Bíblia Pastoral - Erros

9
Sociedade Católica - Pro Catholica Societate Sobre a Bíblia Sagrada - Edição Pastoral Categoria : Doutrina Católica Publicado por Anamaria em 14/8/2009 Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” D. Estevão Bettencourt, osb. Nº 342 – Ano 1990 – Pág. 514 Em síntese: A “Bíblia. Edição Pastoral”, em tradução e notas de Ivo Storniolo e Euclides Balancin, não preenche a finalidade que se propõe. Inspirada por ideologia marxista, deturpa as concepções da história sagrada e da teologia; a leitura materialista aplicada ao texto sagrado torna a mensagem imanentista, fazendo-a perder o seu caráter transcendental. O Vocabulário do fim do volume e as notas de rodapé dão as chaves de interpretação dos livros bíblicos; a própria tradução portuguesa, num ou noutro ponto, deturpa o sentido do texto sagrado. Em conseqüência, deve-se lamentar a difusão de tal obra nos ambientes eclesiásticos do Brasil. A Pastoral não significa incitamento à luta de classes e às divisões entre os homens. As Edições Paulinas publicaram uma nova tradução da Bíblia dita “Pastoral” (BP), acompanhada de notas de rodapé e Vocabulário, que vêm suscitando perplexidade: há os que defendem tal edição, devida a Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin, como sendo “o livro ideal” (ver “Jornal de Opinião”, 1-7/7/90, p. 3). Mas há também os que a impugnam com argumentos sérios, mostrando graves falhas na inspiração básica e na confecção de tal tarefa. O assunto já foi abordado em PR 337/1990, pp. 285s. Voltamos ao problema, aduzindo novas observações, provenientes, em grande parte, de D. João Evangelista Martins Terra S. J., Bispo Auxiliar de Olinda-Recife, Membro da Equipe Teológica do CELAM e da Pontifícia Comissão Bíblica. 1. Três observações básicas A tradução do texto bíblico da Edição Pastoral é aceitável com algumas ressalvas, que indicaremos à p. 523s deste artigo. Todavia, as notas de pé de página e o Vocabulário, encontrado às pp. 1616-23, pretendendo dar a chave de leitura e interpretação da Bíblia, são alheios à Tradição bíblica judeo-cristã e distorcem a mensagem sagrada para o setor da ideologia sócio-político-econômica. Sem o perceber, o leitor desprevenido vai absorvendo uma concepção filosófica não cristã sob a capa de Palavra de Deus. Isto se depreende facilmente desde que se dê um pouco de atenção ao Vocabulário dessa Edição. 1.1. O elenco do Vocabulário Eis os principais verbetes que interessam aos estudos e ao linguajar bíblicos ou os principais vocábulos da mensagem bíblica tomada como tal: Aarão, Abel, Abraão, Ação de graças, Adão, Adoração, Adultério, Água, Alma, Anjo… http://www.sociedadecatolica.com.br 11/06/2010 10:05:00 / Page 1

description

Erros contidos na tradução da Bíblia - Edição Pastoral - Editora Paulus

Transcript of Bíblia Pastoral - Erros

  • Sociedade Catlica - Pro Catholica Societate

    Sobre a Bblia Sagrada - Edio PastoralCategoria : Doutrina CatlicaPublicado por Anamaria em 14/8/2009

    Revista: PERGUNTE E RESPONDEREMOSD. Estevo Bettencourt, osb.N 342 Ano 1990 Pg. 514

    Em sntese: A Bblia. Edio Pastoral, em traduo e notas de Ivo Storniolo e Euclides Balancin,no preenche a finalidade que se prope. Inspirada por ideologia marxista, deturpa as concepesda histria sagrada e da teologia; a leitura materialista aplicada ao texto sagrado torna a mensagemimanentista, fazendo-a perder o seu carter transcendental. O Vocabulrio do fim do volume e asnotas de rodap do as chaves de interpretao dos livros bblicos; a prpria traduo portuguesa,num ou noutro ponto, deturpa o sentido do texto sagrado. Em conseqncia, deve-se lamentar adifuso de tal obra nos ambientes eclesisticos do Brasil. A Pastoral no significa incitamento lutade classes e s divises entre os homens.

