Beneficios trazidos pe/a participa9ao da familia no Grupo ... · atulhadas de jornais e papeis...

5
11 Beneficios trazidos pe/a participa9ao da familia no Grupo de Apoio Maria Luisa Guedes* Roberto Alves Banaco** Costumamos dizer que a presenc;a de uma pessoa com comportamentos obsessivo-compulsivos inevitavelmente produz mudanc;as na vida daqueles que com ela convivem. Como nao reagirmos quando alguem ao nosso lado fica horas a fio em um banho que deveria durar quinze minutos ou lava as maos exageradamente e, ainda por cima, insiste que n6s lavemos tambem ou deixemos nossas roupas e sapatos na porta de entrada? Ou quando rearranja ou reorganiza tudo que acabamos de fazer? Ou quando nos atrasa em todos os compromissos, porque pela centesima vez foi ver se as portas e janelas estao fechadas? 8em falar das mil vezes que respondemos a mesma pergunta ou dos banheiros que estao sempre ocupados e das partes da casa atulhadas de jornais e papeis velhos e outras coisas inuteis que nao podem ser tocadas por ninguem. E quando nos damos conta, estamos todos com comportamentos repetidos e estranhos! As situac;6es ate que variam: ora estamos todos com "manias" e todos irritados e com raiva de quem nos obriga a fazer tudo isso. Ora somos mais compreensivos e sentimos pena. Em outros momentos, decidimos que tudo aquilo e absurdo e resolvemos endurecer: af entao e certo que a casa vai vir abaixo, ou pela agressividade e violencia geradas pelas *Laborat6rio de Psicologia Experimental - PUC-SP; Departamento de Metodos e Tecnicas da Faculdade de Psicologia da PUC-SP. "Programa de Estudos P6s-graduados em Psicologia Experimental Analise do Comportamen- to da PUC-SP. 111

Transcript of Beneficios trazidos pe/a participa9ao da familia no Grupo ... · atulhadas de jornais e papeis...

11 Beneficios trazidos pe/a participa9ao

da familia no Grupo de Apoio Maria Luisa Guedes*

Roberto Alves Banaco**

Costumamos dizer que a presenc;a de uma pessoa com comportamentos obsessivo-compulsivos inevitavelmente produz mudanc;as na vida daqueles que com ela convivem. Como nao reagirmos quando alguem ao nosso lado fica horas a fio em um banho que deveria durar quinze minutos ou lava as maos exageradamente e, ainda por cima, insiste que n6s lavemos tambem ou deixemos nossas roupas e sapatos na porta de entrada? Ou quando rearranja ou reorganiza tudo que acabamos de fazer? Ou quando nos atrasa em todos os compromissos, porque pela centesima vez foi ver se as portas e janelas estao fechadas? 8em falar das mil vezes que respondemos a mesma pergunta ou dos banheiros que estao sempre ocupados e das partes da casa atulhadas de jornais e papeis velhos e outras coisas inuteis que nao podem ser tocadas por ninguem.

E quando nos damos conta, estamos todos com comportamentos repetidos e estranhos! As situac;6es ate que variam: ora estamos todos com "manias" e todos irritados e com raiva de quem nos obriga a fazer tudo isso. Ora somos mais compreensivos e sentimos pena. Em outros momentos, decidimos que tudo aquilo e absurdo e resolvemos endurecer: af entao e certo que a casa vai vir abaixo, ou pela agressividade e violencia geradas pelas

*Laborat6rio de Psicologia Experimental - PUC-SP; Departamento de Metodos e Tecnicas da Faculdade de Psicologia da PUC-SP. "Programa de Estudos P6s-graduados em Psicologia Experimental Analise do Comportamen­to da PUC-SP.

111

A vida em outras cores

nossas reac;oes ou pelo grau de ansiedade, desespero, tristeza e depressao que percebemos no nosso familiar. Nessas horas, quase sempre, voltamos atras enos readaptamos ao mundo de manias, esquisitices e exageros. E muito provavel que a familia toda se mobilize especial mente tentando mesmo evitar e poupar 0 aparecimento de situac;oes de estresse e de rituais compulsivos. Este mundo de volta tambem e desesperador e insuportavel . .. mas ja e (infelizmente) mais conhecido.

A familia entao vai percebendo que, apesar de todo seu desgaste, esforc;o e envolvimento, 0 familiar esta cada vez mais desorientado, incapacitado, dependente da familia e persistente nos comportamentos obsessivo­compulsivos. Para todos, a situac;ao s6 se agrava.

