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1 BENS PÚBLICOS: Possibilidade de posse em bens públicos Rodrigo Dias Aragão 1 Felipe Braga Pereira Furtado 2 RESUMO O presente artigo proporciona e refuta algumas diretrizes acerca da possibilidade de posse em bens públicos, sobretudo no que se refere aos bens dominicais. É esperado que tais preceitos contribuam para uma visão mais ampla e moderna acerca da posse ou detenção de bens públicos e conseguintemente a possibilidade de sua aquisição ou não. O artigo buscou esclarecer se os bens públicos possuem um caráter insuscetível à prescrição aquisitiva, mesmo contendo defensores de conjunturas contrárias, priorizando o direito à moradia. Este artigo foi instituído em razão de inúmeras discussões entre a possibilidade ou não da aquisição de bens públicos, além da função social da propriedade, para com isso, haver uma posse supostamente justa. Ademais, em análise ao mundo fenomênico são largamente aparentes posses precárias de bens públicos, sendo assim uma questão de larga escala e ampla relevância. Palavras-chaves: Função social. Posse. Bens Públicos. ABSTRACT The present article provides and refutes some guidelines on the possibility of possession in public goods, especially with regard to Sunday goods. Such precepts are expected to contribute to a broader and more modern view of the possession or holding of public goods and hence the possibility of their acquisition or not. The article sought to clarify that public property has an insusceptible character to the acquisitional prescription, even containing defenders of contrarian conjunctures, prioritizing the right to housing. This article was instituted due to numerous discussions between the possibility or not of the acquisition of public goods, besides the social function of the property, in order to have a supposedly fair possession. Furthermore, in the analysis of the phenomenal world, precarious possessions of public goods are widely apparent, and thus a large-scale and widely relevant issue. Key-words: Social function. Possession. Public goods. 1 Rodrigo Dias Aragão Bacharelando em Direito pela Faculdade São Lucas. E-mail: [email protected] 2 Felipe Braga Pereira Furtado. Bacharel em Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior – ILES/Ulbra, Porto Velho - RO. Advogado. Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil, Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário. E-mail: [email protected].

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BENS PÚBLICOS: Possibilidade de posse em bens públicos

Rodrigo Dias Aragão1

Felipe Braga Pereira Furtado2

RESUMO

O presente artigo proporciona e refuta algumas diretrizes acerca da possibilidade de posse em bens públicos, sobretudo no que se refere aos bens dominicais. É esperado que tais preceitos contribuam para uma visão mais ampla e moderna acerca da posse ou detenção de bens públicos e conseguintemente a possibilidade de sua aquisição ou não. O artigo buscou esclarecer se os bens públicos possuem um caráter insuscetível à prescrição aquisitiva, mesmo contendo defensores de conjunturas contrárias, priorizando o direito à moradia. Este artigo foi instituído em razão de inúmeras discussões entre a possibilidade ou não da aquisição de bens públicos, além da função social da propriedade, para com isso, haver uma posse supostamente justa. Ademais, em análise ao mundo fenomênico são largamente aparentes posses precárias de bens públicos, sendo assim uma questão de larga escala e ampla relevância.

Palavras-chaves: Função social. Posse. Bens Públicos.

ABSTRACT

The present article provides and refutes some guidelines on the possibility of possession in public goods, especially with regard to Sunday goods. Such precepts are expected to contribute to a broader and more modern view of the possession or holding of public goods and hence the possibility of their acquisition or not. The article sought to clarify that public property has an insusceptible character to the acquisitional prescription, even containing defenders of contrarian conjunctures, prioritizing the right to housing. This article was instituted due to numerous discussions between the possibility or not of the acquisition of public goods, besides the social function of the property, in order to have a supposedly fair possession. Furthermore, in the analysis of the phenomenal world, precarious possessions of public goods are widely apparent, and thus a large-scale and widely relevant issue.

Key-words: Social function. Possession. Public goods.

1 Rodrigo Dias Aragão Bacharelando em Direito pela Faculdade São Lucas.

E-mail: [email protected] 2Felipe Braga Pereira Furtado. Bacharel em Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior – ILES/Ulbra, Porto

Velho - RO. Advogado. Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil, Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho, centraliza seu estudo na possibilidade de

aquisição de bens públicos, sendo necessário apresentar preceitos

estabelecidos pelo Código Civil, pela Constituição da República Federativa do

Brasil e demais ordenamentos jurídicos, bem como pela doutrina e

jurisprudência.

A problemática do presente artigo está pautada na possibilidade de

posse em bens públicos.

Para o desenvolvimento do artigo foram utilizadas pesquisas,

bibliográficas, descritivas, explicativas, bem como uma abordagem alicerçada

em obras de autores que se manifestam acerca do tema proposto, utilizando

como fontes subsidiarias algumas jurisprudências. Os procedimentos técnicos

serão a realização de leitura crítico-reflexiva com a consequente catalogação

das obras lidas.

Nos últimos anos temas relacionados à posse foram amplamente

discutidos tendo em vista o número de pessoas que se encontram

estabelecendo moradia em locais, os quais, não se confirmam a possibilidade

de aquisição possessória.

