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desaprova um livro. A decisão não é do diretor da editora. Diferente de uma editora particular, você tem procedimentos e eles precisam ser seguidos à risca para que haja confiabilidade e credibilidade. Você não pode publicar uma obra porque o autor é amigo, importante ou famoso. O que interessa, para a seleção de um livro, é o aspecto qualitativo, ou seja, o valor que esse livro tem, a contribuição que ele traz. Não devemos levar em conta critérios financeiros, pois que as- sim, a editora universitária perderá a sua razão de ser, que é publicar a melhor produção da universidade, além de trazer contribuições que possam melhorar o ensino e formar bibliografia para os cursos que a instituição oferece. Beira do Rio – Lançar coleções é uma estratégia de mercado? Quais são as que têm maior repercus- são? P.M.F. – A publicação em coleções tem benefícios tanto de produção como de imagem. Internamente, você garante o projeto gráfico de todos os li- vros que serão publica- dos, a obra tem maior visibilidade e durabi- lidade de permanên- cia num catálogo. Ao mesmo tempo, sendo bem planejada, uma coleção é um cartão de visita e ajuda a criar a identidade da editora externamente. Mas é preciso avaliar quan- do vale a pena criar a coleção. Se você tem dez títulos de peso na área da Teoria Literá- ria, por que lançá-los individualmente se é possível criar uma coleção de textos literários? É a demanda quem de- termina. A nossa coleção mais bem sucedida é a “Coleção Acadêmica”, na área das Ciências Exatas, uma área não explorada pelas editoras universitárias. É uma das coleções mais premiadas pela Câmara Brasi- leira do Livro, que oferece o Prêmio Jabuti de Literatura, justamente por publicar coisas inéditas. Beira do Rio – A internet, com as vendas on line, facilitou o acesso dos leitores aos lançamentos de vocês? P.M.F. – A internet não é a solução total para o livro, mas é um instru- mento de divulgação que não pode ser desprezado. Hoje, o ISBN permite que você localize um livro em qual- quer canto do mundo. Num país de dimensões como o Brasil, a rede tem um papel fundamental, pois você lo- caliza a obra daqui, tem como acessar a editora e há, sempre, mecanismos de se encomendar. No momento, ela auxilia muito mais as livrarias do que as editoras. Beira do Rio – De que maneira a experiência da Edusp poderá con- tribuir com o fortalecimento da Editora da UFPA? P.M.F. – Demonstrando que os pro- blemas do livro são iguais em todo lugar, o que muda é o tamanho do problema. Nós somos órgãos públi- cos e temos as mesmas dificuldades, mas as pessoas precisam acreditar que podem fazer. Beira do Rio – Como as editoras universi- tárias podem contri- buir com a difusão do conhecimento cien- tífico? P.M.F. – Hoje, elas são o melhor canal de di- vulgação científica. Os livros publicados por uma editora são esco- lhidos pelo mérito. A pergunta que se deve responder é: esse livro está contribuindo com novas descobertas? No Brasil, as editoras uni- versitárias são a grande novidade no mercado editorial, por cumpri- rem um papel que o mercado não cumpre, o do investi- mento a longo prazo. Mas nós não podemos trabalhar com a lógica do mercado, precisamos achar o caminho adequado para que o nosso produto chegue a quem ele se destina. Para isso, precisávamos criar uma rede de livrarias entre as editoras universitá- rias para que os nossos livros circu- lassem, respeitando as necessidades de cada campus. Beira do Rio – O senhor foi con- vidado para atuar como editor da edição bilíngue dos Diálogos de Platão, já traduzido por Carlos Al- berto Nunes. Como será feito esse trabalho de forma a privilegiar a obra e seus leitores? Plínio Martins Filho – Uma edição bilíngue exige um projeto gráfico diferenciado. A minha função como consultor é achar a pessoa certa e orientá-la durante o projeto gráfico, considerando o público-alvo de uma editora universitária. Será uma obra de referência, por isso um trabalho permanente. Nossa ideia é que seja o ponto de partida para uma nova fase da editora, com uma nova cara. No fundo, essa mudança é uma adequa- ção aos tempos. As editoras precisam, de vez em quando, se reciclar em função do público e das mudanças tecnológicas. Talvez eu tenha sido convidado em virtude da minha ex- periência com a Edusp, para mostrar que é possível fazer um bom trabalho quando se tem um bom produto. Beira do Rio – O desa- fio do projeto é ele ser bilíngue ou represen- tar a grande mudança da Edufpa? P.M.F. – As duas coisas, pois elas são insepará- veis. Uma editora é o instrumento de publi- cidade de uma univer- sidade. É ela quem dá a dimensão e o estágio de conhecimento que essa universidade está. Se você tem a possibi- lidade de reeditar um excelente produto e também reestruturar todo o planejamento e a identidade visual da editora, essa é uma oportu- nidade única. Beira do Rio – A Edusp é uma das maiores editoras universitárias do País. Existe uma receita de suces- so? P.M.F. – Muito trabalho e dedicação, além da facilidade de termos acesso à melhor produção científica. Queira ou não, a Edusp representa a maior universidade do Brasil, que, hoje, está entre as 50 melhores do mundo. É evidente que a USP tem uma pro- dução de alta qualidade. Agora, cabe à editora captar os melhores livros, publicá-los, divulgá-los bem e fazer com que circulem. Além disso, sou uma pessoa que defende o livro em qualquer circunstância, pois acredito que o livro é o melhor instrumento de transmissão da cultura. Tecnologica- mente, não se inventou nada melhor, seus únicos inimigos são o fogo e a água, evitando isso, ele funciona em qualquer lugar. Beira do Rio – Como as obras são selecio- nadas para publica- ção? P.M.F. – Em todas as universidades, é preciso ter critérios. Eles devem ser claros para ganher respeito e credibilidade na co- munidade acadêmica. Todos os livros de- vem ser examinados por especialistas, que irão emitir um pare- cer. Este parecer será submetido à comissão editorial, que é a ins- tância que aprova ou "Bucólicos" e "farofeiros" disputam praias da Ilha Dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFPA identificou a disputa por ter- ritório entre os dois tipos de turistas que utilizam a orla oeste da Ilha, do Areião ao Ariramba. Pág. 8 Mosqueiro Pesquisa conta história da vila operária Pág. 6 Tráfego intenso prejudica patrimônio Pág. 7 Reduto Cidade Velha Religião e medicina na Amazônia O historiador Aldrin Figueiredo lança livro sobre as práticas da pajelança e de religiões afro-brasileiras entre os anos de 1870 a 1950. Pág. 3 Os japoneses brasileiros de Tomé-Açu Experiências da família Onuma reve- lam as dificuldades enfrentadas pelos migrantes japoneses que chegaram ao nordeste do Pará, em 1929. Pág. 9 Os dramas dos deslocamentos compulsórios Construção de hidrelétricas faz com que milhares de famílias percam a noção de espaço, tempo e organização social. Pág. 10 Pajelança Migração Barragens ISSN 1982-5994 Entrevista Rosyane Rodrigues Há 38 anos, ele mantem uma relação afetiva e profissional com o livro. Atualmente, à frente da Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), seu trabalho é selecionar o que há de melhor entre a produção científica da uni- versidade paulista e tornar esse material acessível ao público interessado, onde quer que ele esteja. À convite da Editora Universitária da UFPA (Edufpa), Plínio Martins Filho, esteve em Belém para as primeiras reuniões de plane- jamento da edição bilingue (português/grego) da obra Diálogos de Platão. A oportunidade também servirá para que a Editora da UFPA ganhe uma nova identidade visual. O editor encara a mudança como uma adequação aos tempos, necessária diante do surgimento de novas tecnologias e das exigências dos leitores. Para ele, as editoras universitárias funcionam como instrumento de publicidade das suas universidades."É a editora que dá a dimensão e o estágio de conhecimento em que a universidade está", afirma. De acordo com Plínio Martins Filho, ainda não foi inventada nenhuma tecnonologia que supere a funcionalidade do livro. 12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 Na Edusp, a receita do sucesso é trabalho e decidação Critérios de seleção claros ganham respeito e confiança da comunidade Tecnologia local recria azulejos P rofessores dos Institutos de Tecnologia e de Geociências da UFPA analisaram 19 amostras de azulejos portugueses, frenceses e alemães para verificar as características físicas, quími- cas e mineralógicas das peças. O objetivo é conseguir recompor as lacunas das fachadas de prédios históricos de Belém, utilizando técnicas de restauro mais apro- priadas ao nosso clima. Os pes- quisadores estudam possibilidades de fabricar réplicas dos azulejos em Icoaraci, criando uma nova atividade econômica para os cera- mistas locais e tornando o serviço de restauração mais acessível aos proprietários. No final da década de 70, Belém era a cidade bresi- leira com a maior diversidade de azulejos em fachadas. Nos últimos 40 anos, mais de 60% desse mate- rial foi perdido pela ação do clima, por descuido ou pelo alto custo com a preservação ou substituição dos azulejos Pág. 4 Na Boulevard Castilhos França, ainda é possível encontrar casarios com as fachadas azulejadas Fluxo de ônibus é excessivo Desde o final do século XIX praia é opção de lazer e descanso JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXIV • N. 78 • DEzEmbRO, 2009 Heliana Baía Evelin fala sobre mestiçagem e sistema de cotas no Brasil. Pág. 2 Opinião Entrevista Carlos Maneschy discute sobre o papel das fundações no apoio às universidades. Pág. 2 Plínio Martins Filho conversa sobre a importância das editoras universitárias para a divulgação científica. Pág. 12 Coluna do Reitor WAGNER MEIER WAGNER MEIER WAGNER MEIER "Você não pode publicar uma obra porque o autor é amigo ou importante" “O livro é o melhor instrumento de transmissão de cultura” FOTOS ALEXANDRE MORAES ALEXANDRE MORAES

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Beira do Rio edição 78

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desaprova um livro. A decisão não é do diretor da editora. Diferente de uma editora particular, você tem procedimentos e eles precisam ser seguidos à risca para que haja confiabilidade e credibilidade. Você não pode publicar uma obra porque o autor é amigo, importante ou famoso. O que interessa, para a seleção de um livro, é o aspecto qualitativo, ou seja, o valor que esse livro tem, a contribuição que ele traz. Não devemos levar em conta critérios financeiros, pois que as-sim, a editora universitária perderá a sua razão de ser, que é publicar a melhor produção da universidade, além de trazer contribuições que possam melhorar o ensino e formar bibliografia para os cursos que a instituição oferece.

Beira do Rio – Lançar coleções é uma estratégia de mercado? Quais são as que têm maior repercus-são?P.M.F. – A publicação em coleções tem benefícios tanto de produção como de imagem. Internamente, você garante o projeto gráfico de todos os li-vros que serão publica-dos, a obra tem maior visibilidade e durabi-lidade de permanên-cia num catálogo. Ao mesmo tempo, sendo bem planejada, uma coleção é um cartão de visita e ajuda a criar a identidade da editora externamente. Mas é preciso avaliar quan-do vale a pena criar a coleção. Se você tem dez títulos de peso na área da Teoria Literá-ria, por que lançá-los individualmente se é possível criar uma coleção de textos literários? É a demanda quem de-termina. A nossa coleção mais bem sucedida é a “Coleção Acadêmica”, na área das Ciências Exatas, uma área não explorada pelas editoras universitárias. É uma das coleções mais premiadas pela Câmara Brasi-leira do Livro, que oferece o Prêmio Jabuti de Literatura, justamente por publicar coisas inéditas.

