Bioética: A Ética Da Vida

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ANTONIO BENTO BETIOLI

Bacharel em Filosofia, Teologia e Direito Canônico pelo Instituto Redentorista de Estudos Superiores (IRES).Professor de Introdução ao Direito e Ciência Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana

Mackenzie. Advogado da União (AGU) e Chefe da Divisão Jurídica da Superintendência Regional do Trabalho eEmprego/SP. Advogado Credenciado junto ao Tribunal Eclesiástico Regional de Apelação de São Paulo. Tradutor

Público e Intérprete Comercial/Idioma: Latim.

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Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: R. P. TIEZZI XProjeto de Capa: RAUL CABRERA BRAVOImpressão: COMETA GRÁFICA E EDITORASetembro, 2013

R

Betioli, Antonio Bento

Bioética, a ética da vida : (onze temas) / Antonio Bento Betioli.— São Paulo : LTr, 2013.

Bibliografia

1. Bioética 2. Dignidade humana 3. Valores (Ética) 4. Vida humana I. Título.

13-03333 CDD-179.7

1. Bioética : Vida humana : Dignidade : Filosofia moral 179.7

2. Vida humana : Dignidade : Bioética : Filosofia moral 179.7

Versão impressa - LTr 4800.8 - ISBN 978-85-361-2665-4

Versão digital - LTr 7649.1 - ISBN 978-85-361-2767-5

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Ao Dr.Geraldo Rocha Mello, presença amiga nas horas incertas.

Amicus certus in re incerta cernitur.

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SUMÁRIO

PPPPPREFÁCIOREFÁCIOREFÁCIOREFÁCIOREFÁCIO ................................................................................................................... 15

AAAAAPRESENTAÇÃOPRESENTAÇÃOPRESENTAÇÃOPRESENTAÇÃOPRESENTAÇÃO .......................................................................................................... 17

I — BI — BI — BI — BI — BIOÉTICAIOÉTICAIOÉTICAIOÉTICAIOÉTICA

TTTTTEMAEMAEMAEMAEMA 1 1 1 1 1ÉÉÉÉÉTICATICATICATICATICA DADADADADA V V V V VIDAIDAIDAIDAIDA

1. ÉTICA, MORAL E DIREITO.......................................................................................... 24

2. CONCEITO E INÍCIO DA BIOÉTICA ............................................................................... 31

3. CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA BIOÉTICA ..................................................................... 35

4. BIOÉTICA E CIÊNCIA ................................................................................................. 36

5. BIOÉTICA E BIODIREITO ............................................................................................ 37

6. TEORIAS BIOÉTICAS .................................................................................................. 38

6.1. A BIOÉTICA SECULAR ....................................................................................... 38

A) ÉTICA LAICA .............................................................................................. 38

B) ÉTICA MÍNIMA ........................................................................................... 39

C) PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA E DA BENEFICÊNCIA ............................................ 39

D) CONCEITO DE PESSOA ................................................................................. 40

E) OBJEÇÕES .................................................................................................. 41

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6.2. A BIOÉTICA CONFESSIONAL ............................................................................... 41A) CRIAÇÃO................................................................................................... 41B) NATUREZA ................................................................................................ 41C) PESSOA ..................................................................................................... 42D) OBJEÇÕES .................................................................................................. 42

6.3. A BIOÉTICA PRINCIPIALISTA .............................................................................. 43A) AUTONOMIA .............................................................................................. 45B) NÃO MALEFICÊNCIA .................................................................................... 46C) BENEFICÊNCIA ............................................................................................ 46D) JUSTIÇA ..................................................................................................... 47E) JUÍZO CRÍTICO ............................................................................................ 48

6.4. A BIOÉTICA EXISTENCIAL .................................................................................. 49A) EXISTÊNCIA POTENCIAL ............................................................................... 50B) EXISTÊNCIA RELACIONAL ............................................................................. 50C) EXISTÊNCIA TEMPORAL ............................................................................... 50D) JUÍZO CRÍTICO ........................................................................................... 51

6.5. DIFERENÇA PRINCIPAL ..................................................................................... 52

TTTTTEMAEMAEMAEMAEMA 2 2 2 2 2A PA PA PA PA PESSOAESSOAESSOAESSOAESSOA H H H H HUMANAUMANAUMANAUMANAUMANA

7. BIOÉTICA E PESSOA HUMANA .................................................................................... 538. PERSPECTIVAS CONCEITUAIS DE PESSOA ...................................................................... 54

8.1. PERSPECTIVA COSMOLÓGICA ............................................................................ 548.2. PERSPECTIVA METAFÍSICA ............................................................................... 558.3. PERSPECTIVA TEOLÓGICA ................................................................................ 568.4. PERSPECTIVA MORAL ...................................................................................... 578.5. PERSPECTIVA EXISTENCIAL ............................................................................... 58

9. CONCEITO DE PESSOA ............................................................................................... 609.1. RACIONALIDADE E AUTOCONSCIÊNCIA ............................................................... 619.2. AUTONOMIA .................................................................................................. 629.3. COMUNICAÇÃO ............................................................................................... 639.4. AUTOTRANSCENDÊNCIA ................................................................................... 63

