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o SEMI-ÁRIDO BRASILEIRO o traço mais marcante do Polígono das Secas é o clima, principalmente pela existência de um regime pluviométrico que delimita duas estações bem distintas: uma curta estação chuvosa de 3 a 5 meses, denominada de "inverno", que ocorre no primeiro semestre do ano, e uma longa estação seca chamada "verão", que tem duração de 7 a 9 meses, podendo-se alongar nos anos de seca por 18 meses ou mais. As chuvas são geralmen- te torrenciais e irregulares no tempo e no espaço. O comportamento irregular das chuvas, tanto nasua inten- sidade como na sua distribuição, provoca periodicamen- te a ocorrência de secas prolongadas. Embora apresen- te uma pluviosidade não muito baixa, em termos abso- lutos (500 mm anuais, em média), o balanço hídrico é altamente deficitário, principalmente em virtude da ele- vada evaporação. A pluviosidade é aproximadamente quatro vezes inferior à evaporação. O Polígono das Secas é delimitado externamente pela isoieta de 800 mm anuais e, no seu interior, raras são as precipitações acima de 800 mm e abaixo de 400 mm por ano. As precipitações mais elevadas correspondem às serras úmidas que ocorrem aleatoriamente no interior da área (1) Engenheiro Agrônomo Doutor, Professor Titular da Escola Superior de Agricultura de Mossoró - ESAM - C.P. 137,59600 - Mossoró -RN . 1 CARACTERíSTICAS DA REGIÃO SEMI-ÁRI- DA DO BRASIL A região semi-árida do nordeste brasileiro é tam- bém conhecida pelo sugestivo nome de Polígono das Secas, em virtude da ocorrência de secas periódicas que assolam esta área de formato poligonal. O sem i-árido brasileiro localiza-se no interior da região nordeste, somente atingindo a costa no litoral setentrional do estado do Rio Grande do Norte e no litoral cearense. A região nordeste é uma das cinco regiões geográficas do Brasil e representa o próprio nordeste da América do Sul. Tem como coordenadas os paralelos 1°01'S e 18°20'45"S e os meridianos 34°45'55"0 e 48°50'15"0. O semi-árido nordestino compreende uma imensa área de mais de um milhão de quilômetros quadrados, que corresponde em torno de três quartos da região nordeste e a mais de 10% da superfície brasileira e compreende oito dos nove estados do nordeste (Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia) e uma pequena parte do norte do estado de Minas Gerais, que está situado na região sudeste do Brasil. Dos estados nordestinos, somente o Maranhâo não apresenta áreas semi-áridas. 1.1 Clima Benedito Vasconcelos MENDES' seca, enquanto as menores se verificam no município de Cabeceiras no estado da Paraíba, com 252 mm anuais, em média. A distribuição mensal e o início do período chuvoso variam muito, não podendo ser determinados. A seca periódica é caracterizada pela falta ou pela má distribuição das chuvas no período do "inverno", tornan- do a água insuficiente para a maioria das culturas agríco- las e para a formação de pastagens destinadas aos rebanhos. O Polígono das Secas é uma das regiões semi- áridas mais quentes do globo. A temperatura média é mais ou menos constante ao longo do ano e relativamen- te uniforme em toda a região. As médias térmicas anuais oscilam entre 23° e 27°C. A amplitude térmica diária é próxima de 10°C, mantendo-se inalterada, tanto ao longo das latitudes, como em relação ao mar. Em virtude de sua proximidade do Equador e da pouca quantidade de nuvens na maior parte do ano, a luminosidade média anual é muito elevada, situando-se em torno de 2.800 horas de luz solar por ano. Um dos fatores climáticos de grande significado para a região é a fortíssima evaporação que ocorre no Pol ígono das Secas. Em virtude das poucas nuvens e de sua baixa latitude, esta região recebe a incidência quase vertical dos raios solares, o que favorece as elevadas temperaturas que, aliadas à baixa umidade atmosférica, provocam uma excessiva evaporação. Os elevados co- eficientes de evaporação decorrem do forte aquecimento do solo causado pelo calor solar que, além de influir diretamente sobre a evaporação, age também indireta- mente através dos deslocamentos de ar que provoca, originando ventos quentes, secos e de elevadas veloci- dades médias (15 a25 km/h). Aintensa evaporação, que alcança uma média de 2.000 mm por ano, é a responsá- vel maior pelo balanço hídrico deficitário do semi-árido. A umidade do ar atinge média anual próxima de 50%. 1.2 Relevo O nordeste apresenta uma superfície plana ou ligeiramente ondulada, exibindo aqui e ali serras que só excepcionalmente ultrapassam 1.000 metros de altitude. As serras do semi-árido são áreas com altitudes superiores a 600 e inferiores a 1.000 metros. Conforme a altitude e a posição em relação a direção predominante dos ventos, as serras da região podem ser classificadas em serras úmidas e secas. As serras úmidas são aquelas que recebem chuvas orográficas, provocadas pelos ven- tos úmidos que se resfriam pela altitude e se precipitam. Anais - 2º Congresso Nacional sobre Essências Nativas - 29/3/92-3/4/92 394