A temática alusiva a posse é delicada e deve ser tratada com maior

cautela possível, já que não se discute apenas um solo eivado de matérias,

mas sim uma questão social, política bem como jurídica.

Em aspectos legais é possível extrair a impossibilidade de aquisição

de bens públicos, restando à premissa de não haver prescrição aquisitiva de

tais bens.

Todavia, existem defensores da tese que utilizam a função social da

propriedade para com isso obter uma suposta e precária posse diante dos bens

públicos, mais especificamente os dominicais.

Esta linha de pensamento vem sendo discutida por diversas razões,

dentre elas a ponderação entre a função social da propriedade.

Assim, se deve utilizar dos argumentos trazidos por todas as partes

e com isso concluir pelas devidas ponderações, sejam elas legais,

jurisprudenciais, doutrinárias, costumeiras.

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O presente artigo estrutura-se em 4 (quatro) capítulos,

apresentando-se no primeiro esta posse e detenção. No segundo capítulo é

abordada a função social da propriedade. O terceiro capítulo caracteriza o

estudo dos bens públicos. Por fim no quarto capítulo será tratada da posse de

bens públicos.

1 POSSE E DETENÇÃO

Precipuamente há de ser feito um estudo comparativo entre posse e

detenção, institutos categoricamente distintos.

Essa diferença entre posse e detenção não está basicamente ligada

a ares conceituais, pois, determinadas teorias ou até mesmo a jurisprudência

estipulam parâmetros para sua identificação e aplicação no caso concreto.

Insta consignar que tais institutos também possuem distinções

quanto a aplicação e suas relações e consequências jurídicas.

1.1 Posse

O conceito de posse está entabulado mesmo que de forma indireta

no artigo 1.196 do Código Civil, ao considerar possuidor “todo aquele que tem

de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à

propriedade” (GONÇALVES, 2012, P. 49; BRASIL, 2002).

Acerca da posse, Paulo Nader expõe:

O Direito Civil brasileiro, pela codificação de 1916, foi o

primeiro ordenamento a consagrar a teoria da posse formulada

por Ihering. O Código Civil de 2002 adotou igual orientação, ex

vi do art. 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem

de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes

inerentes à propriedade.” Embora a referência direta seja ao

possuidor, do ponto de vista lógico o artigo define posse e, por

extensão, possuidor, pois, em termos práticos, infere-se:

possuidor é quem detém a posse e esta se substancializa no

exercício de algum dos poderes conferidos pelos direitos reais.

(NADER, 2016, p. 67).

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O conceito de posse é um tema bastante complexo e vastamente

debatido, todavia, predominam duas correntes, quais sejam dos precursores

Savigny e Ihering.

Para Frederico Carlos Savigny, a posse, implica a possibilidade de

alguém dispor fisicamente de uma coisa com finalidade de considerá-la sua,

além de defendê-la contra toda ação alheia (NADER, 2016, p. 61).

Diante dessa teoria subjetiva, é possível ser ilustrado dois elementos

da posse, o corpus, que é o poder físico sobre a coisa e o animus domini, nada

mais é que, um elemento flexível no propósito de ter para si e manter o objeto

como se dono fosse, sendo que na existência apenas do corpus haveria a

detenção e não a posse (NADER, 2016, p. 61).

Nesta mesma linha Carlos Roberto Gonçalves (2012) pronuncia que:

Para Savigny, o corpus identifica somente a detenção. Esta se

eleva a posse quando se lhe acrescenta o animus específico,

ou seja, o animus domini ou animus rem sibi habendi (vontade

de possuir para si). Também só existe detenção se há apenas

vontade de possuir para outrem ou em nome de outrem, como

no caso de locação, comodato, usufruto etc. (GONÇALVES,

2012, P. 52).

A presente teoria foi aceita em sua totalidade por um bom tempo,

contudo, encontrou-se defasada diante dos preceitos estabelecidos pelo jurista

Ihering.

Na teoria objetiva de Ihering, a posse consiste no exercício de algum

dos direitos essenciais à propriedade, independentemente do aspecto subjetivo

do possuidor, qual seja sua intenção, sendo necessário haver o poder de fato

sobre a coisa e a exteriorização da propriedade traduzida no dispositivo legal

(NADER, 2016, p. 63).

Para o jurista, detenção nada mais é que uma posse, a qual em

virtude da lei se abreviou em detenção, sendo assim, será detenção apenas a

hipótese elencada na lei, como por exemplo, os artigos 1.198 e 1.208 do

Código Civil (GONÇALVES, 2012, P. 53).

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Seguindo essa linha, Flávio Tartuce (2017, p. 606) afirma:

Teoria objetiva ou objetivista. Teve como principal expoente

Rudolf von Ihering, sendo certo que para a constituição da

posse basta que a pessoa disponha fisicamente da coisa, ou

que tenha a mera possibilidade de exercer esse contrato. Esta

corrente dispensa a intenção de ser dono, tendo a posse

apenas um elemento, o corpus, como elemento material e

único fator visível e suscetível de comprovação. O corpus é

formado pela atividade externa do possuidor em relação à

coisa, agindo este com o intuito de explorá-la economicamente.