10. DIGNIDADE DA PESSOA ........................................................................................... 6410.1. CONCEITO DE DIGNIDADE ............................................................................... 64

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10.2. RACIONALIDADE E DINAMICIDADE ................................................................... 65

10.3. VALOR-FONTE .............................................................................................. 66

10.4. CONCLUSÃO ................................................................................................. 67

II — CII — CII — CII — CII — COMEÇOOMEÇOOMEÇOOMEÇOOMEÇO DADADADADA V V V V VIDAIDAIDAIDAIDA

TTTTTEMAEMAEMAEMAEMA 3 3 3 3 3QQQQQUANDOUANDOUANDOUANDOUANDO C C C C COMEÇAOMEÇAOMEÇAOMEÇAOMEÇA AAAAA V V V V VIDAIDAIDAIDAIDA H H H H HUMANAUMANAUMANAUMANAUMANA?????

11. ESTATUTO ANTROPOLÓGICO DO EMBRIÃO ................................................................. 7112. QUANDO COMEÇA A PESSOA? .................................................................................. 73

12.1. ESCOLA GENÉTICA ......................................................................................... 7412.2. ESCOLA DA MATURIDADE RACIONAL ................................................................ 7412.3. ESCOLA FENOMENOLÓGICA ............................................................................. 75

13. DOUTRINA TRADICIONAL ........................................................................................ 76A) A VIDA HUMANA É BEM PESSOAL ......................................................................... 76B) A VIDA HUMANA É BEM DA COMUNIDADE ............................................................. 76C) A VIDA HUMANA É DOM RECEBIDO DE DEUS E A DEUS PERTENCE ............................ 76D) EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO GERAL ........................................................................... 77

14. CONCLUSÃO .......................................................................................................... 77

TTTTTEMAEMAEMAEMAEMA 4 4 4 4 4O AO AO AO AO ABORTOBORTOBORTOBORTOBORTO

15. NOÇÃO DE ABORTO ............................................................................................... 7916. TIPOLOGIA DO ABORTO .......................................................................................... 80

16.1. ABORTO TERAPÊUTICO .................................................................................. 8116.2. ABORTO EUGÊNICO ....................................................................................... 8216.3. ABORTO HUMANITÁRIO ................................................................................. 8216.4. ABORTO PSICOSSOCIAL................................................................................... 8216.5. INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO POR ANENCEFALIA ................................................ 83

17. SOCIOLOGIA DO ABORTO ........................................................................................ 8418. AVALIAÇÃO MORAL DO ABORTO .............................................................................. 85

A) SAGRADAS ESCRITURAS ....................................................................................... 85B) IGREJA CATÓLICA ............................................................................................... 85C) CONFLITO DE VALORES ....................................................................................... 85D) REFLEXÃO TEOLÓGICO-MORAL ............................................................................ 85

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19. AVALIAÇÃO DA DOUTRINA TRADICIONAL .................................................................. 8620. ANÁLISE FENOMENOLÓGICA DO ABORTO ................................................................... 8721. CONCLUSÃO .......................................................................................................... 89

— LEGISLAÇÃO E DOUTRINA ................................................................................... 891. CÓDIGO PENAL BRASILEIRO................................................................................. 892. CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO (ART. 2º) ................................................................... 893. HAVERIA NO BRASIL ABORTO LEGAL? ................................................................... 89

TTTTTEMAEMAEMAEMAEMA 5 5 5 5 5RRRRREPRODUÇÃOEPRODUÇÃOEPRODUÇÃOEPRODUÇÃOEPRODUÇÃO H H H H HUMANAUMANAUMANAUMANAUMANA A A A A ASSISTIDASSISTIDASSISTIDASSISTIDASSISTIDA

22. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL (IA) .............................................................................. 9223. FECUNDAÇÃO IN VITRO (FIVTE) ........................................................................... 9424. VARIANTES DA FECUNDAÇÃO IN VITRO ..................................................................... 95

A) TRANSFERÊNCIA INTRATUBÁRIA DE GAMETAS (TIG) ............................................. 95B) INJEÇÃO INTRACITOPLASMÁTICA DO ESPERMATOZOIDE (ICSI) ................................. 95C) TRANSFERÊNCIA DE CITOPLASMA .......................................................................... 95D) FECUNDAÇÃO SEM ESPERMATOZOIDES .................................................................. 96

25. CONGELAMENTO DE EMBRIÕES ................................................................................ 9626. MATERNIDADE DE ALUGUEL .................................................................................... 9627. ABORDAGEM ÉTICA................................................................................................ 97

— LEGISLAÇÃO E DOUTRINA ................................................................................. 1021. A LEI DE BIOTECNOLOGIA N. 8.974/95 ............................................................. 1022. CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA ................................................................................ 1023. RESOLUÇÃO N. 1.358/92 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA .......................... 1024. RESOLUÇÃO N. 196/96 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE................................ 103

