo e fico menos rendido a uma tecnologia de uma empresa, de um terceiro, ou a tecnologia que alguém me oferta e que não atende muito bem o que eu quero, Mas que é o que tem e que a gente usa porque é o que tem, eu ganho um grau de liberdade a mais. O problema, e eu queria fazer minha breve consideração em cima disso, é que se cria toda uma mística em cima da tecnologia. Parece que tecnologia é coisa de engenheiro, é coisa de pessoal que estuda computação e isso, essa mística em torno de todo esse conhecimento, muito contribui para uma visão de mundo onde as especialidades se constituem em cima de um poder, de um cyber técnico. Como o ato médico, o médico é aquele que pode fazer tal coi-sa. O acupunturista, que às vezes estudou mais tempo para fazer isso, não pode. O que determina esse conhecimento? Eu acho que um dos desafios, ao qual eu venho procurando investir uma parte importante no meu trabalho, tem a ver com isso. A gente criou um projeto cha-mado Meta Reciclagem, a ideia dele era abrir a caixa preta do compu-tador, era mostrar que o computador podia ser montado, desmontado, remontado por pessoas que não eram técnicas, que tinham um conhe-cimento muito mais simplista, do ponto de vista formal da tecnologia, mas que poderiam fazer questões muito mais complexas em relação àquilo. E acho que isso se aplica ao nosso desafio aqui, quer dizer a gente está vivendo um momento, e o Antônio ressalta isso de uma forma muito grande nas redes sociais.

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Mas qual é? Quais são as condições que a gente tem pra usar essas redes, para extrair essas informações, as bases de dados, de trans-parências de vários portais de vários governos que hoje publicam in-formações de formatos inadequados? Quais são as condições que a gente tem de pegar aquela informação, tratá-la e gerar para visualiza-ção sem ser estatístico, sem ser alguém que estuda ciência da computa-çã? Acho que tem muitos desafios em cima disso, pensando um pouco aqui no nosso caldeirão. Quer dizer no que tem a ver com o curso de jornalismo, o que tem a ver como o que a gente faz com a publicidade, o que tem a ver com esse novo paradigma que está posto. Como que a gente sai dessa caixinha? Como é que a gente quebra essa fronteira de trazer possibilidades para formação do jorna-lismo, para formação do projeto de extensão que a gente desenvolve. A tecnologia entra como componente, como usuário. Mas, então, a gente se coloca como usuário, se coloca como criador, a gente tem condição de dominar determinados recursos. Não é porque a gente está numa faculdade de ciências sociais aplicadas que a gente está numa posição menor em termos de conhecimento do que aquele cara que ta lá no INF, fazendo programação de sei lá o quê. A gente cria essas possibili-dades e eu acho que aqui está posto o desafio para incorporar isso da formação dos alunos que frequentam aqui, dos projetos que a gente se relaciona com a comunidade, para que a gente se coloque num lugar muito mais potente, em termos de dizer aquilo que a gente quer, de produzir a comunicação que a gente quer. Então, avaliando por esse prisma, né? Soluções extremamente robustas do ponto de vista das redes sociais como “algoritmos” do Google, “algoritmos” do Facebook, que produzem um corte temático naquilo que eu vejo, que eu não faço podem ser discutidos e confron-tados por pessoas que conhecem como aquilo funciona. Sei confrontar um mecanismo de busca, porque ele faz um corte, é evidente que ele faz. O que eu pesquiso aqui em Goiânia é totalmente diferente do que eu pesquiso em São Paulo, quando eu estou lá. Quer dizer, isso é ruim, isso é ruim, eu quero ter condições de criticar isso. Eu acho que têm questões do ponto de vista da comunicação, que a gente precisa conse-guir manter algumas fronteiras: acho que a possibilidade da gente in-vestir em formações, que tenham como premissa se colocar em outra posição, abrir essa caixa preta da tecnologia e atravessar fronteiras, é um desafio que a gente coloca.

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O Antônio falou a possibilidade da gente aproveitar aquilo que o curso de jornalismo pode fazer para a gente contribuir, de novo, para possibilidades tecnológicas muito mais interessantes. Acho que é um desafio para nós, esse desafio não pode ser respondido apenas pela universidade. A universidade não tem condição para isso, mas ela tem sim - ressalto de modo na fala do Antônio - a universidade tem professores aqui dentro que têm possibilidade de criar projetos nessa direção e investir em pesquisa de conhecimento. Pra isso, todas essas ações têm que ser acessíveis para pessoas fora da universidade; pra pes-soas que não estão aqui dentro, mas que podem ter acesso a esse tipo de coisa. A gente criar a possibilidade de experimentar nesse sentido e, quem sabe, ter a possibilidade de, no futuro, ter cursos que tenham muito mais o poder de potencializar a criação de vocês, das tecnolo-gias que vocês acham que são necessárias para o trabalho de vocês e a gente segue essa condição de usuário, de cliente que muitas vezes a gente se sujeita nesse tipo de relação. Eu queria ressaltar essas coisas que eu acho que é um desafio para nós aqui.

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...talvez nós precisemos, sim, daquela pessoa que se coloca

como mediador da informação e que daquela pessoa se exija

determinadas coisas e das demais pessoas.

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Edson Spenthof

Obrigado, Dalton. Como eu disse, antes de abrir a palavra para o plenário, segundo o que me foi concedido, eu poderia fazer uma

mediação ativa. Eu quero dizer que estava honrado para participar de um debate com gente da Magnifica, fico mais honrado depois das exposições, da exposição do Antônio e o debate proposto e as conside-rações do Dalton. Eu fiquei muito feliz, Antônio, quando você propõe um debate sobre uma nova matriz, uma nova forma de comunicação, um novo jornalismo, inclusive não desconhecendo o contexto e a im-portância do velho jornalismo. Eu tenho sido confrontado com a tese de que a... e eu seria possivelmente um desses defensores, de um jornalismo datado que é do século dezenove e que não se prestou a nada e que não se presta à mais nada. E não é o que você diz dentro de um paradigma novo, pro-pondo um paradigma novo, por isso que eu fiquei feliz, de ver alguém aqui que propõe um paradigma novo e não desconhece que naquele dado momento histórico ele foi uma forma de comunicação humana, a comunicação de massa, extremamente importante e de afirmação da democracia na sociedade. E isso que é importante não esquecer. Quer dizer, a forma de comunicação mediada, forma massiva que é mediada, dos profissionais, que você propõe, de certa forma, de um modo não profissional no sentido estrito. Você propõe o trabalho que a comunicação nova seja também reconhecida como trabalho e que haja inclusive remuneração. Então, todo o resto, todo esse cálculo que eu concordo demais... e esse jornalismo do século XIX se baseia numa democracia do século XIX e que está falido segundo a sua análi-se (análise do Antônio Martins) e também a minha, mas preserva algo que se universalizou e você mesmo aponta pra isso quando você diz “a técnica continua sendo importante nesse novo jornalismo que a gente quer fazer”. Você, Antônio, ressaltou as partes que são fundamentais e eu trabalho isso demais na minha tese, é que poderia sintetizar... Ao usar esse microfone aqui, para falar por um meio que ele seja mais ou menos nocivo, eu não posso usar para o meu interesse. Aqui, sim, nesse momento do debate, eu estou externando uma opi-nião pessoal e nós podemos confrontá-la. Mas o meio de comunicação não pode ser exclusivamente comunitário porque a comunidade é di-versa, ele não é uma coisa só. E, aí, tem um problema que nós temos,

...talvez nós precisemos, sim, daquela pessoa que se coloca

como mediador da informação e que daquela pessoa se exija

determinadas coisas e das demais pessoas.

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não é só um problema das redes, da falta de dinheiro pra sustentar... Eu tenho uma outra tese, que é da cultura porque a maioria dos comuni-cadores, inclusive populares, que usam o microfone, usam no mesmo sentido da comunicação do dono da empresa comercial: “oba, final-mente eu tenho um microfone pra falar o que eu quero”, mas não pra falar o que a comunidade quer. Então, a cultura do egocentrismo precisa ser rompida e re-solvida também na comunicação comunitária, de forma muito séria. E daí surge uma pequena divergência, com a sua colocação ou pelos menos um ponto de vista, talvez uma forma de pensar algo muito pontual, uma forma diferente que tem a ver com a obrigatoriedade ou não do diploma para exercício do jornalismo. Eu defendo, não como reserva, você está absolutamente certo, vocês dois, quando falam da apropriação das tecnologias para que todos nós sejamos narradores, e não há problema em todos nós sermos narradores, não há problema de nas escolas ensinarmos toda a sociedade as técnicas, se é que sabe-mos elas, para que as pessoas se apropriem delas. Mas eu defendo a obrigatoriedade do diploma, porque nós precisamos de um sujeito do qual a gente possa cobrar determinadas coisas, e eu não posso cobrar do cidadão comum todas as coisas. O cidadão comum é um colaborador, é um comunicador, ele comparece na esfera pública e reivindica comparecer na esfera pública com o seu ponto de vista, o jornalista não deve comparecer na esfe-ra pública com o seu ponto de vista, ele deve comparecer com um ponto de vista plural, democrático. É aí que eu entro com a minha desconfiança que, no momento em que nós começamos a pensar que o comunicador popular precisa ser remunerado porque aquilo é um trabalho e é isso mesmo, nós começamos a pensar, “bom, então temos que exigir dele algumas coisas”. Uma postura mínima. E que postura é essa? É a que busca desenvolver um exercício de jornalismo desse da democracia, que ainda é cara e tal, mas que tem alguns aspectos universais, por exemplo o pluralismo, porque sem pluralismo não é construído a esfera pública democrática.

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E, aí, nós começamos a pensar, talvez nós precisemos, sim, daquela pessoa que se coloca como mediador da informação e que daquela pessoa se exija determinadas coisas que das demais pessoas. Se exige, é claro, a ética normal, não mentir, não distorcer fatos e tal. Mas a deontologia jornalística prega outras coisas, tem o compro-misso com a pluralidade que nem sempre o sujeito que fala por si e expõe suas ideias precisa ter. Em resumo, eu não preciso e talvez não tenha o direito de cobrar do cidadão que presenciou um acidente de trânsito e tem o direito de comunicar aquele acidente de trânsito em qualquer ambiente público, ele precisa, ao mesmo tempo, não tenho o direito de exigir dele todos os parâmetros que preciso exigir do jornalista. Porque tem diferentes formas de comunicação, diferentes contratos de leitura. O contrato de leitura que se estabelece entre jornalista e sociedade é muito sério. Por isso talvez precisamos que esse seja o cidadão credenciado que possui a necessidade de diplo-ma pra exercer. Não sei se vocês preferem comentar o que eu disse, fiquem a vontade antes de a gente abrir pro debate.

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DEBATE

Gabriela Marques

Bom dia. Sou jornalista, fui e estou na Magnífica Mundi. Queria aproveitar

para falar sobre esse acesso à tecnologia, e, aí, especificamente internet e rede de celular, porque na Magnífica a gente se depara com as comunidades, que a gente trabalha e que não têm acesso ou a um ou a outro ou nenhum dos dois, e aí a gente, enquanto estudante, enquanto profissional, vê a importância da rádio livre, de saber fazer rádio tanto nas técnicas jornalísticas como saber montar uma rádio, uma ante-na, enfim, todo o aparato. Queria que você comentasse isso e para o Antônio, que se quiser também pode comentar isso, é fa-lar das experiências do Outras Palavras, de três específicas: uma delas é pra falar de como é que você avalia o Outras Palavras desde que vocês colocaram no ar, a susten-tação desses profissionais, como é que vo-cês têm pago, enfim.

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Outra coisa é a experiência, que pelo que eu me lembre, tem duas experi-ências que não é do jornalismo escrito, que é o trabalho que vocês fizeram com aquele edifício Ipiranga no Movimento Sem-Te-to, que ficou muito bacana e que eu nunca mais vi nenhum outro projeto parecido no site e agora vocês estão transmitindo al-guns debates pela internet. Então como é que estão essas experiências fora do jorna-lismo escrito, que pra mim aquela platafor-ma do Ipiranga ficou incrível. E pra comentar também da escola de comunicação, que pra mim, é a parte do site de vocês que tem a linguagem mais acessível assim... Eu sou leitura compulsi-va de vocês, mas pra mim, realmente, os textos do blog são, o que você falou muito dessa questão desse texto acessível, né! E no Outras Palavras que tem uns colabo-radores que são especialistas em algumas áreas e que têm realmente um texto mais pesado, e eu queria que você comentasse da experiência da escola.

Dalton Martins

Bom, acho que tem isso que você co-loca, ser uma experiência que eu tive

oportunidade de acompanhar em algu-mas circunstâncias. Uma das coisas que a gente fazia, quando começou a trabalhar com essa questão de produção de tecnolo-gia, era criar antenas de comunicação wifi usando aquelas latinhas de batata Pringles, é um processo antigo, acho que muitos de vocês já devem ter visto pela internet.

É uma coisa relativamente sim-ples de fazer, mas a ideia era você conec-tar computadores que não tinham acesso à internet, mas que podiam se comunicar entre si, dentro de um quarteirão, de um bairro, e experimentar o que isso gerava que hoje a gente conhece com o nome de Rede Mesh, que é um nome técnico, em inglês, que diz de uma rede que funciona a tecnologia de parapartner, type, mas que não se alimenta da internet. Alguns grupos com os quais cola-boro, fazem isso, por exemplo, na cidade de Porto Alegre, na periferia, onde você tem duzentas, trezentas pessoas usando uma rede mesh. E elas compartilham arquivos e trocam informação, e um deles que tem saída para internet, às vezes, compartilha com os outros. E isso cria a possibilidade de você usar uma coisa que está na base da internet que é a descentralização, não necessariamente conectada a um ponto específico de redistribuição. Você começa a discutir isso, aí tem a legislação, é uma questão complexa dentro desse debate. O saber fazer isso é uma coisa que é acessível a todos nós. Pessoas que fizeram essas oficinas de criação desse tipo de ante-na não eram engenheiros, não eram técni-cos em eletrônica, eram pessoas que esta-vam dispostas a aprender: “como é que eu domino aquilo?”. Então quando eu falo do sentido da desmitificação é porque a gente escuta muito, “ah, linguagem de programa-ção? Ih, isso é coisa pra técnico, isso não é pra mim”. E aí aqueles cursos malucos que, de fato, atendem às necessidades de pessoas que estão fazendo escola de com-putação... Será que a gente não é capaz de inventar um curso novo de programação que atenda a comunidade, por exemplo, de vocês? Eu tenho certeza que é.

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Primeiro que isso não é inovador, têm vários países no mundo que já fizeram e fazem isso, agora é a questão da gente in-corporar e reduzir a possibilidade da gente achar que isso é coisa do outro; “eu não tenho capacidade para isso”. Eu tenho! Mas cabe a nós inventar o como fazer e se adap-tar a isso. Então eu acho que têm questões, por exemplo, de antenas de rádio. Eu fui da Unicamp, eu estudei lá, e eu estive um tempo trabalhando junto com colegas da rádio Muda, e colegas que foram, inclusive, conceder, no início da gestão do Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultu-ra, um programa de cultura digital. A gente criava, a gente criou várias coisas: um quite de cultura digital que era todo baseado no sof-tware livre com computadores que poderiam permitir esse tipo de coisa; a gente ia criando oficinas de comunicação, que tinham que tra-balhar a questão de produção da tecnologia. Aí entra essa discussão, quer dizer, o que você pode produzir com uma antena? Quais são os equipamentos? Como é construído? Qual é a questão da legislação em cima disso? Como é que a gente faz esse debate? Esse é um debate muito complexo porque não é só técnica, têm várias outras coisas que envolvem, do ponto de vista político e social, uma questão como essa. Mas acho que o ponto que eu quero insistir é que a gente tem condições de dominar essa tecnologia, no sentido de se apropriar dela e modelá-la como a gente entende que ela deve ser. E, aí, trabalhar numa direção que nos dê um grau de liberdade maior. O meu processo todo, aqui na própria UFG, está muito baseado nesse tipo de coisa. A minha ideia é desenvolver trabalhos nessa direção, acho que a gente fica a disposição para conversar mais sobre isso também.

Antônio Martins

Queria enfatizar essa possibilidade. Vocês deveriam aproveitar, pegar o

Dalton pela palavra, ele vai gostar... Porque eu estava conversando com ele, tem um campo de intersecção enorme entre o tra-tamento de dados e o jornalismo, e quase nunca é explorado. E uma pessoa como o Dalton é totalmente aberta a essa explora-ção. Muitas vezes se acha que capturar da-dos de uma base é um trabalho basicamen-te de processamento de especialistas, mas a questão essencial é a pergunta que você vai fazer pra base. E pra essa maçaroca de dados que, em geral, não significa nada, fa-zer essa pergunta é dar condições de cortar a base e de começar, num certo sentido, a torturar a base e tirar aquela informação que você precisa, porque ela sozinha não te diz nada. É uma maçaroca de números, então você precisa saber. Responder é fácil, o mais difícil é fazer as perguntas certas. O Outras Palavras, Gabriela, mui-to obrigado, porque eu vejo que realmente você conhece o site pela sua pergunta. Sus-tentação. Primeiro que o Outras Palavras é, hoje, um projeto muito barato, muito mais do que deveria ser. A equipe é muito pe-quena, é constituída, além de mim que sou o editor, por uma jornalista redatora que trabalha 4 horas por dia e por dois estagi-ários que também trabalham 4 horas por dia. O nosso segredo é fazer um esforço muito grande com essa equipe muito pe-quena pra articular uma rede de colabo-radores, que tem umas duzentas pessoas hoje. São eventuais, não são colaboradores regulares, alguns sim, mas a grande maio-ria são colaboradores eventuais. Um traba-

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lhão, mas a gente desenvolveu certas técni-cas que a gente trabalha muito também. E a gente faz parte de uma rede de publicações internacionais. Boa parte do material do Outras Palavras é material traduzido dessa rede. Tem uma rede de tradutores voluntá-rios também. Então, a gente trabalha mui-to com isso, é uma equipe muito pequena e que articula uma rede bem maior. A sustentação é feita hoje, basi-camente, de três formas: nós temos um pouco de publicidade, que deve significar mais ou menos 30% da nossa receita; nós temos, de vez em quando projetos. A gen-te já foi ponto de cultura, hoje não somos mais, porque o ponto de cultura terminou e o pontão de cultura está em uma crise do ministério da cultura que não acaba nunca mais. E tem, infelizmente, a principal for-ma de sustentação que ainda é o freela, ou seja, a gente trabalha pra trabalhar. Então, muitas vezes não tem dinheiro, você pega outro trabalho pra fazer, pra poder fazer o Outras Palavras. É ruim, é bem ruim por-que representa uma carga de trabalho a mais e te tira daquilo que você deveria es-tar fazendo, mas faz parte da batalha hoje. Nós vamos fazer cinco anos em março do ano que vem (2015), acho que quase sem-pre a gente trabalhou nesse esquema, de-pendendo de trabalhos outros. O Ipiranga 895, que é um web do-cumentário, é um formato híbrido. Lá tem um conjunto de reportagens que envolve vídeo, fotos, entrevistas sonoras e texto es-crito, encapsulado, digamos assim, numa caixa que é a foto de um prédio que foi ocupado no centro de São Paulo. As re-portagens são sobre essa ocupação. Vale a pena realmente ver. Mas ele foi possível porque ele era fruto de um desses projetos, que era do ponto de cultura.

O trabalho do ponto de cultura é montar uma escola livre de comunicação compartilhada. Nós estamos concorrendo em outro edital para retomar essa histó-ria, mas enquanto durou, além do trabalho normal que a gente fazia, a gente montou uma equipe de vinte pessoas, mais ou me-nos, que ia no Outras Palavras uma vez por semana, participava de seminários, de formação sobre o jornalismo na era da comunicação compartilhada e, num deter-minado momento, se dispôs a trabalhar em conjunto na produção desse web do-cumentário. Então, era uma equipe a mais. Nós não temos condições... Isso é traba-lhoso, tanto a produção das reportagens, quanto a programação que foi necessária para criar o web documentário. Tudo isso foram outros braços, não os nossos braços. Nós não temos condições de fazer isso, en-tão esperamos voltar a fazer a partir do mo-mento que a gente consiga outros projetos. E a escola funcionou assim. E nós queremos muito. Nós estamos meio en-louquecidos e queremos fazer isso, mesmo que a gente não ganhe esse edital. A es-cola, como disse a Gabriela, alimenta uma parte do Outras Palavras, que é um blog de textos mais curtos. A gente quer criar um projeto que já existe embrionariamen-te, quem quiser depois pode me mandar o e-mail que eu passo pra vocês. Chama-se Pautas Abertas. É assim, de vê não dá pra fazer regularmente porque não sobra mui-to tempo, mas a ideia é que seja regular. É o seguinte: a gente conseguiu construir um conjunto de fontes muito ricas, tanto brasileiras quanto do exterior, de informa-ção. Essas fontes nos dão possibilidades de produzir um número enorme de pautas e de compartilhar essas pautas com quem queira desenvolvê-las, transformando em matérias que são publicadas depois pelo

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Outras Palavras. O problema é que isso dá um trabalho muito grande porque a gente não se limita a sugerir a pauta, a gente acha que é preciso criar um padrão de qualidade num certo sentido para o material produzido. Então, muitas vezes a gente propõe a pauta, alguém a faz, faz a matéria e a gen-te tem observações; faz questão de fazer es-sas observações sobre a matéria, porque a gente acha que é preciso fazer esse esforço muito grande, dar profundidade. Muitas vezes faltou apurar um determinado as-pecto que é central. Às vezes a informa-ção daquela matéria essencial estava lá no final. E no final dessa história, de resgatar as técnicas que foram desenvolvidas pela humanidade durante trezentos, quatrocen-tos anos é importante. Agora, dá trabalho, fazer isso para cada matéria que a gente re-cebe dá um certo trabalho. A gente preci-sa, de alguma maneira, criar uma condição melhor de expor de tempo pra fazer isso. Mas a escola é essa, nós queremos desen-volver essa ideia. Os nossos colaboradores tradicio-nais do site e revista Outras Palavras são pessoas já formadas, são, em geral, pro-fessores universitários que contribuem so-bre assuntos específicos. Mas a gente quer também, em outro nível, formar estudan-tes de jornalismo, até de outras áreas, que tenham interesse em se apropriar dessas técnicas e acompanhar determinados te-mas específicos. Então, nós achamos que isso é vital. É uma contribuição que a gente quer realmente dar para a expansão do jor-nalismo em profundidade da comunicação compartilhada, mas isso exige horas de tra-balho, gente, fazendo isso nós não estamos conseguindo, mas vamos conseguir. Tá funcionando experimentalmente. Eu vou já deixar o meu e-mail que é o [email protected] . Se vocês quiserem, es-

crevam! Essa experiência tem funcionado esporadicamente, tem sido cada vez mais frequente, mas é bacana, vale a pena.

Angelita Lima

Convidei a Del aqui pra vir falar, ela disse que depois vai fazer uma per-

gunta. A Del é de Alto Paraíso, professora da comunidade de Sertão. É uma presença muito honrada aqui para nós. As meninas, aqui do cordão de frente, são do Oziel, um dos maiores assentamentos do Brasil, com seiscentas famílias. E o pessoal está aqui também participando desse debate. Alguns dos meus alunos de Jornalismo Literário, alguns calouros, enfim... Nesta terceira semana da Jornada Magnífica, que nós começamos, viu Antônio, discutindo democracia. E foi muito interessante a sua abordagem com vínculo ainda com a de-mocracia. Nós começamos com o profes-sor da História discutindo a democracia, e agora a gente vinculando essa questão da crise do jornalismo. É a crise das comuni-cações, é a crise do paradigma da demo-cracia também; e isso é muito importante para nós porque é o passo que nós estamos querendo dar. Nesse sentido, as duas inter-venções foram muito importantes e eu vim aqui na frente, não para fazer uma pergun-ta, mas para anunciar que nessa Jornada Magnifica, além de encontrarmos o Antô-nio, nós encontramos o Dalton, e que foi muito importante. Eu e o Dalton já começamos a de-senhar uma disciplina em formato de nú-cleo livre, pensando nessa perspectiva da gestão da informação e do jornalismo de dados. Para formar jornalistas capazes de

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tratar os dados, “torturar” os dados, e que é muito importante nesse momento. Então, a gente está dando esse passo que é um passo interdisciplinar, transciplinar. Ele é fundamental para nós que estamos que-rendo, porque a experiência de vocês lá no Oziel, o tamanho daquele assentamento, é fundamental isso. E, aí, esses meninos têm que ter as técnicas, porque quando eles vão lá dar as oficinas eles têm de ensinar tam-bém. Porque quando a rede de vocês fun-cionar lá, não vai precisar daquela coisa: “a internet caiu”, “tá tudo ruim”; melhora tecnicamente. Queria informar que nós temos dois projetos de extensão PROEXT em ati-vidade: o Berra Lobo e o Terra Encantada. O Berra Lobo trabalha com o pessoal do Oziel e o Terra Encantada com o pessoal de Alto Paraíso, no Sertãozinho. Ou seja, é a universidade, é a academia, é o conhe-cimento, é o financiamento público, é o PROEXT. E é essa relação que a gente está construindo aqui. E pra nós, da turma de jornalismo literário, que a gente está discu-tindo que escrever um texto atraente não é uma técnica que você lança mão, mas, na verdade, é uma concepção de mundo, não é a última parte, é a primeira parte, a concepção do texto. Então, tudo isso aqui acho que faz um casamento geral do que é a proposta e o que a Magnífica Mundi está fazendo conosco, aqui, nessa jornada.

Elisama Ximenes

Na verdade são duas perguntas. A pri-meira é para o Antônio, porque o

tema é o novo jornalismo, que a gente vem

falando todos os dias e tudo mais. Durante a sua fala você falou, na verdade, de uma retomada. E o jornalismo que veio na mi-nha cabeça é um jornalismo que surgiu da burguesia, um jornalismo que sempre foi capitalizado. Eu queria entender o que é essa retomada; retomar o quê, de onde? E a outra pergunta, que eu acho que os três podem responder, é com re-lação a esse paradoxo de você possibilitar os narradores sociais, que é o que a gente faz, tanto no Berra Lobo quanto no Ter-ra Encantada. Porque querendo ou não o pessoal faz jornalismo quando você faz um programa pra web-rádio e tudo mais e, ao mesmo tempo, você valorizar o diplo-ma do jornalista. Porque eu entendo que o jornalismo implica numa responsabilidade social que a gente não pode exigir de um narrador social. Então, como a universida-de pode lidar com esse paradoxo?

