Belo

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Belo Definição Não é possível dar uma definição absoluta de belo, embora se possa estudar suas várias acepções no curso da história. A dificuldade de conceituar o belo acompanha a história da filosofia, desde a Grécia Antiga. "Toda beleza é difícil", indica Sócrates (469-399 a.C). Sem pretender recuperar as discussões sobre o tema, pode-se desenhar duas ênfases que recortam as reflexões sobre o belo na tradição filosófica: uma que o define como idéia objetiva (Aristóteles, na Metafísica, afirma: "As principais formas de beleza são a ordem e a simetria e a definição clara") e outra para a qual a beleza é determinada pela experiência de prazer suscitada pelas coisas belas (nos termos de Platão, em O Banquete). Kant (1724 - 1804), na Crítica do Juízo (1790), propõe a superação da polaridade ao distinguir a beleza de qualquer juízo racional ou moral. Desse modo, defende o caráter não determinado do juízo estético. Segundo Kant, quando se afirma que algo é belo isso é feito sem ter por base um conceito que respeite essa afirmação, ainda que supostamente seja válida para todos. Se as formulações kantianas têm forte impacto sobre as teorias posteriores - sendo retomadas no século XX por críticos como o norte- americano Clement Greenberg (1909 - 1994) -, os dois enunciados sobre o belo (os que acentuam os aspectos objetivos e os que sublinham a apreensão subjetiva) permanecem vivos. O duplo modo de conceituação da beleza é utilizado ao longo da história da arte, desde a Grécia Antiga. Ele é reanimado na oposição entre o belo clássico - objetivo, universal e imutável - e o belo romântico - que se refere ao subjetivo, ao variável e ao relativo. Se a dicotomia belo clássico/belo romântico tem utilidade para definir contornos mais amplos, não deve levar ao estabelecimento de uma oposição radical entre os modelos, que se encontram combinados em diversos artistas e obras. O belo clássico define-se na arte grega com base em um ideal de perfeição, harmonia, equilíbrio e graça que os artistas procuram representar pelo sentido de simetria e proporção (Praxíteles, Hermes com o Jovem Dionisio, 350 a.C.). As formas humanas apresentam-se como se fossem reais e, ao mesmo

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Belo  

Definição

Não é possível dar uma definição absoluta de belo, embora se possa estudar suas várias acepções no curso da história. A dificuldade de conceituar o belo acompanha a história da filosofia, desde a Grécia Antiga. "Toda beleza é difícil", indica Sócrates (469-399 a.C). Sem pretender recuperar as discussões sobre o tema, pode-se desenhar duas ênfases que recortam as reflexões sobre o belo na tradição filosófica: uma que o define como idéia objetiva (Aristóteles, na Metafísica, afirma: "As principais formas de beleza são a ordem e a simetria e a definição clara") e outra para a qual a beleza é determinada pela experiência de prazer suscitada pelas coisas belas (nos termos de Platão, em O Banquete). Kant (1724 - 1804), na Crítica do Juízo (1790), propõe a superação da polaridade ao distinguir a beleza de qualquer juízo racional ou moral. Desse modo, defende o caráter não determinado do juízo estético. Segundo Kant, quando se afirma que algo é belo isso é feito sem ter por base um conceito que respeite essa afirmação, ainda que supostamente seja válida para todos. Se as formulações kantianas têm forte impacto sobre as teorias posteriores - sendo retomadas no século XX por críticos como o norte-americano Clement Greenberg (1909 - 1994) -, os dois enunciados sobre o belo (os que acentuam os aspectos objetivos e os que sublinham a apreensão subjetiva) permanecem vivos. O duplo modo de conceituação da beleza é utilizado ao longo da história da arte, desde a Grécia Antiga. Ele é reanimado na oposição entre o belo clássico - objetivo, universal e imutável - e o belo romântico - que se refere ao subjetivo, ao variável e ao relativo. Se a dicotomia belo clássico/belo romântico tem utilidade para definir contornos mais amplos, não deve levar ao estabelecimento de uma oposição radical entre os modelos, que se encontram combinados em diversos artistas e obras.

O belo clássico define-se na arte grega com base em um ideal de perfeição, harmonia, equilíbrio e graça que os artistas procuram representar pelo sentido de simetria e proporção (Praxíteles, Hermes com o Jovem Dionisio, 350 a.C.). As formas humanas apresentam-se como se fossem reais e, ao mesmo tempo, exemplares aperfeiçoados (Vênus de Milo, século I a.C.). A arte renascentista italiana retoma o projeto de representação do mundo com bases nesses ideais. Algumas obras de Michelangelo Buonarroti (1475 - 1564) exemplificam a realização do modelo clássico, seja nos estudos de anatomia para composições maiores (Estudo para uma das Sibilas no Teto da Capela Sistina), seja em esculturas, como o célebre Davi (1501-1504). As imagens de Rafael (1483 - 1520), por sua vez, dão plena expressão aos valores da arte renascentista, destacando-se pela beleza projetada segundo os padrões idealizados do universo clássico (A Ninfa Galatéia, ca.1514). Nova retomada da arte antiga, especialmente greco-romana, observa-se no interior do neoclassicismo dos séculos XVIII e XIX. À complexidade formal e aos caprichos do barroco e do rococó, o neoclassicismo opõe a retidão e a geometria, como mostram as telas de Jacques-Louis David (1748 - 1825) e as esculturas de Antonio Canova (1757  -1822), amparadas na idéia de um belo ideal.