III — AIII — AIII — AIII — AIII — ADEUSDEUSDEUSDEUSDEUS ÀÀÀÀÀ V V V V VIDAIDAIDAIDAIDA

TTTTTEMAEMAEMAEMAEMA 6 6 6 6 6OOOOORTOTANÁSIARTOTANÁSIARTOTANÁSIARTOTANÁSIARTOTANÁSIA

(O (O (O (O (O DIREITODIREITODIREITODIREITODIREITO DEDEDEDEDE MORRERMORRERMORRERMORRERMORRER DIGNAMENTEDIGNAMENTEDIGNAMENTEDIGNAMENTEDIGNAMENTE)))))

28. CONCEITO DE MORTE ........................................................................................... 107

29. “DIREITO DE MORRER” ......................................................................................... 108

30. EXIGÊNCIAS DO DIREITO DE MORRER DIGNAMENTE .................................................. 109

31. A FILOSOFIA DO “HOSPICE” ................................................................................... 109

32. OS CINCO ESTÁGIOS NO PROCESSO DA MORTE ......................................................... 111

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PRIMEIRO ESTÁGIO: NEGAÇÃO E ISOLAMENTO ......................................................... 111SEGUNDO ESTÁGIO: RAIVA .................................................................................... 111TERCEIRO ESTÁGIO: BARGANHA ............................................................................. 111QUARTO ESTÁGIO: DEPRESSÃO .............................................................................. 112QUINTO ESTÁGIO: ACEITAÇÃO ............................................................................... 112

33. TESTAMENTO VITAL ............................................................................................. 112

TTTTTEMAEMAEMAEMAEMA 7 7 7 7 7EEEEEUTANÁSIAUTANÁSIAUTANÁSIAUTANÁSIAUTANÁSIA

34. CONCEITO .......................................................................................................... 11435. SITUAÇÕES EUTANÁSICAS ...................................................................................... 11536. AVALIAÇÃO MORAL ............................................................................................. 116

— LEGISLAÇÃO E DOUTRINA ................................................................................. 117

TTTTTEMAEMAEMAEMAEMA 8 8 8 8 8DDDDDISTANÁSIAISTANÁSIAISTANÁSIAISTANÁSIAISTANÁSIA

37. CONCEITO DE DISTANÁSIA .................................................................................... 11838. SITUAÇÕES DISTANÁSICAS ..................................................................................... 11939. AVALIAÇÃO MORAL DA DISTANÁSIA ....................................................................... 119

39.1. TÉCNICAS DE REANIMAÇÃO .......................................................................... 12039.2. O DIREITO DE MORRER ................................................................................ 12039.3. CONCLUSÃO ............................................................................................... 121— LEGISLAÇÃO E DOUTRINA ................................................................................. 1221. PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS .................................................................. 1222. O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA ................................................................ 122

IV — SIV — SIV — SIV — SIV — SEGUNDAEGUNDAEGUNDAEGUNDAEGUNDA C C C C CHANCEHANCEHANCEHANCEHANCE DEDEDEDEDE V V V V VIDAIDAIDAIDAIDA

TTTTTEMAEMAEMAEMAEMA 9 9 9 9 9TTTTTRANSPLANTESRANSPLANTESRANSPLANTESRANSPLANTESRANSPLANTES EEEEE D D D D DOAÇÃOOAÇÃOOAÇÃOOAÇÃOOAÇÃO DEDEDEDEDE Ó Ó Ó Ó ÓRGÃOSRGÃOSRGÃOSRGÃOSRGÃOS

40. HISTÓRICO ......................................................................................................... 12641. DIFICULDADES PARA O TRANSPLANTE ..................................................................... 12742. POLÍTICA NACIONAL DE DOAÇÃO ......................................................................... 12843. RECUSA DE TRANSFUSÃO DE SANGUE E A AUTONOMIA DA VONTADE ........................... 12944. MERCADO HUMANO DE ÓRGÃOS ............................................................................ 130

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45. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 133— LEGISLAÇÃO E DOUTRINA ................................................................................. 1331. LEI DE REGÊNCIA ............................................................................................. 1332. DOAÇÃO PRESUMIDA ........................................................................................ 1333. TRANSPLANTE INTERVIVOS ................................................................................ 1334. TRANSFUSÃO DE SANGUE ................................................................................... 134

TTTTTEMAEMAEMAEMAEMA 10 10 10 10 10EEEEENGENHARIANGENHARIANGENHARIANGENHARIANGENHARIA G G G G GENÉTICAENÉTICAENÉTICAENÉTICAENÉTICA

46. GENÉTICA, ENGENHARIA GENÉTICA E BIOTECNOLOGIA .............................................. 13547. NOVA GENÉTICA E DNA ..................................................................................... 13748. PROJETO GENOMA HUMANO (PGH) .................................................................... 13849. BIOÉTICA E CEREAIS TRANSGÊNICOS ....................................................................... 14050. EUGENIA ............................................................................................................ 140

50.1. DEFINIÇÃO DE EUGENIA ............................................................................... 14150.2. “RAZÃO EUGÊNICA” .................................................................................... 14250.3. O RECURSO À RAZÃO EUGÊNICA .................................................................... 14350.4. CRITÉRIOS ÉTICOS ....................................................................................... 143

