Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge-...

134

Transcript of Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge-...

Page 1: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,
Page 2: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética Meio ambiente

Saúde pública

Novas tecnologias

Deontologia médica

Direito

Psicologia

Material genético humano

Page 3: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Chanceler:

Dom Dadeus Grings

Reitor:

Ir. Norberto Francisco Rauch

Conselho Editorial:

Antoninho Muza Naime

Antonio Mario Pascual Bianchi

Délcia Enricone

Jayme Paviani

Luiz Antônio de Assis Brasil

Regina Zilberman

Telmo Berthold

Urbano ZilIes (presidente)

Vera Lúcia Strube de Lima

Diretor da EDIPUCRS:

Antoninho Muza Naime

Page 4: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

JOAQUIM CLOTET

(organizador)

Bioética Meio ambiente

Saúde pública

Novas tecnologias

Deontologia médica

Direito

Psicologia

Material genético humano

Porto Alegre, 2001

Page 5: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

© EDIPUCRS 1ª edição: 2001

Capa: Cristiano Nunes Preparação de originais: Eurico Saldanha de Lemos

Revisão: José Roberto Goldim Editoração e composição: Suliani – Editografia Ltda.

Impressão e acabamento: Gráfica EPECÊ

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B615 Bioética / Joaquim Clotet (organizador). – Porto Alegre:

EDIPUCRS, 2001. 128 p.

ISBN: 85-7430-235-X

Seleção de textos apresentados no III Congresso Brasileiro de Bioética do Cone Sul, Porto Alegre, RS.

Conteúdo: Meio ambiente – Saúde pública – Novas tecnolo- gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano.

1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, Joaquim

CDD 174.2

Ficha Catalográfica elaborada pelo

Setor de Processamento Técnico da BC-PUCRS

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra

sem autorização expressa da Editora.

EDIPUCRS

Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33

Caixa Postal 1429

90619-900 – Porto Alegre – RS

Brasil

Fone/fax: (51) 3320.3523

http://www.pucrs.br/edipucrs/

E-mail: [email protected]

Page 6: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Sumário

Apresentação

página 5

Discurso de abertura do Congresso de Bioética JOAQUIM CLOTET

página 7

Bioética e meio ambiente ALCIRA B. BONILLA

página 14

Desafios do próximo milênio: bioética e saúde pública ELMA L. C. ZOBOLI PAVONI

página 32

O impacto das novas tecnologias na sociedade FRANCISCO DE ARAUJO SANTOS

página 40

Deontologia Médica e Bioética GENIVAL VELOSO DE FRANÇA

página 58

As interfaces entre a Bioética e o Direito JUDITH MARTINS-COSTA

página 67

Psicologia e bioética MARISA CAMPIO MÜLLER

página 85

Patentamiento de material genético humano: implicancias éticas y jurídicas

SALVADOR DARIO BERGEL página 93

Page 7: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Apresentação

Bioética é, por definição, um campo interdisciplinar. Desde a sua origem até

o presente momento ela permanece sendo um elemento facilitador para a troca

entre diferentes disciplinas e áreas de conhecimento. A montagem do temário

do III Congresso Brasileiro de Bioética foi um desafio. Buscar preservar esta

diversidade, esta multiplicidade de abordagens, mantendo a coerência de

sempre discutir os aspectos éticos relativos a cada um dos assuntos abordados

foi o nosso objetivo.

Neste volume estão contidos alguns dos textos apresentados no referido

Congresso. Eles foram escritos por ilustres representantes das áreas da

Medicina, Enfermagem, Direito, Filosofia e Psicologia. Os temas abordados são

de grande atualidade. Nos textos são enfocadas questões relativas ao acesso da

população aos bens e serviços de saúde, as interfaces da Bioética com o Direito

e com a Psicologia, a reflexão ética sobre a questão ambiental, os desafios da

deontologia médica e do patenteamento de material genético humano.

O objetivo da presente publicação é permitir que as reflexões e

propostas feitas no decorrer do III Congresso Brasileiro de Bioética possam ser

retomadas por todos os que participaram deste evento e disponibilizar este rico

material para as demais pessoas interessadas na área da Bioética.

A Comissão Organizadora do III Congresso Brasileiro de Bioética

A

Page 8: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Discurso de abertura do Congresso de Bioética 7

Discurso de abertura do Congresso de Bioética

JOAQUIM CLOTET∗

igníssimas autoridades presentes na mesa: representando o Governador do

Estado do Rio Grande do Sul, a Secretária Estadual de Saúde, Maria Luíza

Jaeger; o Reitor da PUCRS, Prof. Norberto Francisco Rauch; representando a

Prefeitura de Porto Alegre, Dr. Joaquim Kliemann; Presidente da Sociedade

Brasileira de Bioética, Dr. Marco Segre; Dr. William Saad Hossne, Presidente de

Honra da SBB; Dr. Fernando Lolas Stepke, Diretor do Programa Regional de

Bioética para América Latina e Caribe, da Organização Panamericana da

Saúde e da Organização Mundial da Saúde; Dr. José Roberto Goldim, Vice-

Presidente do Congresso; Prof. Délio José Kipper, Secretário Geral do

Congresso; Membros da Sociedade Brasileira de Bioética; Participantes vindos

do Conesul e de outros países; Representantes do Chile, da Argentina e dos

Estados Unidos; Participantes dos diversos Estados do Brasil; Participantes do

Rio Grande do Sul, que num tempo inferior a nove meses reúnem-se pela

segunda vez num grande fórum sobre Bioética; Senhores Diretores de

Faculdades e Professores de diversas Universidades, estudantes presentes em

número altamente representativo e demais pessoas interessadas em Bioética.

Registradas também, as presenças da Presidente da Associação

Brasileira de Enfermagem, Beatriz Ferreira Valdmari; Presidente da Associação

Brasileira de Odontologia, Dr. Henrique Teitelbaum; Presidente da Associação de

Odontologia Secção Rio Grande do Sul, Dr. Marcos Túlio M. Carvalho; Presidente

do Conselho Regional de Odontologia, Dr. Cizino Riso Rocha; Presidente do

∗ Presidente do Congresso – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.

D

Page 9: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Discurso de abertura do Congresso de Bioética 8

Conselho Regional de Farmácia, Célia Chaves; Presidente do Conselho Regional

de Biologia, Inga Mendes; representando o Conselho Regional de Psicologia,

Rejane de Oliveira Pousadal; representando a Associação Médica do Rio Grande

do Sul, Martinho Alvares Reis Alexandre; representando o Conselho de

Enfermagem, Loraine Braga do Nascimento; representando o Conselho Regional

e Federal de Medicina, Dr. Luiz Augusto Pereira; representando a Ordem dos

Advogados do Brasil, Alaor Veríssimo; representando a Sociedade Brasileira para

o Progresso da Ciência Regional, Rita Maria Carnevale.

Meus Senhores e minhas Senhoras,

Temos a grande alegria de nos encontrarmos novamente depois do

Primeiro Congresso Nacional de Bioética, realizado no Instituto Oscar Freire,

USP, em São Paulo, de 26 a 28 de junho de 1996, e do Segundo Congresso

Nacional de Bioética, realizado em Brasília, na sede do Conselho Federal de

Medicina, de 24 a 26 de março de 1998.

Temos a satisfação de realizar este evento em terras gaúchas, no Rio

Grande do Sul, em Porto Alegre, onde surgiu e continua trabalhando um dos

núcleos pioneiros do estudo, do ensino, da pesquisa e da extensão em Bioética

do Brasil. Lugar em que já foram defendidas teses de Doutorado e Mestrado em

Bioética nas Faculdades de Medicina, Direito, Enfermagem e Psicologia das

universidades gaúchas.

O nosso Congresso realiza-se em um período de intensa atividade e

importância da Bioética no mundo. São diversos os eventos desenvolvidos

neste intervalo que precede e segue ao nosso encontro. Só para citar alguns,

gostaria de lembrar: o Congresso da Federação Latino-Americana de

Instituições de Bioética realizado no Panamá de 3 a 6 de maio p.p.; o

Congresso Mundial de Bioética em Gijón, Principado das Asturias, Espanha, de

20 a 24 de junho próximo passado; o Encontro da Sociedade Americana de

Leis, Medicina e Ética dedicado aos Desafios Legais em Genética e Medicina

Reprodutiva, a realizar-se em Cambridge, Massachusetts, de 14 a 16 de

Page 10: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Discurso de abertura do Congresso de Bioética 9

setembro próximo; o Próximo Congresso da Associação Internacional de

Bioética em Londres de 21 a 24 de setembro próximo (presentes no nosso

Congresso dois membros do seu Board of Directors, a Professora Florencia

Luna e o P. Léo Pessini); a Assembléia da Associação Médica Mundial a

realizar-se em outubro próximo, na qual será discutida a Declaração de

Helsinque; o Próximo Congresso da Sociedade Argentina de Bioética em La

Plata, nos dias 6 e 7 de novembro próximo.

Temos acontecimentos importantes para a Bioética mundial, bem como

para a Bioética da América Latina, assim como: – a criação do Comitê Assessor

Internacional de Bioética da Organização Pan-americana da Saúde em

Washington, presente aqui um dos seus membros, o Prof. Dr. José Alberto

Mainetti, da Escuela Latino-americana de Bioética, Argentina; – a Resolução

196/96 sobre Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo

seres humanos que propiciou, entre outras coisas, o surgimento dos 270

Comitês de Ética em Pesquisa atualmente existentes no país; – as resoluções

do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, que pautam os diversos

aspectos éticos da pesquisa em seres humanos. Merecem ser mencionadas: –

a Resolução 251/97 sobre Normas de pesquisa envolvendo seres humanos

para a área temática especial de pesquisa com novos fármacos, medicamentos,

vacinas e testes diagnósticos; – a Resolução 292/99 sobre Normas de pesquisa

em seres humanos, coordenadas do exterior ou com participação estrangeira e

pesquisas que envolvam remessa de material biológico para o exterior. Esses

documentos são apenas uma amostra da qualidade do trabalho realizado pela

Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, sob a coordenação do Dr. William

Saad Hossne e da Secretária Executiva Dra. Corina Bontempo Duca de Freitas,

com o apoio institucional do Conselho Nacional da Saúde, da Secretaria de

Políticas de Saúde e do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da

Saúde; – a proposta de regulamentação dos processos de fertilização in vitro,

entre outras, ainda em tramitação no Congresso Nacional; – a inclusão da

Page 11: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Discurso de abertura do Congresso de Bioética 10

disciplina de Bioética nos currículos de muitas Faculdades e Programas de

Mestrado e Doutorado de diversas Universidades e Instituições de Ensino

Superior do país, tendo a Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre na

qualidade de pioneira, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre e a Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, a Fundação Faculdade Federal de Ciências

Médicas de Porto Alegre, o Centro Universitário São Camilo, a Universidade de

São Paulo, o Instituto Teológico de São Paulo, a Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, a Universidade Estadual de São Paulo em Botucatu, a

Universidade Estadual de São Paulo de Araraquara, a Fundação Osvaldo Cruz

do Rio de Janeiro, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Universidade de

Brasília, a Universidade Estadual de Londrina, a Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais, a Universidade Federal de Minas Gerais, a

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, a Universidade de Campinas, a

Universidade Federal de Pelotas, a Universidade Católica de Pelotas, a

Universidade de Caxias do Sul, a Universidade de Passo Fundo, a Universidade

Federal de Santa Maria, a Universidade Federal da Bahia, a Universidade

Católica de Salvador, a Universidade Estadual de Feira de Santana, a Pontifícia

Universidade Católica do Paraná, a Universidade Federal da Paraíba, a

Universidade Federal do Piauí, a Universidade Estadual do Piauí;

— A publicação de livros e revistas tem sido também uma grande

contribuição. Gostaria de destacar a primeira publicação sobre o nosso tema no

Brasil, em 1982, pela Gráfica Unisinos, do livro de Andrew C. Varga, Problemas

de Bioética, uma tradução do inglês, realizada por Guido Edgar Wenzel, da

mesma Universidade. Seguiram-se muitos outros. Quero, neste momento,

lembrar as últimas novidades, que serão lançadas neste Congresso e que têm

por autores a Professora Eliane Elisa de Souza e Azevêdo (O direito de vir a ser

após o nascimento), o Prof. José Roberto Goldim (Org.) (Consentimento

informado e a sua prática na assistência e pesquisa no Brasil), o Prof. Mauro

Godoy Prudente (Bioética. Conceitos fundamentais) o Jornalista Marcelo Leite

Page 12: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Discurso de abertura do Congresso de Bioética 11

(Alimentos transgênicos). Gostaria, neste momento, de render a nossa

homenagem ao Conselho Federal de Medicina, cuja revista Bioética, publicada

inicialmente em 1993, conquistou um padrão de alta qualidade de repercussão

internacional. Ela tem influenciado enormemente o desenvolvimento da Bioética

em nosso país e na América Latina. Ao Conselho Federal de Medicina e, de

modo especial, ao seu editor durante todos estes anos, o Prof. Dr. Sergio

Ibiapina Ferreira Costa, ausente deste Congresso devido a um compromisso

nos Estados Unidos, a nossa admiração e homenagem.

— A criação de redes on line de informação sobre Bioética, Medicina

Legal, Direito Médico, como as do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, do

Conselho Nacional de Saúde e Ministério da Saúde, da Universidade Federal

de São Paulo, do Professor Genival Veloso de França e da médica Fátima de

Oliveira. Os centros de estudo e pesquisa como ANIS, Instituto de Bioética,

Direitos Humanos e Gênero.

O nosso Congresso é mais um empreendimento da Sociedade Brasileira

de Bioética e de seus membros no Rio Grande do Sul. O nosso objetivo é

apresentar, debater e atualizar as diversas faces da Bioética no seu mais amplo

sentido e aproximar as pessoas que delas se ocupam através do ensino, o estudo,

a pesquisa ou a simples leitura ou informação. A Bioética, dado o seu caráter

multidisciplinar, interessa a todos pela sua vinculação com a nossa qualidade de

vida, com os direitos humanos e com o pleno exercício da cidadania.

Gostaria de salientar as nossas inovações, no que diz respeito aos

congressos anteriores; em primeiro lugar, a criação de um espaço para que os

pesquisadores possam apresentar os resultados das suas pesquisas; em

segundo lugar, a oportunidade de troca informal de experiências das sessões

de almoço com especialistas.

Este grande encontro visa também, conforme a Declaração Universal

do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, no seu artigo 20, a “promoção da

educação em Bioética em todos os níveis”.

Page 13: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Discurso de abertura do Congresso de Bioética 12

Por fim, registrar e agradecer o expressivo número de congressistas

que tornaram o nosso Congresso o maior Congresso Brasileiro de Bioética até

este momento realizado.

Os nossos sinceros agradecimentos, a todos os participantes; a todos

que apoiaram o Congresso: Associação Brasileira de Odontologia – ABO/RS,

Conselho Federal de Medicina – CFM, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

– CONEP, Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul – CREMERS,

Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq, Conselho Regional de Odontologia –

CRO/RS, Conselho Regional de Medicina do Paraná – CRMPR, Programa de

Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial/Faculdade de Odontologia – CTBMF –

FO/PUCRS, Departamento de Pediatria – Faculdade de Medicina/PUCRS,

Departamento Municipal de Água e Esgoto – DMAE, Escola Profissional

Champagnat – EPECÊ, Agência Experimental de Publicidade e

Propaganda/FAMECOS – PUCRS, Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio

Grande do Sul – FAPERGS, Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA,

Hospital São Lucas da PUCRS – HSL, Organização Pan-Americana de

Saúde/Organização Mundial da Saúde – OPS/OMS, Pró-Reitoria de Assuntos

Comunitários – PRAC/PUCRS, Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica –

SBOC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

A todos os que apoiaram financeiramente o Congresso, ABBOTT

Laboratórios, BRISTOL-MYERS SQUIBB BRASIL, Centro Universitário São

Camilo, Clínica Baú, COPELMI Mineração S.A., FERTILITAT Centro de

Medicina Reprodutiva, GLAXO WELLCOME S.A., Grupo GERDAU,

JOMHÉDICA Produtos Médicos Hospitalares, Laboratórios B. Braun S.A.,

Laboratórios WEINMANN Ltda., Merck Sharp & Dohme, Nestlé, Panvel

Farmácias, Produtos Diagnósticos Bayer, Schering do Brasil, Química e

Farmacêutica Ltda., TELET S.A., TERRA Networks Brasil S.A., UNIMED –

Federação das Cooperativas Médicas do Rio Grande do Sul.

Page 14: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Discurso de abertura do Congresso de Bioética 13

De modo especial ao comitê executivo, ao comitê de apoio e à

comissão científica do Congresso.

A todos los participantes de los países hermanos del Cono Sur mi más

cordial bienvenida y mi sincero agradecimiento por haber atendido a nuestra

Ilamada e invitación. Es mucho lo que se hace en nuestros países en materia

de Bioética, juntos, sin ninguna duda, podremos hacer mucho más. Son

diversas las colaboraciones ya existentes entre los diversos grupos e

instituciones del Cono Sur. Un mayor conocimiento y colaboración mutuos nos

enriquecerán a todos.

Les deseo unos días muy felices y de gran provecho en Brasil, en Río

Grande do Sul, en Porto Alegre y en esta Universidad. Su presencia,

participación, saber y simpatía prestigian de modo especial este congreso.

To those come from the USA, our best wishes for a friendly stay in

Brazil. Welcome to Porto Alegre and to this University.

There has never been a meeting in Bioethics like this one in our city, in

the disciplines represented, in the countries participating, and in the topics

addressed notwithstanding our pioneership in Brazil, due to the different

courses, symposia and activities developed in our local universities.

More than sixty papers and speeches will be delivered in this forum. It is

marvellous to be learning from so many people, from so many disciplines, the

result of their analysis and research. We believe that multidisciplinary education

is essential to improve our knowledge on Bioethics.

This meeting is another milestone also for the Brazilian Society of Bioethics.

Thank you, once again, for joining us in this international event.

Declaro aberto o III Congresso Brasileiro de Bioética e I Congresso de

Bioética do Cone Sul.

Page 15: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 14

Bioética e meio ambiente

ALCIRA B. BONILLA

igníssimas autoridades aqui presentes, dignísimas autoridades de esta Mesa,

queridos amigos y colegas de Ias universidades del Cono Sur, Señoras y Señores:

Previo al desarrollo de esta conferencia, debo manifestar mi gratitud

hacia las autoridades y organizadores de este III Congresso Brasileiro de

Bioética y I Congresso de Bioética do Conesul, y muy especialmente al Prof. Dr.

Joaquim Clotet, Presidente de la Comissão Organizadora y Vice-Reitor de la

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Me parece auspicioso para nuestro trabajo de estos días que éste se

realice al amparo de la PUCRS, universidad pionera en la institucionalización de

la docencia en Ética y Bioética para los estudiantes del postgrado de la carrera

de Medicina y en Ia creación de un Comité de Bioética en su hospital. Con

especial afecto vuelvo a esta casa de altos estudios, porque guardo buen

recuerdo de mi estancia académica aquí, durante el mes de marzo de 1996,

justamente para impartir un curso de postgrado sobre Ética ambiental, y porque

entre esta universidad y la de Buenos Aires, a la cual pertenezco, existe un

convenio de colaboración académica con diversos proyectos en ejecución.

He aceptado con alegría y responsabilidad académica esta conferencia

inaugural, en la conciencia de que tal vez podría plantear en ella temáticas

cruciales que están en el centro de nuestra responsabilidad como ciudadanos y

ciudadanas de estas naciones democráticas del Cono Sur, y que involucran por

completo nuestras prácticas profesionales y académicas, y nuestra vida

cotidiana misma.

Hago propicio este momento para recordar que la PUCRS pone empeño

en cuestiones vinculadas con Ia ecología y el cuidado del ambiente, a través de su

D

Page 16: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 15

Instituto do Meio Ambiente y de otros departamentos de Ia Universidad. No puedo

dejar de mencionar, por otra parte, que en Ia ciudad de Porto Alegre surgió el

movimiento ecologista en Brasil, con la creación de AGAPAN (Associação Gaúcha

de Protecção do Meio Ambiente Natural, 1971), cuyo fundador, José Lutzenberger,

redactó en 1976 el Manifesto Ecológico Brasileiro.

Si bien comprendo y leo el portugués, apelo a la generosidad de

Uds., puesto que haré mi conferencia en español para poder expresarme

con fluidez y corrección.

Tras un período durante el cual los estudios éticos parecían haberse

atrincherado en la atmósfera protegida de los círculos académicos, desde hace

unos treinta años se asiste a una ampliación notable del ámbito teórico, de las

prácticas en la investigación, la docencia y la intervención y del alcance social de la

ética. Movimientos sociales, como los diversos feminismos, las luchas antirracistas

y en favor de minorías étnicas y lingüísticas o en defensa de derechos lesionados

por regímenes políticos y discriminaciones de todo tipo y otros, los debates

ocasionados por la crisis ambiental y Ia merma de la biodiversidad, y, sobre todo,

los avances constantes de la biotecnología y de la tecnología médica en materia de

fertilización, control genético, transplantes, alargamiento artificial-tecnológico – de la

vida, clonación, transgénicos, etc., son reconocidos como las causas de esta

renovación esencial en la ética y la filosofía práctica, puesto que, gracias a ellas, los

investigadores han salido de su campo tradicional (los trabajos sobre metaética e

historia de las teorías éticas).

Además, fueron apareciendo nuevos actores, o los mismos con papeles

renovados, como el eticista. Su función es la de proporcionar esclarecimiento

teórico y consejo orientador para la resolución de los conflictos de raíz

axiológica o normativa que la práctica social va presentando a cada paso, sobre

todo cuando la normativa legal y las regulaciones vigentes no contemplan tales

conflictos u ofrecen soluciones fuera de actualidad y de contexto. A esta

preocupación de la ética contemporánea por cuestiones en las cuales están

Page 17: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 16

involucradas tomas de decisión importantes por parte de los seres humanos, se

le ha otorgado, desde los países anglosajones, el nombre generalizado de

Applied Ethics (ética aplicada). En su lugar, prefiero la denominación de ética

orientada a la aplicación, que ha sido introducida por Heiner Hastedt (1991).

Con tal rótulo, en mi opinión, se eludirían, al menos en principio, fáciles críticas

de situacionismo que suelen hacerse a las investigaciones en ética aplicada, si

bien no es éste el momento de justificar con razones tal elección teórica.

Orientadas temáticamente hacia ámbitos muy diversos de Ia vida social,

como, por ejemplo, cuestiones acerca de la salud y la enfermedad, acerca de

las innovaciones tecnológicas o la transferencia de tecnología, acerca de Ia

educación, de las empresas, del deporte, del ambiente, de los media, de la

discriminación de las mujeres, etc., tales investigaciones y prácticas que

integran el elenco de la ética aplicada exhiben por lo menos cuatro rasgos

comunes: 1) se dan en un continuum teórico-práctico (el ámbito de la teoría y el

ámbito de la práctica se iluminan mutuamente); 2) tienden a adquirir un carácter

interdisciplinario; 3) como se hacen cargo del esclarecimiento de conflictos que

aparecen en el seno de la sociedad contemporánea – ya sea que afecten a la

sociedad global o a grupos particulares – manifiestan una orientación social; 4)

y, por eso mismo, favorecen las prácticas dialógicas de formación de consenso.

La proliferación creciente de éticas de sectores y de éticas de las

profesiones propiamente dichas, así como la demanda social de estos nuevos

actores, la creación de comités de ética, la asunción de responsabilidades

sociales por parte de científicos y tecnólogos, y las exigencias de

esclarecimiento y de orientación que reclama la sociedad en su conjunto – más

o menos precisas o difusas –, hacen pensar en un verdadero giro ético de la

sociedad contemporánea. Con esta expresión, giro ético, no hago sino señalar

la presentida necesidad de un proyecto de convivencia nuevo y distinto, de

otras costumbres y hábitos (éthos) de pensamiento y de acción. En suma, la

Page 18: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 17

búsqueda de un lugar propio, de una morada (êthos) construida por el hombre y

para todos los hombres.

En esta agenda de problemas contemporáneos de la ética se

evidencian con nitidez el âmbito de la bioética, entendida en sentido estricto, y

el de la ética ambiental. El título de la conferencia, de modo implícito, reconoce

lo específico de estos campos, pero apunta igualmente hacia sus relaciones.

Para intentar delimitarlas, me ha parecido conveniente comenzar por el examen

de algunas definiciones vigentes.

Si bien bioética ha sido y es definida en sentidos más o menos estrictos,

respondiéndose con ello a los intereses que la demandan o a tomas de posición

teóricas, como punto de partida citaré una definición amplia de Joaquín Clotet,

representativa de la mayor parte de los estudiosos de la materia:

“El término Bioética pretende centrar la reflexión ética en torno del fenómeno

vida. Como se sabe, existen formas diversas de vida y también modos diferentes de

consideración de los aspectos éticos relacionados con la misma. Las áreas de estudio y

aplicación de la Bioética, por consiguiente, tienen un carácter plural. La ética ecológica,

los deberes para con los animales, la ética del desarrollo y la ética de la vida humana,

serían algunos de sus grandes temas. Según Jean Bernard, la ética de la vida humana

está asociada a la revolución terapéutica y la revolución biológica en sus tres grandes

vertientes: el dominio o poder sobre la reproducción, los caracteres hereditarios y el

sistema nervioso. El significado de bioética vinculado a la vida humana con las

observaciones manifestadas anteriormente es el que ha predominado en la práctica”

(1997, p. 41).

Sin embargo, la lectura somera del programa de esta reunión ofrece un

testimonio fehaciente del predominio de una acepción más restringida de la

Bioética, la cual, en éI, tampoco queda limitada por los marcos temática y

metodológicamente más estrechos de la ética médica.

A los fines de esta conferencia, es oportuno traer a colación un poco de

historia. El neologismo bioethics es acuñado en 1971 por Van Rensselaer

Potter, quien escribe el libro fundacional bajo el título de Bioethics; Bridge to the

Page 19: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 18

Future. En este intento de diálogo entre la cultura científica y la humanística, se

estudian problemas relacionados con el hombre y “el futuro de la especie

humana”, los cuales involucran aspectos ambientales o a veces no humanos.

R.G. Frey (1998) se siente proclive a afirmar que, según las propuestas de

Potter, no cabría hablar de una disciplina específica denominada bioética, sino,

más bien, de “conjuntos o series de problemas morales que surgen de las

biotecnologías, Ia medicina y la interacción humana con los animales y el medio

ambiente y que, directa o indirectamente, afectan el bienestar humano”.

Sin embargo – baste por ahora aclararlo –, no todas las éticas que se

ocupan de cuestiones ambientales o ecológicas son antropocéntricas o

consideran el bienestar o calidad de vida de los seres humanos como el valor

más elevado y, de esta forma, hasta pueden entrar en colisión con las posiciones

estándares de la bioética. Así, R. Sylvan y D. Benett, autores de The Greening of

Ethics, plantean objeciones con referencia a los enfoques éticos habituales en su

asunción del imperativo de las exigencias y necesidades humanas. Y, sobre todo,

manifiestan el rechazo, por parte del deep environmentalism que sostienen, a los

intentos, defendidos desde la ética médica, de producir un mayor número de

seres humanos, porque en ellos no se considera el impacto ambiental de esta

población “añadida” o “supernumeraria”, y señalan el carácter “obsoleto” y

“regresivo” de la producción de artículos de índole biogenética que, generados

desde una ideología de mercado, podrían Ilegar a interferir de modo dañino con

los ambientes naturales (cfr., 1994: 168-169).