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o SEMI-ÁRIDO BRASILEIRO

o traço mais marcante do Polígono das Secas é oclima, principalmente pela existência de um regimepluviométrico que delimita duas estações bem distintas:uma curta estação chuvosa de 3 a 5 meses, denominadade "inverno", que ocorre no primeiro semestre do ano, euma longa estação seca chamada "verão", que temduração de 7 a 9 meses, podendo-se alongar nos anosde seca por 18 meses ou mais. As chuvas são geralmen-te torrenciais e irregulares no tempo e no espaço. Ocomportamento irregular das chuvas, tanto nasua inten-sidade como na sua distribuição, provoca periodicamen-te a ocorrência de secas prolongadas. Embora apresen-te uma pluviosidade não muito baixa, em termos abso-lutos (500 mm anuais, em média), o balanço hídrico éaltamente deficitário, principalmente em virtude da ele-vada evaporação. A pluviosidade é aproximadamentequatro vezes inferior à evaporação. O Polígono dasSecas é delimitado externamente pela isoieta de 800mm anuais e, no seu interior, raras são as precipitaçõesacima de 800 mm e abaixo de 400 mm por ano. Asprecipitações mais elevadas correspondem às serrasúmidas que ocorrem aleatoriamente no interior da área

(1) Engenheiro Agrônomo Doutor, Professor Titular da Escola Superior de Agricultura de Mossoró - ESAM - C.P. 137,59600 - Mossoró-RN .

1 CARACTERíSTICAS DA REGIÃO SEMI-ÁRI-DA DO BRASIL

A região semi-árida do nordeste brasileiro é tam-bém conhecida pelo sugestivo nome de Polígono dasSecas, em virtude da ocorrência de secas periódicasque assolam esta área de formato poligonal.

O sem i-árido brasileiro localiza-se no interior daregião nordeste, somente atingindo a costa no litoralsetentrional do estado do Rio Grande do Norte e no litoralcearense. A região nordeste é uma das cinco regiõesgeográficas do Brasil e representa o próprio nordeste daAmérica do Sul. Tem como coordenadas os paralelos1°01 'S e 18°20'45"S e os meridianos 34°45'55"0 e48°50'15"0.

O semi-árido nordestino compreende uma imensaárea de mais de um milhão de quilômetros quadrados,que corresponde em torno de três quartos da regiãonordeste e a mais de 10% da superfície brasileira ecompreende oito dos nove estados do nordeste (Piauí,Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,Alagoas, Sergipe e Bahia) e uma pequena parte do nortedo estado de Minas Gerais, que está situado na regiãosudeste do Brasil. Dos estados nordestinos, somente oMaranhâo não apresenta áreas semi-áridas.

1.1 Clima

Benedito Vasconcelos MENDES'

seca, enquanto as menores se verificam no município deCabeceiras no estado da Paraíba, com 252 mm anuais,em média. A distribuição mensal e o início do períodochuvoso variam muito, não podendo ser determinados. Aseca periódica é caracterizada pela falta ou pela mádistribuição das chuvas no período do "inverno", tornan-do a água insuficiente para a maioria das culturas agríco-las e para a formação de pastagens destinadas aosrebanhos.

O Polígono das Secas é uma das regiões semi-áridas mais quentes do globo. A temperatura média émais ou menos constante ao longo do ano e relativamen-te uniforme em toda a região. As médias térmicas anuaisoscilam entre 23° e 27°C. A amplitude térmica diária épróxima de 10°C, mantendo-se inalterada, tanto ao longodas latitudes, como em relação ao mar.