    As Edies Paulinas publicaram uma nova traduo da Bblia dita Pastoral (BP), acompanhada denotas de rodap e Vocabulrio, que vm suscitando perplexidade: h os que defendem tal edio,devida a Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin, como sendo o livro ideal (ver Jornal deOpinio, 1-7/7/90, p. 3). Mas h tambm os que a impugnam com argumentos srios, mostrandograves falhas na inspirao bsica e na confeco de tal tarefa. O assunto j foi abordado em PR337/1990, pp. 285s. Voltamos ao problema, aduzindo novas observaes, provenientes, em grandeparte, de D. Joo Evangelista Martins Terra S. J., Bispo Auxiliar de Olinda-Recife, Membro daEquipe Teolgica do CELAM e da Pontifcia Comisso Bblica.

    1. Trs observaes bsicas

    A traduo do texto bblico da Edio Pastoral aceitvel com algumas ressalvas, que indicaremos p. 523s deste artigo. Todavia, as notas de p de pgina e o Vocabulrio, encontrado s pp.1616-23, pretendendo dar a chave de leitura e interpretao da Bblia, so alheios Tradio bblicajudeo-crist e distorcem a mensagem sagrada para o setor da ideologia scio-poltico-econmica.Sem o perceber, o leitor desprevenido vai absorvendo uma concepo filosfica no crist sob acapa de Palavra de Deus. Isto se depreende facilmente desde que se d um pouco de ateno aoVocabulrio dessa Edio.

    1.1. O elenco do Vocabulrio

    Eis os principais verbetes que interessam aos estudos e ao linguajar bblicos ou os principaisvocbulos da mensagem bblica tomada como tal: Aaro, Abel, Abrao, Ao de graas, Ado,Adorao, Adultrio, gua, Alma, Anjo

    http://www.sociedadecatolica.com.br 11/06/2010 10:05:00 / Page 1

  • Bem diferentes so os verbetes do Lxico da Edio Pastoral dispostos segundo a ordem alfabtica:Aliana, Alienao, Amor, Autoridade, Auto-suficincia, Campo, Celebrao, Cidade, Comrcio,Compaixo, Comunidade, Conflito, Conscincia, Converso, Corrupo, Dinheiro, Direito,Discernimento, Dominao, Educao, Encarnao, Escravido, Esperana, Explorao, F,Fraternidade, Gratido, Herana, Histria, Idolatria, Injustia, Integridade, Jav, Jesus, Julgamento,Justia, Lei, Liberdade, Libertao, Liderana, Lucro, Memria, Poder,Produo, Projeto deDeus, Prosperidade, Represso, Riqueza, Roubo, Tributo, Violncia Estes vocbulos tmsua repercusso nas notas de rodap, inspirando uma doutrina que j no bblica, maspreponderantemente marxista. Os prprios vocbulos tipicamente bblicos que ocorrem no LxicoPastoral, so esvaziados de seu contedo prprio e caracterstico para assumir significaoideolgica. Assim, por exemplo:

    Aliana: o centro da Bblia. Deus se alia com os pobres e oprimidos para construir uma sociedadee uma histria voltadas para a vida.

    Ora de notar que a Aliana de Deus com os homens no comea na poca dos pobres eoprimidos, mas universal ou destinada a todos desde o incio; o segundo Ado, Jesus Cristo,Mediador da nova e definitiva Aliana, tem sua imagem ou seu esboo no primeiro Ado, pai de todaa humanidade, conforme Rm 5, 14; com os primeiros pais que Deus trava a primeira Aliana,voltada para todos os homens, conforme Eclo 17, 10.

    Amor: Mistrio de Deus e do homem. Gera a relao de onde brotam a liberdade e a vida.

    Celebrao: Reunio do povo para comemorar os fatos centrais da vida e conservar a lembranados acontecimentos que marcaram a caminhada do povo.

    Este conceito se aplica s celebraes cvicas, no, porm, s celebraes litrgicas, nas quais setorna presente e atuante a Pscoa (morte e Ressurreio) de Jesus Cristo para fazer que oshomens participem da obra da Redeno.