Beira do Rio – A internet, com as vendas on line, facilitou o acesso dos leitores aos lançamentos de vocês? P.M.F. – A internet não é a solução total para o livro, mas é um instru-mento de divulgação que não pode ser desprezado. Hoje, o ISBN permite que você localize um livro em qual-quer canto do mundo. Num país de dimensões como o Brasil, a rede tem um papel fundamental, pois você lo-caliza a obra daqui, tem como acessar a editora e há, sempre, mecanismos de se encomendar. No momento, ela auxilia muito mais as livrarias do que as editoras.

Beira do Rio – De que maneira a experiência da Edusp poderá con-tribuir com o fortalecimento da Editora da UFPA?P.M.F. – Demonstrando que os pro-blemas do livro são iguais em todo lugar, o que muda é o tamanho do problema. Nós somos órgãos públi-cos e temos as mesmas dificuldades, mas as pessoas precisam acreditar que

podem fazer.

Beira do Rio – Como as editoras universi-tárias podem contri-buir com a difusão do conhecimento cien-tífico? P.M.F. – Hoje, elas são o melhor canal de di-vulgação científica. Os livros publicados por uma editora são esco-lhidos pelo mérito. A pergunta que se deve responder é: esse livro está contribuindo com novas descobertas? No Brasil, as editoras uni-versitárias são a grande novidade no mercado editorial, por cumpri-rem um papel que o

mercado não cumpre, o do investi-mento a longo prazo. Mas nós não podemos trabalhar com a lógica do mercado, precisamos achar o caminho adequado para que o nosso produto chegue a quem ele se destina. Para isso, precisávamos criar uma rede de livrarias entre as editoras universitá-rias para que os nossos livros circu-lassem, respeitando as necessidades de cada campus.

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Beira do Rio – O senhor foi con-vidado para atuar como editor da edição bilíngue dos Diálogos de Platão, já traduzido por Carlos Al-berto Nunes. Como será feito esse trabalho de forma a privilegiar a obra e seus leitores? Plínio Martins Filho – Uma edição bilíngue exige um projeto gráfico diferenciado. A minha função como consultor é achar a pessoa certa e orientá-la durante o projeto gráfico, considerando o público-alvo de uma editora universitária. Será uma obra de referência, por isso um trabalho permanente. Nossa ideia é que seja o ponto de partida para uma nova fase da editora, com uma nova cara. No fundo, essa mudança é uma adequa-ção aos tempos. As editoras precisam, de vez em quando, se reciclar em função do público e das mudanças tecnológicas. Talvez eu tenha sido convidado em virtude da minha ex-periência com a Edusp, para mostrar que é possível fazer um bom trabalho quando se tem um bom produto.

Beira do Rio – O desa-fio do projeto é ele ser bilíngue ou represen-tar a grande mudança da Edufpa? P.M.F. – As duas coisas, pois elas são insepará-veis. Uma editora é o instrumento de publi-cidade de uma univer-sidade. É ela quem dá a dimensão e o estágio de conhecimento que essa universidade está. Se você tem a possibi-lidade de reeditar um excelente produto e também reestruturar

todo o planejamento e a identidade visual da editora, essa é uma oportu-nidade única. Beira do Rio – A Edusp é uma das maiores editoras universitárias do País. Existe uma receita de suces-so?P.M.F. – Muito trabalho e dedicação, além da facilidade de termos acesso à melhor produção científica. Queira ou não, a Edusp representa a maior universidade do Brasil, que, hoje, está entre as 50 melhores do mundo. É evidente que a USP tem uma pro-dução de alta qualidade. Agora, cabe à editora captar os melhores livros, publicá-los, divulgá-los bem e fazer com que circulem. Além disso, sou uma pessoa que defende o livro em qualquer circunstância, pois acredito que o livro é o melhor instrumento de transmissão da cultura. Tecnologica-mente, não se inventou nada melhor, seus únicos inimigos são o fogo e a água, evitando isso, ele funciona em

qualquer lugar.

Beira do Rio – Como as obras são selecio-nadas para publica-ção?P.M.F. – Em todas as universidades, é preciso ter critérios. Eles devem ser claros para ganher respeito e credibilidade na co-munidade acadêmica. Todos os livros de-vem ser examinados por especialistas, que irão emitir um pare-cer. Este parecer será submetido à comissão editorial, que é a ins-tância que aprova ou

"Bucólicos" e "farofeiros" disputam praias da Ilha

Dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFPA identificou a disputa por ter-

ritório entre os dois tipos de turistas que utilizam a orla oeste da Ilha, do Areião ao Ariramba. Pág. 8

Mosqueiro

Pesquisa conta história da vila operária

Pág. 6

Tráfego intenso prejudica patrimônio

Pág. 7

Reduto

Cidade Velha

Religião e medicina na AmazôniaO historiador Aldrin Figueiredo lança livro sobre as práticas da pajelança e de religiões afro-brasileiras entre os anos de 1870 a 1950. Pág. 3

Os japoneses brasileiros de Tomé-AçuExperiências da família Onuma reve-lam as dificuldades enfrentadas pelos migrantes japoneses que chegaram ao nordeste do Pará, em 1929. Pág. 9

Os dramas dos deslocamentos compulsóriosConstrução de hidrelétricas faz com que milhares de famílias percam a noção de espaço, tempo e organização social. Pág. 10

Pajelança

Migração

Barragens

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Entrevista

Rosyane Rodrigues

Há 38 anos, ele mantem uma relação afetiva e profissional com o livro. Atualmente, à frente da Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), seu trabalho é selecionar o que há de melhor entre a produção científica da uni-versidade paulista e tornar esse material acessível ao público interessado, onde quer que ele esteja. À convite da Editora Universitária da UFPA (Edufpa), Plínio Martins Filho, esteve em Belém para as primeiras reuniões de plane-jamento da edição bilingue (português/grego) da obra Diálogos de Platão. A oportunidade também servirá para que a Editora da UFPA ganhe uma nova identidade visual.

O editor encara a mudança como uma adequação aos tempos, necessária diante do surgimento de novas tecnologias e das exigências dos leitores. Para ele, as editoras universitárias funcionam como instrumento de publicidade das suas universidades."É a editora que dá a dimensão e o estágio de conhecimento em que a universidade está", afirma.

De acordo com Plínio Martins Filho, ainda não foi inventada nenhuma tecnonologia que supere a funcionalidade do livro.

12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009

Na Edusp, a receita do sucesso é trabalho e decidação

Critérios de seleção claros

ganham respeito e confiança da comunidade

Tecnologia local recria azulejosProfessores dos Institutos de

Tecnologia e de Geociências da UFPA analisaram 19

amostras de azulejos portugueses, frenceses e alemães para verificar as características físicas, quími-cas e mineralógicas das peças. O objetivo é conseguir recompor as lacunas das fachadas de prédios históricos de Belém, utilizando técnicas de restauro mais apro-priadas ao nosso clima. Os pes-quisadores estudam possibilidades de fabricar réplicas dos azulejos em Icoaraci, criando uma nova atividade econômica para os cera-mistas locais e tornando o serviço de restauração mais acessível aos proprietários. No final da década de 70, Belém era a cidade bresi-leira com a maior diversidade de azulejos em fachadas. Nos últimos 40 anos, mais de 60% desse mate-rial foi perdido pela ação do clima, por descuido ou pelo alto custo com a preservação ou substituição dos azulejos Pág. 4Na Boulevard Castilhos França, ainda é possível encontrar casarios com as fachadas azulejadas

Fluxo de ônibus é excessivo

Desde o final do século XIX praia é opção de lazer e descanso

JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXIV • N. 78 • DEzEmbRO, 2009

Heliana Baía Evelin fala sobre mestiçagem e sistema de cotas no Brasil. Pág. 2

Opinião

Entrevista

Carlos Maneschy discute sobre o papel das fundações no apoio às universidades. Pág. 2

Plínio Martins Filho conversa sobre a importância das editoras universitárias para a divulgação científica. Pág. 12

Coluna do Reitor

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"Você não pode publicar uma obra porque o autor é amigo ou importante"

“O livro é o melhor instrumento de transmissão de cultura”

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BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 – 11

Uso da terra determina índices da doençaInvestigação envolveu os municípios de Itaituba, Anajás, Tucuruí e Juruti

Malária

O Conselho Universitário, em reunião do dia 20 de novembro, discutiu, em sessão especial, o

papel da Fundação de Amparo e De-senvolvimento da Pesquisa (Fadesp) no contexto do apoio às pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal do Pará.

A partir dessa reunião, ficou evidente que, a despeito de divergên-cias conceituais e de princípios sobre a relação entre a Universidade e sua fundação de apoio, tem sido inegável a contribuição da Fadesp para a consoli-dação e o avanço da UFPA como polo central da produção e transmissão do conhecimento novo na Amazônia.

O fato é que, independentemente do volume, da natureza e da legitimi-dade das críticas recentes, as fundações ainda representam uma estratégia criativa para dar maior flexibilidade e agilidade à gestão das atividades de pesquisa.

Essas organizações de direito privado, sem fins lucrativos, vêm de-sempenhando uma função de enorme importância no contorno das barreiras impostas por uma burocracia que engessa as universidades e impõe severas limitações ao exercício de sua função social, em flagrante arrepio das

regras constitucionais que garantem autonomia administrativa e financeira às instituições universitárias.

Do ponto de vista histórico, pode-se afirmar que foi no transcurso de toda a década de 90, período marca-do por um brutal desinvestimento nas universidades públicas, que a atuação dessas organizações tornou-se funda-mental no avanço das atividades de pesquisa no País.

Segundo Antonio Ibañes, ex-reitor da UNB, o papel das fundações de apoio chegou a ser mesmo decisivo para a garantia de sobrevivência da universidade brasileira. Ainda que se possa identificar algum nível de exage-ro nessa afirmação, a tese do ex-reitor em muito reflete a realidade vivida naquela década.

Decerto que as universidades não têm a sua existência ameaçada sem a parceria ou a colaboração das fundações, mas não se pode deixar de reconhecer que muitas atividades ins-titucionais se desenvolvem de maneira mais ágil e eficaz com o envolvimento das fundações em seus fluxos de ges-tão.

Sem a experiência trazida por essa relação, pode-se afirmar que o es-tágio da ciência e tecnologia no Brasil,

desenvolvido em grande medida com a responsabilidade das instituições federais de ensino e pesquisa, não teria chegado próximo ao atual nível de qualificação.

Diante de todas essas evidên-cias, um questionamento natural se revela: por que, então, as fundações têm sido alvo de tantas manifestações negativas?

Em primeiro lugar, uma boa par-cela dessas manifestações tem origem legitimada no desvio das metas e dos objetivos que deram origem à criação dessas organizações.

Em segundo plano, destaque-se o papel de setores da sociedade que, numa posição firmemente ideologizada, insistem no argumento de que toda a atuação desenvolvida pelas fundações pode ser absorvida pela estrutura administrativa das universidades sem qualquer atropelo.

Raciocínio mais do que equivo-cado, considerando-se que, no atual ce-nário de investimentos de grande monta em ciência, tecnologia e inovação, a atuação das fundações se apresenta ainda mais necessária.

Do que se observa hoje, não parece haver dúvida de que todo o es-forço das instituições universitárias em

alcançar maiores níveis de autonomia ainda não foi suficiente para atingir um estágio em que se possa prescindir da existência das fundações no ambiente acadêmico.