Em virtude de sua proximidade do Equador e dapouca quantidade de nuvens na maior parte do ano, aluminosidade média anual é muito elevada, situando-seem torno de 2.800 horas de luz solar por ano.

Um dos fatores climáticos de grande significadopara a região é a fortíssima evaporação que ocorre noPol ígono das Secas. Em virtude das poucas nuvens e desua baixa latitude, esta região recebe a incidência quasevertical dos raios solares, o que favorece as elevadastemperaturas que, aliadas à baixa umidade atmosférica,provocam uma excessiva evaporação. Os elevados co-eficientes de evaporação decorrem do forte aquecimentodo solo causado pelo calor solar que, além de influirdiretamente sobre a evaporação, age também indireta-mente através dos deslocamentos de ar que provoca,originando ventos quentes, secos e de elevadas veloci-dades médias (15 a25 km/h). Aintensa evaporação, quealcança uma média de 2.000 mm por ano, é a responsá-vel maior pelo balanço hídrico deficitário do semi-árido. Aumidade do ar atinge média anual próxima de 50%.

1.2 Relevo

O nordeste apresenta uma superfície plana ouligeiramente ondulada, exibindo aqui e ali serras que sóexcepcionalmente ultrapassam 1.000 metros de altitude.

As serras do semi-árido são áreas com altitudessuperiores a 600 e inferiores a 1.000 metros. Conformea altitude e a posição em relação a direção predominantedos ventos, as serras da região podem ser classificadasem serras úmidas e secas. As serras úmidas são aquelasque recebem chuvas orográficas, provocadas pelos ven-tos úmidos que se resfriam pela altitude e se precipitam.

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Durante o período seco anual (verão), as serrasúmidas apresentam-se como verdadeiros "oásis", emrelação à caatinga caducifólia e seca circundante. Aschuvas são abundantes e a ocorrência de fontes perenesde água é frequente. A vegetação natural é de porte altoe não perde as folhas durante a época do estio anual.

Com relação às áreas vizinhas, as serras úmidasapresentam clima mais ameno, com temperaturas maisbaixas, umidade relativa maior, nebulosidade maior einsolação menor do que as áreas de baixa altitude.

Os principais microclimas de altitude do sem i-áridobrasileiro são: Brejo da Paraíba, localizado na encostada Borborema; Vale do Cariri, situado no sopé da Serrado Araripe, no estado do Ceará; Serras cearenses deIbiapaba e Baturité; Serra do Triunfo, em Pernambuco.

1.3 Solos

De maneira geral, os solos são rasos, pedregososou arenosos, dependendo se a região é cristalina ousedimentar. Os solos das regiões do cristalino sãopedregosos e os das regiões sedimentares são areno-sos. A região possui mais ou menos 50% de sua áreasedimen!ar (solos arenosos) e 50% cristalina (solospedregosos e rasos). Quanto ao pH os solos geralmentesão neutros ou próximos da neutralidade. São pobres emmatéria orgânica (em torno de 1%), porém ricos em saisminerais solúveis, especialmente em potássio e cálcio. Écomum a ocorrência de extensas áreas salinas, forma-das em conseqüência das altas taxas de evaporação, depráticas inadequadas de irrigação e devido a poucadissolução das rochas matrizes, em conseqüência dabaixa precipitação. Esta região seca apresenta, emquase toda sua área, um acelerado processo dedesertificação provocado pela forte erosão. Odesmatamento indiscriminadb, o mal uso agrícola emineral do solo, a ocorrência de secas periódicas e osuperpastejo dos animais domésticos são os responsá-veis maiores pelo acelerado processo de degradaçãoambiental que a região está sofrendo. Nas superiíciesdos solos desnudos é comum a ocorrência de umacamada impermeável que dificulta a penetração da águadas chuvas e favorece o escorrimento superiicial e,conseqüentemente, à erosão. Esta crosta é formadapelo impacto das gotas de chuva no solo desnudo, queagrega as pequenas partículas de solo (limo, argila egrânulos orgânicos) tornando-o impermeável. Esta cros-ta é complementada pela formação de um tapete demicroflora, composto de algas verde-azuladas e líquens.