Mariza Fernandes

Bom dia a todos! Meu nome é Mari-za, eu sou ex-aluna de jornalismo da

UFG, sou membro da Magnífica Mundi e agora sou aluna do mestrado em geogra-fia aqui do IESA. A minha pergunta tem um pouco a ver com a pergunta da Elis. Pra você a pergunta, Antônio. Do ponto de vista da possibilidade da democratiza-ção da comunicação que as redes e as no-vas tecnologias trazem, eu lhe pergunto se essa possibilidade ela não necessita de que, antes, se exija uma situação de cidadania plena, porque, pelo que você falou que o jornalista tem que ter essa possibilidade de compreender criticamente os fatos e narrar, o que a gente tem feito é muito no

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sentido da possibilidade de narrativa e de democratização da técnica. Mas essa ques-tão da consciência crítica, eu acho que a comunicação sozinha e o nosso trabalho aqui não consegue dar conta disso, então a minha pergunta é muito nesse sentido, do quê que você vê como possibilidade a respeito disso?

Antônio Martins

Essas questões são para livros (risos). Elis, é que o jornalismo, principal-

mente brasileiro tradicional, decaiu tanto e se tornou tão partidário, no mal sentido da palavra, que a gente já quase não vê a utilidade dele, mas é falso isso. Ainda que ele seja muito marcado por interesse de classe, ele expressa alguma coisa que é a necessidade de informação pública sobre temas públicos que nós precisamos fazer muito melhor. Mas, nós precisamos fazer a partir de algo que foi criado pela huma-nidade há trezentos anos e desenvolvido pela humanidade. Por exemplo, talvez um dos intelectuais mais críticos dos meios de comunicação tradicionais seja o Noam Chomsky, linguista norte-americano, co-nhecido porque é o autor da sociedade do consenso, no qual ele mostra como os jor-nais tradicionais fabricam falsos consensos e tornam possíveis certas políticas que são totalmente nocivas para a maioria, porque atende à interesse de classe, do poder eco-nômico daqueles que tem, da burguesia, como você falou. No entanto, outro dia, ao comentar o declínio dos jornais dos Estados Unidos, que são muito melhores do que os nossos,

ele dizia: “isso vai abrir uma lacuna terrí-vel para a sociedade, porque por mais que o The New York Times distorça a realidade, ele cumpre um papel indispensável de me trazer informações que eu tenho como filtrar, inclusive, porque eu tenho também a técnica que a sociedade desenvolveu que é a análise crítica dos meios de comunicação”. Mas sem você ter um trabalho, num certo sentido de alta técnica, como é que você pode saber con-cretamente o que está acontecendo hoje na Síria? Como é que você pode saber o que está acontecendo no debate sobre o uso da matriz energética brasileira? Então, é claro que o interesse de classe deturpa muito, mas nós não deve-mos achar que uma sociedade sem esse jornalismo seria melhor do que com esse jornalismo, porque ela significaria uma so-ciedade onde o poder toma todas as deci-sões e o conjunto das pessoas não tem a mínima condição, nem de saber o que o poder tá fazendo, nem de saber a realidade que a gente está vivendo. Então, por isso, que eu digo que não se trata de inventar uma coisa completamente nova. Durante quatrocentos anos, o jornalismo foi se de-senvolvendo de modo muito contraditório, de modo muito imperfeito técnicas impor-tantes de contar a realidade social para a sociedade. E nós precisamos nos apropriar, as-sim como a gente precisa se apropriar da tecno-logia, sabendo a maldade, digamos assim, que há por trás dela, mas sem desprezá-la. Nós também precisamos nos apro-priar dessa técnica jornalística, melhoran-do e livrando-a, tanto o quanto possível, dessa submissão de classe que ela tem. En-tão, pra gente não achar também, pra gen-te não pensar que a gente tá começando do zero, que não teve outras pessoas antes da gente que também tiveram de enfren-tar essas deformações, essas contradições,

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essa dominação de classe, mas que conse-guiram construir maneiras interessantes de contar. São conquistas, são conquistas literárias num certo sentido. Você escrever um texto de duas páginas, que muitas pessoas vão poder ler, sobre o que está acontecendo com o plano nacional de banda larga - que eu suponho que já não esteja acontecendo - mas sobre como poderia ser um projeto pra tornar as nossas cidades digitais acessíveis para to-dos. É contar isso e saber que teve gente antes que fez isso, que desenvolveu técni-cas pra isso. Isso não exclui, em nada, a gente criticar a deformação, a manipulação muitas vezes que se faz. Mas o jornalismo sobreviveu tanto tempo porque, apesar da manipulação, ele continua; assim como a gente poderia falar, do direito, por exem-plo, que transforma as nossas sociedades e é utilizado como ferramenta para fazer a sociedade da desigualdade. Mas, a ferra-menta direito, como mediação das relações humanas, nós não vamos abrir mão dela, nós precisamos nos apropriar e livrá-la do sentido da dominação de classe, mas sem esquecer que isso é uma conquista da hu-manidade. Sem desprezar isso, porque se a gente desprezar é aí que vai ficar estagnado.

Mariza Fernandes

Como é que o Outras Palavras se liga nessa questão de democratizar

a comunicação?

Antônio Martins

O problema é que não tem como espe-rar a constituição de uma cidadania

plena. A cidadania plena vai vir a partir da nossa luta. Uma coisa que é importantís-sima hoje é o acesso às bases de dados, o acesso à informação; tem leis que nem sem-pre são respeitadas, mas que são importan-tíssimas e tem o esforço grande para tornar público os dados de muitos entes governa-mentais, e a gente pode se apropriar disso. Agora, eu acho que o jornalismo essencial para uma cidadania cada vez mais avança-da, e isso é muito difícil, inclusive, e muito estimulante ao mesmo tempo. Porque, veja só, entrando nessa questão da democracia, as pessoas não se sentem mais representa-das pelas instituições tradicionais; a grande maioria das pessoas não está vinculada à po-lítica, não mais por meio de partidos. As pessoas formam uma galáxia muito complexa, mesmo as pessoas que pensam de forma parecida, mas cada um de nós se interessa por temas muito distin-tos. É preciso informar todos esses temas, é preciso informar todas essas lutas, todas essas campanhas e é preciso utilizar essas técnicas que a gente desenvolve e debate desde já. É esse utilizar dessas técnicas que vai conquistar graus de cidadania, graus de democracia mais intensos, democra-cia, já na expressão do Boaventura, cada vez de mais alta intensidade. Isso não vai cair de mãos beijadas, isso vai vir a partir de muita luta e muito esforço intelectual, inclusive, para gente dominar esses dados; para a gente ter acesso às informações que o poder quer esconder de nós; para gen-te decifrar essas informações e contar de

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maneira atraente e popular. Então, eu con-cordo muito com você, que isso sempre vai ser imperfeito, que faltam direitos, mas eu acho que é nossa ação que vai construir essa sociedade.

Edson Spenthof

Bom, como eu fui perguntado também, eu volto a dizer. Vejo que nós temos

muito mais proximidades em nossas aná-lises do que, teoricamente, divergências. Respondendo à pergunta da Elisama, que jornalismo é esse que nós queremos res-gatar? É esse que tá imperfeito, como disse o Antônio, e nasce contraditório. Normal-mente o jornalismo informativo é contra-ditório, ele já nasce como negócio e como, entre aspas, “provedor de um direito fun-damental”, que tá escrito nas primeiras declarações dos Direitos Humanos, que é o acesso à informação. Ele é tanto social, como público, quanto é privado. Desde o início, é uma contradição fundamental. Como é contraditório o nosso sistema de-mocrático, como é contraditório o nosso sistema econômico, nós estamos inseridos nesta cultura. Um dos maiores teóricos, segundo maior teórico do jornalismo do mundo, é um brasileiro, Adelmo Genro Filho. E ele diz “olha, o nosso jornalismo, que surgiu dessa forma, ele é majoritariamente capita-lista e majoritariamente atende aos interes-ses das grandes corporações capitalistas”. Mas ele não é só isso. O dono da empresa se posiciona como um liberal, para ser um liberal ele tem que abrir espaços para con-tradições, tem que noticiar a fome, esse é um exemplo dado pelo Adelmo, inclusive.

Ao noticiar a fome, nós podemos ler essa notícia da forma como o mal estrutural da sociedade, não só um mal conjuntural, nós podemos fazer uma reação a isso. É o que o Antônio estava dizendo... Eu não sou li-beral, mas nós temos que reconhecer que o liberalismo nos deixou alguns valores que se tornaram universais: a liberdade, a igualdade. E qual é o valor mais caro ao jornalismo? A igualdade! A pluralidade de versões sobre os fatos. Eu não vejo como pensar uma nova realidade, um novo jornalismo, den-tro de uma comunicação compartilhada, da apropriação da tecnologia, abrindo mão desses valores fundamentais e que não são técnicos apenas. A técnica é fundamental para narrar de forma interessante, de for-ma eficaz e tal. Mas os valores éticos, aí concordo, há uma ética universal, mas há uma aplicação da ética às questões especí-ficas. E aí vem a questão da especificidade, quer dizer, quem investiga o fato? A quem nós vamos delegar a atividade de investigar fatos que estão obscuros? E com quais cri-térios? Com quais métodos? Que exigên-cias nós vamos fazer a ele? Vamos exigir do comunicador popular que faça isso? Com quais recursos? Mesmo que paguemos, ele vai ser um comunicador popular que vai fazer isso, provavelmente, junto com outras ta-refas do dia a dia. Se não for assim ele vai ser um profissional do jornalismo. Veja: não é diferenciar em termos de status, é di-ferenciar em termos de compromissos, em nome da sociedade, em nome da qualidade da informação. Claro, nós temos jornalista formado que faz péssimo jornalismo, mas qual é a culpa da universidade? Bom, a universidade, de certa for-ma, não ensina bem e pode não ensinar bem o comunicador popular. Mas aí vira

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questão da regra e da exceção, vira questão de “então tá, não tá bom, então vamos jogar fora, junto com a água do banho, o bebê?” Não, vamos preservar o bebê e jogar a água suja. A ideia da democracia, a ideia de, no caso do jornalismo, uma profissionalização eficiente, que esteja a serviço da sociedade, ela tem que ser preservada. E como exigir isso? Como fazer que isso funcione? Credenciando determinados atores sociais como mediadores. Não como uma casta superior. Para exercer, por exemplo, dar carteirada num estádio de futebol, por-que ele é maior, é melhor, está acima. Não, ele está posicionado diferente, mas a servi-ço da sociedade necessariamente, se não, não é jornalismo público. A parte pública do jornalismo prevê isso. O que nós quere-mos é eliminar a parte privada do jornalis-mo, essa ficou ruim. O meu sonho é o sistema público de comunicação de massa. Que não esteja a serviço do governante e que não esteja a serviço do interesse privado. Como cons-truir isso? É um desafio muito grande. E público em geral, tanto comunicação de massa, como comunicação popular. Eu não vejo contradição, não vejo paradoxo nisso, porque estamos defendendo a mes-ma ideia, estamos defendendo o direito do cidadão à informação e o direito deles narrarem a sua história. Por isso, não vejo contradição em defender a obrigatoriedade do diploma para um certo grupo de pro-fissionais, desde que se exija determinados conhecimentos técnicos, determinada pos-tura. E vamos cassar, inclusive, o registro dele, que significa tirá-lo da profissão, por isso nós defendemos o conselho profissio-nal do jornalista. E se diferencia do outro, que tem o direito de narrar o seu presente, mas nós não temos o direito de cassar registro ne-

nhum dele. Vou cassar o quê? Registro de cidadão? Não, ele é cidadão por natureza, ele é ser humano comunicador por nature-za. E devemos ajudá-lo a comunicar. Con-cordo plenamente com isso, de se apro-priar da tecnologia e ensiná-lo o máximo possível. Nós não temos que cassar nada dele, exigir nada, claro, exigir a ética que é comum. Agora, a investigação de um fato obscuro, quem faz isso? Com que regras? Com que critérios? A quem nós vamos de-legar isso? Como é que nós vamos perceber quando essa pessoa não faz corretamente? Eu quero usar até o próprio exemplo do Antônio, a gente dá uns pitacos no mate-rial dos colaboradores, por quê? Porque a gente sente a necessidade, de dar um trata-mento a isso.

Dalton Martins

Acho que só pegando a questão da for-mação que você colocou, tem-se certa

dificuldade do próprio sistema acadêmico constituído, quer dizer, você tem um siste-ma onde o discurso muito se incentiva da interdisciplinaridade, da colaboração entre áreas etc. Mas, na prática, isso está, de uma maneira, atrelado ao sistema de avaliação. Quer dizer, eu sou avaliado por determi-nados aspectos, que, se eventualmente, eu for colaborar com outra área talvez eu seja menos produtivo. É um universo super complexo. Eu acho que, o que vai ficando claro do que a gente está falando, é que es-sas novas tendências vão apontando para novos conhecimentos. Dá pra perceber que com aquilo que eu sei hoje, eu sei mui-ta coisa. Não cabe a nós desqualificar isso que você sabe hoje, mas cabe a nós apontar

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que novos conhecimentos são importantes. Como que a gente vai trabalhar esses novos conhecimentos se muitas vezes eles estão isolados? Você não tem como acessar aquele conhecimento, porque a formação daquela pessoa que está te ensinando não dá acesso àquilo. Então, a necessidade da gente produzir isso é algo muito complexo. Um exemplo bem breve pra vocês, que é o meu próprio caso, eu sou formado em en-genharia e tenho doutorado em ciências so-ciais aplicadas; tem um monte de concurso que eu não posso nem prestar, porque eles exigem que eu seja formado em uma coisa e tenha doutorado na mesma coisa. Pô, mas pera aí, se eu quiser fazer um caminho que é juntar A com B, não posso? Agora, aqui, eu entrei e estou ten-tando criar, acho que o que a professora Angelita trouxe aqui, é isso... A gente está tentando criar um curso novo. É uma ten-tativa, não sabemos para onde ela vai, mas nos anima, nos inspira essa possibilidade de discutir jornalismo de dados. Eu acho que vocês têm que ter conhecimento de estatís-tica, como é que não vão ter? Como é que um jornalista, se ele quiser produzir um gráfico para ilustrar determinado aspecto, para mostrar um conceito, pra fazer um in-fográfico, como é que ele vai fazer? Ah, tem que pedir para o cara do banco de dados fazer, mas, aí, o cara não entende daquilo, você não sabe como pedir... Tudo bem, você não vai modelar banco de dados para fazer uma solução téc-nica, mas você pode pegar uma planilha, tratar um conjunto de dados, gerar um in-dicador, calcular uma média, analisar isso aqui... Então, cabe a nós inventarmos esse jeito de ensinar. Como é que a gente ensi-na isso? Respeitando a formação de base de vocês, que não é a formação de uma pessoa que vai estudar cálculo, porque você não vai

fazer prédio, você não tá preocupado com isso. Como é que se apropria desse conhe-cimento e o traduza de uma maneira que você entenda. Então, eu acho que é esse de-safio que está posto pra gente. Eu entendo quando você fala do paradoxo da formação, eu acho que é uma questão complexa, mas acho que tem tan-tos caminhos de inventividade pra gente criar coisas assim. É tão amplo o que a gen-te pode fazer, a partir deste lugar que é a universidade, que eu acho que a gente nem esgotou 10% das nossas possibilidades; a gente pode criar muita coisa. Recursos exis-tem, caminhos existem, a gente tem que ter criatividade para pular a cerquinha. Então, acho que tá na nossa mão isso e digo isso, inclusive, do movimento estudantil, porque os alunos reproduzem isso, quando defen-dem o seu curso. Cabe a nós ter essa pos-tura de atravessar a rua e se encontrar num espaço comum e produzir coisas novas.

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A extensão e o currículo Jornalismo para além da sala de aula

Ensino pesquisa

ALLEGRO

CONFERÊNCIA Giselle Ottoni, Luciene Dias Sandra de Deus | DIAGRAMAÇÃO Elisama Ximenes e Lucas Botelho

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A extensão e o currículo Jornalismo para além da sala de aula

pesquisa Extensão

CONFERÊNCIA Giselle Ottoni, Luciene Dias Sandra de Deus | DIAGRAMAÇÃO Elisama Ximenes e Lucas Botelho

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Sandra de Deus

Quando recebi a proposta desse tema para o debate na Jor-nada Magnífica, questionei a minha competência para

abordar a complexidade que exige uma fala sobre extensão e jornalismo em um momento em que estamos engajados na luta para inserir a extensão como créditos em todos os cursos de graduação. Fiquei dividida entre a ousadia e o bom senso. Se a ousadia me fez aceitar a proposta conhecendo a trajetória ex-tensionista do Curso de Jornalismo da UFG, necessito ter bom senso e cuidado para falar sobre a experiência da extensão uni-versitária no Brasil.

Precisamos, desde já, compreender que a extensão não é um território de simples transmissão do conhecimento, de um saber apaziguador, confortante para a sociedade e para a univer-sidade. A Extensão também, no dizer de Mario Chagas, não é um território para compensação de algumas culpas. Mas nem o jornalismo é o lugar da acomodação, do deixar a vida me levar.

A extensão não é uma forma em que os integrantes da co-munidade universitária aliviam suas tensões porque o conviver ou viver em comunidade implica a aceitação da tensão. O mesmo acontece com o jornalismo. Nele atuamos em tensão permanen-te, seja pela pauta que se cumpre seja pelo deadline que aperta o final da jornada. E aqui eu preciso buscar um conceito e uma lei. Primeiro o conceito de extensão universitária definido pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de Extensão (FORPROEX):

A Extensão Universitária, sob o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é um processo interdiscipli-nar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre Uni-versidade e outros setores da sociedade.

E agora a lei que é o Plano Nacional de Educação, (2014-2024) que em sua meta/estratégia 12.7, prega:

assegurar, no mínimo, 10% (dez por cento) do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universitária, orientando sua ação, prioritaria-mente, para áreas de grande pertinência social.

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Compreendo a extensão como um local de atuação simbólica, cultural, social...“ “

Então, aqui preciso fazer uma crítica necessária e responsável à formação de jornalistas em nossas universidades. Evidente que ela se dá a partir do olhar viciado, comprometido e bastante preocupa-do de uma professora em final de carreira e que ao longo dos anos se sente responsável pela formação de muitos jornalistas. Excelentes jornalistas. Compreendo a extensão como um local de atuação sim-bólica, cultural, social e, por esta razão, ela constitui corpo e alma dos cidadãos que vivem na sociedade, em que a universidade está inserida. Vivemos um bom momento quando estão aprovadas as novas Diretrizes dos cursos de Jornalismo. Esse é o momento ideal para pensar o jornalismo além da sala de aula. Na sociedade. Nos movimentos sociais. Na prática diária da vida. No cotidiano dos cidadãos e não apenas dentro das redações.

Quem aqui participa de ações de extensão como bolsista ou quem aqui coordena ação de extensão como professor? Temos dis-torções assustadoras porque como jornalistas ou futuros jornalistas somos críticos à atuação da universidade, críticos aos governantes, críticos a tudo e a todos. Mas, como estamos atuando? Porque não saímos para fora da sala de aula para exercer jornalismo de verda-de e fazer acontecer. Porque não fazemos extensão universitária? Porque não damos a cara a tapa para a sociedade dizer: olha, o que vocês estão fazendo não tem o mínimo interesse para nós. Não vai a lugar nenhum!

Para nós, jornalistas é muito importante atuar com outras áre-as e a extensão defende em seus princípios a interdisciplinaridade. O jornalista atua a partir do conhecimento superficial que tem de outras áreas profissionais. Não somos isolados e só existimos na re-lação com o outro. No jornalismo ou na Extensão. É verdade que alguns cursos de graduação têm um diálogo mais próximo com as

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comunidades. Não é o caso da maioria dos cursos de jornalismo que sempre se colocaram distantes da prática em comunidade. Há formação para jornalismo. Há formação para pesquisadores. Há for-mação para profissionais de ensino. Mas não se fala em formação para extensionistas. Este, por acaso, é um aprendizado que vem de berço? Esta é uma opção política? Antes de tudo é preciso entender que esta é uma tarefa necessária da universidade sob pena de ela (a universidade) perder o tempo da história e se tornar desnecessária para a sociedade.

Extensão e jornalismo andam juntos quando compreendemos a existência de muitas fontes não oficiais, a possibilidade de atuar em um cenário com interlocutores empoderados e excluídos, a ca-pacidade de contar e recontar histórias. E aqui se exige do jornalista e do extensionista, pelo menos, três saberes: do reconhecimento, do procedimento e da narração.

Reconhecer os acontecimentos que possuem valor notícia confere ao jornalismo o poder de decidir quais acontecimentos irão adquirir importância pública. Reconhecer quais questões sociais possuem interesse público confere ao extensionista o poder político de definir as formas de atuar em comunidade. A capacidade de do-minar técnicas jornalísticas de apuração e seleção dá ao jornalista a capacidade de saber como proceder em relação aos acontecimentos. O trato cuidadoso ao proceder em relação aos saberes da própria comunidade dá ao extensionista a competência para realimentar a própria universidade.

A capacidade de narrar, no tempo da produção noticiosa com domínio da linguagem, de suas regras e seus suportes dá ao jor-nalista condições de passar para a sociedade a realidade dos fatos. Sistematizar as experiências vividas para que outros possam saber os passos da caminhada confere à extensão universitária um caráter formativo de extrema importância. Nesse sentido, considero que são nossos desafios para enfrentar esse tema:

•Compreenderaextensãocomoconstrutoradefuturoeco-nectora de comunidades;

•Entenderqueaextensãofazapontecriadoraentreuniversi-dade e sociedade;

•AproveitarasnovasDiretrizesdoJornalismoparareformu-lar por completo o currículo inserindo créditos de extensão e per-mitindo aos estudantes de jornalismo terem uma atuação efetiva na sociedade que no futuro será o local de trabalho dos jornalistas.

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Por fim, preciso confessar que tenho muita esperança na extensão e no jornalismo. Acredito no jornalismo como o grande suporte de emancipação da sociedade. Acredito na extensão como a única possibilidade da universidade se fazer necessária na sociedade.

Giselle Otoni

É uma honra para mim estar nessa mesa ao lado da Pró-reitora de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,

professora Sandra de Deus, que, por uma gestão que acabou semana passada, foi presidente do nosso fórum dos Pró-reitores de Extensão das Universidades Federais Brasileiras. Honra por estar também ao lado da Luciene, que é Coordenadora da FIC e que assumiu agora uma importante missão com a Coordenação de Ações Afirmativas da UFG.

Estamos em uma ação de extensão debatendo junto aos es-tudantes, professores e também aos membros das comunidades que trabalhamos. É muito importante quando a gente trabalha junto ao construir a extensão, porque a universidade tem muito a aprender quando entra em contato com as comunidades, acampamentos, as-sentamentos.

Bom, resumindo, o tema dessa mesa redonda é a extensão como parte da formação do estudante. E nós sabemos que o estu-

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dante que entra no ensino superior precisa ser bem formado (tam-bém como cidadão), porque ele vai sair daqui, vai trabalhar...

A universidade realiza pesquisa. Vocês sabem que a univer-sidade precisa criar, gerar conhecimento, e isso também é feito por pesquisa, então os professores que fazem parte da univer-sidade realizam pesquisas, e ela não é separada do ensino. Para um estudante ser bem formado, ele não pode apenas assistir aula, se ele só assistir aula ele vai ser instruído, mas não vai ser formado. O professor que só dá aula não consegue conhecer tão bem os problemas que estão fora da universidade como os que estudam aqueles problemas, fazem pesquisas daquele assunto. A aula dele é melhor qualificada quando ele estuda, faz pesquisa e gera conhecimento naquele assunto.

Por isso, quando se fala em ensinar, a universidade tem que fazer pesquisa para que juntas possam ajudar na formação. De que que adiantaria se os alunos e professores só assistissem aula e fizes-sem a pesquisa? De que adiantaria sem uma atenção à demanda dos outros segmentos da sociedade? Se a cidade ficasse dentro dos seus próprios muros, realizando suas pesquisas e dando suas aulas, será que os estudantes seriam bem formados? Será que eles seriam cidadãos? Será que eles saberiam o que está acontecendo, o que a so-ciedade precisa? Por que nós, que participamos da universidade pú-blica, temos uma responsabilidade de desenvolver? (Desenvolvimento

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social, desenvolvimento tecnológico, geográfico, político, cultural). E se nós temos essa responsabilidade, como nós vamos realizar isso? Não tem como apenas fazer aulas e pesquisa, nós temos que também parti-cipar junto com a comunidade para ter uma troca de conhecimentos.

Existe um conhecimento que é gerado na academia, ou seja, nas universidades, com a pesquisa. Existe um conhecimento que não está na academia, que está lá fora da universidade, num grupo, por exemplo, no acampamento, no assentamento. Vocês sabem de coisas que a academia não sabe. Os estudantes e professores que estão aqui também precisam aprender com vocês.

Essa é uma grande missão da extensão que chamamos de extensão universitária. Essa interação entre a universidade e o mun-do fora dela, porque o objetivo é um só: o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, de uma sociedade mais comprometida com o desenvolvimento sustentável. Nós temos essa preocupação, gerar um conhecimento baseado na sustentabilidade, na justiça social, e isso só vai ser alcançado se nós trabalharmos universidade e comunida-de. Nós queremos nos aproximar do mundo fora da universidade, que chamamos de “comunidade externa”. Nós não queremos estar longe. Reconhecemos que existe um conhecimento que só está lá. Precisamos trazer esse conhecimento à universidade para que a gen-te construa uma sociedade melhor.

E como o assunto dessa mesa fala sobre a extensão, a univer-sidade tem consciência de que, todo plano político tem um projeto nacional de educação, ele prevê de fato que o estudante precisa pas-sar pela extensão.

Aqui na Universidade Federal de Goiás nós temos registrado várias ações de extensão. Os professores fazem as ações, registram e falam quais estudantes que fazem parte da equipe executora daquela extensão. O nosso sistema mostra que atualmente há cerca de 3.700 estudantes na universidade que estão vinculados à equipe de execu-ção das ações de extensão. Nós temos 25.000 estudantes (todos só no curso de graduação, se você pensar nos de pós-graduação a gente tem quase 30.000) em 150 cursos de graduação em cinco câmpus da UFG. São muitos estudantes de graduação e pós-graduação e só 3.700 estão cadastrados em programas de extensão. Não são todos os nossos alunos que estão fazendo extensão. E esse é um grande problema que precisa ser resolvido. Como nós vamos fazer isso?