A visão romântica anuncia a ruptura com a estética neoclássica e com a visão racionalista da Ilustração. Se o belo clássico remete à ordem, ao equilíbrio e à objetividade, o belo romântico apela às paixões, às desmedidas e ao subjetivismo. O belo romântico, longe de ser eterno, é social e historicamente condicionado. O cerne da

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visão romântica do mundo é o sujeito, suas paixões e traços de personalidade, que comandam a criação artística. A imaginação, o sonho e a evasão; os mitos do herói e da nação; o acento na religiosidade; a consciência histórica; o culto ao folclore e à cor local são traços que definem os contornos do ideal romântico do belo. As telas de Caspar David Friedrich (1774 - 1840) associam-se diretamente às formulações teóricas do romantismo (por exemplo, O Viajante sobre as Nuvens, ca.1818, e Paisagem nas Montanhas da Silésia, 1815-1820). Ao ideal do belo clássico, a matriz romântica opõe ainda a realidade do feio, que a obra de Francisco José de Goya y Lucientes (1746 - 1828) desvela precocemente, antecipando uma vocação realista do romantismo histórico (Os Fuzilamentos do 3 de Maio, 1808). A poética do feio será amplamente explorada pelo expressionismo de Edvard Munch (1863 - 1944) e Ernst Ludwig Kirchner (1880 - 1938), que reedita, e radicaliza, os ensinamentos românticos pela deformação das figuras e imagens (O Grito, 1893, de Munch, e Marcella, 1910, de Kirchner). O "feio" permanece também idealizado; "não é senão o belo decaído e degradado", como indica G.C. Argan.

A arte moderna do século XIX - romantismo, realismo e impressionismo - assume uma atitude crítica em relação às convenções artísticas e aos parâmetros do belo clássico, sancionados pelas academias de arte. A industrialização em curso e as novas tecnologias colocam desafios ao trabalho artístico, entre eles, as relações entre arte, técnica e ciência, exploradas por parte significativa das vanguardas construtivas do século XX. A disputa entre o belo, o útil e o funcional assume o primeiro plano com a Bauhaus e com o construtivismo russo, por exemplo, que almejam matizar as fronteiras entre arte, artesanato e produção industrial. Nos movimentos antiarte como o dadaísmo, por sua vez, as distâncias entre arte e vida cotidiana são abolidas, o que obriga a redefinição da arte e de suas interpretações. A ampla e variada produção do século XX impõe a reavaliação das medidas de aferição do trabalho artístico. Greenberg indica a impossibilidade de aplicar normas, padrões e preceitos para a emissão de juízos críticos. Os "juízos estéticos", diz ele, "são imediatos, intuitivos, não deliberados e involuntários (...)." Somente a experiência, e a reflexão sobre ela, permitiria distinguir a arte de boa qualidade das demais. Na segunda metade do século XX - com a arte pop e o minimalismo -, quando as categorias usuais para pensar a arte (pintura e escultura) perdem a razão de ser, a discussão sobre os juízos artísticos se torna ainda mais complexa.

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=40

O que é Arte? O que é Belo?

Nós perguntamos a Robert Hopkins, presidente da Sociedade Europeia de Estética, sua visão destas e outras questões...

É possível definir o que é Arte?

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Podemos reconhecer que uma definição satisfatória ainda está por vir. As formas tradicionais de definir a Arte – como uma representação, como uma expressão de emoções, ou como algo que é feito para oferecer atenção estética – tudo parece não se enquadrar em uma ou outra obra de arte importante, ou até mesmo em gêneros inteiros de arte. Algumas tentativas recentes de capturar a essência da Arte, em termos sociológicos (mais ou menos, a ideia que a Arte é qualquer coisa que as autoridades aceitarem como tal), certamente não nos dizem muito. Alguns se baseiam em tudo isso para argumentar que a Arte não pode ser definida: é, em sua natureza, demasiadamente mutável, exploratória e fluida para ser capturada em uma fórmula. No entanto, não está claro se a Arte é mais difícil de definir do que outros conceitos. Experimente “verdade”, “conhecimento”, ou “fazer o que outro deveria”. Todas as nossas ideias mais interessantes e importantes resistem a definições.

É o Belo somente aos olhos de quem vê?

Bom, qual é a alternativa? Se a única outra opção é que o Belo está “no” objeto que achamos bonito, então – assumindo que faz sentido as propriedades de um objeto estarem “em” algum lugar – eu iria com “os olhos de quem vê”. Mas considere as cores.

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Estariam elas “no” objeto, ou “no” olho de quem as vê? Me parece uma escolha falsa. As cores podem não ser características fundamentais do mundo, como são forma e massa. Mas elas também não são fantasmas. Nós podemos errar as cores de alguma coisa (pense nos daltônicos, ou enxergar alguma coisa sob pouca luz) e isso é o suficiente para que nosso julgamento de cores tenha algum tipo de objetividade. E, embora isso traga implicações, acredito que com o Belo seja o mesmo caso. Pode não ser parte fundamental do universo, mas também não é algo que indivíduos simplesmente impõem ao mundo.

O que faz das fotografias especiais?

Fotografias são imagens e são tão especiais quanto todas as imagens. No entanto, fotografias são imagens de um tipo peculiar. O que há de especial nelas, ao contrário de outras imagens? Simpatizo com a ideia, compartilhada por muito outros fotógrafos, que as fotos são “rastros”, enquanto as outras imagens são “signos”. O que isso quer dizer? Acredito que a distinção das fotografias seja a maneira como mostram o mundo, que depende de como ele era, sem depender como o fotógrafo interpretou sê-lo. Isso não é verdadeiro para outras imagens. Mesmo quando são precisas, elas são assim apenas porque o artista procurou mostrar como as coisas são. Ele enxergou o mundo com precisão. Claro que existem mais complexidades, como o controle considerável que o fotógrafo possui sobre a imagem. Mesmo assim acredito que, no final das contas, este não mude os fatos.

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Por que nós nos importamos com a Arte?

Boa pergunta! Uma característica marcante do conhecimento sobre a Arte é não conseguirmos explicar por que a valorizamos. Isso é verdade na maioria das teorias que mencionei anteriormente – embora uma exceção louvável seja a visão que a Arte é expressiva, pelo menos de acordo com o filósofo inglês R. G. Collingwood, no século XX. Talvez não exista nada, de maneira absolutamente geral, que defina o valor da Arte. Em outras palavras, precisamos começar a questionar por que nós nos importamos com esta pintura, ou esta música. Ou ainda, questionar o que há para nos importarmos em uma pintura, no geral, que não está na música, e vice-versa. O divino está nos detalhes, se me permite o trocadilho.