Como efeito de defesa dessa afir-mação, tome-se o exemplo da Fadesp que, no ano passado, gerenciou recursos da ordem de 300 milhões de reais em projetos de pesquisa e extensão, um volume cinco vezes maior do que o orçamento anual da UFPA.

Como absorver as atividades da Fadesp dentro de nossos instrumentos de gestão institucional se na execução dos recursos próprios da UFPA já iden-tificamos toda a sorte de dificuldades tão bem conhecidas? Como garantir que atividades essenciais de pesquisa com características muito peculiares sejam realizadas dentro de cronogramas de-finidos por agências de financiamento que não admitem ineficiências?

A realidade que se nos impõe é traduzida no fato de que, enquanto a autonomia universitária plena ainda não puder ser percebida em um horizonte próximo de tempo, as fundações de apoio continuarão a ser um importante agente auxiliar no cumprimento da missão histórica das nossas instituições públicas de ensino e pesquisa.

Coluna do REITOR

OPINIÃO

O papel das fundações no apoio às IFESCarlos Maneschy

Heliana Baía Evelin

[email protected]

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009

Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/[email protected] - www.ufpa.br

Tel. (91) 3201-7577

Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvi-mento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Pre-feito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Ana Carolina Pimenta Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Glauce Monteiro(1.869-DRT/PA)/Jéssica Souza(1.807-DRT/PA)/Rosyane Rodrigues(2.386-DRT/PE)/Abílio Dantas/Brena Freire/Igor de Souza/ Killzy Lucena/Raphael Freire/Yuri Rebêlo/Walter Pinto (561-DRT/PA); Fotografia: Alexandre Moraes/Wagner Meier; Secretaria: Carlos Júnior/Felipe Acosta; Beira on-line: Leandro Machado/Leandro Gomes; Revisão: Júlia Lopes/Karen Correia; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA.

[email protected]

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As pesquisas do IBGE indicam que cerca de 70% da popula-ção brasileira é negra ou parda.

No entanto, quando se fala em cotas, os pardos não são lembrados. Se ocupam uma cátedra nas universidades, são considerados brancos. Se estão nas favelas ou nos presídios, são negros. Entre nós, o discurso da inferioridade do negro e do índio é tão presente e perverso que é possível encontrarmos, com frequência, discentes e docentes com evidentes traços mestiços defen-derem as cotas para "eles, os negros e os índios".

A mestiçagem no Brasil pre-cisa ser colocada em pauta quando decidimos fazer afirmações a respeito de quem é negro ou não em nosso país. Por uma simples informação imagé-tica, podemos pensar que Gonçalves Dias, Tobias Barreto, André Rebouças, Machado de Assis, Nilo Peçanha e tantos outros homens letrados brasi-leiros eram e são brancos. Outrossim, é necessário pôr na pauta de nossas

reflexões os escritos eurocêntricos e racistas de Hegel, Kant, Tocqueville, Comte, Marx, Weber, Durkeim, dentre outros, não discutidos criticamente nas salas de aula da universidade brasilei-ra, que implanta a política de cotas, mas segue formando profissionais pautados por ideologias eurocêntricas e judaico-cristãs.

A noção de pertencimento pre-cisa orientar as medidas afirmativas, para que, no futuro, os que hoje são amparados pelas cotas venham somar e participar da construção do Brasil, considerando que nossas relações sociais são complexas e que, no caso das cotas, não se trata simplesmente de ser contra ou a favor, sem responder quem somos, como estamos, o que podemos fazer para nos reconhecermos como um povo que lutou e luta por seus direitos sociais. Algumas vezes, de forma contraditória, conciliando, por exemplo, liberalismo e discurso favorável à escravidão, como fazia Antonio Rebouças, um mestiço que se

destacou na política entre os anos 1830 e 1840. É preciso que se fale dos negros e mestiços letrados em nosso país e, principalmente, das adversidades que tiveram de enfrentar em pleno período de escravidão, mesmo em situação de alforriados por ter pais brancos ou por ter nascido livre em decorrência da Lei do Ventre Livre. Sabe-se, por exemplo, do incômodo de Joaquim Nabuco com o artigo escrito por José Veríssimo em homenagem a Machado de Assis, por ocasião de sua morte, o qual se refere à cor do memorável autor. Nabuco, em outro artigo, diz que, para ele, Machado de Assis era branco e, assim, consta em seu atestado de óbito. Ou seja, na memória histórica nacional, está presente a ideia de que ao mestiço que ultrapassa a condição de marginalidade é melhor esquecer o seu lado negro e/ou indígena como o fizeram alguns dos nossos melhores intelectuais, como Machado de Assis, ao contrário do médico Juliano Moreira, que, de origem mestiça e pobre, deixou um legado para

a ciência esclarecendo que não é a cor, mas a educação e a não subserviência que diferenciam os homens.

A produção de conhecimentos sobre o ser brasileiro poderá constituir-se uma das maiores contribuições de projetos político-pedagógicos de todas as áreas de conhecimento na transferên-cia de resultados para a sociedade. Ao se pensar em formar identidades políticas, faz-se necessário o aprofundamento e a compreensão a respeito da cultura na-cional. Sendo partícipe dessa sociedade, o profissional que desconhece a origem do modo como se dão as relações sócio-políticas, econômicas e culturais no país corre o risco de pouco contribuir para as transformações sociais.

Heliana Baía Evelin, assistente social, docente na Faculdade de Serviço Social da UFPA. Coordenadora do Programa de Ensino, Pesquisa e Ex-tensão "Luamim: peças interventivas na realidade".

Cotas e a cor invisível

Raphael Freire

Suponhamos que alguém entre em sua casa, sem ser convidado, mexa em suas coisas e as retire

do lugar. O que foi feito em sua casa? Uma “desordem”, uma intervenção que desequilibrou a harmonia do lugar. Algo semelhante tem sido feito no Estado do Pará quando se trata de uso do solo e esse uso “desordenado” possui uma re-lação de causa-efeito com as epidemias de malária no Estado.

Essa é a perspectiva abordada no estudo "Epidemias de malária no Pará e sua relação com padrões de uso da terra nos últimos quarenta anos - uma análise com sistema de informação geográfica", dissertação defendida pela geógrafa Maria Denise Ribeiro Bace-lar, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) da Universidade Federal do Pará.

A autora sempre ouvia dizer que a Amazônia era endêmica de malária,

ou seja, tratava-se de uma doença 'peculiar' da região. Mas por que tal afirmação era feita? Segundo Denise Bacelar, em 1999, foram registrados 609.594 casos de malária no Brasil. Desse total, 607.906 (99,7%) ocorre-ram na região amazônica. Destacam-se os Estados do Pará, com 225.154 (37%); do Amazonas, com 167.722 (27,6%) e de Rondônia, com 63.296 (10,4%) do total de casos. Porém, com acesso a dados extraoficiais, a pesquisadora verificou que as áreas "tradicionais" de epidemias de malá-ria estavam baixando os seus níveis e as áreas que antes não tinham altos índices da doença começavam a manifestar muitos casos da doença, como Anajás, no Marajó. Diante des-ses dados, a pergunta era “Nós somos ou estamos endêmicos de malária?". Para responder à questão, Denise Ba-celar decidiu investigar a “ponta do iceberg”: as epidemias.

O que determina se uma região

Em Tucuruí as epidemias iniciaram após a instalação da hidrelétrica e a formação do lago

n Pesquisa analisa dados entre 1970 e 2007Com a orientação do professor

Adriano Venturieri, do PPGCA, De-nise Bacelar delimitou um período temporal de 40 anos (1970-2008) para realizar a pesquisa e resolveu trabalhar com anos censitários, utilizando a população dos censos de 1970, 1980, 1991, 2000 e 2007, por entender que o Censo é a investigação e a contagem da população presente, residente e imigrante.

Como a autora estava estudando a malária sob o aspecto dos padrões de uso da terra, era necessário determinar dois objetos de pesquisa. Um deles foi destacar as atividades produtivas desenvolvidas no Estado, selecionadas de acordo com a maior propulsão no

Estado: a agropecuária, os grandes projetos minero-metalúrgicos e ener-géticos, a extração de madeira para ex-portação e a mineração. “Essas foram as atividades produtivas escolhidas, principalmente, porque a produção no Estado é uma produção primária, de extração”, afirma.

O segundo objeto eram as áreas de aplicação do estudo. "Eu investi-guei o Estado como um todo em seus intervalos censitários e identifiquei como elementos de estudo: as epi-demias de malária, a população e as atividades produtivas. Esses elementos se distribuem, espacialmente, ao longo das Mesorregiões", explica Denise Bacelar. O critério para a escolha dos

municípios foi, primeiramente, sele-cionar aqueles que apresentaram mais picos epidêmicos de malária em mais de um intervalo, nos anos censitários citados. Em seguida, foi escolher um por mesorregião geográfica. A partir disso, os municípios de Itaituba, Ana-jás, Tucuruí e Juruti foram inseridos no estudo por estarem de acordo com tais critérios.

Com a análise de imagens de satélite e o cruzamento de dados espa-ciais e estatísticos, ficou contatado que onde houve crescimento das atividades produtivas foi maior a incidência de malária. As atividades tinham, por-tanto, uma correlação estatística e espacial com a epidemia da doença.

n Políticas de prevenção

Em suas análises, a pesqui-sadora verificou que, em Tucuruí, as epidemias iniciaram após a in-trodução da barragem da usina e a formação do lago de Tucuruí. Essa observação corrobora com outros estudos que relacionam as epidemias de malária no município à instalação da hidrelétrica.

Portanto, além do combate ao mosquito e do controle da doença, é preciso trabalhar na prevenção, mo-dificando as políticas de desenvolvi-mento regional. "Atualmente, quando se pensa em 'prevenção', os órgãos responsáveis pensam em medidas que terminam por ‘apagar o incêndio’. É necessária uma política de desen-volvimento regional que priorize o saneamento, a qualidade de vida, a saúde. As epidemias são demonstra-ções do desequilíbrio ecossistêmico. É preciso uma decisão política forte para erradicar e não mais controlar a doença”, alerta Denise Bacelar.

Saiba mais

■ o que é Malária ?É uma doença infecciosa, transmitida ao homem por meio de picadas de insetos, transfusão de sangue e compartilhamento de seringas e agulhas infectadas.■ Microrganismo envolvidoÉ causada por protozoários do gênero Plasmodium. no Brasil, três espécies de plasmódios se destacam: vivax, falciparum e malariae.■ sintomasFebre alta, calafrios, suor excessivo e dor de cabeça intermitentes.■ transmissãoPor meio da picada da fêmea dos mosquitos do gênero Anopheles , popularmente conhec idos como carapanã, muriçoca, sovela, mosquito-prego ou bicuda. ou, ainda, por meio de transfusão de sangue infectado e compartilhamento de seringas ou agulhas com a presença do agente causador.■ tratamentoÉ uma doença de tratamento bastante simples, quando detectada precocemente. cada espécie do plasmódio deve ser tratada com medicamento ou associações de medicamentos específicos em dosagens adequadas à situação particular de cada doente.■ Prevençãoainda não existe vacina contra a malária, por isso a melhor forma de prevenção é evitar o contato com o mosquito transmissor. Utilizar repelentes, mosquiteiros sobre as camas ou redes de dormir, telas nas janelas e nas portas e não permanecer ao ar livre nos horários de maior concentração dos insetos (o amanhecer e o anoitecer) são algumas das medidas indicadas para se evitar a doença.