    Esperana: Dinamismo que mantm o povo aberto para realizar plenamente o projeto de Deus. Aesperana leva o povo a buscar transformaes econmicas, polticas, sociais e religiosas.

    Silencia-se o objeto supremo da esperana crist, que a vida eterna com a viso de Deusface--face.

    Fraternidade: Relao igualitria, onde todos, como irmos, podem participar das decises queconstroem a sociedade, e juntos usufruir dos bens que cada um produz.

    Jav: o misterioso Deus vivo que se manifesta respondendo ao clamor dos pobres e oprimidospara os libertar dos exploradores e opressores. Ele a fonte e a meta da liberdade e da vida. Poristo aliado daqueles que buscam liberdade e vida, opondo-se a todas as pessoas e estruturas queproduzem escravido e morte.

    Justia: Realizao do projeto de Deus. A justia se concretiza na partilha e na fraternidade,dirigindo-se a sociedade para a solidariedade e a paz. Exige, para todos, a distribuio igualitriados bens e a possibilidade de participar das decises que regem a vida e a histria do povo. NaBblia a justia eminentemente partidria, visando a defender a causa dos indefesos.

    http://www.sociedadecatolica.com.br 11/06/2010 10:05:00 / Page 2

  • Como se v, os conceitos bblicos so todos analisados em chave scio-poltica, que supe a lutade classes na sociedade.

    Duas noes merecem especial ateno.

    1.2. A Revelao

    Eis como a apresenta o Vocabulrio:

    Revelao: Manifestao de Deus atravs das realidades da vida e dos acontecimentos da histria.Mostra o caminho que o povo deve seguir. Exige a ateno do homem, pois Deus estcontinuamente se revelando.

    O conceito de Revelao que at hoje se prolonga, ambguo. A f catlica distingue:

    1) A Revelao de Deus normativa que manifesta o desgnio de Deus e os meios de salvao;encerra-se com Jesus Cristo, como diz a prpria S. Escritura: Outrora muitas vezes e de muitosmodos Deus falou aos pais pelos Profetas. No perodo final, em que estamos, falou-nos por meiodo Filho (Hb 1,1s).

    2) Aps Jesus Cristo, no h Revelao normativa; Deus proporciona os sinais dos tempos quereavivam no homem a conscincia das verdades da f, mas nada acrescentam de novo; estamosnos ltimos tempos relativamente doutrina (cf. 1Jo 2, 18).

    O Papa Pio X condenou explicitamente a proposio modernista que dizia:

    A Revelao que constitui o objeto da f catlica, no se encerrou com os Apstolos(Denzinger-Schnmetzer,Enchiridion n. 3421 [2021]).

    O Conclio do Vaticano II reafirmou a clssica doutrina:

    Jesus Cristo aperfeioa e completa a Revelao e a confirma com o testemunho divino de queDeus est conosco A economia crist, como aliana nova e definitiva, jamais passar, e no hque esperar nova revelao pblica antes da gloriosa manifestao de Nosso Senhor Jesus Cristo(cf. 1Tm 6,14 e Tt 2,13) (Const. Dei Verbum n. 4).

    V-se pois, que o Vocabulrio da Bblia Pastoral est longe do genuno pensamento catlico.

    1.3. Projeto de Deus

    Todo o Vocabulrio e as notas de rodap so perpassadas pela noo de projeto de Deus, que do sentido aos demais verbetes. Ocorre mais de seiscentas vezes na Edio Pastoral, e at mesmocinco ou seis vezes na mesma frase.

    Ora projeto de Deus no contexto dessa obra no uma noo teolgica; no significa nemProvidncia nem desgnio de Deus, mas, sim, algo de tipicamente marxista, como se depreende aseguir:

    Projeto de Deus: Aliando-se aos que so marginalizados pelo sistema injusto. Deus entra na

    http://www.sociedadecatolica.com.br 11/06/2010 10:05:00 / Page 3

  • histria com novo caminho: promover a liberdade e a vida para todos. Todavia esse projeto estsempre em conflito com o projeto das naes que aliceram sua riqueza e poder sobre a escravidoe a morte do povo. A luta para manter vivo dentro da histria o projeto de Deus o ponto de honrado povo de Deus.