Si bien los términos de la polémica no son tan extremos en la mayoría

de los autores, quizá otra mirada hacia la historia – esta vez hacia la de las

ideas – ilustre parcialmente esta polémica e indique una vía para proseguir la

reflexión. En su ejemplar e inconcluso libro Huellas en la Playa de Rodas,

Clarence Glacken muestra la aparición y fuerza animadora de tres ideas

mediante las cuales los seres humanos, a lo largo de dos mil trescientos años,

desde el S. V° a.C. hasta fines del S. XVIII, han dado una explicación de las

Page 20: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 19

relaciones del hombre con la Tierra (naturaleza o medio): 1 – la idea de una

tierra con designio que, centrada en Dios como artesano, aplicaba a los

procesos naturales la doctrina de las causas finales y dejaba al hombre y la

naturaleza en una posición subordinada (criaturas); 2 – la idea de la influencia

del medio en el hombre y en las culturas, centrada en la fuerza y vigor creativos

de la naturaleza; 3 – la idea del hombre como modificador de la naturaleza,

centrada en éI y Ia autonomía de su acción, que “miraba más al futuro, a la

creatividad y actividad del hombre” (1996, p. 652).

En Ia casi totalidad de sus representantes más conspicuos, la

Modernidad y sus epígonos contemporáneos parecieran celebrar el triunfo de Ia

tercera idea. Despojada de jerarquías y de causas finales, la naturaleza es

reducida a material inerte, axiológicamente neutro, ofrecido a la

experimentación e instrumentalización impuestas por el hombre, el cual, de este

modo, pone fines a la naturaleza. En este mismo sentido, Andrew Pullin pone

en boca de un observador hipotético de comienzos de la Revolución Industrial lo

siguiente: “Nuestro entorno es hostil, puesto que amenaza de modo múltiple

nuestra salud y bienestar; en consecuencia, debe ser sojuzgado, puesto a salvo

y restituido a su buen empleo para Ia creación de mejores estándares de vida y

de salud” (1995, p. 339).

Desde estas bases, la mayor parte del pensamiento moderno

reconstruye la idea de una ética que afirma la autonomía del hombre, las

bondades del progreso técnico y – posteriormente – tecnológico abandonado a

su propio ritmo de crecimiento (el cual, en muchos casos, es el de las guerras y

de los mercados) y carece de normativa para las acciones humanas que se

ejercen sobre la naturaleza. Podemos concluir con Iring Fetscher: “Lo que ha

convertido al Occidente Moderno en una gran amenaza del medio ambiente es,

por una parte, el enorme aumento de los medios de dominación de la

naturaleza y, por otra, la tendencia a la expansión que está ínsita en la

estructura social. Sólo la combinación de estos dos factores fue fatal” (1988, p.

Page 21: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 20

106). Como resultado de este proceso, la biosfera ha de habérselas con dos

tipos de tensiones perjudiciales: la polución y degradación de los ecosistemas, y

la destrucción del habitat de numerosas especies vivientes y la crisis de la

biodiversidad. La denominada crisis ecológica y/o ambiental contemporánea,

cuya más evidente expresión está constituida por los desastres y catástrofes

ecotecnológicas, al estilo de Hiroshima, Bhopal, Exxon Valdez, Chernobyl,

Seveso, etc., parece suplir con su carácter trágico a los experimentos

controlados en los laboratorios que sentaron las bases de la ciencia moderna

(cf., Functowicz & Ravetz 1991).

Al decir de C. Larrère, “los mismos éxitos de nuestra empresa sobre la

naturaleza revelan la fragilidad de las condiciones naturales sensibles a nuestra

acción y de las cuales permanecemos dependientes”. En consecuencia: “Ahora

descubrimos nuestra inclusión en la historia de la Tierra, al mismo tiempo que la

singularidad de ésta”. Y extrayendo de tales conclusiones su proyección ética,

esta autora sostiene:

“Como el sistema de las relaciones que mantenemos con la Tierra

parece saturado, se vuelve necesaria su aprehensión global: es en esta

globalización que la naturaleza deja de ser ilimitada y se convierte en una

medida normativa de los límites de nuestra acción” (1996, p. 1029).

Esta comprensión conceptual de la dependencia mutua hombre-

naturaleza, un tanto metaforizada en las expresiones de Larrère que acabo de

traducir, se convirtió en ícono visual cuando comenzaron a circular las

imágenes de la Tierra vista desde el espacio exterior. Observada de este modo,

la naturaleza se determina como lo que debe ser “respetado”, “preservado” o

“conservado”. Por todas partes, científicos, filósofos y activistas, a los cuales se

unen economistas y políticos, reclaman un cambio de actitud. Las sinnúmeras y

variadas respuestas se convierten igualmente en fuente de confusión y

malentendidos, muchos de los cuales residen en la conjunción de una

sensibilidad atenta a los problemas ambientales y ecológicos con mala

Page 22: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 21

información científica y supervivencias ideológicas que deforman los hechos por

completo, invalidando teorías y prácticas.

Determinados términos que han adquirido un significado técnico en el

ámbito de la ecología y/o de las ciencias ambientales, pero que igualmente

pertenecen al acervo común de los idiomas hablados, se erigen en víctimas

privilegiadas de tales confusiones. En aras de la brevedad, voy a referirme a dos

casos significativos: la habitual equiparación entre “naturaleza” y “ambiente”, y la

que se hace entre “natural” y “salvaje”, como contrapuesto a “artificial”.

Algunos autores equiparan naturaleza y ambiente, palabra esta última

que en su uso técnico proviene de la ecología y es, en consecuencia,

netamente contemporánea. I.G. Simmons, por ejemplo (1997), indica que

ambos términos se refieren a “todos los elementos y procesos de la Tierra fuera

de la especie humana”. Si bien “ambiente” se reserva para señalar algo ya

modificado por el hombre, “naturaleza”, para este autor, estaría evocando la

idea de una precedencia virgen. C. Reboratti, a quien sigo en este debate,

porque ha logrado una claridad conceptual notable, manifiesta que tal definición

divide el mundo en tres sectores (naturaleza, el hombre y sus artefactos, y el

ambiente como una especie de entremedio entre la naturaleza no mancillada y

el mundo artificial que construimos los seres humanos). Si desde el punto de

vista biológico el hombre es parte integrante del gran ecosistema de la ecosfera,

sin embargo, es común hacer distingos entre los restantes seres de la

naturaleza y el hombre como tal, pensando que en ellos reside, ya no la

diferencia con el “animal”, sino la diferencia con lo “natural”. Pero la naturaleza

bien podría ser considerada como una mera construcción social. En esta

alternativa parecería difícil conceptualizar los elementos concretos que hacen a

nuestra vida de seres humanos, tal el clima, la vegetación, etc. También parece

posible ponerse a investigar acerca de cuál es el papel del hombre con respecto

a la naturaleza; pero, ¿hasta dónde se vuelve posible Ia crítica de la razón

instrumental moderna junto con la indicación de las diferencias?

Page 23: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 22

Ante Ia imposibilidad de soluciones tajantes al problema, parece

prudente seguir a Reboratti cuando apunta:

“Para evitar esa enojosa discusión, podemos pensar al hombre como

ubicado en una posición intermedia entre la de dueño absoluto y la de vulgar

componente: el hombre como cuidador de Ia naturaleza, que no tiene el

derecho absoluto sobre ella, sino el deber de preservarla al mismo tiempo que

la utiliza para sobrevivir” (17).

En este sentido, la cita que he acabado de leer, coincide con las ideas

rectoras del filósofo Hans Jonas, quien, alarmado ante el poder de la acción

humana amplificada por la tecnología y de alcances nunca imaginados en el tiempo

y el espacio, reflexionó sobre una ética que considera al hombre como responsable

por la naturaleza y la calidad de vida de las generaciones futuras (1979).

Concluyendo, se podría decir que naturaleza y ambiente se refieren al

mismo sistema, pero a nivel distinto. El primero es un término teórico y

abstracto, que no puede ser objeto de una definición objetiva porque la

diferenciación o integración hombre-naturaleza depende de la mirada del sujeto

la cual está, a su vez, condicionada por su posición cultural particular. En el

caso del “ambiente”, el hombre puede o no estar integrado a ese recorte

territorial que damos el nombre de ambiente y definimos como el conjunto de

elementos y relaciones biológicos y no biológicos que caracterizan una porción

de la Tierra o que rodean o permiten la existencia de un elemento” (17).

En la segunda equiparación entre “naturaleza” y “salvaje”, por oposición

a “artificial”, aparece el concepto problemático de lo “salvaje” o “silvestre”,

concebido como algo vivo no “domesticado” aún por el hombre (incluido en él el

hombre “salvaje”, como opuesto a “civilizado”). En este contexto, puede

hablarse de “naturaleza virgen”, no hollada. Concretamente, tales atribuciones

románticas de belleza y sublimidad a la naturaleza virgen culminan en 1872 en

la creación del Parque Nacional de Yellowstone (y, también hay que decirlo,

tuvieron que ver en las políticas acerca de la naturaleza y de higiene racial del

Page 24: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 23

Tercer Reich). La expansión y mantenimiento hasta la década del ’70 de una

política de directivas preservacionistas que consideran al hombre como

destructor de la naturaleza, representaron para los países del sur una renovada

fuente de conflictos. La instalación de Parques Nacionales, si bien intentó

preservar repositorios de especies autóctonas y bellezas naturales, acabó con

grupos humanos asentados en esas áreas y con prácticas tradicionales de las

comunidades autóctonas o con largos años de asentamiento que en modo

alguno eran nocivas para el ambiente (cf., Diegues, 1996, p. 18 ss.).

Si bien me he demorado más de lo aconsejable en la presentación de

este tema, creo que lo merece porque todos los intentos de extrañar al hombre

de la naturaleza no hacen sino reforzar las prácticas de dominio y manipulación

que estamos analizando como características del modo instrumentalista de

pensar esta relación.

Una estrategia para la promoción del cambio de actitud necesario con

respecto al ambiente consiste en percibir los efectos o impactos nocivos de la

actividad humana en él, cuya medición es harto compleja. Hay ejemplos de toda

época para ilustrar las variadas formas de depredación y degradación

impuestas por el hombre al ambiente y la biodiversidad. Así, la denominada

“conquista ecológica de las Américas” (cf. Álvarez Febles, 1996) modificó y

perjudicó de modo sustantivo el ambiente natural americano, afectando,

además, a las poblaciones aborígenes, las cuales fueron diezmadas por

diversas enfermedades importadas por los conquistadores, y, en muchos casos,

se vieron obligadas a cambiar sus modalidades de cultivo y cría de ganado.

En estos últimos años se está manifestando una conciencia creciente

con respecto a los daños posibles para el ambiente y su riesgo para las

personas en la aplicación de cálculos estándares tanto para el análisis de riesgo

para Ia salud (Human Health Risk Assessement) como de los riesgos sobre el

ambiente (Ecological Assessment). La crisis mundial del ambiente afecta

paradójicamente a los seres humanos de los países más industrializados que

Page 25: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 24

han intentado la imposición de sus pautas tecnológicas; pero, sobre todo, a los

del mundo en vías de desarrollo o Tercer Mundo. La ecuación de E. Kormondy,

que señala a la vez los problemas cruciales y su imbricación mutua, no debe ser

olvidada en el momento de tratar y reflexionar acerca de estas cuestiones. “De

acuerdo con un dicho común, las tres amenazas de la humanidad son las tres

P: polución, población y pobreza” (1973, p. 209-210).

Casi todos los autores e, incluso, documentos emanados de reuniones

internacionales parecen rubricar este Dictum de Kormondy, así como la

necesidad de mancomunar esfuerzos para evitar la catástrofe. Entre la gran

cantidad de textos significativos, cito tres ejemplos notables:

1. S. Funtowicz y J. Ravetz:

“La tarea colectiva más grande que hoy enfrenta la humanidad

concierne a los problemas de riesgo ambiental global y a los de equidad entre

los pueblos” (1993, p. 11).

2. Iring Fetscher:

“Quizá puedo haber despertado la impresión de que busco reunir

forzadamente en un complejo unitario todas las posibles cuestiones actuales: el

problema ecológico, el de la distribución desigual de los bienes de esta Tierra

entre los pueblos y dentro de las diferentes sociedades, la problematicidad del

individualismo posesivo y del egoísmo, y de la ciencia y la técnica modernas

orientadas exclusivamente al dominio de la naturaleza. Pero no soy yo quien ha

establecido artificialmente una conexión entre estas cuestiones sino que ella

reside en Ia propia naturaleza de las cosas” (1988, p. 99).

3. Agenda 21, cap. 4 de la sección 1:

“La pobreza y la degradación del medio ambiente están estrechamente

interrrelacionadas. Si bien la pobreza provoca ciertos tipos de tensión

ambiental, las principales causas de que continúe deteriorándose el medio

ambiente mundial son las modalidades insostenibles de consumo y de

Page 26: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 25

producción, particularmente en los países industrializados, que son motivo de

grave preocupación y que agravan Ia pobreza y los desequilibrios”.

Si regresamos ahora a un concepto más restringido de bioética,

estamos ya en condiciones de darnos cuenta de que también a éste le

pertenece una preocupación seria y responsable con las cuestiones

ambientales y ecológicas. La mayor parte de los daños causados por el hombre

al ambiente redundan en efectos nocivos para el hombre mismo: la pobreza, la

escasez, la guerra, la sobrepoblación, el desarrollo tecnológico controlado sólo

por Ias leyes del mercado, la degradación de los ecosistemas, Ia merma de la

biodiversidad y la polución ambiental resultan ser causas de gravísimos

problemas de salud y deterioro de la calidad de la vida humana así como de Ia

calidad del ambiente mismo. La enumeración de estos problemas podría

resultar, además de tediosa, redundante por conocida de todos los presentes.

La OMS (Organización Mundial de la Salud), en un documento titulado Health

and Environment in Sustainable Development, de 1997, distingue entre diversas

amenazas al ambiente, cualificando unas como “riesgos tradicionales”, ante

todo vinculados con la pobreza, y otras, como “riesgos modernos”, es decir,

debidos al empleo de nuevas tecnologías y al manejo desaprensivo de los

recursos. El documento también señala Ias relaciones de cada uno de estos

tipos de amenazas con la salud y la enfermedad de las personas.

Para concluir, dos reflexiones finales:

La primera se refiere a la obligada transformación contemporánea de

nuestras formas tradicionales de considerar la responsabilidad. La ampliación

del dominio espacio-temporal y las consecuencias imprevisibles, en la mayor

parte de los casos, de la acción humana modificada por la tecnología y

gobernada por los dictados del mercado globalizado, imponen – como pedía

Hans Jonas en su obra de 1979 – um imperativo de “responsabilidad”. Pero su

alcance no se reduce a los límites de la denominada responsabilidad legal, sea

penal o civil. Más allá de la observancia de lo prescrito por las leyes, en este

Page 27: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 26

concepto ampliado se implican nuevas obligaciones y deberes en función del

cuidado tenaz del medio y de la biodiversidad, y de un acrecentamiento de la

calidad de vida de los seres humanos actuales y futuros. Responsabilidad,

entonces, también por las “generaciones futuras”.

Esta responsabilidad de nuevo cuño comienza por delinearse en

primera instancia como un “deber de saber”, en el sentido de la necesidad de

conocer, en la medida de lo posible, para actuar responsablemente, las

consecuencias derivables de los cursos de acción humanos modificados por la

tecnología. Por otra parte, esto no significa ni un retorno a planteamientos

meramente consecuencialistas ni, menos aún, una nueva intelectualización de

la moral y de la ética, sino que, hoy por hoy, se muestra un componente

necesario para la realización de los juicios morales y algo que ha de ser tenido

en cuenta en el momento de evaluar, desde el punto de vista de la ética,

problemas de índole ambiental y tecnológica.

Estando todos los seres humanos afectados en mayor o menor medida

por esta ampliación sin precedentes de los alcances de la acción humana

modificada por la tecnología, la conciencia de ello y de los perjuicios acarreados

al ambiente, a los ecosistemas y a la biodiversidad por acciones tecnológicas

antes consideradas neutrales, el deber de saber no cae sólo del lado de los

expertos. Esto trae consigo una notable reforma y democratización de las

prácticas. Más acá de los saberes especializados – cuya necesidad está fuera

de debate, el saber del que se trata es un saber más elemental, pero

compartido y suficiente, acerca de las cuestiones que están en juego en cada

caso y afectan a los ciudadanos, a todos los habitantes de un país o región y al

ambiente. Se impone así, igualmente, la urgencia de promover una divulgación

científica adecuada, que ponga énfasis en la advertencia de los riesgos y que

ejercite una apropiación de los lenguajes y de los saberes no especializados o

técnicos, incluidos los tradicionales y populares. Mi propuesta es la de aceptar,

en la medida de lo posible, como “idea regulativa del cambio necesario”, la idea

Page 28: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 27

de la “comunidad de pares ampliada” para la discusión de los cursos de acción

y la toma de decisiones, según el modelo de Funtowicz y Ravetz, de la cual han

de participar todos aquellos que, en alguna forma, se encuentren involucrados

por la adopción de innovaciones tecnológicas y/o de medidas que los puedan

afectar en su salud particular o puedan afectar el medio en el cual viven y

desarrollan diversas actividades.

Mi segunda reflexión, que se vincula con todo lo dicho antes, está

dedicada al desafío contemporáneo de un desarrollo sostenible. Con esta

propuesta, se intenta resolver la tensión compleja entre desarrollo y respeto por

la biodiversidad y la calidad del ambiente.

No me voy a detener en estos minutos finales sobre la evolución de los

conceptos de “desarrollo” y de “sostenibilidad”, este último originado en Ia

ecología y luego ampliado en el contexto de las ciencias sociales, ni tampoco

me referiré a las críticas, polémicas y rectificaciones que se han suscitado al

respecto. La idea de un alcance global de los problemas ambientales estaba ya

implícita en la Declaración de Estocolmo de 1972. En el Brundtland Report,

posterior a aquélla en más de una década, se subrayó el entrelazamiento de las

crisis de población, económica y ecológica, y en dicho informe el desarrollo

sostenible quedó definido como “el desarrollo que satisface las necesidades de

la generación presente sin comprometer la capacidad de Ias generaciones

futuras para satisfacer sus propias necesidades” (CMMAD, Nuestro futuro

común, 1988, 67). Igualmente, en la Declaración de Río de 1992, la idea del

desarrollo sostenible parece alentar en todos y cada uno de los principios

programáticos que allí se postulan. Pero lo que parece obvio en estos

documentos deja de serlo, si se piensa que en las prácticas económicas y de

manejo del ambiente o de innovación tecnológica está instalada una moral de

“bote salvavidas” o de triage, en el mejor de los casos, por obra de la cual las

naciones y grupos poderosos se adjudican la propiedad de los recursos

Page 29: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 28

pasando por alto elementales principios de justicia, es decir, sin importar costos

humanos y ambientales.

Quizá no estoy del todo desencaminada si cierro esta conferencia con un

nuevo llamamiento a pensar esta idea del desarrollo sostenible como posible

proyección contemporánea del deseo de un futuro mejor, último refugio de la

utopía, entonces, tal como lo hace Reboratti en Ia conclusión de su libro reciente:

“Tal vez no sea demasiado tarde para retornar el desarrollo sostenible

como una utopía socialmente compartida que piense en un mundo más digno y

equitativo que se desarrolle en un escenario ambiental no depredado,

mantenido en sus cualidades básicas para todos nosotros y los que nos

seguirán” (220).

Rajni Kothari, a la vez que critica la concepción etnocentrista

subyacente en el concepto de desarrollo sostenible del Informe de la World

Commission on Environment and Development, no deja de reconocer que tal

interés contemporáneo es un auténtico interés moral, en tanto este concepto de

desarrollo plantee una alternativa al modelo dominante desde la visión de un

nuevo modo de vivir del cual, en cierto sentido, pueden participar todos los

seres humanos. Si el desarrollo sostenible puede ser considerado desde el

punto de vista de la ética como un ideal válido, a juicio de Kothari, ha de cumplir

cuatro criterios:

“[...] una concepción holística del desarrollo; la equidad basada en la

autonomía y una dependencia mutua de diversas entidades en lugar de una

estructura de dependencia fundada sobre la ayuda y la transferencia de

tecnología con un objetivo de alcanzar un emparejamiento; un énfasis en la

participación; y un acento en la importancia de las condiciones locales y el valor

de Ia diversidad” (1994, p. 236).

Esta utopía del desarrollo sostenible, indudablemente, debería ampliar

el marco dentro del cual se desenvuelven nuestras prácticas profesionales,

nuestra investigación y nuestra docencia universitaria. Es de esperar que ella

Page 30: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 29

nos aliente a reencauzarlas con responsabilidad en el contexto de la prudencia

y del respeto por el ambiente y por la diversidad humana y de las otras especies

que una comunidad de pares ampliada hasta los límites de lo posible nos exige.

En lo personal, adhiero a la idea de que podemos intentarlo.

Retomando la alegoría de José Saramago, soñar la isla desconocida y dirigirnos

hacia ella es ya, en algún sentido, haberla alcanzado. Como señalaba Oscar

Wilde: “A map of the World that does not include Utopia is not worth even

glancing at” (1891).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÁLVAREZ FEBLES, N. Biodiversidad y agricultura. Ecología Política, n. 12, p.

91-96, 1996.

BANURI, T. J. ¿Cuál es la esperanza para los países del sur?, en M. Barrère

(Dra.). La Tierra, patrimonio común. Barcelona: Paidós, 1992, p. 249-258.

BONILLA, A. Hacia una nueva relación con Ia naturaleza: el contrato natural.

Nuevo Mundo, n. 49, p. 65-68, 1995. ______. La ética aplicada. Enoikos, n. 13, p. 42-48, 1998.

CALDWELL, L. K. Ecología, Ciencia y política medioambiental. Madrid:

McGraw-Hill, 1993.

CLOTET, J. Bioética como ética aplicada y genética. Perspectivas Bioéticas de

las Américas, ano 2, n. 1, p. 38-54, 1997.

CMMAD. Nuestro futuro común. 1988.

CRUZ, M. Hacerse cargo. Sobre responsabilidad e identidad personal.

Barcelona: Paidós, 1999.

DIEGUES, A. C. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 1996.

Dl PACE, M. (Coord.). Las utopías del medio ambiente. Desarrollo sustentable

en la Argentina. Buenos Aires: CEAL, 1992.

FETSCHER, I. Condiciones de supervivencia de la humanidad. Barcelona:

Alfa, 1998.

Page 31: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 30

FREY, R. G. Bioethics, en E. Craig (Gen. Ed.). Routledge Encyclopedia of

Philosophy CD-ROM. London & New York: Routledge, 1998.

FUNTOWICZ, S.; RAVETZ, J. Ecología política. Ciencia con la gente. Buenos

Aires: CEAL, 1993.

GALLOPIN, G. C. (comp.). El futuro ecológico de un continente. Una visión

prospectiva de la América Latina. México, FCE. 1995.

GLACKEN, C. J. Huellas en la playa de Rodas. Barcelona: Del Serbal, 1996.

GRUEN, L.; JAMIESON, D. Reflecting on nature. Readings in environmental

philosophy. New York/Oxford: Oxford University Press, 1994.

HASTEDT, H. Aufklärung and Tecknik. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1991.

JAMETON, A. Human activity and environmental ethics. In: THOMASMA, D. C.;

KUSHNER, T. (Eds.). Birth to death. Science and Bioethics. Cambridge:

Cambridge University Press, 1996.

JONAS, H. Das Prinzip Verantwortung. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1984.

KORMONDY, E. J. Conceptos de ecología. Madrid: Alianza, 1973.

LARRÈRE, C. Nature. ln: CANTO-SPERBER, M. (Dra.). Dictionnaire d’éthique

et de philosophie morale. Paris: PUF, 1996, p. 1024-1031.

OMS. Health and environment in sustainable development. Genève, 1997.

PEDOJA, G. Evaluación de riesgo sobre las personas y el ambiente. Gerencia

ambiental, 1998, p. 858-859.

PLUMWOOD, V. The Environment. In: JAGGAR, A. M.; YOUNG, I. M. (Eds.). A

companion to feminist philosophy. Oxford: Blackwell, 1998.

POTTER, V. R. Bioethics: bridge to the future. Englewood Cliffs, NJ: Prentice

Hall, 1971.

PULLIN, A. The science of the environment. In: THOMASMA, D. C.; KUSHNER,

T. (Eds.). Birth to death. Science and Bioethics. Cambridge: Cambridge

University Press, 1996, p. 339-347.

REBORATTI, C. Ambiente y sociedad. Buenos Aires: Ariel, 2000.

Page 32: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Bioética e meio ambiente 31

SARAMAGO, J. O conto da ilha desconhecida. Lisboa: Expo ’98/Assirio e

AIvim, 1997.

SERRES, M. El contrato natural. Valencia, Pre-Textos, 1993.

SIMMONS, I. G. Humanity and environment. A cultural ecology. Longman:

Harlow, 1997.

SYLVAN, R.; D. Benett. The greening of ethics. Knapwell, Cambridge: The

White Horse Press, 1994.

TOBÍAS, M. El hombre contra la Tierra. Barcelona: Flor del Viento. 1996.

WARREN, K. (Ed.). Ecological feminism. London & New York: Routledge, 1994.

WILDE, O. The soul of man under socialism (1891). De profundis and other

writings. Harmondsworth: Penguin, 1973.

Page 33: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Desafios do próximo milênio: bioética e saúde pública 32

Desafios do próximo milênio: bioética e saúde pública

ELMA L. C. ZOBOLI PAVONI∗

e há, na área da saúde, um termo carregado de significados ambíguos, é

“saúde pública”. São diversas as conceituações para esta expressão, algumas

se opondo diametralmente. Um entendimento comum é equiparar o adjetivo

“pública” com a ação governamental, designando, assim, por saúde pública o

conjunto de serviços de saúde governamentais. Este uso encontra-se bastante

difundido nos meios de comunicação, assim como a utilização da expressão

“problemas de saúde pública” para designar agravos de alta freqüência ou risco.

Por essa razão, faz-se necessário explicitar os limites tomados para o

termo “saúde pública” no decorrer desta reflexão, na qual não será utilizado

para significar um conjunto de serviços em particular, nem uma forma de

propriedade, nem um tipo de problema, mas sim, para denotar um nível

específico de análise, o populacional, o da coletividade.

Coletividade que, nos anos setenta, contrariamente às motivações de

Potter, não é o alvo principal da atenção da bioética que cresce mais voltada

para as questões de caráter individual da relação clínica entre os profissionais

de saúde e os pacientes.

A partir dos anos 80, a bioética começa a ampliar seu foco de visão,

situando a relação clínica no contexto de um sistema de saúde e incorporando a

reflexão de questões relativas à estrutura, à gestão e ao financiamento deste

sistema. Neste período, a difusão da bioética em direção aos países do

hemisfério sul, especialmente a América Latina, onde convivem de ilhas de

∗ Escola de Saúde Pública – Universidade de São Paulo – USP.

S

Page 34: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Desafios do próximo milênio: bioética e saúde pública 33

excelência tecnológica em saúde ao lado da extrema pobreza da maioria das

populações, torna imperativa a inclusão dos problemas da coletividade na

agenda das discussões, com temas como o acesso aos serviços de saúde, a

alocação de recursos em saúde, as questões demográficas e populacionais e a

responsabilidade social e coletiva sobre as condições de saúde. Tanto é assim,

que o Programa Regional de Bioética para a América Latina e Caribe, desde

seu estabelecimento pela Organização Pan-Americana da Saúde, define dentre

as prioridades temáticas em bioética para a região a ética em Saúde Pública.