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A faculdade decide a formação dos seus alunos primeiro no de-partamento, no setor do curso, então os professores decidem quais as disciplinas que eles irão precisar fazer, o que precisa para ter sua inte-gralização curricular e em muitos cursos o estudante nem precisa fazer extensão. Tem alguns cursos em que o estudante faz bastante extensão. Sabemos que na FIC nós temos professores com projetos de extensão cadastrados, estudantes com a oportunidade de realizar a extensão, mas depende muito do curso. Tem curso que tem mais facilidade, ou-tros não. Tem cursos que são mais ligados aos movimentos sociais, com as comunidades de agricultura familiar, ou de alguma forma eles têm mais proximidade com a extensão. Outros não.

Existe um conhecimento que não está na academia, que está fora da universidade...“ “

Semana passada foi aprovado esse projeto de lei, o Plano Nacional de Educação (PNE). Ele demorou muito tempo pra ser aprovado e tem uma meta lá que diz respeito à educação superior. Essa meta tem estratégias e tem um prazo até 2020 para que nós alcancemos. A meta 12, estratégia 12.7, diz assim: “Assegurar no mínimo 10% de créditos curriculares exigidos na graduação para programas e projetos de extensão universitária”. Isso está dizendo que é preciso assegurar que 10% de todos os créditos curriculares que o estudante vai ter que usar para concluir o curso devem ser feitos em programas e projetos de extensão universitária. Nós temos um grande objetivo pela frente. Como nós vamos implantar isso?

Essa oportunidade de estar aqui, com o professor Niltinho, com a professora Angelita, é provavelmente o primeiro momento que a UFG tem isso como discussão. Nós temos essa preocupação, essa missão e nós vamos ter que fazer isso de uma forma bem demo-crática, junto com todos os cursos da universidade.

Já existem universidades que estão implantando isso, mas a nossa não fez. Os nossos cursos têm seus projetos pedagógicos que irão definir o que o estudante precisa para se formar. Os nossos projetos pedagógicos de curso mencionam a extensão e o estudante

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que usar isso pode contar como horas complementares para sua formação. Então ele conta com isso para concluir o curso. Só que aqui a meta está dizendo que 10% devem ser feitos em projetos e programas de extensão, portanto será um trabalho muito cuidadoso pois para implantar isso em todos os cursos será preciso discutir nas unidades, coordenações e nas câmaras para a troca do currículo, da matriz curricular dos cursos.

Está sendo a primeira vez que tratamos disso aqui na UFG, é um momento muito importante. Nós também mudamos o estatuto da universidade, estamos trabalhando no regimento e com esse regi-mento que fala sobre a extensão e a cultura estamos amadurecendo muitas coisas sobre a extensão.

Na UFG a extensão é institucionalizada de diversas formas. Aqui nós temos uma porcentagem do nosso recurso do orçamento, essa porcentagem de 4% que toda a universidade tem e que deve ir pra extensão, então na verdade nós gastamos até mais do que isso. O estatuto diz 4%, mas gastamos mais do que isso e precisamos revisar uma extensão de qualidade na universidade. Esse é nosso principal objetivo, nossa principal missão.

Diante dessa estratégia, nós sabemos da importância da ex-tensão na formação acadêmica do estudante, isso é o principal que essa estratégia mostra, e nós reconhecemos e todos os cursos preci-sam entender isso. A extensão é importante e pretendemos atender e dar importância à ela dessa maneira.

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DEBATE

Gisele Ottoni

Com relação a forma que a exten-são é realizada, ela é realizada através das ações de extensão, e as ações de extensão não só aqui na universidade como em ou-tras são através de projetos, cursos, even-tos, prestações de serviços. Então as ações de extensão são cadastradas dessa forma. E o que havia de apoio à extensão em 2013 era a questão do material gráfico. Na ver-dade, uma coisa mais fácil de conseguir era o material gráfico, não que apenas o material gráfico fosse a única coisa conce-dida aos projetos de extensão, nós tivemos várias outras ações que tiveram outras for-mas de apoio. Mas o recurso certo que não precisava nem pedir na reitoria, nem pre-cisava ter agenda com o reitor para solici-tar. É muito desconfortável, e não é corre-to, não é conveniente que um coordenador de ação precise marcar um horário com o pró-reitor para solicitar uma coisa como um recurso de extensão. Não precisa ser assim dentro da universidade.

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Nós precisamos ter a política de como esse recuso vai ser tratado, e aqui já respondendo essa questão da Angelita: o nosso estatuto passou de 2% para 4% o recurso que é destinado para a exten-são, mas nós já temos utilizado bem mais do que isso. O estatuto só veio para con-solidar uma coisa que já era gasta mais do que isso na extensão. Só de bolsas pro MEC nós já temos mais de 100 e acho que esse recurso já passa, apoiamos mui-to mais. Agora, como utilizar esse recurso isso tem que ser decidido. No estatuto novo fala que a política desse recurso deve ser decidida na Câmara Superior de Extensão e Cultura. Nós es-tamos atualmente levando na última reu-nião essa questão de pauta como política da extensão e a preocupação de discutir na câmara como utilizar esse recurso. Porque não pode ser uma coisa de ter que pedir para o pró-reitor. Não é o pró-reitor que deve decidir se sim ou não. À princípio, esse ano quando nós ainda não decidimos a forma de utilizar esse recurso, está mais ou menos assim: continua o apoio à questão do material gráfico, só que tem ações que não precisam de folder ou cartaz, crachás e certificado, tem ações que precisam de transporte, se a extensão é feita com um segmento externo da comunidade, essa extensão não é feita aqui dentro da universidade, ela precisa ter transporte. Transporte é uma coisa impor-tantíssima na extensão. A ideia que nós vamos levar à câ-mara de extensão (porque a câmara que vai discutir sobre isso e aprovar um plano de como utilizar esse recurso) é que haja uma maior possibilidade de utilização desses re-cursos para outros ícones, como transpor-te, o que for necessário. Às vezes precisa de algum equipamento, da compra de um

material de consumo, coisas que não estão dentro daquela questão de material gráfico. Nós temos mais recursos do que o de ma-terial gráfico. Esses 4%, pelo nosso esta-tuto, é divido nas nossas regionais. Então a regional Goiânia recebe de acordo com o número de alunos que tem, a regional Jataí também recebe, Catalão também re-cebe e Goiás também, é proporcional. O que a regional Goiânia, que é a maior das regionais, recebe dá mais ou menos o que dois projetos PROEXT ganham e têm que distribuir isso pra todas as unidades. É coi-sa de duzentos mil e poucos reais, isso pra regional Goiânia toda. É desse recurso que vai a parte para o apoio ao material gráfico e nós já acrescentamos uma coisa em par-ceria com a TV UFG. Nós contratamos, vamos dizer as-sim, o trabalho da TV UFG na produção de vinhetas. A Pró-reitora já está conce-dendo qualquer ação de extensão cadastra-da, a produção dessas vinhetas, que podem ser veiculadas na TV UFG mas também publicadas nas mídias sociais ou nos sites das ações de extensão, ou da forma que for. Isso ainda não foi muito divulgado, mas é uma coisa que já estamos produzindo e podemos produzir mais que isso. Mas ain-da tem recurso que não é gasto com isso e temos que ver como será gasto. Nessa gestão não vai ser a Pró-rei-tora que vai ficar recebendo os coordena-dores e fazendo os pedidos. Isso não tem lógica. Também não pode ser uma coisa assim, quem pediu primeiro, porque como o recurso é pouco, vai receber. Também te-mos que ver como nós vamos fazer isso. Se o projeto já recebe recursos do PROEXT, por exemplo, ele tem mais facilidade de fa-zer. Nossa ideia, nossa política é de apoio a elaboração desses projetos, pra que os co-ordenadores possam incluir nos planos de trabalho e nos orçamentos.

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Nós estamos falando aqui da im-portância da produção intelectual. De fato a produção intelectual aqui na FIC é alta e eu tenho incentivado muito, in-clusive nós apresentamos 61 propostas ao MEC, ao PROEXT. Uma coisa muito inédita, foi um salto muito grande. Nós apresentávamos um manual de propostas e nós conseguimos apresentar 61. Não sei se vão ser contempladas, a concorrência aumentou muito. No ano passado o PROEXT re-cebeu cerca de duas mil e cem propostas e esse ano o PROEXT recebeu três mil e cem propostas, quer dizer um aumento de mil propostas na demanda pelo PRO-EXT. Eu não sei se nós vamos ser contem-plados porque também não sabemos se o valor do PROEXT vai ser aumentado esse ano ou não. Mas quando nós vimos algu-mas propostas da UFG que estavam sendo encaminhadas ao MEC que pediam, por exemplo, setenta mil reais e não chegavam aos cem mil reais que é o limite, nós fala-mos com cada coordenador. Nós falamos, “Olha, você está esquecendo de fazer um registro audiovisual do seu projeto. Porque você não utiliza esse recurso para fazer um produto audiovisual?” Vocês aqui fazem muito esse tipo de registro. A extensão precisa ser registrada, porque a pesquisa publica um trabalho cien-tífico e aquilo fica registrado. A extensão, se ela não faz esse registro de audiovisual quem fica sabendo é apenas a comunidade que trabalhou junto com aquela ação de ex-tensão e os membros da equipe executora. Mais ninguém fica sabendo. Esse registro é importante, nós procuramos incentivar. Com relação ao orçamento, existe mais dinheiro para pesquisa do que para extensão. Se a extensão é tão importante quanto foi na sua vida, na sua formação,

você foi depois para a pós graduação e utilizou a extensão que você fez na sua graduação como base. Aqui na UFG nós temos essa preocupação de inclusive inse-rir os estudantes de pós graduação tam-bém na extensão. Passou na câmara de extensão ago-ra, essa semana, nós estávamos discutindo como ficará nosso regimento que fala que pra ser cadastrada como ação de extensão precisa envolver estudantes. No regimen-to antigo e na resolução falava que preci-sava envolver estudantes de graduação. A ideia a princípio seria não falar estudante de graduação porque pode ser estudante de pós graduação também, a ideia é que o estudante de pós graduação também traba-lhe. Seis por cento para pesquisa e 4% para a extensão. Foi definido por dois anos de trabalho na elaboração do estatuto e deci-dido no conselho universitário. Nós extensionistas, precisamos es-tar presentes em todas as decisões da uni-versidade, porque às vezes perdemos por não estarmos presente. Na nossa resolução que foi votada em dezembro do ano pas-sado, um professor que coordena PIBIC, que é o programa de bolsas para pesquisas, recebe seis pontos para ele progredir a car-reira. Já o professor que orienta um estu-dante PROBEC, que é um estudante que faz extensão, recebe cinco pontos. Isso não tem lógica. Tanto não tem lógica que nos-so bolsista PROBEC passa pelo programa que exige uma seleção, um grupo de pro-fessores que vai selecionar aquela proposta para ver qual delas tem uma demanda, que é maior do que do PIBIC. Então, para sele-cionar, para o coordenador ter um projeto selecionado para o PROBEC, é mais difícil que do PIBIC. A demanda é maior para bolsa PROBEC.

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O aluno que é bolsista de extensão tem que apresentar um resumo expan-dido ao final da sua bolsa. Ele tem que apresentar seu relato no evento científico, tem que ter a carga horária de vinte ho-ras semanais, assim como o PIBIC. Então não há diferença entre o PIBIC e o PRO-BEC em termos de programa. E porque que no Consuni passou isso? Dando mais pontos pra quem orienta PIBIC? Porque não tinham pessoas da extensão falando isso lá? Porque, depois que nós entramos aqui e vimos que isso tinha acontecido, com todo mundo, nós falamos que é a coisa mais normal? Tem que ser igual. O que temos que apresentar é pro-jetos. Nós temos que apresentar, querer, fazer e buscar. Nós vamos trabalhar ago-ra para conseguir maiores aprovações no PROEXT, conseguir outros recursos pra extensão, porque espaço nós temos. Essa questão do PIBIC valer mais que o PRO-BEC já foi ajustado, só falta votar no Con-suni, porque nós estamos refazendo essa pontuação. Nós temos que mudar isso. Agora já vai pro Consuni valendo a mesma coisa. PIBIC e PROBEC valem a mesma coisa para o coordenador. Vinte mil alunos não fazem exten-são. Nem toda extensão feita pela univer-sidade é registrada. Esse registro que nós temos de três mil e setecentos estão no registro como voluntários da extensão, não como bolsistas. Bolsistas a gente só tem cem. Mas provavelmente tem mais, porque tem professores, técnicos adminis-trativos que coordenam extensão, que por alguma razão, não registraram. É preocu-pante, e de fato isso tem que ser atendido, e atendendo ao plano nacional de educação nós vamos resolver esse problema. Nós te-mos um prazo até 2020.

Mas é isso, a extensão precisa estar em todos os cursos da mesma forma. Vai ter curso sim que é mais fácil, outros mais difícil. Como a professora Sandra falou, não significa aumentar a carga horária, significa incluir a extensão na carga horá-ria já existente. Então isso é uma coisa que pode ser trabalhada e deve ser trabalhada. É isso que iremos fazer. Quem cria a proximidade com a extensão somos todos nós. É respon-sabilidade dos docentes, dos estudantes essa proximidade com as comunidades externas. Precisa de leis para isso e nós, atendendo a lei, conseguiremos alcan-çar essa proximidade. Agora, com relação a pergunta da Angelita sobre a curricularização da ex-tensão. Esse termo, curricularização, eu não sei exatamente se ele está querendo dizer, porque há quem pense que isso sig-nifique criar disciplinas de extensão. E eu penso que a extensão tem um caráter tão diferenciado, apesar dela se misturar e ser indissociável da pesquisa do ensino, ela tem uma característica própria. Então, se isso significar criar disciplinas pra exten-são, eu acho que é uma coisa que deveria se pensar muito antes de fazer, para que ela não perca sua característica e se trans-forme em uma disciplina, por exemplo, com aulas práticas. Houve uma alteração na resolução de extensão na qual a aprovação da ação se dá na unidade, não vai pra câmara. Por quê? Porque a própria unidade que está mais próxima dos professores e técnicos administrativos, que são coordenadores das extensões. Essa unidade sabe se a ação é de extensão ou não. Então a aprovação fica lá, não fica mais com a câmara. Eu acho que voltar a esse período de preocu-pação novamente seria um retrocesso.

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A extensão tem que fazer parte da formação acadêmica do nosso estudante de graduação. Então eu sou a favor sim e não há dúvidas, e não há porque uma pes-soa ser contra uma coisa dessa, uma coisa que, como a professora Sandra falou, já foi aprovada e é isso que nós temos que fazer até 2020. Logo, a inserção da extensão na formação acadêmica é essencial e nós va-mos trabalhar para que isso seja garantido na UFG. Nós acreditamos que o estudante bem formado é o estudante que faz exten-são. Ele precisa realizar extensão na sua es-sência, com qualidade, não uma disciplina necessariamente de extensão. Preciso amadurecer muito mais junto com a universidade. Essa aqui foi minha opinião pessoal, não foi fruto de uma discussão. Aqui na universidade va-mos ter que discutir juntos, ouvir todos pra que a gente construa a nossa UFG.

Sandra de Deus

Não vai ser fácil, em uma universida-de a inserção dos créditos, dez por

cento dos créditos nos programas dos projetos de extensão. Eu tenho muitas dúvidas se a denominação que a gente chama é curricularização. Mas o PE diz que é dez por cento por programas e pro-jetos de extensão, programas e projetos. Então nós temos um projeto, nós temos a Magnífica, temos alunos que es-tão na Magnífica, e ai tem que fazer uma diferença, porque um aluno com bolsa de extensão não vai poder contar como crédi-to. Na resolução ele vai ter que tratar disso. Mas existem vários alunos que não estão com bolsas na Magnífica e eles estariam

atuando ali dentro da Magnifica e conta-riam como créditos da extensão univer-sitária. Então, o termo curricularizacão é um pouco complexo. E o que vai aconte-cer e porque que vai ser difícil nas univer-sidades? Primeiro, porque a inserção de dez por cento de créditos não é uma ta-refa da extensão universitária, não é uma tarefa da Pró-reitoria de extensão. A Pró-reitoria de extensão na mi-nha universidade, eu digo o seguinte, é cliente. Quem tem que fazer isso é a Pró-reitoria de Graduação, porque isso mexe nas grades curriculares. Portanto, as Pró-reitorias de Graduação que precisam ser sensibilizadas. Agora, o cliente (nós), pre-cisamos dizer para reitoria de graduação o que nós queremos e o que deve ser contado como crédito. Não é ir ali na esquina, fazer um cursinho, voltar pra cá e acreditar nisso. Isso é como se estivesse complementando, isso é ridículo. O aluno vem aqui, vai ali na esquina, faz um passeio, assiste uma pales-tra e depois acredita que isso é uma ativida-de complementar da extensão universitária. Isso acontece em todas universidades. Cer-tamente acontece aqui também e nós não vamos ficar aceitando, porque é verdade. Mas a questão dos créditos é com-pletamente diferente, eu sou cliente. Na minha universidade a gente avançou nisso, porque na condição de cliente (eu estou dizendo que é cliente porque é exatamente isso) cheguei no Pró-reitor de Graduação e disse à ele, “vamos cumprir o plano, vamos cumprir o plano de gestão, ai eu disse as-sim, “Ha mais como isso? É problema teu, porque isso está na Pró-reitoria de Gradu-ação, a extensão está me dizendo o que que é programa da extensão, o que que é pro-jeto de extensão, então faça acontecer. E eu olhei e disse assim, “Marlon, essa gestão vai até 2016, tem que dar um jeito. Então, mãos

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à obra. Chama a Câmara de Graduação e faça acontecer”. Nós precisamos dizer aos pró reitores de graduação o que que é pro-grama e projeto de extensão, é isso que nós estamos fazendo. Essa pressão toda, tem que ser feita externamente, não são as câmaras de extensão ou as comissões de extensão das universidades. Nós só vamos dizer o que nós queremos, e eles vão ter que exe-cutar. E essa é a grande disputa porque alguns cursos, como o nosso do Jorna-lismo, vai ser mais tranquilo de chegar e dizer para coordenadora do curso, “olha coordenadora tem que ter isso”. Portanto, já saiba que tem isso para fazer como co-ordenadora do curso. Agora, em alguns cursos, como a Engenharia, que é um curso mais duro, quando cheguei e disse, “Olha, tem que fazer isso o pró reitor vai ter que dizer”. O cara vai achar muita dificuldade, por-que a tendência primeiro é ele nos dizer o seguinte, “Ai tem que aumentar a carga horária, aí a minha disciplina que é tão valiosa vai ficar prejudicada por alguém que quer fazer extensão universitária”. Não, eu só vou reduzir algumas coisas que hoje estão mal feitas, principalmente como as opcionais, atividades comple-mentares. E vou fazer o que na verdade tem que ser minha extensão universitária. Portanto, mãos à obra os coordenadores do curso. Então essa é uma questão. A outra é o nosso perfil ainda bu-rocrático em relação a extensão univer-sitária. Isso não é uma crítica à fala da Gisele e eu não quero que seja. Eu digo o seguinte, nós temos que ter o registro da atividade de extensão. O registro da atividade de exten-são é aquele que eu insiro lá no sistema de extensão da universidade. Eu registrei

minha atividade de extensão como algo que está na carga horária da universidade como um todo, é atividade de extensão. O que temos que ver, que aquela que eu faço vídeo, DVD, eu escrevo texto, eu publico, e ai né, eu sou uma seguidora do Oscar Jara, pois ele diz assim, “Isso é sistematização da experiência, porque registro é diferente de sistematizar experiência”. A experiência eu passo para que no futuro quem chegar aqui veja aquilo que a Magnífica fez hoje em relação ao movimento social, então é uma sistema-tização da experiência. E este é um con-ceito que precisamos acumular na exten-são universitária. E acumular nas nossas universidades. A sistematização das ex-periências está ai para nos dizer que só isso faz a existência da universidade ser completa em relação aos seus movimen-tos. Portanto, sistematizar experiências é realmente muito importante. A questão que a Gisele respondeu especificamente sobre a universidade en-volve os recursos. Na minha universida-de, há algum tempo, nós estabelecemos uma política de extensão universitária que está disponível. Uma política de ex-tensão universitária que foi discutida durante dois anos com todos os exten-sionistas em audiência pública, represen-tação de movimento social etc. Porque hoje, a coisa mais chata e complexa que tem é o coordenador da ação de extensão chegar na frente do Pró-reitor e dizer que quer recurso pra isso, isso e aquilo. Se tem o programa de fomenta, já estão lá as regras. Hoje nós fomenta-mos não só a gráfica, o transporte, a bol-sa, evento, o auxílio estudante. O pessoal da Odontologia quer comprar pasta de dente, fio dental... Uma pessoa jurídica tem que comprar (uma empresa), então

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isso precisa ter um recurso disponível, a liberação de espaço físico, que também é pago, entra no fomento para pagar. Isso é problema de fomento que tem, está dispo-nível na página do Pró- reitoria. Pode ser só pra vocês olharem e pensarem suges-tões futuras pra Pró-reitora, para que ela possa se apoderar e fazer isso diante dos demais Pró-reitores. E tem uma questão muito comple-xa na universidade hoje, em todas as uni-versidades, principalmente nas federais e que não podemos desconhecer, que são os órgãos de controle. Nem tudo conseguimos fazer. Não é uma questão de ter dinheiro. Nós podemos ter o dinheiro, mas a gente não pode fazer. Porque os órgãos de con-trole hoje limitam muito a ação da univer-sidade com relação aos recursos públicos. Hoje é muito difícil para a univer-sidade fazer algum pagamento que envol-va pessoas que não são da universidade. Não tem esse repasse do dinheiro público pra quem não é da universidade. Então às vezes a gente pensa assim, “Ah, mas eu não quero fazer”. Não, existem órgãos de controle que não deixam fazer, tem que considerar isso. Nós estamos mexendo com dinheiro público. Um dia os órgãos públicos resolve-ram achar, e acharam mesmo isso, que nos-sa universidade seria um lugar de corrup-ção e por isso fizeram um controle maior nas universidades. Pura bobagem, porque as universidades são muito transparentes e mais fácil de fazer controle. Então nós te-mos essa dificuldade hoje e que todas as universidades federais têm. Não é esta ou aquela, todas as universidades têm. Por fim, a contagem da pontuação da extensão universitária nos concursos, e na progressão funcional é um avanço grande para instituição universitária. Na

minha universidade, já há alguns anos, e olha que eu sou professora há muito anos (e eu já entrei na universidade não com um projeto de pesquisa mas sim com um projeto de extensão), eu já podia ser con-cluída no concurso com o projeto de ex-tensão. E de lá pra cá, ao invés de evoluir, a coisa desevoluiu. Se é possível dizer, porque hoje os concursos públicos acham muita dificuldade de julgar um projeto ou um programa de extensão. Outro dia o concurso público, na minha unidade, na minha área do conhe-cimento, que é professora de rádio, que eu presidi a banca, não passou pelo conselho da unidade a proposta do professor, do concursando, entrar lá ou com projeto de pesquisa ou com projeto de extensão, por-que se disse que é muito difícil trabalhar extensão. Para você ver a grandiosidade e a complexidade da extensão e que é muito mais fácil trabalhar pesquisa. Realmente, tem começo, meio e fim, eu vou lá e ava-lio. Então é fácil pra uma banca avaliar um projeto de pesquisa, é muito difícil para a banca, precisa ter muito conhecimento pra avaliar um projeto de extensão. Eu coloquei à disposição do con-curso público da universidade a assesso-ria técnica da Pró-reitoria, chamada as-sessoria técnica, para que vocês possam colocar que um professor pode entrar na universidade hoje com um projeto de ex-tensão. Mas a progressão funcional hoje é a mesma pontuação, tanto faz pra fazer pesquisa ou pra fazer extensão. Se discu-te agora as regras pra concurso de titular, então pra concurso de titular estão se dis-cutindo as regras. Eu pessoalmente entendo essa discussão hoje na universidade. Eu enten-do que deveria ser exigido que pra titular tivesse um peso maior na extensão uni-

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versitária, não porque eu sou pró reitora de extensão, mas porque é o professor já em final de carreira que tem muito a contribuir com a relação universidade x sociedade, então pra ele chegar a ser um titular da universidade, se ele tiver uma grande atuação da extensão universitária, ele pode progredir mais, assim tem mais pontos de progressão. Acho que vai ser uma luta quase simbólica, porque é evidente que o má-ximo que a gente vai conseguir é ter uma paridade dos pontos entre pesquisa e ex-tensão, mas eu pessoalmente defendo ti-vessemos uma exigência de atividade de extensão universitária. Porque, se eu o cara nunca vez ele vai ser obrigado a ter menos no final da carreira docente dele ter esse tipo de atuação, né. Eu acho que são essas as ques-tões. Outra coisa, é a disparidade hoje do PROEXT, programa de fomento da extensão universitária do governo federal, com a política das universidades, e isso é uma batalha futura que o fórum dos pró reitores vai se preparar. Neste ano, especi-ficamente nesse edital que abriu agora, ele abriu também para as instituições comu-nitárias, não mais pras públicas mas tam-bém pras comunitárias, porque a lei abriu inicialmente a possibilidade de direito pú-blico, então agora a gente tem esse direito. Na minha universidade, a gente chegou a fazer uma discussão de tentar bloquear essa possiblidade das comunitá-rias participassem, porque o bolo ainda é muito pequeno. A gente só não fez isso, só não entrou com uma liminar pedindo isso porque a discussão tava feita. Porque no momento em que as propostas estavam sendo encaminhadas eu era presidente do fórum e eu não podia fazer essa disputa no fórum, que sempre apoiou o PROE-

XT, apoia o PROEXT porque o PROEXT é o nosso grande programa. Mas a gente entendia que a gente podia ter feito isso né, pra bloquear as comunitárias no edital que é um dinheiro que a gente quer que seja pras públicas, a não ser que tenha um recurso novo a dobrar pra ser um recurso novo pras comunitárias. E a outra questão que tá colocada e eu tenho dito: “as quarentas”. Quando eu saí da coordenação do fórum, porque eu fiquei dois anos como vice presidente e dois anos como presidente, então são quatro anos. E esses quatro anos me impediram de ser plenária, a melhor coisa que tem é a gente ser plenária, porque o edital do PROEXT ele entra em confronto com várias questões das universidades, principalmente das nos-sas, das federais em todas elas, assim como aqui, entra na minha também. O edital do PROEXT, quando eu entro lá pra fazer a minha proposta, eu posso, por exemplo, pedir passagens aére-as, quando chegar aqui na universidade, a universidade não pode comprar passa-gem aérea. E isso não é porque a UFG não quer, é porque existe uma legislação que diz. Eu não posso comprar passagem aé-rea pra trazer um pesquisador da Colôm-bia pra cá, eu só posso comprar com ou-tros recursos, não com o recurso público da universidade, isso é legislação. Porque a interpretação de uma le-gislação que foi feita pela AGU alguns anos atrás tá com validade ainda. Na verdade é errada a interpretação, mas ela tá valendo. Então o PROEXT diz que eu posso, chega na universidade o coordenador da um di-nheiro pra comprar passagem aérea e o pró reitor diz assim não, “não vai comprar”, e ai sobra pro pró reitor. Mas é uma questão legal que no edital do PROEXT tem isso. O edital do PROEXT também diz que eu poso pagar bolsa em apoio pra

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quem não é da universidade, não pode. O PROEXT diz isso, mas chega na uni-versidade e não pode. A universidade tem outras regras, a Universidade Federal tem outras regras, tanto vale pra UFG quanto vale pra outras, como vale pra UNIFESP, como vale pra UNB com relação a regras gerais, então não pode. Então, tem problema sim sabe, e essa é a questão da compreensão. Na mi-nha universidade nós fizemos um grupo de acompanhamento direto, porque o PROE-XT na minha universidade é um recurso, quem ordena as despesas do PROEXT na minha universidade sou eu mesma, eu que tenho que coordenar. Então eu sento com os coordenadores de projeto e digo, todos eles sabem o que está acontecendo, eu digo “pode, não pode, pode, não pode”. Quer que eu seja presa? Vai pra solitária junto co-migo, tú quer isso? vai fazer isso! “Ah mais o edital do PROEXT...” O edital do PRO-EXT diz, mas quem tá na universidade que decide. E esse é um diálogo que precisa ser feito com os coordenadores. Neste ano que tá com o edital em julgamento, todas as propostas que eles escreveram ao PROEXT da minha univer-sidade, antes de fazer a inscrição final, eu sentei com todos eles e fizemos toda essa formação, digamos assim, pra não fazer bobagem pra depois chegar lá a gente não pode executar porque o que eles estão pe-dindo é uma coisa e o que a universidade pode fazer é outra. Então nós também temos essa questão, só que o edital do PROEXT vem sendo aperfeiçoado ao longo dos anos, a gente conseguiu um avanço enorme nes-se último edital, e certamente essas ques-tões, nós vamos conseguir fazer daqui pra frente, ou porque vamos constatando em cada universidade, ou porque na próxima

renovação se eu não tenho título, então eu sou plenária, e como plenária, eu me dou o direito de fazer essas considerações, e não como presidente do fórum, tá bom!