Entre as duas teorias alhures mencionadas, o nosso Código Civil de

2002 adotou de forma parcial a teoria objetiva de Ihering, conforme estabelece

o artigo 1.196 do CC, "Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem

de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à

propriedade" (TARTUCE, 2017, p. 606; BRASIL, 2002).

É possível encontrarmos em doutrinas modernos a teoria

denominada de eclética tendo como precursor Saleilles, onde, após criticas às

duas teorias mencionadas, o jurisconsulto defendeu que a posse seria a

reunião do corpus e animus. Para esta teoria, o corpus seria um conjunto de

fatos suscetíveis de descobrir uma relação permanente de apropriação

econômica, já no animus o possuidor há de realizar os fins econômicos a que

se destina a coisa (NADER, 2016, p. 63-64).

Todavia, esta teoria ainda vem amadurecendo gradativamente pelos

recentes doutrinadores, sendo que atualmente a teoria que prevalece é a

objetiva de Ihering.

1.2 Detenção

Não se pode confundir a temática da posse com a detenção, nesta

há dois elementos básicos, particulares e caracterizadores que aquela não

possui, quais sejam, a existência de um vínculo de dependência entre o

detentor e o titular da posse e em segundo lugar a detenção incide em nome

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do titular da posse e sob as suas instruções, sendo que o detentor mantém a

coisa em seu poder (NADER, 2016, p. 69).

Insta consignar que o Código Civil de 2002 em seu artigo 1.198,

identificou a figura do detentor, conceituando-o como:

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em

relação de dependência para com outro, conserva a posse em

nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas

(BRASIL, 2002).

Ressalta-se que o detentor não exerce sobre o bem uma posse

própria, mas sim uma posse em nome de outra pessoa. Já que não tem a

posse o detentor não pode invocar, em nome próprio as ações possessórias;

quem pode realizar tal ato jurídico é o titular do bem (TARTUCE, 2017, p. 609).

Todavia, o detentor tem legitimidade para defender a posse alheia

por meio da autotutela, ou seja, a própria força humana estabelecida no art.

1.210, § 1.º, do CC, assim assegura o enunciado doutrinário, da V Jornada de

Direito Civil: “O detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do

possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder” (Enunciado n. 493). O

art. 1.208, primeira parte, do CC acrescenta que não induzem posse os atos de

mera permissão ou tolerância (TARTUCE, 2017, p. 609).

Entre os casos de detenção tem-se como exemplo comum o caso de

um filho que pega o carro dos pais para ir à faculdade, neste caso, o filho será

o detentor da coisa, qual seja, o carro, já que tem o veículo em nome dos pais,

com quem tem relação de subordinação, bem como de responsabilidade.

Outro exemplo é o casei em relação ao imóvel de que cuida, pois ele

está exercendo uma posse em nome de outra pessoa, no caso o titular do

imóvel. E caso uma ação possessória seja dirigida indevidamente ao detentor,

este deverá nomear a autoria o titular.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinha deduzindo que a

ocupação irregular de terra pública não seria passível de indução da posse,

mais apenas de mera detenção, (STJ, REsp 556.721/DF, 2.ª Turma, Rel. Min.

Eliana Calmon, data da decisão: 15.09.2005).

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Contudo, em 2016 o STJ entendeu ser cabível o ajuizamento de

ações possessórias contra terceiro particular que invade a terra, (REsp

1484304/DF, Terceira Turma, Relatora Min. Moura Ribeiro, julgado em

10/03/2016, DJe 15/03/2016).

Para caracterizar a detenção é necessária a dependência entre o

detentor e o titular, este entendimento alhures firmado pelo STJ confirma essa

particularidade da detenção.

Depois de demonstrada a distinção entre posse e detenção, resta

fundar a linha de pensamento na qual o possuidor por estar exercendo uma

posse própria em nome próprio é discutível sua prescrição aquisitiva em bens

públicos.

Todavia, quanto ao detentor que não exerce sobre o bem uma posse

própria, mas sim uma posse em nome de outrem, não se amolda a ele uma

aquisição possessória de bens públicos, pois, a posse sequer está sendo

cumprida em seu nome.

2 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Diante das teorias e conceitos acerca da posse e detenção, bem

como suas aplicações ao mundo fenomênico, a doutrina contemporânea, tendo

como expoentes Raymond Saleilles, Silvio Perozzi e Antonio Hernandez Gil,

discorrem sobre a função social da posse (TARTUCE, 2017, p. 607).

Devido as transformações e circunstâncias da vida cotidiana, o

direito criou uma teoria sociológica da posse, denominada de teoria da Função

Social da Posse, onde a posse só será legitima se atingida sua função social,

tal teoria preconiza que a posse tem autonomia em face da propriedade

(FIGUEIREDO, 2016, P. 124).

No Recurso Especial: Resp. 1424013 SC 2013/0401347-6, o relator

Ministro OG Fernandes de maneira belíssima defende o conceito de função

social da propriedade, expondo:

O acesso a terra, a solução dos conflitos sociais, o

aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a

utilização da propriedade dos recursos naturais disponíveis e a

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preservação do meio ambiente constituem elementos de

realização da função social da propriedade (STF, ADI 2.213-

MC).