No final da década de 90, como lembra Wikler (1997), os objetos de

reflexão da bioética aproximam-se ainda mais dos tradicionais problemas da

saúde pública; ela vai lidar com a saúde das populações, entrando em cena as

ciências sociais, as humanidades, os direitos humanos e conferindo maior

destaque às questões da eqüidade e da alocação de recursos na saúde. Os

inaceitáveis aumentos no custo da assistência à saúde, aliados à crise do

estado de bem-estar social, começam a trazer as questões de acesso e

eqüidade em saúde para a agenda da bioética também nos países do

hemisfério norte. De fato, os EUA, a despeito de contarem com o quinto maior

orçamento para a saúde no mundo, têm, depois de 1993, cerca de 41 milhões

de pessoas que não contam com qualquer tipo de assistência médico-sanitária

ou contam com seguros que garantem coberturas limitadíssimas. É o chamado

“paradoxo do excesso e da privação”, ou seja, custos incontroláveis ao lado da

falta de acesso universal.

Portanto, uma questão-chave para a bioética, já presente e que

certamente se acentuará no próximo milênio é a justiça na saúde e nos

cuidados da saúde. O abismo entre os com saúde e os sem saúde acentua-se

dia a dia, basta lembrarmos que a distância entre os 20% mais ricos e os 20%

mais pobres da população do planeta duplicou nos últimos 30 anos. Hoje,

temos mais recursos, vivemos mais e se torna cada vez mais crucial o desafio

ético da distribuição daquilo que a humanidade conquistou.

Page 35: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Desafios do próximo milênio: bioética e saúde pública 34

Cabe aqui um alerta. Embora as questões principais que o final dos anos

90 trouxeram para a pauta de discussão da bioética no mundo tenha tudo a ver

com o momento ético da América Latina e com as preocupações que marcaram a

bioética desde seu início neste continente, não podemos perder de vista que a

reflexão desses temas desenvolve-se em cenários completamente distintos.

Mesmo reconhecendo que maiores gastos em saúde obrigatoriamente

não refletem um melhor sistema de saúde em termos de eqüidade de acesso

aos serviços e de nível de saúde da população, como nos mostra o último

relatório da Organização Mundial de Saúde, parece-nos muito diferente discutir

alocação de recursos e limitação de gastos em saúde nos países desenvolvidos

que já comprometeram, muitas vezes, cerca de 15% do seu PIB para a área do

que discutir este mesmo tema em países como o nosso, que, além de não

contar com uma fonte definida de financiamento para as ações governamentais

na saúde, tem registrado queda do percentual do PIB gasto neste setor, sendo

que em 1992 não atingiu a cifra de 2%. Os problemas de acesso e custo devem

ser tratados de maneira conjunta, pois, se assim não acontecer, não somente é

de se esperar que muitos continuem tendo o supérfluo antes que haja o

essencial para todos, como muitos dos que têm o essencial podem contar com

a probabilidade de menos no futuro.

Qual a parcela dos gastos sociais que deve ser destinada ao setor saúde?

Que volume dos recursos financeiros deve ser orientado, por uma política pública, à

assistência à saúde? Como distribuir os recursos alocados na saúde entre as

diferentes necessidades e demandas dos cidadãos? Quais devem ser priorizadas e

em quais bases? Quem deve custear os serviços de saúde?

Diante da necessidade de compatibilizar os escassos recursos à saúde e a

totalidade das necessidades e demandas por saúde das pessoas colocam-se

dilemas éticos à sociedade, aos administradores e aos profissionais de saúde.

Page 36: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Desafios do próximo milênio: bioética e saúde pública 35

Nesse dilema ético, segundo Fortes (2000), as políticas de saúde

pública deveriam orientar-se pela teoria rawlsiana, que propõe que a

distribuição de recursos deva seguir duas etapas:

a primeira exige igualdade na distribuição de deveres e direitos básicos.

Todas as pessoas devem ter os mesmos direitos e liberdades civis;

a segunda etapa, aceitando o princípio da diferença, afirma que é justo

um tratamento desigual para os envolvidos apenas se resultar em

benefícios compensatórios para cada um, e particularmente para os

membros “menos favorecidos”, “menos afortunados” da sociedade.

Segundo o autor, a interpretação desses preceitos de eqüidade poderia

levar à proposição de que, no processo de alocação de recursos escassos na

assistência à saúde, se mantivesse o princípio da universalidade na distribuição de

recursos, pois isto significaria respeitar a primeira etapa proposta, a da igualdade

entre as pessoas. Em seguida, seria mais adequado destinar o restante dos

recursos para as camadas sociais ou as pessoas menos favorecidas, lembrando

que, no caso brasileiro, estas são a maior parcela da população.

No entanto, na maioria das vezes, a situação é de extrema escassez de

recursos, não havendo o suficiente nem para dar conta da primeira etapa,

sendo necessário priorizar já neste momento. Na tentativa de estabelecer

prioridades nas políticas públicas de saúde, balizamentos diversos têm sido

utilizados pelos gestores, como as bases epidemiológicas e demográficas, os

critérios de morbimortalidade, a vulnerabilidade do agravo, os recursos e a

tecnologia disponíveis, a eficácia e a efetividade dos procedimentos, a força de

trabalho potencialmente afetada e recuperada, a relação custo/benefício e o

impacto social.

A maior parte desses critérios, como sói acontecer na saúde pública,

tem em comum o princípio da utilidade social, proposto pelos filósofos de

origem anglo-saxônica, como Jeremy Bentham. O objetivo perseguido é

propiciar mais benefícios, no caso mais saúde, para o maior número de

Page 37: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Desafios do próximo milênio: bioética e saúde pública 36

pessoas. Busca-se a maximização dos resultados com minimização de custos,

parecendo injusta toda ação que não consiga o máximo benefício ao mínimo

custo. Assim, entre uma campanha de vacinação e um programa de

transplantes, concede-se prioridade ao primeiro, por mais que esta escolha

resulte em prejuízo e até na morte de pessoas.

A utilização desses critérios, com uma visão obtusa da análise custo-

benefício, pode resultar na restrição de acesso a determinadas tecnologias de

alto custo a fim de se poder prover às necessidades básicas da maioria ou

ainda pode levar à discriminação de grupos minoritários ou considerados pouco

produtivos, como os idosos, os portadores de deficiências ou de patologias

menos prevalentes.

As barreiras de acesso à saúde e à assistência médico-sanitária são ainda

muitas e para os excluídos, um sistema de saúde justo soa como um ideal distante.

Parece aberto um vasto terreno de reflexão bioética, na busca de uma teoria de

justiça na saúde e na alocação de recursos que se mostre capaz de dar conta

desses dilemas, pois cada uma das distintas teorias de justiça consiste numa

reconstrução filosófica de uma perspectiva válida da vida ética, entretanto, é capaz

de captar apenas parcialmente sua extensão e sua diversidade.

O desenvolvimento tecnológico, especialmente a medicina preditiva,

acrescenta novos dilemas a este panorama da Saúde Pública. Ao lado dos

benefícios potenciais pela possibilidade da melhoria na qualidade de vida,

surgem as preocupações éticas. Além das relevantes questões da privacidade e

da não-discriminação com base em predições genéticas, esses dilemas trazem

à tona questões ainda não resolvidas na sociedade e que estão na base de

qualquer prática discriminatória. São as questões relacionadas à dignidade da

pessoa, da vida humana e do valor da diversidade na sociedade. A obsessão

pela informação genética pode obscurecer algumas questões decisivas no

campo da saúde e mais ainda na saúde pública, pois vivemos um momento

especial no qual coexistem os problemas de saúde persistentes, como a falta

Page 38: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Desafios do próximo milênio: bioética e saúde pública 37

de saneamento básico, a ocorrência de doenças imunopreveníveis, a

deterioração do meio ambiente e a desnutrição com os problemas emergentes,

como o envelhecimento da população e o conseqüente aumento na prevalência

das doenças crônico-degenerativas, o retorno da dengue, da cólera e da febre

amarela, o aparecimento da AIDS, o aumento da violência urbana e os dilemas

resultantes do avanço da biotecnologia.

Esses e outros problemas de saúde pública somente podem ser

atacados com eficácia mediante uma ação intersetorial com a participação ativa

da comunidade. É preciso, como propõe a Carta de Ottawa, que se utilize um

novo paradigma para a saúde, voltado, prioritariamente, para a promoção desta

e não somente para cuidar da doença.

Eis aqui um desafio para a bioética e a saúde pública nos albores do

terceiro milênio: fazer com que o entendimento mais amplo de saúde deixe de

ser retórica para ser uma prática. Configura uma compreensão limitante

restringir a saúde aos serviços médico-sanitários e a justiça em saúde à

eqüidade no acesso a estes serviços.

É urgente uma saúde pública que contraponha ao individualismo

predominante na sociedade contemporânea os princípios da solidariedade e da

eqüidade. A lógica contábil não pode prevalecer sobre as exigências da vida,

assim como não se podem manter padrões dignos de sociabilidade a partir de

óticas individualistas.

Como afirma Adela Cortina (1995), a justiça é necessária para a

proteção dos sujeitos autônomos, mas igualmente indispensável é a

solidariedade. Se a justiça postula igual respeito e direitos para cada sujeito

autônomo, a solidariedade exige empatia e preocupação pelo bem-estar do

próximo. Os sujeitos autônomos são insubstituíveis, mas também o é a atitude

solidária de quem se reconhece inserido numa forma de vida compartida. Uma

ética consone à realidade social contemporânea é a que possibilita a

formação de pessoas autônomas e solidárias, distantes tanto do coletivismo

Page 39: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Desafios do próximo milênio: bioética e saúde pública 38

homogeneizador como do individualismo sem sinais humanos de identidade.

Tornar possível uma sociedade de sujeitos autônomos na solidariedade é

tarefa política de uma época herdeira do liberalismo e do socialismo, que

aposta nos pilares éticos da autonomia e solidariedade.

Mas como construir essa ética da solidariedade? Um caminho pode

estar na racionalidade comunicativa defendida por Habermas (1988). Para ele,

as sociedades modernas estruturam-se com base em dois princípios societários

distintos: a lógica estratégica do sistema, organizadora do mercado e do

Estado, e a lógica da racionalidade comunicativa, que leva à organização da

solidariedade e da identidade no interior do mundo da vida. A disputa do espaço

social nos pontos de encontro entre sistema (mercado, administração pública,

produção cultural, ciência, tecnologia) e mundo da vida permitiria à sociedade

se defender dos processos mercantilistas e da burocratização das relações

sociais, gerando a possibilidade da criação de espaços de solidariedade.

Essa possibilidade nos remete à essencialidade de uma ética dialógica,

defendendo o estabelecimento democrático do consenso no âmbito de uma

comunidade de comunicação e argumentação, no seio de um processo

dialógico inclusivo e permanente de todos os interessados, os agentes sociais,

no qual se busca, através da argumentação, o equilíbrio possível.

No nosso entender, isso implica ir além do debate público, hoje

colocado como panacéia para muitos males e conflitos sociais, inclui

obrigatoriamente fazer coisas juntos uns com os outros sob a ótica da

prioridade do mundo da vida, pois, como nos lembra Rejane Xavier (1997), é

tendo a responsabilidade de agir, de justificar as escolhas feitas ou não, de dar

razões da ação e de arcar com as conseqüências, que se aprende a viver junto.

Pensando na saúde pública, poderíamos afirmar que será esse fazer junto das

políticas públicas de saúde que suscitará o compromisso da sociedade com

seus ideais de saúde.

Page 40: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Desafios do próximo milênio: bioética e saúde pública 39

A sobrevivência da própria humanidade, e poderíamos arriscar dizer do

próprio planeta, dependem das práticas de justiça e solidariedade. Neste

sentido, parece pertinente terminar esta reflexão com uma advertência de

Martin Luther King: “Temos de aprender a viver juntos como irmãos ou

pereceremos juntos como loucos.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORTINA, A. Ética sin moral. 3. ed. Madrid: Tecnos, 1995.

ETHICAL challenges in managed care. Kennedy Institute of Ethics Journal, v. 4,

n. 7, 1997. [special issue].

FORTES, P.A.C. Bioética e saúde pública: tópicos de reflexão para a próxima

década. O Mundo da Saúde, n. 24, p. 31-38, 2000. ______. O dilema bioético de selecionar quem deve viver: um estudo de

microalocação de recursos escassos em saúde. São Paulo, 2000. Tese de

Livre-Docência – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

FRENK, J. La nueva salud pública. In: ORGANIZACIÓN Panamericana de la

SaIud. La crisis de la salud pública: reflexiones para el debate. Washington,

1992. [publicación científica n. 540].

HABERMAS, J. A nova intransparência: a crise do estado de bem-estar social e

o esgotamento das energias utópicas. Novos Estudos, n. 18, p. 103-114, 1987.

THE WORLD Health Organization. Health systems: improving performance.

Washington, 2000. [The World Health Report 2000].

XAVIER, R. M. F. Por uma ética do gerenciamento dos conflitos. Bioética, v. 1,

n. 5, p. 87-92, 1997.

WIKLER, D. Presidential address: bioethics and social responsibility. Bioethics,

n. 11, p. 185-192, 1997.

ZIONI, F., PALOS, C. M. C. A questão da ética em tempos de fim de século. O

Mundo da Saúde, n. 24, p. 5-9, 2000.

Page 41: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 40

O impacto das novas tecnologias na sociedade

FRANCISCO DE ARAUJO SANTOS∗

credito que, para poder falar do impacto de novas tecnologias na atual

sociedade, é preciso antes não só definir o que se entende por tecnologia, mas

investigar sua história. Começo, pois, apresentando meu conceito de tecnologia

e um pouco de sua história. Tecnologia para mim é um dos elementos do

processo orgânico, comumente chamado de modernidade. Este processo criou

uma ruptura entre dois mundos: o antigo, ligado ao mito ou à metafísica, e o

moderno que, embora não extinga as assim chamadas “aspirações metafísicas”

de muitas pessoas, coloca tais preocupações no âmbito da intimidade pessoal e

não da discussão social.

MODELOS DE RUPTURA

A teoria da ruptura, expressa em inglês pela expressão big ditch theory,

teve em Ernest Gellner (falecido em fins de 1995) um dos seus mais vibrantes

defensores. Não pretendo afirmar que siga literalmente a teoria de Gellner, mas

aceito a existência desse fenômeno, tendo em vista o grande poder explicativo

que tem em relação aos caminhos tomados pela sociedade humana (Gellner,

1979, 1992).1

∗ Escola de Administração – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

Assim, pois, sem me preocupar em estar ou não de acordo com

Gellner, apresento a minha versão da ruptura ou da big ditch theory. Para

enquadrá-la no devido contexto, apresento três modelos da evolução da

1 Embora tenda a concordar com Gellner, que distingue a ruptura do processo evolucionário, creio importante a reflexão de Braudel e de outros autores, segundo a qual “houve uma evolução (um movimento lento), depois uma revolução, isto é, uma aceleração. Dois movimentos ligados um ao outro” (Braudel, 1979, p. 326).

A

Page 42: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 41

sociedade humana: o de Comte, o de Marx e o inspirado em Max Weber, que

chamo de Modelo Neoweberiano. O primeiro é bem conhecido e simples (ver

Figura 1). Para Comte, a sociedade humana era feita pela cabeça dos homens.

O que lhes predominava na cabeça, e determinava sua visão de mundo, era

básico para a sociedade. Inspirado remotamente em Condorcet, e, mais

proximamente, em Saint-Simon, Comte concebia três idades, ou épocas, para a

humanidade: a mítica, a metafísica e a positiva. Considero este esquema rico,

poderoso e útil.

Figura 1

Para Marx, a sociedade era feita pela cabeça dos homens que a

dominavam, mas esta cabeça, por sua vez, era determinada pelas estruturas

econômicas. Considerava, assim, uma série de degraus, iniciando com a

sociedade primitiva (comunista), continuando com a escravagista, a feudal, a

burguesa (ou capitalista), havendo a expectativa da passagem para a

sociedade socialista (ver Figura 2). Marx também falava em rupturas (que para

ele eram revolucionárias), e aceitava, como Comte aceitara antes dele, o

processo inevitável da modernidade ou “progresso”. Marx, portanto, embora

Page 43: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 42

profundamente inspirado por Rousseau em outros temas, discordava dele na

sua aversão à modernidade (Araujo Santos, 1990):

Figura 2

O meu modelo preferido, por estar inspirado em Max Weber, deve

muito a Marx, já que Weber tirou de Marx boa parte de sua temática, embora

com abordagem distinta. O que apresento com o nome de Modelo

Neoweberiano, é diretamente inspirado no sociólogo inglês, radicado nos

Estados Unidos, John HalI (1985; ver Figura 3). No eixo vertical estão as três

eras da sociedade, ao estilo de Comte: a primitiva (animista ou mítica), as

grandes sociedades agrárias ou feudais (impregnadas da mentalidade

teológico-metafísica) e a modernidade (fundamentada no espírito positivo). O

eixo horizontal registra o passar do tempo. Duas forças aparecem no modelo.

De um lado, há a força do movimento e do progresso; do outro lado, há a

inércia cultural: a manutenção, ao longo do tempo, dos patamares atingidos. A

Page 44: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 43

modernidade instaura um furacão, que se expande por todas as civilizações. O

furacão é, assim, a primeira metáfora da modernidade.2

Figura 3

A meu ver, vale a pena ainda traçar o paralelo em que Gellner insistira

bastante antes da década de oitenta, mas que posteriormente abandonou.3

2 Braudel (1979, p. 326), com seu estilo pitoresco e suculento, faz um interessante comentário: “Aparece

o vapor, e tudo no Ocidente será acelerado como que por magia.”

Trata-se das semelhanças entre a assim chamada revolução neolítica: a da

pedra polida, que nos deu as primeiras facas, facões, machados, e, por fim, o

grande avanço tecnológico da época, o arado. O arado consolidou a revolução

agropastoril (ver o ponto A na Figura 3). Lá se dera a primeira grande ruptura

cultural após o aparecimento do homo sapiens. (A origem do homo sapiens é

indicada pelo ponto O na Figura 3.) Até este aparecimento houve o

desenvolvimento do hardware humano (através da dinâmica genética). A partir

3 Revelado em conversa com o autor em Cambridge (UK) em 1984.

Page 45: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 44

do surgimento do homo sapiens, põe-se em marcha (através da dinâmica

memética), o desenvolvimento do software, da cultura, a qual inclui também a

tecnologia. Por sua vez, a tecnologia – e esse é um dos problemas a serem

discutidos neste Congresso – está hoje possibilitando ao homem, através da

engenharia genética, intervenções importantes no seu próprio hardware.

Mas aqui é preciso corrigir um certo simplismo implícito no que acima

foi dito. A evolução do hominídeo, desde o afarensis, que apareceu cerca de 3,5

milhões de anos atrás, até o homo sapiens, que terá aparecido no máximo há

500 mil anos, provavelmente menos, não foi feita de forma passiva. A tese

fundamental de Jonathan Kingdon, no seu livro Self-made man (1993), é que os

indivíduos, das diversas “espécies” de hominídeos, “colaboraram”

filogenicamente, utilizando sua inteligência embrionária, mas de crescente

complexidade, para a sua sobrevivência e a da sua descendência, ensejando o

surgimento de espécies com massa cerebral cada vez mais complexa,

poderosa e refinada. Esta hipótese de Kingdon, que poderá parecer

demasiadamente especulativa, é complementada pelos estudos do antropólogo

italiano Fausto Massimini (et al., 1996), por longo tempo associado ao projeto

de pesquisa de Mihaly Csikszentmihalyi (1991, 1992). Este psicólogo americano

de origem húngara codificou o conceito de flow como um estado ativo e criativo,

de dinâmico equilíbrio entre desafios e capacidades. Sucessivos estados de

crescentes desafios só puderam ser vivenciados e superados porque se dera

um desenvolvimento de crescentes capacidades. Daí que Massimini

correlacione (pelo menos implicitamente) a vivência de um certo tipo de flow por

parte dos próprios hominídeos, com o sucessivo aparecimento de formas cada

vez mais complexas. Ora, os sinais reveladores da crescente complexidade e

capacidade dos hominídeos foram os instrumentos que criaram e utilizaram;

portanto, o balbuciar da tecnologia.

Page 46: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 45

A LARANJA DA MODERNIDADE

A teoria da ruptura, ou do “grande abismo”, focaliza a separação e é

representada por um vazio. A modernidade, no entanto, é um processo rico e

complexo. Prefiro representá-la por uma metáfora orgânica, uma laranja, que

tem oito gomos, quatro ácidos e frios, e outros quatro doces e quentes (ver

Figura 4). Esta segunda metáfora da modernidade me parece ilustrativa. Junto

com a ciência, o empresamento econômico e a crítica epistemológica, a

tecnologia forma o primeiro grupo de gomos da laranja (Araujo Santos, 2000).

Figura 4

Esses gomos, ácidos e frios, são os elementos da modernidade visados

pelos críticos humanistas em seu movimento cultural contra a modernidade.

Minha ênfase é na multiplicidade ou polivalência do processo. Não engloba só

estes elementos. Engloba, também, os outros quatro a serem abaixo discutidos.

Mas, mesmo antes de analisar os gomos doces e quentes, esta visão da

pluralidade e da complexidade do processo ajuda a compreender cada um dos

elementos individualmente. Cada um deles, em si, tem aspectos positivos e

Page 47: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 46

negativos, simpáticos e antipáticos, à visão humanista do mundo. Entretanto,

seja qual for nossa atitude perante a ciência e a tecnologia, delas não

escapamos. Isto nos faz pensar em duas outras metáforas da modernidade. A

primeira foi também sugerida por Max Weber no fim do seu conhecido ensaio A

ética protestante e o espírito do capitalismo: a jaula de ferro (1958; ver Figura

5A). De fato, Weber deveria falar em ratoeira, na qual o animal entra, mas não

consegue mais sair. Às vezes, gosto de dizer: “A modernidade é como uma

‘pequena’ gravidez: um processo inexorável que só pode ser interrompido

abrupta e violentamente.”

Figura 5

Em contraponto a essa metáfora de Max Weber (1864-1920), há a

metáfora implícita em Sigmund Freud (1856-1939). O curioso sobre estes dois

contemporâneos, que escreviam na mesma língua alemã, é que jamais se

leram, embora ambos tratassem dos mesmos problemas. Para Freud, a

civilização moderna era a geradora do grande “mal-estar”, semelhante ao

experimentado pelo rebento que deixava o conforto uterino para enfrentar o

cenário do mundo real. Em toda neurose e psicose, de acordo com Freud, há

Page 48: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 47

uma saudade do útero materno (ver Figura 5B). O útero materno seria como

uma floresta virgem em que um número imenso de seres vivem (pelo menos em

nossa imaginação), numa “harmoniosa” simbiose, em contrapartida, a vida

extra-uterina pode ser descrita como o “deserto da liberdade”, no qual o

indivíduo, embora inicialmente perplexo, tem que construir, com as próprias

mãos e junto com sua comunidade, um novo hábitat.4

A MALHA TÉCNICO-CIENTÍFICA

Daí a importância central

da tecnologia. Tendo abandonado a selva, ou a “mãe natureza”, ou o “paraíso

terrestre”, o homem penetra simultaneamente no mundo tecnológico e no

mundo do “mal-estar” (Freud, 1986). Este contraste, entre o impulso para o

avanço e o mal-estar do progresso, é denunciado por Freud em todos os

estágios da civilização. Entretanto, embora Freud não tenha falado

explicitamente na modernidade, é legítimo derivar de seu argumento que o mal-

estar se torna mais agudo com a irrupção da modernidade.

O termo “tecnociência”, sugerido por Bruno Latour (1987), amplia o

significado da tecnologia e a conceitua em conexão inquestionável com a ciência.

Ciência é a caixa aberta à interrogação que tenta avançar além da fronteira da

realidade conhecida. Tecnologia é a caixa preta, fechada. É aquilo que dou por

conhecido quando faço minhas interrogações científicas. Algo que é, hoje, a caixa

fechada, pode ser amanhã a caixa aberta, por já não estarmos satisfeitos com

uma certa teoria vigente. Isto leva também a considerar duas faces na tecnologia:

a de hardware e a de software. O hardware tecnológico é o conjunto de aparelhos

e instrumentos utilizados, seja numa rotina de trabalho, seja numa pesquisa

científica. Software é o conjunto dos conhecimentos, aceitos no campo específico,

e “depositados” em revistas e livros, bem como na cabeça dos profissionais que

atuam no mesmo campo. Distinguem-se, assim, 3 campos de atuação do

4 Revela-se aqui a pertinência da reflexão de Jacques Monod (1970, p. 43): “[...] as

concepçõesanimistas têm ainda raízes profundas e vivas na alma do homem moderno.”

Page 49: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 48

indivíduo humano: (1) die Lebenswelt, ou o mundo do dia-a-dia; (2) a tecnologia

propriamente dita, que é o campo de exercício profissional; por fim, há (3) a

ciência no sentido estrito. Nesse último campo fazem-se as investigações,

testando os velhos paradigmas, e introduzindo novos. Estes três campos

identificam também três tipos de vivência social (ver Figura 6).

Esses campos de vivência são, ao mesmo tempo, distintos e

profundamente entrelaçados. A mente do físico, que está familiarizada com os

quarks, com a antimatéria, com os buracos negros, ou a mente do homem

especializado nos mais recentes avanços da eletrônica, está muito distante da

cabeça da “dona de casa”, na cozinha com moderníssimos equipamentos, ou

na sala de estar com sua aparelhagem “multimídia”. No entanto, um extremo

alimenta o outro. Entre estes dois mundos, o do avanço científico e o do dia-a-

dia, há o mundo intermediário, que chamei de mundo da tecnologia. É o mundo

em que o estado da arte é aplicado. Este mundo apresenta também situações

paradoxais. Elas nos oferecem chances de melhora material, mas criam de

nossa parte uma dependência, na qual o grande elo é antes uma confiança

cega do que um “consentimento informado”. (E aqui trago para esse fórum um

problema candente).

Figura 6

Page 50: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 49

A malha técnico-científica, em si, exige do homem moderno uma adesão.

Esta adesão genérica não é cega. Ao contrário, é muito bem fundamentada. As

estatísticas sobre a expectativa de vida, o nível de qualidade de vida das

populações de classe média em todos os países, o crescimento desta mesma

classe média nos países mais prósperos, bem como o crescimento geral da

qualidade de vida destas populações de classe média, todos são sinais da eficácia

da malha técnico-científica. No entanto, cada caso é um caso, e individualmente

cada um de nós pode se tornar vítima de falhas do sistema. Tem-se aventado a

hipótese de que a disseminação do nível da educação há de aumentar

constantemente o aspecto crítico e informado do paciente diante do médico, ou do

cliente diante do advogado. Esta é a expectativa, por exemplo, que norteia a

pesquisa que o Dr. José Roberto Goldim (1999) fez sobre o consentimento

informado. Pessoalmente, acredito que a adesão genérica à malha é, sim, fruto do

conhecimento geral que o indivíduo tem sobre o mundo técnico-científico. No

entanto, as decisões individuais a respeito de uma orientação médica, ou de uma

orientação legal, para só ficar nestes dois exemplos, vão depender da relação

pessoal entre o profissional e o cliente, e vão depender, também, e muito, do

estado emocional do próprio paciente ou cliente.

Esses são dois aspectos subjetivos ou existenciais, que sempre

existiram, mas que, devido à sua feição paradoxal, se tornam críticos na

modernidade. A sociedade atual, predominantemente científica e positiva, é,

ainda, a seu modo, uma sociedade de fé e de simpatias. Estas simpatias podem

até ser passageiras, como passageiros são os contatos com os profissionais da

saúde e da lei, ou com os vendedores de jóias e imóveis, bens que não são

comprados com muita freqüência.