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Por que as pessoas se importam com uma obra de arte original, ao invés de uma falsificação?

Não cabe a um filósofo dizer, de fato, por que as pessoas se importam. No entanto, é meu papel explorar por que elas deveriam se importar – para achar as diferenças entre os originais e as falsificações que justifiquem preferir o primeiro. O questionamento fica cada vez mais interessante se imaginarmos que a falsificação é perfeita, i.e é tão boa que não importa o quanto alguém olhe, ou o quão perito alguém seja, ninguém saberia dizer a diferença para o original. Mesmo assim, o original teria propriedades que faltariam à falsificação. O original poderia, por exemplo, ter sido revolucionário enquanto obra. A falsificação poderia ser revolucionária, no máximo, enquanto cópia. De certa forma, é óbvio que exista tal diferença entre ambos.

Então, embora haja uma preocupação em encontrarmos alguma questão racional para preferirmos o original, a questão passa a ser por que nós acreditamos que estas diferenças, de alguma maneira, não contam. A resposta estará na ideia que o valor em uma obra de arte deve figurar em nossa experiência da mesma. Pode a natureza revolucionária do original fazê-lo, mesmo que a falsificação indistinguível não a tenha? Talvez, surpreendentemente, eu acredite que possa – embora eu precise de mais tempo para explicar como.

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Robert Hopkins é presidente da Sociedade Europeia de Estética e Supervisor de Filosofia na Universidade de Sheffield, Reino Unido.

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  'O mais belo dos belos.'

            E Deus então criou 'o belo'! Se o criou, mais uma coisa então para não confundir-mos com "pecado" ao aprecia-lo... "degusta-lo". Sim, tudo o que é belo, o que for pra uns e o que não pra outros, afinal, dizem que a beleza está onde à enxergamos, é sim para ser admirado, mas será que também para ser exaltado?                                              

      Mas ora lá... o que é isso d'ela ser melhor q'ela outra só por causa da beleza?      Não existe uma alma se quer agora por aqui, no prédio ao lado ou do outro lado da esquina que possa me ajudar a descobrir de onde vieram, como passaram a existir e para que "valores" como esses.      A beleza física foi a forma mais simples que Deus nos deixou para o entendimento de que tudo passa. De que somos vulgarmente iguais. Tudo passa. Principalmente os 'recortes' físicos... eles, tão irresistíveis. Irresistíveis principalmente ao tempo. Eles, tão doces e efêmeros.

Elton Luiz Gonçalves Pastick

A Estética e a Questão do Belo nas Inquietações Humanas 

A Aesthesis, como uma dimensão própria do homem, tem despertado, desde a Grécia antiga, interesse e preocupação no ser por aquilo que, efetivamente, o agrada. Essa disposição ao questionamento do belo, a busca incessante pela compreensão e delimitação do conceito de beleza move a estética no transpassar da vida humana como disciplina filosófica, como mera fruição, como criação, como um ideal ou como uma ruptura.

Para Platão, o belo é o bem, a verdade, a perfeição; existe em si mesma, apartada do mundo sensível, residindo, portanto, no mundo das idéias. A idéia suprema da beleza pode determinar o que seja mais ou menos belo. Em O banquete, Platão define o amor como a junção de duas partes que se completam, constituindo um ser andrógino que, em seu caminhar giratório, perpetua a existência humana. Esse ser, que só existe no mundo das idéias platônico, confere à sua natureza e forma uma espécie peculiar de beleza: a beleza da completude, do todo indissociável, e não uma beleza que simplesmente imita a natureza. Assim, temos em Platão, uma concepção de belo que se afasta da interferência e da participação do juízo humano, ou seja, o homem tem uma atuação passiva no que concerne ao conceito de belo: não está sob sua responsabilidade o julgamento do que é ou não é belo.

A dialética de Platão aponta para duas direções: o mundo das idéias, num plano superior, do conhecimento, que é, ao mesmo tempo, absoluto e estático; a outra direção segue para o mundo das coisas, dos humanos. Este, de aparência sensível, é constituído pela imitação de um ideal concebido no mundo das idéias: portanto, num processo de cópia. Gilles Deleuze aponta para uma terceira possibilidade que quebra a dicotomia platônica: a cópia fiel e o simulacro, não mais tido como degenerescência da semelhança ao mundo das idéias, um mero fantasma. Para os gregos, o belo artístico situava-se no embate entre as boas cópias e o simulacro.

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Esses dilemas permearam o fazer artístico por muito tempo, com maior ou menor intensidade, na busca de uma aura artística ou de um certo grau de superioridade:

Entre as artes, a superior é aquela de um produtor divino, o Demiurgo, que compôs o universo imitando as idéias verdadeiras e as formas imutáveis. Seguindo o Demiurgo, o legislador também concebe a comunidade humana de acordo com as Idéias do Bem, da Justiça e da Verdade. Em terceiro lugar na hierarquia, estão os poetas e os artistas que também visam aos ideais, mas, diferentemente do Demiurgo, eles podem falhar no conhecimento da realidade última, produzindo meras aparências da natureza sensível. Quando o artista (...) é guiado pela visão da educação que o filósofo possui, sua imitação será verdadeira (eikastika), em oposição à falsa imitação (fantastika) (Lima, 1973:15)

Já Aristóteles, diferentemente de Platão, acredita que o belo seja inerente ao homem, afinal, a arte é uma criação particularmente humana e, como tal, não pode estar num mundo apartado daquilo que é sensível ao homem. A beleza de uma obra de arte é assim atribuída por critérios tais como proposição, simetria e ordenação, tudo em sua justa medida.