A temática da função social tem seu início pautado na concepção de

que o homem deve empregar os esforços necessários ao ponto de dar seu

apoio ao bem estar da coletividade

Neste sentido, todo sujeito possui o dever social de desempenhar e

desenvolver da mais perfeito forma sua individualidade física, moral e

intelectual e deste modo desempenhar a função social (FIGUEIREDO, 2008).

Para a teoria da função social, o proprietário deve desempenhada

um crescimento social e utilizando a propriedade para as necessidades e fins

sociais (GONÇALVES, 2012, P. 229).

Esta concepção realça a importância de utilização do bem com o

objetivo de garantir o bem estar social, valorizando a coletividade e o bem

comum, contudo, não esquecendo da individualidade.

Diante de uma sociedade que transpira pobreza e miséria em seu

corpo, para a teoria da função social não seria viável adotar um modelo

tradicional e legal de aquisição dos bens.

Ao lado da função social a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III,

da CRFB) e o direito a uma moradia digna (art. 6.º da CRFB) abraçam a

possibilidade de uma prescrição aquisitiva levando em consideração princípios

legais. (TARTUCE, 2017, p. 607).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 expõe em

seu artigo 5º, inciso XXIII a garantia do instituto da função social da

propriedade. vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,

nos termos seguintes:

(…)

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (BRASIL,

1988).

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Bem como sendo possível sua visualização posteriormente no

Código Civil de 2002:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e

dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer

que injustamente a possua ou detenha.

§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em

consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e

de modo que sejam preservados, de conformidade com o

estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas

naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e

artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário

qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela

intenção de prejudicar outrem (BRASIL, 2002).

Assim certifica Paulo Nader (2016, p. 133) acerca da função social

da propriedade:

Ao efetivar a função social da propriedade, o legislador, ao

mesmo tempo em que estabelece mecanismos de conversão

da posse em domínio, seja com a multiplicação das

modalidades de usucapião ou com a posse-trabalho, que é

desapropriação indireta, penaliza a não utilização ou

subutilização da coisa de variados modos.

Apesar da função social da propriedade ser um direito fundamental

exposto pela Magna Carta, ela também pode trazer consigo algumas

delimitações como a conversão de uma suposta posse para um domínio, ou

também punir aquele que não utiliza a propriedade de modo a dar a ela sua

função social.

Considerando a função social em aspectos possessórios a

propriedade deve ser utilizada visando melhorias à coletividade, prevalecendo

o interesse público sobre o privado. Em casos específicos, o § 3º do artigo

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1228, estabelece a possibilidade de desapropriação da coisa, por iniciativa do

poder público, quando houver necessidade pública, utilidade pública ou

interesse social (art. 5º, inc. XXIV da CRFB) (NADER, 2016, p. 134; BRASIL

1988).

Insta consignar que, nos casos de desapropriação, devem receber

previamente uma justa indenização em dinheiro (NADER, 2016, p. 134).

Todavia, além dos casos mencionados, o Código Civil em seu artigo

1.228, § 4º e 2º, estipulou a possibilidade de uma nova desapropriação

chamada posse-trabalho ou pro labore, determinada pelo poder judiciário nos

casos de pose ininterrupta e de boa-fé por mais de cinco anos onde o individuo

desempenhe a função social da propriedade (GONÇALVES, 2012, P. 230).

Paulo Nader (2016, p. 135) estende seu conhecimento diante do

tema:

Na sequência das disposições do art. 1.228, o legislador

ordinário cuidou da chamada posse-trabalho ou pro labore. A

figura em pauta é situação especialíssima, que exige um

conjunto de requisitos: a) o objeto deve consistir de extensa

área; b) posse ininterrupta e de boa-fé, durante mais de cinco

anos, por considerável número de pessoas; c) execução, pelos

possuidores, em conjunto ou separadamente, de obras ou

serviços de interesse social e economicamente relevantes, a

critério do juiz.

Na posse-trabalho constitui conditio sine qua non que o individuo

desempenha a função social da propriedade, ou seja, utilize ela buscando o

bem da coletividade.

Ressalta-se que esta forma de desapropriação não se confunde com

a usucapião, já que tem como condição generalizadora a justa indenização ao

proprietário, bem como sua previsão legal. Além disso, os aspectos

processuais também são extremamente distintos, pois a posse pro labore será

feita nos autos da ação de reivindicação ajuizada pelo dono, ai então os

ocupantes deverão oferecer seu pleito, ou seja, mediante reconvenção

(NADER, 2016, p. 135).

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3 BENS PÚBLICOS.

Os bens públicos podem ser conceituados como espaços corpóreos

ou incorpóreos, móveis ou imóveis e semoventes, que caibam às entidades

estatais, autárquicas, fundacionais, empresas governamentais e pessoas de

direito privado prestadoras de serviço público de modo a serem utilizados direta

ou indiretamente para a sociedade (MEIRELLES, 2004, p. 493).