OS NÍVEIS DA REALIDADE

O que fica óbvio do acima dito e ilustrado é que as diversas vivências

sociais se distinguem por diversos níveis de realidade. Estes são atingidos e

Page 51: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 50

manejados pelas pessoas, que formam as diversas comunidades técnico-

científicas. Por sua vez, o “mundo vivido”, die Lebenswelt, tem como cenário o

primeiro nível da realidade, aquilo que os antigos metafísicos chamavam de

aparência, em contraposição à essência escondida das coisas. A contribuição

definitiva da modernidade, a partir de Galileu, foi passar a considerar a assim

chamada aparência como primeiro nível da realidade.

Vejo-me aqui obrigado a fazer uma pequena incursão no campo da

epistemologia, embora a minha preocupação principal seja a tecnologia. Mas,

como já foi mostrado, a malha técnico-científica aponta para uma verdadeira

simbiose do conhecimento científico com a tecnologia, e vice-versa. Por esta

razão, uma discussão sobre o avanço tecnológico e seu impacto na vida

contemporânea não pode prosseguir sem uma referência ao status

epistemológico da própria ciência.

O problema central da epistemologia é a legitimação do conhecimento.

Ou seja, no caso genérico, quais as razões que tenho para dar minha adesão à

malha técnico-científica? Algumas destas razões já foram apontadas acima. Da

mesma forma, a epistemologia nos poderá gerar regras a serem utilizadas em

casos individuais de escolhas de profissionais. Como disse acima, muitas

destas decisões individuais parecem ser frutos antes de pendores subjetivos do

que de juízos objetivos. A epistemologia trata da objetividade de nossos juízos e

asserções. Principalmente, trata da dificuldade que a maioria da população tem

em fazer juízos objetivos sobre os vastos campos abertos pela ciência. A

rapidez com que estes campos vêm se ampliando e influenciando a vida

cotidiana, criou o paradoxo de considerarmos como “era de incertezas” a época

em que o conhecimento da realidade circundante cresce vertiginosamente.

A situação acima descrita nos leva a distinguir dois conceitos básicos

da realidade: um é concreto, e se refere à vida cotidiana de cada ser humano; o

outro é abstrato e genérico, abraçando a primeira concepção, concreta, mas a

ela adicionando muitos outros níveis. A noção básica de realidade fundamenta-

Page 52: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 51

se nas vivências elementares das pessoas, descritas pela linguagem comum, e

dando origem às metáforas fundamentais com que mapeamos o mundo.

Podemos considerar, por exemplo, um aborígine levando um filho ao alto da

montanha e indicando no cenário certas “entidades”, ou qualidades das coisas,

que se tornarão básicas não só nas suas vivências futuras, mas também na sua

linguagem: o alto e o baixo, o próximo e o distante, a esquerda e a direita, ou os

pontos cardeais, etc. Da mesma forma, um pai hoje, num mirante no topo de um

arranha-céu, pode ter as mesmas vivências e as expressar a seu filho em

termos bem parecidos. Esta é a realidade universal, expressa de modo mais ou

menos semelhante em todas as línguas. Esta é a realidade da nossa referencial

idade básica. Gosto de falar na velhinha que atravessa a rua com cuidado, para

não ser atropelada pelo entregador de pizza em sua veloz motocicleta. Mas há

uma realidade muito mais genérica, muito mais ampla, que pode ser expressa

por uma matriz nas dimensões m por n, sendo ambos os números, embora

desiguais, aproximadamente infinitos (Figura 7). A primeira coluna desta matriz

reproduz a realidade vivencial básica, de que falávamos, e que expressam os

níveis cada vez mais avançados de conhecimentos nos vários campos

indicados pelas linhas da matriz.

Ora, como nos mostra a história da ciência, desde que Galileu fez uso

do telescópio, esse avanço do conhecimento não se teria feito sem a ajuda da

tecnologia. Em geral, consideramos a tecnologia como meio de intervenção no

mundo externo. No entanto, ela é imprescindível como meio de progresso do

conhecimento científico. É por causa do avanço tecnológico que podemos ter

uma concepção da realidade com uma matriz abstrata. Ou seja, um

conhecimento do mundo que vai além do olho nu.

Page 53: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 52

Figura 7

OS GOMOS QUENTES DA LARANJA

Assim como os gomos ácidos e frios têm na ciência o seu carro-chefe,

assim também os gomos doces e quentes têm a sua cabeça de ponte nos

direitos humanos universais (ver Figura 4). Na concepção orgânica do processo

da modernidade todos os outros elementos quentes derivam da universalização

dos direitos, assim como todos os elementos frios seguem o progresso da

ciência. O curioso é que esses dois elementos da modernidade (a ciência, ou

investigação científica, e os direitos humanos universais) nascidos da mesma

raiz, tenham aspectos antagônicos. O caso de Galileu é bastante ilustrativo: o

indivíduo quer ter o direito de fazer uma indagação científica, mas um poder

maior o impede de fazê-lo. Esta foi a intuição básica expressa no Galileu de

Brecht: a universalização, para todo o povo, do direito de pensar. Concordo.

Em vez de insistir nos aspectos antagônicos entre os gomos frios e

quentes, quero insistir na sua raiz comum. Sob este ângulo, desejo analisar o

impacto da tecnologia na sociedade moderna. Há um grande mal-entendido a

Page 54: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 53

respeito do ponto de vista inicial, que impede o sereno debate sobre o

problema. A análise das relações entre a tecnologia e a sociedade tem sido

infectada por considerações relacionadas com o poder exercido pelos diversos

atores do processo. Ou seja, a suspeita de que os atores ou ameacem os

poderes existentes ou queiram aumentar o seu domínio sobre os outros,

impede uma análise isenta sobre o benefício que determinado avanço

tecnológico possa trazer para toda a humanidade. Tive a oportunidade de

assistir, cerca de um ano atrás, um interessante debate sobre transgênicos,

entre o Prof. Francisco Salzano e o atual Secretário de Agricultura do Rio

Grande do Sul. O Prof. Salzano insistia nos benefícios que o avanço

tecnológico podia trazer para toda a população. O Secretário Hoffmann insistia

nas desvantagens do aumento do poder econômico da empresa produtora de

sementes transgênicas. O que a platéia ouviu foram dois discursos paralelos,

não convergentes. Uma observação muito lúcida foi, então, feita pelo Prof.

Cordeiro, decano dos biólogos gaúchos, mais ou menos nos seguintes termos:

“Alguma entidade deverá produzir os transgênicos. Seja o Estado, seja uma

organização privada. Não podemos roubar à população a oportunidade de

acesso a esse avanço tecnológico.” Na minha ousadia de leigo no assunto

gostaria de fazer a seguinte conclusão: o homem é um animal transgênico;

através da dinâmica genética o símio se transformou em hominídeo, e o

hominídeo se transformou em homo sapiens. Por sua vez, através da dinâmica

memética, o homem moderno tem sido capaz de fazer progressos técnico-

científicos, até chegar à assim chamada engenharia genética. Como justificar

eticamente o amordaçamento de Galileu?

Consideremos, agora, as objeções das pessoas que pensam como o

Secretário Hoffmann. Não lhes passa pela cabeça amordaçar ninguém.

Desejam é coibir o abuso do poder econômico que possa trazer malefícios à

população. Como o Estado não tem recursos para produzir os transgênicos,

preferem atender o mercado dos que não querem os transgênicos. Mas, mesmo

Page 55: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 54

que haja um grande mercado para as sementes não-transgênicas, ou naturais,

quem nos garante que não haja aí um erro coletivo? Afinal, os humanistas

também erram! Para esclarecer o problema, consideremos dois casos. O

primeiro é o da indústria do fumo, ou do cigarro industrializado; o segundo é o

dos refrigerantes, como a Coca-Cola e Pepsi-Cola, que dominam o mundo. Em

países europeus, mesmo não-comunistas como a França, os cigarros foram

produzidos por indústrias estatais, como, aliás, em quase todo o mundo as

loterias são exploradas pelo Estado. Afinal, a indústria do fumo é fonte de

preciosas rendas para o Estado. Onde o Estado não produz, diretamente,

ganha muito (provavelmente mais do que se produzisse diretamente), através

dos altos impostos que incidem sobre o fumo em geral. Hoje se chegou à

conclusão de que as doenças produzidas pelo fumo não só ameaçam a

qualidade de vida da população, mas que o próprio Estado fica muito onerado

com as despesas decorrentes destas doenças, e que devem ser arcadas pelo

sistema oficial de saúde.

Nenhuma das duas indústrias, a de cigarros como a de refrigerantes,

representa um extraordinário avanço na ciência e na tecnologia. No entanto, no

seu processo de produção, seja técnico, seja legal, bem como de distribuição

comercial pelo mundo todo, ambas são sustentadas pelo que há hoje no mundo

de tecnologicamente mais avançado. Podemos mesmo dizer que tanto a Coca-

Cola como o cigarro Malboro são mundialmente comercializados graças aos

avanços da tecnologia. No caso do cigarro, este fruto da tecnologia é

claramente deletério, havendo, hoje, no Brasil um projeto de lei, de iniciativa do

Ministério da Saúde, proibindo todo tipo de propaganda. Eis um exemplo de

impacto deletério da tecnologia, considerada num sentido amplo. Será que

podemos dizer o mesmo da Coca-Cola ou da Pepsi-Cola? Lembro mesmo de

um monge beneditino, criticando a vulgaridade do mundo atual, marcado pela

“geração Coca-Cola”, à qual ele contrapunha a “nobreza” do vinho; o vinho que

tem um papel importante na liturgia católica. A ironia é que o vinho, com sua

Page 56: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 55

“nobreza artesanal”, nas regiões onde é produzido, tem gerado hábitos

deletérios, com o seu uso entre crianças.

OS CINCO MECANISMOS DA SOCIEDADE MODERNA

Esses dois exemplos podem não ser os mais felizes, mas mostram

como numa sociedade complexa leva muito tempo para que se forme um juízo

sobre práticas e hábitos. Entre os gomos quentes e doces da modernidade há o

que chamo de “a emergência das ciências sociais”. Ora, estas ciências

emergiram e cresceram com os mecanismos sociais, marcantemente

modernos, que são por elas estudados. O primeiro mecanismo é a autoridade

ou o governo, é o primeiro elemento formador de qualquer agrupamento de

indivíduos. Na sociedade moderna, porém, a autoridade é escolhida

democraticamente, e separada em poder executivo e legislativo. Há ainda toda

uma estrutura institucional que permite o funcionamento de vários partidos

políticos. Os valores almejados por este mecanismo são a ordem e a liberdade

democrática. O segundo mecanismo é o da justiça, orientado para a justiça

como valor. O terceiro mecanismo é o da ciência e educação, voltado para o

conhecimento como valor. Em parte, a malha técnico-científica retrata a

operação deste mecanismo dentro da sociedade. Temos, ainda, o quarto

mecanismo: a sociedade civil, que se orienta para a liberdade de fruição.5

CONCLUSÃO: O IMPACTO NA SOCIEDADE E O HORIZONTE ÉTICO

Por

fim, há o mecanismo de mercado, que se guia pelo valor econômico das coisas.

As ciências sociais, que emergiram com a modernidade, nada mais são do que

o estudo destes mecanismos. A atuação equilibrada destes mecanismos vai

permitir que, a médio e longo prazo, a sociedade aprenda a usar a tecnologia, e

corrija os erros que possa ter cometido, como fez no caso do cigarro.

5 Em capítulo de livro em preparo, inspirado na laranja da modernidade, discuto as duas liberdades

aqui identificadas, a democrática e a de fruição.

Page 57: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 56

Já advoguei em outras oportunidades, e em algumas publicações

(Araujo Santos, 1997), a hipótese de que o nível moral das sociedades tem

melhorado com a modernização. Trata-se de uma idéia controversa, e não é

exigida como premissa pelas conclusões deste trabalho. Se acredito que as

sociedades humanas possam ter melhorado seu comportamento ético ao longo

do processo da modernidade, não acredito que a tendência dos seres humanos

para a autodestruição individual e social (na qual incluo o processo de

decadência moral), tenha diminuído. Ou seja, o que os moralistas identificam

como a misteriosa tentação para fazer o mal, inclusive para si mesmo, no médio

e longo prazo, continua forte como sempre. Ao utilizar a tecnologia, o homem

pode ser vítima destas tentações. Mas a tecnologia não é um mal em si, nem

aumenta por si só a probabilidade de o homem ceder mais às tentações do mal.

No contexto completo da modernidade, tal como a considero, a tecnologia deve

ser considerada como algo de bom e positivo. Não é apenas algo neutro. No

entanto, nada impede que a perversidade humana transforme coisas boas em

sementes do mal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAUJO SANTOS, Francisco. A emergência da modernidade, Atitudes, tipos e

modelos. Petrópolis: Vozes, 1990. ______. Ethics and irony: the manager’s predicament. Série Documentos para

Estudo, Porto Alegre: PPGA/UFRGS, n. 7, 1997.

BRAUDEL, F. Civilisation matérielle, économie et capitalisme. XVe-XVlIIe siècle.

I. Les structures du quotidien. Paris: Armand Colin, 1979.

CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. A psicologia da felicidade. São Paulo: Saraiva, 1992. ______. Flow. The psychology of optimal experience. New York: Harper, 1990.

Page 58: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

O impacto das novas tecnologias na sociedade 57

FREUD, Sigmund. Abriss der Psycoanalyse. Das Unbehagen in der Kultur, mit

einer Rede von Thomas Mann als Nachwort. Frankfurt: Fischer Taschenbuch

VerIag, 1986.

GELLNER, Ernest. Legitimation of Belief. Cambridge University Press, 1979. ______. Postmodernism, reason and religion. London/New York: Routledge, 1992.

GOLDIM, J. R. O consentimento informado e a adequação de seu uso na

pesquisa em seres humanos. 1999. Tese (Doutorado) – Clínica Médica da

UFRGS. Porto Alegre.

HALL, John A. Powers and liberties. The causes and consequences of the rise

of the west. Oxford: Basil Blackwell, 1985.

KINGDON, Jonathan. Self-made man and his undoing. London:

Simon&Schuster, 1993.

LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Philosophy in the flesh. The embdied mind

and its challenge to western thought. New York: Basic Boks, 1999.

LATOUR, Bruno. Science in action. Milton Keines: Pen University Press, 1987.

MASSIMINI, Fausto et al. La selezione psicologica umana. Teoria e metodo

d’analisi. Milano: Cooperativa Libraria I.U.L.M., 1996.

MONOD, Jacques. Le hasard et la nécessité. Essaie sur la philosophie naturelle

de la biologie moderne. Paris: Seuil, 1970.

WEBER, Max. The protestant ethic and the spirit of capitalism. New York:

Charles Scribner’s Sons, 1958.

Page 59: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Deontologia Médica e Bioética 58

Deontologia Médica e Bioética

GENIVAL VELOSO DE FRANÇA∗

ntes, a Deontologia Médica era um assunto que dizia respeito apenas à

profissão médica, distante de qualquer outro interesse que não fossem

aqueles ditados e protegidos pelos ditames morais e culturais dos que

exerciam a profissão.

Atualmente, isso não se verifica mais. A Deontologia Médica alcança

aspectos significantes a partir do instante em que as grandes inovações no campo

da saúde começam a modificar a vida humana e quando há dúvidas e reclamações

na maneira como tudo isso ocorre. Como diz Martin:1

Desse modo, a Deontologia Médica vai pouco a pouco se

transformando num projeto do interesse de todos, pois a vida e a saúde não são

apenas do interesse dos médicos e de suas corporações, mas também de

todos os segmentos da sociedade. Algumas das posições antes assumidas

pelos médicos foram esquecidas e outras questionadas, sendo certamente

reformuladas com o passar do tempo, pois muitas serão as pressões para isto.

A velha fórmula de entender que o médico sabe sempre o que é bom para o

paciente, sem nenhuma justificativa ou consentimento do paciente ou dos seus

familiares, vai sendo paulatinamente substituída por outra onde as pessoas

exigem o direito de saber as razões e os motivos do que nelas se faz. E, até

mesmo, o direito e a motivação para cobrar do profissional possíveis danos

onde fique manifesto o descumprimento de seus deveres de conduta ética ou

de ofício.

“Além da questão técnica do

que se pode fazer, surge a questão ética do que se deve fazer.”

∗ Universidade Federal da Paraíba. 1 MARTIN,... A ética médica diante do paciente terminal. Aparecida: Santuário, 1993.

A

Page 60: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Deontologia Médica e Bioética 59

Isso quer dizer, portanto, que numa sociedade pluralista não sejam

apenas os médicos a contribuir para a reformulação das regras éticas de suas

atividades. Eles próprios reconhecem hoje a importância e a necessidade da

contribuição que a sociedade como um todo venha a dar às questões cujas

diretrizes e valores estão em jogo na relação cada vez mais trágica entre o

médico e o paciente, principalmente com ênfase ao que se chama de “direitos

dos doentes”. Tal fato está claramente evidenciado dentro de uma concepção

que agora é chamada de “bioética”. Esta concepção fez com que, no atual

Código de Ética Médica, a base dos direitos do paciente não seja mais pelo fato

de ele ser doente, mas pela sua condição de ser humano. Houve, portanto, um

notável avanço na relação entre o médico e a população, ambos como que

assumindo um compromisso mais sério em querer transformar a sociedade.

Por outro lado, a socialização da medicina com a expansão dos

serviços de saúde e a criação das instituições prestadoras da assistência

médica, colocou-se entre o médico e o paciente, inclusive assimilando as

situações novas e suas complexas implicações de ordem éticas e morais. E,

assim, o que antes era apenas da exclusiva responsabilidade do médico,

passou, também, a ser dessas instituições que prestam serviços à saúde, as

quais não poderiam ficar indiferentes às normas que se inclinam em favor das

ordens pública e do interesse social.

Desse modo, há motivos políticos e sociais que começam a reclamar

dos médicos posições mais coerentes com a realidade que se vive. Um modelo

capaz de revelar o melhor papel que essa postura venha desempenhar no

complexo projeto de direitos e deveres, e que possa apontar, com justiça e

conveniência, o caminho ideal na realização do ato médico e nas exigências do

bem comum. Cria-se uma nova conceituação baseada em princípios de uma

bioética, onde se faz uma ponte ou um elo mais ajustado entre as ciências da

vida e o humanismo.

Page 61: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Deontologia Médica e Bioética 60

A Medicina sofreu um extraordinário e excitante progresso, obrigando o

médico a enfrentar situações novas, algumas delas até em conflito com seu

passado hipocrático. Situações jamais imagináveis começam a ser da rotina

comum da prática médica, como os transplantes de órgãos e tecidos, a

fertilização assistida e o próprio uso da cartografia do gene humano e, do

desdobramento disto, a necessidade de se criar limites de regras éticas,

colocando cada coisa no seu devido lugar: de um lado, a necessidade de se

propiciar condições de vida e de saúde cada vez melhor; de outro, a

preocupação de não se descuidar da dignidade humana.

Não é exagero dizer, portanto, que a saúde e a doença, como

fenômenos puramente sociais, exigem soluções políticas. Exigiu-se do médico

uma saída imediata em busca de um processo de conscientização crítica, no

sentido de não perder seu direito de decisão. Ele não pode permanecer na

periferia das doenças. Teve de reduzir seu poder sobre o indivíduo e ampliar

sua capacidade de intervenção sobre o meio. Assim, as regras éticas

contemporâneas, mesmo sem se distanciar das influências hipocráticas, foram

necessariamente incorporadas às novas idéias oriundas de muitos anos de

exercício profissional, de sentidas reflexões e de duros embates.

Tal fato se deve não apenas às questões de ordem econômica, social,

política e jurídica, mas, também, às incursões de ordem filosófica que se

registram na discussão e na avaliação sobre o poder médico. A Deontologia

Médica mais tradicional vai se transformando, queira-se ou não, num ramo da

filosofia moral e particularmente da ética prática, e isto, com certeza, se bem

aproveitado, dará oportunidade para se responder a muitas questões que ainda

continuam desafiando o estudioso desta matéria. Queira-se ou não, somos

obrigados a reconhecer que muita coisa se deve às teorias filosóficas da moral

quando se fala da evidente transformação da ética médica. Dificilmente a

Medicina voltará ao tempo em que a sua ética era uma questão apenas

corporativa. Assim, por exemplo, questões como o suicídio assistido, a cirurgia

Page 62: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Deontologia Médica e Bioética 61

transgenital e o próprio conceito de morte serão assuntos muito mais da

discussão do conjunto da sociedade do que propriamente de uma decisão

interna corporis.

Se a Deontologia Médica é uma harmonia entre a teoria e a prática, não

se pode carregar numa ou noutra coisa, pois se corre o risco de transformar a

Medicina numa atividade eminentemente subjetiva ou reduzi-Ia a simples

executora de regras técnicas.

Ninguém pode esquecer que as teorias dos filósofos da moral têm

influenciado muito a forma de exercer a profissão naquilo que diz respeito a

certas condutas até então inimagináveis, notadamente numa profissão de

regras não-tradicionais. Isto não quer dizer que os médicos vão deixar que o

curso de sua profissão seja ditado por aqueles pensadores. Não. Mas é muito

importante que se aliem algumas propostas no sentido de restabelecer o

humanismo que se perde a cada instante.

A Medicina viveu ao longo de muito tempo no período hipocrático, presa

aos rigores da tradição e das influências religiosas. Pode-se dizer que esta fase

permaneceu por muitos séculos e se estendeu até o final dos nossos anos

cinqüenta. Já no século XVII e XVIII o pensamento ético se afasta da religião

(Hobbes, Locke, Hume, Kant). A obra de Thomas Percival, Medical ethics

(1803), tem muito da filosofia moral de David Hume. Naquela época, tudo

levava o médico a conduzir-se da forma mais virtuosa e sua profissão

equiparava-se a um sacerdócio, inclusive servindo-se como modelo pedagógico

para as regras da vida moral das outras pessoas.

Tal postura respondia a um modelo calcado no corpus hipocraticum,

constituído de um elenco de normas morais imposto pelos mestres de Cós. A

virtude e a prudência eram os pilares dessa escola. Esses postulados, é claro,

colocavam o médico muito mais perto da cortesia que de um profissional que

enfrenta no seu dia-a-dia uma avalanche enorme de situações tão complexas e

tão desafiadoras. Assim, este modelo consistia numa avaliação sobre

Page 63: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Deontologia Médica e Bioética 62

determinada conduta, o que certamente lhe deixava com poucas opções, pois o

médico virtuoso era aquele que sempre acatava os ditames preconizados nas

regras inflexíveis do juramento hipocrático.

Nesse estágio, a vinculação da Medicina com a Filosofia era de tal

ordem que foi preciso reencontrar sua independência, justificando o caráter

experimental e circunstancial do exercício da profissão. Mesmo assim, esta

ética hipocrática permaneceu quase inteira, a ponto de interferir em quase todos

os Códigos de Ética e nas Declarações de Princípios adotados no mundo inteiro

e de que se tem conhecimento até o fim da década de 60, apenas com algumas

atenuações dos rigores morais mais históricos.

O segundo período, a partir dos anos sessenta, foi caracterizado por

uma modificação da ética médica tradicional por teorias emergentes da filosofia

moral, das decisões emanadas dos tribunais, da institucionalização das

especialidades e da despersonalização da relação médico-paciente. Além

disso, verificou-se que, a partir da utilização de uma tecnologia médica mais

sofisticada, muitos foram os conflitos com a ética do médico até então. A Ética

Médica mais tradicional foi sendo deixada de lado quando se tinha de decidir

sobre algo tão complexo e premente, e quando uma maior capacidade técnica

de resolução gerava mais desafios àquela ética convencional. Precisamente

nos anos setenta, começou-se a desenvolver a chamada teoria de princípios,

onde se preconizava a beneficência, a não-maleficência, a autonomia e a

justiça, sempre baseada num raciocínio de que, se um ato tem conseqüência

boa e está ajustado a uma regra, ele é eticamente recomendável.

De início, essa teoria foi amplamente aceita em virtude de não existir, à

primeira vista, algo que se conflitasse com as teses deontológicas da teoria das

virtudes. E mais: ela apresenta a vantagem de reduzir o aspecto mais subjetivo

que permeia as questões da ética tradicional, permitindo algumas posições

mais claras, principalmente diante de certos problemas até então dogmáticos.

No entanto, essa teoria foi demonstrando na prática que não era suficiente para

Page 64: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Deontologia Médica e Bioética 63

responder a certas indagações de ordem mais pragmática, as quais exigiam

respostas mais iminentes, como, por exemplo, o aborto, a eutanásia e a doação

compulsória de órgãos, assuntos estes em que os principialistas divergem

abertamente. E mais: daqueles princípios, apenas o da beneficência e o da não-

maleficência ajustam-se às regras hipocráticas, enquanto o da justiça e o da

autonomia tudo faz crer que colide com aqueles postulados, face ao confronto

com o velho paternalismo da ética tradicional, que não abria espaço para as

decisões do paciente e da sociedade.

O próprio Código de Ética Médica, atualmente em vigor, não elege o

princípio da autonomia como o mais legítimo. Muitos até admitem que a sua

aceitação absoluta pode colocar em segundo plano o melhor juízo do médico e

o bem do paciente, embora reconheçam neste princípio um meio legítimo para

a obtenção do consentimento esclarecido. O princípio da justiça ou da eqüidade

é o que se afasta mais da concepção hipocrática, pois esta sempre esteve mais

ao lado do bem do paciente do que do bem da sociedade. Este princípio só

tomou força a partir do momento em que se flagrou as desigualdades sociais e

a péssima distribuição dos cuidados com a saúde das comunidades flageladas

pela iniqüidade e pela penúria. Esta doutrina hoje tem muitos adeptos face ao

prestígio e à mobilização dos iniciados na Bioética, os quais vêm passando aos

mais jovens tais conceitos como proposta de solução para os problemas éticos

do dia-a-dia. Todavia, seus defensores, conhecendo as limitações dessas

idéias, principalmente pela inexistência de uma base moral mais convincente,

começam a defender a justificativa de que não há princípios morais inflexíveis e

que cada um deve condicionar sua postura de acordo com as nuanças de cada

caso em particular. A maior falha deste sistema é a não-fixação de uma

hierarquia em seus princípios, mesmo entre os chamados “principialistas”. Isto

não quer dizer que a Bioética não seja um caminho para uma grande discussão

em favor da ética do médico.

Page 65: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Deontologia Médica e Bioética 64

O terceiro período, no qual estamos convivendo, pode ser chamado de

antiprincipialista, porque a justificativa moral é de que aqueles princípios se

conflitam entre si, criando-se uma disputa acirrada pela hierarquia deles. Diz-se,

aqui, que aqueles princípios são insuficientes para satisfazer as necessidades

dos dias de hoje e trazer respostas aos desafios do exercício da medicina mais

atual. Outros o chamam de teoria da ética do cuidado. Dizem, ainda, que a

teoria dos princípios é por demais abstrata, não levando em conta certas

particularidades que não poderiam passar sem reparo, como, por exemplo, as

características pessoais de sexo, idade, cultura, história pessoal, gravidade dos

transtornos e circunstâncias do atendimento. Outros afirmam ainda que esses

princípios são por demais abstratos e distantes das situações que se

apresentam. Quando os principialistas discutem, nota-se que os caminhos da

ética são muitos e diferentes.

Esse terceiro período, então, passa a ser o da virtude, do cuidado

solícito e da casuística. A teoria da virtude não se preocupa tanto do tema do

bom e sim na resposta à pergunta: “que tipo de pessoa gostaria de ser?” (A

resposta seria: “competente”, “fiel”, “alegre”..., que corresponde a uma virtude.)