Posteriormente, a autoridade eclesiástica da Idade Média introduz na concepção do belo a identificação direta com  Deus, como um ser único e supremo a serviço do Bem e da Verdade. Tanto Santo Agostinho quanto São Tomás de Aquino identificam a beleza com o Bem, ademais da igualdade, do numero, da proporção e da ordem: estes atributos nada mais são do que reflexos da própria beleza de Deus. A finais da era medieval, a autoridade eclesiástica rejeita a autoridade científica que se faz presente e notória, exatamente por esta se distanciar da associação dos fenômenos às vontades divinas. Assim, na Renascença, o artista passa para uma dimensão maior, não de mero imitador, nem de um serviçal de Deus, mas de um criador absoluto, cujo potencial genial faz surgir uma arte de apreciação, de fruição. Aristóteles é interpretado de maneira normativa. Seu conceito de arte enquanto mimese e a classificação dos três gêneros literários – épico, lírico e dramático, gêneros estes imiscíveis e imutáveis – passam a ser normas de conduta criativa dos artistas de transição. Assim sendo, regras e padrões fixos são estabelecidas para nortear a produção da obra de arte, bem como sua apreciação, mesmo estando a arte a serviço da Igreja.

A difusão das academias ao longo do século XVII prima pela preservação dessas releituras renascentistas dos preceitos aristotélicos, num liame objetivo da conceituação do belo, em busca de um juízo universal, de uma verdade absoluta e inexorável.

No século XVIII, em virtude da enorme ebulição em que se encontram as sociedades européias – Revolução Industrial, Revolução Francesa, os reflexos da independência americana – pululam novas idéias (nem sempre tão novas assim) que fazem emergir a necessidade de uma estética posta em prática para atender aos anseios e às necessidades ideológicas da burguesia ascendente bem como ao império napoleônico. A adoção de padrões neoclássicos, reforçados na certeza cartesiana do conhecimento justificado por sua própria existência[1]coaduna-se paradoxalmente a aceitação da clareza e da distinção – conceitos ambos subjetivos – como constituinte do critério de verdade. De certa forma, esse paradoxo é resolvido por Hume, cuja filosofia empírica que, apesar de resultar num ceticismo paradoxalmente aceitável e refutável ao mesmo tempo, trouxe à tona das discussões o subjetivismo para solucionar celeumas e querelas em torno da questão do gosto. E não se trata de um subjetivismo desmedido, visto que há que se considerar critérios adotados pelo bom senso, obtido pela prática do "discernimento da beleza":

Quem nunca teve a oportunidade de comparar os diversos tipos de beleza, indubitavelmente se encontra completamente incapacitado de dar opinião a respeito de qualquer objeto que lhe seja apresentado. Só através da comparação podemos determinar os epítetos da aprovação ou da censura, aprendendo a discernir sobre o devido grau de cada um. (Hume, 1989:266)

O subjetivismo humeano – o que permite o julgamento pessoal e individual do belo, bem como uma visão romântica do mundo, especialmente na transição entre os séculos XVIII e XIX – não chegou a extremos, fato que seria considerado, na visão de Bertrand Russell (1967:8), uma "forma de loucura". Outrossim, Hume defendia a adoção de critérios por parte do crítico de arte, para que este não se deixasse enganar por "qualidades grosseiras"  do objeto. Para o filósofo ceticista, o objeto, por si só, não contém peculiaridades de sua constituição material que façam dele algo belo ou não.

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É conveniente observar, contudo, que os estudos da estética não se prestam apenas ao universo das grandes artes acadêmicas ou aos interesses especializados dos críticos, mas também à percepção do belo na prática da vida cotidiana. Esse pensamento se deu graças aos estudos críticos de Immanuel Kant, na sua Crítica da Faculdade do Juízo (1790). Para Kant, a estética é um estado de vida de direito próprio, uma capacidade de fruição intimamente relacionada a outras capacidades cognitivas do ser humano, sem depender, necessariamente, da aquisição de conhecimento, ou seja: para contemplar o belo, o sujeito não se vale das determinações das capacidades cognitivas das faculdades do conhecimento. Na percepção do objeto, o sujeito abarca a plenitude de suas características e não as características isoladas.

A contemplação estética não requer intelecção tal como a contemplação teórica, com fins de conceituação e/ou classificação do objeto, importando, apenas, nessa contemplação, a percepção do objeto. Isso não quer dizer, porém, que se trata de uma percepção meramente subjetiva. Tal percepção dos fenômenos dá-se de uma maneira especial, podendo ser confirmada, sim, intersubjetivamente. De maneira divergente, segundo Kant, os juízos estéticos seriam impossíveis. Entretanto, convém lembrar que a observação da manifestação estética só pode ser apreendida por aqueles que tiverem, a priori, recursos sensoriais e cognitivos, além de estarem dispostos a praticar o exercício da atenção a ser dirigida à presença sensitiva de um determinado objeto.

Sintetizando a teoria do juízo estético kantiana, observamos que o filósofo prussiano chega a um conceito mínimo da percepção estética, pois, para todos os objetos, independentemente de serem eles obras de arte, ou objetos oriundos da natureza, ou objetos da vida cotidiana pública ou privada, estes possuem, minimamente, algum aspecto que se manifesta a partir da atenção que se dá a esta manifestação. Conceitos tais como objeto estético e percepção estética são, nesse sentido, indissociáveis.