Fonte: httP://WWW.BrasiltUrisMo.coM/doencas/ Malaria.PhP

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Classificação do Índice Parasitário Anual (iPa) da malária por mil habitantes:

a) iPa > 50: alto risco.b) iPa entre 10 e 49,9: médio risco.c) iPa entre 0 e 9,9: baixo risco.

é epidêmica de malária ou não é o seu Índice Parasitário Anual da Malária (IPA). O IPA é calculado em função da população. Por exemplo, suponhamos que um município tenha mil habitan-tes, se ele tiver 10 habitantes com malária, não é epidêmico, mas será se 50 pessoas ficarem doentes. De acordo com Denise Bacelar, o cálculo do IPA não é baseado nos dados populacionais calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IbGE), por-tanto, não são valores estatisticamente corretos para fins científicos. Assim, o primeiro embate da pesquisadora foi descobrir onde estava o erro no IPA.

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10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 – 3

Religião e medicina na Amazônia Livro traz a história de pajés e pais de santo no cotidiano das cidades

Pajelança

Perdas e dramas sociais nas barragens Estudo analisa consequências dos deslocamentos compulsórios

Hidrelétricas

Personagens do imaginário popular da Amazônia, nos terreiros paraenses, são encontrados lado a lado: o caboclo e o europeu, os cristãos e os mouros. O livro mostra que, nas tendas dos pajés, as imagens do rei Sebastião, de Carlos Magno, do marquês de Pombal, figuras his-tóricas da cultura dos portugueses, dividem espaço com as divindades indígenas, os orixás africanos e até os santos católicos, "marca do hibri-dismo de culturas e sincretismo de crenças”, observa o autor. O centro da narrativa de Cidade dos Encantados se dá, principalmente, em Belém, relatando histórias vivenciadas em bairros, como Jurunas, São Brás, Pedreira, mas também traz relatos de outras localidades amazônicas, como do Estado do Amazonas, o Distrito da Cachoeira, hoje Cachoeira do Arari, na Ilha do Marajó.

Segundo Aldrin Figueiredo, atualmente, a pajelança ainda existe, mas não com a mesma roupagem dos séculos passados. Se, antes, os inte-ressados em medicina homeopática e espiritual recorriam aos chamados "pajés científicos", hoje, recorrem às vendedoras de ervas do Ver-o-Peso, onde se encontram chás, elixires, ba-nhos de cheiro e as receitas tradicio-nais que antigamente eram atribuídas aos pajés.

Jéssica souza

"Entrei nos matos da Pedreira e fui ter na casa de um pajé". Assim, inicia-se

um dos relatos do escritor Mário de Andrade que, em 1927, viera a Belém em viagem que ficou conhecida como a do Turista Aprendiz e que, em gran-de medida, o ensejou à escrita de sua obra mais importante - Macunaíma, publicada em 1928. O pajé visitado por Mário de Andrade era Satiro Ferreira de Barros, reconhecido como um dos mais importantes pais de santo da época e chefe do Terreiro de Santa Bárbara, localizado, então, na distante rua Marquês de Herval.

Nessa época, parte importante dos intelectuais brasileiros estava dedicada ao registro dessas mani-festações culturais, havidas como essenciais na construção da identida-de nacional. Mais do que portadores de um conhecimento oculto, pajés e curandeiros eram vistos como re-positórios de um conhecimento das mais legítimas tradições do povo. Folcloristas, antropólogos e litera-tos se dedicaram ao registro dessas práticas e, a partir desse conjunto de crenças, se propuseram a interpretar o caráter do homem amazônico. To-mando essa vasta literatura, fontes documentais, relatórios de polícia e todo tipo de documentação disponível para a época, o professor Aldrin Fi-gueiredo, da Faculdade de História da

Universidade Federal do Pará, decidiu analisar o tema a partir do ponto de vista histórico.

A cidade dos encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia de 1870 a 1950 surgiu, primeiramente,

como dissertação de mestrado na Universidade Estadual de Campi-nas (Unicamp), concluída em 1996. Recentemente, a pesquisa motivou a publicação de um livro, que leva o mesmo título. Cidade dos Encanta-dos traça a história de vida de muitos

pajés e pais de santo que ficaram famosos em Belém e no interior do Pará, como eram seus rituais de cura e também como disputaram espaço com a chamada “medicina científica” no cotidiano das cidades, sob o olhar dos pesquisadores da época.

O livro refaz as duas mais importantes genealogias de estudos sobre as religiões afro-amazônicas: a primeira, dedicada aos estudos da pajelança indígena e cabocla, desde autores como José Veríssimo, Juvenal Tavares, Antonio de Pádua Carvalho, Nina Rodrigues, em 1870, até a obra de Eduardo Galvão, em 1950; a segunda, dedicada aos estudos sobre as religiões de matriz africana (em especial, a chamada Mina do Pará) com os estudos pioneiros de Mário de Andrade e Oneyda Alvarenga, entre os anos de 1920 e 1950, até as obras de Vi-cente Salles, Napoleão Figueiredo, Anaíza Vergolino e os americanos Seth e Ruth Leacock, nas décadas

de 1960 e 1970.Em plena Belle Époque, “o

grande objetivo desses estudiosos foi constituir ou criar uma interpre-tação sobre a identidade brasileira. A essa altura, o brasil era firmado como nação e eles pensavam: 'então, agora, vamos definir o caráter do nosso povo'”, afirma o historiador. No século XX, autores, como mário de Andrade, Raul Bopp, Bruno de Menezes, Eneida de Moraes, tra-balharam para "cortar esse cordão umbilical que ligava o Brasil ao modelo interpretativo europeu". Com Jorge Hurley, em 1936, por exemplo, o índio apareceu como elemento fundamental na interpre-tação da cabanagem. O negro só

foi visto positivamente na poesia paraense com O Batuque, de Bruno de Menezes, publicado em 1927 nas páginas da revista Belém-Nova.

Este assunto era de pouco interesse da historiografia paraense, apenas os antropólogos se dedica-vam ao tema. Havia uma historio-grafia internacional importante e foi, a partir dela, que Aldrin Figuei-redo deu seus primeiros passos de pesquisa. Apoiado nos estudos pio-neiros de Vicente Salles, Raymundo Heraldo Maués e Maria Angélica Motta Maués, o historiador foi definindo um novo campo interpre-tativo sobre as práticas religiosas e médicas da pajelança amazônica nos séculos XIX e XX.

n Genealogia das religiões afro-amazônicas

n Pajés eram tão importantes quanto os médicosPara se ter uma ideia da im-

portância do pajé numa cidade como Belém, Aldrin Figueiredo explica que, "na década de 1890, para cada médico que clinicava nos hospitais e consultórios, cinco pajés atendiam em suas casas e eram tão importantes quanto os médicos. Nesse momento, a medicina não estava plenamente institucionalizada na Região Norte, ainda não havia associações médi-cas, Faculdade de Medicina. Os mé-dicos se formavam na Bahia, no Rio de Janeiro ou no exterior e, muitas

vezes, por lá ficavam. A pajelança, na Amazônia, era ao mesmo tempo religião e medicina, tinha um cunho espiritual e outro social, quase de saúde pública”.

Os próprios intelectuais que estudavam a pajelança se envolve-ram muito com o tema das pesqui-sas, visitavam os pajés, anotavam informações, chegavam a se con-sultar com os pajés. “Naquela área onde, hoje, é o bairro de São Brás e que se chamou, um dia, Árvore Grande e, mais tarde, Covões de

São Brás, surgiam muitas histórias de pajelanças, como se fosse não algo folclórico, mas algo presente. O Bagé, outro bairro de Belém, onde hoje é o Arsenal de Marinha, também registrou muitas notícias de gente que virava bicho, fenômeno estudado, à época, como a crença no zoomorfismo”, recorda o pesqui-sador. Histórias que se misturavam com outras, como as da matintape-rera, da rasga-mortalha, mitos ama-zônicos, que, àquela época, eram vividos no cotidiano da cidade.

n Pajelança com nova roupagem

Zoomorfismo: do Bagé, hoje Arsenal da Marinha, vinham notícias de pessoas que viravam bicho

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Atualmente, a região amazô-nica vive a iminência de mais uma construção em seu território, mais precisamente sobre o Rio Xingu: a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. As audiências públicas sobre os possíveis impactos ambientais da nova Usina, ocorridas no mês de setembro deste ano, foram cercadas de problemas, pois não garantiram condições amplas de participação da população e não favoreceram, de forma clara, os argumentos do governo sobre os motivos que jus-tificam o empreendimento.

A pesquisadora Sônia Maga-lhães coordenou um Painel de Es-

pecialistas para analisar o Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (RIMA) e o Estudo de Impactos Ambientais (EIA) da Usina de Belo Monte, documentos estes que, a cada questionamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), são atualizados com mais volumes (têm-se, hoje, uma média de 30 mil páginas). É válido ressal-tar que nenhum projeto de hidrelé-trica pode ser licitado sem antes ter um parecer de viabilidade ambiental aprovado pelo IBAMA.

Após a leitura feita pela an-tropóloga e por outros pesquisadores

de diversas áreas, foi diagnosticado um verdadeiro desastre econômico, social e ambiental caso a constru-ção da Usina seja iniciada, pois o atual projeto e a condução de sua licença estão em desacordo com as recomendações mundiais feitas pelos Princípios do Equador, pela Comissão Mundial de Barragens (CMB) e pela Convenção 169 da Or-ganização Internacional do Trabalho (OIT). Sônia Magalhães ressalta que é paradigmática, do ponto de vista social e ambiental, a área chamada Volta Grande do Xingu.

Nessa área, pretende-se redu-zir a vazão de mais de 100 km do

Rio Xingu, promovendo, também, a redução do lençol freático. “Será um grande problema, porque, nes-sa área, há três grupos indígenas diferentes, com línguas e costumes diferentes, a qual será submetida a uma escassez hídrica no coração da Amazônia, além, é claro, a perdas de florestas e da biodiversidade, principalmente, da ictiofauna”, afirma a professora. Se o cenário foi de lamento e dor em Tucuruí; em Belo Monte, não será diferente, pois os processos agregam violações de direito e desastres ambientais que escapam do controle democrático da população.

igor de souza

A 385 km da cidade de Belém, existe uma das maiores obras feitas pelo homem em prol

do desenvolvimento: a Usina Hidre-létrica de Tucuruí (UHT). Com um reservatório de mais de 3000km², com 1.321m de comprimento, 77m de altura e uma média de 8.000MW de potência, a Usina é um marco na geração de energia elétrica para a história nacional. Marco ainda maior para aqueles que tiveram suas casas, suas terras e suas vidas inundadas pelo sofrimento e pela dor, como mostra a tese de doutorado da pro-fessora Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos, da Universidade Federal do Pará.

Intitulada “Lamento e dor: uma análise sócio-antropológica do deslocamento compulsório provo-cado pela construção de barragens”, a tese – defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências So-ciais, sob orientação dos professores Jean Hébette e Pierre Teisserenc, é inovadora ao analisar as perdas e o drama social das populações que tiveram de ser removidas de seus locais de habitação para a construção das barreiras artificiais feitas para a retenção de água, mais conhecidas como as “barragens”. Na sociologia, existem muitos trabalhos que citam as perdas causadas por esse procedi-mento, mas nunca foram analisadas como um processo social ancorado no sofrimento, como o foi para o caso de Tucuruí.