1.4 Recursos hídricos

Os rios possuem regime hidrológico intermitente ecaráter torrencial, permanecendo secos a maior parte doano. Seus deflúvios são irregulares e apresentam umúnico período de escoamento anual de 3 a 5 meses deduração, correspondente à época chuvosa. Duranteeste período é comum ocorrer cheias violentas e súbitasque ocasionam grandes erosões e inundações de suasfaixas marginais. Outro problema bastante sério na

região é o acelerado processo de assoreamento dosrios, lagoas e açudes, em conseqüência da eliminaçãoda mata ciliar dos rios e riachos.

O potencial hidrogeológico do semi-árido nordesti-no está quase totalmente na zona sedimentar. As regi-ões cristalinas oferecem baixo potencial dearmazenamento de água subterrânea, enquanto assedimentares são ricas em aqüíferos. Nas áreas crista-linas a água do subsolo é escassa e de má qualidade,apresentando maior quantidade e melhor tipo de águaapenas nas aluviões dos rios e nas fendas das rochas.Apesar de possuir uma quantidade limitada de águasubterrânea, estas áreas são adequadas para a constru-ção de açudes, em virtude de possu írem solos imperme-áveis, o que não ocorre com as regiões sedimentares,que são porosas e apresentam fendas que funcionamcomo sumidouros que abastecem os aqüíferos. Os soloscristalinos são mais ricos do que os sedimentares. Aszonas sedimentares, além de serem ricas em águasubterrânea, apresentam também água de boa qualida-de. Os sedimentos, invariavelmente, são de calcários ouarenitos.

Os recursos hídricos superiiciais da região semi-árida são representados, basicamente, pelos 70 milaçudes construídos nesta área, já que os rios sãotemporários, portanto, passando a maior parte do anosecos e por não ser significante o número e o tamanhodas lagoas. No semi-árido só existem dois rios perma-nentes de importância, que são o São Francisco e oParnaíba. Estes dois rios permanentes são responsá-veis por quase toda a energia elétrica gerada na região,pois as grandes hidrelétricas estão localizadas em seusleitos.

A principal característica da rede hidrográfica dosemi-árido nordestino é a periodicidade de seus rios, queexiste em virtude da grande estiagem estacional, que severifica anualmente. Por ocasião das secas prolongadasque ocorrem periodicamente, estes rios podem passardois ou mais anos sem correr. Estes cursos de águanascem, percorrem e deságuam na zona seca. Desem-bocam, geralmente, nas costas secas do Ceará ou nolitoral setentrional do Rio Grande do Norte, onde ascaatingas avançam até o mar. Os rios temporários sãode vital importância para os estados do Ceará, RioGrande do Norte e Paraíba. Fazem parte deste grupo, osrios Acaraú, Curu e Jaguaribe, no Ceará, e os rios Apodi/Mossoró e Piranhas/Açu, no Rio Grande do Norte. Umoutro tipo de rio existente na zona seca do nordeste é osemi-perene ou parcialmente seco que é o que, emborase desenvolva na zona semi-árida, percorre uma áreachuvosa antes de chegar ao mar. Estes rios, via de regra,nascem na área seca, porém desembocam no litoraloriental do nordeste, atravessando, por conseguinte, aregião litorânea úmida correspondente à Zona da Mataque, pela sua alta pluviosidade, confere aos rios intermi-tentes uma perenização de seus cursos inferiores. Osrios Vaza-Barris e Itapicuru, que desembocam nos lito-rais de Sergipe e Bahia, respectivamente, são semi-perenes.

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1.5 Vegetação

A cobertura vegetal do semi-árido nordestino éconstituída por uma formação típica denominada caatin-ga. Em Tupi, caatinga significa mata aberta, clara, cinza.É uma mistura de ervas, arbustos e árvores de pequenoporte, de folhas caducas e pequenas, tortuosas, espi-nhentas e de elevada resistência às secas. Nas caatin-gas também são encontradas algumas espécies arbóre-as e arbustivas de folhas perenes. Apresentam trêsestratos: arbóreo, arbustivo e herbáceo. É grande onúmero de plantas suculentas. No período seco anual, agrande maioria das espécies arbóreas e arbustivasperdem as folhas e as espécies herbáceas anuais desa-parecem. As caatingas são pobres em gramíneas porémricas em leguminosas. Geralmente não apresentamestrato graminoso. Muitas espécies são forrageiras,outras são frutíferas e algumas são de importânciaindustrial, principalmente como fornecedoras de matéri-as-primas industriais, como óleo, cera, borracha, tanino,resinas, cosméticos, fármacos, fibras e outros produtos.