TTTTTEMAEMAEMAEMAEMA 11 11 11 11 11CCCCCÉLULASÉLULASÉLULASÉLULASÉLULAS-T-T-T-T-TRONCORONCORONCORONCORONCO

51. CLONAGEM ......................................................................................................... 14651.1. CLONAGEM HUMANA ................................................................................... 14751.2. CLONAGEM REPRODUTIVA ............................................................................ 14851.3. CLONAGEM TERAPÊUTICA ............................................................................. 148

52. NATUREZA DO EMBRIÃO HUMANO ......................................................................... 14853. O USO DE CÉLULAS-TRONCO ................................................................................. 15154. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 157

— LEGISLAÇÃO E DOUTRINA ................................................................................. 1581. LEI DA BIOSSEGURANÇA .................................................................................... 1582. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DO GENOMA HUMANO E DOS DIREITOS DO HOMEM

(APROVADA EM 11.11.1997) ........................................................................ 159

CCCCCONCLUSÃOONCLUSÃOONCLUSÃOONCLUSÃOONCLUSÃO ............................................................................................................. 165

BBBBBIBLIOGRAFIAIBLIOGRAFIAIBLIOGRAFIAIBLIOGRAFIAIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 167

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ARTIGO I

FICA DECRETADO

QUE AGORA VALE A VERDADE,

QUE AGORA VALE A VIDA,

E QUE DE MÃOS DADAS,

TRABALHAREMOS TODOS PELA VIDA VERDADEIRA!

Thiago de Mello, biopoeta

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PREFÁCIO

Honra-me Antonio Bento Betioli com o convite para prefaciar o seu livroBioética, a Ética da Vida. A solicitação representa para mim um grande desafio,quer pela complexidade dos assuntos versados na obra, quer por sua atualidade.

As matérias enfocadas no livro são com efeitos atuais ao extremo. Temascomo a reprodução assistida, o transplante de órgãos, a engenharia genética e aspesquisas com células-tronco, fruto dos avanços técnicos e científicos das últimasdécadas, impõem-se hoje, em toda a sua crueza, às considerações de umaHumanidade que se encontra no mínimo perplexa com o que pôde realizar... oproblema que se planteia a todos nós, neste dealbar do terceiro milênio, não éo da técnica em si; é, ao revés, o dos limites éticos para o uso de tal técnica.

O livro se desenvolve com a abordagem de onze temas, sendo que todosse imbricam mutuamente. Além disso, a ordem em que estão dispostos ostemas é, do ponto de vista metodológico, irretocável. Ei-la: “Ética da Vida”,“A Pessoa Humana”, “Quando Começa a Vida Humana?”, “O Aborto”,“Reprodução Humana Assistida”, “Ortotanásia”, “Eutanásia”, “Distanásia”,“Transplantes e Doação de Órgãos”, “Engenharia Genética” e “Células--Tronco”.

A sequência dos assuntos, bem como a clareza e a concisão do estilorevelam o professor que é Antonio Bento Betioli, um daqueles homens que,segundo a crença dos antigos gregos, os deuses do Olimpo amaldiçoaram como dom de ensinar.

Em sua conclusão, o autor patrício traz à baila a opinião de AntonioHortelano, Doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, quepeço vênia para transcrever parcialmente: “Quanto a muitos dos novosproblemas, que o mundo moderno nos propõe, o melhor que pode fazer o

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moralista nestes casos é reconhecer com toda humildade que ainda não temrespostas definitivas a muitos destes desafios e é preciso dar tempo ao tempopara amadurecer algumas de nossas opções morais de última hora.” Em suma,o autor italiano recomenda prudência para o enfrentamento dos novos temaspropostos à reflexão ética. Aqui como alhures, pois a virtude estaria no termomédio encontrado pelo homem prudente, como o preconiza Aristóteles noLivro II, VI, da “Ética Nicomaquéia”. A menção ao estagirita me traz ao espíritoo que costumava dizer Aloysio Ferraz Pereira, meu saudoso mestre nas Arcadas,a propósito da crise — que é sobretudo ética — da nossa época: “O Mundoprecisa voltar a Aristóteles”.

Falei do Antonio Bento Betioli professor, sendo ele, aliás, um professorexcelente. Mas tenho que me referir também, neste Prefácio, ao fino humanistae ao homem culto que ele é. É a sua invejável cultura humanística que lhepermite versar, com profundidade e erudição, os árduos problemas éticos deque se ocupa nesta obra notável. E o Professor Betioli realiza ainda o prodígiode, explanando um assunto tão amplo, manter-se fiel à lição dos velhosretóricos, qual seja: “Esto brevis et placebis”, ou em vernáculo, “Sê breve eagradarás.”

Por derradeiro, devo dizer que Antonio Bento Betioli é meu amigo. DizAristóteles, no Livro VIII, I, da “Ética Nicomaquéia”, que a amizade é umavirtude ou vai acompanhada de virtude, e é, ademais, a coisa mais necessáriada vida. Anoto que a amena e profícua convivência que tenho tido com oautor, no corpo docente da Faculdade de Direito da Universidade PresbiterianaMackenzie, corrobora a lição do filósofo sobre a amizade. E é como amigoinclusive — além de admirador do colega — que auguro pleno êxito ao livroora vindo à luz.