Sem nenhum poder de delibe-ração, as populações que viviam às proximidades do Rio Tocantins, onde se encontra o município de Tucuruí, foram obrigadas a se deslocarem para novas terras no final da década de 70 e no início da década de 80, quando a primeira etapa da constru-ção da hidrelétrica, juntamente com o enchimento do lago, foi finalizada (1984). Encabeçada pela empresa Centrais Elétricas do Norte do Bra-sil (Eletronorte), o procedimento de indenização e o deslocamento dos moradores das áreas inundadas aca-baram se tornando um processo cheio de falhas e, até hoje, inacabado.

n Eventos transformados em 'fóruns de lamento'Não há um número preciso de

pessoas atingidas pela construção da barragem de Tucuruí. Para a profes-sora Sônia Magalhães, essa incerteza é resultado de uma disputa política. “De um lado, temos a Eletronorte, que, a todo momento, faz questão de diminuir o número de atingidos para diminuir o custo e a representação das consequências negativas do em-preendimento. Do outro lado, temos as populações locais lutando pelo reconhecimento das várias formas de sofrimento que a barragem de Tucuruí provocou e que a empresa não leva em conta”, afirma a antropóloga.

Um bom exemplo da deficiên-cia de estudos da empresa em questão é a desconsideração para com os atin-gidos localizados na jusante da área inundada, onde a pesquisadora afirma que não há estatísticas nem dados que analisem os efeitos sofridos por essas populações, sendo, portanto, “esque-cidas” no processo de reassentamento

e indenização. Foi somente em 2003, no contexto da segunda etapa de construção da UHT, que a Eletronor-te reconheceu, oficialmente, como “área atingida” do empreendimento os seguintes municípios situados na jusante da barragem: Baião, Mocaju-ba, Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajuru e Cametá.

Esse reconhecimento deve muito aos movimentos sociais ala-vancados no contexto da construção da Usina de Tucuruí, os quais foram mediadores e objetos de estudo fun-damentais para a pesquisa da antro-póloga Sônia Magalhães. Entre os movimentos, a pesquisadora analisa o Movimento de Expropriados de Tucuruí e o Movimento Nacional de Atingidos por Barragens (MAB), os quais foram protagonistas da maioria dos eventos na arena pública (assem-bleias, reuniões, encontros) que mo-bilizou grande número de pessoas em uma ritualização coletiva de denúncias

e reivindicações.Para a socióloga, os eventos

públicos podem ser considerados grandes “fóruns de lamento”, pois, além das reivindicações, são espaços de recordação e enunciação das perdas ocorridas pelo deslocamento compul-sório. São modificações imponderá-veis do ponto de vista sociológico, por que perpassam várias questões, como a da saúde (proliferação de mosquitos), a econômica (empobrecimento das comunidades pelo declínio da pesca e pelo pequeno valor das indenizações), a cultural (a UHT afetou o cotidiano de povos indígenas e tradicionais), a ambiental (danos à vegetação e à biodiversidade do local), entre muitas outras consequências.

“São processos que desestrutu-ram a noção de espaço, de tempo e da própria organização social, processos estes que, em Tucuruí, após mais de 30 anos, se tornam irreversíveis”, declara Sônia Magalhães.

n Audiências públicas não garantem participação popular

Xingu: construção de Belo Monte ameaça biodiversidade e populações indígenas e tradicionais que vivem na região

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4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará –Dezembro, 2009

Pesquisadores recriam azulejos históricosInovação

Mão de obra e tecnologia local tornam preservação possível

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 – 9

Japoneses chegam e mudam paisagemA saga da família Onuma revela intercâmbio cultural em Tomé-Açu

Migração

Nos primeiros tempos, os roçados ficavam próximos às casas, mas depois foram para terrenos mais distantes. Em geral, os patriarcas saíam para trabalhar na lavoura, acompa-nhados de filhos mais velhos. As esposas ficavam em casa to-mando conta dos demais filhos. Mas, no caso dos Onuma, a his-tória foi um pouco diferente.

O casal teve nove filhas e apenas um filho, o penúltimo. Haruo Onuma levava, então, as quatro primeiras filhas para trabalharem com ele na lavou-ra. Era um cotidiano de muito trabalho para aquelas jovens obrigadas a acordar de ma-drugada para ajudar a mãe nos afazeres domésticos, antes de seguirem para a roça. A quarta filha do casal, Clara Kiyoko Aihara, uma adolescente de 12 anos, em 1950, já ajudava o pai. Anos depois, tornou-se mãe da pesquisadora Michiko Aihara.

As tias de Michiko con-taram-lhe que viram muitos índios Tembé batendo à porta da família para trocar caça e pesca por temperos, como sal e açúcar. A partir dessa relação de troca, alguns costumes se mis-turaram, mantendo-se até hoje. Um exemplo dessa intercessão de culturas está na culinária. Um prato muito apreciado na colônia é o maparázuke, uma espécie de conserva feita com o peixe amazônico (mapará) e temperos japoneses (shoyu e missô). O resultado é uma conserva que se come com o tradicional arroz branco.

Na colônia, os imigrantes se ressentiram de duas grandes dificuldades: o clima quente e úmido e a proliferação de doen-ças endêmicas, principalmente, a malária. A matriarca Mitsu Onuma adoeceu de malária por três vezes, tendo passado um ano hospitalizada.

Antes da Segunda Guer-ra Mundial, muitos morreram em consequência da malária, o que fez muitas famílias deixa-rem Tomé-Açu. No dizer dos descendentes mais antigos, a colônia havia se transformado numa terra para teimosos. Os Onuma, identificando-se com os " te imosos", optaram por ficar. Algumas vezes viajaram para o Japão, mas compreen-deram que o Brasil era a terra deles. Esse era o sentimento de outras famílias. A pesquisadora ouviu muitos dizerem que "o Japão é o pai, mas o Brasil é a mãe". Sentiam-se, assim, nipo-brasileiros.

Walter Pinto

Quando decidiu desenvolver estudo para o Mestrado em Antropologia sobre as me-

mórias dos primeiros imigrantes ja-poneses em Tomé-Açu, a socióloga e professora Maria do Socorro Michiko Aihara, do NPI da Universidade Fe-deral do Pará, defrontou-se com uma situação complexa na Antropologia Social: o observador e o observa-do são membros do mesmo grupo. Descendente, pelo lado materno, da família Onuma, uma das fundadoras do município, a pesquisadora nissei resolveu a questão utilizando a meto-dologia que recomenda transformar o familiar em exótico.

O avô de Maria do Socorro Michiko, Haruo Onuma, chegou à Amazônia, em dezembro de 1929, in-tegrando a segunda leva de imigrantes japoneses. Era um jovem de 21 anos. Sua futura esposa, Mitsu Yamagu-chi, veio no ano seguinte. Naquele mesmo ano, Haruo e Mitsu casaram. Foi o primeiro casamento na colônia japonesa de Tomé-Açu. Juntamente com seus patrícios, o casal Onuma participou ativamente da implantação da colônia, tendo protagonizado uma história de vida que mescla preceitos ético-estéticos japoneses com os sa-beres e fazeres locais.

Os imigrantes japoneses che-garam ao Pará como parte de um acordo feito entre o Estado e o gover-

Residências apresentam traços da arquitetura oriental

no do Japão. O governador Dionísio Bentes, após tomar conhecimento da contribuição dos imigrantes japoneses ao crescimento de São Paulo, prin-cipalmente na agricultura, tomou a iniciativa de contatar o governo do Japão oferecendo uma grande área de terra, com 500 mil hectares, na região do Acará, para abrigar imi-grantes interessados em desenvolver a agricultura no Estado.

O Japão ainda vivia os efeitos da longa Revolução Meiji, iniciada

no século XVIII, que buscou moder-nizar o país marcadamente feudal. O investimento na modernização urbana tornou a vida rural mais difícil, princi-palmente, depois que as terras da agri-cultura foram taxadas. Teve início, as-sim, um longo processo de emigração para diferentes países, entre os quais, o Brasil. O próprio governo japonês conclamou os empresários do país a financiarem o deslocamento dos imigrantes, ressalvando que caberia a estes o reembolso.

n Na bagagem, sementes de hortaliças Haruo Onuma e Mitsu Yama-

guchi viajaram, ao longo de quase três meses, em alto-mar. Em Belém, os imigrantes ficavam na Hospedaria dos Imigrantes, localizada na Rua Siqueira Mendes, na Cidade Velha, até se refazerem da longa viagem. Em geral, viajavam com suas famílias e objetos do lar. Preocupadas com a sobrevivência do grupo na região desconhecida, as esposas traziam sementes de hortaliças e leguminosas para serem plantadas.

A área no Acará, destinada aos imigrantes, era habitada pelos índios Tembé. Era um ambiente selvagem, até então, sem qualquer presença de colonização branca. Os imigrantes se concentraram num cruzamento de caminhos, ou Jyûjiro, na língua japo-nesa, atualmente, chamado de Quatro Bocas. A partir da memória dos pró-

prios imigrantes, a pesquisadora pode reconstruir os passos dos pioneiros na região, do enfrentamento das dificul-dades até conseguirem sobreviver da própria terra, no final da década de 1940 e no início de 1950.

Os imigrantes desmataram a área e dedicaram-se, inicialmente, ao cultivo de cacau, sem, contudo, lograrem êxito. Ressentiram-se da falta de acompanhamento técnico do plantio à colheita. Em seguida, cultivaram arroz, com relativo su-cesso, até que surgiram problemas na fase de comercialização: a mesma empresa responsável pelo transporte dos imigrantes ao Pará, encarregada de intermediar a venda do produto, não satisfez os agricultores, haja vista os ganhos serem considerados insuficientes em relação às despesas com o intermediador.

Os Onuma, assim como as primeiras famílias, optaram, então, por plantar legumes e hortaliças, conseguindo arrecadar um dinheiro mais significativo com a produção de tomate. Em meados da década de 1930, os imigrantes fundaram a Cooperativa de Hortaliças, embrião da atual Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta). Os japoneses foram responsáveis pela introdução de alguns tipos de hortaliças e legu-mes na culinária paraense. Muito se deve ao compatriota Konde Koma, residente em Belém desde a déca-da de 1920. Ele foi divulgador dos produtos rurais cultivados em Tomé-Açu e comercializados em Belém. Em sua residência, oferecia jantares à sociedade local, explicando aos convivas como se preparavam os ingredientes.

O produto que alavancou a economia da colônia foi a pimenta-do-reino, o “diamante negro” como os agricultores a denominaram no álbum comemorativo aos 25 anos da colônia japonesa no Pará. No início da década de 50, Tomé-Açu tornou-se o maior produtor de pimenta-do-reino do Pará. Os grandes produtores, entre os quais, os Onuma, passaram a desfrutar de

uma situação financeira bem mais cômoda. Assim, no meio da floresta, destoando da paisagem selvagem, foram construídas grandes casas que, apesar de ocidentalizadas, mantinham traços da arquitetura e dos costumes orientais.