Giselle Ottoni

Também vou começar respondendo à pergunta, só complementando a

questão do professor Niltin com relação a internacionalização da extensão, que, assim como a professora Sandra falou, o Fórum encaminhou essa proposta ao MEC, a ANDIFES e a presidência, mas o MEC ainda não deu nenhuma resposta oficial sobre isso, apenas mencionou que pode haver um processo daqui pra fren-te de descentralização do recurso para a internacionalização para as universidades federais. Então, se acontecer essa descen-tralização para a internacionalização, a autonomia da universidade que vai cuidar como utilizar esse recurso da internacio-nalização. Nós temos que trabalhar também dentro das universidades, para que essa internacionalização da extensão possa ser garantida quando esse recurso vier de uma forma descentralizada. Quando isso acontecer, a gente vai saber. Vamos enca-minhar. Esse recurso vai ser para levar os estudantes para o Ciências sem Fronteiras, por exemplo, é para realizar um evento internacional, que que é a internacionali-zação? E ai nós temos que estar prepara-dos para defender que a extensão também deve ser internacionalizada, então por isso eu aproveitei a oportunidade para falar isso e solicitar que pensem nisso, para que a gente possa garantir isso.

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Quanto a Del, o seu depoimento aqui, ele foi assim, bastante importante, no sentido de que a gente vê do lado da comu-nidade que está recebendo aquela ação de extensão de que forma que a comunidade vê, e você como diretora da escola onde existe uma ação da universidade lá, essa sua visão, o impacto que essa ação cau-sa na vida da sua escola, na comunidade onde você vive, essa resposta, esse feedba-ck, é essencial pra universidade. Os 4%, ele é pouco porque ele é o recurso todo da faculdade que paga tudo; a energia, a se-gurança, a construção dos prédios; então de todo o recurso, inclusive dos técnicos, dos serviços, então a universidade tem um custo muito alto. Ultimamente, assim, nas últimas dé-cadas de 2006, 2007 pra cá, quando houve um plano de restruturação da educação superior no país, que é o REUNI, foi um recurso que foi dado para as universidades federais, pra se dobrar o número de estudantes que atendem a educação superior nas universidades fede-rais, e que de fato aconteceu. A UFG, por exemplo, passou de treze mil pra vinte e cinco mil alunos nes-se período muito curto. E a nossa área fí-sica, mais do que dobrou. Se você olhar o mapa da UFG, antes desse período, e olhar uma fotografia aérea da UFG em todo esse período, houve um aumento muito grande de espaço físico. Isso tudo é um gasto mui-to grande. Esses 4%, é o que dá depois de pagar as contas da universidade. Por isso tem que garantir, porque se falasse que ia 40% da extensão, a universidade não con-seguiria pagar todas as suas contas. A universidade, cuidando da edu-cação superior, a extensão entra na uni-versidade como recurso, porque a univer-sidade precisa realizar ensino pesquisa e

extensão, e nós temos além desse recurso, que a universidade recebe, que no nosso caso é só 4% pra extensão, nós temos pro-gramas do governo federal, que a profes-sora Sandra falou, que é o PROEXT, que é um programa de fomento de extensão para as universidades públicas. E esse programa, ele tem diversas linhas temáticas que aten-dem essas políticas públicas. Então tem vá-rios ministérios que tem suas políticas pú-blicas, precisam ser inplementadas. Então eles são parceiros no PROEXT, no sentindo de elaborar essas linhas temáticas, pra que essas políticas públicas possam ser atendi-das através do PROEXT. Então o PROEXT é um programa do governo federal que busca atender as políticas públicas. Então essa demanda por atendimento a essas políticas públicas, ela não é uma responsabilidade da univer-sidade federal, vamos dizer assim, mas, existe esse recurso do PROEXT, que é o recurso que paga esses projetos que vão lá na sua comunidade, na sua escola. Eu acredito que esse projeto, Terra Encantada, se ele não foi já contemplado anteriormente pelo PROEXT, eu tenho certeza que agora ele tá concorrendo ao PROEXT, porque eu vi que ele está con-correndo; foi um dos projetos que foi encaminhado ao MEC. Então essa políti-ca, atender essa demanda sua, da sua co-munidade específica, o país (o Brasil) ele demanda muito, tem muita coisa pra ser feita, e isso precisa de recurso. O que a gente precisa é aumentar o recurso do PROEXT. O PROEXT é só oitenta e cinco milhões, é pouco ainda. Se fossemos atender, se o Brasil, se o go-verno fosse atender toda a demanda, ele precisaria de quinhentos e trinta milhões este ano, pra poder atender a demanda

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dos projetos que foram apresentados, en-tão vamos ver quanto que vai ser esse ano. Então precisa de muito mais recurso pra fazer esse tipo de projeto. A universidade não tem desse recurso, não tem como le-var, como transportar, assim como pagar bolsa, como os equipamentos que precisa pra realizar essa política pública. O PROEXT é um caminho, e o que nós precisamos é pegar depoimentos como o seu, esse depoimento demons-trando a importância do impacto que isso causa lá na sua comunidade. E esses de-poimentos, eles precisam ser agregados, nós precisamos mostrar o impacto na co-munidade, o impacto na formação dos es-tudantes e com isso, buscar mais recursos pro PROEXT, e ai é uma busca polítca. Eu agradeço o seu depoimento, pela importância que ele tem, e também aqui já finalizo, agradeço pelo convite de participar, professor Niltin, professora Angelita. Espero ter contribuído, pra mim foi muito aprendizado, gostei muito de assistir toda a fala da professora Sandra, agora já num enfoque livre, pra mim foi muito enriquecedor, porque nisso, eu vi a experiência dela como extensionista, e também como pró reitora, isso pra mim foi de muito ganho, eu agradeço tudo que aprendi aqui. E me coloco a disposição à aqueles que são da universidade, aqueles que não são da universidade também, pra juntos nós trabalharmos por uma exten-são mais qualificada na UFG. Muito obrigada.

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Brinca comigo

Praticas de comunicacao na escola publica

ALLEGRO

CONFERÊNCIA E IMAGENS Renato Cirino|DIAGRAMAÇÃO Jéssica Adriani

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Renato Cirino

Estou muito feliz de ter recebido o convite, de poder compartilhar minha experiência com vocês. Porque, inclusive, eu sempre acredi-

tei que a Magnífica, esse complexo de comunicação e vivências, fosse de fato esse espaço que permitia, não com que nós virássemos apenas tutores, mas que de fato a gente compartilhasse as experiências e dessa forma a gente pudesse crescer juntos. Antes de começar a minha fala, eu gostaria de mostrar um ví-deo que contextualiza um pouco pra vocês como é que era a faculdade na época que eu entrei.

Quero apenas reforçar a apresentação do Pirei. Ele foi o terceiro monitor da Magnífica e sempre muito criativo, muito inquieto. Descobri-mos que ele era competente no dia em que o professor Hugo, que coordena toda a estrutura informática da UFG, passou a tarde com ele na Magnífica e disse: esse menino sabe demais, vou mandar uns alunos da engenharia e da informática pra cá. Então ele ajudou a construir essa concepção, como domar e como trabalhar a tecnologia.

Nilton José

Era para contextualizar para vocês um pouco do nosso uni-verso acadêmico, ao qual nós fizemos parte. 2003 foi o ano em que entrei aqui. Assim que cheguei na faculdade... eu costumo dizer que quando teve o underground, né. Eu entrei e desci, porque de fato eu tinha interesse em audiovisual e já sabia que o audiovisual na faculdade funcionava no subsolo, no subterrâneo, no buracão e outros apelidos carinhosos que esse espaço tinha na época.

Disponível em: http://youtu.be/5ZYV-iFtmgw

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Para falar um pouco do meu projeto, tenho que começar a falar da minha trajetória na universidade, inclusive, o que me incentivou a entrar aqui. Eu era de Rádio e Tv, que, na verdade, era conhecido como Radialismo. A minha turma foi a última a esco-lher esse curso, porque ele foi extinto. A partir do momento que esse curso foi extinto, nós fomos obrigados a escolher outra habilitação. Dentre as que tinham, esco-lhi o jornalismo, porque acreditava que poderia me ajudar a traba-lhar com cinema, e pelo fato de ser de manhã também, porque eu não podia vir de tarde aqui na universidade. Isso é engraçado, porque eu não podia vir à tarde, mas eu vinha de manhã e ficava o dia inteiro aqui. Quando você entra em uma instituição, você não tem muita ideia de como a sua vida vai acontecer. E uma das culpas de ficar mais tempo aqui é do profes-sor Nilton, né, que carinhosamente me apresentou esse mundo. Uma vez, conhecendo esse universo, a gente fica contami-nado, não tem volta mais. Não é querendo assustar, mas a experi-ência é super prazerosa, é o que, inclusive, me orientou na minha vida profissional. Mas é árduo, não é fácil. Então, com a extinção do curso, eu escolhi jornalismo e acabei conhecendo a Magnífica. Conheci o Coletivo em 2003, apesar de ter nascido em 2000, num ato de resistência e alternativa ao que era vinculado nos meios de comunicação, aqui no Estado, na cidade. De uma forma geral, no mundo.

trajetoria

Costumo dizer que, ao co-nhecer a Magnífica Mundi, eu

fui amadurecendo. Ao ponto de acreditar, que a questão em si não é a comunicação alternativa, mas

sim as alternativas à comunicação.

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E que de fato a Magnífica proporcionava essa experiência por-que dava condições para pessoas, e para a comunidade que não tinha acesso aos meios de produção, ocupar esse espaço. Dava oportunidade de poder se manifestar em ambientes que normalmente elas não te-riam. Isso foi muito engrandecedor para mim. Porque eu tive experiên-cias maravilhosas que me fizeram crer que a tecnologia não é só aquilo que a gente relaciona à informática ou à eletrônica de uma forma geral. Porque na comunicação a gente tem, acho que vocês devem conhecer, tem o TIC, que significa Tecnologias da Informação e da Co-municação. Um termo extremamente usual para quem estuda comuni-cação. Comecei a perceber, por meio da Magnífica, que tecnologia não era só esses artefatos, essas ferramentas relacionadas, de fato, aos bens, produtos, relacionadas à eletrônica e à informação. Mas, sim, a tecnologia também era aplicada nas relações afeti-vas, nas vivências entre as pessoas, por meios e alternativas que faziam concretizar os seus desejos e anseios. Um exemplo muito simples, o barbante que está segurando este tripé é um processo tecnológico. Mui-tas vezes esse processo tecnológico que faz parte da vivência, da expe-riência, do contexto do saber comum, do saber popular não é utilizado e, muitas vezes, ele é rejeitado na Academia. Como é que essas experiências, essas vivências, inclusive, re-conhecer essas tecnologias sociais como tecnologias legítimas no pro-cesso de compartilhamento, no processo de vivência nesse universo da comunicação, foram permitidas a mim pela Magnífica? Além de um laboratório de tecnologia da informação, de transmissão de áudio e ví-deo, ela é também um laboratório de experiência de tecnologias sociais. A gente aprendia muito com as pessoas e com os grupos que vinham. A partir daí, fiquei na Magnífica, nos quatros anos da uni-versidade. Na verdade foram cinco, porque não me formei no tempo padrão, por causa das mudanças curriculares, acabei estendendo um pouco mais. Me formei em 2007. A partir daí, comecei a tentar galgar espa-ços na área de realização cinematográfica, que de fato era a minha área de interesse desde o começo. Só que não havia mais como abandonar todas as experiências, ou negar mesmo essas experiências que eu tinha adquirido na Magnífica.

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Então de alguma maneira, apesar de querer trabalhar como realizador cinematográfico, essas experiências me acompanharam a ponto de fazer com que eu voltasse à universidade como servidor técnico-administrativo, e trabalhasse com a universidade enquanto técnico em audiovisual. Porque eu senti uma necessidade de devol-ver à sociedade todo aquele investimento que fez em mim, no decor-rer do período que estava aqui, inclusive, trabalhado na Magnífica. Esses períodos foram muito importantes, porque significa-ram para mim um processo de resistência significativo. Era muito difícil fazer o laboratório funcionar aqui na universidade. Era difícil porque nem sempre a gente foi bem visto na instituição, na maioria das vezes, a gente ocupava espaços físicos e políticos que pessoas acreditavam que não era aquele lugar, de fato, nosso. Então a gente sofreu muita resistência, nós sofremos al-gumas privações, mas o próprio trabalho já demonstrava que nós éramos competentes, e quando eu falo “nós”, de fato é! É coletivo mesmo. A Magnífica não se fazia com uma pessoa só, apesar de que, às vezes, poucas pessoas estavam trabalhando. Porque é com-plicado mesmo, a gente ficava aqui, muitas vezes assim, ia jantar, porque não dava nem tempo de almoçar. Nós tínhamos que pre-parar muitas coisas, eram poucas pessoas. Porque se a gente não demonstrasse ciência, se a gente não demonstrasse, na realidade, resistência, era possível que o nosso grupo e o complexo de comunicação se fragilizasse e aquele espaço voltasse

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a não ser utilizado da forma mais coletiva possível, aqui dentro da fa-culdade. O que eu quero dizer com isso é que ela voltaria a ser um depósito, ou uma sala de um professor que não é utilizada. Quando falo depósito, é de computador, equipamen-tos que ficavam abandonados, que com o decorrer do tempo, acabamos recuperando e utilizando na Magnífica. A gente brincava, a gente montava verdadeiros Frankensteins. Fica-mos craque em reutilizar as coisas. Um computador que era abandonado, a gente pegava, muitas vezes sem uma licença prévia do dono. Desmontáva-mos e montávamos outros computadores com as peças. En-tão esses momentos de resistência e de experiência, se com-binaram no meu projeto de mestrado, que se chama “Brinca comigo, sujeitos imagéticos e suas sensibilidades projetadas”. Foi uma satisfação muito grande ter saído da univer-sidade com a orientação da professora Angelita, porque por mais que ela não fosse da área de cinema, contribuiu bastan-te com a discussão conceitual. Esse fato embasou o nosso produto, um vídeo que falava justamente do reconhecimento do saber popular na produção do saber acadêmico, dando lugar a essas tecnologias sociais, visto que, na maioria das vezes, não é reconhecida na produção acadêmica.

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Quando sai daqui, confesso que sai um pouco desacre-ditado da produção acadêmica da própria comunicação, porque não havia muitos grupos de iniciação científica, e de fato não havia abertura a produção acadêmica. Quem produzia pesquisa era com muito esforço e de uma maneira muito isolada. Então a experiência com o projeto de extensão Magnífica. Por mais que o professor Nilton tenha tentado fazer essa mescla de produção acadêmica com experiência prática no projeto de extensão, muitas vezes não conseguíamos dar vazão a isso, até porque acumulávamos várias coisas, várias funções. Então quando sai daqui, fiquei meio desacreditado da Academia. Me afastei da universidade por um ano- entrei em 2003, estudei até 2007 e fiquei na universidade como prestador de serviço até 2009. No ano de 2009, trabalhei numa agência de publicidade. Jornalista numa agência de publicidade, esse é um dos cenários que é bem incomum mesmo no mercado de comunicação de uma forma geral. Voltei para a universidade como servidor técnico em audiovisual, lá na Faculdade de Artes Visuais. Na FAV en-contrei um ambiente bem diferente, academicamente falando. Que despertou o meu interesse em transformar toda a minha experiência que adquiri no projeto de extensão, em vivência, experiência acadêmica e produção de pesquisa. Foi aí que nasceu o “Brinca comigo, sujeitos imagéticos e suas sensibilidades projetadas”. Então não saia a ideia de que eu que-ria dar vazão ao que a Magnífica contribuiu pra minha vida profis-sional. Como é que eu poderia transformar todas aquelas experiên-cias e vivências, em de fato pesquisa?

Momento importante Então me veio à memória uma experiência crucial, extremamente marcante na minha vida. Um conjunto de oficinas que realizamos enquanto laboratório de comuni-cação da faculdade em São Jorge.

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O município fica próximo a Alto Paraíso, mais ou menos uns 500 Km de Goiânia. Nesse povoado só tinha uma escola municipal, e essa tinha um caráter cultural. Muitas crianças que estudavam lá - quando eu falo crianças, eu quero falar de crianças a adultos porque não eram só os pequenos que participavam do cotidiano escolar- vi-nham de lugares bem distantes de lá. Fiquei responsável pela oficina de internet. Uma coisa que sempre gostei, que estudava mais de uma forma pessoal e que tinha vivenciado na Magnífica por meio dessas experiên-cias com transmissões audiovisuais. Quando a gente chegou lá na cidade eu tive um ba-que. Porque apesar de acreditar na minha experiência pessoal de que a maioria das pessoas tinha um acesso às tecnologias como, por exemplo, computador com internet, a gente só per-cebe que está em um mundo extremamente restrito, quando entramos em choque com esses tipos de situações em que qua-se 95% das crianças, que queriam fazer oficina de internet, nunca tinha visto de fato ou utilizado um computador. Elas se interessaram pelo assunto, mas elas não faziam parte dele. Fiquei pensando: como é que posso trabalhar com essas crian-ças que nunca tiveram acesso a um computador numa oficina de in-ternet? Esse era o grande desafio. E uma das coisas que a Magnífica nos preparou foi agir e reagir em situações de improviso. Porque muitas vezes a gente não tinha tempo nem condi-ção de planejar as oficinas, pois as coisas interagiam muito rápido. Quando nós chegamos em São Jorge, encontrei esse cenário. Fiquei tentando imaginar uma situação que pudesse de fato compartilhar as minhas experiências com eles sem parecer uma tutoria né, sem parecer que eu era um dono do saber e que estava ali como uma figura que fosse iluminar suas mentes. Mas que de fato pudesse receber informações, que de fato pudéssemos compartilhar mesmo esses saberes, ainda que eles não tivessem acesso à tecnologia da informática. Então eu encontrei uma saída muito simples. No começo falei do barbante né, que o barbante é uma das tecnologias sociais que serve pra resolver um problema que a própria tecnologia da informática da eletrônica não nos permite.

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O barbante O barbante foi o material que eu utilizei para, de forma lú-dica, tentar mostrar pra eles como que funcionavam as conexões e a rede vizinha que a internet era. Então, como é que funciona essa brincadeira? Os meninos, por exemplo, pegavam o barbante passa-vam para outro estudante e a criança compartilhava qualquer coisa que tivesse interesse. Podia ser uma história ou qualquer coisa que tivesse interesse de contar para a outra pessoa. A criança só podia fazer isso no momento que passasse o barbante pra alguém. Segurava a ponta do barbante e entregava a outra ponta. O outro compartilhava os seus interesses, relações afe-tivas e histórias com outras pessoas. Por fim, conseguimos visualizar como funcionava a rede invisível. A rede feita pelo barbante que, é uma coisa tão simples, serviu pra demonstrar pra eles como que funcionava essa com-plexa rede de compartilhamento de experiências e comunicação que é a internet. A partir daí, a gente começou a utilizar refe-rências múltiplas do que era um computador. Por mais que eles não tivessem acesso ao computador, muitos deles tinham à TV e ao rádio, então a gente foi utili-zando essas tecnologias que eram do cotidiano deles e mon-tamos um grupo de ideias imagéticas. Mostrávamos para eles umas imagens e falávamos qual seria a relação do computa-dor com essa imagem, utilizando do cotidiano das referências imagéticas que eles tinham no cotidiano deles. No decorrer de três dias, nós fizemos, através de brin-cadeiras, processos do que eles podiam incorporar, o que se-riam essas tecnologias. Houve um período de resistência da associação de moradores de São Jorge, que não queriam libe-rar os computadores que tinham. Na verdade, esses computadores ficavam trancados numa sala sem que ninguém pudesse usar, a não ser que aten-desse ao interesse da associação, ai faziam aulas.

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Mas se não me engano eram aulas extremamente escas-sas. A gente conseguiu utilizar esse espaço e crianças que nun-ca tinham visto um computador puderam confeccionar sites e páginas pessoais de internet. Teve algo que eu nunca me esqueço. No final da expe-riência, uma das crianças que participou das oficinas veio até o grupo e me entregou uma carta. É uma pena eu não tê-la hoje, ela se perdeu durante a viagem, mas dizia, mais ou me-nos assim que antes da gente ir lá, ela não sabia da possibili-dade que as asas dela tinham de alçar voo.

Na carta dizia assim: eu não imaginava o quão longe eu poderia ir, se vocês não tivessem vindo aqui. Fiquei emocionadíssimo.

” Isso me emociona até hoje e eu acho que essas memórias afetivas têm um valor inestimável. A academia necessita produ-zir essas experiências, essa relação sensível com outro e com a sociedade. Assim, eu penso, surgiu o Brinca comigo.

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Maos a obra

O objetivo do projeto era então dar vazão, no âmbito da educação formal da escola, aos afetos/desafetos, anseios/desejos dos estudantes, por meio de imagens digitais. Como esses estudantes demonstravam, no decorrer das aulas, da educação formal, os seus interesses pelas tecnologias digitais. Para isso, desenvolvi uma instalação artística. Foi uma expe-riência criada na minha casa. Formei uma ferramenta web em que as pessoas entravam no site e tinham acesso a uma ferramenta de desenho que parece muito ao Paint, e do lado esquerdo era transmi-tido um vídeo de algum lugar onde essas imagens que eles fizessem eram desenhadas e elas eram transmitidas em tempo real. Inicialmente, queria fazer isso durante uma semana, 24 ho-ras por dia, mas minha esposa foi contra e achou isso um absurdo...

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São coisas que a gente tem que lidar, inclusive as concessões! Ela é um pouco avessa mesmo a essas condições de projeções, ai eu resumi em três dias a experiência, a partir das dez horas da noite. No primeiro dia quando eu soltei eu convidava as pessoas, mandava um monte de e-mails e as pessoas entravam no site. Co-mecei às 22h, eram 5h e o povo não parava de desenhar. Queria ir dormir e eles não paravam. Foi uma experiência muito legal. Agora está um pouco mais aprimorado e eu vou lançar uma nova versão. Mas funcio-nava assim: a pessoa clicava e aparecia o vídeo que desenhava a imagem, e como eram de 20 a 40 pessoas desenvolvendo ao mesmo tempo, esses desenhos entravam na fila de espera e ele era projetado a partir da hora que o anterior tivesse sido projetado. O mais interessante dessa experiência, não era só o dese-nho final, e sim o processo todo. Muitas vezes a pessoa xingava, apagava e mandava um cachorrinho. Aparecia ela lá xingando, apagando e desenhando o animal. Também tinham opções. Po-diam continuar o desenho de outra pessoa, dar a reposta a um já começado, iniciando assim uma narrativa.