1.6 Fauna

A fauna da região semi-árida brasileira é pobre emnúmero de espécies e o número de animais por espécietambém é reduzido. De um modo geral as espéciesapresentam pequeno endemismo. Os mamíferos são depequeno porte e os mais abundantes são o preá e araposa. As espécies encontradas em maior número nosemi-árido são aquelas que apresentam maior mobilida-de para emigrar na época das secas, regressando noperíodo chuvoso.

A região apresenta várias espécies animais queoferecem potencialidades biológicas e sócio-econômi-cas para serem criadas em cativeiro.

2 CONTRIBUiÇÃO DAS PLANTAS XERÓFILASPARA AS ZONAS SEMI-ÁRIDAS

A região semi-árida do nordeste brasileiro por sermuito vasta, pobre e populosa e por possuir ecossiste-mas frágeis, altamente vulneráveis à degradação, deveser reflorestada com plantas xerófilas obedecendo a umplano integrado de desenvolvimento regional. Este reflo-restamento deve ser voltado, prioritariamente, para odesenvolvimento rural e para o controle da desertificação.

As deficiências de clima e solo regionais limitam aprodutividade madeireira para fins de produção de celu-lose, porém, não impedem o reflorestamento com es-sências perenifólias xerófilas de fins múltiplos comocertas frutíferas, forrageiras e produtoras de matérias-primas industriais como óleo, cera, borracha, resinas,tanino, cosméticos, fármacos, fibras e outras. Ajustifica-tivade que o sem i-árido nordestino não deve ser reflores-tado por não possibilitar altas produtividades de fito-massa, não deve ser levada em consideração. Ao con-trário, esta região seca, por possuir vocação natural paraa desertificação, deve merecer tratamento prioritário por

parte dos órgãos governamentais em relação às outrasáreas menos degradadas do país. Os efeitos sinérgicosdas secas prolongadas, das caraterísticas de solo eclima, do indiscriminado desmatamento e superpastejodos animais domésticos resultaram no acelerado pro-cesso de desertificação que a região está sofrendo.

Para a recuperação das áreas degradadas donordeste seco, sugerimos a elaboração de um plano dedesenvolvimento integrado, que contemple açõesagroflorestais, que possam contribuir também com odesenvolvimento sócio-econômico regional. Ao planoglobal e integrado de desenvolvimento do nordestedeve-se agregar benefícios ecológicos, sociais e econô-micos para a região e, conseqüentemente para o País.

2.1 Problemática agrícola da seca

O imperativo das condições sociais, econômicas,culturais e ecológicas do semi-árido indica que a proble-mática rural, advinda das secas periódicas que assolama região, só pode ser equacionada se as políticas parao desenvolvimento regional derem prioridade às ativida-des agrícolas voltadas para as condições ecológicaslocais. É imperiosa a necessidade de se mudar o modeloindicado para o reflorestamento do semi-árido nordesti-no, que se baseia no trinômio "monocultura-mecaniza-ção-insumos químicos". Este modelo, embora apresen-te vantagens econômicas, vem provocando graves pre-juízos ecológicos e sociais. Mesmo apoiado por açõesgovernamentais, este modelo não conseguiu serimplementado na área semi-árida pobre e subdesenvol-vida do nordeste brasileiro.

A agricultura tradicional atualmente desenvolvidana região é baseada no cultivo de poucas espéciesexigentes em água e solo (basicamente milho, feijão-macassar, arroz e algodão), o que torna as atividadesagrícolas muito vulneráveis às secas. Só absorve mão-de-obra no curto período chuvoso anual, o que faz comque o sertanejo só tenha trabalho e renda durante operíodo chuvoso. É necessário escolher um modelo deexploração da terra que diminua os riscos de quebra dascolheitas por falta de chuvas e que absorva a mão-de-obra familiar durante todo o ano, fazendo com que ohomem produza de janeiro a dezembro. Este modelodeve contemplar também as partes ecológica e social.