A casa dos Onuma ainda guarda traços do ikê, o lago artificial japonês, engendrado na paisagem com intuito de representar a natu-

reza. Na ala oriental da residência, uma sala de adoração a Buda. De lá, ouvia-se o bater do sino que cadenciava os mantras budistas. A pesquisadora percebeu que os japo-neses não impuseram a religião aos filhos. muitos japoneses frequen-tam templos católicos. A própria pesquisadora soube que seu nome, Maria do Socorro, faz parte de uma promessa a Nossa Senhora.

n "Diamante-negro" alavanca economia

n Culinária misturada

Os projetos desenvolvidos para a preservação de azulejos em Belém fazem parte das investigações científicas do Grupo de Pesquisa de Mineralogia e Geoquímica Aplicada da Universidade e envolvem profes-sores das Faculdades de Arquitetura e Urbanismo, Geologia e Engenha-ria Química. O principal objetivo das pesquisas é a revalorização das fachadas na capital paraense e cada um dos projetos volta-se para uma finalidade específica como iden-tificação dos azulejos existentes, possibilidades de fabricação de ré-plicas em Belém e desenvolvimento de técnicas e materiais de restauro

apropriados ao nosso clima. Uma das propostas estudadas

é a criação de uma nova atividade produtiva para os ceramistas do Distrito de Icoaraci, em Belém. “Pes-quisadores estão avaliando a argila utilizada pelos artesãos de Icoaraci e os processos de produção de ce-râmica empregados a fim de desen-volver uma tecnologia de produção de cerâmica vidrada, de forma que possam ser aproveitados o material, o processo de produção e o conhe-cimento dos ceramistas belenenses. Isso deve gerar uma nova atividade econômica para esses trabalhadores e possibilitar uma restauração de qua-

lidade e com custo mais acessível”, acredita Thais Sanjad. Além disso, o novo material poderia ser direcio-nado ao mercado de turismo com a produção de suvenir de azulejos históricos belenenses.

De acordo com Thais Sanjad, o desconhecimento é uma das prin-cipais barreiras para a propagação da necessidade da preservação histórica, “pretendemos revalorizar as fachadas azulejadas. Muitos não sabem a origem e a história dessas peças, que vieram dos melhores cen-tros de produção cerâmica do mundo, como Inglaterra, França, Alemanha, Holanda e Portugal. Como os azule-

jos estão degradados, é fácil somar a eles o conceito de feio, ultrapassado e velho. Vamos divulgar o inventário, propor formas de baratear os custos com a restauração e, se possível, capacitar e formar restauradores especializados em azulejaria em Belém”. O professor Marcondes Costa completa: “quem contempla a beleza e sabe um pouco mais sobre os azulejos torna-se mais sensível para a necessidade de preservação. O tempo não é contornável, mas a investigação científica pode propor opções para preservar o que ainda temos e recuperar o que se está perdendo”.

Glauce Monteiro

Caminhando entre casarões dos bairros da Campina, da Cida-de Velha ou do Comércio, é

possível vislumbrar o período áureo dos palacetes em Belém. A beleza dos azulejos que enfeitavam as fachadas dos prédios históricos poderia encantar os olhares modernos se não fosse o desaparecimento progressivo desses objetos. Mas o que pode ser feito para preservar esse patrimônio histórico?

Pesquisadores do Instituto de Tecnologia (ITEC) e do Instituto de Geociências (IG) da Universidade Federal do Pará acreditam que, “além dos dados históricos, precisamos es-tudar e propor opções para preservar, restaurar e ajudar as fachadas a conti-nuarem enfeitando a história e a vida arquitetônica de Belém. Para isso, é preciso conhecê-los mais profunda-mente, saber do que são constituídos”, argumenta Thais Sanjad, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Tecnologia da UFPA.

“Fizemos a caracterização dos azulejos visando, no futuro, produzir réplicas. Tomamos amostras de peças

Muitas peças foram trazidas para Belém durante o Ciclo da Borracha

n Clima tropical, custo e descaso prejudicam manutençãoNo final da década de 70,

uma pesquisa nacional revelou que Belém era a cidade brasileira com o maior número de padrões diferentes de azulejos em fachadas. Anos de-pois, pesquisadores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismos da UFPA estão reavaliando este patrimônio. Não bastasse o descaso dos proprie-tários e do poder público, as peças, tidas como verdadeiras obras de arte, também sofrem com a ação do tem-po, da umidade e do calor, processo natural, irreversível, mas que poderia ser retardado.

Thais Sanjad revela que Be-lém ainda possui fachadas azulejadas nos bairros Cidade Velha, Campina, Reduto, Nazaré, Batista Campos, Jurunas, Umarizal e São Brás. Ao constatar a perda de mais de 60% do material ao longo dos últimos 40 anos, os pesquisadores também encontraram agradáveis surpresas.

“Localizamos fachadas em bom es-tado de conservação em edificações localizadas fora do centro histórico, como em São Brás, e também iden-tificamos azulejos que pensávamos que já tinham desaparecido das fachadas. Descobrimos que alguns deles foram ‘transportados’ para novas edificações durante a década de 80”, lembra a professora.

Entre os desafios para a pre-servação dos azulejos, a pesquisado-ra destaca a ação do clima, o descaso e os custos para a substituição do material. Ela conta que Belém pos-sui azulejos com mais de cem anos, muitos estão degradados, outros, em estado de conservação superior ao de modelos mais atuais. Daí, a im-portância de conhecer os materiais e descobrir técnicas de restauração que sejam mais duráveis e acessíveis.

“Em 2004, a fachada do Palacete Pinho teve seus azulejos

restaurados. Dois anos depois, a restauração estava degradada. Precisamos de uma tecnologia de restauração e de um material que sejam adequados ao clima da cida-de. Por isso fizemos a identificação do material para sabermos do que é feito e como podemos interferir em sua composição. Os proprietá-rios sempre argumentam que não há azulejos em Belém que possam preencher as lacunas e que a mão de obra para restaurar é inacessível, sendo esse um dos aspectos que en-carecem a preservação das fachadas azulejadas. Os projetos de pesquisa desenvolvidos na UFPA preveem o aproveitamento da indústria ce-râmica local para a produção das peças e a formação de mão de obra especializada nesse tipo de restaura-ção como uma das formas de tornar acessível esta tecnologia”, assegura a pesquisadora.

n Projetos preveem formação de mão de obra especializada

portuguesas, francesas e alemãs e fize-mos a caracterização física, mineraló-gica e química do material para saber qual a matéria-prima e os processos de produção dos azulejos históricos de Belém”, resume Marcondes Lima da Costa, professor da Faculdade de Geologia do Instituto de Geociências da UFPA.

Juntos, os pesquisadores ana-lisaram 19 amostras de azulejos do acervo da Coleção da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA. “Conhecendo isso, temos capacidade de fazer novos azulejos para recompor lacunas nas fachadas, propor técnicas de restauro mais apropriadas às carac-terísticas do material e, ainda, divulgar a história dos azulejos por meio de peças artesanais”, garante o professor Marcondes Costa. O projeto contou com a participação de pesquisadores e bolsistas de Iniciação Científica do ITEC e do IG, além da colaboração do professor Mário Mendonça, da Universidade Federal da Bahia. Os resultados da pesquisa estão no livro Azulejaria Histórica em Belém do Pará: contribuição tecnológica para réplicas e restauro.

Thais: capacitação de restauradores

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Mosqueiro

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Cidade Velha ou Cidade VivaPesquisa compara processo de revitalização em Belém e em Coimbra

Feliz Lusitânea

EM DIAFotografiaEstá aberta, até o dia 18 de dezembro, a exposição fotográfica momentos Amazônicos. O trabalho tem o obje-tivo de divulgar a região por meio de imagens captadas pelas lentes pro-fissionais e amadoras dos fotógrafos Luca Centeno, Mácio Ferreira, Mano-el Neto, Mari Chiba, Patrick Pardini e Petrus Alcântara. A exposição tem a curadoria de Roberto Menezes e pode ser conferida no hall de entrada do Centro de Convenções da UFPA.

PeriódicosO novo Portal de Periódicos da Capes já está disponível para a co-munidade acadêmica. Mais ágil e eficiente na busca de informações científicas, o novo Portal conta com acervo de mais de 15 mil títulos em todas as áreas de conhecimento. A UFPA está entre as 12 instituições que irão avaliar as ferramentas do novo sistema. Acesse em http://novo.periodicos.capes.gov.br/

SeminárioAcontece, entre os dias 14 e 16, o VIII Seminário Nacional de Políticas Educacionais e Currículo, promovi-do pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da UFPA. "A ética e regulação no currículo e nas políticas educacionais" será a temática central da programação do evento. Mais informações no site http://www.bele-mvirtual.com.br/viiiseminario/.

MestradoO Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA está ofertando qua-tro vagas em seu curso de Mestrado (área de concentração: Direitos Hu-manos) para candidatos indígenas. Os interessados poderão fazer suas inscrições até o dia 09, das 8h30 às 17h30, na Secretaria da Pós-Gradu-ação em Direito. Mais informações http://www.ufpa.br/ascom/links/editais/icjms.pdf

BettinaMembros da comunidade acadêmica da UFPA já podem contar com o Ser-viço de Primeiros Atendimentos no Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza. Das 8 às 18h, de segunda a sexta-feira, o usuário terá atendi-mento médico e de enfermagem para ocorrências leves, como alterações bruscas de pressão, enxaquecas, cólicas menstruais intensas e outros tipos de mal-estar.

Apesar das diferenças, na percepção dos moradores da Cidade Velha, a revitalização do Complexo Feliz Lusitânia também causou certo incômodo, seja pela retirada de elementos – como o Restaurante do Círculo Militar, seja pela ‘refun-cionalização’ de espaços religiosos – como a transformação da Igreja de Santo Alexandre em Museu de Arte Sacra.

Uma das diferenças mais importantes entre os dois processos é o foco das restaurações. “O Feliz Lusitânia trabalhava só com o patri-mônio monumental, com a Igreja, com o Forte, e em Coimbra, eles estão trabalhando com residências e comércios”, destaca Cybelle Mi-randa. Na Almedina, muitas casas não contam com equipamentos sanitários nem cozinhas.

Essas particularidades fazem com que o processo de revitalização seja desenvolvido de forma diferen-

te. O Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Degradadas (Praud) prevê a parceria entre proprietários e Câmara Municipal para a recupe-ração dos imóveis. “Por trás dessa ideia de ‘habitabilidade’, que é uma medida louvável, pois garante con-dições de existência para todas as pessoas, está a candidatura de Coim-bra a Patrimônio da Humanidade”, esclarece a professora.

Entre os dois bairros estuda-dos, o ponto em comum é a vocação turística, explorada política e econo-micamente pelos governos. Tanto em Belém quanto em Coimbra, a revitalização gera uma ‘espetacu-larização’, em que o passado vira elemento de consumo. “Em alguns locais, ficam, apenas, as fachadas das casas”, diz Cybelle Miranda.

De acordo com a arquiteta, em Belém, o bairro da Cidade Velha tem potencial para tornar-se uma ‘Cidade Viva’. “Em São Luís, no

Maranhão, recentemente nomeada Patrimônio da Humanidade, per-cebe-se muita cenografia, mas não se observa aquilo que ainda temos na nossa Cidade Velha: as pessoas que vivem no local frequentam as missas, colocam as cadeiras na calçada, conhecem seus vizinhos e têm histórias para contar, ou seja, um patrimônio que não pode ser perdido,”avalia.

Além da Cidade Velha, a professora Cybelle Miranda aponta outras áreas em Belém que merecem valorização urgente, como o bairro do Reduto, antigo setor industrial da capital, e o bairro do Comércio, hoje, muito afetados pela criminalidade. Acima de tudo, a pesquisadora es-pera que, em Belém ou em Coimbra, os moradores das cidades possam usufruir desses espaços como áreas vivas e não apenas como cenários. Assim, prédios e memórias estarão preservados.