São Paulo, fevereiro de 2013.

Acacio Vaz de Lima FilhoAdvogado. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade

Presbiteriana Mackenzie e Sócio do Instituto Brasileiro de Filosofia.

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APRESENTAÇÃO

A vida humana é uma centelha que brota, uma chama que vacila entredois oceanos desconhecidos: o oceano que a antecede e aquele que a sucede.No entanto, é uma grande dádiva. Damos-lhe um valor inestimável. Nadanem ninguém vale mais que uma vida. “Uma vida não vale nada, mas nadavale uma vida”, dizia Malraux em Os Conquistadores (Une vie ne vaut rien,mais rien ne vaut une vie).

Esta obra reflete a preocupação com os problemas relacionados com avida humana, uma vez que a bioética cuida da dignidade e do significado davida. Não é uma obra de moral religiosa ou confessional, muito menospretendeu ser uma obra teológica. Procura antes apresentar uma informaçãogeral e global num contexto pluralista, para fins de promover e defender avida. Do início até o fim, procuramos nos colocar no horizonte da reflexãofilosófica, uma vez que, queiramos ou não, nossas sociedades modernas sãocada dia mais pluralistas e seculares. E numa sociedade pluralista e secular éimperativo adotar uma linguagem da razão, a linguagem da filosofia, pararefletir sobre a vida moral.(1)

A intenção não foi impor conclusões ao leitor, mas deixar que ele façasua própria descoberta, realize seu processo de descobrimento (ou alétheia,no conceito grego). A verdade, mais do que adaequatio intellectus et rei(adequação do entendimento com a coisa), é descobrimento lento e progressivo,e sempre parcial. Não há descobrimento total, absoluto. Escreveu Zubiri: tudoo que descobre, encobre. O leitor terá, assim, diante de si, um panorama dos

(1) Trata-se de texto introdutório e didático, no qual utilizamo-nos de reflexões sobretudo de OlintoPegoraro. Doutor em Filosofia pela Universidade Católica de Louvain na Bélgica e Marciano Vidal.Professor na Pontifícia Universidade de Comillas em Madri e na Academia Alfonsiana em Roma.

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temas principais da bioética, com a possibilidade de ver as vantagens e osinconvenientes de cada uma de suas teorias. Nessas causas, somos todos juízes.Ninguém fala pelo outro. Quando assumimos como própria uma ou outrateoria, é porque acreditamos que se ajusta ao que pensamos ou sentimos;melhor, ao que vivemos. Não é a vida que serve às teorias, mas as teorias é queservem à vida.(2)

Nas últimas décadas do século 1920, a bioética ganhou particular destaque.Sobretudo por causa dos avanços das ciências médicas que levantaram, econtinuam levantando, novos questionamentos à consciência moral. Entre osmuitos problemas que integram a bioética, selecionamos um tema central ealguns temas específicos.

O tema central é a pessoa humana, considerada em seus vários enfoques:cosmológico, metafísico, teológico, moral e existencial. Vale ressaltar, indepen-dentemente de um juízo de valor, a contribuição inestimável da fenomenologiaque, com uma concepção do homem como ser relacional, elaborou umaimagem flexível do ser humano, apresentando-se como capaz de dialogar comas diferentes convicções ético-filosóficas e tecnocientíficas. Para a teoriapersonalista da pessoa, como substância individual definitivamente dada desdea concepção biológica, prevalece uma maneira isolacionista de discutir ética ebioética; não é possível, por exemplo, dialogar eticamente sobre concepção invitro, formas de clonagem terapêutica e muito menos reprodutiva.

Por sua vez, há na vida dois momentos básicos: o nascimento e a morte.“A morte pertence à vida, como pertence o nascimento. O caminhar tantoestá em levantar o pé como em pousá-lo no chão” (Tagore, em PássarosErrantes, CCXVII). Ou como dizia o poeta: “A porta da vida é como um porto:uma porta de entrada e de saída. Nascer é uma morte. Morrer, um nascimento.Viver é um momento de viagem a toda sorte” (Miguel de Unamuno).Nascimento e morte são, de fato, os dois grandes enigmas da condição humana,e o que a eles se refere repercute no interior do homem e nas estruturas sociaise culturais. Esta é a razão dos temas específicos da bioética nessas duas fases,quando se analisa o valor da vida humana no seu começo e na fase terminal.Quanto ao seu começo, a vida corre o risco de não ser respeitada, em facesobretudo do aborto e da reprodução humana assistida. Em relação ao adeus àvida, surgem as questões da ortotanásia, eutanásia e distanásia.

Terminamos com algumas considerações sobre o que se poderia chamarde uma segunda chance de vida: os transplantes e doação de órgãos e aspesquisas com células-tronco.

(2) Diego Gracia no prefácio a Para fundamentar a bioética de Jorge José Ferrer e Juan Carlos Álvarez.São Paulo: Loyola, 2005. p. 11-16.