A ética do cuidado solícito estaria sujeita a uma pauta confiável de tomada de

decisões morais específicas. A casuística seria uma posição tomada a partir de

casos concretos e singulares, capazes de serem usados como exemplo de

consenso. Este conjunto, representante deste terceiro período, mas apenas não

aceita a sua absolutização. Por outro lado, deve-se considerar que é difícil

considerar a virtude como base desse sistema, pois não existe um ideário muito

claro para as tomadas de posição. O mesmo pode-se dizer quanto à ética dos

cuidados solícitos e à prática da casuística.

O quarto período, que ainda não começou, está se desenhando como

uma crise entre os conceitos principialistas, as idéias anti-principialistas e o

ceticismo de uma filosofia moral que não vem contribuindo para a verdade a

que se quer chegar. Mesmo assim, esses filósofos e eticistas vão propor uma

Page 66: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Deontologia Médica e Bioética 65

idéia global e normativa, comum e humanitária, capaz de respeitar as opiniões

divergentes e que permita confrontar diferentes crenças e concepções. E mais:

que seja capaz de atenuar os impulsos da ciência e da tecnologia que tudo

parece saber e explicar e quando a vida do homem começa a ser controlada

pelo interesse de uma economia centralizada.

É bom repetir que aqueles princípios isoladamente deixem de existir,

até porque a ética sempre foi mantida por um sistema que se sustenta em

“princípios”. É claro que essa proposta não é tão fácil de ser assimilada quanto

se imagina, pois é difícil admitir-se uma idéia de homogeneização cultural da

moralidade, principalmente quando se quer impor uma ética de padrão ocidental

em confronto com outros costumes tão diferentes. Ainda mais porque a idéia de

uma verdade única é ilusória.

Mesmo que exista a possibilidade real de se entender a doença e a

cura como um fenômeno universalizado, ainda assim não será fácil a

generalização de um sistema de normas que sustente e ampare a ética do

médico. Ou que garanta que aqui ou acolá não se venha privilegiar indivíduos

ou grupos numa verdadeira “ditadura de cuidados”. É preciso que esse ideal

não se transforme num pesadelo.

Por isso, é imprescindível que se mantenham as discussões não

apenas no sentido da aceitação plural de idéias, mas que estas idéias sirvam

para desbastar cada vez mais as divergências sociais que existem em

determinadas concepções políticas e ideológicas, fazendo com que a Medicina

seja um instrumento capaz de promover o bem comum.

Finalmente, é justo dizer que não se pode afirmar com certeza o que

será do futuro da ética dos médicos nos próximos anos, a partir do momento

que não se sabe afinal qual será o resultado do diálogo entre médicos e

filósofos da moral. Esperamos que deste encontro não surja um descompasso

entre estas duas ordens, onde, de um lado, tenha-se um tecnicismo

exageradamente frio, e, de outro, uma ética de situação falsa e extremamente

Page 67: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Deontologia Médica e Bioética 66

subjetiva. O ideal será uma ética capaz de alcançar o homem de agora na sua

integralidade, restabelecendo a dignidade e denunciando os horrores de seus

dramas e de suas iniqüidades.

Page 68: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 67

As interfaces entre a Bioética e o Direito

JUDITH MARTINS-COSTA∗

anúncio, há 5 dias, pela comunidade científica internacional, do “mais

importante mapa feito pela humanidade”, como disse o Presidente Clinton ao

aludir ao seqüenciamento do código genético, faz sair a reflexão bioética das

salas das universidades para situá-la como um tema de interesse do homem

comum, do leitor dos grandes jornais – este mesmo leitor que, em 1997, restou

perplexo, quando noticiados os resultados das experiências realizadas pelo

Doutor lan Willmult que resultaram na criação da célebre ovelha Dolly.

A estupefação do leitor de jornais reflete, em larga medida, a

perplexidade do jurista: ela não é devida, contudo, como a do leigo, apenas aos

inacreditáveis fatos científicos, mas é acrescida por uma dúvida crucial: como

compatibilizar a reflexão ética propiciada pelos novos paradigmas científicos

com a racionalidade “utilitarista” comumente atribuída ao regramento jurídico?

Afinal, o Direito lida com uma aporia fundamental – saber o que é justo, aqui e

agora, e, a cada problema social concreto, uma resposta, também concreta e

imediata, deve ser dada pelos Tribunais, sob pena de denegação de justiça.

A questão de saber como compatibilizar a reflexão ética propiciada

pelos novos paradigmas científicos com a racionalidade do regramento jurídico

– questão que traduz, afinal, a complexidade das interfaces entre a Bioética e o

Direito – subjazem outras questões igualmente complexas. Responder a ela

implica questionar: Para que serve o Direito? Como ele é feito? Como ele é

aplicado? Implica desmentir certas concepções que vêem o Direito como o

∗ Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

O

Page 69: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 68

produto de um legislador demiúrgico e autoritário; implica fundamentalmente

falar do Direito como “regulamentação coordenada dos comportamentos

sociais”, regulamentação, contudo, que não se desvincula da experiência social

concreta, e que constitui a síntese de uma tríade – segundo a concepção de

Miguel Reale – entre fato, valor e norma, isto é, o fato social, o valor ético que

lhe é atribuído por cada sociedade, em cada momento da sua história, e,

finalmente a recolha deste fato, valorado eticamente, por uma norma dotada de

poder de coerção, como o é a norma jurídica.1

Responder àquela questão implica, por igual, situar o escopo da

Bioética e o seu estatuto epistemológico, matéria ainda não consensual entre os

estudiosos e aventar a possibilidade da construção de um Biodireito, tema ainda

menos consensual na doutrina.

Na arriscada tentativa de alinhavar algumas respostas a essas

questões, proponho o exame do tema a partir da compreensão dos modelos de

construção das respostas jurídicas. Posteriormente, examino se há princípios

comuns que possam atuar como ponte entre a reflexão bioética e a construção

de soluções jurídicas.

O DIREITO COMO CONSTRUÇÃO DE MODELOS DE RESPOSTAS

Foi o racionalismo iluminista que pensou o fenômeno jurídico como um

sistema de regras, dividindo a experiência social em dois distintos planetas – o

planeta do Direito e o planeta do não-Direito. Foi a assunção pelo Estado, na

Revolução Francesa, da tarefa de criar as regras jurídicas e arrumá-las em

conjuntos de leis – os códigos – que fez o ordenamento jurídico aparecer como

um sistema fechado de regras, postas por ato de autoridade estatal, regras que

traduziriam a totalidade dos comportamentos sociais merecedores de tutela

1 Sobre o tridimensionalismo veja-se em especiaI: Teoria tridimensional do Direito (5. ed. Saraiva, 1994),

Verdade e conjetura (Nova Fronteira, 1983), Fundamentos do Direito (3. ed. Revista dos Tribunais, 1998) e Fontes e modelos do Direito – para um novo paradigma hermenêutico (Saraiva, 1994).

Page 70: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 69

jurídica, sendo, por isso, excludentes de outras fontes de normatividade. E foi,

enfim, o cientificismo oitocentista – que perdurou, em larga escala, no século

XX – que tentou perspectivar o Direito numa ciência “pura”, isto é, livre da

“contaminação” de outros setores vitais da experiência humana, como a Ética, a

História, a Economia.2

A concepção que derivou dessas idéias, vigorantes nos últimos 200

anos, foi conhecida como legalismo, termo que indica a pretensão de reduzir o

fenômeno jurídico e uma de suas manifestações – a lei de origem parlamentar –

fazendo crer à sociedade que, a cada novo problema, seria necessária a

intervenção autoritária do legislador para fazer com que a nova realidade,

saindo do obscuro campo do “não-Direito” fosse, assim, jurisdicizada.

Essa concepção foi, contudo, posta em crise no século XX,

principalmente na sua segunda metade.3

Por isso, o acerto da concepção pela qual as normas jurídicas que

resultam das fontes constituem, por certo, expressão de modelos

prescritivos, sendo, porém, dotados de um essencial sentido prospectivo.

Diferentemente do que ocorria no

passado, hoje o Direito não é visto tão só como ciência, mas,

fundamentalmente, como prudência, como arte prudencial que está inter-

relacionada, fundamentalmente, com as demais instâncias componentes do

rodo social, notadamente a Ética. A sociologia aponta ao fenômeno das leis que

“não pegam”, isto é, que não têm verdadeira eficácia social, porque divorciadas

da realidade do seu tempo, dos suportes éticos que as tornaram

consensualmente aceitáveis.

4

2 Sobre o tema, o meu A boa fé no Direito Privado (Revista dos Tribunais, 1999), em especial Parte I.

Presente esta concepção pode-se compreender que o “dever-ser” ínsito à

norma jurídica não é um mero enunciado lógico, mas “um dever-ser que se

3 Para este exame, veja-se, entre tantos: LARENZ, K. Metodologia da ciência do Direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, Parte Histórico-Crítica.

4 REALE, Miguel. Fontes e modelos. Op. cit., p. 30.

Page 71: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 70

concretiza na experiência social, correlacionando-se com conjunturas

factuais e exigências axiológicas”.5

Da alteração da concepção de fonte chegou-se, por igual, à alteração

do modelo pelo qual se expressa a normatividade mesmo na fonte legal: ao

lado dos modelos cerrados, no qual o fato da vida, ou comportamento social

devido, vem perfeitamente caracterizado e conectado a uma determinada

conseqüência – isto é, o chamado modelo da tipicidade, na qual há uma

espécie de pré-figuração, pelo legislador, do comportamento típico – passa-se a

utilizar em certas disciplinas, como o Direito Civil e o Constitucional, também

modelos abertos. Nestes, o legislador não desenha o comportamento típico, ao

contrário, utiliza uma linguagem intencionalmente vaga, aberta, fluída,

caracterizada pela ampla extensão do seu campo semântico.

6

Esses modelos abertos, vazados em linguagem “vaga”, são apropriados

para canalizar, juridicamente, as exigências axiológicas fundamentais, tanto na

Bioética quanto no Direito. Por isso, afirma-se que estas vêm expressas

preferencialmente em princípios. Compreendem, hoje, os juristas, que o

ordenamento é composto por princípios e por regras, ambos espécies

integrantes de um mesmo gênero, o das normas jurídicas.

7

O ordenamento jurídico apresenta-se, assim, não como um sistema

fechado de regras que têm a pretensão da plenitude legislativa e da completude

lógica, mas como um sistema aberto de princípios e regras, constituindo a sua

positivação um processo no qual intervém o legislador, o juiz e a comunidade.

5 Idem, p. 31. 6 Ao invés de descrever a factualidade, emprestando-lhe determinada consequência jurídica, o legislador

reconhece que é impotente para apreender, previamente, a totalidade das situações de vida merecedoras de tutela jurídica. Por isso, em determinadas situações, notadamente aquelas em que os padrões sociais não estão firmemente assentados, ou não podem ser assentados senão de forma provisória, como ocorre com os padrões técnicos e científicos, limita-se o legislador a conferir, mediante o modelo aberto, uma espécie de “mandado” para que o juiz possa, progressivamente, e à vista da alteração nos paradigmas sociais, culturais, científicos, éticos, etc., regular os casos concretos, criando, complementando ou desenvolvendo aquelas normas postas como “programas”, isto é, indicações de fins a perseguir ou de valores a garantir (acerca da linguagem das cláusulas gerais, escrevi em A boa fé no Direito Privado) (op. cit., 273-380).

7 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução (esp.) de Ernesto Garzó Valdés, Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 81 e segs.

Page 72: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 71

O que são princípios jurídicos? Inúmeras respostas têm sido dadas a esta

questão, e, entre elas, a resposta de Alexy, segundo o qual princípios são o mesmo

que valores. Porém, como o Direito trata do que deve ser, do que é devido, há entre

ambos os conceitos uma diferença a ser notada. Utilizando a classificação de von

Wright8 entre conceitos deontológicos (v.g. mandato, dever-ser, ordem, proibição,

permissão, direito a), axiológicos (v.g. bom, mau, belo, corajoso, seguro) e

antropológicos (v.g. vontade, interesse, necessidade, decisão), Alexy assenta a

distinção: “Princípios e valores são o mesmo, contemplado em um caso sob um

aspecto deontológico e sob um aspecto axiológico.”9

Observa-se, pois, a razão pela qual, por intermédio dos princípios, o

Direito reaproxima-se da dimensão ética, afastada que fora pelo formalismo

legalista, apresentando-se como um sistema axiologicamente orientado.

10

Ilustrativa deste novo modelo é a Constituição Federal. Diferentemente

do que ocorria no passado, quando às Constituições era emprestada a missão

de tão-somente definir as normas de organização e competência do Estado,

hoje em dia tem-se a “Constituição principiológica”, que transforma em direito

positivo, direito legal, certos princípios que tradicionalmente eram tidos como

pré-positivos, como, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana,

entre nós expressamente reconhecido como princípio estruturante ou fundante

do Estado Democrático de Direito.

Ao

modelo da incomunicabilidade entre o Direito e as demais instâncias do todo

social, notadamente a Ética, substitui-se o modelo da conexão, comunicabilidade

e complementaridade.

11

Inscritos comumente em cláusulas gerais, caracterizando o que se

convencionou chamar de “conceitos jurídicos indeterminados”, os princípios

ensejam uma nova maneira de aplicar o Direito: ao juiz hoje é reconhecida a

8 In: The logic of preference, apud Alexy, op. cit., p. 139-140. 9 Alexy, op. cit., p. 147. 10 CANARIS, CIaus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito.

Tradução de Menezes Cordeiro, Fundação Gulbenkian, 1989, p. 66 e segs. 11 CF, art. 1º, inciso III.

Page 73: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 72

competência de não apenas subsumir certos fatos às regras que os descrevem,

mas, igualmente, o poder de concretizar, isto é, tornar concretos, atuantes e

operativos – os princípios que traduzem valores.

Essas transformações metodológicas possibilitam a crítica e a

reconstrução de certos conceitos fundamentais do Direito, abrindo espaço, por

igual, à construção do Biodireito, termo que indica a disciplina, ainda nascente,

que visa a determinar os limites de licitude do progresso científico, notadamente

da biomedicina,12 não do ponto de vista das “exigências máximas” da fundação

e da aplicação dos valores morais na práxis biomédica – isto é, a busca do que

se “deve” fazer para atuar o “bem” – mas do ponto de vista da exigência ética

“mínima” de estabelecer normas para a convivência social.13

Para o estabelecimento dessas “exigências mínimas” interessará

basicamente o conceito de pessoa humana, hoje em plena reelaboração teórica.

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCÍPIO COMUM

AO DIREITO E À BIOÉTlCA

Sob o seu estatuto epistemológico particular, o Direito também se

ocupa da vida – do nascer e do morrer, de quem é pessoa, de sua filiação, de

seus valores existenciais e de suas relações patrimoniais, de seus direitos (isto

é, dos direitos que concernem à pessoa) e de seus deveres e

responsabilidades. Portanto, falar em Direito é falar fundamentalmente em

pessoa e em relação – o modo como se estabelecem as relações entre as

pessoas (individual ou coletivamente consideradas), e a relação das pessoas

com as coisas, bens materiais e imateriais.

Se em nosso horizonte axiológico o mais relevante for a relação entre as

pessoas e os bens, economicamente avaliáveis, cresce em importância a idéia de

12 PALAZANNI, Laura. Il concetto di persona tra bioetica e diritto. Turim: Giappichelli, 1996, p. 9. 13 Idem, p. 9-10.

Page 74: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 73

pessoa como sujeito titular de um patrimônio. Então, os princípios e as regras se

ocuparão primordialmente da tutela patrimonial dos indivíduos, e ter-se-á – como

ocorreu na época das grandes Codificações que correspondem à ascensão do

individualismo burguês e do capitalismo – a instauração de uma “lógica

proprietária”14 a envolver a própria idéia de pessoa humana. A frase “eu sou dono

de meu corpo” expressa lapidarmente esta lógica. O corpo humano, reificado, é

visto como objeto de um direito de propriedade, integrante de um patrimônio

individual, e, como os demais bens patrimoniais, pode ser objeto de mercancia.15

Mas se, em primeiro plano, está a pessoa humana valorada por si só,

pelo exclusivo fato de ser “humana” – isto é, a pessoa em sua irredutível

subjetividade e dignidade, dotada de personalidade singular – passa o Direito a

construir princípios e regras que visam a tutelar essa dimensão existencial.

16

O individualismo burguês acolheu a idéia de pessoa como “indivíduo” e

como “sujeito” das relações jurídicas. “Sujeito” como “elemento” da relação

jurídica, como quem pode (é capaz de) atuar na ordem jurídica. E “indivíduo”

porque não mais definido pela pertença a um grupo, casta, classe, a família,

status, porque apartado (dividido) de um todo.

Essas conotações tiveram por conseqüência obscurecer a idéia de

“pessoa” (substituída pela de “indivíduo”, ao senso mesmo “egoístico” do termo) e

de “personalidade”, a qual viu-se escamoteada pelo conceito técnico de

“capacidade”, tramas semânticas que acabaram por fundir o “ser pessoa” com o

“ser capaz de adquirir direitos e contrair obrigações”. Em outras palavras,

14 A expressão é de Davide Messinetti: verbete Personalità (Diritti della), Enciclopedia Giuridica Giuffrè,

Milão, 1984, p. 356. 15 Veja-se o instigante texto de Marie-Angèle Hermite, “Le corps hors du commerce, hors du marché”

(Archives de philosophie du Droit, t. 33, 323 e segs.), no qual propõe a categorização das “coisas de origem humana” como escapatória à lógica do mercado para a apreciação daquilo que, no corpo, pode ser objeto de relação jurídica (sangue, órgãos, etc.).

16 Por esta razão, e, aliás, como tudo no Direito, o conceito de pessoa não é “dado”, mas um “construído”. Expressou com rara felicidade esta idéia François Miterrand, em mensagem dirigida em 1985 aos participantes de colóquio sobre genética, procriação e direito, ao afirmar: “a história dos direitos do homem é a história da própria noção de pessoa humana, da sua dignidade, da sua inviolabilidade” (Atas do Colóquio Genétique, Procréation et Droit, Actes Sud, P.U.F., 1985, p. 14, cit. por RAPOSO, Mario. Procriação assistida – aspectos éticos e jurídicos, p. 91).

Page 75: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 74

instrumentalizou-se a personalidade humana, reproduziu-se, na sua conceituação,

a lógica do mercado, o que conduziu à desvalorização existencial da idéia jurídica

de pessoa, para torná-la mero instrumento da técnica do Direito.17

A barbárie do século XX, a ameaça totalitarista, estatal, econômica ou

científica,

18 teve como contrapartida a afirmação do valor da pessoa como titular da

sua própria esfera de personalidade, a qual, antes de ser vista como mero suposto

do conceito técnico de capacidade, fundamenta-se no reconhecimento da

dignidade própria à pessoa humana. Esta é a “novidade” que tem, para o Direito, o

princípio da dignidade da pessoa. Como explica Bernard Edelman,19

A dignidade da pessoa, como princípio jurídico, designa, pois, não

apenas o “ser da pessoa”, mas a “humanidade da pessoa”.

embora a

palavra “dignidade” fosse há muito conhecida, e a idéia de uma dignidade própria

ao homem remonte à filosofia de Kant, a idéia da existência de uma proteção

jurídica que é devida em razão da dignidade liga-se fundamentalmente a um duplo

fenômeno, à barbárie nazista (que fez alcançar a idéia de crimes contra a

humanidade, no Tribunal de Nuremberg) e à biomedicina.

20

17 Veja-se as instigantes observações de Hans Hattenhauer (Conceptos fundamentales del Derecho

Civil. Tradução espanhola de Pablo Salvador Coderch), demonstrando as razões pelas quais desde Kant ter assentado na Metafísica dos costumes que “pessoa é o sujeito cujos atos podem ser a si próprios imputados” operou-se a transmutação da idéia de “pessoa” para a de “sujeito”, abrindo caminho para a consideração da pessoa como “mero material para a construção de relações jurídicas”, reduzindo-se a idéia de personalidade à noção de “capacidade de direito”. Para o exame da expansão da idéia de um direito geral da personalidade como fundamento do Direito Civil e como base de um “humanismo exigente”, consulte-se o ensaio de Orlando de Carvalho, “Les droits de l’homme dans le Code Civil Portugais” (Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n. XLIX9(1973), p. 1-24. Na doutrina brasileira veja-se Alexandre dos Santos Cunha, “Dignidade da Pessoa Humana: conceito fundamental do Direito Civil”, ensaio integrante de, reconstrução o do Direito Privado – reflexos dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais no Direito Privado (org. por Judith Martins-Costa, no prelo).

Esta é vista de

uma perspectiva que não a confunde conceitualmente com o “sujeito capaz

juridicamente”, nem com o indivíduo, atomisticamente considerado.

Diversamente, a humanidade “apresenta-se como a reunião simbólica de todos

18 Acerca do totalitarismo da ciência veja-se: EDELMAN, Bernard. “Sujet de droit et technoscience”, in La personne en danger. P.U.F., 1999, p. 397

19 “La dignité de la personne humaine, un concept nouveau”, in La personne en danger. Op. cit., p. 505. 20 Idem, p. 507.

Page 76: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 75

os homens naquilo que eles têm em comum, a saber, a sua qualidade de seres

humanos. Em outras palavras, é ela que permite o reconhecimento de uma

pertença (appartenance) a um mesmo ‘gênero’: o gênero humano,”21

constituindo a dignidade o atributo, ou qualidade desta pertença: “se todos os

seres humanos compõem a humanidade é porque todos eles têm esta mesma

qualidade de dignidade no ‘plano’ da humanidade; dizemos que eles são todos

humanos e dignos de ser.”22

Por isso é que, mais do que uma “vazia expressão”, como poderiam

pensar os que estão ainda aferrados à concepção legalista estrita do

ordenamento jurídico, a afirmação do princípio, que nos mais diferentes países

tem sido visto como um princípio estruturante da ordem constitucional –

apontando-se-lhe inclusive um valor “refundante” da inteira disciplina privada

23

É o que assinala o civilista argentino Jorge Mosset Iturraspe em termos

candentes ao aludir à construção da categoria dos danos à pessoa: “Afirmamos

desde ya que se trata de un cambio revolucionario. De una modificación que

dice del humanismo del enfoque actual y de la deshumanización del Derecho

anterior.”

significa que a personalidade humana não é redutível, nem mesmo por ficção

jurídica, apenas à sua esfera patrimonial, possuindo dimensão existencial

valorada juridicamente na medida em que a pessoa, considerada em si e em

(por) sua humanidade, constitui o “valor fonte” que anima e justifica a própria

existência de um ordenamento jurídico.

24

21 Idem, p. 509, traduzi.

É, por igual, a perspectiva adotada pelo peruano Carlos Fernandez

Sessarego, pioneiro na América Latina no destacar a proteção jurídica à pessoa

humana: “Referirse a la protección de Ia persona humana supone, como

22 ld., ibid., traduzi. 23 Na literatura italiana, PERLINGIERE, Pietro. Il Diritto Civile nella Legalità Costituzionale na literatura

brasileira, o artigo pioneiro de TEPENDINO, Maria Celina Bodin de Moraes. “A caminho de um Direito Civil Constitucional”, e a monografia de NEGREIRO, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa fé. Renovar, 1998.

24 “El daño fundado en Ia dimensión del hombre en su concreta realidad”, in “Daños a Ia persona”, Revista de Derecho Privado y Comunitário, t. 1, Buenos Aires, Rubinzal-Culzoni, 1995, p. 11.

Page 77: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 76

cuestión previa, determinar que tipo de ente es ella, considerada en si misma,

per se. Es decir, indagar por la naturaleza misma del ser sometido a protección

jurídica”, pois é “la necesaria aproximación a la calidad ontológica del bien a

tutelar (que) nos permitira precisar tanto los criterios como la técnica jurídica

susceptibles de utilizar para lograr este primordial objetivo.”25 Ou, como entre

nós afirmou recentemente Josaphat Marinho ao aludir à disciplina dos direitos

da personalidade, “o homem, por suas qualidades essenciais, e não

propriamente o dado econômico, torna-se o centro da ordem jurídica.”26

A compreensão da dimensão e da operatividade deste princípio permite

o enfrentamento jurídico de alguns aspectos que têm sido apontados pela

Bioética como suas questões centrais. Por exemplo, em matéria de reprodução

humana assistida, principalmente aquelas relativas à fecundação in vitro, é a

tutela jurídica da pessoa que tem provocado verdadeira revolução em matéria

de responsabilidade extrapatrimonial, por forma a permitir a solução de

questões ligadas a falhas na segurança do material genético doado, seja devido

à transmissão de defeitos genéticos, de doenças infecciosas, seja à guarda do

material doado (possibilidade de furto, de destruição não-intencional, de

manipulação criminosa, de troca, por negligência, do material de um doador por

outro, etc.).

Também as tormentosas questões relativas à relação entre médico e

paciente, seja na ponderação entre o princípio (bioético e jurídico) da

autonomia, de um lado, e o dever médico de beneficência, de outro, podem ser

melhor equacionadas pela concreção do princípio da dignidade da pessoa. Este

desdobra-se, além do mais, em outros princípios constitucionais, como o da

tutela à vida privada e à intimidade,27

25 “Protección a la persona humana”, in Revista Ajuris, n. 56, Porto Alegre, 1992, p. 87-88.

o que tem ensejado aos Tribunais

reequacionar casos de responsabilidade médica, por exemplo, pela indevida

26 “Os direitos de personalidade no Projeto do Novo Código Civil Brasileiro”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, col. Studia Iuridica, 40, in Portugal-Brasil ano 2000, Coimbra, 2000.

27 CF, art. 5°, inciso X.

Page 78: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 77

divulgação de dados relativos ao paciente, ou pela ausência de cuidados

relativos ao bom resguardo do sigilo médico.

Será o princípio infringido – devendo a sua violação, ou a ameaça de

violação receber resguardo jurídico, seja através de tutelas preventivas, seja

mediante conseqüências indenizatórias, seja por cominações de nulidade – nos

casos de mercantilização de semens e embriões e do próprio ser humano

(“mães de aluguel”), ou, ainda em matéria de RHA, diante da possibilidade de

eugenia, que também infringe o princípio constitucional da igualdade,28

A concreção do princípio da dignidade da pessoa pode solucionar, ainda,

algumas questões ligadas ao direito de família, resultantes, por exemplo, da

exigência de consentimento do marido ou companheiro e à irrevocabilidade deste

consentimento. Assim como ninguém pode ser compelido a ser doador de sêmen,

ou a aceitar a paternidade de criança que é biologicamente descendente de outra

pessoa, pois a autonomia é conseqüência do reconhecimento da dignidade, assim

também o é a auto-responsabilidade. Por isso, nos casos em que houve

inseminação heteróloga, com o consentimento do companheiro, gerado o novo ser,

este tem a sua dignidade reconhecida. Nesta perspectiva, o princípio da dignidade

da pessoa conduz a uma interpretação conforme à Constituição das demais regras

do sistema acaso não perfeitamente compatíveis e dos demais princípios, inclusive

os bioéticos, tais quais os constantes do Código de Ética Médica,

o qual

proíbe qualquer discriminação, por raça, sexo ou gênero.

29

O princípio tem fundamental importância também no que concerne ao

tema da clonagem em seres humanos.

de modo a

poder-se concluir pela preclusão do direito do homem que consentiu com a

inseminação artificial heteróloga em sua mulher a impugnar posteriormente a

paternidade, que é presumida.

28 CF, art. 5°, caput. 29 Que integram o ordenamento jurídico, na medida em que atuam como tópicos hermenêuticos no

momento da aplicação do Direito.