Yuri Rebêlo

A colonização do Brasil pelos portugueses deixou muitas marcas. Na cultura das ci-

dades, na língua, na gastronomia, em todos os lugares, há traços de nossos colonizadores. Cidade com forte influência portuguesa, belém não foge a esse cenário. Os traços de Portugal estão por toda parte, principalmente, no bairro da Cidade Velha, onde o conjunto formado pelo Forte do Castelo, pelo Antigo Hospital Militar, pelo Igreja de Santo Alexandre e pelo Arcebispado tornou-se o Complexo Feliz Lusitâ-nia após a revitalização coordenada pela Secretaria de Cultura do Estado do Pará. Simultaneamente, na área histórica da cidade de Coimbra, em Portugal, o bairro de Almedina

sofreu um processo análogo. Enxergando nessa temática

uma oportunidade de estudo, a professora Cybelle Salvador Mi-randa da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Pará produziu o trabalho “Revitalização do Patrimônio nas cidades de Be-lém do Pará e Coimbra: percepções comparadas”, por meio do Progra-ma de Bolsas para Jovens Investi-gadores, oferecido pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

“Na Universidade de Coim-bra, eles já vinham desenvolvendo paralelos de preservação entre cida-des portuguesas e brasileiras. Então, achei interessante incluir Belém e propor um estudo comparativo com alguma intervenção no patrimônio construído em Coimbra”, explica.

Em Belém, Cybelle Miranda já ha-via defendido sua tese de doutorado sobre a revitalização do Complexo Feliz Lusitânia. Na comparação com o bairro de Almedina (al-medina, que, em árabe, significa a cidade), vieram à tona as semelhanças e as divergências.

Apesar dos dois bairros serem habitados, principalmente, por ido-sos, Almedina sofre de um problema ímpar: em 1974, na época da ditadu-ra salazarista, foi decretada uma lei que impedia o reajuste do preço dos aluguéis, o que acabou por torná-los defasados. Hoje, os moradores de Almedina são, em sua maioria, pessoas humildes, sem condições fi-nanceiras para morar em outro lugar e temem a revitalização por acharem que, com a valorização da região, o preço dos aluguéis aumentará.

Feliz Lusitânia: antigo Hospital Militar faz parte do conjunto arquitetônico revilatizado em Belém

n Obras causam incômodo em moradores dos bairros

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Turistas disputam espaço na Ilha"Bucólicos" querem descanso e "farofeiros" querem festa

Os conflitos discursivos e reordenamentos territoriais co-meçaram a ocorrer com mais evidência a partir de 1999, quando a Prefeitura Municipal de Belém (PMB) criou a tarifa de transporte urbano entre Belém e Mosqueiro. A medida facilitou o acesso dos mais pobres à Ilha, o que significou uma ameaça ao ordenamento tradicional do lugar, que sempre foi dominado pelos turistas de segunda residência e pela elite local.

Uma série de fatores carac-teriza o reordenamento territorial da prática turística em Mosqueiro. Primeiro, o estabelecimento ou territorialização dos turistas excur-sionistas na orla oeste. Aos poucos, a promoção de eventos populares, como micaretas, foi crescendo e tornando a orla o espaço natural deste tipo de turista, adequando-a, inclusive, ao olhar coletivo, não mais ao olhar bucólico do turista de segunda residência. Porém, isso ocorre somente nos períodos em que o turista de excursão é predomi-nante. Segundo a pesquisa, 73% dos entrevistados frequentam o espaço apenas nos finais de semana de fé-rias, principalmente, em julho.

A prática turística de segunda residência, obviamente, também mudou, ocorrendo a desterritoriali-zação e seu consequente rearranjo. Começaram a ocorrer vendas de imóveis e desvalorização financeira de casas e apartamentos, pois as dinâmicas sociais predominantes não condiziam mais, estritamente, com um olhar romântico.

Para permanecer na Ilha, os turistas de segunda residência co-meçaram a se comportar de forma diferenciada. Passaram a frequentar a Ilha, apenas, em períodos com pouca movimentação, longe das férias escolares, por exemplo. Como segunda opção, começaram a frequentar áreas mais afastadas, como a praia do Paraíso, onde o acesso para os excursionistas é mais difícil. E, por fim, transformaram suas casas em locais onde podem se divertir sem precisar do mundo de fora, compraram e construiram piscinas e churrasqueiras, por exemplo.

Willame Oliveira Ribeiro ressalta que o objetivo da pesquisa é buscar o entendimento dos vários discursos apresentados e não con-tribuir, necessariamente, para a ela-boração de políticas públicas. No entanto, ele acredita que nenhuma forma de cerceamento ao acesso à Ilha de Mosqueiro deve ser pensada ou mantida, já que o local é um bem público. "É preciso pensar políticas que levem em consideração os dife-rentes olhares e garantam o lazer de todos, pois os espaços de lazer são muito escassos em Belém", ressalta o pesquisador.

Abílio Dantas

Seus primeiros habitantes, que tinham por hábito preparar pei-xes numa técnica chamada de

moqueio, se surpreenderiam caso pu-dessem prever o futuro do local onde viviam. Além das mudanças físicas, com o surgimento de pontes sobre as águas dos rios e igarapés, os índios Tupinambá veriam práticas de vida totalmente diferentes das suas. E estra-nhariam um personagem que não vive na Ilha, mas visita-a com frequência em busca de lazer: o turista.

Essa vocação para o turismo teve início no final do século XIX e no iní-cio do XX, quando famílias de classes privilegiadas, advindas do comércio da borracha no Estado, começaram a construir casas de arquitetura semelhan-te às construções europeias ao longo das praias da orla oeste da Ilha. Essas

pessoas procuravam um lugar onde poderiam respirar um ar mais puro e descansar durante o veraneio.

A dissertação intitulada "Ordem e desordem do território turístico: a chegada do estranho e os conflitos de territorialidades na orla oeste de Mos-queiro, Belém/ PA", do professor de Geografia Willame de Oliveira Ribeiro, defendida em 2007 na Universidade Federal do Pará (UFPA), mostra que a mentalidade dos primeiros turistas continua presente na Ilha, no entanto, não está sozinha, convive com outros pontos de vista e formas de vida. E é daí que surgem os conflitos.

Orientado pela professora Maria Gorette Tavares, o pesquisador Willame Oliveira Ribeiro limitou-se a estudar a área da orla oeste, que vai da praia do Areião até a praia do Ariramba. O tre-cho, onde estão localizadas também as praias do Farol, Chapéu Virado, Porto

Arthur e Murubira, foi escolhido por ser um dos principais espaços de lazer metropolitano. Segundo o pesquisador, os conflitos entre as práticas turísticas são explícitos neste local por concentrar pessoas de várias classes sociais, idades e estilos de vida.

No desenvolvimento da pesquisa, Willame Ribeiro identificou dois tipos de turistas constantes na Ilha de Mosquei-ro: o turista de segunda residência e o turista excursionista. O primeiro grupo é formado por famílias com bom nível financeiro, com residência no território turístico, buscando a Ilha para descansar e desfrutar das belezas naturais. Já o turista de excursão tem como principal característica o fato de não permanecer mais que um dia no local. Ele pertence, geralmente, às classes baixas e participa de atividades conhecidas por concentar um grande número de pessoas, como as micaretas.

n Discursos revelam interesses e pontos de vistaA partir dos anos 1990, a presença

de turistas de excursão aumentou bas-tante. Surgiram, então, políticas públicas e discursos que tornam a pesquisa de Willame Ribeiro muito importante para entender essa realidade.

Principalmente nesses finais de semana das férias, junta som de bar, som de carro... Aí junta com a gritaria que o pessoal faz na praia e na rua. O depoimento, recolhido em julho de 2006, é típico dos turistas de segunda residência, sobre os excursionistas, e nos mostra o campo onde ocorrem os conflitos: os discursos. Ou seja, tudo que é dito por um tipo de turista sobre o outro parte da realidade e defende interesses e pontos de vista próprios.

Os turistas de segunda residência possuem um olhar, predominantemente,

elitista e romântico. Por isso eles são chamados de "bucólicos". A Ilha de Mosqueiro, na visão desses, deve ser um lugar aos moldes dos estereótipos de ilhas paradisíacas, desertas, em que a tranquili-dade de seu descanso seja a regra princi-pal. Os turistas de excursão possuem um olhar classificado como coletivo, em que o convívio com outras pessoas torna-se algo positivo, diferente do primeiro tipo. Recebem a classificação de "farofeiros", termo pejorativo utilizado pelos que fazem oposição aos excursionistas. Em todos os países, existe este tipo de turista que se reúne em grupos e prepara algum alimento de forma coletiva. "Mesmo que o 'farofeiro' típico não apareça tanto em Mosqueiro, pois as excursões organizadas e a comida coletiva não são tão presen-tes", ressalva o professor.

De acordo com o pesquisador, durante as entrevistas, foi curioso per-ceber as diferenças entre as falas dos dois tipos de turistas. Os excursionistas possuem uma variedade maior de opi-niões. Alguns apresentam uma postura semelhante à dos de segunda residência quando consideram que fatores, como barulho e sujeira, teriam aumentado com esse tipo de turista. Outros alegam que não enxergam conflitos. Em contrapar-tida, os de segunda residência sempre demonstram visões negativas sobre os primeiros. Alguns chegam a explicitar a questão do preconceito de classe, dei-xando claro que os conflitos também são econômicos, como no trecho a seguir, referente à participação de turistas ex-cursionistas em shows: “[...] onde está limpo, a rataria vai embora".

n Conflitos e reordenamento

Do Areião ao Ariramba: pesquisa analisou frequentadores da orla oeste da praia

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6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 – 7

n Centro Administrativo

Centro histórico é vítima do trânsitoPatrimônio sofre agressões diárias com tráfego intenso e desordenado

Cidade VelhaMemória

De vila operária a bairro nobre Dissertação conta trajetória do bairro operário do Reduto

Killzy Lucena

Trepidação ocasionada pelo trânsito de veículos pesados, excesso de linhas de ônibus

circulando no local e estacionamen-to desordenado. Essas são algumas causas do prejuízo irrefreável sofrido, diariamente, pelo patrimônio arquite-tônico da Cidade Velha, em Belém. Analisando a situação e sugerindo mudanças que promovam a boa cir-culação e a conservação predial, a ar-quiteta Vanessa Renê Corrêa Ribeiro escreveu a monografia “Diretrizes de Mobilidade para o Bairro da Cidade Velha: uma condição para a preser-vação e conservação do Patrimônio Arquitetônico", apresentada em sua especialização no Fórum Landi, sob a orientação do professor Paulo de

Castro Ribeiro, da Faculdade de Ar-quitetura e Urbanismo do Instituto de Tecnologia da UFPA.

Vanessa Ribeiro conta que seu interesse pela Cidade Velha e seus prédios, praças, igrejas, casarios - a maioria datada do século XVII – co-meçou, ainda, durante a graduação, ao observar a ação do tempo e a má conservação dessas construções. De 1998 até 2008, a pesquisadora trabalhou no Núcleo Cultural Feliz Lusitânia, na área de patrimônio his-tórico. Atualmente, na Companhia de Habitação do Pará (Cohab), teve acesso a alguns planos urbanísticos e de habitação voltados para Belém, o que ajudou no desenvolvimento da pesquisa.

A proposta era que a monogra-fia servisse como instrumento para

trabalhos futuros, especificamente, as pesquisas sobre mobilidade urbana, tráfego de veículos leves e pesados, interferências na circulação e na pre-servação dos monumentos históricos, alguns tombados ou não.