Para se conviver com as secas, produzindo, épreciso reorientar as atividades agropecuárias para aagricultura irrigada, para o plantio de culturas xerófilas epara a criação de animais rústicos.

2.2 Plantas xerófilas de importância econômica

As condições edafoclimáticas do sem i-árido brasi-leiro são limitantes para as culturas agrícolas anuaistradicionalmente cultivadas nesta área e para as essên-cias florestais produtoras de celulose. As terras secasnordestinas são consideradas marginais, onde o cultivointensivo só pode ser feito nas áreas irrigadas ou com autilização de plantas xerófilas.

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Existem plantas adaptadas às condições climáti-cas e de solos da região, que podem ser exploradaseconomicamente para aumentar a capacidade de usodestas terras secas marginais. Na região ocorrem mui-tas plantasxerófilas forrageiras, frutíferas, produtoras demadeira e de produtos que servem como matérias-primas industriais como óleo, cera, borracha etc. Muitasdestas espécies já foram de grande importância econô-mica em passado recente, mas devido ao desenvolvi-mento da química do petróleo, vários sucedâneos foramdesenvolvidos, de modo que matérias-primas industriaisde origem vegetal de regiões secas, como cera decarnaúba, óleo de oiticica, borracha de maniçoba emuitos outros produtos foram substituídos por derivadosde petróleo. Com o acelerado processo de esgotamentodas jazidas de petróleo a nível mundial, espera-se quedentro de poucos anos estes produtos de origem vegetalvoltem a ter importância econômica relevante. As regi-ões secas são por natureza produtoras de matérias-primas industriais de origem vegetal. O sem i-árido nordes-tino possui grande número de plantas que oferecempotencialidades para serem exploradas economicamen-te, além da resistência à seca que oferecem.

3 MANEJO INTEGRADO DE ESSÊNCIAS AR-BÓREAS COM OUTRAS CULTURAS E ANI-MAIS

A silvicultura no sem i-árido do nordeste brasileiroexige técnicas próprias, diferentes daquelas utilizadasnas regiões úmidas e subúmidas. Os fatores sociais,econômicos, culturais e ecológicos reclamam por umasilvicultura integrada com as atividades agropastoris,apropriadas ao pequeno produtor e às condições de soloe clima do Polígono das Secas. É necessário criaralternativas tecnológicas para ajustar as atividades flo-restais às condições dos produtores de baixa renda.

A maioria das tecnologias florestais atualmentedisponíveis é dirigida para as grandes áreas demonocultura. Para o Sem i-Árido brasileiro sugere-seuma silvicultura diversificada e consorciada, mais volta-da para o aspecto social e ecológico do que para oeconômico. As atividades florestais devem ser dirigidasprioritariamente para o desenvolvimento rural e para ocontrole da desertificação. O florestamento e o reflores-tamento devem ser executados em sistemas de produ-ção integrados, visando o fornecimento de madeiras(para carpintaria, marcenaria, lenha, estacas para cer-cas, construções etc.), carvão, forragem, alimentos parao homem, produtos industriais, fibras, óleos, ceras,resinas, borracha, tanino e outros produtos) além dapreservação do solo, dos recursos hídricos e da fauna.O sistema de produção silvipastoril é um imperativo atépara viabilizar economicamente o reflorestamento, poisas condições de clima e solo limitam a produtividademadeireira do Polígono das Secas. A produção média demadeira das caatingas varia de 7 a 14 m3jha (caatingavirgem). Em condições experimentais, com cultivares deeucalipto adaptados à região, só foi conseguido 25 m3jha, em cortes feitos em plantios com sete anos de idade.Por outro lado, o sistema silvipastoril beneficia muito apecuária regional, pois a capacidade de suporte animal

das caatingas é muito baixa. Necessitam-se de 15 a 20hectares para a manutenção de um bovino adulto.

O Polígono das Secas tem vocação natural para aexploração de essências arbóreas xerófilas, que pode-rão, mediante manejo integrado, aproveitar as extensasáreas secas marginais, impossíveis de serem irrigadas.Em virtude da pobreza dos solos da região em nitrogênioe da tradição do homem do campo em explorar, namesma propriedade, agricultura e pecuária, deve-se darpreferência a essências xerófilas, perenifólias e da famí-lia das leguminosas, por enriquecerem o solo em nitrogê-nio e fornecerem forragens para os animais domésticos.