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O autor realizou os trabalhos de pesquisa no refúgio da casa de seu filho,Carlos Tocantins Betioli, em Cuiabá, afastado dos ruídos de uma metrópolecomo São Paulo. Agradeço a ele e à sua esposa Jeane Cerutti Betioli a atençãocom que me cercaram durante esse período. Escrever um livro é uma aventura.Lê-lo, também, dizia Diego Gracia. O que se espera é que todos, na riqueza dapluralidade, sejamos paladinos da dignidade humana e promotores de vidacom qualidade, pela vivência efetiva da ética da vida.

Cuiabá/MT — 2011

Antonio Bento Betioli

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IBIOÉTICA

A Bioética, mais do que um capítulo, é o novo nascimento da ética. Ela estabelece umaponte entre a tradição histórica da ética com os desafios atuais levantados pelabiotecnologia e biomedicina. Isso significa que não se quer inventar uma nova ética donada. Trata-se de pensar eticamente, hoje, os novos problemas humanos com apoio naexperiência ética da história.

A biotecnologia está, de fato, transformando a relação do homem com a natureza emgeral e em especial com a sua própria realidade natural. Com outras palavras, o homem,hoje, é capaz de manipular a vida. Estamos perante um mundo novo que demanda umaética nova adequada às novas condições da vida. Por exemplo, a produção de serestransgênicos, a manipulação do genoma humano, o uso das células-tronco para pesquisacientífica, as novas modalidades de intervenção científica nos fetos e embriões. E naoutra ponta da vida, a eutanásia e a distanásia, esta prolongando-a de modo inútil epenoso, aquela procurando abreviá-la.

Haverá limites nesta aventura? Cabe à bioética, perante esses novos problemas humanostrazidos com os avanços da ciência, reinterpretar as novas formulações da ética, cuidandoda vida nas suas três modalidades de existir: humana, animal e vegetal.

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1. Ética, moral e direito; 2. Conceito e início da bioética; 3.Características básicas da bioética; 4. Bioética e ciência; 5. Bioéticae biodireito; 6. Teorias bioéticas.

O ser humano possui três singularidades que o diferenciam de qualquerindivíduo de outra espécie animal: a de estar geneticamente capacitado paraser sujeito de cultura (capaz de utilizar a linguagem simbólica), ser sujeitoreligioso (achar-se aberto à transcendência) e ser sujeito ético (poder fazerjuízos de valor, distinguindo entre bem e mal).

Quanto a esta última singularidade humana, é um fato constatado quetodas as sociedades humanas tiveram códigos éticos ou morais mais ou menossofisticados. Entendemos que alguns desses códigos são intrínsecos (poderíamosdizer genéticos) à própria natureza humana (não matar, cuidar da prole etc.);outros são adquiridos através do meio cultural (a educação, as normas) e podemvariar, portanto, com a evolução dos costumes. Isso não quer dizer que osvalores éticos sejam hereditários, mas que os indivíduos da espécie homosapiens estão geneticamente determinados como seres capazes de ser éticos.O comportamento ético das pessoas é o resultado de uma complexa influênciacultural (herança cultural) que utiliza ou dinamiza uma capacidade geneti-camente determinada (herança biológica). Com outras palavras, não se herdauma ética concreta, mas a capacidade de seguir ou escolher uma determinadaética.(3)

(3) LACADENA, Juan Ramón. Manipulação genética. In: VIDAL, Marciano (org.). Ética teológica: conceitosfundamentais, Petrópolis: Vozes, 1999. p. 416.

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1. ÉTICA, MORAL E DIREITO

a) Ética. A palavra “ética” vem do grego éthos.(4) Em grego, ethos temduas grafias diferentes: encontramos um éthos escrito com eta e outro escritocom epsilon. Escrito com eta, significava originalmente “morada” ou “lugarde residência”. Mais tarde, veio a ter a acepção que historicamente foi a maiscomum na tradição filosófica do Ocidente: significa “caráter” ou “índole”, istoé, a disposição fundamental de uma pessoa diante da vida. Escrito com epsilon,pode ser traduzido por “hábito” ou “costume”, ou seja, refere-se aos atosconcretos e particulares, por meio dos quais a pessoa realiza seu projeto devida.

b) Moral. Por sua vez, a palavra “moral” vem do latim mos, que tantopode significar “costume” como “caráter” ou gênero de vida. O termo moralisvem de mores (plural de mos), sendo um neologismo cunhado por Cíceropara traduzir o grego éthika. Ao tentar fazer uma filosofia dos costumes(mores), dá-se conta de que lhe falta a palavra adequada em latim, enriquecendoa língua latina com um novo vocábulo. Assim se justifica: “Porque trata doscostumes (moribus), que os gregos chamam ethos, nós, os romanos,costumamos chamar essa parte da filosofia de moribus. Mas parece-nosconveniente enriquecer a língua latina chamando de “moral” essa parte dafilosofia”.(5)

c) Moral refletida e moral vivida. Por essas razões, os termos “ética” e“moral” são empregados, às vezes, como sinônimos, às vezes como sendo algodiferente. Quem usa os dois termos indistintamente, como sinônimos, o fazfundamentado na etimologia das palavras. E como vimos, sob o ponto de vistaetimológico, ética e moral têm idêntico conteúdo semântico. Todavia, aetimologia não é o único critério para determinar o significado das palavras.Todas as línguas evoluem e é preciso ater-se a essa evolução. Em relação aos