Corroborando com o entendimento firmado, o catedrático Flavio

Tartuce esclarece:

Bens públicos ou do Estado – São os que pertencem a uma

entidade de direito público interno, como no caso da União,

Estados, Distrito Federal, Municípios, entre outros (art. 98 do

CC). Na IV Jornada de Direito Civil, concluiu se que o rol

constante do art. 98 do CC é meramente exemplificativo

(numerus apertus) e não taxativo (numerus clausus). Nesse

sentido, prevê o Enunciado n. 287 do CJF/STJ que “O critério

da classificação de bens indicado no art. 98 do Código Civil

não exaure a enumeração dos bens públicos, podendo ainda

ser classificado como talo bem pertencente à pessoa jurídica

de direito privado que esteja afetado à prestação de serviços

públicos (TARTUCE, 2017, p. 144)

Deste modo, os bens de uso comum do povo de uso especial e os

dominicais são apenas moldes, não havendo taxatividade quanto aos bens

estabelecidos pelo artigo 98 do CC.

O artigo 99 do Código Civil classifica os bens públicos como:

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas,

ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos

destinados a serviço ou estabelecimento da administração

federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas

autarquias;

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III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas

jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou

real, de cada uma dessas entidades. (BRASIL, 2002).

Os bens de uso comum do povo, estabelecidos no inciso I, são

aqueles destinados à utilização do público em geral sem precisar de

autorização para utilizar, sendo aproveitado igualmente por todos, sem

qualquer limitação. Sendo desnecessário qualquer tipo de consentimento ou

autorização do poder público para utilizar os bens. Ressalta-se que esses bens

não perdem a propriedade de uso comum se o Estado regulamentar seu uso

de modo oneroso. (TARTUCE, 2017, p. 144)

Tais bens podem ser utilizados normalmente pelo Poder Público,

apesar de serem destinados à população, podendo até mesmo impedir o uso

pela coletividade, desde que comprove o interesse público. (MARINELA , 2016,

p. 1004).

Já os bens de uso especial são aqueles que objetivam auxiliar no

desempenho das atividades administrativas, bem como seus serviços, sendo

assim, podem ser caracterizados como sendo bens de propriedade das

pessoas jurídicas de direito público utilizados para a prestação de serviços

públicos, podendo citar como exemplos hospitais públicos, escolas, edifícios

(ALEXANDRINO, 2016, P. 1037).

Assim aclara a catedrática Fernanda Marinela:

Os bens de uso especial, também chamados bens do

patrimônio administrativo, que são os destinados

especialmente à execução dos serviços públicos e, por isso

mesmo, considerados instrumentos desses serviços. É o

aparelhamento material da Administração para atingir os seus

fins. (MARINELA , 2016, p. 1004)

Por fim, os bens dominicais são os que não têm uma destinação

pública determinada, podendo ser visto como aqueles bens residuais que não

se enquadram como de uso comum do povo ou de uso especial são bens

dominicais. (CARVALHO, 2017, p. 1093).

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Deste modo, os bens dominicais são os pertencentes ao acervo do

Poder Público, sem destinação exclusiva, sem desígnio pública, não estando,

portanto, afetados. Sendo situado por exclusão, como por exemplo as terras

sem destinação pública específica, as terras devolutas. (MARINELA , 2016, p.

1004)

Flávio Tartuce ainda esclarece acerca da temática:

Finalizando, para muitos estudiosos do Direito, na classificação

de bens, está superada a dicotomia público e privado

apontada. Surge o conceito de bem difuso, sendo seu exemplo

típico o meio ambiente, protegido pelo art. 225 da Constituição

Federal e pela Lei 6.938/1981, visando à proteção da

coletividade,de entes públicos e privados. O Bem Ambiental é,

nessa visão englobadora, um bem difuso, material ou imaterial,

cuja proteção visa assegurar a sadia qualidade de vida das

presentes e futuras gerações. Essa é a melhor concepção civil

constitucional de meio ambiente, visando à proteção das

presente e futuras gerações, ou seja, amparando-se direitos

trans geracionais ou inter geracionais (TARTUCE, 2017, p.

145).

Além dos bens mencionados, existem outros que podem ser

enquadrados como bens públicos.

A lei 11.284/2006 estabelece que sejam públicas todas as florestas

localizadas nos entes públicos e nas pessoas jurídicas componentes da

Administração Indireta. sendo assim, a proteção dos bens públicos, abrange

inclusive entidades com regime de direito privado (CARVALHO, 2017, p. 1091).

As terras devolutas, também são bens públicos, mais

especificamente enquadrados como bens dominicais, pois, são espaços

indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortalezas e edificações militares e

de cuidado ambiental, conforme preconizado pelo artigo 20, II da Constituição

da República Federativa do Brasil (ALEXANDRINO, 2016, P. 1045).

Por determinação de defesa e segurança nacional, conforme o art.

20, inciso VII da CRFB, os terrenos da marinha pertencem à união e com isso

são considerados bens públicos. (ALEXANDRINO, 2016, P. 1045).

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Ainda, conforme o artigo 20, inciso III e IV da CRFB, as ilhas fluviais

e lacustres, as praias marítimas; as ilhas oceânicas, as costeiras, lagos, rios e

quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais

de um Estado pertencem à união e com isso são consubstanciados bens

públicos (ALEXANDRINO, 2016, P. 1047).

A Constituição da República Federativa do Brasil, por sua vez, em

seu artigo 20, incisos III e IV, classifica lagos, rios e quaisquer correntes de

água em terrenos de seu domínio, as ilhas fluviais e lacustres nas zonas

limítrofes com outros países e as como terrenos reservados e terrenos

marginais.