Page 79: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 78

Em 1997, quando criou-se a célebre ovelha Dolly a partir da clonagem

de uma célula diferenciada, um jornal inglês expressou, numa manchete um

tanto alarmista, a perplexidade, que ainda nos domina: “Hoje a ovelha, amanhã

o pastor.”30 A clonagem, em si mesma considerada, pode trazer benefícios, um

dos quais é o progresso da ciência, sabendo-se que a pesquisa básica é um

dos horizontes axiológicos da humanidade e o conhecimento científico um dos

grandes interesses humanos.31

A questão ética em torno dos clones humanos, um dos temas

recorrentes do imaginário humano, como lembra Marciano Vidal,

Contudo, sem esquecer os benefícios que a

clonagem efetivamente traz, resta a questão ética que se reflete

necessariamente no Direito.

32

É do jusfilósofo Vicente Barretto a sagaz percepção da idéia kantiana

de um “direito cosmopolita” como fundamento de uma disciplina ora nascente,

o Biodireito. Numa época em que o Direito e a Filosofia não estavam

perfeitamente distinguidos, Kant investigou a possibilidade de uma ordem

jurídica fundada em valores universais e, à diferença dos filósofos que o

recoloca no

centro do debate bioético e biojurídico, e em plena era da Pós-Modernidade, um

dos eixos centrais da Modernidade, qual seja, a idéia de um Direito com valor

universal, centrado na ética kantiana acerca da dignidade da pessoa humana:

em todas as discussões que têm sido levadas a efeito nos meios científicos e

nos comitês de bioética, o questionamento ético básico é o de utilizar um ser

humano como meio e não como fim.

30 VIDAL, Marciano. “Clonagen: Realidade Técnica e Avaliação Ética”, in Ética e Engenharia Genética,

Concilium/275 – 1998-2, Rio de Janeiro, 1998, p. 125-137. 31 Idem, p. 129. 32 E, por isto mesmo, expressando-se seja por meio da literatura (o desejo fáustico de perpetuar-se

idêntica e indefinidamente, ou o dublê de Dorian Gray para Oscar Wilde), do cinema de ficção científica (“Meninos do Brasil”), da revanche feminista da procriação sem a presença masculina, dos mitos acerca da procriação virginal ou assexuada, ou dos “duplos” Castor e Pólux de que fala a mitologia grega (ver VIDAL, Marciano. Op. cit., p. 130-131).

Page 80: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 79

antecederam, abandona a tradição jusnaturalista fundada na existência de

princípios inatos ou naturais e lança a idéia de um “direito cosmopolita”.33

Em rapidíssima síntese, consiste o direito cosmopolita no tipo de norma

que ultrapassa as comunidades nacionais e identifica-se como sendo a norma de

uma comunidade planetária. Assentou Kant no “Projeto para uma Paz Perpétua”,

de 1790, que “em todos os lugares da terra rege-se de uma forma idêntica a

violação do direito cosmopolita, sendo este direito um complemento necessário do

código não escrito, tanto no direito civil como no direito das gentes, em vista do

direito público dos homens em geral.”

34

Por isso propõe, com integral pertinência, a utilização dessa categoria

para determinar até que ponto os valores éticos podem constituir-se em

categorias racionalizadoras e legitimadoras de uma nova ordem jurídica, a que

se defronta e enfrenta os problemas trazidos pelo progresso científico, na

medida em que “essa categoria do direito cosmopolita permite que se tenha

uma leitura propriamente moral dos direitos humanos, podendo-se mesmo

entender essa categoria de direitos como uma manifestação dos valores éticos

no sistema jurídico.”

Como explica Barretto, a idéia kantiana de

direito cosmopolita refere-se, principalmente, ao entendimento de que a evolução

histórica, e com ela as luzes da razão, iriam encontrar normas com fundamentação

ética, que poderiam ser consideradas como uma forma de direito, que se imporiam

com a força de sua própria racionalidade.

35

Ora, se a maioria das Constituições dos países ocidentais reconhece,

de forma implícita ou explícita, o princípio da dignidade da pessoa humana

como o valor-fonte do ordenamento, é preciso reconhecer que a proposição

kantiana retomada por Barretto concilia-se à perfeição não só com o comum

topos constitucional mas, igualmente, com a série crescente de documentos e

33 BARRETTO, Vicente de Paulo. “Bioética, biodireito e direitos humanos”. In: TORRES, Ricardo

Lobo. (Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. Renovar, 1999, p. 378. 34 Idem, p. 381. A criação refere-se ao texto de Kant, transcrito por Barretto. 35 Idem, p. 379.

Page 81: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 80

regulações, éticos e jurídicos, que pretendem ter validade universal, e do qual é

o maior exemplo a recente Declaração Universal do Genoma Humano e dos

Direitos Humanos, adotada pelo consenso de mais de oitenta Estados

representados na reunião do Comitê de Especialistas Governamentais do

Comitê de Biética da UNESCO, e apresentada para adição na 29ª Sessão da

Conferência-Geral da UNESCO, realizada entre 21 de outubro e 12 de

novembro de 1997.36

Também refletindo o “direito cosmopolita” e igualmente assentada

sobre o mesmo fundamento está a Convenção sobre Direitos Humanos e

Biomedicina adotada em 1996 pelo Conselho de Ministros do Conselho da

Europa. Entre os consideranda constantes no seu Preâmbulo está a

advertência de que o uso desviado da Biologia e da Medicina pode conduzir à

prática de atos que ponham em risco a dignidade humana.

O seu art. 2° determina que os interesses e o bem-estar do ser humano

devem prevalecer sobre o interesse isolado da sociedade ou ciência –

escalonando, assim, os valores da dignidade e do progresso científico, com

preeminência do primeiro.

Contudo, não só aos juízes, na tarefa de aplicar o Direito, e à

comunidade científica, como destinatária das regras e princípios do

ordenamento que se dirige o princípio da dignidade da pessoa. Este também

está endereçado ao legislador infraconstitucional, que tem a seu encargo o

regramento de alguns casos problemáticos. A lei tem, muitas vezes, um valor

36 A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos de 1997, após afirmar que “o

genoma humano subjaz à unidade fundamental de todos os membros da família humana e também ao reconhecimento de sua dignidade e diversidade inerentes”, constituindo, num sentido simbólico, “a herança da humanidade” (art. 1º) veda a possibilidade de o genoma humano em seu estado natural “dar lugar a ganhos financeiros” (art. 4º) e proíbe, taxativamente, “práticas contrárias à dignidade humana, tais como a clonagem reprodutiva de seres humanos” (art. 11). Toda a Declaração é fundada no princípio da dignidade da pessoa humana, “direito de todos” (art. 2º, primeira parte) a qual resta especificada, neste campo, pela vedação de reduzir-se os indivíduos “a suas características genéticas”, impondo o respeito a “sua singularidade e diversidade” (idem, segunda parte).

Page 82: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 81

simbólico, impondo com mais facilidade os limites que poderiam ser, em tese,

deduzidos dos princípios constitucionais.37

Fato de o princípio dirigir-se ao legislador significa, fundamentalmente,

que este está adstrito à sua observância por ocasião da elaboração legislativa.

Em outras palavras, o legislador não é livre para elaborar o conteúdo da lei,

pois, na forma do sistema constitucional vigente, deve observar os valores

postos na Constituição, auxiliando a sua concreção, sob pena de

inconstitucionalidade da lei.

Várias questões estão a merecer regulamentação punctual, como a

questão do incesto: a proibição jurídica do incesto pode ser infringida na técnica

da RHA heteróloga em razão da exigência de anonimato dos doadores. Dois

valores, então, entrarão em choque, de um lado, a proteção da privacidade do

doador, de outro o direito de a criança assim gerada conhecer a sua

ascendência biológica.

Também está a merecer urgente regulamentação a candente questão da

apropriação e mercantilização do material genético, que poderia ser objeto de

registro e patenteamento, recaindo, assim sob as regras da propriedade

intelectual. Anúncio da descoberta da cartografia genética colocou este tema na

ordem do dia. O governo francês assegurou, pelo seu Ministro da Pesquisa da

França, Roger Gérard Schwartzenberg, que os dados do Projeto Genoma “foram

colocados à disposição do domínio público desde sua obtenção, sem restrição de

utilização”, entendendo que as seqüências brutas do genoma humano não

podem ser patenteadas porque “o saber genético não pode ser confiscado”.

Contudo, esta não é uma posição consensual. No mesmo dia, o Diretor Adjunto 37 Na questão da clonagem vigora a Lei 8974/95, estabeleceu as normas para uso das técnicas de

engenharia genética. O item IV do artigo 8º veda a “produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível”. Da mesma forma, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNNBio), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, talvez extrapolando a sua competência legal, baixou uma Instrução Normativa 08/97, de 9 de julho de 1997, proibindo a manipulação genética de células germinativas ou totipotentes humanas, assim como os experimentos de clonagem em seres humanos. Vale ressaltar que atualmente existem quatro projetos de lei tramitando no Congresso Nacional sobre a questão da clonagem de seres humanos.

Page 83: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 82

do Centro Nacional de Seqüenciamento, o Genoscope, órgão que representa o

país no Projeto Genoma Humano, Francis Quetier, afirmou à imprensa não haver

“harmonização entre países parceiros no projeto, principalmente entre EUA e

Europa”, no que se refere ao patenteamento de genes.38

No Brasil vem de ser editada a Medida Provisória nº 2052

39 pela qual as

instituições nacionais da área biológica podem se associar a instituições

estrangeiras para pesquisar amostras de componentes do patrimônio genético

do país, podendo inclusive o material ser remetido para o exterior.40

Para além dos danos que pode trazer à humanidade (por exemplo, ao

restringir o acesso aos dados por barreiras econômicas) a mercantilização do

material genético implica também em atentado à vida privada: empresas de

seguros poderão, com base nesses dados, recusar seguro, ou aumentar o valor

do prêmio, em face da potencialidade do organismo para certas doenças e

empregadores poderão recusar trabalho.

Empresas

privadas, como a norte-americana Celera, realizam o seqüenciamento do

código genético e, com certeza, utilizarão seus dados segundo a lógica do

mercado, como objeto suscetível de apropriação e de lucro, produzindo

conhecimento para ser vendido.

41

Todas essas são angustiantes questões que animam e justificam a

reflexão bioética, encontrando, porém, possível via de enfrentamento jurídico

com base no princípio da dignidade e nas regras legais que para a sua

concreção concorram.

38 Folha de São Paulo, Caderno Ciência, 27 jun. 2000. 39 Publicada no D.O., 30 jun. 2000. 40 Desde que assinado Termo de Transferência ou Contrato. 41 “Nos EUA, a lei regula esses casos, proibindo a discriminação com base em ‘handicap’ (Reabilitation

Act, de 1973 e o Americans with disabilities act, de 1990).

Page 84: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 83

Resta, contudo, a questão fundamental do Biodireito, para a qual o

mencionado princípio não aponta de imediato uma solução: esta reside na

própria idéia de “pessoa” que está na sua base.42

Se já há um relativo consenso na comunidade internacional acerca da

valência do princípio da dignidade da pessoa humana como cânone hermenêutico

e integrativo para o juiz, como fonte de criação de deveres ao legislador e como

imposição de limites aos cientistas, havendo concordância em fixar os limites da

ação manipulativa não-terapêutica lícita e ilícita no reconhecimento da pessoa, não

se sabe, porém, quem deve ser considerado pessoa.

O conhecimento científico fez com que houvesse uma verdadeira

“décalage” entre o conceito jurídico de “pessoa” e o conceito científico de “ser

humano vivo”. É bem verdade que, na história, nem sempre houve a

coincidência (basta pensar no estatuto do escravo e na personificação das

coisas e animais, própria ao pensamento arcaico), havendo, contudo,

indicações da coincidência já no Direito Romano e no Direito Medieval,43 muito

embora certos textos romanos vissem no embrião mera parte das vísceras

maternas, “portio mulieros vel viscerum”.44

A Modernidade, ao construir os conceitos gerais-abstratos, assentou

duas máximas que até hoje fazem fortuna, qual seja, “todo homem é pessoa” e

“só o homem é pessoa”, qualificando, porém, como “homem” (ou como

“pessoa”) o ser humano nascido com vida. A qualificação de pessoa restou

assim condicionada a um determinado momento (o do nascimento), então tido

como o do início da vida. Para o Direito vigente a “pessoa” à qual é reconhecido

42 Para uma análise da “aventura semântica” que recobre o termo “pessoa” em perspectiva histórico-

filosófica, e da sua atual recuperação com categoria prática, veja-se PALAZANNI, L. Op. cit. 43 Demonstrando a existência de regras que asseguravam a paridade, no plano normativo, entre os

conceitos de nascituro e nascido, CATALANO, Pierangelo. “Os nascituros entre o Direito Romano e o Direito Latino-Americano”, Revista Dir. Civ., v. 45, 1988, p. 5.

44 Esta é a indicação que é difundida nos manuais. Assim, PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 14. ed., v. 1, Forense, 1993, p. 158, sem indicação da fonte romana.

Page 85: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

As interfaces entre a Bioética e o Direito 84

o atributo da “personalidade” é o ser que nasce com vida,45

Essa é a qualificação que agora vem posta em xeque, pois enquanto o

Direito situa o início da vida no nascimento, a Biociência o situa anteriormente,

na fertilização (fecundação ou concepção), inclusive a Psicologia percebendo já

no embrião as características de individualidade e singularidade próprias de

cada ser humano.

findando-se a

personalidade com a morte.

Como assinala Laura Palazzani, “a originária e intuitiva coincidência entre

‘pessoa’ e ‘ser humano’ está posta em dúvida no debate bioético e biojurídico, com

a conseqüente exclusão de alguns seres humanos do reconhecimento do estatuto

de pessoa”.46 A décalage entre Direito e a Biociência, fundando-se na separação

entre vida biológica do ser humano e vida da pessoa, decorre da “teorização da

post-cipação do início da pessoa ao início da vida do ser humano e da ante-cipação

do fim da pessoa ao fim da vida do ser humano”.47

Essa é, por conseqüência, a questão fundamental, o horizonte

problemático da Bioética e do Biodireito.

Contudo, se como procurei demonstrar, não mais sobrevive a ficção de

que o Direito é uma “ciência pura”, separada da Ética – se pelo contrário, os

grandes temas éticos são também os grandes temas jurídicos – será tarefa da

reflexão bioética fornecer ao Direito os parâmetros que permitirão a reconstrução

da idéia de pessoa fundada na coincidência entre pessoa e ser humano. Poder-se-

á pensar, assim, na extensão da idéia de “dignidade da pessoa” de um quadro de

singularidade, que a caracterizou no século XX, para a apreensão daquilo que, no

conceito, relaciona-se com o gênero humano, preenchendo-se o conteúdo do

princípio com a noção de uma “dignidade da humanidade” que atue como guia,

critério e limite aos dilemas trazidos pela Revolução Biotecnológica.

45 Código Civil, art. 4º, assegurando-se ao nascituro não o atributo da personalidade, mas certos direitos

se chegar a nascer. 46 Op. cit., p. 3, traduzi. 47 Idem, p. 34, tradução minha.

Page 86: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Psicologia e bioética 85

Psicologia e bioética

MARISA CAMPIO MÜLLER∗

alar em bioética é falar em relação: relação com o outro, com o ambiente,

consigo mesmo, e é falar em cidadania.

A psicologia se insere totalmente nesse contexto, pois também sua

ação se dá a partir do outro, e, porque toda psicologia é social; no sentido de

que não há como em qualquer área específica da psicologia desconsiderar a

natureza histórico-social do ser humano.

E, o que é a vida, senão também uma grande e complexa rede de relações

que se apresenta antes mesmo de se nascer e que vai nos acompanhando.

Nosso viver se inclui necessariamente na relação com o outro, é através do

outro que nos reconhecemos, que identificamos nossas qualidades e nossa

sombra, e com o outro, nos construímos como seres conscientes e responsáveis.

Portanto, a psicologia se insere no cotidiano, somos seres vinculados.

Ao reconhecermos essa condição humana, ela nos remete a uma

qualidade de comportamento, qual seja, de respeito à dignidade e integridade

do outro, que podemos traduzir também como autonomia, beneficência e

justiça, pilares básicos do viver humano.

E é com essa historicidade que o sujeito se torna psicólogo. Logo, a

psicologia vem como acréscimo. Ou seja, a profissão não nos torna o que

somos, nós é que nos desvelamos a partir dela. Ela só adquire sentido a partir

de nossa ação, quem eu sou como pessoa, que valores me movem, vai ser

refletido na minha práxis e vai dar significado e qualidade à minha profissão.

Logo, só um profissional com consciência crítica é capaz de, ao

transformar-se, transformar o que o cerca.

∗ Faculdade de Psicologia – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.

F

Page 87: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Psicologia e bioética 86

E este é o ponto inicial desta apresentação: o trabalho da psicologia

origina-se a partir das condições pessoais de quem o executa. Condições

pessoais entendidas aqui não como ranço individualista que por muito tempo

permeou a psicologia, mas a condição básica de reflexão e reconhecimento da

realidade interna e externa.

Mas, para falar da intervenção psicológica e sua estreita relação com os

princípios da bioética, é necessário que se revele aqui o entendimento de

homem. Assim, para nós o homem é um ser biopsicossocial espiritual.

A partir da compreensão de um homem total, inteiro, que abarque as

várias dimensões humanas, é possível falar de psicologia.

A psicologia perpassa todas as áreas das relações humanas, mas

citaremos aqui, no entanto, as áreas mais representativas na sociedade.

A consciência social do psicólogo deve orientá-lo a lutar por uma

sociedade mais justa e igualitária, a lutar pelo resgate dos valores humanos.

Neste sentido, algumas atividades, organizações, movimentos sociais podem

ser citados:

o trabalho infantil – de exploração ao sofrimento e desconsideração

às crianças;

a violência sexual – sobretudo com crianças;

a violência dirigida à mulher – seja de forma física, psicológica

ou simbólica;

a luta antimanicomial – lutando pelo resgate da cidadania dos

portadores de sofrimento psíquico;

o preconceito – exemplo: de escolha sexual, racial ou outra.

O psicólogo necessita, através de ações claras, coerentes e

responsáveis, contribuir na transformação de nossa sociedade, buscando elevar

o nível de respeito e dignidade humana. Entendo como o trabalho básico do

psicólogo, independente de onde esteja colocado, a emancipação da pessoa. E

Page 88: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Psicologia e bioética 87

isto ocorre quando as ajudamos a entender o mundo interno e externo em que

vivem e o lugar que nele ocupam.

Afinal, a psicologia é a ciência básica do social, o que significa trabalhar

com as diferenças, com as fronteiras, com a complexidade, com a melhoria de vida.

Esses são alguns exemplos. Teria outras áreas onde o psicólogo não

pode se tornar ausente e de ser uma voz a apontar e clamar por justiça, junto

às estruturas acumpliciadas que defloram o respeito e a liberdade, em nome de

interesses, preconceitos e estigmas.

Nesse sentido, a psicologia comunitária tem representado um

importante campo de intervenção na realidade daqueles que se encontram

discriminados, excluídos de forma física, geográfica, cultural, de mercado e até

de gênero humano. Este trabalho não se caracteriza como assistencialista, mas

busca resgatar a condição humana, a auto-estima, contribuir para que a

comunidade possa realizar suas demandas através da melhora da qualidade de

vida e de ações conjuntas e multiprofissionais. É um trabalho de resgate dos

princípios elementares da ética da vida.

O psicólogo, no entanto, deve estar atento aos limites de sua

intervenção, ao respeito aos valores culturais, sociais, morais, religiosos e

éticos, aos hábitos e costumes da comunidade, lembrando a liberdade da

comunidade de eleger e funcionar autonomamente.

No aspecto da pesquisa, que esta, sempre que possível, possa traduzir-

se em benefícios cujos efeitos continuem a se fazer sentir após sua conclusão.

Na área da pesquisa, a necessidade de encaminhar o projeto de

pesquisa a um Comitê de Ética credenciado.

a) pesquisa com seres humanos: a necessidade de o pesquisador

informar os objetivos da pesquisa, os procedimentos, a informação quando da

utilização de gravação em áudio ou vídeo, a condição de participação

voluntária, o esclarecimento do não-prejuízo do sujeito frente a outro serviço

vinculado e o consentimento informado.

Page 89: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Psicologia e bioética 88

Quando realizada pesquisa junto a menores, a necessidade de buscar

além do consentimento dos responsáveis, o consentimento da criança/adolescente

e respeitar sua decisão, seja ela positiva ou não. Assim como junto a presidiários,

militares e internos de hospitais, buscar a aceitação voluntária, e, quando

impossível, explicação e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa.

Quando na publicação de trabalhos científicos, garantir o sigilo de forma

a não identificar a pessoa. É fundamental que todo psicólogo tenha conhecimento

da resolução 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos.

Utilizar testes validados na cultura brasileira. A pesquisa adquire

sentido quando vem ampliar o conhecimento e minimizar o sofrimento humano.

b) pesquisa com animais: evitar qualquer pesquisa que envolva

sofrimento desnecessário aos animais e prestar todos os cuidados necessários.

Psicologia Clínica – na relação psicoterápica que se refere a uma

situação singular, extremamente íntima, avaliar a terapia mais adequada a

determinada pessoa e situação, em vista do bem deste sujeito e em respeito a

sua dignidade, entendendo que a ciência é meio e não fim.

necessidade de competência técnica;

experiência na problemática apresentada pelo paciente, do

contrário a clareza em encaminhar a outro profissional;

esclarecer o método de trabalho, a linha teórica utilizada;

a condição básica do sigilo (familiares) (autoridades) – não é bom

favorecer a interferência oculta dos parentes no processo da terapia;

capacidade de empatia e real empenho em ajudar os pacientes;

auxiliar o paciente a se autocompreender e a se autodesenvolver

sem manipular sua autonomia; impor os próprios valores sociais

(pessoas fragilizadas);

atento à contratransferência – diz respeito às questões inconscientes

do terapeuta com relação ao seu paciente, que podem levá-lo a reagir

Page 90: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Psicologia e bioética 89

de forma não adequada. Estar atento aos aspectos que o paciente

desperta, para que se possa agir de forma profissional;

frente a uma situação de risco de vida;

intervir – pois a vida é um bem maior e prioritário em relação ao

próprio bem da liberdade;

terapia grupal – escolha por métodos, não por razões de melhor

resposta terapêutica, mas por interesses econômicos

A questão do Psicodiagnóstico – quando o psicólogo é chamado a

dar seu parecer técnico, através de métodos e técnicas psicológicas.

O cuidado de, ao elaborar o laudo, ele contempla tão somente os dados

solicitados ou os dados necessários à compreensão do caso.

Em situações, por exemplo, de separação litigiosa envolvendo a guarda

dos filhos, que sejam ouvidas todas as partes envolvidas e enviar o parecer que

melhor represente a necessidade justa do menor. E que a pessoa ou pessoas

envolvidas tenham o direito às informações.

Psicologia do Trabalho – área que abrange as intervenções do

psicólogo nas empresas.

uma proposta de humanização das relações do trabalho;

a busca pelos trabalhos grupais como forma de reforçar relações

solidárias e enriquecedoras, rompendo com ações individualizadas;

auxiliar na criação de sistemas de trabalho mais democráticos, não-

discriminatórios, onde a divisão freqüente de um lado – dos que

pensam e planejam, e, de outro – dos que obedecem e executam,

possam ser reavaliados e que se possa criar momentos mais coletivos

de construção e participação;

garantia do sigilo;

questionamento dos objetivos na aplicação de testes e seu devido uso

– como forma de intimidar e discriminar;

Page 91: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Psicologia e bioética 90

atenção na elaboração de pareceres – informar aspectos profissionais e

que os aspectos mais pessoais sejam resguardados.

Psicologia da Educação – o trabalho do psicólogo desenvolvido nas

escolas. É importante:

contribuir na não-estigmatização das crianças com dificuldades

escolares (sendo normalmente ela o alvo, o depositário), mas deslocar

também para a escola e para as condições de ensino o problema da

baixa produtividade (auxiliar o aluno para que volte a acreditar que é

capaz de aprender);

oportunizar momentos que promovam a participação, a tomada de

consciência através da reflexão conjunta, da responsabilidade de todos

os implicados no processo educacional (o aluno, a família, o professor,

a escola, o contexto social);

a consciência de que uma avaliação psicométrica/projetiva está

traduzindo uma situação específica, um momento, e que envolve

multifatores que necessitam ser compreendidos e não quantificados,

evitando, assim, atitudes discriminatórias;

através de uma perspectiva multiprofissional, promover a qualidade das

práticas pedagógicas, através do conhecimento do ser humano de que

dispõe o psicólogo, caminhando, assim, na direção de uma psicologia

para todos.

É necessário também considerar o aspecto espiritual do ser humano.

A ciência tem refutado esse aspecto, talvez porque, dentro dos padrões

estabelecidos, esse tema “escape” do enquadre.

Não podemos negar todo o processo, desenvolvimento e tecnologia

advindos da ciência. Mas, por outro lado, a realidade humana continua um

grande mistério. Fomos no mínimo ingênuos ao acreditar que a ciência

responderia a todos os nossos questionamentos. Algumas questões pelo

Page 92: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Psicologia e bioética 91

menos permanecem abertas: quem somos? a que viemos? o que é a vida?

como compreendê-la? o que significa a morte?

Frente a essas questões, percebemos que não temos posse de nós, de

nosso destino, não sabemos se estaremos vivos amanhã. Vivemos uma grande

incerteza. E, ainda, nos achamos muito senhores de si...

Jung, reconhecido psicólogo que faleceu na década de 60, afirmou que

jamais havia tratado alguém na segunda metade da vida (45-40 anos) que não

tivesse um problema religioso – entendido como busca pelo entendimento da vida.

Tanto Jung como outros psicólogos, como Maslow, Assagioli, Frankl

Wilber, referem ser a espiritualidade, enquanto busca pelo transcendente, um

aspecto da psique.

É preciso, pois, que a psicologia repense seu posicionamento e rompa

com este silêncio.

Por respeito aos nossos pacientes/clientes, necessita o psicólogo estar

aberto a essas questões e não afirmar não ser tema da psicologia.

É importante também que se ressalte aqui a diferença entre

espiritualidade e religião.

ESPIRITUALIDADE RELIGIÃO

referente a temas fundamentais e

princípios da vida

essência do que significa ser

humano

interesses mais profundos

– questionamentos

– valores humanos

– relacionamentos íntimos consigo, com

os outros, com o transcendente

há significado na vida?

expressão do espiritual de forma

estruturada

sistema de crença e discrição do

espiritual

onde o espiritual se torna concreto,

se realiza.

Page 93: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Psicologia e bioética 92

Logo, falar de espiritualidade é falar da realidade e das

interrogações humanas.

E isso não é tema para a psicologia?

Bem, finalizando, é importante que se tenha claro que nós, psicólogos, não

temos a verdade a respeito do ser humano. A psicologia é apenas um braço deste

grande bloco que é o conhecimento. Logo, uma pessoa só pode ser totalmente

compreendida quando vista nas suas múltiplas possibilidades. Temos que ter claro,

também, que a contribuição teórica, a necessidade de atualização é fundamental

para um exercício profissional sério e que venha a contribuir para a sociedade, mas

que, se não houver troca afetiva, de nada adianta. Sensibilidade e ternura são

fundamentais no nosso trabalho. Sensibilidade para perceber que aquela pessoa à

nossa frente é muito mais do que podemos captar e que qualquer teoria tenha

descrito; ternura, para acolhermos o sofrimento do outro e que na caminhada em

conjunto possamos auxiliá-lo a se olhar e a se reconhecer como um ser único, mas

solidário com o que o cerca.

Alguém já disse que “a razão torna-se não-razão quando separada do

sentimento”. É no que acreditamos também.