(4) Há uma distinção entre ethos e pathos. Por páthos se entende tudo o que nos foi dado pela natureza,sem que nós tenhamos contribuído ativamente para sua existência. Assim, por exemplo, nosso patrimôniogenético, a posição social de nossa família, o lugar de nascimento e até boa parte dos valores e hábitosque possuímos poderiam ser atribuídos ao páthos. Se o páthos se refere ao recebido passivamente, oéthos se refere, pelo contrário, ao esforço ativo e dinâmico da pessoa que dá ao recebido formaverdadeiramente humana. Com o éthos entramos no âmbito da liberdade e, por conseguinte, no âmbitodo biográfico e do estritamente moral. Ver Marciano Vidal sobre o relacionamento entre ethos e pathosem Moral de atitudes. Aparecida: Santuário, 1983. p. 27-28. t. 1: moral fundamental.

(5) “Nos eam partem philosophiae de moribus appelare solemus, sed decet augentem linguam Latinamnominare moralem” (De fato). Quintiliano afirma a mesma coisa: “éthos, cuius nomine, ut ego quidemsentio caret sermo romanus, mores appelantur: atque inde pars quoque illa philosophiae éthika, moralisest dicta” (Institutiones oratoriae, liber 6, II). Ver tb. MORA, Ferrater. Dicionário.

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termos “ética” e “moral”, eles foram utilizados ao longo da história com diversossignificados e com relações distintas entre ambos.

Quanto aos que fazem uma distinção semântica entre moral e ética, oentendimento clássico de “ética” era o do estudo filosófico dos fundamentos,dos princípios, dos deveres, e dos demais elementos da vida moral. Trata-se,em suma, da teoria filosófica sobre a moralidade. O termo “moral” aplicava--se, pelo contrário, à consideração prática dos casos concretos, ou seja, paradesignar a arte de aplicar a teoria filosófica (a ética) aos problemas concretosda vida moral. Problemas práticos cabiam aos “moralistas”; estes eram os quese dedicavam a dar conselhos morais nos casos particulares; os filósofos, porseu turno, ocupavam-se da teoria da vida moral (da ética).

Hoje, com frequência, o termo “ética” é reservado para a disciplina filosófica(ou teológica) que estuda racionalmente a conduta humana, sob o ponto devista dos deveres e das virtudes morais. Ou: a parte da Filosofia que trata dedizer como as pessoas e os grupos devem atuar, buscando fundamentarracionalmente as normas e critérios pelos quais se devem reger as pessoas e osgrupos em suas atuações (HORTAL). O termo “moral” é reservado para se referiraos códigos normativos concretos, vigentes nas diversas comunidades humanas.Trata-se, pois, da moral vivida, aceita pelas pessoas e grupos, sem que tenhasido necessariamente submetida à mediação da crítica racional sistemática.(6)

O fato é que a palavra ética veio, aos poucos, adquirindo sentido genérico,bem mais extenso do que lhe foi atribuído por Aristóteles, o primeiro a tratardesse assunto. Distinguimos, portanto, entre a vida moral (moral vivida) e osaber moral (moral refletida). A vida moral ou “moral vivida”, que SantoAlberto Magno chama de ethica utens, acontece biograficamente em cada umdos seres humanos. Mas as nossas atuações morais, muitas vezes (talvez namaior parte das vezes), não estão fundamentadas racionalmente; acontecemsem necessidade de um conhecimento profundo da teoria moral. O saber moralou “moral refletida”, por sua vez, é o conhecimento fundamentado da mora-lidade, que chamamos de ética. Refere-se à reflexão sobre a vida moral; trata--se da “moral formulada” ou “moral pensada” na terminologia de Aranguren,ou da ethica docens segundo Santo Alberto Magno. Em suma, haveria uma“reflexão ética” e uma “vivência moral” e, como já dissemos, a moral refletidanão é necessária para levar uma vida moral boa.

(6) A teoria é o segundo momento em relação à experiência, tentando justificá-la, explicando-a à luz darazão. A passagem da moral vivida à moral refletida coincide com a conhecida máxima primum vivere,deinde philosophare. Hegel disse que a filosofia é como a coruja de Minerva, que sempre chega aoentardecer, no crepúsculo: “Quando a filosofia pinta o claro-escuro, um aspecto da vida já envelheceue na penumbra não se pode rejuvenescê-lo, mas somente reconhecer: a coruja de Minerva inicia seuvoo ao cair do crepúsculo” (Filosofia do Direito). Assim, as teorias éticas são um segundo momentoem relação ao próprio fato da moralidade ou experiência moral.