Muito embora essa associação possa dar a ilusão de que o sujeito fique, de certo modo "preso" ao objeto por conta de sua capacidade perceptiva, Kant esclarece que, por meio da percepção estética, o sujeito se liberta das imposições do conhecimento conceitual. Essa liberdade nos permite, segundo Martin Seel, "experimentar a determinabilidade de nós mesmos no mundo" e ainda completa:

Kant vê na experiência do belo (e mais ainda do sublime) a realização das capacidades mais elevadas do ser humano. A riqueza do real admitida na contemplação estética é experimentada como afirmação prazerosa de sua ampla determinabilidade por nós. (Seel, 2004)

Já para Hegel, a dificuldade de se estudar a Estética é o fato de seu objeto – o belo – ser de ordem espiritual (Hegel, 1988:4), pois o belo não é um objeto de existência material, mas de existência subjetiva, inerente à atividade espiritual de cada indivíduo. Contudo, esse fato não chega a ser comprometedor para a compreensão do fenômeno estético, porque o "verdadeiro conteúdo do belo não é senão o espírito" (1988:73). No centro do espírito está a verdade divina, está Deus: "Deus é o ideal, que está no centro." (idem, p. 74). Hegel toma a arquitetura como a "primeira realização de arte" e, para atender a Deus, tem grande responsabilidade de, a partir de matéria inorgânica, promover transformações que a aproximem do espírito. Destarte, Hegel traça a missão da arquitetura a primeira arte a se aproximar de Deus, por meio do espírito de quem a cria e quem a utiliza:

A arquitetura mais não faz do que rasgar o caminho para a realidade adequada de Deus e cumpre a sua missão trabalhando a natureza objetiva e procurando arrancá-la aos matagais exteriores, para que eles deixem de ser exteriores, para que o mostrem, fiquem aptos a exprimi-lo, capazes e dignos de o receber. Arranja o lugar para as reuniões íntimas constrói um abrigo para os membros destas reuniões, uma proteção contra a tempestade que ameaça, contra a chuva e as intempéries, contra as feras. Exterioriza, dando-lhe uma forma concreta e visível, o comum querer-ser. Esse é o seu destino, esse é o conteúdo que lhe cumpre realizar. (id. ibidem).

Por conta de tais considerações, é possível notar que Hegel e sua fenomenologia vêm ao encontro dos anseios do romantismo alemão - chegando, por vezes, até mesmo a se identificar com o naturalismo de Schelling. Isso implica dizer que, no âmago das questões das relações entre espírito e divindade está a fundamentação epistêmica da modernidade, fato este que merece um estudo mais aprofundad

A Estética e a Questão do Belo nas Inquietações Humanas

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A Aesthesis, como uma dimensão própria do homem, tem despertado, desde a Grécia antiga, interesse e preocupação no ser por aquilo que, efetivamente, o agrada. Essa disposição ao questionamento do belo, a busca incessante pela compreensão e delimitação do conceito de beleza move a estética no transpassar da vida humana como disciplina filosófica, como mera fruição, como criação, como um ideal ou como uma ruptura.

Para Platão, o belo é o bem, a verdade, a perfeição; existe em si mesma, apartada do mundo sensível, residindo, portanto, no mundo das idéias. A idéia suprema da beleza pode determinar o que seja mais ou menos belo. Em O banquete, Platão define o amor como a junção de duas partes que se completam, constituindo um ser andrógino que, em seu caminhar giratório, perpetua a existência humana. Esse ser, que só existe no mundo das idéias platônico, confere à sua natureza e forma uma espécie peculiar de beleza: a beleza da completude, do todo indissociável, e não uma beleza que simplesmente imita a natureza. Assim, temos em Platão, uma concepção de belo que se afasta da interferência e da participação do juízo humano, ou seja, o homem tem uma atuação passiva no que concerne ao conceito de belo: não está sob sua responsabilidade o julgamento do que é ou não é belo.

A dialética de Platão aponta para duas direções: o mundo das idéias, num plano superior, do conhecimento, que é, ao mesmo tempo, absoluto e estático; a outra direção segue para o mundo das coisas, dos humanos. Este, de aparência sensível, é constituído pela imitação de um ideal concebido no mundo das idéias: portanto, num processo de cópia. Gilles Deleuze aponta para uma terceira possibilidade que quebra a dicotomia platônica: a cópia fiel e o simulacro, não mais tido como degenerescência da semelhança ao mundo das idéias, um mero fantasma. Para os gregos, o belo artístico situava-se no embate entre as boas cópias e o simulacro.

Esses dilemas permearam o fazer artístico por muito tempo, com maior ou menor intensidade, na busca de uma aura artística ou de um certo grau de superioridade:

Entre as artes, a superior é aquela de um produtor divino, o Demiurgo, que compôs o universo imitando as idéias verdadeiras e as formas imutáveis. Seguindo o Demiurgo, o legislador também concebe a comunidade humana de acordo com as Idéias do Bem, da Justiça e da Verdade. Em terceiro lugar na hierarquia, estão os poetas e os artistas que também visam aos ideais, mas, diferentemente do Demiurgo, eles podem falhar no conhecimento da realidade última, produzindo meras aparências da natureza sensível. Quando o artista (...) é guiado pela visão da educação que o filósofo possui, sua imitação será verdadeira (eikastika), em oposição à falsa imitação (fantastika) (Lima, 1973:15)

Já Aristóteles, diferentemente de Platão, acredita que o belo seja inerente ao homem, afinal, a arte é uma criação particularmente humana e, como tal, não pode estar num mundo apartado daquilo que é sensível ao homem. A beleza de uma obra de arte é assim atribuída por critérios tais como proposição, simetria e ordenação, tudo em sua justa medida.

Posteriormente, a autoridade eclesiástica da Idade Média introduz na concepção do belo a identificação direta com  Deus, como um ser único e supremo a serviço do Bem e da Verdade. Tanto Santo Agostinho quanto São Tomás de Aquino identificam a beleza com o Bem, ademais da igualdade, do numero, da proporção e da ordem: estes atributos nada mais são do que reflexos da própria beleza de Deus. A finais da era medieval, a autoridade eclesiástica rejeita a autoridade científica que se faz presente e notória, exatamente por esta se distanciar da associação dos fenômenos às vontades divinas. Assim, na Renascença, o artista passa para uma dimensão maior, não de mero imitador, nem de um serviçal de Deus, mas de um criador absoluto, cujo potencial genial faz surgir uma arte de apreciação, de fruição. Aristóteles é interpretado de maneira normativa. Seu conceito de arte enquanto mimese e a classificação dos três gêneros literários – épico, lírico e dramático, gêneros estes imiscíveis e imutáveis – passam a ser normas de conduta criativa dos artistas de transição. Assim sendo, regras e padrões fixos são estabelecidas para nortear a produção da obra de arte, bem como sua apreciação, mesmo estando a arte a serviço da Igreja.