Page 94: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 93

Patentamiento de material genético humano: implicancias

éticas y jurídicas

SALVADOR DARIO BERGEL∗

INTRODUCCIÓN:

DOS INTERROGANTES A DESENTRAÑAR COMO CUESTIÓN PREVIA

Introducir en un Congreso de Bioética el tema de patentes de invención

referidas a material genético humano, importa como cuestión previa que

contestemos estos dos interrogantes:

a) Si es possible universalizar el debate, tomando en consideración

el carácter nacional de las normativas vinculadas con los derechos de

propiedad industrial;

b) Si existen vínculos entre el derecho de patentes y la ética.

Vamos al encuentro del primer interrogante.

No podemos dejar de considerar que nos movemos dentro de un orden

normativo concreto (el derecho de patentes). Este orden normativo – tanto en el

plano descriptivo como conceptual – es particular para cada país, en razón de

que existe el derecho de propiedad industrial como derecho interno.

Esto, en principio, imposibilitaría continuar con nuestro cometido, en

tanto tendríamos un escenario para cada país, lo que impediría obtener

conclusiones generales que orienten la búsqueda de soluciones a los múltiples

problemas éticos que trae el patenta miento en las nuevas biotecnologías – en

general – y la investigación sobre el Genoma Humano en particular.

∗ Cátedra UNESCO de Bioética – Universidad de Buenos Aires.

Page 95: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 94

Pero el caso es que los datos de la realidad nos conducen a otros

senderos. En primer lugar porque – por feliz coincidencia – el núcleo central de

Ia disciplina normativa conformado por los denominados en doctrina requisitos

objetivos de patentabilidad, así como las exclusiones de patentabilidad, se

reiteran a través de los diversos sistemas jurídicos, adquiriendo de esta forma

caracteres de universabilidad.

Así, en lo tocante a requisitos objetivos de patentabilidad, la novedad de

la invención, la necesaria utilidad industrial y el mérito inventivo – traducido en

el real aporte al estado de la técnica – constituyen con mínimas diferencias

presupuestos generales para la concesión de patentes.

A esta inportante base conceptual se adicionan las tentativas parciales

o generales de armonización de la materia en el orden internacional que

reafirman la primacía de dichos principios básicos. Así en Europa el Convenio

de la Patente Europea (CPE) y una reciente Directiva sobre la protección de las

innovaciones biotecnológicas.

Por si ello no constituyera suficiente argumento, traigo a colación el

acuerdo TRIPs del GATT. Este acuerdo por primera vez en la historia, incorpora

en un tratado referido a Comercio Internacional, un capítulo sobre observancia

de derechos intelectuales, uno de cuyos componentes es precisamente el de

Propiedad Industrial.

Sobre este particular establece:

“Ias patentes podrán obtenerse por todas las invenciones, sean de productos o

de procedimientos en todos los campos de la tecnologia siempre que sean

nuevas, entrañen una actividad inventiva y sean susceptibles de aplicación

industrial” (Art. 27, I).

Todo esto da sustento a la idea de tratar el sistema de patentes como

un sistema universal permitiendo que se puedan emitir a su respecto juicios

comunes, sin perjuicio de entrar a considerar los detalles particulares que

matizan los regímenes nacionales o comunitarios.

Page 96: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 95

El outro aspecto que debemos tratar de desentrañar es el vínculo que

relaciona los derechos de patentes con la ética.

Desde un punto de vista general, toda ley, toda norma jurídica puede y

debe estar vinculada con la ética. El derecho, en definitiva, como sistema normativo

que ordena una sociedad, debe expresar o fundarse en principios morales. La

adhesión a los valores de la ley – enseña Moufang – significa que por lo general las

justificaciones de las normas y las decisiones legales están pensadas, o al menos

relacionadas, en principios y argumentos basados en la moral.

Esta comprensión amplia es aplicable a los sistemas normativos

particulares, tal como el que concita nuestra atención. Las consideraciones

basadas en factores éticos – legales, inundan toda la estructura normativa del

sistema de patentes y juegan un papel decisivo en su ulterior desarrollo previsto

por Ia legislación y la jurisprudencia.

Habida cuenta que la moral y las reglas legales pertenecen a círculos

que se cruzan no existe una antinomia general entre ellas. Por esta razón, la

interrelación entre ética y ley de patentes no puede ser reducida a la aplicación

de una previsión específica y muy exclusionista.

Junto a estas consideraciones también cabe remarcar que los

argumentos bioéticos específicos también tienen un lugar dentro del sistema de

patentes. Estos influyen en las limitaciones sobre patentabilidad y en el alcance

de la protección; constituyen el transfondo para la aplicación de medidas

especiales para salvaguardar intereses públicos (v.gr. licencias obligatorias) y

pueden determinar de muchas maneras, la interpretación de las categorías

generales en la ley de patentes.

En esta dirección podemos destacar algunas circunstancias

complemantarias que avalan nuestro punto de vista. Así:

a) Existen diversas teorias dirigidas a justificar el sistema de patentes

(creación legislativa por principio), con enfoques ecnómicos, sociales y políticos

todos los cuales se relacionan com juicios éticos.

Page 97: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 96

Así, se há sostenido que el inventor es dueño de su invento, sobre el

que tiene un derecho de propiedad natural, el que debe ser reconocido por la

sociedad. Al otorgar el derecho de exclusiva – que en último análisis implica la

patente – el estado no hace más que ejercer un acto de justicia respecto de

quien es propietario del invento por derecho natural.

Desde outro enfoque se ha pretendido dar un fundamento al derecho

del inventor a través de la justicia contractual: el inventor revela el contenido de

su invención, beneficiando a la sociedad con el aporte de un progreso técnico y

ésta – como contrapartida – le otorga el derecho de explotario en exclusiva por

un tiempo limitado.

También se ha querido hallar la fuente de estos derechos en la teoría

del incentivo. La sociedad tiene interés en el desarrollo de las técnicas y como

incentivo para estimularia premia con un derecho de patente a quien lo logra.

De esta forma la actividad científico-tecnológica es incentivada por el Estado a

través del contenido económico del derecho del inventor.

Junto a cada una de las construcciones teóricas elaboradas para

justificar estos derechos monopólicos – en definitiva el derecho de exclusiva del

que goza el titular de una patente, es un monopolio restringido – existe un

componente moral.

Así Moufang luego de analizar los diversos fundamentos pensados en

torno a los derechos del inventor, señala que es manifiesto que todos estos

argumentos entremezclados poseen un componente moral o al menos se

apoyan en un peso de intereses influido por juicios éticos.

b) Junto a estas teorías que pretenden justificar el derecho de los

inventores tenemos que los llamados requisitos objetivos de patentabilidad, de

universal aceptación en el derecho de patentes, también se encuentran influidos

por sólidos fundamentos morales.

Así la existencia misma de una invención concebida como una regia

técnica para solucionar una necesidad humana por oposición a un

Page 98: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 97

descubrimiento, como presupuesto para la concesión de patentes obedece a

indiscutibles razones éticas.

De igual forma los requisitos de novedad, mérito inventivo y aplicación

industrial no sólo consagran principios técnicos, sino también éticos, en tanto

que quien pretende a su respecto la quiebra del principio general de libre

competencia debe comenzar por invocar una invención novedosa, que

demuestre un esfuerzo intelectual capaz de permitir el progreso en un campo

determinado de conocimiento y que sea directamente aplicable a la industria.

Todos estos requisitos nos muestran la conexión del derecho de

patentes con Ia ética. Las leyes de patentes no son como alguna vez pudo

sostenerse éticamente neutrales.

c) Al hilo de estas consideraciones tenemos normativas generales,

tanto en el orden internacional como en los derechos nacionales que excluyen

del objeto de patentes a invenciones contrarias a la moral, al orden público o a

las buenas costumbres. Así, en el plano jerárquico del actual derecho de la

propiedad industrial tenemos la norma del Art. 27 b) del Acuerdo TRIPs del

GATT que autoriza a los países miembros a excluir de la patentabilidad las

invenciones cuya exploración comercial en su territorio deba impedirse

necesariamente para proteger el orden público o la moralidad, inclusive para

proteger la salud o la vida de Ias personas o de los animales o para preservar

los vegetables, o para evitar graves daños al medio ambiente.

Europa posee un sistema complejo que relaciona las innovaciones

biotecnológicas con la ética.

En primer lugar tenemos una regla de amplio espectro contenida en el

Art. 53 a) del CPE, que a nuestro juicio habilita a las oficinas de patentes o en

su caso los tribunales de justicia al examen de cualquier patente a la luz de los

principios referidos.

Page 99: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 98

Junto a este dispositivo general existen en materia de innovaciones

biotecnológicas, exclusiones particulares fundadas en iguales principios, lo que

refuerza el imperio del principio general al brindar supuestos ejemplificativos.

El citado Art. 53 a) del CPE establece que no se concederán patentes

europeas para las invenciones cuya publicación o explotación sea contraria al

orden público o las buenas costumbres.

El orden público en materia de patentes, según lo señala Iglesias

Prada, puede ser entendido como el conjunto de valores admitido por Ia

generalidad de un cuerpo social que resultarían transgredidos de un modo

irreparable si se concediera una patente sobre una invención determinada. Las

buenas costumbres – lo mismo que en otros planos generales del derecho –

son una categoría flexible y lo suficientemente indeterminada y difusa, para

permitir al juzgador apreciar a su arbitrio Ia moralidad de Ia invención de que se

trate. En este orden de ideas – lo recuerda Botana Agra – no debe perderse de

vista, que los pueblos van creando valores, acumulando caracteres y forjando

estilos y convicciones que, depuradas por el tiempo, sedimentan en una

tradición de gran contenido ético.

Es más, los argumentos éticos sociales están en la raiz de la exclusión

de tratamientos médico quirúrgicos respecto a humanos o animales, que

consagra el Art. 52.4 del CPE.

Todo esto no motivó demasiados cuestionamientos en tiempos

anteriores al surgimiento de la nueva biotecnología, ya que casi era

inconcebible que un inventor no advirtiera la contradicción de su solicitud de

patentes con normas éticas, o con principios liminares que rigen a una sociedad

en un momento y lugar determinados.

El tema adquiere toda su fuerza y dimensión cuando surgen las

primeras patentes sobre seres vivos o material perteneciente a seres vivos.

A este respecto, resulta muy ilustrativo el proceso de formación de la

nueva Directiva europea sobre protección de innovaciones biotecnológicas.

Page 100: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 99

La propuesta originaria del 21-10-88, no contenía referencias concretas

al orden público y a las buenas costumbres por estimarse que esta causal de

exclusión debía dejarse al dominio de cada derecho nacional.

Recién en la propuesta modificada del 16-12-92 aparece por primera

vez en el texto la exclusión de patentamiento por razones vinculadas con el

orden público y las buenas costumbres. Esto se fundamentó en razón de que

ciertas invenciones biotecnológicas, podían desconocer estas pautas por cuya

razón era realmente importante mencionar en la parte dispositiva un listado de

invenciones excluidas de patentabilidad “a fin de guiar a los jueces y a las

oficinas nacionales de patentes, ilustrando la referencia al orden público y a las

buenas costumbres por líneas directrices esenciales”.

Consecuente con ello, en el Art. 3 ap. 3 se agregó esta lista de

invenciones no patentables en función de la referida contrariedad:

a) El cuerpo humano y los elementos del cuerpo humano en tanto

que tales.

b) Los procedimientos de identificación de la identidad genética del

cuerpo humano con un fin no terapéutico y contrario a la dignidad de la

persona humana.

c) Los procedimientos de modificación de la identidad genética de los

animales, capaces de causar sufrimientos o handicaps sin utilidad para el

hombre o el animal.

En fecha 13-12-95, la Comisión proyectó una nueva propuesta de

Directiva. Aquí en su parte dispositiva puede observarse una modificación

relevante: el tema del patentamiento del cuerpo humano y sus elementos en su

estado natural, deja de integrar la nómina ejemplificativa de invenciones

excluidas por razones de orden público y buenas costumbres y lo considera por

separado. Esto importa admitir que esta exclusión no es una cuestion ética, sino

una cuestion técnica que descansa sobre la diferencia entre invento y

Page 101: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 100

descubrimiento, lo cual se dirige a llevar este tema fuera del debate ético con

una clara intencionalidad.

La directiva vigente – tal como es sabido – introduce varias exclusiones

de patentamiento basadas en razones éticas (los procedimientos de clonación

de seres humanos, los procedimientos de modificación de la identidad genética

germinal del ser humano, las utilizaciones de embriones humanos con fines

industriales o comerciales y los procedimientos de modificación de la identidad

genética de los animales que supongan para éstos sufrimientos sin utilidad

médica sustancial para el hombre o el animal y los animales resultantes de tales

procedimientos). Pero más allá de estas normas cabe señalar que eI Art. 7 da

una prueba acabada de la íntima relación de las Ieyes de patente con la ética.

En una disposición sin precedentes en textos de esta naturaleza

dispone que el Grupo Europeo de Etica de las Ciencias y de las Nuevas

Tecnologías, evaluará todos los aspectos éticos vinculados a la biotecnología;

lo que se ve reforzado por el Art. 16 que en su primer apartado dispone que la

Comisión transmitirá al parlamento y al Consejo, cada 5 años un informe sobre

posibles problemas que la Directiva haya planteado en relación con los

acuerdos internacionales de protección de los derechos humanos a los que

hayan adherido los estados miembro.

Es que, en definitiva, la introducción de la dimensión ética en el derecho

europeo de patentes era una necesidad política.

Tanto los fundamentos en que se asienta el derecho de patentes, como los

Ilamados requisitos objetivos de patentabilidad y las normativas internacionales y

nacionales dan suficiente sustento a la vinculación del derecho de Ia propiedad

industrial con principios éticos, lo que nos autoriza a examinar normas específicas

relacionadas con material genético humano a la luz de tales principios.

Page 102: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 101

LOS TEMAS EN DEBATE

La sola circunstancia de considerar el patentamiento de materia

biológica impacta en nuestras sociedades, que más allá del conocimiento

técnico jurídico expresan su preocupación en el plano de lo ético.

Cuando el debate desciende al terreno más específico del material

genético humano la preocupación de la opinión pública es justificada, no

obstante lo cual, la fuente de dicha preocupación deve ser explorada y

claramente expuesta.

Diversos interrogantes esperan una respuesta sensata y adulta que

más allá de los intereses sectoriales pueda satisfacer dicha preocupación.

En esta dirección cabe perguntarse si la materia genética puede ser

tratada como una molécula química, sin más aditamentos; si puede quedar en

el dominio de particulares – aún por tiempo limitado – información genética

obrante en genes y secuencias de genes humanos, si puede parificarse

invento a descubrimiento a los fines de otorgar el privilegio patentario, si es

razonable que se otorguen patentes de amplio espectro sobre contribuciones

mínimas al estado de la técnica, si ha desaparecido la distinción entre

investigacióon básica y aplicada.

Es comprensible el temor que el genoma humano o componentes

importantes del mismo pasen al dominio de grandes empresas o que las

investigaciones que se emprendan en el futuro en esta área tan sensible del

conocimiento se vean dificultadas, o neutralizadas, por quienes accedieron a

patentes sobre material genético humano otorgadas sin mayor cuidado.

También es comprensible, que las sociedades se alarmen cuando

diariamente se informan, que centenares o miles de secuencias parciales de

ADN humano forman parte de solicitudes de patentes de la industria privada o

cuando se lee que determinadas empresas niegan el libre acceso a información

genética contenida en sus bases de genes.

Page 103: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 102

Estos interrogantes justifican ampliamente incluir el tema del

patentamiento de genes y secuencia de genes en un congreso de bioética.

Para tratar de dar respuesta a ello pasaremos a analizar tres

temas gravitantes:

a) La relación invento-descubrimiento en este escenario.

b) El principio de no comercialización del cuerpo humano y sus partes.

c) El libre acceso al conocimiento del material genético humano y la

vocación de compartir Ia información científica derivada.

a) Descubrimiento e invención

Si bien en materia de patentes en general, Ia distinción entre

descubrimiento e invención tuvo una relevancia relativa, el tema adquiere con el

advenimiento de las nuevas biotecnologías un protagonismo esencial.

Así en el dictamen del GAEIB, de la Comisión Europea del 25-9-96,

relativo a los aspectos éticos en el patentamiento de invenciones que involucran

elementos de origen humano, se señala:

“que la distinción tradicional entre descubrimiento (no patentable) e

invención (patentable), revelan en el dominio de la biotecnología una

dimensión ética particular.

Resultado de esa distinción es que los conocimientos referentes al cuerpo

humano o a sus elementos pertenecen al dominio de los descubrimientos científicos e no

pueden ser patentados. A este respecto debe precisarse que el simple conocimiento de

la estructura total o parcial de un gen no puede ser objeto de una patente.”

La diferencia conceptual entre ambas categorías parece no ofrecer

mayores complicaciones.

El descubrimiento científico (al que por sí mismo le faltaría incluso eI

carácter de la materialidad), – señala Ascarelli – puede constituir la premisa del

posterior invento, pero la tutela concierne a éste y no a aquél; concierne al

invento como tal, no importando que implique o no, (como es lo normal), un

nuevo descubrimiento y esto no ya por la mayor “importancia”, del invento

Page 104: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 103

respecto al descubrimiento, (pues la verdad es justamente la contraria) sino

precisamente porque, dados los innumerables inventos que pueden tener como

premisa común un descubrimiento científico, una exclusiva que tuviese

directamente por objeto la utilización del descubrimiento científico se convertiría

en una carga para el progreso cultural y para el mismo progreso técnico que la

tutela del invento trata de promover.

La claridad de este esquema, parece hoy desdibujada por la necesidad

de lograr una mayor protección en el área de investigaciones biotecnológicas,

so pretexto de un mayor nivel de inversiones económicas, por parte de las

empresas comerciales.

Asistimos, de esta forma, a la creación de una zona gris entre estas dos

categorías conceptuales que en definitiva se orienta a facilitar Ia tendencia cada

vez más difundida de adquirir derechos de propiedad intelectual sobre simples

descubrimientos, para reservar grandes áreas de mercados futuros.

No se trata de adaptar conceptos a los nuevos retos de la tecnología,

ya que tanto en electrónica, en química o en biotecnología es posible diferenciar

lo que es un descubrimiento de lo que es una invención. Simplemente se trata

de adaptar conceptos ya decantados a nuevas exigencias económicas para

poder justificar lo que no admite justificación alguna.

So pretexto de existir dificultades en la caracterización, las oficinas de

patentes acuerdan derechos sobre simples descubrimientos, con lo cual no sólo

se premia a quien no es “inventor”, sino que se permite el otorgamiento de

derechos monopólicos sobre materia no comprendida en la descripción. Si a

esto agregamos la creciente tendencia a admitir descripciones en términos

amplios y abarcativos que apuntan a crear una mayor confusión en beneficio del

titular, podremos advertir que el panorama de la propiedad industrial en

biotecnología no es alentador.

Las prácticas de las oficinas nacionales de patentes se encuentran

distorsionadas desde hace tiempo. Tras el misterio de un derecho complejo solo

Page 105: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 104

reservado a iniciados – al que se agrega una materia igualmente compleja — se

van conformando doctrinas, decisiones administrativas y judiciales, solo

encaminhadas a alimentar los apetitos desmedidos de la industria cimentada en

la apropiación de la información genética (la industria genómica).

Así, se patentan microorganismos, células, líneas celulares, genes,

secuencias de genes y genomas, los que se revindican con patente de producto.

Sobre este particular, el Comité Consultivo Nacional de Etica para las

Ciencias de la Vida y de la Salud de Francia, en su dictamen del 8 de junio

próximo pasado especificó con toda claridad

“que el conocimiento de la información genética, sea elIa portada por un gen,

una secuencia genética o la totalidad de un gen, no es evidentemente

patentable, sino que importa un descubrimiento, en tanto que es información

sobre el mundo natural. Así, la sangre no puede ser objeto de patente. Pero los

anticuerpos innovativos pueden ser patentables. El mismo régimen puede ser

aplicado a la utilización de un gen clonado, bien caracterizado para producir una

proteína recombinante de eficacia biológica demostrada.”

Esta ruptura de la línea divisoria entre invento y descubrimiento causa

considerables perjuicios a la investigación científica, al negarse que el

conocimiento debe ser libre y accesible a todos los hombres.

b) El principio de no comercialización del cuerpo humano y

sus partes

Casi pareciera una cuestión trivial que no puede generar contradicción

alguna la prohibición de comercialización del cuerpo humano. Desde siempre y

aún al margen del derecho de la propiedad industrial, se ha sostenido como

cuestión de principio la no comercialidad del cuerpo humano, siendo la

exclusión de patentamiento un derivado natural de esta consideración.

El cuerpo humano, lo señaló el Grupo Asesor para la Ética de la

Biotecnología de la Comunidad Europea, en las diferentes etapas de su

constitución y desarrollo, así como sus elementos, no constituye invención

Page 106: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 105

patentable. Esta exclusión no se origina sobre las usuales condiciones de

patentabilidad, sino que se inspira en el principio ético de no comercialidad del

cuerpo humano.

Esta prohibición – por otra parte – puede considerarse incluida dentro

de la prohibición genérica de patentar objetos contrarios a la moral, al orden

público y a las buenas costumbres.

Cuando descendemos al gen, a la secuencia de un gen, pareciera que

el tema de los “elementos” del cuerpo humano se complica y que es posible

escindir – a los fines del derecho de la propiedad industrial – un gen, una

secuencia parcial o un polimorfismo de la estructura total.

Este tema – tal como puede observarse – es de relevante importancia

no sólo en el plano jurídico sino en el ético.

El Comité Consultivo francés en el mencionado dictamen há dicho que

“con el gen estamos a un nivel molecular donde el calificar de humana la

realidad que nos ocupa no tiene ningún sentido. Sin embargo, el gen lleva

inscripto en su secuencia elementos determinantes que son fundamentales en

el ser humano; su relación con el cuerpo tiene, en efecto, un significado

totalmente diferente que para otras moléculas. Descifrar la información que

contiene el gen es abrir Ia comprensión del ser vivo y si se trata de un ser

humano esta comprensión es fundamental para los seres humanos que somos”.

“Cómo imaginar si se ha decidido tratar al gen como un producto banal que esta

concepción no se extenderá a una célula, a un órgano, a transaciones

concernientes a la reproducción? El Comité insiste en pensar que lo que se diga

del gen, a propósito de la propiedad intelectual, podría – si no se tiene cuidado

– fragilizar la regla que pone al ser humano ‘fuera del comercio’, punto al que

no hay que tratar de llegar.”

La extensión de los derechos de propiedad industrial al material

genético humano – en efecto – abre una vía muy perocupante en el plano ético

que amenaza instrumentalizar al ser humano desintegrándolo de sus elementos

componentes conforme a las necesidades del mercado.

Page 107: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 106

¿Cuál es el limite? No lo podemos predecir, pero cuando una normativa

– tal el caso de la directiva europea sobre innovaciones biotecnológicas –

autoriza a otorgar patentes sobre “elementos aislados del cuerpo humano”, es

justo que nuestra preocupación se manifieste.

c) El libre acceso al conocimiento del genoma humano y la

vocación de compartir la información científica derivada

Por tratarse de conocimientos relativos a la persona humana

estrechamente relacionados con su salud y bienestar, constituye un imperativo

el asegurar el libre acceso a los avances de la investigación sobre el genoma.

Toda ocultación o reserva de tal conocimiento es contraria al espíritu de

colaboración que animó desde el comienzo la ventura del genoma humano. El

libre acceso no sólo implica la posibilidad de acceder sin trabas a la

información, sino también el de no tener que reconocer derecho económico

alguno para su utilización.

De nada vale que sea publicado y difundido el mapa del genoma, si la

posterior utilización por la comunidad científica de información de él derivada

puede verse interferida por el otorgamiento de derechos de propiedad

intelectual sobre genes o secuencias de genes.

El conocimiento sobre el genoma humano, lo ha señalado el CCNE,

está ligado a la naturaleza del ser humano; en este punto fundamental es

necesario que para su bienestar futuro no pueda ser apropiado de forma

alguna. El debe estar abierto a la comunidad de investigadores, debe quedar

disponible para la humanidad en su conjunto, recordando que para la

Declaración Universal de la Unesco sobre el genoma humano, éste es en un

sentido simbólico “patrimonio de la humanidad”.

Tal como podremos observar más adelante, toda política del

ocultamiento o retaceo de información sólo puede contribuir a bloquear el curso

de investigaciones prioritarias para el ser humano.

Page 108: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 107

La importancia misma de los horizontes abiertos por el conocimiento de

la genética humana fortalece la necesidad de compartir conocimientos. El

conocimiento del gen – reitera el CCNE – no puede ser preservado

celosamente por los países ricos, tanto más que él se pudo asentar sobre un

pilaje de material genético obtenido de los países más pobres.

EI conocimiento pertenece a todos, desde Ias perspectivas revolucionarias

que abre sobre la comprensión de la vida y de las enfermedades.

La necesidad de compartir los beneficios derivados de Ia investigación

del genoma como un imperativo moral ha sido claramente destacada por la

Declaración de la Unesco, que recibiera la ratificación unánime de la comunidad

internacional. En este sentido el Art. 19 establece que en el marco de

cooperación internacional con los países en desarrollo, los estados deberán

esforzarse por tomar medidas destinadas a fomentar el libre intercambio de

conocimientos e información científicos en los campos de la biología, la

genética y la medicina.

EL PATENTAMIENTO DE GENES Y SECUENCIAS DE GENES

EN EUROPA Y LOS ESTADOS UNIDOS

La Oficina Europea de Patentes (EPO) considera que con respecto a

los genes debe considerarse que son secuencias ordenadas de nucleótides, a

saber: DNA ubicadas en un lugar particular de un cromosoma particular.

Codifican un producto funcional específico como una proteína o una molécula

de ARN y por lo tanto constituye una sustancia bioquímica generada

naturalmente. Conforme a las pautas de examen de la Oficina, una sustancia

encontrada en Ia naturaleza, tal una secuencia de ADN, es patenable si se la

aisla de su entorno y puede caracterizarse por su estructura a través del método

por el cual se la obtuvo o por otros parámetros.

Estas secuencias carecen de novedad para dicha Oficina si su

existencia ha sido dada a conocer públicamente de forma reconocida antes de

Page 109: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 108

su registración o fecha de prioridad. Esto no ocurre automáticamente aunque

integren un banco genético accesible al público.

Conforme a estos criterios la EPO ha otorgado un número considerable

de patentes sobre secuencias de ADN de distinto origen, entre otras

aproximadamente quinientas referidas a secuencias de ADN humano.

El tema ha sido objeto de especial consideración en la Directiva

Europea 98/44 relativa a la protección de las invenciones biotecnológicas, que

obliga a los estados miembros a dictar sobre esa matriz disposiciones legales,

reglamentarias y administrativas armónicas.

Lo primero que cabe destacar es que la Directiva a estar de su texto y

de las consideraciones que lo preceden se dirige a regular invenciones

biotecnológicas y no menos descubrimientos (Art. 1 y 3 y consid. 8, 13 y 16).

AI entrar en el tema el Art. 5 dispone que el cuerpo humano en los

diferentes estadios de su constitución y su desarrollo, así como el simple

descubrimiento de uno de sus elementos incluida la secuencia o secuencia

parcial de un gen no podrán constituir invenciones patentables.