    Como dito, a expresso projeto de Deus entra na composio de muitos outros verbetes doVocabulrio como um chavo ideolgico. Eis alguns espcimens:

    Comrcio: Atividade econmica fundamental da cidade, destinada a gerar lucro, explorao eriqueza. No projeto de Deus, o comrcio superado pela partilha e gratuidade.

    Conflito: Choque entre grupos que tm objetivos e interesses diferentes. Na Bblia, o principalconflito aparece entre o projeto de Deus para a vida e os projetos da auto-suficincia, que geram amorte.

    Conscincia: Compreenso que o povo tem da realidade, a partir do projeto de Deus. Ela demitizaa ideologia da classe dominante, e cria discernimento para se construir uma sociedade fundada najustia e na fraternidade.

    Educao: Relao entre geraes (pais-filhos), na qual se transmite a memria das lutas do povo,a fim de que a nova gerao aprenda com os erros e acertos de seus pais. Dessa forma, a novagerao poder criar caminhos novos e alternativos para realizar o projeto de Deus na histria. Astradies da Bblia se conservaram graas a esse processo.

    Encarnao: Deus encarna-se na vida e na histria humanas, mostrando o valor inestimvel queelas tm diante dele. A coerncia com a f exige que nos encarnemos tambm para que o projetode Deustransforme as estruturas polticas e econmicas, dirigindo a histria para a liberdade e avida.

    Propriedade: O direito de propriedade sagrado, e o mundo deve ser igualitariamente distribudoentre todos. A acumulao de propriedade, formando latifndios, e a especulao imobiliria socontrrias ao projeto de Deus.

    Ressurreio: Passagem da morte para a vida. No se refere apenas morte fsica, mas a todas asmortes geradas por projetos contrrios ao projeto de Deus.

    Sociedade: Grupo humano que realiza um projeto em comum, organizado em nvel econmico,poltico, social e ideolgico. Nem sempre a sociedade vive o seu projeto de acordo com o projeto deDeus, que provoca transformaes profundas nas relaes sociais.

    Estes poucos espcimens mostram que a mensagem bblica toda repensada e posta estritamentea servio de transformaes scio-poltico-econmicas imanentes, sem que haja acenos transcendncia para a qual devem caminhar o homem e a histria. A justia e a reta ordem socialneste mundo so germens do Reino de Deus, que s estar consumado no fim dos tempos ou noAlm, jamais no decorrer da histria. O materialismo marxista que julga poder prometer a plenarealizao das aspiraes dos homens no decurso da histria mediante a redistribuio dos meiosde produo material.

    2. A filosofia subjacente

    http://www.sociedadecatolica.com.br 11/06/2010 10:05:00 / Page 4

  • Quem l atentamente os verbetes do Vocabulrio e as notas de rodap da BP verifica que sodevedores ao que se chama a leitura materialista da Bblia. Esta no nega Deus e os valoresespirituais, mas julga que so super-estrutura ou derivados da infra-estrutura ou do jogo dos bensmateriais no curso da histria. Com outras palavras: supe que os fatores decisivos da histriasejam de ordem material (econmica) e poltica; a procura de posse dos bens materiais e do podermoveria todos os acontecimentos da histria e condicionaria a crena em Deus, o culto religioso e adefinio das normas morais. Adotando teses do marxismo, os fautores da leitura materialista daBblia contrapem entre si campo ecidade, como, alis, fazem I. Storniolo e E. Balancin:

    Campo: o polo fundamental da produo que sustenta a vida. explorado pela cidade.

    Cidade: Lugar da riqueza e do poder, que se concentram na mo de poucos, produzindo conflitos,principalmente com o campo (p. 1616).

    Partindo destes conceitos, os autores das notas da BPcomentam o texto bblico de maneira artificiale deformante:

    Assim, por exemplo, o livro do Gnesis refere que Lote se separou de Abrao, ficando aquele comas cidades, e este com os campos. A nota a Gn 13,1-18 diz ento o seguinte: L escolhe a regioonde esto as cidades; assim ele entra no mbito de uma estrutura que se sustenta graas explorao e opresso do povo. Abrao, ao invs, fica aberto para uma histria nova, fundadaunicamente no projeto de Deus (p. 26).