Os mais diferentes tipos de associação entre plan-tas, ou de plantas com animais, podem ser idealizadospara a viabilização econômica dessas terras marginais,tais como silvicultura/apicultura,silvicultura/pecuária,agrossilvicul-tura, silvicultura/piscicul tura e outros, quepoderão ser em-pregados até mesmo numa mesmapropriedade.

4 IMPORTÂNCIA ECOLÓGICA, SOCIAL E ECO-NÔMICA DA CRIAÇÃO DE ANIMAIS SILVES-TRES NO SEMI-ÁRIDO NORDESTINO

A idéia da criação em cativeiro de alguns animaisda fauna nativa do semi-árido nordestino, visando apreservação e a utilização racional dos mesmos porparte do sertanejo, surgiu como uma conseqüência daconstatação do acelerado processo de desertificaçãopor que ora passa a região. As zonas secas possuemcondições naturais para a desertificação. Independente-mente da ação antrópica, as regiões áridas e sem i-áridasdo planeta sofrem naturalmente degradação. A ocorrên-cia de secas periódicas e as caraterísticas de clima e soloregionais são as responsáveis maiores pela redução dopotencial biológico do semi-árido do nordeste brasileiro.

A maneira mais eficiente de se evitar que umaespécie animal desapareça é promovendo a sua multipli-cação em cativeiro, daí porque os animais domésticosnunca serão extintos. Em 1980, quando ocupávamos apresidência da Empresa de Pesquisa Agropecuária doRio Grande do Norte - EMPARN, iniciamos a criação, emcativeiro, de animais silvestres do semi-árido nordestino,dentre eles a ema. Esta foi a primeira experiência brasi-leira de preservação de espécies silvestres mediante acriação em cativeiro. Em 1984, começamos na EscolaSuperior de Agricultura de Mossoró-ESAM um projeto depesquisa com preá (Galea spixii spixi~, mocó (Kerodonrupestris) e cutia (Dasyprocta aguti), visando a determi-nação de vários parâmetros zootécnicos, para fins decriação em cativeiro destas espécies. Em 1989 criamosna ESAM o Centro de Multiplicação de AnimaisSilvestres(CEMAS), que tem como objetivos:

a) fornecer animais para o repovoamento de Par-ques Nacionais, Estações Ecológicas, Reser-vas Biológicas e de outras áreas de preservaçãoexistentes na zona seca do nordeste;

b) fornecer lotes destes animais às instituições depesquisa para a realização de estudos;

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c) promover aseleção de animais visando a forma-ção de plantéis das espécies que estão sendocriadas, com base nas caraterísticas desejáveisà domesticação;

d) ceder matrizes e reprodutores de espécies deanimais silvestres - que se prestem à criação -aos produtores sertanejos interessados em criá-los e que estejam credenciados pelo IBAMA;

e) executar pesquisas científicas e tecnológicassobre a criação de animais silvestres;

f) adequar ambiente e manejo para facilitar acriação destes animais silvestres em cativeiro,levando em consideração as condições ecológi-cas, sociais, econômicas e culturais do homemdo campo da região e

g) difundir tecnologias de criação destes animais.

4.1 Criação do CEMAS

o CEMAS surgiu da idéia pioneira de preservaranimais silvestres mediante a criação em cativeiro, demodo que se possa utilizá-Ios racionalmente em benefí-cio sócio-econômico do nordestino.

Um outro ponto positivo da criação racional deanimais da fauna nativa do semi-árido é o relacionadocom os aspectos sociais e econômicos regionais. Apecuária tradicional do nordeste seco é quase inviabilizadadurante as estiagens periódicas que castigam a região.Por ocasião das secas não há produção agrícola e osrebanhos são drasticamente dizimados. Como exemplo,podemos citar o que ocorreu no estado do Rio Grande doNorte durante a última grande se ca (1979-1983), quan-do o rebanho bovino do estado foi reduzido para um terçoda quantidade existente antes da seca. Em 1978, orebanho bovino potiguar era de aproximadamente 850mil cabeças e após os cinco anos de seca, o rebanho foiestimado em menos de 300 mil bovinos. Um outroexemplo, é o da importação de carne no nordestedurante as calamidades climáticas. No primeiro trimestrede 1982, o estado do Rio Grande do Norte ofereciaapenas 8% da carne bovina consumida na cidade deNatal, importando os outros 92% dos estados de MinasGerais, Goiás, Bahia e Maranhâo. Com relação ao leite,também no primeiro trimestre de 1982, a CEPA-RNconstatou que a única usina de pasteurização de leite doestado - Cooperativa de Laticínios de Natal S.A. (CLAN)- importava de Sergipe e Pernambuco 31 % do leiteprocessado naquela indústria, portanto, o Rio Grande doNorte não produzia, naquela época, leite suficiente paraabastecer a única usina de laticínios do estado.