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Tinha um aviso lá, “olha você está entrando aqui e tem todo tipo de desenho, eu me isento dos desenhos que vão aparecer”. Eles eram anônimos, com isso dava a margem para uma participação mais libertária. As imagens digitais, de um modo geral, são mui-to eficientes em manifestar essa sensibilidade, então eu peguei esse aparato, essa instalação e levei pra uma escola. Além de possibilitar a projeção de sensibilidades, meu outro ob-jetivo era de fato a ocupação do espaço, ocupação, que normalmente os estudantes não teriam espaço se não fosse por uma experiência dessas. A escola, na maioria das vezes, não compreende o uso desses artefatos tecnológicos: celular, mp3, mp4, mp12, Tekpix, como um elemento favo-rável no processo de produção de conhecimento. Os professores muitas vezes rechaçam os estudantes que usam es-sas ferramentas em sala de aula, transformando o uso dessas tecnologias, em um processo clandestino. Eles continuam usando celular, conversan-do uns com os outros e ouvindo música, sem, muitas vezes, o professor perceber que eles estão fazendo isso. Então o processo de ocupação era mostrar como esses artefatos podiam fazer parte do processo de relação professor/estudante, ensino/aprendizagem não como métodos de ensino, mas reconhecidas como ferramentas legítimas para esse processo. Então o que aconteceu? Eu levei isso para a disciplina de artes e os estudantes do 1º ano ficaram em uma sala e os do 2º foram para outra desenhar. As imagens eram anônimas, ninguém sabia quem estava dese-nhado. Os meninos morreram de rir disso. A gente conseguiu ocupar o espaço físico da escola e revelar que essa escola tem problemas. Então me propus a fazer igual na Magnífica, recuperar os computadores que não funcionavam mais. Muitas relações pedagógicas que os professores têm dentro das salas de aula não são, de fato, reveladas. Um dos pontos principais dessa experiência foi permitir que os estudantes manifestassem seus afetos de forma anônima. Se não me engano foram produzidas 400 imagens nessa experiência durante dois dias.

“A escola não compreende o uso dos artefatos tecnológicos como um elemento favorável no processo de produção de conhecimento.

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A escola não compreende o uso dos artefatos tecnológicos como um elemento favorável no processo de produção de conhecimento.”

Nessa relação de compartilhar experiências, de projetar sensibili-dade, a instalação permitiu que grupos dentro da sala de aula pudessem se socializar por meio dessas imagens. Muitos estudantes que estavam ali dentro, não sabiam que “dentinho”, por exemplo, era apelido de um dos colegas, e que tinha várias histórias envolvendo esse apelido. Esses desenhos foram todos compartilhados entre os meninos da sala, fazendo com o que eles conseguissem se socializar, ficando inclusive mais íntimos no processo dentro da escola. O objetivo da minha dissertação de mestrado se completa a partir do momento em que os estudantes começam a se socializar por meio dessas sensibilidades que eram projetadas com a instala-ção. Quando essa experiência aconteceu houve uma transformação que, não só os equipamentos, mas os espaços passaram, a partir de então a ser utilizados pelos alunos. Voltei com esses dados, terminei minha dissertação e a uni-versidade demonstrou interesse em patentear a instalação, porque ela podia ser usada na linha educacional. Segundo dados deles, eu fui o primeiro aluno de Humanas a ter uma patente na universidade. Até então, eram os professores que patenteavam e nas áreas biológi-ca e exata. Então isso foi exclusivo como estudante. E é isso. Não sei se consegui deixar bem claro, mas o que me in-centivou, de fato, a buscar essa sensibilidade, que essas fossem projetadas na educação formal, foram as experiências com a Magnífica. Eu queria saber como é que acontecia na escola, porque ela, de fato, tem uma res-ponsabilidade de formar um cidadão. Um cidadão com capacidade de análises críticas como todo mundo. E eu fui testar isso na escola, porque no ambiente informal a gente consegue discutir, mas na escola não. Então, a Magnífica me permitiu construir essa base de co-nhecimento pra poder conseguir fazer essa experiência. E é isso, eu agradeço a presença de vocês e muito obrigado.

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Educação do Campo, Corpo e Infância

ALLEGRO

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Educação do Campo, Corpo e Infância

CONFERÊNCIA Jaciara Oliveira|FOTOGRAFIA E DIAGRAMAÇÃO Elisama Ximenes

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Agradeço muito ao convite para participar da Jornada que comemora 14 anos da Magnífica Mundi, coletivo da maior impor-tância na UFG e que se espalha com seu trabalho resistente pelas comunidades campesinas Goiás afora. Pessoas pelas quais tenho ca-rinho fraternal. É um prazer compartilhar com vocês, professores, estudantes e representantes das comunidades e movimentos sociais aqui presentes o projeto de pesquisa de pesquisa de doutorado que está sendo desenvolvido. Ele nasceu no e do nosso Projeto de Exten-são Terra Encantada: gente miúda, direitos integrais. A realidade do campo no Brasil mostra-se bastante comple-xa, com muitas contradições e desafios que se apresentam na ordem do dia, para citar alguns: a necessidade de preservação e socializa-ção dos saberes tradicionais e o acesso aos velhos e novos conheci-mentos científicos e tecnológicos, a exploração do agronegócio, a sobrevivência da agricultura familiar, a luta pela terra, a relação ser humano e natureza, o lugar da escola do campo. Ao observar as condições de vida nos interiores de um Bra-sil, por vezes um tanto esquecido e desconhecido, é possível perce-ber inicialmente que a escola do campo é, além de um espaço de partilha de saberes, um lugar central que congrega as alegrias e tris-tezas do povo. Ao mesmo tempo, nesses lugares onde majoritaria-mente o Estado mostra-se bastante ausente, percebe-se que a escola pública, ainda que precária, é uma das escassas representações do poder público, problematizando também as noções de direito e de oportunidade.

A escola da Educação do Campo nasce como uma das dimensões da luta pela conquista de um modo de produção da vida. Nesse sentido, se articula com um conjunto de princípios, conceitos e práticas em construção, no conjunto das lutas empreendidas pe-los trabalhadores do campo. Sendo assim, a escola também se insere como um território a ser ocupado (ANTUNES-ROCHA; MARTINS, 2012, p. 31).

¹ Este texto apresenta as intenções do projeto de pesquisa de doutorado e deu base para minha apresentação na Mesa intitulada “Educação do Campo, Corpo e Infância” na II Jornada Magnífica Mundi – Jornalismo, um livre com-partilhar (FIC/UFG). Agradeço imensamente pelo carinho e oportunidade.

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² Conforme discorre Horkheimer em Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976.³ Há diminuição significativa do tempo de aprendizagem das referidas disciplinas escolares, exacerbada atualmente pelos programas de avaliação go-vernamentais baseados no rendimento do estudante e da escola com ênfase nas disciplinas de português e matemática. Os últimos textos de Luis Carlos de Freitas abordam bem a questão.

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Concordando ainda com as autoras acima: “na escola do campo, a realidade é uma totalidade [...] Parte-se do campo, já em transformação, encontra-se uma escola também em movimen-to e, nesse encontro, fortalece-se um projeto de produção da vida” (Idem). Nesse sentido, os conhecimentos a serem desenvolvidos no espaço escolar, a priori, precisam coadunar com as necessidades e interesses da comunidade e das lutas. Tem-se aí um grande desafio dos currículos escolares, universitários e da prática pedagógica. Vivemos uma problemática social que se desdobra numa hierarquia de saberes. Essa, diz respeito à valorização exacerbada de uma dita racionalidade² que, ao privilegiar o trabalho intelectu-al, desvaloriza as manifestações corporais e artísticas, e os proces-sos de autonomia e reflexão que podem nos ajudar a desconfiar da ordem estabelecida. Pode-se indicar como desdobramentos mais imediatos dessa visão na Educação Básica: corpos excessivamen-te disciplinados, um esvaziamento de sentido desses saberes no currículo, um currículo altamente fragmentado, a diminuição de carga horária³ e a falta de incentivo à formação para atuar com disciplinas como a Educação Física, Artes, Sociologia e Filosofia, além das precárias condições de trabalho e de aprendizagem. Considera-se também importante esclarecer que, este con-junto de conhecimentos, juntamente com outros saberes escolares e populares, possui um potencial de articulação da relação ser hu-mano - cultura - natureza. O corpo é justamente a matriz de nossa existência, e traz em si características exclusivamente humanas, como a cul-tura, o trabalho e, junto com esses, aspectos como: gênero, raça/etnia, sexualidade, classe social, geração, elementos psicológicos e biológicos, ou seja, a própria integralidade do ser. Considera-se o corpo, baseando-se em Silva (2006, p. 26), como:

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[...] um ponto privilegiado na interconexão entre natureza e cultura, pertencendo concomi-tantemente, a ambos os mun-dos - natural e social - fato que o torna uma temática privilegiada, nestes tempos em que a situação mundial caótica, mergulhada na ordem econômico-social capita-lista, se vê complicada por uma crise ecológica sem precedentes.

As crianças, como seres fortemente cor-porificados tendem a agir no plano concreto e no tempo presente, informando seus desejos, interesses e necessidades, por meio do brin-car e do movimento como um modo privi-legiado de se expressar e viver suas expe-riências (KUNZ, 2005; WALLON, 2008). Há de se ressaltar que, como nos desen-volvemos nas interações entre o ambiente e os seres, o brincar e o movimento são tam-bém construções culturais, portanto, trazem em si elementos significativos da cultura de um povo e da sua história. Outro ponto a se destacar é que as crianças são importantes porta-vozes do cotidiano, dos anseios, sonhos e novidades de uma comunidade, por isso considera-se importante buscar apreender a realidade a par-tir da perspectiva delas, especialmente. Olhar para os sujeitos desses lugares, particularmente para as crianças, pode nos indicar possibilidades de vivência e convivência mais plenas. Pode também nos fornecer elementos marcantes, nuances e sutilezas dessas sociabilidades, que acabam por nos ajudar a compreender os problemas e possibilidades de nossa realidade mais ampla, sem perder de vista aquilo que se almeja como projeto de vida autônoma para todos. Como é ser sujeito-criança no campo? Em que medida o movimento, a brincadeira, a expressão corporal e as manifesta-ções culturais são levadas em consideração na prática pedagógica na escola? O que as crianças dizem (em suas mais diversas lin-guagens) sobre sua infância, o que desejam e esperam?

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Os questionamentos foram instigados pela parceria com a Co-munidade e Escola do Sertão, por meio de nosso Projeto de Extensão Terra Encantada: gente miúda, direitos integrais. Tais indagações ins-piram meu projeto de pesquisa de doutorado que está sendo desenvol-vido no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília. Ele tem como lócus de investigação o próprio Sertão.

A literatura sobre o campo Para Pessoa (2007), desde a metade do século passado, há um crescente processo de modernização conservadora na economia brasileira com desdobramentos marcantes nas relações produtivas do campo e no modo de viver. O autor afirma que as regiões rurais tem sido analisadas hegemonicamente apenas sob duas perspectivas: “a) seu potencial escoador de produtos industrializados; b) sua função

de fornecedor de produtos primários para abastecimento dos centros urbano-industriais” (Idem, p. 15). Tais

perspectivas limitadas, obviamente, descon-sideram aspectos importantes para a

população dessas regiões, tais como: [...] qualificação de mão-de-obra, desenvolvimento educacional, cres-cimento dos padrões de consumo -

enfim, a reprodução sustentável dessa mesma população -, nunca fizeram parte da

contabilidade do nosso processo de moderniza-ção” (PESSOA, 2007, p. 15).

Nas instituições escolares do campo os desafios são muitos, pois as condições das mesmas são, com frequ-

ência, bastante complicadas no que concerne à: mo-delos impostos, por vezes advindos da cidade; má estrutura física; insuficiente remuneração dos pro-fessores; problemas no transporte; dificuldades de continuação dos estudos, enfim, a ineficiência do Estado em gerir a educação campesina. Como defende Arroyo (2007), é preciso rever e superar com urgência as políticas públicas educacionais

que desconsideraram as especificidades do campo e negaram suas raízes culturais e sociabilidades. Na medida em que há dificuldades profun-das na vida do campo, há também fortes resistências e estratégias de superação desses processos, destaca-se

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nesse sentido a relação íntima entre a consolidação da Educação do Campo, especialmente observada nos últimos dez anos, alinhada com a luta pela reforma agrária. Antunes-Rocha e Martins (2012), analisam que os movimentos sociais camponeses, assim como, a produção e socialização de reflexões teóricas com base nas práticas pedagógicas das escolas, são componentes essenciais na construção de formas mais dignas de formação humana para os sujeitos e as comunidades. E são esses caminhos que vem permitindo tecer prin-cípios, conceitos e métodos de forma articulada para a educação formal. Molina (2012, p. 240), dialogando com as autoras acima, acrescenta ainda que houve:

[...] o acirramento das contradições e da luta de clas-ses no campo, em função da intensificação da lógi-ca de acumulação de capital no meio rural ocorrido nesse mesmo período histórico, em decorrência da consolidação do agronegócio, que representa uma aliança entre os grandes proprietários da terra, o ca-pital estrangeiro e o capital financeiro.

Os avanços, como respostas das lutas, são significativos, e mesmo com a criminalização dos movimentos sociais e as ruptu-ras nas políticas públicas já conquistadas, tem-se buscado construir uma Educação do Campo gestada a partir dos anseios e necessi-dades dessa realidade, o que tem se configurado em “territórios de esperança” (Idem). É importante ressaltar que a escola tem um potencial de de-sempenhar papéis imbricados: de acesso aos conhecimentos siste-matizados e de articuladora dos coletivos, num ambiente de comu-nicação, reunião e apoio6. É igualmente um lócus de produção da vida e de encontro, visto que a organização espacial faz com que as pessoas morem, por vezes, muito distantes umas das outras e pos-sam nesse ambiente conviver cotidianamente. E, por isso, a relação entre alunos, professores, população e a instituição costuma ser or-gânica e afetiva.

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6 No caso da comunidade do Sertão, e que pode ser observado também em outros lugares -, a escola é o espaço que recebe o serviço médico para o aten-dimento do povoado; quando o rio sobe e inviabiliza a volta das crianças para casa, às vezes tem de dormir na mesma; é o lugar de reunião da comunidade nas festas populares e nos momentos difíceis.

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Tendo em vista os sentidos e significados da escola, é impor-tante dizer da necessidade de um projeto de educação, como defen-de o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST, que valorize os saberes e a cultura do local, ou seja, “Não é uma proposta que destaca a exclusão social e a carência social, mas que afirma a iden-tidade sociocultural, que valoriza as matrizes culturais significativas para os sujeitos e que destaca as trajetórias sociais como fonte de aprendizagem” (SOUZA, 2006, p.79). A dimensão da corporalidade é elemento central nessa re-flexão, justamente por provocar ou (re)colocar a ideia de interlocu-ção entre corpo-natureza-cultura. Silva (2006) ao escrever sobre as concepções de corpo ao longo da história dá ênfase ao modo como os antigos gregos, na sua organização em polis e em comunidades, entendiam a ideia de physis, que é essencial para compreender a perspectiva de corpo aqui defendida. O termo physis indicava a interligação permanente entre to-dos os seres e era também visto como sinônimo de natureza que seria: “uma essência que se mantém e que, ao mesmo tempo, produz uma identidade, uma irmandade entre todos os seres”. A autora deixa claro que este conceito só pôde ser gestado “por sua base política fundada na concepção social da cidade gre-ga e no princípio daquilo que se veio a reconhecer como o berço da democracia (Ibidem, p. 39), fator que nos ajuda a refletir sobre as atuais concepções de corpo como máquina e de fragmentação da vida. Physis é raiz da expressão físico, que tem sido utilizada frequentemente como sinônimo de corpo, todavia, diferentemente do seu uso anterior, esse é entendido de forma reduzida à dimen-são biológica, sem relação com a natureza, com a alma, com o cosmos (Ibidem). Recuperar o sentido primeiro sobre a physis humana, torna-se importante, pois

a diferença terminológica expressa a mudança dos valores ético-políticos [...] e que serão exacerbados na atualidade; a sociedade hodierna usufrui da diluição gradativa dos preconceitos, mas sofre com a perda do sentido de coletividade, com o distanciamento da alteridade e com a quebra da ligação com os outros seres da natureza (Ibidem, p. 38).

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Ainda que seja importante reconhecer a impossibilidade de viver plenamente a corporalidade a partir dessa perspectiva, ela pode se situar como fonte de utopia, provocação, de esperança, e novos projetos de vida e educação (Ibidem). Vê-se na corporalidade das crianças um desses “troncos uni-ficadores de conhecimento e de sensibilidade” (BRANDÃO, 2005).Acredita-se que ela pode revelar muitas histórias, jogos populares e novas brincadeiras, muitas invenções e reproduções, anseios e reali-zações de nosso cerrado. A educação, paradoxalmente, pode servir tanto para a dis-seminação dos valores em voga, como para a construção de resis-tências e de novos projetos. É também urgente uma concepção de educação que apresente perspectivas teórico-metodológicas condi-zentes, como assim apresenta a Educação do Campo, capazes de ins-tigar consciências individuais e coletivas sobre os problemas que nos assolam e ao planeta, e formas mais dignas de buscar enfrentá-los e de viver. A escolha do lugar a ser pesquisado não é aleatória, ela se dá em virtude do trabalho comprometido e resistente, da comunidade e da escola, com a formação das crianças, adolescentes, adultos e jovens, além das características de auto-gestão do povoado, como pode ser percebido na agricultura familiar e nos projetos de agroe-cologia ali presentes.

Meninos

Vou pro campoNo campo tem flores

As flores tem melMas a noitinha estrelas no céu, no céu, no céu

O céu, da boca da onça é escuroNão cometa, não cometa

Não cometa furosPimenta malagueta não é pimentão, tão, tão, tão

Juraíldes da CruzTocantinense de Aurora do Norte,

setanejo por opção.

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C I N E M A E D E M O C R A C I A N A A M É R I C A L AT I N A

IMAGENS QUE NÃO CALAMCONFERÊNCIA Roberto Abdala, Angelita Lima e Alícia Sagues | DIAGRAMAÇÃO Lucas Botelho, Jéssica Adriani e Vinicius Pontes

ALLEGRO

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C I N E M A E D E M O C R A C I A N A A M É R I C A L AT I N A

IMAGENS QUE NÃO CALAMCONFERÊNCIA Roberto Abdala, Angelita Lima e Alícia Sagues | DIAGRAMAÇÃO Lucas Botelho, Jéssica Adriani e Vinicius Pontes

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Roberto Abdala

B om dia. Eu recebi o convite e é uma honra vir falar aqui. Tenho uma dificuldade de falar em público, assim, considerando que estou na

mídia , essas coisas. Historiador em geral fica nos museus. O lugar mais arejado que ele conhece é a sala onde trabalha. Então, tudo são arqui-vos, museus e coisas do ramo. Eu queria agradecer a oportunidade de falar e cumprimentar as pessoas da mesa também, porque uma cultura que eu acho muito importante também - e cada vez mais fundamental - é a gente pensar nessas questões, na verdade, na importância das mídias para gente construir o que eu chamaria de democracia.

Não sabia quanto tempo eu teria para falar. Aí, gostaria de falar dessa coisa que tem me chamado muita atenção. Eu, com meu olhar de historiador, penso na mídia contemporânea e, sobretudo, o potencial que tem o cinema para inventar histórias. Para nós, não é no sentido negativo, é sempre poética. Isso faz com que a gente goste mais do mundo, tenha um outro olhar para esse mundo. Muitas ve-zes, porque não é partilhado por todos, eu acho que a gente tem que aprender a andar nesse mundo contemporâneo. Superar essa coisa da gente achar que fazer poesia, fazer arte, é uma coisa de segunda categoria, que não tem significado,

Assim, o cinema, como invenção do mundo. É fundamental como também a literatura, como são também outras formas de arte, outras formas de pensamento. Mas eu queria trazer um pouco o olhar do cinema para o campo da história. Para a gente pensar nisso, ou seja, pensar um pouquinho essa historicização onde o cinema aparece, principalmente pensando na democracia. A democracia que a gente conhece é a democracia grega. É lá que eles inventaram, digamos as-

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sim. Uma democracia um pouco manca, porque é para os cidadãos que eram, na verdade, proprietários de terra. Tinha escravidão na Gré-cia e ninguém fala disso, é uma democracia “pero no mucho”.

Não é tanto assim! Mas é importante a gente pensar nessa de-mocracia grega porque as pessoas íam para a praça pública debater as questões coletivas. A praça pública era o espaço onde se deba-tiam essas questões. Aí depois, ao longo da história - não da história universal, mas da história ocidental, nossa história, da qual a gente faz parte, embora nós tenhamos outras histórias - esse elemento vai ganhando outros espaços, daí esse debate público vai para o cenário romano. Daí, vai pra igreja, no período medieval. Vocês vejam que o caminho se torna cada vez menos público. Da igreja, de uma certa maneira, vai haver uma disputa entre as universidades que não são tão republicanas assim, e também o rei, que de uma certa maneira vai tentar segurar, principalmente através de uma grande novidade que é a escrita.

Você começa a limitar o número de pessoas que tenham aces-so a esses debates e, obviamente, o rei também está brigando para

“”

Tinha escravidão na Grécia e ninguém fala disso, é uma

democracia, “pero no mucho”

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conquistar esse debate. Mas aí acontece uma coisa que é o seguinte: a idéia de uma racionalização da esfera pública, o que tira de uma certa maneira o poder do rei. O rei continua perseguindo as pessoas, aquelas que não o apoiam, e elas vão, em algo chamado de esfera pú-blica aqui, criam a chamada burguesia e vão conseguindo autonomia e começam a falar só entre eles .

Era isso que eu queria trabalhar um pouco. Eles conversavam só entre eles ali e eles metem o pau no Estado, mas é só entre eles. É óbvio que em alguns casos, como o Voltaire, que começa a ser per-seguido; o Rousseau começa a ser perseguido. Esses caras tornam-se porta-vozes desse poder que nasceu ali, ai no século XIX. Vocês me desculpem ficar disso, mas é para a gente pensar como é que aparece essa nova forma de expressão e o significado que ela tem. Isso que é importante para gente pensar.

No século XIX, muitos países vão promover a mesma coisa, novas tecnologias vão parecer. Têm aí a imprensa industrial, os car-tazes com um apelo visual novo. Já no finalzinho tem a fotografia que começa a incomodar um pouco, porque ela não exige tanto que o cara tenha habilidade para pintar. Podia usar uma máquina para apreender alguns aspectos que ele queria lidar com eles. E, no final, inventa-se o cinema. Para não ficar falando só de história, o cinema vai se tornando uma experiência que ninguém sabe exatamente o que é. O que a gente tem hoje com a internet, ninguém sabe também exatamente o que é. As pessoas experimentam, fazem uma coisa, fazem outra.

1910, 1915 já se tem uma certa linguagem, você já tem alguns filmes que aparecem. Mas o que importa mais é que logo que o ci-nema aparece, ele vai ser usado pelos grandes Estados. Griffith, que era um grande cineasta daquela época, vai se tornar renomado por causa disso, inventa uma maneira de contar uma história, olha que bacana. E é isso que interessa para a gente que é da história, ele conta uma história, agora ele vai contar uma história dos Estados Unidos. É lógico que a história dos Estados Unidos é aquela que interessa aos governantes. E, assim, você vai ser logo após o nazismo, em que vai se usar o cinema com finalidades muito parecidas.

Depois, vai ter aqui no Brasil a ditadura, que chama um im-portante cineasta mineiro, o Humberto Mauro. E em Minas Gerais fica parecendo, quer dizer para quem olha, “agora acabou”. Antes você já não podia disputar, tinha lá no século XIX os primeiros

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No período moderno tem a invenção da

escrita que é uma nova forma de comunicação, porque ela obriga que as pessoas aprendam a ler.

escritores que eles vão se posicionar contra os governos, tem esse en-gajamento dos intelectuais. A partir de então, você contrata o cara, paga ele e fala ”faça cinema, nós estamos te pagando, olha Hollywood ali, olha os milhões que estão caindo em cima de você”. Só que não é bem assim, gente. Porque você fabrica uma coisa e isso tem vida pró-pria, o monstro tem vida própria, e o monstro é o cinema.

Benjamin, lá nos anos 30, falava “olha, a gente não sabe o poder do cinema”. Estou falando desses caras, porque esses caras têm um outro olhar pro cinema. Ele e o Willians que eu acho que são bacanas, porque olham para as origens. Eles estão dizendo uma coisa que nin-guém quer ouvir e que eu acho que a gente precisa, porque é isso que estamos debatendo aqui.

Eles estão dizendo uma coisa que ninguém quer ouvir e eu acho que é a gente que tem que ouvir: que da mesma forma que a imprensa serviu para segurar só aqueles que tinham o conhecimento da escrita – mas, depois, vai se tornando com a educação –, ela vai escapando do domínio, ganhando outros lugares. É a mesma coisa com o cinema. Nós estamos falando aqui no Brasil, você pode pensar nisso inclusive na Globo. Ela e outras televisões interferiram na vida política do Bra-sil. Ajudaram a fazer o Golpe de 64 - que completou 50 anos- interfe-riram diretamente na vida do Brasil. Fabricaram algumas concepções de mundo que não tinham nada a ver com a realidade.

“”

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Benjamin lá nos anos 1930, falava: ‘olha, a

gente não sabe o poder do cinema’

Era uma invenção pura e simples do pior tipo que a gente pode imaginar. Não tem nada a ver com o real; na verdade, é uma distorção. De uma certa maneira, ajudava a manter as coisas como elas estavam ou a piorar as coisas. O que é o mais importante, a tec-nologia é uma coisa que qualquer um consegue, ela foi avançando, não tem como você segurá-la. Hoje, você pode pegar o seu celular, sacar aí do bolso e fazer um registro de uma distorção, de um espan-camento, de uma opressão qualquer. Vai para sua casa com um no-tebook pequeno, publica aquilo no YouTube. Você está fazendo um tipo de registro que era feito no início do sistema. Isso é um tipo de ferramenta fenomenal. É uma novidade nos termos das narrativas.

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O que essa narrativa passou a ser? Quer dizer, a narrativa que, até então era aquela que você ouvia, alguém fazia que você assistis-se, rompe com isso. Agora você pode fazer sua própria narrativa. Você pode intervir neste processo. Você individual, você coletiva-mente. Você pode fabricar outra coisa. Você pode usar essa tecno-logia e construir uma nova história daquilo que está acontecendo ali. É diferente de você colocar aquilo nas mãos de outra pessoa. Isso para mim é um aspecto revolucionário. O cinema ganha uma importância estratégica, absolutamente fantástica. Ele se torna revo-lucionário. Porque você pode pegar um acontecimento qualquer, um evento, uma dor qualquer e transformar isso numa narrativa que é sua. Mostrar para um público, para o mundo, uma narrativa que é sua, como você vê.

Isso, verdade, vai subtrair destes mesmos agentes, que eram poderosos, que tinham monopólio da fabrica, do poder. É um incô-modo e eles não sabem como lidar. Por isso, querem censurar. Nós não sabemos como lidar e podemos construir uma narrativa para nós mesmos e diminuir o silêncio. Esse silêncio é o mais doloroso. O espaço que nos é oferecido possibilita qeu nos tornemos os pro-tagonistas nestas histórias. O que voltaria, talvez, naquelas primeiras oportunidades, no momento antropológico, onde ficávamos em tor-no da fogueira, gritando e contando nossas experiências.