    O comentrio de Js 4,1-24 justifica a partilha da terra de Cana pelos filhos de Israel nos seguintestermos:

    Antes da instalao de Israel, Cana era um conjunto de cidades-Estado que oprimiam eempobreciam a populao camponesa, atravs do sistema tributrio. A conquista realizada porIsrael derrotou esse sistema e implantou o sistema das doze tribos, visando construir umasociedade justa e igualitria A nova gerao deve ser educada a no voltar para trs,reproduzindo o sistema social injusto (p. 244).

    Vejam-se as notas paralelas:

    S existe verdadeira paz quando se erradica completamente o sistema injusto que explora e oprimeo povo (p. 253).

    A conquista da terra destri um sistema classista injusto (p. 255).

    As Cidades-Estado de Cana justificavam a poltica opressora e exploradora dos seus reis (p.272).

    Sem poder mais explorar os camponeses e suas terras, tais cidades no conseguiram oferecersacrifcio seus armazns ficaram vazios por falta de trigo. Enquanto isso, os camponesesvitoriosos conseguiram livrar-se dos tributos e puderam gozar da fartura (p. 274).

    Para uma volta ao projeto de Jav, necessrio romper o sistema opressor das cidades (p.276).

    http://www.sociedadecatolica.com.br 11/06/2010 10:05:01 / Page 5

  • A leitura materialista da Bblia, julgando que as cidades se enriquecem mediante o tributo cobradodos camponeses, afirma que os tempos religiosos vm a ser centros econmicos e polticos nosquais se deposita o lucro resultante da explorao comercial e tributria. por isto que na p. 1237se l em rodap:

    No tempo de Jesus o templo (de Jerusalm) possui imensas riquezas e toda a cpulagovernamental age a partir da. Desse modo a casa de orao e ofertas a Deus se torna um imensoBanco e lugar de poder poltico. Em outras palavras, a religio se torna instrumento de explorao eopresso do povo.

    Desnecessrio dizer que esta descrio fantstica do Templo no tempo de Jesus carece de todabase histrica. Esse Templo, devido ao rei Herodes, ainda estava em fase de acabamento na pocade Jesus; as obras de decorao demoravam por falta de recursos, como descrevepormenorizadamente o historiador judeu contemporneo de Jesus, Flvio Jos (AntigidadesJudaicas 15, 380-425).

    Pelos mesmos motivos despropositado o comentrio feito em rodap a Mc 11,15 (expulso dosvendilhes do Templo):

    Acusando e atacando o comrcio existente dentro do Templo, Jesus retira as bases sobre as quaisse apoiava toda uma sociedade. Com efeito, era com esse comrcio que se sustentava grande parteda economia do pas. O gesto de Jesus mexe no s com um modo de vida religiosa, mas com todauma estrutura que usa a religio para estabelecer e assegurar privilgios de uma classe e sustentaruma viso mesquinha de salvao. Por isso, os que se favorecem desse sistema, pensam em matarJesus, mas temem o povo (p. 1298).

    Este comentrio fica longe da realidade histrica. O que ocorria no tempo de Jesus, era o seguinte:como em todos os santurios (ou mesmo como em todos os lugares onde se aglomera muita gente),no Templo de Jerusalm acorriam, nos dias de festa, camels e vendedoras ambulantes quearmavam suas bancas para vender alimentos, objetos para o culto (vtimas), lembranas ou parafazer o cmbio das moedas estrangeiras. Esses pequenos comerciantes prestavam servio aosmilhares de peregrinos que afluam ao Templo nas grande solenidades; mas o acmulo de gente,com suas necessidades, dava ocasio propcia ganncia e explorao. Entende-se ento queJesus tenha reagido contra esses abusos; tal reao, porm, no teve, em absoluto, as proporesque a Bblia Pastoral lhe atribui:

    Acusando e atacando o comrcio existente no Templo, Jesus retira as bases sobre as quais todauma sociedade se apoiava. De fato, era com esse comrcio que se sustentava grande parte daeconomia do pas. O gesto de Jesus abala no apenas um sistema de vida religiosa, mas toda umaestrutura que usa da religio para estabelecer e assegurar privilgios de uma classe e parasustentar uma viso mesquinha de salvao. Jesus apresentado como o rei legtimo, centro denova aliana: ele aclamado pelas crianas como o Messias. Aqueles que so privados de apoiooficial e de poder, esto prontos para receber Jesus, enquanto as autoridades o rejeitam (p. 1267).