Atualmente o CEMAS está criando em cativeiro,em sua área de 30 hectares localizada no campus daESAM, em Mossoró-R N, nove espécies: capivara, paca,cutia, mocó, preá, ema, cateto, queixada e tejo. Estasespécies foram escolhidas cuidadosamente para seremestudadas e criadas, em virtude de já serem largamenteusadas como fonte de proteína animal na dieta dohomem da região semi-árida nordestina e por apresen-tarem atributos biológicos desejáveis à domesticação -

hábito gregano, poligamia, reprodução em cativeiro,docilidade, prolificidade, precocidade e outros.

4.2 Animais criados no CEMAS

4.2.1 CAPIVARA (Hydrochoerus hydrochaeris)

É o maior de todos os roedores, alcançando 1,30 mde comprimento e até 100 kg de peso vivo. É um animalherbívoro, semi-aquático, baixo, de pescoço grosso ecurto, cabeça volumosa e sem cauda. A capivara cons-titui uma das alternativas alimentares para a população,por apresentar baixo custo de produção. O couro éespesso e pode ser dividido em três capas, que seprestam para múltiplas finalidades. Os pelos são usadospara a fabricação de pincéis. A gordura (óleo-de-capivara)é utilizada na medicina popular e para outros fins.

4.2.2 CUTIA (Dasyprocta aguti )

É um roedor de porte médio (atinge até 5 kg), muitorústico, dócil, prolífero, precoce, que se reproduz muitobem em cativeiro. Produz carne nutritiva e saborosa epele de importância industrial.

4.2.3 MOCÓ (Kerodon rupestris)

É um pequeno roedor típico das regiões rochosasdo semi-árido do nordeste do Brasil, de carne muitoapreciada pelos sertanejos. Seu peso chega a atingir 1kg e sua pele pode ser usada para o fabrico de artefatosdiversos.

4.2.4 PREÁ (Galea spixii spixii )

É um roedor de pequeno porte (400 g), altamenteconsumido pelos habitantes das caatingas, especial-mente durante as secas que ocorrem periodicamente naregião. Sua carne é digestiva, saborosa e nutritiva. Éfacilmente criado em cativeiro.

4.2.5 CATETO (Tayassu tajacu) e QUEIXADA(Tayassu pecari )

São os dois únicos porcos nativos do Brasil. Oqueixada é maior e totalmente preto, com exceção doslábios, da base da mandíbula e da garganta, que sãoesbranquiçados. O cate to apresenta um colar de pelosbrancos no pescoço e possui o corpo marrom escuro,quase preto, salpicado de branco. O queixada pesa emtorno de 30 kg e o cate to 20 kg.

4.2.6 EMA (Rhea americana americana)

É a maior ave do continente americano, chegandoa pesar 36 kg. Produz carne, ovos, penas e pele de altovalor econômico. Oferece atributos biológicos ecaraterísticas econômicas que a recomendam ser do-mesticada.

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Page 6: Benedito Vasconcelos MENDES' · 2019-05-15 · seca, enquanto as menores se verificam no município de Cabeceiras no estado da Paraíba, com 252 mm anuais, em média. A distribuição

4.2.7 TEJO (Tupinambis teguixin)

É um lagarto de grande porte da família Teiidae,que ocorre naturalmente na região semi-áridado nordes-te e em quase todo o território brasileiro. É o maiorlacertílio nativo do Brasil, chegando a pesar mais de 5 kge a atingir quase 2 m de comprimento. É de hábito diurno,não forma bando, é onívoro, alimentando-se principal-mente de frutos silvestres e de pequenos animais. Suacarne é branca e saborosa, muito apreciada pelos nor-destinos. A pele é de ótima qualidade industrial, usada nafabricação de artigos de luxo.

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