Os denominados terrenos reservados também são considerados

bens públicos, e estabelecidos pelo Código das Águas (Decreto n. 24.643, de

10 de julho de 1934):

Art. 14. Os terrenos reservados são os que, banhados pelas

correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a

distância de 15 metros para a parte de terra, contados desde o

ponto médio das enchentes ordinárias.

As Áreas de Preservação Permanente (APP) instituídas pelo Código

Florestal (Lei nº 4.771 de 1965 e alterações posteriores), e consistem em

espaços territoriais legalmente protegidos, também são considerados bens

públicos

Ainda acerca da Área de Preservação Permanente, segundo a Lei n.

12.651, de 25 de maio de 2012, Código Florestal, define a APP:

Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em

zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene

e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha

do leito regular, em largura mínima de:

a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10

(dez) metros de largura;

(...).

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A Lei n. 9.760, de 5 de setembro de 1946 em seu artigo 1º também

dispõe a respeito de área da União e dos requisitos indispensáveis,

estabelecendo como bens imóveis da união os terrenos de marinha e seus

acrescidos, os terrenos marginais dos rios navegáveis, em Territórios Federais,

os terrenos marginais de rios e as ilhas, as estradas de ferro, instalações

portuárias, telégrafos, telefones, fábricas oficinas e fazendas nacionais, dentre

outros.

A mesma lei em seu artigo 20 ainda esclarece e corrobora quanto

indevidamente ocupados, invadidos, turbados na posse, ameaçados de

perigos, cabem os remédios admitidos legalmente para defender os bens da

união.

Estas são espécies de bens públicos estabelecidos pelo

ordenamento jurídico brasileiro.

4 POSSE DE BENS PÚBLICOS

Em aspectos inteiramente legais, os bens públicos supracitados

possuem uma natureza singular de inelienabilidade, não podendo figurar como

bens suscetíveis de aquisição possessória.

Para estruturar e corroborar com o seguinte argumento, o

ordenamento jurídico consubstancia em seu escopo algumas demonstrações

de impossibilidade de aquisição dos bens públicos. Vejamos:

O Código Civil estabelece:

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso

especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua

qualificação, na forma que a lei determinar.

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados,

observadas as exigências da lei.

Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

Insta consignar que, apesar do artigo 101 do CC estabelecer que

"Os bens públicos dominicais podem ser alienados observados as exigências

da lei", esta exigência legal está atrelada à desafetação, ou seja, uma mudança

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de destinação do bem, visando incluir bens de uso comum do povo, ou bens de

uso especial. Não sendo sequer uma exceção à inalienabilidade (TARTUCE,

2017, p. 145).

A constituição da República Federativa do Brasil expõe:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até

duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,

ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua

moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que

não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

(...)

§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou

urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem

oposição, área de terra, em zona rural, não superior a

cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou

de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a

propriedade.

Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por

usucapião.

A súmula 340 do Supremo Tribunal Federal também estende

as mesmas razões:

Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os

demais bens públicos, não podem ser adquiridos por

usucapião.

Em precedente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ),

como no "REsp 556.721/DF, 2.ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, data da

decisão: 15.09.2005", a tomada de bens públicos não pode ser qualificada

como posse, mas sim como uma simples detenção, o que afasta o direito a

manejar ações no âmbito possessório (TARTUCE, 2017, p. 609).

Entretanto, em 2016 nasceu uma disposição do STJ contraponto os

seus próprios argumentos alhures mencionados.

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O REsp 998.409DF da Terceira Turma, DJe 3/11/2009 - informativo

579 do STJ tornou possível concluir que a ocupação de área pública não seria

detenção, mas de uma posse precária, com isso, o ocupante poderia propor

ações possessórias contra terceiros (TARTUCE, 2017, p. 609).

Deste modo, para o STJ o melhor termo a ser utilizado quando se

trata de posse em bens públicos é uma “posse precária” e não detenção,

contudo, não há qualquer erro em utilizar a expressão detenção, aqui se fala

em um melhor termo.

Vejamos um caso:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AJUIZAMENTO DE

AÇÃO POSSESSÓRIA POR INVASOR DE TERRA PÚBLICA

CONTRA OUTROS PARTICULARES. É cabível o ajuizamento

de ações possessórias por parte de invasor de terra pública

contra outros particulares. Inicialmente, salienta-se que não se

desconhece a jurisprudência do STJ no sentido de que a

ocupação de área pública sem autorização expressa e legítima

do titular do domínio constitui mera detenção (REsp 998.409-

DF, Terceira Turma, DJe 3/11/2009). (...). De fato, o animus

domni é evidente, a despeito de ele ser juridicamente

infrutífero. Inclusive, o fato de as terras serem públicas e,

dessa maneira, não serem passíveis de aquisição por

usucapião, não altera esse quadro. Com frequência, o invasor

sequer conhece essa característica do imóvel. Portanto, os

interditos possessórios são adequados à discussão da melhor

posse entre particulares, ainda que ela esteja relacionada a

terras públicas. REsp 1.484.304-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro,

julgado em 10/3/2016, DJe 15/3/2016.