    Eis alguns espcimens da leitura materialista realizada pelos responsveis da BP. No se encontranesta alguma aluso aos Santos Padres, Tradio e ao Magistrio da Igreja; o que a se incute, a perspectiva de uma sociedade estruturada segundo o marxismo e no a imagem do Reino deDeus em demanda de sua consumao escatolgica.

    http://www.sociedadecatolica.com.br 11/06/2010 10:05:01 / Page 6

  • Mc 8,27-33: A ao messinica de Jesus consiste em criar um mundo plenamente humano, ondetudo de todos e repartido entre todos. Esse messianismo destri a estrutura de uma sociedadeinjusta, onde h ricos custa de pobres, e poderosos custa de fracos. Por isto, essa sociedade vaimater Jesus antes que ele a destrua.

    este o comentrio a uma passagem evanglica que fala da morte e ressurreio de Jesus. Estasso simplesmente silenciadas pelos comentadores, como se no tivessem, antes do mais,importncia transcendental.

    Alm de se ressentir de inspirao ideolgica marxista, a Edio Pastoral comete seus errosteolgicos e exegticos, como se ver a seguir.

    3. Erros doutrinrios

    1. No tocante vida pstuma, os autores das notas parecem professar a ressurreio dos corposlogo aps a morte do indivduo, em desacordo com a doutrina oficial da Igreja e dos textos daprpria Bblia. Com efeito, eis o que se l p. 1476:

    Em Corinto alguns pensam que, depois da morte, a alma imortal continua vivendo sozinha Outrospensam que tudo termina com a morte Paulo mostra que ambas as opinies so contrrias aoncleo da f crist.

    Na verdade, a prpria S. Escritura (ou o prprio So Paulo) professa a sobrevivncia da alma sem ocorpo, ficando a ressurreio da carne reservada para o fim dos tempos. Ver, por exemplo:

    1Cor 15, 22-24a : Assim como todos morrem em Ado, em Cristo todos recebero a vida. Cada um,porm, em sua ordem: como primcias, Cristo; aqueles que pertencem a Cristo, por ocasio da suavinda (parusia). A seguir, haver o fim.

    1Ts 4,16s: Quando o Senhor, ao sinal dado, voz do arcanjo e ao som da trombeta divina, descerdo cu, ento os mortos em Cristo ressuscitaro primeiro; em seguida, ns, os vivos que estivermosl, seremos arrebatados com eles nas nuvens para o encontro com o Senhor nos ares.

    Estes dois textos situam a ressurreio dos mortos no momento da parusia ou da segunda vinda deCristo. Entre a morte do corpo e a ressurreio no fim dos tempos, a alma separada do corpogoza da sua sorte eterna (bem-aventurada, se a pessoa morreu em graa):

    2Cor 5,8: Estamos cheios de confiana, e preferimos deixar a manso deste corpo para ir morarjunto do Senhor.

    Fl 1,23: Meu desejo partir e estar com Cristo, pois isto me muito melhor.

    Lc 23, 43: Disse Jesus ao bom ladro pouco antes de morrer: Em verdade eu te digo: Hoje estarscomigo no paraso.