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Em suma, embora discutível, entendemos que a distinção conceitual entremoral vivida e moral refletida é essencial, e não há por que não se aceitar adenominação da primeira como “moral” e da segunda como “ética”, como severifica em boa parte da bibliografia especializada recente, na observação deJorge José Ferrer.(7)

d) Ética: valor da subjetividade e da coletividade. Atualmente, com oadvento da teoria dos valores ou axiologia, o conceito de bem (tradicionalmenteapontado como a finalidade da ética) foi em geral substituído pela noção devalor, que passou a ser como a palavra-chave de todas as ciências humanas.Indica algo que deve ser em virtude do significado e papel que lhe atribuemas opções ou preferência dos indivíduos e dos grupos sociais. O valor situa-seno mundo do dever-ser, que corresponde ao que não pode ser apenas pensado,uma vez que implica sempre uma tomada de posição no plano de sua realização.Valor que não se realiza seria uma ilusão ou quimera. Consequência disso, aética é vista como sendo a parte da filosofia que tem por objeto os valores quepresidem o comportamento humano em todas as suas expressões existenciais.Dá-se, pois, à ética um sentido lato, abrangendo todas as ciências normativasdo agir humano. Daí ela se pôr como uma instância superior, à qual se subsu-mem tanto a moral como o direito e a política. Daí a sua preeminência emrelação à moral (como teoria das normas de conduta que emergem dos usos ecostumes), ao direito (como ciência das relações sociais de natureza bilateral--atributiva)(8), e à política (como ciência e arte do governo dos povos à luz doprincípio da cidadania). A Ética teria, então, por finalidade determinar osvalores fundantes do comportamento humano, ao passo que a Moral se refeririamais à posição subjetiva perante esses valores. Sob esse ângulo, a Moralrepresentaria a realização da Ética in concreto, em nossa experiência de todosos dias.(9) Essa colocação do problema é uma decorrência, portanto, dacompreensão da Ética como ciência axiológica ou valorativa por excelência,abrangendo todas as ciências normativas do agir humano. A Ética, repetimos,compreendida como a ciência axiológica ou valorativa, tem por objeto osvalores que presidem o comportamento humano em todas as suas expressõesexistenciais. E uma vez reconhecidos os valores fundantes do comportamentohumano, todos se subordinam a eles, na vivência da sociedade civil, tendo em

(7) Para fundamentar a bioética. São Paulo: Loyola, 2005. p. 30.(8) Segundo Miguel Reale, a quem se deve o mérito de ter enriquecido a teoria com desenvolvimento

próprio, a bilateralidade atributiva, nota característica do direito, vem a ser “uma proporçãointersubjetiva, em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, oufazer, garantidamente, algo” (Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 51).

(9) V. REALE, Miguel. Variações sobre ética e moral. OESP, 13 out. 2001.

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vista tanto a realização de regras morais como jurídicas, de trato social epolíticas, que são espécies de normas éticas. Tomamos, portanto, a palavra“ética” como continente dentro do qual a Religião, a Moral, as Etiquetas Sociaise o Direito são conteúdos, ainda que diferenciados.(10) A Ética, portanto, aoestudar a conduta do homem, seja perante ele mesmo, seja perante a sociedade,compreende a Moral e o Direito. De uma forma geral, Thomasius traçou-lheso campo de ação: o forum internum, o da Moral; o forum externum, o doDireito. Sem a regulação da conduta humana por meio da Moral e do Direito,não seria possível a organização da convivência.

Isso significa que a Ética, enquanto ordenação dos comportamentos emgeral, na medida em que e enquanto estes se destinam à realização de umbem, pode ser vista sob dois prismas fundamentais: a) o do valor da subjeti-vidade do autor da ação; b) e o do valor da coletividade em que o indivíduoatua. Toda realidade ética tem a dupla fonte do “pessoal” e do “social”; temum horizonte pessoal e social. Isso porque a pessoa tem uma estrutura deinterioridade, mas é também uma realidade aberta, ou seja, uma realidadeintersubjetiva ou de alteridade, em que o “eu” constitui-se e é completadodialeticamente com o “tu” de outra pessoa, enlaçado com ela e com a comu-nidade, formando o “nós”. Não se deve, portanto, entender tal divisão commentalidade dualista e dicotômica.

Buscando o valor da subjetividade, à Moral incumbe a disciplina do mundointerior do homem, da sua conduta em face da consciência do agente; significao conjunto de normas inspiradas por valores de determinado grupo, tendentesa formar o homem perfeito em si mesmo; visa, acima de tudo, ao bem de cadaum, com base na consciência e na intimidade do sujeito. Temos, então, a moralindividual ou moral da pessoa que visa, antes de tudo, à plenitude da subje-tividade do agente, para que este se realize como individualidade autônoma,isto é, como pessoa. Em suma, ela trata dos valores e das normas de condutaque são exigidas do indivíduo para realizar sua personalidade. Devemos,contudo, notar que, se a moral cuida, de maneira direta, imediata e prevale-cente, do bem enquanto individual, do bem da pessoa, ela não é cega no quetange ou cabe ao todo. De fato, só realizamos plenamente a subjetividade decada um em uma relação necessária de intersubjetividade; é por isso que amoral, visando ao bem da pessoa, implicitamente visa ao bem social.

(10) Michel Virally acentua o estreito parentesco que une o direito à moral, situados por ele no campo daética: “Nous avons déjà eu l’occasion de remarquer l’étroite parenté qui unit le droit à la morale,compris tous deux dans le domaine de l’éthique, largement entendue” (grifos nossos — La PenséeJuridique, Paris, p. 76, 1960).

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