Talvez seja a grande oportunidade de fazer isso de novo, de uma forma tecnológica. Podemos contar para os nossos companhei-ros como nós vemos essa parte da história. A contribuição do cine-ma é que tem um segundo apelo que é maravilhoso, a estética. Que é uma coisa que, além de falar com a nossa razão, fala com o nosso coração. Faz a gente chorar, se mobilizar, se levantar, às vezes, espu-mar de raiva. É muito importante pensar nisso, como é que o novo cinema nasce - eu não sei quando ele nasce. Esse cinema, de fazer com câmeras poderosas ou com celulares, vai interferir na maneira de pensar no mundo ou de uma maneira mais complexa do modo que nós pensamos.

Não estou falando deste grande cinema. É obvio que a gente pode pensar em um cinema muito melhor, de uma maneira agradá-vel que nos fala muito mais diretamente, principalmente para nós, latino-americanos e que tão pouco nós vemos. Ou que pelo menos tão pouco vemos a nossa experiência social representada no cinema. Raramente, nós temos esse prazer. Numa nova forma de viver cole-tivamente e, sobretudo, uma nova forma de se expressar entre nós.

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Angelita Lima

Obrigada, professor. Então passo para Alicia. Mas antes vou só fazer um comentário que estávamos discutindo muito lá na Magnífi-

ca. O professor participou de umas conversas nossas nesta questão da tecnologia e de novos sentidos, que estamos passando pelo momento da ruptura do monopólio da fala. Todos nós podemos falar, nós preci-samos agora enfrentar, com eficácia o rompimento do monopólio dos sentidos. Ou seja, não basta quebrar o monopólio da fala, sermos o pro-tagonista da nossa história se nós permanecermos no monopólio dos sentidos, no sentido discursivo, que é criado, que está posto, e que às vezes a gente cai nessa armadilha. Então, é uma questão posta por nós. Uma questão que eu acho que depois podemos debater. Então agora eu passo para a Alicia, nestes poucos minutinhos.

Alicia Sagüés

Obrigada. Eu vou falar em portunhol. Eu vinha aqui sem saber o que dizer. Ontem à noite, falando com meu marido, que é um

cineasta muito provocador. Mas algo muito íntimo, especial. Então, fa-lando aqui em democracia e cinema: a democracia mata o cinema, mui-to. E tem razão. Porque, acho que a democracia é uma comunicação, quando ela está consolidada. Quando você acha que um país está bem, a gente não tem nada o que dizer. Não tem nada o que discutir. Não tem nada o que criar, pois está tudo na sorte, tudo é fácil.

A democracia, quando está consolidada, quando você acha que um país está bem, que tudo funciona, - que falamos recentemente - a gente não tem nada que dizer, não tem nada que discutir, não tem nada que criar, porque está tudo resolvido, tudo é fácil. E o cinema nasceu contestatório, se alguma coisa se pode dizer do cinema, é que uma rea-ção à realidade. O cinema sempre está, por natureza, como algo provo-cador. Tem que ser! Porque se não está além de um produto industrial que não transmite, não transmite nada. Você tem que pensar.

Os cinemas, verdadeiramente, os clássicos do cinema matam a vida dura de vocês, foram feitos em momentos especiais, em momentos de crises, em momentos de revolução social. O cinema de Hollywood,

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É muito importante pensar nisso, como é que o cinema,

esse novo cinema que nasce - eu não sei quando ele nasce. Esse

cinema , de fazer com câmeras poderosas ou com celulares, vai in-

terferir na maneira de pensar no mundo ou de uma maneira mais

complexa do modo que nós pensamos.

Não estou falando deste grande cinema. É obvio que a gen-

te pode pensar em um cinema muito melhor, de uma maneira

agradável que nos fala muito mais diretamente, principalmente

para nós, latino-americanos e que tão pouco nos vemos. Ou que

pelo menos tão pouco vemos a nossa experiência social represen-

tada no cinema.Raramente, nós temos esse prazer. Numa nova

forma de viver coletivamente e, sobretudo, uma nova forma de se

expressar entre nós. É basicamente isso o que eu tinha o que dizer.

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Quantos filmes que não têm nada o que dizer, não deixam nada na nossa alma?

por exemplo, é um cinema que não produz nada. São bons os filmes dos sábados à tarde. São fantásticos! Mas é o típico cinema de Hollywood. Acho que são filmes espetaculares, de muitos efeitos, alguns com 3D, 4D, 5D, mas não provocam em nós nada mais do que o efeito da duração do filme. Depois, volta para casa e esqueceu aquilo. Não se lembra mais do filme, do ator, de diretor, não lembra de história nenhuma.

Mas aqueles filmes que nós lembramos foram feitos em um momen-to especial, no contexto do realizador. E os filmes mais representativos, de pensamento visual, como audiovisual do Brasil, são feitos em momentos de crise democrática. Momentos revolucionários foram feitos quando a gente começou a dimensionar a situação que passou, mas essa pode voltar. É um momento crítico. E, aí, o cinema provoca uma reação.

Quantos filmes que não têm nada o que dizer, não deixam nada na nossa alma? Porque aqui nós podemos fazer as leituras múltipas, muitos ní-veis - nós especialistas somos fantásticos para fazer histórias (d)e histórias, mas nenhuma coisa acontece se não acontece dentro de nós. Na fibra, em nosso coração. Então, a gente tem essa provocação permanente do Agustin : é, tem certeza porque a democracia não provoca, tem que provocar solu-ções. Mas quando tudo funciona bem - o que é ótimo, é o que nós todos queremos -, o cinema, as artes todas passam a ser mais tranquilas, a ter menos respostas,

Porque, também, a gente pode pensar no que a parte estética provo-ca, e há sempre um olhar no primeiro plano. Você tem, com uma visão artística, um plano geral da vida, não um primeiro plano. Não está no um-bigo, não está o mundo aí, o mundo está lá! Longe, no horizonte. Se você tem esse olhar, você tem mais preocupações do que a que tem aqui, agora. Então, os cineastas - que têm esse olhar - sempre estão provocando. Mas o problema é que no cinema são três partes: o diretor, ou a equipe de produ-ção; os realizadores, os criadores; e, por fim, a exibição, mostra deste filme.

“”

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...se alguma coisa se pode dizer do cinema, é que é uma reação à realidade.

“Isso é o que a democracia também controla, os circuitos de dis-

tribuição onde se pode compartilhar essas histórias, essas idéias, esse olhar do produtor, do realizador. Esta coisinha que está aí, (esta preti-nha, quadradinha?), essa agora está permitindo que possamos compar-tilhar, mais para lá ou para cá. Essa praça pública dos gregos não está mais aí. Nós temos a responsabilidade de provocar, mas estas tecnolo-gias que permitem fazer essas coisas - streaming, blablablablá - também têm um risco, né?! Que é que: falta sentido crítico.

Aconteceu uma coisa muito especial que é um alerta para nós. Uma pessoa que ninguém sabe quem é, ou não importa quem é, tirou uma fotografia, uma foto-retrato, e colocou na internet. Ou seja, uma pessoa que não era a mesma pessoa que fez a foto. Isto também é graças às tecnologias. Porque o que falta é essa educação no uso das tecnolo-gias; nos falta pensamento crítico e rigor. Qualquer um pode até escre-ver, mas nenhum é escritor; porque pode fazer cinema, mas quantos são cineastas? Qualquer um pode provocar uma notícia, mas nenhum é jor-nalista. Há uma diferença muito importante, porque a ética profissional, o rigor, a formação crítica são coisas que têm que ir junto, misturados com a mesma construção da coisa, qualquer coisa que seja.

Agora, desde a criação do vídeo, o cinema é feito por qualquer um. Eu faço um filme, é fantástico, mas isso é um filme? Tem todo o rigor que precisa um filme para ser o que se supõe que tem que ser? Você filma um acidente de trânsito, pega na internet, “a mãe de menino que morreu com um carro que passou em cima dele”, está na internet. O

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...se alguma coisa se pode dizer do cinema, é que é uma reação à realidade.”

seu filho morto, ninguém fala pra ela. Isto está certo? Acho que esse é o perigo da democracia. Voltamos a ter escravos! Mas escravos das tecno-logias agora. E é um círculo vicioso. Parece que nunca vamos conseguir sair desse modelo de democracia que alguém tem poder, alguém não tem poder, alguém tem conhecimento, que é poder, alguém não tem, mas todos fazem coisas.

Porque tenho certeza que os escravos, em uma democracia grega, também faziam umas coisinhas que os donos deles não sabiam e que não estavam permitidas. Mas nós não temos registros disso. Mas é só pensar que teremos certezas. Toda gente sempre faz coisas. Então, acho que falamos de tecnologias, falamos de imagem, de estética, são muitas variáveis. Mas falamos da história, sempre. Eu sou também historiado-ra - Por quê? Porque sempre são construções, desde um ponto de vista específico, mais ou menos conscientes, de autor da história.

A ética está entre as mais importantes, mais importante que a história de ficção. Mas a história sempre é ficção, porque são constru-ções deste ponto de vista específico, mais ou menos conscientes do tom da história, mas a história, como escrita, ou filmada, mais rigorosa, me-nos rigorosa e é mais comprometida ideologicamente. A arte sempre tem que começar novas conversas acrescentando, porque essa é uma coisa que, um dia, desenharam para mim há 30 anos. Mas sempre tem que começar, sendo um ponto de vista de cada vez. Seria ideal que fosse sempre o mesmo. Seria bom, procuro ter sempre o mesmo. Todos te-mos que começar a falar quem somos, sempre.

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Adorei a síntese da história que você fez em cinco minutos, a história da humanidade, fantástico. É um perigo, mas está bem. Mas por que ninguém quer fazer críticas? Temos a tecnologia que facilita tudo, mas é um perigo, o limite entre bem e mal está na ética. Está, a rigor, na capacidade crítica do que estamos a fazer. Parar e pensar. Sou muito amante do silêncio, e agora não há silêncios, os filmes são blúlúlúlúlú, de imagens e sons.

As falas não têm silêncios; a gente fala aqui, fala lá e ninguém se escuta. Vocês que têm a responsabilidade muito grande de fazer também opinião pública. Têm que procurar, porque a gente precisa de silêncios pra pensar, porque se você está sempre escutando não pensa. Lembro só de um filme, para fechar, que eu vi quando eu era muito pequenininha: era um documentário sobre os meninos da África e o documentário é típico de ações periódicas, que sucedem coisas em imagens e uma pessoa fala sobre ela. Era um menino, que estava brincando com uma liga. O menino estava na terra, comple-tamente nu, brincando com a liga.

E o homem que falava sobre a história, falava sobre o menino brincando: ‘’Mas menino isso aqui é a África, são tão felizes por qual-quer coisinha que elas encontram e brincam’’. Mas o menino tinha uma desnutrição grau cinco. Tinha três anos e media 20 centímetros. Amanhã estaria morto com certeza, mas certamente estaria brincan-do. Imagina a imagem: que estúpido esse homem! Somente se fixou no brinquedo, porque ele (o homem) o atirou lá, no lixo, e o menino pegou do lixo o brinquedo, mas sem ter o que comer, e estava sendo altamente criativo. Nós podemos tocar a verdade, a realidade, em qual-quer coisa. O cinema permite também isso, mas também é um perigo. Acho que a democracia tem que estar em mim.

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DEBATE

Angelita Lima

Gostaria de comentar que o portunhol da Alicia melhorou demais, e já esta-

mos com 85% de compreensão. Mas, acho, que fica uma questão aqui que a democra-cia não provoca, de qual democracia está se falando? Agora, apesar do atraso, temos um tempinho para algumas perguntas e isso poderia voltar aos temas. Alguém se habilita, quer fazer alguma perguntinha?

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Amanda França

Eu fiquei um pouco confusa nessa ques-tão de democracia que ela falou. Eu

fiquei achando que você falou que demo-cracia é comodidade, é conforto. Assim, eu acho que é o contrário, que democracia é um conjunto de ideias e não uma ditadu-ra do discurso. Eu acho que a democra-cia possibilita que as pessoas sejam mais criativas e que, em tese, deveria ser assim. Acho que não seria uma democracia hoje, essa questão, uma democracia mais velada, porque para mim é justamente o conflito de ideias. Tem que ter autonomia, a pessoa tem que saber o que ela está falando.

Ana Dirino

Só sobre essa análise que o professor fez da história do cinema, porque em vá-

rios pontos - que a gente vai falar de cinema - eu já vi fazer essa linha, e sempre me faço perguntar em que ponto dessa história do cinema a gente está hoje?, Juntando com o que a professora falou, a que ponto da história do cinema nós estamos com tantas tecnologias e com tantas vezes essa falta mesmo de ética ou de você se especializar naquilo , de você saber o que está fazendo, eu me pergunto às vezes se daqui uns anos a gente vai poder fazer essa análise do tra-balho, da qualidade do trabalho de cinema que está sendo feito agora. Acho assim, que

tem possibilitado muitas coisas, tem pos-sibilitado principalmente expandir , por-que não é todo mundo que tem acesso. A que ponto que isso está sendo benéfico? Muitas vezes têm trabalhos excelentes, mas a gente sempre se depara com isso e se a gente for analisar, qual análise nós vamos fazer do cinema atual? Na questão da democracia, se a gente está produzin-do tantas coisas, tantas ideias, será que realmente existe isto? São muitas as ideias que dão de frente, com essa questão da real democracia. Então, quando vocês falaram, despertaram idéias que eu vou levar para além daqui, um pouquinho.

Roberto Abdala

Eu quero dizer que eu achei fantásti-ca a fala da Alicia. Quero dizer que o

mais importante e que se torna o grande desafio para nós é o como fazer?. É o que fazer com isso talvez seja o maior desafio que a humanidade tenha que pensar, que passar, embora a gente não tenha acesso a tudo. Como de uma certa maneira trazer democracia para nossa prática cotidiana, para o nosso olhar. Fazer com que isso seja a marca da nossa forma de expressão. Realmente isso é o maior desafio. Sobre a primeira pergunta foi até para professora, então não vou falar nada, vou falar um pouco do que ela falou.

Eu acho difícil a gente, que é his-toriador, tem uma prática assim: só sabe depois que a coisa acontece, só fala do passado. É muito difícil, por isso que eu falei que acho um grande desafio, saber o

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que virá a seguir. Como é que a gente vai pensar isso e acho que, fundamentalmen-te, a ética. Até tinha uma outra pergunta para professora que era o seguinte “Como construir essa ética?”. Esse é o grande de-safio, um dos grandes desafios. Falando de uma maneira mais genérica, como qualquer forma de arte, com o cinema , na verdade, sempre você vão haver mo-mentos fabulosos, que vão sempre nos desafiar, fazer novas leituras do mundo para qual a gente não esteja ainda aberto.

Inclusive, essa é a função da arte, nos apresentar outras maneiras de ver o mundo. Não adianta estudo, se você não tem nada a dizer. Eu fico pensando assim no futuro, esse momento, sobretudo, ele vai ser um desafio, mas que a gente vai ver que essas tecnologias nos oferecem uma gama de possibilidades de lidar com a linguagem audiovisual. Isso também é um desafio. Quer dizer, o que fazer com tudo isso? Não adianta nada você ter essa tecnologia e não ter nenhuma finalidade. É barulho e gente explodindo.

Aqui na mesinha você explode. Pronto, já fiz uma grande explosão. Nes-se período do avanço da tecnologia há um ponto de evasivos significados. É a impres-são que eu tenho. Talvez eu esteja muito errado, é o grande vazio do significado. O que dizer? E talvez, esse também, seja nos-so grande desafio. Quer dizer, lidar com esses elementos de maneira que isso seja provocativo, que isso promova transforma-ções na sociedade e não que isso repercuta na sociedade que, na verdade, é uma so-ciedade pobre. Inclusive de significados. É um paradoxo o tempo todo, você está com imagens, sons e tal e, ao mesmo, cada vez ela está mais pobre. Talvez os silêncios nos tragam mais significados.

Alicia Sagüés

Vou te provocar. Também falei que as democracias se consolidaram, aquelas

que funcionam. Estados Unidos têm uma democracia perfeita, ninguém participa, mas todo mundo pode participar (risos). Mas a possibilidade não é a realidade, não é igual. Mas você pode participar se quiser. Você não tem a liberdade, mas a liberdade também. Só uma condição que temos cer-teza: as democracias também são ditadu-ras, a democracia é a ditadura da maioria que pode silenciar completamente as mi-norias. E isso não é bom, né?

Acho que, tampouco é uma coisa óbvia e acredito que possivelmente nós po-demos trocar isso que é o que você falava que é como educar. Também vocês como jornalistas têm uma função nova, que não sei se está muito trabalhada. Todo tempo, a gente olha ou escuta notícias são feitas com uma solenidade que não dá espaço ao povo. Isso provoca desinformação, defor-mação. As duas coisas. Nós temos imagens todo tempo em nossos olhos e estamos ce-gos de tanto ver. Já não vemos, já não olha-mos de tanto olhar.

Já não escutamos tanto barulho e ninguém ensina a nós a olhar. E precisa-mos de alguém na estrutura social atual que se responsabilize por isso. Acho que é possível que essa nova responsabilidade recaia em vocês. Os produtores de conhe-cimento estão aqui e lá, porque produzi-mos um tipo de conhecimento, mas não queremos outro tipo de conhecimento.

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Penso em vocês como produtores. Mas, se eu sou produtor de conhecimento e esse conhecimento fica em mim, para que serve? Não tem sentido nenhum. Eu preciso de quem faça a conexão com o mundo. Este é um lugar tão importante quanto aquele. A gente sempre escuta que o trabalho intelectual está supervaloriza-do. Agora, eu estou morando no campo, eu preciso trabalhar no campo para mo-rar lá. Assim compreende também que este trabalho de gente que produz nossos alimentos é tão importante, ou mais que meu trabalho intelectual.

Não faz muito tempo, uma filmo-teca espanhola recuperou um filme que estava sumido, acharam num galpão. Era um filme da primeira cooperativa que era, vamos supor, catalana. A primeira cooperativa, não. Um empresa tradicio-nal que se tornou uma cooperativa na Espanha década de 60, em plena ditadu-ra militar. Ela era uma revolução mesmo, nessa cooperativa se dava ênfases que as pessoas que faziam as reuniões adminis-trativas, que tinham o contato para que a produção dessa fábrica, voltada para o mundo todo, cobraria o mesmo que aqui valia. Cobrava o que recebia. Todos rece-biam a mesma coisa. A mesma, por quê? Porque se você faz uma tarefa, essa tarefa é precisa, necessária. E para mim, tam-bém. E por que eu vou receber mais do que você? Por quê?

Você vai achar que tem sentido de-mais a vida, porque meu trabalho é bom, necessário como o trabalho dessa gente que limpa, que produz alimento, de gente que fabrica um carro e a gente que trans-mite essas informações. Quem ensina conduzir o carro é tão importante como encher o caminhão com comida ou com

mais carros. Vocês não são menos se fa-zem bem o trabalho, vocês são importan-tíssimos na carreira da vida. Porque são como os neurotransmissores ou como a mesa. Acho que nós temos que valorizar o trabalho que cada um de nós tem.

Aos que supõem que produzimos conhecimento, muitas vezes perguntam se estão fazendo pós-doc em uma uni-versidade estrangeira. Acho que pode ser aborrecido trabalhar com crianças pe-quenas. Hoje não, eu preciso deles tam-bém porque eles perguntam para mim coisas que não sou capaz de perguntar, por sua ignorância e sua falta de conheci-mento. E tem que ter o valor de se conhe-cer, eu não sei tudo, tenho que aprender. Mas já tenho feito uma forma de olhar que provou para mim mesma mudar. É preciso de quem não sabe para que olhe de outro lugar. Nós precisamos de você, você de nós. Todos precisamos de nós.

Roberto Abdala

Eu queria acrescentar só uma coi-sa que acho importantíssima. Nós somos de uma cultura que o que está escrito é o que vale. Por quê? Porque isso também é uma forma de poder e de controle. En-tão, para nós que somos historiadores, ter o cineasta é fundamental, porque ele lida com um tipo de linguagem que é mais universal, que é mais acessível. Ele constrói uma narrativa que a gente, que é narrador, às vezes não constrói. Eu não. Mas alguns escrevem como se fossem li-terários, uma delicia de você ler, mas isso é só para quem sabe ler alguma língua.

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Muita gente não vai entender, já o cinema não é segregador. Não é uni-versal, mas é um pouco mais universal. Sobretudo é muito importante que mui-tos cineastas fizeram. Não gostamos do termo estava à frente o seu tempo, mas eles estavam fazendo debates que, na verdade, os intelectuais da universidades não estavam dando conta disso, que é o que a Alicia estava falando. Eles estavam se fazendo perguntas que muitas vezes a gente não pode responder. Nós temos um cineasta que vai fazer um trabalho na época do auge da ditadura, e faz um fil-me fantástico, o Glauber Rocha.

Estou me repetindo aqui, todo mundo conhece, mas é obvio que é para um circulo mais fechado, o público era muito fechado. Não era para um grande publico, era para um de classe média e tudo mais. Tinham que fazer um deba-te sobre qual o papel dos intelectuais na sociedade brasileira. Que só um pouco mais tarde na década de 70, que é o Deus e o Diabo na Terra do Sol. Desculpa, não é não. E Terra em transe. Só na década de 70, os sociólogos começaram a pensar nisso. E por quê? Porque naquela época, ele estava incomodado com aquilo, exa-tamente o que a Alicia falou.

Quer dizer, estava incomodado com uma situação de vida que ninguém tem resposta para aquilo ou que as res-postas estavam tão vagas que nem res-pondiam. Aí, fez o cinema. É obvio que a gente pode tecer milhões de criticas ao que ele fez. Mas o que ele fez, ali naque-le momento, foi extremamente funda-mental. Porque ele estava pensando num mundo tal como pode ser lido, e é uma proposta política, ele estava pensando politicamente. Às vezes, esse tipo de ses-

são, sobretudo de quem faz trabalho com audiovisual, é muito pouco reconhecido e a gente precisa reconhecer isso também.

A grande arte é essa que a gente faz o tempo todo no nosso cotidiano. Na ma-neira como a gente lida com a vida coti-diana, ao mesmo tempo pode estar fazen-do um pouquinho de arte. Mas essa arte de trazer um incômodo social e fomen-tar aquele debate, essa é uma grande arte, esse que é um grande tema com o qual a gente tem que trabalhar. O pessoal que trabalha com audiovisual faz isso muito bem, é importante que faça isso também. E, às vezes, a gente esquece de dar o de-vido valor para esses grandes cineastas. A gente esquece que eles tiveram um papel fundamental para o mundo no lugar que ele está hoje.

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ADÁGIOsignifica à vontade,

designa um andamento de caráter sério

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Oficinas criativas

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TEXTO Dayane Borges|FOTOGRAFIA Cainã Marques, Elisama Ximenes, Michel Gomes e Vinicius PontesDIAGRAMAÇÃO Elisama Ximenes

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Durante a II jornada da Magnifica Mundi, foram realiza-das diversas atividades diárias, dentre elas a XIII Oficinas Criativas, sob a responsabilidade de estudantes da Faculdade de Informação (FIC), Escola de Música e Artes Cênicas , Faculdade de Artes Visu-ais (FAV) e técnico do Cercomp. A primeira oficina foi a construção tecnológica de webtv e webrádio, com Alexandre Cotrim, do Cercomp. Em seguida, En-cadernação Japonesa, com Rayanne Bueno e Marcela Suedson, da FAV; e Olho de Deus e Origami, com Mariana Felipe e Kaito Cam-pos, do jornalismo.

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Além disso, explorando as múltiplas possibilidades de brin-car com a garganta, Paula de Paula, de Artes Cênicas, trabalhou a oficina de voz, com o objetivo de desenvolver a habilidade de canto e a produção de tipos de timbre. O estudante Heitor Vilela, também do jornalismo, cuidou da oficina de caricatura e Kaito Campos, da de ilustração da palavra, como maneira de aproximação das linguagens verbal e não-verbal numa tentativa de conciliar desenho e palavra.

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Parceiras nas narrativas e na vida

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TEXTO Amanda Oliveira|DIAGRAMAÇÃO Lucas Botelho

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Cowboy – Agente do Meio Ambiente, de Bruno Fiorese, servidor administrativo do Instituto Federal de Goiás, estudante de jornalismo na UFG e integrante do Coletivo Magnífica Mundi, é o curta que abriu a 11ª Muestra Documentales y Fotografías de Amé-rica Latina, em 2011. A mostra fez parte da Acção Documental So-cial (ADocS 2011) na cidade de Comilla, Espanha, organizada pela Asociación ProDocumentales Cine y TV. A Magnífica, com quatro curtas e oito fotos, integrou o gru-po de representantes do Brasil, na condição de país convidado, ao lado de Erik Rocha e Paula Sampaio. Erik participou com o filme Homenagem a Glauber Rocha, seu pai, e Paula Sampaio com a ex-posição fotográfica Antônios e Candidas têm sonhos de sorte, que retrata, há 20 anos, a vida de imigrantes na rodovia transamazônica. A presença do coletivo Magnífica consagrou a parceria com a ProDocumentales iniciada com o Curso Internacional de Docu-mentários Sin Fronteras – Projeto BRABO (Brasil-Bolívia), no mó-dulo Cidade de Goiás, realizado na UFG em 2009. A Prodocumen-tales foi responsável, também, pelo curso Cine Bajo Costo (Baixo Custo) com o cineasta Agustin Furnari e patrocínio da embaixada da Espanha no Brasil. O foco desse projeto é articular as experiên-cias para narrar diferentes histórias e compreender as diversidades culturais e sociais, principalmente as da América Latina.

O convênio

As ações com a ProDocumentales se ampliaram em 2014. A diretora de formação da entidade foi aprovada para fazer Pós-Doc no Iesa/UFG, tendo como base para sua pesquisa as experiências e ações de extensão do Coletivo Magnífica. Alícia Sagües, que participou da Jornada Magnífica, é orientada pelo professor Eguimar Felício Chaveiro e propôs, em nome da ProDocumentales, um convênio com a UFG (Iesa e FIC). Com isso, os arquivos de fotos e de filmes associação podem ser compartilha-dos, bem como será possível a realização de cursos e intercâmbios. A minuta do convênio está em fase de avaliação UFG.