Diante destes atuais argumentos do STJ é possível haver dúvidas

acerca da posse de bens públicos, pois se alguém pode ajuizar ação

possessória contra terceiro invasor, pressupõe-se que esse é possuidor do

bem para ser legitimo ativo de uma ação possessória.

A posse de bens públicos em questão está atrelada a uma posse

precária, porém, no momento em que o ocupante do local ajuíza uma ação

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possessória, está sendo discutida apenas a melhor posse entre os particulares,

contudo, não se pode presumir que esta ação servirá de uma titulo declaratório

como as demais demanda possessórias.

Além disso, é necessário frisar em aspectos processuais que, o

ocupante deve no momento em que demandar contra o terceiro invasor,

nomear a autoria em preliminar de contestação ao ente público que detiver real

posse do bem (GONÇALVES, 2012, P. 56).

Pode-se, ainda, dizer que não há posse de bens públicos,

principalmente depois que a Constituição Federal de 1988 proibiu a usucapião

especial de tais bens conforme artigos 183 § 3º e 191 parágrafo único ambos

da CRFB) (GONÇALVES, 2012, P. 56; BRASIL, 1988).

Nesse sentido decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo na RT

803/226 estabeleceu:

Reintegração de posse. Área que se constitui em bem público,

subjetivamente indisponível e insuscetível de usucapião. Mera

detenção, sendo irrelevante o período em que perdura. Liminar

concedida (RT, 803/226, p. 2318).

Deste modo, em aspectos legais, os bens públicos não são

suscetíveis de aquisição possessória, visto que seu caráter público não permite

a utilização unitária.

Assim, corroborando com a impossibilidade de aquisição de bens

públicos a jurisprudência assevera:

Informativo nº 0336 do STJ. Período: 15 a 19 de outubro de

2007. Segunda Turma. AGRG. AÇÃO POPULAR. EMPRESA

PÚBLICA. ALIENAÇÃO.IMÓVEL. PRESCRIÇÃO.

A Turma negou provimento ao agravo regimental, ao

argumento de que a ação popular prescreve em cinco anos

(art. 21 da Lei n. 4.717/1965), (...). Ainda que se trate de

usucapião, salientou o Min. Relator que, muito embora a

empresa pública possua natureza privada, gere bens públicos

pertencentes ao DF e, como tais, não são passíveis de

usucapião. Precedentes citados: REsp 337.447-SP, DJ

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19/12/2003; REsp 527.137-PR, DJ 31/5/2004, e REsp 695.928-

DF, DJ 21/3/2005. AgRg no Ag 636.917-DF, Rel. Min. João

Otávio de Noronha, julgado em 16/10/1007.

“MANUTENÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO DE ÁREA

PÚBLICA, ADMINISTRADA PELA “TERRACAP –

COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA”.

INADMISSIBILIDADE DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA.

A ocupação de bem público não passa de simples detenção,

caso em que se afigura inadmissível o pleito de proteção

possessória contra o órgão público. Não induzem posse os

atos de mera tolerância. Precedentes do STJ. Recurso especial

conhecido e provido”. (REsp 489.732/DF, Rel. Ministro

BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em

05.05.2005, DJ 13.06.2005, p. 310).

Todavia, a confecção do presente artigo se dirige ao questionamento

de uma possível aquisição de bens públicos que se encontram por algum

motivo desocupados há dias, meses e anos.

Conforme já mencionado, o §1º do artigo 1.228 do Código Civil

mostra que o direito de propriedade dever ser exercido em consonância com as

suas finalidades, isto é, buscando o fim social da propriedade. (NADER, 2016,

p. 133).

Em uma linha mais humanitária e voltada aos direito fundamentais, a

função social da propriedade está entrelaçada a necessidade de uma moradia

digna, na melhoria da qualidade de vida, em todas as suas extensões, bem

como, na dignidade da pessoa humana, conforme artigo 5°, incisos XXII, XXIII

da CRFB (GONÇALVES, 2012, P. 56; BRASIL, 1988).

Assim, visando à utilização da propriedade de forma ampla e para

todos, a função social tenta retirar a posse daqueles que não a utilizam, de

modo a atingir sua finalidades.

Contudo, o ponto central está alicerçado em até que ponto a função

social da propriedade pode orientar e sobrepesar a interpretação, as regras de

hermenêutica, para que um princípio tenha mais valia que o outro nos casos

em concreto.

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No processo comportando como parte autora o Departamento de

Estradas Rodagem Estado Minas Gerais e réus Ivonete Aparecida Gonçalves

Tito e outros, o magistrado Marcelo Pereira da Silva, na época responsável

pela Vara da Fazenda Pública de Coronel Fabriciano, preferiu uma decisão nos

autos nº 0112383-35.2010.8.13.0194, mais especificamente nas fls. 291/295v,

onde julgou procedente o pleito das partes rés para a reivindicação da

propriedade, consagrando seu juízo de valor na tese de licitude para declarar o

domínio do imóvel aos requeridos, sendo a sentença ato declaratório para se

oportunizar o registro no cartório de imóveis.