A pesquisa tentou buscar todos os planos que foram feitos para a cidade, como o Plano de Desenvol-vimento da Grande Belém (PDGB-1975), o Estudo de Transportes Urbanos da Região Metropolitana (ETurBel01978), o Plano Setorial de Revitalização do Centro Histórico (1998), o Plano Diretor de Transpor-tes Urbanos da Região Metropolitana de Belém (PDTU-2001) e o Estudo de Viabilidade Econômica de Projetos para o Melhoramento do Sistema de Transporte da Região Metropolitana de Belém (Via Metrópole - 2002).

n Tombamento deve atrair novos usos para o local “Esse trabalho se preocupou

em definir algumas melhorias para a qualidade da preservação desses prédios, já que as pessoas veem no tombamento um congelamento da área e não é assim. O objetivo do tombamento, da restauração é criar novos usos que atraiam uma nova população para esses locais, como turistas. Em várias cidades, consegue-se dar um uso de 24 horas para áreas históricas, ao contrário de Belém, onde só acontece o uso diurno”, explica Vanessa Ribeiro.

A revitalização de uma área, entretanto, é um processo delica-do. Por exemplo, na Rua Siqueira Mendes, no Beco do Carmo e na Rua São Boa Ventura, vivem inú-meras famílias com baixa renda e sem nenhum tipo de informação

sobre o local em que estão. Com a violência, o trânsito caótico e a falta de conservação, construções únicas desses locais não vão demorar a desaparecer.

"A ideia não é tirar as pessoas de lá, porque muitas sobrevivem da pesca, mas criar um ambiente revitalizado, remanejando as fa-mílias para áreas próximas, que possibilitem construções populares de qualidade. Depois, seria neces-sário um trabalho de educação pa-trimonial e ambiental, para que as pessoas aprendam a preservar a área histórica em que vivem”, explica Vanessa Ribeiro.

A pesquisadora afirma que, só assim, será possível transformar a Siqueira Mendes num corredor com bares, lojas, galerias, centros

culturais, formando um belo con-junto com a Casa Rosada, a Fábrica de Guaraná Soberano, a Fábrica Bitar, a Igreja do Carmo e a sede do Fórum Landi.

Belém e São Luís têm patri-mônios semelhantes, mas a capital maranhense tem status perante a Or-ganização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e consegue investimentos por conta disso. O que pode ser comprovado observando o plano de habitação que está sendo feito lá. “Belém ainda está ‘engatinhando’, por falta de interesse público. O interesse da iniciativa privada está começando a funcionar. Por exem-plo, a Casa Rosada está sendo res-taurada por um grupo de mineração argentino, mas e o restante?”.

Criação de terminal de integração em São Brás diminuiria fluxo de veículos no centro da cidade

Prédio que pertenceu à fábrica Perseverança, hoje, abriga um estabelecimento de ensino e escritórios particulares

Salinização nas edificações, fungos nos azulejos, rachaduras, fendas. Todos esses elementos pre-ocupam quem estuda os prédios his-tóricos, mas Vanessa Ribeiro chama atenção para a vibração provocada pelos veículos. Ela diz que poucas construções são privilegiadas, como a Igreja de Santo Alexandre, que, ao seu redor, tem uma contenção para diminuir a vibração, e os arcos da sua entrada são grampeados para evitar que as rachaduras estruturais aumentem. A esquina, onde a Igreja está localizada, é um ponto de fluxo intenso, já que quem vai para a Dr. Assis tem de passar próximo a ela.

“Belém não tem uma lei para controle de entrada de veículos pesados na Cidade Velha. É muito comum ver caminhões de material de construção descarregando, esta-cionados em frente à Igreja de Santo Alexandre. Além disso, existem dois portos de passageiros no bairro, o Arapari e o Jarumã, que atendem às fábricas de Barcarena. Ali, às 7h e às 18h, o movimento é intenso", relata Vanessa Ribeiro.

A pesquisa sugere que esses e outros portos, existentes ao longo da Rua Siqueira Mendes, poderiam ser remanejados para o final da Avenida Tamandaré, próximo à Rua São Boa Ventura, onde poderia ser construído um complexo portuário para cargas pequenas e passageiros.

Para complicar mais ainda a situação, no horário comercial, o Tribunal de Justiça, a Prefeitura de Belém e a Assembleia Legislativa se tornam polos de atração por suas atividades. É possível ver três filas de estacionamento e, em certos momen-tos, os ônibus não conseguem mano-brar. Muitos planos feitos indicam a descentralização do centro adminis-trativo de Belém, assim, a circulação de veículos seria revista. À época da pesquisa, existiam 59 linhas de ônibus passando pela Cidade Velha. Hoje, já são 61, somadas ao número de carros particulares que só tem aumentado, tornando os corredores de tráfego rápido em corredores lentos.

Outra indicação de Vanessa Ribeiro é a criação de terminais de integração, o que implicaria a reti-rada do terminal intermunicipal de São Brás, passando-o para a BR-316, transformando o espaço em terminal de integração para dentro da cidade. Outros terminais seriam criados, espe-cialmente, para se chegar ao centro e à Cidade Velha, que necessitaria de faixas azuis e bolsões de estacionamento nos arredores. De acordo com o professor Paulo de Castro Ribeiro, a melhor coisa que aconteceu na Cidade Velha, nos últimos tempos, foi a revitalização do Núcleo Feliz Lusitânia. "Os investi-mentos valorizaram a área e as pessoas que moram ali usam a praça, os bares e os restaurantes, o que, de fato, move qualquer centro histórico”, conclui.

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Durante a Belle-Époque, a política sanitarista de Antônio Lemos instituiu que as classes industriais e operárias deveriam possuir aco-modações próprias, buscando uma ordenação, sobretudo estética, na cidade de Belém. A construção de vilas operárias foi apresentada como a melhor solução para o “problema” das habitações operárias, considera-das anti-higiênicas.

Foram construídas muitas

vilas no bairro do Reduto, algumas com moradias simples, habitadas por pessoas mais pobres, mas poucos operários das indústrias do bairro. As melhores casas se tornaram um grande negócio para os empresários, que as construíam e cobravam altos preços pelos aluguéis. Dessa forma, tornou-se economicamente inviável para os operários habitarem esses locais.

“Na realidade, as vilas foram

construídas para os empregados com cargos de maior importância nas fábricas, como os gerentes e os operários especializados que tinham condições de pagar. Por meio de do-cumentos, observa-se que a maioria dos operários habitava a periferia de Belém e era procedente de áreas vizinhas, como Pedreira, Umarizal e Jurunas. Os diversos relatos de anti-gos moradores também deixam claro que o bairro do Reduto era um local

de trabalho para os operários e não de moradia”, explica Rosana.

Hoje, ainda é possível encon-trar cerca de vinte dessas vilas no Reduto. Em geral, apresentam carac-terísticas populares, com construções geminadas. A Vila Áurea, construída em 1920, na Rua Aristides Lobo com a Travessa Benjamim Constant, é uma delas, embora não seja reconhecida por seus atuais moradores como vila operária.

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Brena Freire

Modernos edifícios, localiza-ção privilegiada e uma das regiões mais valorizadas

da cidade. Assim, é caracterizado, atualmente, o bairro do Reduto, em Belém, onde está situada a Avenida Doca de Souza Franco, com seus atrativos imobiliários, comerciais e de entretenimento. Contudo, pouco se conhece sobre a história do bairro e sua importância econômica para a cidade no período compreendido entre os séculos XIX e XX.

O Reduto, que já foi habitado, predominantemente, por pessoas de baixo poder aquisitivo, exerceu importante papel no desenvolvi-mento comercial da cidade de Be-lém. A proximidade do bairro com a Baía do Guajará era um aspecto favorável. Comerciantes de várias nacionalidades, principalmente sírio-libaneses, se estabeleceram na região pela facilidade em des-carregar suas mercadorias vindas de outras cidades.

No início do século XX, a maior parte das fábricas que se ins-talaram em Belém estavam situadas no Reduto. Foram estabelecimentos que, no período de 1920 a 1940, se mantiveram firmes em sua pro-dução. Por essas características, o lugar recebeu identificações como “bairro mercado” e “bairro operá-rio".

A dissertação “Reduto de São José: história e memória de um bair-ro operário (1920-1940)”, defendida pela professora Rosana Padilha no Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, da Universidade Federal do Pará, bus-cou discutir a representação criada sobre o Reduto como uma região de moradia essencialmente operária.

Trata-se de uma tentativa de recomposição da memória do bairro, em que são discutidas as representações atribuídas a ele ao longo do tempo. “Quem eram, real-mente, as pessoas que moravam no bairro? Documentos revelam que o bairro recebeu a representação de ‘bairro operário’ por conta de seu grande número de fábricas e não, exatamente, por ter, em seu contin-gente populacional, uma maioria operária”, explica Rosana Padilha, professora de História na Escola de Aplicação da UFPA.

n Fábrica da Phebo é a única em funcionamentoA pesquisadora obteve as in-

formações nas consultas de registros de imóveis, nos relatórios adminis-trativos, nos periódicos, em outros documentos datados do início do século XX até a década de 1940 e em fontes orais – moradores antigos que contribuíram com suas lembranças do cotidiano dessa época. Obviamente, foi indispensável um passeio histórico pelas ruas e pelos estilos arquitetôni-cos, além de um significativo levan-tamento sobre o perfil dos moradores durante o período de intensa produção nas fábricas instaladas no bairro.

Para a orientadora do trabalho, a professora Maria de Nazaré Sarges, trata-se de uma pesquisa sem prece-dentes, por recorrer a novas possibili-dades de fontes. “Pouco se estudou o bairro do Reduto, e esse trabalho colo-ca em evidência um espaço que, hoje, é disputado por vários grupos sociais”, acrescenta a pesquisadora, autora do livro Belém: riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-1912).

A principal característica da in-dústria em Belém, no início do século XX, era o seu franco desenvolvimento apesar das dificuldades decorrentes da “crise da borracha”. As fábricas que surgiam nesse período operavam com baixa tecnologia, mas atendiam ao

mercado local, no caso das indústrias de bens de consumo e indústrias de matéria-prima semimanufaturadas, voltadas para a exportação. “Não eram grandes fábricas, mas correspondiam à demanda da cidade e isso era im-portante para uma economia que se sustentava independente do mercado externo”, ressalta a professora Rosana Padilha

Entre as fábricas de maior destaque no bairro do Reduto, está a fábrica Perseverança, localizada no quarteirão entre as ruas Quintino Bocaiúva, Gaspar Viana, Rui Barbo-sa e Municipalidade. Tratava-se de um estabelecimento de grande porte, que chegou a dominar o mercado de cabos, barbantes, cordas e linhas para pesca. O prédio abriga, atualmente, um estabelecimento de ensino e alguns escritórios.

A fábrica Phebo, fundada em 1924, ficou famosa pela produção e comercialização dos sabonetes Phebo, de cheiro e cor inconfundíveis. Era uma das fábricas que mais investia em propagandas de seus produtos. É a única em funcionamento até hoje na Travessa Quintino bocaiúva.

Nos anos de 1950, a construção da rodovia Belém-Brasília facilitou a entrada e a comercialização de

n As vilas operárias foram construídas para ordenar a cidade

produtos do Sudeste do País, o que prejudicou a produção e o comércio locais. Assim, o fechamento de muitas fábricas foi inevitável. Apesar das mudanças urbanísticas sofridas pelo bairro, ainda é possível encontrar antigos galpões de fábricas, transfor-mados em outros estabelecimentos, e casas que preservam o mesmo estilo arquitetônico.

Rosana: residência para poucos

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