Parceiras nas narrativas e na vida

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INTERLÚDIOintermezzo, pequena peça instrumental entre duas cenas ou atos de uma obra,

preenchendo o vazio do fechar do pano

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apresentaçõesculturais

INTERLUDIO

TEXTO Elisama Ximenes e Vinicius Pontes|FOTOGRAFIA Coletivo Magnífica Mundi | DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

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apresentaçõesculturaisTEXTO Elisama Ximenes e Vinicius Pontes|FOTOGRAFIA Coletivo Magnífica Mundi | DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

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1 - 2 - Clementina e Paula de Paula tocaram e cantaram modas de viola conhecidas e também algumas autorais. Clementina é mi-litante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e suas músicas tratam de temas ligados à luta pela terra. Paula é artista, participante dos projetos de extensão da Magnífica, estudante, mas antes de tudo, cantora da roça.

3 -4 - Fernando Manzo cantou logo após o lançamento da Agên-cia de Notícias Moara. Ele tocou MPB e músicas de sua autoria. A estudante de jornalismo, Aline Rodrigues, fez participação especial na apresentação e cantou Adriana Calcanhoto.

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5, 6, 7, 8 - Dona Floripa, Dona Neide, Marlon e Pallo-ma deram seus depoimentos sobre como é feita a parceria entre Magnífica e Assentamento Oziel Pereira, em Baliza.

9 - Ketlyn, Rafel, Wanderson e Karolyne, jovens do Assenta-mento Oziel Alves, apresentaram um jogral em formato de pro-grama de rádio contando de sua experiência na rádio. De forma criativa, os adolescentes falaram também da relação com os es-tudantes e professores de jornalismo.

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10 - A II Jornada Magnífica contou também com a I Mostra Latino-Americana de Cinema Popular. A Professora Carolina Paraguassú e a jornalista Mariza Fernandes abriram os debates do primeiro dia da mostra com os filmes De orquídeas e selos e Colofé, respectivamente.

11 - A jornalista e antropóloga Maiara Dourado e o estudante de jornalismo, Vinicius Pontes mediaram o debate sobre seus respectivos filmes – Trombas e Formoso e Caminhos da Fé – na I Mostra Latino-Americana de Cinema Popular. A mostra foi sediada no Cine UFG.

12 - A professora Alícia Saguéz, além de mediar uma das mesas de debate, também tomou a frente de um dos dias da Mostra de Cine-ma. Na ocasião, a professora e espectadores discutiram suas produ-ções Los sin Tierra, Mini Sini Tupy, Rood Coffe e La Fabrica.

13 - Mestre em Comunicação e jornalista, Gabriela Marques e a jornalista e antropóloga, Maiara Dourado, debateram o tema Me-mórias da luta de Trombas e Formoso - lembranças descontínuas e fragmentadas de um evento político.

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Sobre pés cansados ele se vai. Pelos chãos de terra e de pedra cami-nha o viajante que veio de um lugar qualquer e vai para qualquer

lugar. Ele não tem casa, talvez tenha família, é um estrangeiro, é um estranho que faz do céu o seu teto. Carrega em si muitas histórias, muitas vivências, muitos chãos pisados. Carregaria saudade? Talvez. Seus pés coreografam passos que vezes são lentos, vezes são rápidos, podem ser curtos ou longos; eles também descansam, mas não demoram. O que se busca com essa coreografia? Há muitas coisas para se listar. Há muitas coisas para se refletir. Ele pode estar nessa vida de caminhante por opção ou por falta dela. E como qualquer ser humano que busca sentidos para a sua existência, assim é o andarilho, que a cada esquina se depara com alegrias, dores, histórias e gentes. Ele chegou até as instalações da Faculdade de Informação e Comunicação. Trazendo seus pertences na carroça e suas lembranças na cabeça, Davi nos apre-sentou o seu mundo e nos fez conhecer suas memórias e seus delírios. Ele rebobinou a fita de sua vida e trou-xe ao nosso presente outros caminhantes com os quais se encontrou por aí afora: Gonzales, Barba e Justino. Contando histórias que perpassam o humor, o drama e a religião, Davi despertou em nós reflexões inerentes a nossa própria condição de humano. Davi é o “estrangeiro que desce do trem e não reconhece nada” e ainda assim diz “esta é a minha casa”. É a partir de frases como estas que Davi e seus amigos caminhantes refletem, no espetá-culo Vaga Voz do Oco, sobre o andarilho que larga a família, a cidade, o estado e se entrega aos caminhos desconhecidos.

Pela jornada, um andarilho

INTERLUDIO

TEXTO Milleny Cordeiro|FOTOGRAFIA Vinicius Pontes | DIAGRAMAÇÃO Elisama Ximenes

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Pela jornada, um andarilho

O texto de Vaga Voz do Oco é de autoria de Mauri de Cas-tro. Com o objetivo de escrever uma peça em comemoração aos seus 40 anos de trabalho e também aos 10 anos da Companhia Cidade Livre, que assumiu o espetáculo, Mauri pesquisou e decidiu escrever sobre os andarilhos. “Ele gostou muito da ideia do andarilho, e ai ele começou a focar e pesquisar”, afirma Jefferson Lobato, que interpre-ta o andarilho Davi. Com texto em mãos os atores Roger Thomas, Jefferson Lobato, Eurípedes de Oliveira e a atriz Takaiúna Correia começaram as suas pesquisas individuais. A montagem do espetáculo durou um pouco mais de 1 ano, e contou com os trabalhos da figurinista Marta Farias. A indumentária, os elementos cênicos, o texto e o trabalho do elenco se complementaram, resultando em um espetáculo “instigante” como diz Roger Thomas, que faz o papel do andarilho Gonzales. Na história, Davi dialoga com um “ente”, que é representado por uma cabaça. Neste diálogo-monólogo, memórias são ressusci-

tadas e encenadas por outros três andarilhos que refletem sobre o tempo, filosofias e o próprio ser andarilho. A Companhia

Cidade Livre busca, com esse espetáculo, “conhecer” e le-varmo-nos a “conhecer” aqueles que passam despercebidos diante de nossos olhos; aqueles que como qualquer ser humano, é humano e tem razões, sentimentos, sonhos e vontades. A estudante de artes cênicas, Takaiúna Cor-reia, conta que uma das coisas maravilhosas do espe-táculo são as interpretações diversas que ele ganha. “É apresentado o espetáculo, mas o seu ‘significado’ é dado de forma pessoal, no encontro com as experiências de quem assiste”. Ela, que interpreta o personagem Barba, afirma que ainda se perde dando significado às palavras ditas. “O personagem Barba tem sido um encontro entre

o que eu gostaria de ser e o que sou”, diz. Vaga Voz do Oco está em cartaz há cerca de 3 anos.

Aprovado pela Lei do Fundo de Circulação, o espetáculo pôde ser levado para várias cidades do estado de Goiás. Mas

antes da companhia atravessar outras fronteiras, ela circulou pela FIC e promoveu as artes cênicas na II Jornada Magnífica.

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INTERLUDIO

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transmissões

O coletivo Magnífica Mundi fez a cobertura jornalística do VI Encontro Brasileiro de Educação e Marxismo, entre os dias 27 e 30 de agosto de 2013, na UFG. O encontro de caráter internacional teve a participação de pesquisadores, professores, estudantes e mili-tantes que abordaram a educação na perspectiva teórico-metodoló-gica do materialismo histórico. A cobertura foi realizada por meio de três canais de comu-nicação: WebTV, WebRádio e Blog. Com amplo registro fotográfico, videográfico e radiofônico foram realizadas entrevistas, transmissão ao vivo das conferências, mesas redondas e debates, além da produ-ção de conteúdos culturais como programação musical e disponibi-lização de vídeos temáticos.

VI Encontro Brasileiro de Educação e

Marxismo

TEXTO E DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes|FOTOGRAFIA Coletivo Magnífica Mundi

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A então reitora da Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasi-leira), Nilma Lino Gomes, conversou com a co-munidade acadêmica da UFG na aula inaugural do segundo semestre de 2014. A Magnífica Mundi estava presente fazendo a transmissão ao vivo e gravação da aula. “Diferenças Afirmadas e Identidades Res-peitadas: novos desafios da universidade pública” foi o tema do debate realizado no dia 21 de agosto de 2014. Com a presença de coletivos, professores, estudantes e militantes, sob a organização da CAF (Coordenadoria de Ações Afirmativas).

Aula Inaugural 2014/2

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“Doutor Honoris Causa é um título que distingue persona-lidades que enriquecem a vida cultural de um povo. A Universidade Estadual de Goiás tem a honra de conceder este título a dois homens que se projetaram para além de seu tempo.”, ressaltou o prof. Haroldo Reimer, Reitor da Universidade, na abertura do evento. Os homenage-ados foram os professores Horieste Gomes e João Alves de Castro. Os professores receberam a outorga de titulação na abertura do XIII Encontro Regional de Geografia (EREGEO), em Anápolis, que contou com a cobertura da Magnífica Mundi, com transmissão e gravação do evento.

Doutor Honoris Causa

O professor António Nóvoa é um renomado especialista em educação superior, e participou da I Conferência sobre Formação de Professores do Pibid da UFG. A Magnífica Mundi transmitiu e gravou a conferência de Nóvoa com o tema “Desafios e Perspectivas na Formação de Professores”, sob organização do Pibid da Faculdade de Filosofia da UFG.

António Nóvoa

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MOLTO VIVACEmuito rápido e muito vivo

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Mais do que nunca, a gente fala com o mundo

MOLTO VIVACE

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Mais do que nunca, a gente fala com o mundo TEXTO, FOTOS E DIAGRAMAÇÃO

Coletivo Magnífica Mundi

... e do mundo

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Carinhosamente chamada de Mag - por seus integrantes, se-jam estudantes ou professores -, desde a sua criação em 2000, a Magnífica Mundi é uma vitrine do curso de Jornalismo da UFG. Vitrine para o bem e para o mal. Para o bem, porque se atualiza em tecnologias, porque arti-cula e gesta projetos premiados, porque estimula a formação crítica de jornalistas, porque confronta a burocracia. Porque, como suge-rem alguns cotistas, acolhe. Ousou ser a primeira plataforma de comunicação online na UFG. Em 2000, a gente já falava com o mundo. Hoje, a gente fala mais ainda. Exatamente por isso, é uma vitrine visada. E, às vezes, muito combatida internamente. A Mag, no feminino mesmo, é um laboratório que articu-la produções jornalísticas em diferentes linguagens. Ela surgiu com viés forte para rádio, seguindo a tradição do Jornalismo da UFG em rádio comunitária1. Consagrou-se com as práticas de webtv e jornalismo comunitá-rio na Internet e se tornou referência em ações de extensão com movi-mentos e sujeitos sociais populares.. Virou o Complexo Magnífica. Hoje, equipada com tecnologia de ponta, é um laboratório de produções jornalísticas, elaboração e execução de projetos de extensão, de formação acadêmica, oferta disciplinas, pratica interdisciplinaridade. Carrega o desafio de desenvolver e fortalecer a concepção de Jornalismo Compartilhado. Uma construção conceitual em disputa importante para as novas práticas e o destino do jornalismo. Aqui e no mundo. Por nunca ter se acomodado, nesses 15 anos, ela permanece insolente e indômita e – também –, para alguns, uma incógnita. Fechada e que não respeita hierarquias, para uns; ideológica, comu-nista, anarquista, para outros. Sobreviveu a todas as direções e coordenações que tentaram deslegitimar ou sucatear o laboratório. Ou, simplesmente, fechá-la. Isso não é milagre, é metodologia e concepção teórica consistentes.

1 A Magnífica FM Comunitária, 87.9, ficou no ar muitos anos e se constituía num dos laboratórios oficiais do curso de jornalismo e, portanto, da Faculdade de Comu-nicação. Até que, numa parceria com o Comunidade Fazarte, passou a ter um estúdio po-pular no Itatiaia, até que fiscais da Anatel, atendendo talvez alguma denúncia, tentaram lacrar o transmissor. Na época, tanto reitoria e a faculdade lavaram as mãos (se isto fosse possível), embora fosse laboratório e tivesse 25 estudantes matriculados na disciplina Rádio Magnífica.

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Em todo ambiente onde o debate e a democracia são as re-gras, as ideias não são sucateadas, ao contrário se renovam e interfe-rem nas práticas jornalísticas e de cidadania. Nesse contexto, ela é o Coletivo Magnífica. Mas, ainda hoje, ouvimos um desavisado a perguntar: o que é mesmo essa Magnífica? Aí, recomeçamos a ladainha: ela tem esse nome porque foi criada durante a cobertura da eleição para reitora daquele ano 20002, etc e tal. Era início do século. Duas mulheres candidatas. O nome é sugestivo porque, independente do resultado, a vencedora seria a Magnífica reitora. Ao magnífica juntou-se depois o Mundi, do mun-do. Havia nisso tudo uma ironia, fina e pura. Mas, entende-se, foi e é difícil mesmo compreender. Trata-se de um laboratório com nome no feminino: coisa de mulher! coisa de homem! coisa de seres que pulsam! E acolhem ou se auto-acolhem:

De tudo que é nego tortoDo mangue e do cais do porto

Ela já foi namorada.O seu corpo é dos errantesDos cegos, dos retirantes

É de quem não tem mais nada - Chico Buarque

Ah, Magnífica comunicação, Magnífica TV, Magnífica Rá-dia, Magnífica cidadania, Mag compartilhada, Mag viajada, Mag vigiada3. Mãe de todos males, Mag do bem, da ternura e do fazer popular. Libertária. Quase uma Geni. Mag, Mag, Mag?! melhor ir pro site: http://goo.gl/LDVnCc, ou à revista Becos Comunicantes, 3, que presenteamos a cada leitor e a cada um de nós, desse coletivo.

2 A cobertura com a Magnifica FM foi idealizada e coordenada pela Professora Lisa França e grupo de estudantes que, em principio, nada tinham a ver com o futuro coletivo. E, tão pouco, com a rádio no seu cotidiano.3 Já houve casos de estudantes serem advertidas/os para tomarem cuidado “com as coisas clandestinas, porque a polícia federal grampeou a Magnífica”. Fala sério! diríamos. Estamos em rede e, acreditamos, somos um coletivo e um espaço de trabalho, pensar e viver, de maneira compartilhada, aqui e no mundo. Depois, o DCE trouxe, anos atrás, o presidente da Federação de Policiais Federais, COELHO NETO, Armando, para apresentar seu livro (Dissertação de Mestrado na ECA-USP), Rádio comunitária não é crime. Ler também, se tiver tempo e tesão: http://goo.gl/ZWxMi4

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PA R C E R I A S Q U E C O N S T R O E M

REDESMOLTO VIVACE

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PA R C E R I A S Q U E C O N S T R O E M

REDES Na primeira transmissão, 15 anos atrás, foram quatro com-putadores, técnicos do Cercomp e alguns estudantes com vocação a hacker. Hoje, precisa-se de pouco: só uma câmera - não necessa-riamente a mais moderna -, uma placa de stream, um computador formatado e pronto. Pela Web. Porque este foi o meio mais acessível que se encon-trou para transmitir o daqui para os de lá, mundo afora, com ima-gem e som. Acessível tanto para quem produz, quanto para quem assiste. Embora uma TV livre também seja, hoje, algo bem simples no que diz respeito a equipamentos.

TEXTO Elisama Ximenes | ILUSTRAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

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Pensa-se, entretanto, lendo apenas isso, que a WebTv Mag-nífica Mundi é a transmissão pela transmissão. Engana-se, portanto, quem leu apenas o primeiro parágrafo. Ela é construída a partir do momento em que se reconhece a necessidade de construir um pro-cesso de comunicação que fosse compartilhado, comunitário, coleti-vo e com um elevado grau de eficiência. Ou seja, capaz em organizar a produção e distribuição de informações, bens culturais e conhecimento de maneira autônoma, pelos sujeitos e/ou movimentos sociais populares. Quer dizer, as periferias, os movimentos sociais e povos brasileiros dos cerrados reivindicavam e reivindicam ainda o controle da produção e distri-buição simbólica em todas esferas. Do comunitário ao planetário. Assim, de forma compartilhada, é construída a estrutura que faz pessoas de lugares diversos clicarem em um link e compar-tilharem também de informações, bens culturais e conhecimentos outros. Falamos aqui daquele conteúdo necessário que é negado e censurado pelos meios chamados neoliberais ou convencionais. No ano de 2014, em especial - 14 anos após seu nascimento - a Magní-fica Mundi foi contemplada com novos equipamentos. E, de repente, quem se acostumou com uma base de produção e transmissão simples, sente a co-responsabilidade de co-gerir, com a Coordenação do Curso e direção do Estúdio de TV, da Faculdade, uma nova e bem equipada estrutura. E, ao mesmo tempo, dar sentido a ela do ponto de vista pedagógico - bem como construir conteúdos simbólicos/jornalísticos com outros parceiros internos e mesmo exter-nos (do universo social popular, na cidade e no campo). Desceu-se para o estúdio, com chroma key, ou com um ce-nário improvisado. O estudante, parceiro social, técnico e professor estão convidados – como sujeitos co-responsáveis - a consolidar, de vez , uma tv na web, pública, eficaz e compartilhada. Que ela seja decisiva na construção, também, de uma rede de comunicação que ligue os Cerrados e seus grupos sociais. Liguem povos à montanha, às serras e montes, ao pantanal e às florestas. Algo de alcance inima-ginável, aqui e em qualquer lugar.

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MOLTO VIVACE

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Programas educativos, sociais e entretenimento. A webrádio se consolida e ganha força. Seja com equipamentos básicos ou de última tecnologia, o esforço do coletivo não cessa. Durante a jornada tomou-se a coragem de fazer uma trans-missão diária, além da 24 horas, fechando a programação do mês. Os estudantes produziram e divulgaram seus respectivos programas nas redes sociais. Os ouvintes, então, aproveitaram para interagir pela internet. Também não faltaram dificuldades na produção, afinal os equipamentos novos ainda causavam dúvidas frequentes. Mas a orientação e apoio de técnicos da CERCOMP ajudaram a superá-las. A rádio é uma ferramenta importante no aprendizado e na con-solidação de uma comunicação compartilhada.

Nas web ondas

do rádioTEXTO Michel Gomes | FOTO Luiz da Luz

DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

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Cultura de fronteiras

jornalismono fim do

mundo

MOLTO VIVACE

TEXTO Gabriela Marques|FOTOGRAFIA Coletivo Magnífica Mundi | DIAGRAMAÇÃO Lucas Botelho

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Cultura de fronteiras

jornalismono fim do

mundo

O projeto Magnífica Mundi sempre proporcionou a seus es-tudantes e professores a reflexão e o convívio com os movimentos sociais do Brasil, mais especificamente em Goiás. Ao compartilhar tempos e espaços, o projeto proporciona momentos de aprendizado e a troca de saberes tanto no que se refere aos meios de comunicação e suas técnicas, quanto às relações humanas, sociais e culturais entre sujeitos diferentes, mas não desiguais (BRANDÃO, 2005). A partir desta mesma perspectiva surgiu em 2006 o projeto Jornalismo e Cultura de Fronteiras, uma forma de ampliar o proces-so construído com a Magnífica Mundi para uma relação mais próxi-ma com outros países da América Latina, cuja realidade, apesar de tão próxima, é pouca conhecida por muitos brasileiros. Isso porque, muitas vezes o Brasil se coloca em uma posição também hegemôni-ca em relação a seus vizinhos, dando continuidade aos sistemas de opressão vindos da Europa e dos Estados Unidos.

A cada um dá-se uma função, sempre em benefício do desenvolvimento da metrópole estrangeira do momento, e a cadeia das dependências sucessivas torna-se infinita, tendo muito mais de dois elos, e por certo também incluindo, dentro da América Latina, a opressão dos países pequenos por seus vizinhos maiores e, dentro das fronteiras de cada país, a ex-ploração que as grandes cidades e os portos exercem sobre suas fontes internas de víveres e mão-de-obra. (GALEANO, p. 14, 1979).

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Assim, para conhecer um pouco a realidade da América La-

tina e as semelhanças históricas e sociais de seus países, deu-se início

à parceria com a Escuela de Cine y Artes Audiovisuales (ECA) de La

Paz e El Alto, na Bolívia, continuando com “o esforço de compreen-

são e articulação com a América Latina, ultrapassando os limites de

uma mera integração econômica” (SOARES, et al, 2009). Os estudan-

tes de comunicação da UFG puderam assim estreitar ainda mais suas

relações com a linguagem audiovisual, além de conhecer o altiplano

andino e suas gentes, já que “a primeira condição para modificar a

realidade consiste em conhecê-la” (GALEANO, p. 287, 1979).

| Produção documentária em El Alto - Bolívia.

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Foi proposto assim, dentro do projeto, o Colóquio Brasil Bo-lívia, conhecido como BraBo, quando em sua primeira edição estu-dantes da UFG foram ao país vizinho participar de debates, oficinas, vivências e rodas de conversa. A atividade teve continuidade em 2007 quando foi a vez dos bolivianos virem ao Brasil e participarem do II BraBo, sendo realizado desta vez um colóquio andante que teve início em Corumbá, no Mato Grosso Sul, que faz fronteira com Puerto Quijaro, na Bolívia. Esta edição do encontro promoveu atividades aos estudantes dos dois países em Campo Grande, em parceria com a UFMS e a Universidade Católica de Mato Grosso do Sul, proporcionando uma vivência com a aldeia urbana Terena; em Mato Grosso nas aldeias

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| Vivência na aldeia Merure, do povo Bororo - Mato Grosso

| Produç]ão compartilhada com Comunidade Andina, Bolívia

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Bororo e Xavante; e em Goiás no assentamento Oziel Pereira de Baliza e com estudantes de um dos colégios públicos da Cidade de Goiás. O encerramento do colóquio aconteceu em Goiânia onde foi proposta junto ao III BraBo, a realização do curso de cinema docu-mentário Sem Fronteiras/Sin Fronteras, para a formação de docu-mentaristas populares. Em 2008 um novo grupo de estudantes brasileiros foi à Bo-lívia, acompanhado de representantes das comunidades Terena, Bo-roro, Xavante e Guarani-Kaiowá. Por um mês o grupo se reuniu a bolivianos, Aymaras e Kechuas no primeiro módulo do curso Sem Fronteiras resultando na produção de cinco documentários de curta metragem, sendo um deles premiado no ano seguinte no Festival de Cinema Universitário Latino-Americano Perro Loco. Após a finali-zação do curso, foi realizada a terceira edição do BraBo que contou também com a participação de estudantes e professores da Univer-sidade Federal de Rondônia. Em 2009, mais uma vez os bolivianos vieram ao Brasil para participarem do IV BraBo que aconteceu simultaneamente ao Perro Loco e em seguida dar início a mais um mês de atividades do curso Sem Fronteiras que realizou seu segundo módulo e deu início a uma nova turma com a participação de movimentos de luta por mora-dia, catadores de recicláveis, Ponto de Cultura e quilombolas, além dos representantes de comunidades indígenas brasileiras. Dessa vez, uma das produções foi premiada na Mostra ABD-Goiás e outra ga-nhou menção honrosa no mesmo festival. Em 2010, uma parte do grupo da nova turma foi à Bolívia para dar continuidade ao curso, cujo encerramento contou com a V edição do BraBo. O projeto resultou ainda em cursos de curta duração realizados com estudantes de comunicação ao longo do ano em Goiânia que resultaram também na produção de docu-mentários de curta metragem, sendo um deles premiado pelo Mi-nistério da Cultura. Mais que os resultados e reconhecimentos obtidos, o projeto se colocou enquanto mais um espaço de articulação de possibilida-des e sujeitos sociais, estendendo o espaço da Magnífica Mundi de aprendizados, pesquisa e ação humana, além de fortalecer a exten-são, sem abrir mão do incentivo à pesquisa e ao aprendizado profis-sional (DOURADO, et al, 2010).

| Vivência na aldeia Merure, do povo Bororo - Mato Grosso

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um dia de julho

TEXTO Tatiane Assis | FOTOGRAFIA Coletivo Magnífica Mundi | DIAGRAMAÇÃO Elisama Ximenes

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Reviro as pastas do computador, não acho. Vou ao Facebook, quem sabe o grande espião me ajude. Visito lembranças. Em 30 mi-nutos, vou à praia, à Chapada dos Veadeiros. Sinto saudade. Me deparo com amigos antigos. Respiro sorrindo, mais dois cliques e... pimba! Encontro a danada da fotografia. Meio pixelizada, ela apare-ce, volto a 2007. Tranquila, agora em São Paulo, relembro a primei-ra visita que fiz ao Projeto de Assentamento (P.A) Oziel Alves.

Saímos da UFG no começo da tarde. Chegamos ao Oziel à noite. O assentamento fica em Baliza, na região norte de Goiás. A distân-cia entre Goiânia e o município é de 447 quilômetros, cerca de seis horas de viagem. Como paramos na estrada para comer e também confundimos o trajeto, levamos um tempinho a mais para chegar. Coisa pouca, nada que umas palminhas (ô de casaaa) não resolvesse.

Na manhã seguinte à chegada, o sol desponta sem dó nem pie-dade. Acordamos, tomamos café e nos apresentamos. Éramos qua-tro: eu – Tatiane de Assis, na época, calourinha; Katyéllen Bonfantti – minha eterna veterana; Nilton José dos Reis Rocha – professor do curso de Jornalismo da UFG, um dos filhos brilhantes de Iporá (GO); e Thiago Lemos – agora artista, mas antes somente, um dos ativistas do Coletivo de Mídia Independente (CMI) em Goiânia.

Os assentados, todos integrantes do Movimento Sem Terra (MST), também falaram. Eram crianças, adolescentes e adultos. Lembro-me com exatidão (eta rebuscamento) de Maritaca, uma senhora de estatu-ra média, cabelos pretos e longos, nariz fino, meio negra e meio índia. Naquela época, o que os preocupava era a falta de comunicação entre os moradores. Com quase 2.000 hectares, o assentamento carecia de burburinho, de comunicação entre as famílias.

“A gente pensou em um jornalzinho”, alguém falou. Em círculo, sem ninguém a frente, discutimos a possibilidade. Os custos, benefí-cios e problemas foram levantados. Depois de muita conversa, che-gamos à: “papel é caro e a distribuição dos exemplares é complicada”, “quem vai deixar a lida e entregar?” e “tem gente que não sabe ler”. Não era uma boa alternativa, passamos a segunda opção: a rádio.