O Nobre magistrado pautou sua decisão nos fins sociais da

propriedade, bem como, na impossibilidade de demonstração pela parte autora

de ser bem público.

Pois bem, o caso supracitado se encontra incomum, pois o imóvel

da lide é considerado bem público, sendo alegado pelo Departamento de

Estradas e Rodagens de Minas Gerais (DER/MG) como insuscetíveis que uma

prescrição aquisitiva.

O patrono das partes autoras, Dr. Leonardo Bezigiter Sena,

esclarece seus argumentos defensivos.

"Nossa defesa foi fundamentada no sentido de que a absoluta

impossibilidade de usucapião sobre bens públicos é

equivocada, justamente por ofender o princípio constitucional

da função social da posse". (TARTUCE, Flávio. Sentença de

MG reconhece usucapião de bem público, 2014. Disponível

em:https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/noticias/136402006/sen

tenca-de-mg-reconhece-usucapiao-de-bem-publico>. Acesso

em: 14 jun. 2018).

Inconformada com a decisão de primeiro grau, o Departamento de

Estradas e Rodagens de Minas Gerais interpôs recurso de apelação, alegando

ser proprietário do imóvel, sendo assim, a autarquia preconizou apenas a

detenção do imóvel. Pugnando pela reforma da sentença; conforme institui o

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em Apelação número Única

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0112383-35.2010.8.13.0194 que tramita pela 5 Câmara Cível, com Relator:

Des. Carlos Levenhagen e data de cadastramento: 10/12/2013.

Contudo, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por meio

dos Desembargadores Barros Levenhagen (Relator), Versiani Penna (Revisor)

e Luis Carlos Gambogi proferiram acórdão negando provimento ao recursos,

pois, o entenderam que “animus domini” estabelece condição para a usucapião

e com isso configura-se a posse, além disso o apelante não provou os fatos

alegados. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação, 5ª

Câmara Cível. Numeração Única 0112383-35.2010.8.13.0194. Relator: Des.

Carlos Levenhagen. Reivindicação < Propriedade < Coisas < DIREITO CIVIL.

Data Cadastramento: 10/12/2013).

É manifesto que o julgado alhures mencionado não confirma a

possibilidade de posse em bens públicos, todavia, atesta uma expectativa a

aqueles que necessitam de um imóvel para viver.

Em decisão de primeiro grau o Nobre Promotor de Justiça Aníbal

Tamaoki expôs acerca do caso:

“Não se pode permitir num país como o Brasil, em que,

infelizmente, milhões de pessoas ainda vivem à margem da

sociedade, que o Estado, por desídia ou omissão, possa

manter-se proprietário de bens desafetados e sem qualquer

perspectiva de utilização para o interesse público, se

desobrigando ao cumprimento da função social da

propriedade”.

A questão pode parecer de fácil conclusão, contudo, não se saber

até que ponto a função social da propriedade pode ser utilizada para a

aquisição de um imóvel.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Deste modo, diante do alhures descrito, resta visível a prevalência

de que os bens públicos são insuscetíveis de posse, pois tanto nossa Magna

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Carta, quanto o Código Civil são claros em estabelecer esta característica aos

bens públicos.

Estruturando uma linha de defesa pautada em aspectos legais, os

bens públicos são insuscetíveis de posse, pois, o texto não possibilita a

aquisição prescritiva.

Premissas como a função social da propriedade ou até mesmo a

moradia, são aspectos relevantes para o presente tema, contudo, não são

capazes de orientar e sobrepesar a interpretação, as regras de hermenêutica,

para que um princípio tenha mais valia que o outro nos casos em concreto.

Apesar da função social da propriedade ou até mesmo da moradia,

nossa Constituição da República Federativa do Brasil é classificada como

nominativa, ou seja, regula o processo político do Estado, mas não conseguem

realizar este objetivo, por não atenderem à realidade social. Diferentemente de

uma Constituição normativa que regula efetivamente o processo político do

Estado, por corresponderem à realidade política e social.

Além disso, seria uma afronta direta à Constituição da República

Federativa do Brasil acreditar em uma posse diante de bens públicos, visto que

ela veda diretamente tal aspecto.

Frisa-se no caso hipotético de um poder constituinte originário ou

derivado reformador em que retirasse texto legal que impossibilite a aquisição

de bens públicos, seria a depender da casuística, possível pensarmos na

atuação da função social da propriedade em detrimento da inalienabilidade dos

bens públicos.

O mundo é modificável, assim como nosso ordenamento jurídico,e

apesar de predominar a impossibilidade de posse dos bens públicos a função

social da propriedade vem ganhando força.

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REFERÊNCIAS

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NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, Volume 4. Rio de Janeiro: Forense, 2016. RT, 803/226. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, Volume Único. Rio de Janeiro: Método, 2017. ______, Flávio. Sentença de MG reconhece usucapião de bem público, 2014. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/noticias/136402006/sentenca-de-mg-reconhece-usucapiao-de-bem-publico>. Acesso em: 14 jun. 2018. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação, 5ª Câmara Cível. Numeração Única 0112383-35.2010.8.13.0194. Relator: Des. Carlos Levenhagen. Reivindicação < Propriedade < Coisas < DIREITO CIVIL. Data Cadastramento: 10/12/2013).