A difusão das academias ao longo do século XVII prima pela preservação dessas releituras renascentistas dos preceitos aristotélicos, num liame objetivo da conceituação do belo, em busca de um juízo universal, de uma verdade absoluta e inexorável.

Page 12: Belo

No século XVIII, em virtude da enorme ebulição em que se encontram as sociedades européias – Revolução Industrial, Revolução Francesa, os reflexos da independência americana – pululam novas idéias (nem sempre tão novas assim) que fazem emergir a necessidade de uma estética posta em prática para atender aos anseios e às necessidades ideológicas da burguesia ascendente bem como ao império napoleônico. A adoção de padrões neoclássicos, reforçados na certeza cartesiana do conhecimento justificado por sua própria existência[1] coaduna-se paradoxalmente a aceitação da clareza e da distinção – conceitos ambos subjetivos – como constituinte do critério de verdade. De certa forma, esse paradoxo é resolvido por Hume, cuja filosofia empírica que, apesar de resultar num ceticismo paradoxalmente aceitável e refutável ao mesmo tempo, trouxe à tona das discussões o subjetivismo para solucionar celeumas e querelas em torno da questão do gosto. E não se trata de um subjetivismo desmedido, visto que há que se considerar critérios adotados pelo bom senso, obtido pela prática do "discernimento da beleza":

Quem nunca teve a oportunidade de comparar os diversos tipos de beleza, indubitavelmente se encontra completamente incapacitado de dar opinião a respeito de qualquer objeto que lhe seja apresentado. Só através da comparação podemos determinar os epítetos da aprovação ou da censura, aprendendo a discernir sobre o devido grau de cada um. (Hume, 1989:266)

O subjetivismo humeano – o que permite o julgamento pessoal e individual do belo, bem como uma visão romântica do mundo, especialmente na transição entre os séculos XVIII e XIX – não chegou a extremos, fato que seria considerado, na visão de Bertrand Russell (1967:8), uma "forma de loucura". Outrossim, Hume defendia a adoção de critérios por parte do crítico de arte, para que este não se deixasse enganar por "qualidades grosseiras"  do objeto. Para o filósofo ceticista, o objeto, por si só, não contém peculiaridades de sua constituição material que façam dele algo belo ou não.

É conveniente observar, contudo, que os estudos da estética não se prestam apenas ao universo das grandes artes acadêmicas ou aos interesses especializados dos críticos, mas também à percepção do belo na prática da vida cotidiana. Esse pensamento se deu graças aos estudos críticos de Immanuel Kant, na sua Crítica da Faculdade do Juízo (1790). Para Kant, a estética é um estado de vida de direito próprio, uma capacidade de fruição intimamente relacionada a outras capacidades cognitivas do ser humano, sem depender, necessariamente, da aquisição de conhecimento, ou seja: para contemplar o belo, o sujeito não se vale das determinações das capacidades cognitivas das faculdades do conhecimento. Na percepção do objeto, o sujeito abarca a plenitude de suas características e não as características isoladas.

A contemplação estética não requer intelecção tal como a contemplação teórica, com fins de conceituação e/ou classificação do objeto, importando, apenas, nessa contemplação, a percepção do objeto. Isso não quer dizer, porém, que se trata de uma percepção meramente subjetiva. Tal percepção dos fenômenos dá-se de uma maneira especial, podendo ser confirmada, sim, intersubjetivamente. De maneira divergente, segundo Kant, os juízos estéticos seriam impossíveis. Entretanto, convém lembrar que a observação da manifestação estética só pode ser apreendida por aqueles que tiverem, a priori, recursos sensoriais e cognitivos, além de estarem dispostos a praticar o exercício da atenção a ser dirigida à presença sensitiva de um determinado objeto.

Sintetizando a teoria do juízo estético kantiana, observamos que o filósofo prussiano chega a um conceito mínimo da percepção estética, pois, para todos os objetos, independentemente de serem eles obras de arte, ou objetos oriundos da natureza, ou objetos da vida cotidiana pública ou privada, estes possuem, minimamente, algum aspecto que se manifesta a partir da atenção que se dá a esta manifestação. Conceitos tais como objeto estético e percepção estética são, nesse sentido, indissociáveis.

Muito embora essa associação possa dar a ilusão de que o sujeito fique, de certo modo "preso" ao objeto por conta de sua capacidade perceptiva, Kant esclarece que, por meio da percepção estética, o sujeito se liberta das imposições do conhecimento conceitual. Essa liberdade nos permite, segundo Martin Seel, "experimentar a determinabilidade de nós mesmos no mundo" e ainda completa:

Kant vê na experiência do belo (e mais ainda do sublime) a realização das capacidades mais elevadas do ser humano. A riqueza do real admitida na contemplação estética é experimentada como afirmação prazerosa de sua ampla determinabilidade por nós. (Seel, 2004)

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Já para Hegel, a dificuldade de se estudar a Estética é o fato de seu objeto – o belo – ser de ordem espiritual (Hegel, 1988:4), pois o belo não é um objeto de existência material, mas de existência subjetiva, inerente à atividade espiritual de cada indivíduo. Contudo, esse fato não chega a ser comprometedor para a compreensão do fenômeno estético, porque o "verdadeiro conteúdo do belo não é senão o espírito" (1988:73). No centro do espírito está a verdade divina, está Deus: "Deus é o ideal, que está no centro." (idem, p. 74). Hegel toma a arquitetura como a "primeira realização de arte" e, para atender a Deus, tem grande responsabilidade de, a partir de matéria inorgânica, promover transformações que a aproximem do espírito. Destarte, Hegel traça a missão da arquitetura a primeira arte a se aproximar de Deus, por meio do espírito de quem a cria e quem a utiliza:

A arquitetura mais não faz do que rasgar o caminho para a realidade adequada de Deus e cumpre a sua missão trabalhando a natureza objetiva e procurando arrancá-la aos matagais exteriores, para que eles deixem de ser exteriores, para que o mostrem, fiquem aptos a exprimi-lo, capazes e dignos de o receber. Arranja o lugar para as reuniões íntimas constrói um abrigo para os membros destas reuniões, uma proteção contra a tempestade que ameaça, contra a chuva e as intempéries, contra as feras. Exterioriza, dando-lhe uma forma concreta e visível, o comum querer-ser. Esse é o seu destino, esse é o conteúdo que lhe cumpre realizar. (id. ibidem).