    A Congregao para a Doutrina da F explicitou esta doutrina numa Instruo datada de17/05/1979, onde se l:

    http://www.sociedadecatolica.com.br 11/06/2010 10:05:01 / Page 7

  • 3) A Igreja afirma a sobrevivncia e a subsistncia, depois da morte, de um elemento espiritual,dotado de conscincia e de vontade, de tal modo que o eu humano subsista, mesmo sem corpo.Para designar esse elemento, a Igreja emprega a palavra alma, consagrada pelo uso que delafazem a Sagrada Escritura e a Tradio. Sem ignorar que este termo tomado na Bblia emdiversos significados, Ela julga, no obstante, que no existe qualquer razo sria para o rejeitar econsidera mesmo ser absolutamente indispensvel um instrumento verbal para sustentar a f doscristos

    5) A Igreja, em conformidade com a Sagrada Escritura, espera a gloriosa manifestao de nossoSenhor Jesus Cristo, que Ela considera como distinta e diferida em relao quela condio prpriado homem imediatamente depois da morte.

    6) A Igreja, ao expor a sua doutrina sobre a sorte do homem aps a morte, exclui qualquerexplicao que tirasse o sentido Assuno de Nossa Senhora naquilo que ela tem de nico; ouseja, o fato de ser a glorificao corporal da Virgem Santssima uma antecipao da glorificao queest destinada a todos os outros eleitos.

    2. Algumas vezes as notas de rodap da BP, de ndole histrica, so derivadas da Bblia deJerusalm. Mas nem sempre de modo inteligente. Assim, por exemplo, no comentrio de Ex 23,14-19 a Bblia Pastoral repete o mesmo erro que j ocorria na Bblia de Jerusalm em portugus,afirmando que a festa das Semanas era celebrada durante sete semanas ou cinqenta dias (p. 96).Ora a Festa das Semanas, chamada Pentecostes em grego, era celebrada cinqenta dias aps ocomeo da colheita, como explicam Dt 16,9 e Lv 23,16, mas no durava cinqenta dias; durava umdia apenas!

    3. A BP traduz 1Cor 7, 36-38 nos seguintes termos:

    Se algum, transbordando de paixo, acha que no conseguir respeitar a noiva, e que as coisasdevem seguir o seu curso, faa o que quiser. No peca; que se casem. Ao contrrio, se algum, porfirme convico, sem constrangimento e no plano uso de sua vontade, resolve respeitar a sua noiva,est agindo bem. Portanto, quem se casa com sua noiva faz bem; e quem no se casa, procedemelhor ainda.

    Ora o texto grego original fala de virgem (parthnos), e no de noiva (nymphe). A traduo clssica apresentada pela Bblia de Jerusalm:

    Se algum julga agir de modo inconveniente para com a sua virgem, deixando-a passar da flor daidade, e que portanto deve cas-la, faa o que quiser; no peca. Que se realize o casamento! Masaquele que, no seu corao, tomou firme propsito, sem coao e no pleno uso da prpria vontade,e em seu ntimo decidiu conservar a sua virgem, esse procede bem. Portanto procede bem aqueleque casa a sua virgem; e aquele que no a casa, procede melhor ainda.

    Em nota a Bblia de Jerusalm alude traduo adotada pela BP como sendo pouco habitual. A BPprefere a nova maneira de traduzir, sem dar informaes sobre o seu carter muito hipottico.

    4. Concluso

    louvvel a inteno de tornar o texto bblico acessvel e compreensvel ao maior nmero possvelde leitores. Isto, porm, no significa incutir determinada opo ideolgica, de mais a mais que a

    http://www.sociedadecatolica.com.br 11/06/2010 10:05:01 / Page 8

  • ideologia marxista se apresenta ao mundo de hoje como fracassada e ultrapassada. A Justia Social sumamente desejvel, sim; ela decorre da prpria mensagem bblica que a Doutrina Social daIgreja, atravs das encclicas papais, vem desenvolvendo e aplicando aos nossos tempos. A Igrejano precisa de recorrer a sistemas heterogneos para propor aos homens a autntica mensagem dasalvao.

    Notemos a grande responsabilidade que toca a tradutores e editores da Bblia: a linguagem do textosagrado penetra e forma a mentalidade do povo que a l. A traduo de Lutero plasmou a lnguaalem. Permita Deus que a sua santa Palavra no sirva de instrumento para levar o povo cristo deteriorao e a desvios da f!

    Fonte: ( Prof. Felipe Aquino http://blog.cancaonova.com/felipeaquino/)

    http://www.sociedadecatolica.com.br 11/06/2010 10:05:01 / Page 9