Pesquisas recentes vem demonstrando que este relacionamento familiar, fruto da ingenuidade e desconhecimento da familia , que na verdade se esforc;a e se desgasta na tentativa desesperada de sobreviver, passa a ser responsavel pela manutenc;ao e pelo agravamento de todos os comportamentos obsessivo­compuisivos.

A unica saida para esta vida de sofrimento e aprisionamento de todos depende de mudanc;as profundas nas relac;oes familiares. Isto quer dizer uma reversao total na forma de as pessoas interagirem. Sera preciso um acompanhamento profissional criterioso e especializado.

A primeira grande descoberta que a familia enfrentara vai ser a de que nenhuma mudanc;a podera acontecer na base da forc;a , da ameac;a e da violencia. Tudo devera ocorrer gradualmente, em clima de cooperac;ao, levando em conta os limites e as possibilidades das duas partes envolvidas: a pr6pria pessoa e a familia.

E depois, quando estiverem conhecendo e vivenciando as novas formas de relac;ao, outro segredo se mostrara indispensavel : a preocupayao constante e precisa de atentar para todo e qualquer progresso (seja por parte da familia ou da pessoa), mesmo quando ele parece pequeno. Problemas e erros sao visiveis por si s6. Como, neste processo, as mudanyas positivas van acontecendo de forma bastante gradual e preciso que se tornem foco de atenyao constante.

Como estamos vendo, nada e facil para ninguem. Por isso, nunca e demais ressaltar que as mudanc;as dependem de alterayoes consistentes, continuas e permanentes nas relayoes familiares. Por isso, tambem , 0

envolvimento, 0 apoio e a participac;ao de todos.

112

Maria Luisa Guedes - Roberto Alves Banaco

o Grupo de Apoio no auxflio a famflia _______ _

Uma experiencia que s6 vem a dificultar ainda mais a situagao a ser enfrentada e a de imaginar que a nossa familia e a (mica a apresentar esses problemas. A ideia de que "os outros" possam criticar-nos pelos comportamentos apresentados, por nao nos compreenderem, ou mesmo por acreditar que os outros possam ter solugoes faceis para esses problemas podem fazer com que a familia esconda 0 problema relacionado ao comportamento obsessivo-compulsivo.

Nesse sentido, grupos de apoio, principalmente os que incluem varias famflias que compartilham 0 mesmo tipo de sofrimento, sao uma forma excelente de auxiliartoda a familia neste processo de vencer 0 desafio - uma possibilidade de partilhar a sensagao de solidao, as frustragoes e as dificuldades. Segundo alguns autores, 0 primeiro efeito desse tipo de partilha e um sentimento chamado de universalidade, ou seja, 0 familiar pode perceber que ele nao e mais 0 unico a apresentar 0 problema, 0 que tem como consequencia um alivio da pressao social observada anterior mente.

Alem da partilha do problema, 0 fato de apresenta-Io a um grupo de famllias que ja 0 enfrentou aumenta a probabilidade de que alguem possa sugerir formas alternativas de enfrentamento para ele. Neste ponto, e vivenciada pela familia que apresenta 0 problema nao mais a situagao de critica que tem evitado, mas um contexto de compreensao (os "outros" ja passaram por isso e sabem exatamente sobre 0 que estamos falando). Esta caracteristica da composigao do grupo de apoio faz com que haja uma pequena probabilidade de crftica, e uma grande possibilidade de alguem conhecer alguma nova forma de enfrentamento para 0 problema.

Aqui cabe ressaltar 0 papel fundamental do mediador do grupo: utilizando as informagoes que ja possui sobre os participantes "veteranos" do grupo de apoio e estando sensfvel as informa<;5es trazidas pelos novos membros, o mediador podera pedir que 0 veterano coloque tambem 0 problema semelhante ao apresentado (0 que tem como efeito aumentar a "universalidade" de ambas as famllias), aumentando a chance de uma busca comum da solugao do problema. Ainda utilizando este procedimento, no caso de famflias veteranas, que ja encaminharam a solugao para os problemas semelhantes, 0 mediador acaba produzindo dois efeitos distintos: instila esperanga na famflia que estiver apresentado 0 problema, e assegura a familia veterana de seu sucesso no enfrentamento relatado.

Nesse sentido, quando sucessos sao relatados tambem podem exibir os mesmos efeitos, se forem bem conduzidos. A boa condugao depende de ser

113

A vida em outras cores

evitado que se instale um clima competitiv~ entre as famflias, seja esse clima referente a habilidades (famflias que se apresentam como mais "espertas") ou de condic;6es inferiores (famflias que re latam menores condic;6es de enfrentamento que outras) . Tendo side evitado este clima, os sucessos de uns tornar-se-ao sucesso de todos, e comemorar os sucessos e a melhor forma de superar os momentos mais diffceis e persistir no tratamento.