Por conta de tais considerações, é possível notar que Hegel e sua fenomenologia vêm ao encontro dos anseios do romantismo alemão - chegando, por vezes, até mesmo a se identificar com o naturalismo de Schelling. Isso implica dizer que, no âmago das questões das relações entre espírito e divindade está a fundamentação epistêmica da modernidade, fato este que merece um estudo mais aprofundado

Estética (do grego αισθητική ou aisthésis: percepção, sensação) é um ramo da filosofia que tem por objeto o estudo da natureza do belo e dos fundamentos da arte. Ela estuda o julgamento e a percepção do que é considerado belo, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos, bem como: as diferentes formas de arte e da técnica artística; a idéia de obra de arte e de criação; a relação entre matérias e formas nas artes. Por outro lado, a estética também pode ocupar-se do sublime, ou da privação da beleza, ou seja, o que pode ser considerado feio, ou até mesmo ridículo.

Na antiguidade

Especialmente com Platão, Aristóteles e Plotino - a estética era estudada fundida com a lógica e a ética. O belo, o bom e o verdadeiro formavam uma unidade com a obra. A essência do belo seria alcançada identificando-o com o bom, tendo em conta os valores morais.[2] Na Idade Média surgiu a intenção de estudar a estética independente de outros ramos filosóficos.

No âmbito do Belo, dois aspectos fundamentais podem ser particularmente destacados:

a estética iniciou-se como teoria que se tornava ciência normativa às custas da lógica e da moral - os valores humanos fundamentais: o verdadeiro, o bom, o belo. Centrava em certo tipo de julgamento de valor que enunciaria as normas gerais do belo (ver cânone estético);

a estética assumiu características também de uma metafísica do belo, que se esforçava para desvendar a fonte original de todas as belezas sensíveis: reflexo

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do inteligível na matéria (Platão), manifestação sensível da idéia (Hegel), o belo natural e o belo arbitrário (humano), etc.

Mas este caráter metafísico e conseqüentemente dogmático da estética transformou-se posteriormente em uma filosofia da arte, onde se procura descobrir as regras da arte na própria ação criadora (Poética) e em sua recepção, sob o risco de impor construções a priori sobre o que é o belo. Neste caso, a filosofia da arte se tornou uma reflexão sobre os procedimentos técnicos elaborados pelo homem, e sobre as condições sociais que fazem um certo tipo de ação ser considerada artística.

Para além da obra já referida de Baumgarten - infelizmente não editada em português -, são importantes as obras Hípias Maior, O Banquete e Fedro, de Platão, a Poética, de Aristóteles, a Crítica da Faculdade do Juízo, de Kant e Cursos de Estética de Hegel.

Estéticas na história e na filosofia

Embora os pensadores tenham ponderado a beleza e a arte por milhares de anos, o assunto da estética não foi totalmente separado da disciplina filosófica até o século XVIII.

Grécia antiga

Sócrates

Sócrates um dos mais notórios pensadores gregos foi um dos primeiros a refletir sobre as questões da estética. Nos diálogos de Sócrates com Hípias, há uma refutação dos conceitos tradicionalmente atribuídos ao belo, ele não irá definir o que é belo julgando-se incapaz de explicar o belo em si.

Platão entendeu que os objetos incorporavam uma proporção, harmonia, e união, buscou entender estes critérios. O belo para Platão estava no plano do ideal, mais propriamente a idéia do belo em si, era colocada por ele como absoluto e eterno, não dependeria dos objetos, ou seja, da materialidade, era a própria idéia de perfeição, estava plenamente completo, restando ao mundo sensível apenas a imitação ou a cópia desta beleza perfeita.

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Platão dissociava o belo do mundo sensível, sua existência ficava confinada ao mundo das idéias, associando-se ao bem, a verdade, ao imutável e a perfeição.

Para Platão somente a partir do ideal de beleza suprema é que seria possível emitir um juízo estético, portanto definir o que era ou não belo, ou o que conteria maior ou menor beleza. Por estar fora do mundo sensível o belo platoniano está separado também da intromissão do julgamento humano cujo estado é passivo diante do belo. Ele estabelecia uma união inseparável entre o belo, a beleza, o amor e o saber.

O belo em Platão serviria para conduzir o homem à perfeição, ao qual restaria a cópia fiel e a simulação, estas concepções filosóficas vão permear a arte grega e ocidental por um longo período, até o século XVIII, com momentos históricos de maior ou menor ênfase no fazer artístico.

Aristóteles - O estagirita

Aristóteles, discípulo de Platão, ao contrário de seu mestre, concebeu o belo a partir da realidade sensível, deixando este de ser algo abstrato para se tornar concreto, o belo materializa-se, a beleza no pensamento aristotélico já não era imutável, nem eterna, podendo evoluir.

Aristóteles dará o primeiro passo para a ruptura do belo associado à idéia de perfeição, trará o belo para a esfera mundana, colocará a criação artística sob a égide humana, já não mais separado do homem mas intrínseco a ele.

Com Aristóteles abrem-se às perspectivas dos critérios de julgamento do fazer artístico, conferindo ao artista a possibilidade de individuação. O belo aristotélico seguirá critérios de simetria, composição, ordenação, proposição, equilíbrio.