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R-Á-D-I-O? Sim, gente, tem como fazer. Professor Nilton iniciou a explicação, falou da necessidade de romper as barreiras do ar, ou seja, fomentar o burburinho, ou seja, democratizar a comunicação. Em uma lousa improvisada, os equipamentos para se montar a rádio foram desenhados. A relação entre eles foi mostrada por meio de se-tas e palavras soltas, feitas com giz azul. Nostalgia demais. Maritaca e companhia eram um misto de expectativa e animação. Sem muita demora, passamos à produção dos programas.

Aquário, um signo de Deus

Na divisão feita, fui incumbida de trabalhar como o grupo de crianças. Nossa missão era produzir um programa de horóscopo. Era a segunda vez que participava de uma oficina. Na minha cabeçinha juvenil, uma vozinha safada falava: “Meu, você não sabe de nada, tá fa-zendo o quê aqui?”. Professor Nilton percebia o pavor e dizia: “Calma veinha, você aprende fazendo, perguntando, ouvindo os outros”. Não tinha como e para onde fugir, então suspirava e concordava.

Em uma salinha pequena, sem forro e reboco, eu e as crianças nos reunimos. Expliquei que os programas tinham uma estrutura. Falei dos blocos, da abertura, dos intervalos. Votamos um nome para atra-ção e dividimos o conteúdo. Com lápis, em papel do caderno, fizemos o “espelho”. Depois de um mini furdunço, o locutor, os produtores e os repórteres foram escolhidos. Eles perguntavam muito, não tinham medo. O que eu não havia aprendido na teoria, buscava na experiência (todo mundo já ouviu um programa de rádio, não é?). O que eu nem imaginava, assumia. Já que não tinha molde, a solução era apelar para imaginação coletiva. Uma fórmula para vida.

Depois de umas quatro horas de oficina, o programa entrou no ar. Meio sem jeito, os locutores mirins assumiram os microfones. A insegurança era normal. Os produtores estavam meio atarantados, mas nada demais. Na minha lembrança, a gente se divertiu muito. Foi uma maravilha inventar previsões sem nada à mão, somente com a cabeça funcionando. Olhos nos olhos, sem smartphone e whatsapp (graças a jah, esses diabinhos não existiam naqueles tempos).

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Apesar da felicidade, eu continuava tensa. No segundo dia de oficina, fingi um atraso, simulei uma dor de barriga. Avisei para a turma e saí correndo pro banheiro. Junto às paredes improvisadas, fiquei por um tempo. Rezei, respirei e observei. Voltei ao galpão, não encontrei ninguém. Sem mim, eles estavam fazendo o programa. Entrei para sala e acompanhei. O medo deles sumiu. O meu tam-bém. Festejamos. Logo depois, era hora de ir embora. Com abraços, beijos e fotos, nos despedimos.

El Camino se hace al andar

Depois de 2007, voltei duas vezes ao Oziel. Trabalho de Conclu-são de Curso (TCC), emprego, não dei conta do arroxo cotidiano e me distanciei. Sinto falta das paredes do galpão com mensagens de bravura, do desenho de Che Guevara e da coragem dos assentados. Pode ser um desfecho besta, mas com eles aprendi que a vida é bem mais complexa do que discussões acaloradas na faculdade.

Até hoje, me lembro das explicações sobre a reforma agrária, dos relatos sobre as fragmentações do MST. Sim, eles têm divisões in-ternas, porém, nada invalida o objetivo final: o fim da concentração fundiária. Recordo-me sem precisão também do número de famí-lias, cerca de cem, acho. Antes, me contaram, a fazendona era de uns alemães. Diziam às más línguas, que lá eles prendiam e escravizavam gente. Se lenda ou não, acho melhor a terra com uma centena do que com uma dezena.

Ah, me esqueci da coisa importante, a mudança do meu paradig-ma de educação. Sabia pouco sobre rádio, mas aprendi com meus colegas, com as crianças que perguntavam. Sim, também recorri aos livros, porém, sem a pompa com que haviam me ensinado. Em 2007, felizmente, vi que o conhecimento podia surgir de outras fontes que não a educação formal e os bancos da faculdade. Graças ao Oziel, me abri e aprendi com a vida, com os campesinos da Revolta de Trombas e Formoso, com os pixadores de Goiânia e com as prosti-tutas de Pirenópolis.

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Sobre arte e o Sertão No ano de 2014, a - na época - estudante de Artes Cênicas, Paula de Paula realizou seu estágio na Escola do Sertão - comuni-dade rural da cidade de Alto Paraíso - Goiás. O estágio, em parceria com o projeto Terra Encantada, possibilitou a estadia de Paula no Sertão por um mês. Durante esse tempo a artista desenvolveu com os professores e alunos do 8º e 9º ano o espetáculo O Sertão vai virar mar e, com as turmas de 2º, 3º e 4º ano do Ensino Fundamental, o Coral infantil. Ambos os espetáculos, você confere aqui.

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Coral do Sertão

Teatro - O Sertão vai virar mar

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Da vida e da escola, a educomunicação

Depois de duas décadas se constituindo nas práticas de comunicação popular nos movimentos sociais, marcantemen-te os então posseiros urbanos de Goiânia e grupos populares da Chapada dos Veadeiros, a educomunicação chega à escola formal e pública pelo Projeto TV Criança Lambança, numa parceria do Curso de Jornalismo da UFG e a Escola Municipal Aristoclides Teixeira, do Jardim Pompéia, a partir de meados de anos 90, do século passado. De uma mera possibilidade pedagógica avança para se consolidar, também, enquanto método de diálogos, vivências e produção compartilhada com estas esferas sociais. Fundamental

MOLTO VIVACE

TEXTO Nilton Rocha | FOTOGRAFIA Vinicius Pontes | DIAGRAMAÇÃO Lucas Botelho

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Da vida e da escola, a educomunicação

não esquecer que, mesmo desmantelada de maneira deliberada pelos militares e governos civilistas posteriores, a escola pública continua um espaço, quase que exclusivo, das camadas populares. Perspectiva que, na UFG, se organiza como projeto de extensão. Esta dimensão, em que os sujeitos sociais fazem apropria-ção e conferem outro uso às técnicas e tecnologias de comunica-ção, dentro e fora da escola, tem avançado com as ferramentas e possibilidades da web – ainda que longe das políticas públicas, na maioria dos casos – onde tornou-se possível articular contranar-rativas e bens simbólicos que fortalecem os projetos pedagógicos de construção da vida social e da educação popular.

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A BOLADA VEZ

TEXTO Milleny Cordeiro | FOTO E DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

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Em parceria com a Faculdade de Educação Física, sob a res-ponsabilidade da professora Jaciara Leite, o coletivo Magnífica Mun-di tem trabalhado, também, na construção do projeto de extensão Bola de Meia – práticas esportivas populares da rua e da várzea. O objetivo de fazer coberturas esportivas, produzindo conteúdos com-partilhados dessas práticas amadoras populares e reforçando a rela-ção universidade com os seus sujeitos da periferia de Goiânia. O projeto se preocupa em dar visibilidade às atividades es-portivas e aos campeonatos amadores de bairros, e escolinhas, além das práticas e brincadeiras de rua. A proposta é fazer uma cobertura que assegure a transmissão pela web-tv, web-rádio, bem como a pro-dução de blogs e portais, a serem vinculados no sistema universitá-rio de comunicação e das redes sociais e populares. O projeto prevê, também, uma cobrança efetiva da prefei-tura pelo retorno, com base na promessa eleitoral do prefeito Paulo Garcia, do projeto Draulas Vaz, que consiste na criação de escoli-nhas na periferia; e da Copa Inter-bairros.

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O jornalismo tem diferentes formas de narrativas, uma delas é o infográfico, que vem ganhando espaço em diferentes mídias. O infográfico “se trata de uma forma de narrativa própria, que utiliza múltiplos códigos, sempre com o objetivo de compor uma mensa-gem clara, de alta leiturabilidade e legibilidade”.1 Em geral os infográficos nascem da necessidade de contar histórias não somente com texto, foto, ilustração, gráficos e tabelas, mas da junção disso tudo, de forma que essa informação específica esteja em sua melhor forma para ser entendida. O Laboratório de Infografia é um espaço aberto aos estudan-tes e professores de jornalismo para fomentar a prática desse fazer jornalístico. Um lugar propício à criatividade e inovação que envolve os infográficos e o jornalismo visual.

1 FARIAS, Sálvio Juliano. A sedução do infográfico: texto, imagem e percursos narrativos. In: MAIA, Juarez Ferraz de (org). Atualidades: estudos contemporâneos em jornalismo. Goiânia: PUC-Goiás, 2012.

TEXTO, ILUSTRAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

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o mÉdioaraguaia

TEXTO Angelita Lima | FOTO E DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

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O acompanhamento das políticas nos territórios de identi-dade rural e de cidadania será, a partir de 2015, realizado pelas ins-tituições de ensino superior. O objetivo é criar Núcleos de Extensões nos Territórios para articular as políticas que fortaleçam os arranjos produtivos locais, com efetiva participação das mulheres. Por isso, o CNPq em parceria com Ministério do Desenvolvimento Agrário e a Secrtaria de Política para Mulheres lançou um edital para selecionar instituções e projetos. Sob a coordenação geral do professor Manoel Calaça, do IESA-UFG, um grupo de professores apresentou um projeto de abordagem multiterritorial e foi contemplado com três territórios de identidade rural: Médio Araguaia, coordenado pela Professora Angelita Lima, da FIC; Vale do Araguaia, coordenado pelo professor Cássio Tavares, da FL; e Norte, coordenado pelo professor Ronan Borges, do Iesa. O Médio Araguaia, localizado na região Oeste do Estado de Goiás, pertence ao primeiro grupo de territórios criados pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, em 2003. Constituído por 21 municípios, conta com várias organizações como sindicatos de trabalhadores rurais (STRs), sindicatos da agricultura familiar (Sin-trafs), associações de assentados da reforma agrária, de agricultores familiares tradicionais, cooperativas de agricultura familiar, além de movimentos como MST, responsável pela organização de assenta-mentos de reforma agrária em vários municípios do Território. O Projeto visa contribuir para a consolidação da abordagem territorial como estratégia de desenvolvimento sustentável para o Brasil Rural, com especial atenção à superação das desigualdades de renda e gênero. Para isso, uma das estratégias é criar um Núcleo de Extensão Interinstitucional, envolvendo a UEG e o IF Goiano, de Iporá, visando assessorar a gestão de projetos e políticas públicas implementados nos territórios e reforçar o compromisso da pesqui-sa e da extensão universitária com as populações do campo e com a agricultura familiar

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Oziel e Berra Lobo

O assentamento de trabalhadores rurais Oziel, um dos maio-res do Brasil, pertence ao Médio Araguaia e é um dos protagonistas do Projeto Berra Lobo, financiado pelo Proext e executado pelo cur-so de Jornalismo da FIC/UFG. Nesse sentido, a projeto de aborda-gem territorial no Médio Araguaia vai fortalecer, também, as ações de extensão já desenvolvidas pelo Berra Lobo, o que contribuirá para a continuidade do trabalho realizado hoje por estudantes de vários cursos, articulados pelo Berra Lobo. A agricultura familiar no Território apresenta enormes po-tencialidades, para além das cadeias produtivas priorizadas: turismo rural, cultivo diversificado e criação de pequenos animais e peixes, fruticultura, plantas medicinais e extrativismo. Foram definidos os seguintes eixos de ações do projeto: a Transição Agroecológica, Agroindustrialização, a Cooperação, Comercialização, a Comunicação Popular, a Equidade de Gênero e Juventude. Esses eixos serão articulados com os Colegiados Ter-ritoriais objetivando a integração territorial dos atores sociais, dos agentes sociais, políticos e institucionais.

Municípios do Território Médio Araguaia

Amorinópolis, Aragarças, Arenópolis, Aurilândia, Baliza, Bom Jar-dim de Goiás, Caiapônia, Diorama, Doverlândia, Fazenda Nova, Iporá, Israelândia, Ivolândia, Jaupaci, Jussara, Moiporá, Montes Cla-ros de Goiás, Novo Brasil, Palestina de Goiás, Piranhas e Santa Fé de Goiás.

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A palavra Moara é de origem Tupi e significa liberdade. Tra-ta-se de um confisco do nome de uma ex-agência de notícias que surgiu no 3° Encontro Nacional dos Orgãos Laboratoriais de Jorna-lismo (3º ENOL), na UFG, em 1986, numa tentativa de se implantar uma agência, que servisse como um laboratório, em âmbito nacio-nal, para os cursos existentes. Moara, em fase de construção, será uma agência de notí-cias alimentada pelas produções jornalísticas e experimentais dos estudantes. Foi arquitetada para difundir os conteúdos produzidos nas disciplinas do curso com foco em coberturas que envolvem os espaços, sujeitos, movimentos sociais e narrativas. Constitui-se de uma plataforma (web) de produção e aprendizado, no sentido de redefinir o papel do jornalista na sociedade hoje, como articulador e co-responsável pela produção e distribuição em rede da informação dos bens culturais e do conhecimento. O acesso às ferramentas tecnológicas vai permitir uma pla-taforma multimídia, com produções de texto/narrativas, web-tv, web-rádio, fotografias, curtas, foto-sonora, além da linkagem com outras produções dos laboratórios do curso - que participar desse processo – e de parceiros acadêmicos e/ou sociais. Tudo isso, ao lado da liber-dade de produção, a agência permitirá atualizar as possibilidades de práticas de jornalismo, advindas com a revolução tecnológica.

TEXTO Milleny Cordeiro | DIAGRAMAÇÃO Vinicius Pontes

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FOTO

GOIÁSEM ÁUDIO E VISUAL

TEXTO Elisama Ximenes | FOTO Larissa Batista | DIAGRAMAÇÃO Vincius Pontes

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Palavra esquisita. Dessas que teimam em ser duas coisas. Au-diovisual. Entretanto seria injusto não admitir que de fato ela dá conta de ser os dois, áudio e visual. Mas agora era a própria palavra que desafiava. A convite de um curso de especialização da UFG da Cidade de Goiás, a tarefa era uma oficina de audiovisual. Em um curso bem especial com a maioria dos estudantes de origem - ou tinham alguma relação - camponesa, fosse de assentamentos ou comunidades rurais. Cataram-se alguns exemplares do livro Berra Lobo - pala-vras andantes, equipamentos para fazer WebTv, algumas ideias na cabeça e rumou-se para a antiga capital. Começou-se com uma conversa sobre uma proposta alterna-tiva de se fazer audiovisual. Depois uma breve apresentação do livro que fora feito em parceria com assentamentos do estado e, então, falar das atividades a serem realizadas. Logo se apresentou uma plataforma onde seriam postados todos os produtos do dia e começou a oficina de Texto Criativo. Cada um deveria colocar no papel, ou em foto, vídeo ou áudio, a primeira coisa que lhes viesse à cabeça. No início foi notável a timidez. Aos poucos, nos soltamos (a primeira pessoa do plural porque de fato, não se tratava de uma aula, mas de uma troca entre o pessoal do jornalismo e os estudantes da especialização). Alguns, em grupo; outros, individualmente. Mas, sem per-ceber, nos empolgamos e surgiram fotos, poesias, músicas, textos, vídeos e até performances mais que criativas e surpreendentes. As coisas caminharam de forma tão espontânea que quase se perdeu a hora do almoço. À tarde, a WebTv. Após compreender como funciona uma, era a vez de, juntos, produzirmos uma pequena programação de TV a ser gravada e transmitida pela internet. Cada um e cada grupo prepararam seus respectivos roteiros. Ensaiaram. Luz, câmera, ação! Um programa eclético e divertido en-trou no ar ao fim da tarde. A hora da despedida foi dolorosa. Depois daquele dia, parecia que todos eram amigos de anos. A gratidão era mútua e a emoção inevitável.

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FINALEúltimo andamento de uma obra

em vários andamentos

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FINALE

comunicação como ferramenta de lutaTEXTO Delmar Rezende | FOTO Estudantes da Escola do Sertão | DIAGRAMAÇÃO Jéssica Adriani

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comunicação como ferramenta de lutaTEXTO Delmar Rezende | FOTO Estudantes da Escola do Sertão | DIAGRAMAÇÃO Jéssica Adriani

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Vou falar pra vocês que realmente eu não entendo muito dessa discussão teórica sobre extensão, não entendo. Mas entendo o que esse povo (da Magnífica) faz lá. Eu entendo bem o que tem sido feito lá no Sertão nos últimos dois anos e quero aproveitar essa oportunidade. Fiquei esperando e pensando se dava pra falar. Parece que o assunto está bem voltado pra uma questão mais teórica sobre recurso, e o que eu entendo dos recursos é que quando eu imagino 100%, 4% do orçamento (destinado à extensão) é tão pouco. É pou-co para o trabalho que esse pessoal faz. Eu sou a Del, sou professora da Escola do Sertão. Fui dire-tora até o final do ano passado e vim aqui pra falar como tal. O que representa pra nós, ter alunos e professores que vão até aquela esco-la, num local de difícil acesso, num local relegado ao esquecimento, até mesmo dentro do próprio município. Num local onde a escola precisou ser construída pelas pessoas do lugar porque o governo nunca tem dinheiro pra construir. Então, quando o pessoal da UFG chega lá e leva conhecimento pra gente, que a gente dificilmente ia encontrar em outro lugar, a gen-te fica em uma situação tão difícil de saber como que a gente faz pra retribuir? Como é que a gente paga isso? Como que a gente paga, por exemplo, o pessoal ir lá e colocar umas cestinhas de basquete? coisa que o município de Alto Paraíso não tem. E nós da Escola do Sertão, 30km depois de Alto Paraíso na GO-239, que embora tenha só trinta quilômetros de distância, é necessário mais de uma hora pra chegar. Mas, tem época do ano que você não chega porque os rios que atraves-sam a estrada enchem e não tem passagem ou ponte. E aí você fica tentado a pensar: é pra isso mesmo que a uni-versidade serve. O pessoal do rádio nos dá possibilidade de ter ferra-mentas de luta pra continuar sobrevivendo lá, porque foi uma esco-lha nossa viver lá. E nós merecemos, e nós podemos viver lá, porque nós queremos. Nós temos esse direito. A gente precisa, por exemplo, avisar famílias e alunos que moram depois dos rios que nesse dia não vai ter aula porque choveu muito e o rio está cheio, ou que os alunos não podem voltar pra casa. O jeito que a gente tem de fazer isso, é através do rádio. Que tipo de rádio é esse? Ao ensinar rádio para os alunos - que são crianças, meninos da pré-escola ao ensino médio - eles também ensinam ética! O que você vai dizer? Por isso que eu gostei da frase: jornalismo não é um lugar de acomodação.

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Eu entendo isso quando eles não se acomodam aqui na sala de aula, com o maior respeito com os que gostam de ficar acomoda-dos, sem dúvida. Mas aqueles que se incomodam de ficar e alcançam a gente lá nos rincões perdidos desse Brasil, a gente que está lá na ponta, a gente fica imaginando “gente, o que eu posso fazer?” Será que a gente não conseguiria arrumar dinheiro pra pagar por essas aulas que eles dão aqui? Como diretora, foi a única oportunidade que tive de propor-cionar formação para os professores da escola. Nós tínhamos lá oito professores e diante dessas circunstâncias não tem como, não acha quem queira ir pra lá pra dar aula, não acha quem queira ir pra dar curso. É muito difícil sair de lá pra ir pra outros lugares. Ou você trabalha ou você faz curso. Então, a oportunidade de eles irem lá três vezes, três dias né, por mês ou a cada dois meses, para os professores era a oportuni-dade de eles descobrirem que a educação física não é só você sentar no banquinho enquanto os meninos correm atrás de uma bola. Edu-cação física não é só isso, é a oportunidade deles descobrirem com pessoas com a formação que eles têm. Eles dão aulas aqui nas escolas particulares de natação. Fizemos uma sala de aula dentro do rio, dividimos por faixa etária. Rio pra nós, não é só lazer, é sobrevivência. Eles precisam, nossos alunos precisam aprender a nadar, eles precisam saber aqui-lo. Não é só a passeio, botou um biquininho pra dar uma voltinha e pronto! Não, não! É uma questão de sobrevivência, o dia que tiver indo pra escola e o rio estiver cheio, e cheio pra nós é pra cima da cintura, como é que vai fazer? Então, isso é utilidade da vida, é pra viver! Esse conhecimento que a universidade produz e que com-partilha com aqueles que, dificilmente teriam condições de saber, a gente não sabe como devolver, a gente não sabe como pagar. Como retribuir isso que a gente recebe lá? Aí eles falam, “não, a gente agra-dece por estar aqui !” Imagina nós lá, do outro lado.

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Por exemplo, quando duas alunas - me permitam o direito de não nomear ninguém pra não esquecer o nome de alguém -, simplesmente ensinaram nossos alunos, meninos de sete/oito anos, como produzir texto pra jornal. Colocaram duas barras lá e TEC. Aquilo pra mim foi um achado. Nooosa! Eu lia aquilo, mas não sabia pra que que era. Pra que que servia mesmo aquela leitura? E eu descobri isso foi essa oportunidade que eu descobri. Além disso, é uma ferramenta de luta, você ter que ir ao pre-feito, como diretora, e pedir a ele que não feche a escola. E ele virar pra você e falar: Ora professora, só você que está se importando com isso, quem? Na frente da secretária de educação! E aí você olha para aqueles alunos e você pensa o quê? Você tem que ter armas para se defender, que armas? Gastei meio dia pra abrir uma página no Facebook da escola, e ainda ficou mal feita. Meio dia! Coisa que ontem fiz, com a ajuda de um aluno daqui, em cerca de 15 minutos. Meio dia, sabe pra quê? Pra colocar os textos dos alunos dizendo porque que eles queriam estudar lá, e porque tinham esse direito. Então, universidade na escola pública, na educação básica e nos lugares mais diversos por aí, é a oportunidade de crescimento desse lugar. É a oportunidade da criança que está ali, e que tem como referência de formação ser atriz ou jogador de futebol, dizer agora quero ser fotógrafo, eu quero estudar e eu quero ser professor, eu quero ser um professor de educação física, eu ser jornalista!

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É a oportunidade de discutir ética, porque quando eu faço programa com meus alunos, nós fazemos nosso programa de rádio lá, e eu discuto ética e eles têm sete/oito anos de idade, e produzem texto pro rádio. Nós produzimos textos e eu pergunto: Isso que você está dizendo ai é verdade? Você está colocando sua opinião ou viu isso acontecendo? Não entendo muito da teoria do jornalismo, nem das demais formações, minha formação é pedagogia. Mas entendo que a univer-sidade tem que se superar. Não pode se acomodar. Entendo, prin-cipalmente por agora, ser aluna da UFG, uma aluna meio faltosa, porque descobri, que embora dentro do núcleo de direitos humanos, essa humana não tem certos direitos. Sou umas das excluídas porque sou da área rural, porque a universidade a distância não ajuda quem também está distante virtualmente. Você pode ter uma distância da universidade, uma distância pessoal, mas não estar distante virtualmente. No curso que faço, tenho que fazer três interferências por semana. Comunicar com outros três que estejam lá falando. E isso vale nota, e tenho uma semana pra isso. Eu trabalho lá na minha comunidade, que não tem acesso a internet. Chegou energia há poucos anos, água encanada também. E eu faço isso, eu abandono o serviço pra estudar ou eu largo o estudo e vou continuar com a minha vidinha lá.

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Nossos alunos chegam na cidade e escutam ‘veio da zona rural, quase não sabe de nada’. Mas lá na zona rural nós acompanha-mos nossos alunos e os preparamos para o vestibular. Então eu não consigo entender a distância que há dentro da universidade entre a extensão e a graduação, a teoria disso me confunde um pouco. Mas eu entendo que é de fundamental impor-tância o que esses alunos fazem lá. Porque, nós também nos preocupamos com o que nós ensi-namos pra eles, que tipo de postura nós professores, na base, temos e como podemos contribuir pra formação deles. Eles vêm embora pra cá e o que eles aprenderam com a gente? É a oportunidade de mui-tos que nunca tiveram contato com a sala de aula, com a docência, como que eles vão lidar com aqueles meninos? Naquele momento, nós professores, somos monitores daquela tur-ma. Somos nós quem dizemos que a didática tem que ser essa ou aquela, mesmo que a gente não faça isso muito bem, mas é essa a oportunidade. Quero agradecer muito, muito mesmo a todos que foram lá, aos que não foram, mas se envolveram diretamente para que os outros pudessem ir. À todos os professores que fazem a diferença, seja na pró-reitoria, ou em qualquer das áreas. Mas assim, quero agradecer em nome de toda a comunidade do Sertão. Dizer que o projeto Terra Encantada faz uma diferença imensa pra nossa vida. Não é só um conhecimento, é um enrique-cimento da vida mesmo. E agradeço a vocês que se preocupam com isso, por achar que é um tema que vale apena ser estudado e ser defendido. E contem comigo para o que precisarem, que eu, humil-demente, vou estar a disposição de vocês.

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Tanto afeto

FINALE

TEXTO Angelita de Lima | FOTO Josy Cristina | DIAGRAMAÇÃO Elisama Ximenes

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Essa jornada foi extremamente importante e vigorosa tan-to para nós, que estamos na universidade, quanto para os que não estão aqui. Certamente o rumo já estava traçado e agora consegui-mos demarcar o caminho de uma forma muito mais forte. Acho que grandes coisas vão acontecer a partir dessa jornada. Eu sou novinha no Projeto, cheguei há pouco da licença de doutorado. Com muita honra e muita dificuldade, assumi a coordenação do Berra Lobo. Nos disseram, ontem, que para fazer extensão é preciso dominar a técnica, mas existe uma coisa que somente foi dita hoje pela Paloma “não existe extensão sem afeto e sem conse-guir estabelecer uma relação de conhecimento e de troca”. Sem isso, talvez não tivéssemos tantos bons frutos. É muito importante que neste processo de troca de sabe-res, conhecimentos e lugares, o afeto se estabeleça, porque assim traçamos a nossa vida com as histórias das outras pessoas. O afeto é, então, o arremate deste trabalho, que é acadê-mico, mas que vai muito além disso. É um trabalho social e são vocês que devem dar resistência de organização e transforma-ção. Então a trança final eu acho que é o afeto.

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c o m u n i c a n t e s