A situa<;§o tambem pode ser bastante educativa e estruturante quanto a desenvolver a capacidade de perceber os pequenos avanc;os no enfrentamento de grandes problemas, tao necessarios para a persistencia conforme ja foi apontado anteriormente. Tanto 0 mediador quanto os membros das famflias veteranas terao habilidades para reconhecer os pequenos avanc;os alcan<;:ados, e, se souberem aponta-Ios, tambem estarao contribuindo para a manuten<;:ao das condic;6es de mudanc;a.

Alem disso, os encontros de tais grupos podem se tornar uma 6tima ocasiao para ensaio de situac;6es propostas pelos terapeutas de cada fam Ilia e tambem para ser um momenta especial de criatividade de novas propostas mais afinadas com as necessidades de cada um. 0 grupo de apoio e uma situac;ao social mais parecida com a situac;ao natural vivida pela famflia que aquela proporcionada pela terapia familiar (0 contato com um grande numero de pessoas ou, no minimo, um numero maior de pessoas do que a situa<;:ao terapeutica), 0 que fara da situa<;:ao das reuni6es um contexte propicio para "descobertas" de entraves socia is para as mudanc;as propostas na terapia familiar (geralmente atraves de regras e conselhos verbais) . 0 fato de as mudanc;as poderem ser praticadas em um grupo social mais extenso (0 grupo de apoio) assegurara as condic;6es para esse tipo de descoberta que, p~r sua vez, podera ser levada de volta para a terapia.

o papel do Grupo de Apoio para 0 desenvolvimento cienUfico ______________________________________ __

Para finalizar, gostariamos de destacar um papel importante que as famflias podem desempenhar junto a comunidade cientifica . Com certeza, a troca de experiencias vividas pelas familias desempenha um papel muito importante nesta fase de pesquisas em que ainda se en contra 0 tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo. Isto se da pela quantidade en or me de dados que podem ser trazidos a tona nas sess6es de grupo de apoio. Tais dados, quando confrontados com 0 conhecimento ja produzido sobre 0 Transtorno

114

Maria Luisa Guedes - Roberto Alves Banaco

Obsessivo-Compulsivo e a Sfndrome de Tourette, poderao alimentar ainda mais os temas que deverao ser aprofundados por novas pesquisas, alem de reordenar algumas linhas de trabalho que ja estejam sen do desenvolvidas.

Alem disso, as experiencias com os tratamentos preconizados ate 0

momenta poderao, tambem, indicar se 0 corpo tecnico cientffico que se debru«a sobre a busca de solu«oes ja foi capaz de indicar procedimentos confortaveis, faceis de serem obedecidos (adesao ao tratamento) e quais sao os entraves encontrados para a consecu«ao de tais procedimentos.

A analise desse material por meio de tratamentos cientfficos podera, com 0 tempo, apontar novos caminhos mais efetivos e eficazes no tratamento do Transtorno Obsessivo-compulsivo e da Sfndrome de Tourejte.

Conclusao ___________________ _

Este artigo pretendeu levantar e descrever as vantagens que todos, portadores, famil iares e equipe tecnica poderiam obter com a participa«ao da famnia em grupo de apoio. As vantagens listadas para a familia sao especialmente (1) a possibilidade de encontrar apoio a um aspecto essencial para 0 resultado dos tratamentos - a saber, a consistencia no procedimento adotado para 0

enfrentamento do problema -, e (2) 0 encontro de apoio emocional par se perceberem aceitos por um grupo social que enfrenta problemas semelhantes aos seus.

Para a equipe tecnica (terapeuta familiar, psicoterapeuta, psiquiatra, etc.), 0 grupo de apoio possibilita que os familiares possam testar os procedimentos preconizados em um ambiente que seja intermediario entre 0

encontrado na clfnica medica e pSicol6gica e 0 ambiente social "natural". Ainda podem ser extrafdos dessa situa«ao dados relevantes para a avalia«ao e a produyao de procedimentos mais adequados para 0 enfrentamento de problemas.

E, com certeza, estando familia e equipe tecnica melhor equipados para 0 enfrentamento do problema, 0 beneffcio maiorsera dos pr6prios portadores, que sao 0 foco e a preocupa«ao inicial de todos os nossos esforc;os.

Endereyo dos autores para corresp on den cia ____ _

Maria Luiza Guedes: [email protected] Roberto Alves Banaco: [email protected]

115