As concepções do belo de Aristóteles ficam por um longo período esquecidas, sendo somente retomadas ao final da Idade Média.

Modernidade

Filosofia do belo na arte é a designação aplicada a partir do século XVIII, por Baumgarten, à ciência filosófica que compreendeu o estudo das obras de arte e o

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conhecimento dos aspectos da realidade sensorial classificáveis em termos de belo ou feio.

Os conceitos do belo seguem o rumo da apreciação, da fruição e da busca pelo juízo universal, pela verdade última de sua definição. A revolução francesa traz novos ares ao mundo, e o engatinhar da revolução industrial traz novas luzes ao pensamento humano. Vários filósofos se preocuparam com o belo durante este período, entre eles cita-se Hume e Burke, que deixaram, cada um contribuições valiosas na tentativa de definição dos conceitos e parâmetros do belo, mas nenhum foi tão importante quanto Kant, cuja contribuição foi decisiva nas tentativas de explicação do belo.

Immanuel Kant

A maioria dos autores das teorias estéticas tomam Kant como referencial principal em suas obras: após Kant apresentar suas teorias, nenhum outro filósofo depois dele deixou de o citar - refutando ou concordando, todos o mencionam. Os conceitos sobre o belo elaborados por Kant transformaram em definitivo o juízo estético. Kant irá mudar as bases do juízo estético ocidental que até ele vinculavam as obras de arte e a beleza natural ao sobrenatural. A beleza até então era algo que a razão não poderia compreender, a arte era quem transpunha o incognoscível absoluto e pelos símbolos trazia o ideal para o real. O que tornava a arte apreciável até então era o prazer do deleite com o belo, a influência moral que exercia sobre natureza humana.

Para Kant, o juízo estético é oriundo do sentimento e funciona no ser humano como intermediário entre a razão e o intelecto. A função da razão é prática já função do intelecto é elaborar teorias sobre os fenômenos. Os fenômenos que são percebidos pelos sentidos através da intuição, transformam-se em algo compreensível o que permitiria a emissão de um juízo estético. Tal juízo não conduziria a um conhecimento intrínseco do objeto, portanto não teria um valor cognitivo, nem tampouco seria um juízo sobre a perfeição do objeto ou fenômeno, sendo correto independentemente dos conceitos ou das sensações produzidas pelos objetos.

Os sentimentos de prazer e desprazer em Kant estão ligados as sensações estéticas e pertencem ao sujeito, são estes sentimentos subjetivos, não lógicos que emitem o conceito do belo, são eles que formam o juízo do gosto. A percepção de um objeto ou fenômeno que instiga a sensação de prazer provoca a fruição ou gozo e a essas

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sensações damos os nomes de belo, bonito e beleza. A questão do belo seria então algo subjetivo, e por ser subjetivo é livremente atribuído, sem parâmetro, fundado na “norma pessoal”. São os sentimentos oriundos das sensações agradáveis que emitem o juízo do belo, induzindo o desejo de permanecer usufruindo tais sensações. O interesse imediato diante das sensações prazerosas é a continuidade.

Kant afirmava ser impossível encontrar regras teóricas para a construção de belos objetos. E é impossível porque, quando julgam que um objeto se inclui em certo princípio geral ou se conforma com esta ou aquela regra, estam fazendo um juízo intelectual dessa ordem, não podendo “inferir que ele é belo”. A beleza não dependeria de provas intelectivas, mas sim do senso de prazer gerado. O prazer é a ligação principal que Kant faz com o belo, por ser um prazer subjetivo, ele é desprovido do sentido de conhecimento, não está vinculado à realidade de um objeto ou fenômeno, o prazer que o belo proporciona vem apenas das representações sensivelmente apreendidas.

Georg Hegel

Hegel foi outro grande filósofo que, após Kant, dedicou-se ao estudo do belo. Hegel parece concordar de certa maneira com Platão, ao abordar a questão do ideal e do belo. Sobre a beleza Hegel diz que “a beleza só pode se exprimir na forma, porque ela só é manifestação exterior através do idealismo objetivo do ser vivente e se oferece à nossa intuição e contemplação sensíveis”

Uma profunda análise sobre o ideal é um dos focos de Hegel, ao ideal ele atribui todos os conceitos morais e espirituais, pertencentes à natureza humana que são transfigurado pelo imaginário em formas atribuídas a deuses ou seres superiores a si mesmo, tal ideal segundo ele seria uma tentativa de transpor a realidade dura e cruel da vida cotidiana e ao mesmo tempo projetar para si mesmo exemplos a serem seguidos. A beleza funciona para Hegel como a expressão máxima do Ideal. O ideal clássico “só representa o modo de ser do espírito, o que nele há de sublime funde-se na beleza, é diretamente transformado em beleza”.

Para Hegel o belo é algo espiritual, para definir o belo como algo espiritual, parte da premissa da inexistência material do belo, colocando-o na categoria de conceito sem realidade física, portanto, pertencente ao plano espiritual, ao plano da imaginação do sujeito.

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Hegel definiu a estética como a ciência que estuda o belo, conferindo a estética à categoria de ciência filosófica. Sua análise do belo é basicamente em cima do belo artístico, relegando o belo natural a um segundo plano. “para justificar esta exclusão, poderíamos dizer que a toda a ciência cabe o direito de se definir como queira”. Uma análise detalhada das diferenças do belo artístico e do belo natural, foi feita por Hegel, privilegiando o belo artístico por considerá-lo superior, tecendo explicações sobre tal superioridade.

Hegel vai tomar como base o belo em si, e deixa de lado os objetos belos, que segundo ele são tidos como belos por motivos diversos. “Não nos perturbam, portanto, as oposições entre os objetos qualificados de belos: estas oposições são afastadas, suprimidas(…). Nós começamos pelo belo como tal”. Acaba por determinar que “só é belo o que possui expressão artística”.[3]