Enfáticamente el considerando 16, dispone

“que el derecho de patentes se ha de ejercer respetando los principios

fundamentales que garantizan la dignidad y la integridad de las personas, que

es preciso reafirmar en princípio según el cual, el cuerpo humano en todos los

estadios de su constitución y desarrollo, incluida Ias células germinales, así

como eI simple descubrimiento de uno de sus elementos o de uno de sus

productos; incluida la secuencia o la secuencia parcial de un gen humano no

son patentables; que estos principios concuerdan con los criterios de

patentabilidad previstos por el derecho de patentes, en virtud de los cuales un

simple descubrimiento no puede ser objeto de una patente”.

A tenor de este texto pareciera que el Art. 5 expone un principio general

relativo a Ia materia de patentes de material genético humano, que se cimenta

Page 110: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 109

en innegables principios éticos. Pero a poco que avancemos en el examen tal

principio general se desvanece.

Dejando fuera del análisis al cuerpo humano considerado en su

integridad, cuyo patentamiento suena a ridículo o absurdo, la posibilidad de

patentar sus elementos componentes mientras integran funcionalmente el todo,

no resulta posible ni atendible.

En efecto no resulta explicable que un elemento funcional de un

organismo vivo pueda sortear los requisitos objetivos de patentabilidad.

Surge de ello que el primer apartado del Art. 5, carece de mayor relevancia.

La regla general a nuestro entender, es la contenida en el 2º ap. del Art. 5:

“un elemento aislado del cuerpo humano u obtenido de outro modo mediante un

procedimento técnico, incluida la secuencia o la secuencia parcial de un gen,

podrá considerarse como una invención patentable aún en el caso de que la

estructura de dicho elemento sea idéntica a la de un elemento natural.”

Vamos al examen de esta norma.

En primer lugar admite el patentamiento de un elemento aislado del

cuerpo humano. ¿,Qué significa elemento? Conforme al diccionario de la lengua

tomamos una acepción: fundamento móvil o parte integrante de una cosa.

En este caso un elemento podría ser un gen, un cromosoma, una célula,

un órgano, una extremidad aislada del cuerpo humano. Bercovitz anota que un

elemento aislado del cuerpo humano puede ser una parte significativa del ser

humano y podría dar lugar a un cierto tráfico de órganos; aparte habría que ser muy

exigente en el carácter beneficioso para la humanidad de la invención que se

pretende proteger con utilización de elementos del cuerpo humano.

Una vez más – agrega el autor – las cuestiones éticas, de orden público

deberían ser tenidas muy en cuenta por las autoridades encargadas de la

concesión de patentes.

La norma agrega “un elemento obtenido de outro modo mediante un

procedimiento técnico, incluida la secuencia o secuencia parcial de un gen”.

Page 111: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 110

Mientras el aislamiento compreende la utilización de técnicas

tradicionales, la “obtención mediante un procedimiento técnico”, implica la

aplicación de técnicas biotecnológicas.

Vamos al gen o a la secuencia parcial de un gen.

¿Qué es un gen? Sin duda nos encontramos ante un concepto difícil de

definir. Diferentes biólogos según su campo de actuación lo definirian de

diversas maneras.

Para la biología molecular un gen es un fragmento de ADN que

especifica la composición de una proteína y determina si se puede sintetizar.

Para Oliva, si alguna utilidad puede tener la definición del gen es la de

facilitar la comunicación y para este fin basta en muchos casos la definición del

gen como unidad transcripcional.

Si apuntamos a su composición podremos – como reiteradamente se lo

ha hecho – parificarlo a una molécula química y aplicarle los principios que

consagra el derecho de propiedad industrial respecto a estas composiciones.

Pero existe una diferencia que deviene en fundamental a fin de no

generar confusiones basadas en una simplificación: esta molécula (o fracción

de una molécula) contiene o es portadora de información genética y lo que

realmente gravita es dicha información y no su soporte.

Un gen – anota Kahn – puede ser sintetizado químicamente sin dificultades

a partir de sus constituyentes de base, es decir nucleótidos. Comparando con otras

moléculas del mundo biológico, v.gr. azúcares, ácido úrico o una proteína, los

genes tienen una propiedad complementaria que hace a su especificidad: ellos

constituyen el soporte de un programa genético. Esto significa que en un ambiente

apropiado con la ayuda de la máquina de una célula viva el programa impreso en el

gen podrá ser leído y ejecutado. En este sentido eI gen se compara a un soporte de

información cualquiera: bandas magnéticas, discos informáticos, o videocasetes. La

naturaleza de estos soportes debe ser considerada independientemente de la

información que ellos contienen.

Page 112: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 111

Así de lo que se trata en materia de patentes de genes es en realidad

sobre Ia información genética que presenta. La secuencia de un gen puede ser

considerada como un componente del mundo natural, ajeno a los criterios

objetivos de patentabilidad.

Si la estructura de dicha información (conjunto de órdenes que integran

la secuencia total o parcial) es idéntica a la de un elemento natural, nos

hallamos ante un descubrimiento y no ante una invención.

En oportunidad del dictamen requerido por la Comisión Europea sobre

los aspectos éticos del patentamiento de invenciones que contengan elementos

de origen humano, el Grupo de Consejeros para la Ética de la Biotecnología de

dicha Comisión sostuvo que

“en lo que concierne a invenciones realizadas a partir del conocimiento de un

gen o de una secuencia parcial de un gen humano, la concesión de una patente

no es aceptable sin que, por uma parte conste la identificación de la función

vinculada al gen o a la secuencia parcial del gen que abra la vía a nuevas

posibilidades (por ej, la fabricación de un nuevo medicamiento) y si por otra

parte la aplicación a que da lugar Ia patente no está suficientemente precisada

e identificada”.

A estos términos, que revelan un criterio abierto a la patentabilidad, el

Dr. Dietmark Mieth (correlator del informe) le hizo un agregado fundamental,

que encuadra correctamente a nuestro entender el tema en debate.

Reza el agregado propuesto por Mieth que

“una patente puede ser otorgada sobre una invención susceptible de aplicación

industrial respecto a un elemento de origen humano como un gen aislado, si

este ha sido esencialmente modificado. Este elemento no está esencialmente

modificado si su estructura es identificable como aquella de un elemento (gen)

que se encuentra en el cuerpo humano o si la información genética es idéntica

a aquella de un gen presente en el cuerpo humano.

De todos modos – agrega – el otorgamiento de una patente es justificable para

una innovación que muestre una nueva aplicación terapéutica o el uso de un

Page 113: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 112

gen o de una secuencia parcial, aun sin alterarla. En este caso, – patente de

producto y patente de procedimiento – la necesidad de estimular la

investigación europea y la utilización de sus resultados puede primar sobre

otros aspectos. La patente no debe cubrir el gen en sí mismo sino la utilización

específica determinada.”

Que la determinación de la secuencia natural importe un conjunto de

pasos más o menos complicados en el orden técnico no cambia la calificación

de la actividad humana. La complejidad mayor o menor de un proceso que Ileva

al conocimiento de la secuencia no le quita el carácter de descubrimiento para

transformarlo en invención.

En todo caso, atendiendo a Ia diferenciación clásica del derecho de

patentes entre invento de producto o invento de proceso, lo que eventualmente

podría reivindicarse como actividad inventiva es el procedimiento que llevó a

describir la secuencia, pero no en forma alguna la secuencia como tal.

Es lo que preconiza Bercovitz:

“El problema que se plantea aquí como se plantea en todas las tecnologías

nuevas y que se planteó en su dia a la química es si la secuencia de

nucleótidos debe ser protegida en sí misma por patente de producto o si por el

contrario, debe ser protegida simplemente como una patente de procedimiento,

lo cual sería muchísimo más razonable porque no se sabe si el gen que se

protege hoy para producir una proteína, pasada mañana no va a servir para otra

función totalmente distinta. Naturalmente, si se protege el gen en sí mismo, esa

segunda función sólo podría dar lugar a una patente dependiente con los

inconvenientes que elIo significa. Nadie estará interessado en investigar sobre

un gen ya patentado porque sabrá que la patente que obtenga será una patente

dependiente y no podrá ser explotada sin el consentimiento del titular de una

patente anterior.”

La secuencia de un gen aislado puede ser idéntica a la de un gen en su

estado natural o diferir. En este último caso la modificación podría atender a un

Page 114: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 113

mejor funcionamiento del gen en el medio en que actúa (bacteria, célula, etc.)

v.gr. mediante la técnica de optimización de codones.

Estas técnicas son ampliamente conocidas y se encuentran en el

dominio público.

En ambos casos nos encontramos ante situaciones que no podrían

justificar de forma alguna el otorgamiento de patentes.

De igual forma la optimización mediante el cambio de promotores o

terminadores con técnicas de ingeniería genética básica, no entraña

procedimiento inventivo alguno.

Si leemos atentamente la norma, lo que consagra es la posibilidad de

otorgar una patente de producto al “elemento aislado”, con lo cual llegamos a la

conclusión que contradice los principios éticos considerados fundamentales en

la Directiva y que expressa el mencionado considerando 16.

En síntesis, lo que se está patenteando con patente de producto es

simplemente un descubrimiento. La secuencia total o parcial del “elemento” es

la secuencia natural. El inventor que resulta premiado con un título de exclusiva

no modificó tramo alguno de tal secuencia.

Ulrich Schatz, Director de Asuntos Internacionales de la EPO,

explicando la posición favorable al patentamiento de secuencias de genes,

señala que si bien es correcto que el mero secuenciamiento del genoma es más

una materia de descubrimiento (no patentable), debe diferenciarse del caso en

que la secuencia de ADN que codifica para una proteína particular es aislada de

su medio natural por medios técnicos y puesta a disposición de la industria.

Esto – a su criterio – completa el paso del conocimiento a la práctica

idónea el cual es central en toda invención. Así – concluye – un gen es “nuevo”

en el sentido que le asigna la Ley de Patentes, en tanto que previamente no

estuvo disponible para el público, i.e. para uso técnico.

Esta posición es la que recepta en general para toda materia biológica

la Directiva Europea de 1998 en sus artículos 5.2 y 3.2 en cuanto establecen

Page 115: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 114

que la materia biológica aislada de su entorno natural o producida por medio de

un procedimiento técnico, puede ser objeto de una invención aún cuando ya

exista anteriormente en estado natural.

Poste – en esta misma orientación – sostuvo que las dificultades del

trabajo de descubrir genes y las técnicas necesarias para Ilevarlo a cabo

convierten a un hallazgo en una invención. Este análisis, para Davidson

contiene una falacia lógica ya que por mucho trabajo que se añada no se puede

dar el salto epistemológico que existe entre descubrimiento e invención. Es

obvio que las leyes de patentes no pueden llegar a distorsionar conceptos

suficientemente decantados en el lenguaje natural, transformando en invento un

simple descubrimiento.

En esta línea de razonamiento el aludido dictamen del CCNE critica la

posición que entiende que el aislamiento por clonación de un gen en particular

que permita su caracterización pone a disposición de los investigadores un

material portador de una invención.

Señala sobre el particular que este razonamiento puede ser discutido

en tanto la conación automatizada de um fragmento de ADN no implica ninguna

actividad inventiva, los procedimientos se convierten por outra parte en

perfectamente corrientes y si fuera suficiente el hecho de aislar el gen para salir

del dominio del descubrimiento y hablar de invención patentable, no habría más

lugar hoy en día para descubrimientos en el dominio de la genética.

Habíamos señalado en anterior oportunidad que la simple asimilación

entre los criterios empleados para la protección de una molécula química – en

especial las utilizadas con fines terapéuticos – y un gen humano es cuanto

menos inconsistente.

En el hallazgo de um medicamento con actividad terapéutica sobre una

enfermedad existe una doble invención: la molécula considerada en sí misma y

su utilización terapéutica.

Page 116: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 115

En el campo del genoma es de imposible aplicación este razonamiento

en tanto el aislamiento del gen (lo que equivale a la concepción de la molécula

química) no importa una actividad inventiva. Esta sola circunstancia nos debe

mover a considerar que esa pretendida asimilación parte de una base falsa.

En anteriores etapas de la investigación genómica el aislamiento de un

gen era el resultado de una concreta labor de investigación que se desarrolIaba

en torno a una hormona, una enzima o un receptor, para concluir en un gen.

Hoy asistimos a un cambio sustancial ya que el gen puede ser

secuenciado en forma automática utilizando métodos usuales pertenecientes al

dominio público. La actividad inventiva – conforme lo enseña Kahn – no puede

residir en esa molécula de ADN que es el gen.

Es possible – lo señala el CCNE – a partir de un análisis informático de

una secuencia genómica reivindicar un campo de utilización muy grande, que

permanece virtual. Es frecuente que esta utilización industrial se deduzca de

comparaciones informáticas entre los elementos de secuencia del gen enfocado

en la patente y la secuencia de otros genes o de genes de organismos modelo

cuya función es conocida. Las sociedades de secuenciación de ADN tienen hoy

programas informáticos que les permiten hacer automáticamente ciertas

comparaciones de secuencias gracias a Ia totalidad de las bases de datos

accesibles y de inferir en ellas los campos de aplicación industrial que son en tal

caso “concretamente expuestos”. Esta práctica confiere una protección

industrial que cubre toda secuencia de genes total o parcial.

Lo que debe quedar en claro es que la patente a concederse en ningún

caso puede reivindicar la secuencia del gen, la que debe ser puesta a

disposición de la comunidad científica.

Otorgar patente de productos por el descubrimiento de la secuencia del

gen paraliza a quien va a encarar la investigación más trascendente que

desemboque en el conocimiento de la verdadera actividad biológica de la

Page 117: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 116

proteína codificada por ese gen y en consecuencia en su utilización por él

publico sí se trata de un medicamento.

Un principio fundamental en el derecho de patentes es que Ia

protección otorgada no puede superar la contribución efectiva hecha por el

inventor al estado de la técnica.

Aún cuando hipotéticamente consideremos a tal descubrimiento como

una invención, resulta totalmente desproporcionado que quien haya revelado la

secuencia total o parcial empleando procedimientos rutinarios que están en el

dominio público, se aduñe de la misma con un derecho tan extenso e intenso

como el que otorga una patente de invención de producto.

Bajo la aparencia de respeto a principios morales y a la dignidad

humana, lo que consagra la Directiva es un derecho de apropiación sobre

información genérica brindado por la naturaleza. Lo demás es mera dialéctica

para posibilitar una sauda política a una Directiva que generó grandes

resistencias en la sociedad europea.

En los Estados Unidos la protección patentaria para secuencias de

genes es tan sólo una extensión lógica de la bien arraigada práctica de otorgar

protección por genes completos. Esto refleja el enfoque tradicional de comenzar

con una actividad conocida y obtener el gen que codifica la proteína que

demuestra esa actividad.

Ya se han concedido 700 patentes en este campo, incluyendo genes

tan importantes para Ia actividad comercial y farmacéutica como el activador

tisular del plasminógeno (TPA), la eritropoyetina, el factor estimulante de

colonias granulocíticas (G-CSF y GM-CSF), el factor VIII de coagulación y eI

antígeno de superfície de la hepatitis B.

El valor de la información inherente contenido en Ia secuencia de

nucleótidos de estos genes ha sido reconocido repetidamente por los

Tribunales norteamericanos.

Page 118: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 117

Dentro del patentamiento de secuencias, cobra particular relevancia en

este análisis el relativo a las etiquetas de secuencias expresadas (Expressed

Secuence Tags – ESTs).

Una ESTs, es simplemente una secuencia de un segmento corto de

ADN que ha sido clonado, que es elegido al azar de un set de clones de ADN

obtenidos por procedimientos esencialmente standars que ya estaban en el

dominio público. La idea de escoger un gran numero de ADN clones y usar la

secuencia de una pequeña porción de cada uno como marcadores genéticos ó

etiquetas es un procedimiento obvio que ha sido extensamente discutido en la

comunidad científica.

Está constituido por pequeños fragmentos de material genético

obtenido mediante transcripción inversa del ARN mensajero (ARNm) de

genes expresados respecto de los cuales no existe información alguna sobre

su función.

Ya desde hace tiempo que se venía insinuando el interés de las

empresas genómicas por patentar este tipo de secuencias lo que motivó el

rechazo de numerosas instituciones científicas.

En este sentido la Sociedad Americana de Genética sostuvo que la

concesión de patentes para ESTs, es probable que redunde más en daños que

beneficios y que antes de otorgarse alguna patente en este campo debería

examinarse cuidadosamente el impacto que ocacionaría al Proyecto Genoma

Humano y al campo de la medicina.

En un informe sobre patentamiento de secuencias de ADN la HUGO

analizó el tema de las ESTs. Destacó sobre el particular:

a) que la generación de ESTs se basa en la tecnología de

secuenciamiento automática que está en uso desde mediados del 80.

b) que la actitud estratégica de secuenciamiento de ESTs en gran

escala representa la extension útil pero simple de una técnica que se utilizó en

menor escala durante largos años.

Page 119: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 118

c) que el proceso que va de una ESTs a una secuencia completa de

ADN o de genoma, no es simple y que la obtención de una ESTs no garantiza

implementar una estrategia práctica o simple para superar los obstáculos que

se presenten.

d) que la tarea de identificar la función biológica de un gen es el paso

más importante, en términos de dificulad y beneficio social. Por lo tanto merece

el mayor incentivo y la mayor protección. Determinar la función de uma

secuencia, es un asunto sumamente complejo que requiere experimentos

biológicos de la máxima creatividad posible.

e) el uso de fragmentos de genes para categorización, mapeo,

tipificación de tejidos, identificación de individuos, utilización forense, producción

anticuerpos, aplicaciones antisense, de triple hélice y de ribosoma o localización

de regiones genéticas asociadas a: enfermedades genéticas, para el desarrolo

de una herramienta verdaderamente útil requerirá la inversión de una

creatividad y un esfuerzo considerablemente mayores e mucho más intensivos

que el descubrimiento del fragmento inicial.

No obstante, la Oficina de Patentes de los EE.UU. consideró en su

momento que es materia patentable, sosteniendo que

“divuIgar el uso específico de las ESTs en identificación forense, identificación

del origen o tipo de tejido, en el mapeo de cromosomas, en Ia identificación de

cromosomas o para etiquetar un gen de función útil y conocido, puede

patentarse si se respalda con una divulgación suficiente”.

Basada en este criterio, la Oficina de Patentes norteamericana otorgó el

6/10/98 a Incyt Pharmaceutical la patente n° 5.817.479 para “Homólogos de

Quinasa Humana”; la primera patente referida a ESTs.

La utilidad de las ESTs no ha sido demostrada, su valor simplemente

radica en ser una herramienta de investigación para identificar el resto de la

región codificada del gen.

Page 120: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 119

Es necesaria una investigación adicional considerable para determinar la

total secuencia de ADN, para llegar a deducir la secuencia de aminoácidos de la

proteína codificante y para determinar la estructura y función de la proteína. Se

requiere una investigación complementaria para determinar si la proteína es

defectuosa y está ligada a una enfermedad, en cuyo caso su producto puede

tener utilidad para el diagnóstico o aplicaciones terapéuticas de esa enfermedad.

De forma tal que la utilidad no sería conocida hasta que la investigación adicional

esté completa y su utilidad descansará seguramente en los productos de la

investigación más adelantados y no como ESTs en sí misma.

La ESTs es, en el mejor de los casos, una punta de iniciación para

investigaciones futuras y tal investigación constituye un empleo de tiempo,

esfuerzo y gastos que supera por mucho margen a la inversión involucrada en

la identificación de la ESTs original.

Coincidiendo con esta posición, el Comité de Ética de la HUGO,

representativo de la comunidad científica comprometida en la investigación del

genoma humano, en una declaración de 1997 reclamó que los derechos de

propiedad intelectual se distribuyan equilibradamente de una manera que

sopese adecuadamente los aportes de las diferentes partes al esfuerzo total de

la investigación y cree los estímulos necesarios para el actual desarrollo de

productos sul interferir en la investigación científica.

Señaló en tal oportunidad que sería irónico y desafortunado si el

sistema de patentes tuviera que premiar la rutina y desanimar la innovación. Sin

embargo ese podría ser el resultado de conceder amplias derechos de patentes

a aquellos que comprometen esfuerzos masivos pero rutinarios – como eI

secuenciamiento – ya sea para ESTs o para genes enteros a la vez que se

conceden derechos más limitados o ningún derecho a aquellos que realizan los

descubrimientos más dificiles y significativos de las funciones biológicas ocultas.

Una segunda consecuencia igualmente desafortunada ocurriría – a

juicio de la HUGO – si la publicación o eI ingreso de una secuencia parcial a

Page 121: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 120

una base de datos impidiera el patentamiento de descubrimientos innovadores

sobre genes de enfermedades que conduzcan a mejores diagnósticos y

terapéuticas médicas. Esto podría derivar en la inhibición de contribuciones a

las bases de datos y la falta de protección de la invención para innovaciones.

Otro tema interesante vinculado a las patentes sobre ESTs es el relativo

al carácter de “comprensivo” que le asigna la Oficina de Patentes de los EE.UU. a las patentes sobre secuencias de genes. Una práctica común cuando no hay

antecedentes en la técnica es permitir al solicitante de la patente utilizar

expresiones “comprensivas” en un área particular.

Aunque parezca un asunto trivial, en la jerga de patentes el término

“comprensivo” es abierto, comprendiendo no sólo lo que dice la solicitud sino

también elementos adicionales que pudieran no ser previsibles al momento de

patentar; es decir, se les reserva una amplia cobertura.

En este campo, se señaIó que tales expresiones “comprensivas” podrían

llegar a abarcar un gen completo identificado posteriormente al ser secuenciado.

Es decir que conforme a este criterio es posible que un sujeto obtenga

una patente sobre una secuencia parcial de un gen sin conocer su función ni

invocar una utilidad – en los limites con que se interpretó tradicionalmente este

requisito – y adueñarse de la totalidad de un gen.

Un tema novedoso respecto al cual pareciera insinuarse la idea de

protegerlo con patente es el descubrimiento de la importancia para los

diagnósticos de los denominados “polimorfismos simples de nucleótidos

aislados (SNPs)”.

En función de los problemas ya planteados por Ias ESTs y de los que

amenaza plantear los SNPs, la HUGO en una reciente declaración enfatiza que

el criterio básico de que la molécula de ADN y sus secuencias, ya sean

secuencias completas genómicas o ADNC, ESTS, SNPs o cualquier genoma

completo de organismos patógenos, aun con funciones o utilidades

desconocidas, deben ser vistas como parte de una información precompetitiva y

Page 122: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 121

al mismo tiempo, expresó su seria preocupación acerca del impacto negativo

respecto a mayores progresos en la investigación del genoma y la consecuente

explotación de sus resultados puedan dar lugar las reivindicaciones en términos

“posesivos y comprensivos” otorgados para las ESTs.

En el mismo documento, reitera la necesidad de que las oficinas de

patentes y los tribunales cuando examinen los requisitos de aplicación industrial

de las moléculas de ADN y sus secuencias requieran una indicación no

ambigua que favorezca Ia divulgación de la función; y examinen rigurosamente

la indicación de funciones o las funciones designadas.

Esta preocupación coincide con numerosos pronunciamientos

anteriores de entidades científicas en torno al rumbo que estaban tomando Ias

políticas de patentamiento en este campo.

EFECTOS DE LAS POLÍTICAS DE PATENTAMIENTO SOBRE LA INVESTIGACIÓN CIENTÍFICA

Uno de los fundamentos más sólidos de los Derechos de Propiedad

Industrial, sobre los inventos es el que apunta a premiar el esfuerzo innovativo

de modo tal que se vuelque en el progreso de las técnicas, que en definitiva

deviene en un benefício general para la humanidad. Ya desde antiguo, la

Constitución norteamericana haciéndose eco de estos postulados dio jerarquía

constitucional al derecho del inventor para promover – según reza el art. 1 de la

secc. 8º – “el progreso de las artes útiles”.

Hasta tiempos relativamente recientes, esto no fue materia de discusión

alguna. A nadie se le hubiera ocurrido que las políticas legislativas en patentes

pudieran interferir o neutralizar el progreso de las ciencias o de las técnicas.

Hoy asistimos a un cuadro complejo que presenta características

singulares y que nos aparta de líneas de pensamiento sostenidas durante largos

años. Una serie de factores han coadyuvado para articular este nuevo escenario.

Por una parte estamos asistiendo a un espectacular avance de las

ciencias y la tecnología. Este avance tiene profundas consecuencias

Page 123: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 122

económicas: ciencia y tecnología han devenido en factores estratégicos

fundamentales para el desarrollo económico de los países. Hoy la riqueza de

los países no estriba tanto en la posesión de bienes materiales sino el dominio

de la ciencia y la tecnología aplicado a la producción.

La toma de conciencia de esto lleva a que los estados prioricen su

posición estratégica en este campo. Quien domine una o varias ramas de la

tecnología tendrá ventajas competitivas extraordinarias con relación a los

demás países, lo cual lleva a una sórdida lucha por alcanzar el liderazgo y por

convertir a los demás países en tributarios del grado relativo de desarrollo

alcanzado en el campo del cual se trate.

Esta lucha centrada en lo económico llevó a cambiar las reglas de juego

en la interección estado, empresa privada, sector científico y sociedad.

Fruto de este cambio, se implementaron políticas generales favorables

al patentamiento en los más diversos campos del conocimiento, junto al

endurecimento en la defensa de los derechos de propiedad industrial.

Ya no se trata de un tema que competa al sector indutrial – destinatario

natural de los derechos de patentes – sino que su manejo compromete a los

estados como parte relevante de sus políticas económicas. Por ello no puede

extrañarmos que estos derechos hayan adquirido una dimensión universal,

estando colocados en una posición central en los acuerdos TRIP-S DEL GATT.

La necesidad de tutela efectiva e hipertrofiada de tales derechos hace que

su defensa se traduzca en la aplicación de sanciones a los estados que los violen.

Particularmente dentro de las tecnologías de punta, la biotecnología

hizo concebir desde un primer momento la necesidad de dominarlas para poder

gozar de los beneficios de un monopolio sobre un mercado que se avizoró

como muy relevante en lo económico.

Cuando nació el Proyecto Genoma Humano y se desarrollaron las

investigaciones que apuntaban al lofro de nuevos campos en la terapéutica y

diagnóstico de enfermedades se generó una batalla por el domínio de las patentes.

Page 124: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 123

El Proyecto Genoma Humano nació y se concibió como una gran tarea

de colaboración científica. Laboratorios de diversos países con la actuación de

un gran número de científicos abordaron la aventura de secuenciar el genoma

humano, para poder llegar a conformar un mapa de gran precisión, como primer

paso para continuar con una tarea ciclópea – que sin duda beneficiaría a la

humanidad – al abrir caminos para el diagnóstico y la terapia de enfermedades

de diversa etiologia.

Es obvio que una empresa de semejante dimensión y alcances

necesitaba de un fluido intercambio de información, y de la colaboración de

diversos países.

Este panorama incentivó inicialmente el progreso en esta área de

investigación, la que imbricada con tecnologías informáticas llegó a superar

los cálculos iniciales al incorporar métodos de secuenciación cada vez más

rápidos y efectivos.

Estos logros despertaron el espíritu de codicia que llevó al retaceo de

información fundamental considerada relevante para continuar avanzando por

los caminos abiertos. Parecieran ser incompatibles la libertad amplia de

investigación y de información con los designios cada vez más ostensibles, de

apropiación de los resultados obtenidos. Ya en 1993 se señalaba que muchos

investigadores estaban soportando serios problemas surgidos de la compleja

interacción de la ciencia, con las empresas privadas y la ley.

El material genético humano se convirtió en materia prima esencial para

esta nueva “industria genómica”, que se incorporó como nueva rama de la

biotecnología. Axel Kahn, agudamente destaca que para poder producir energia

hace falta carbón, petróleo, gas o uranio: la industria metalúrgica reposa sobre

la disponibilidad de minerales y las biotecnologías, basadas en ingeniería

genética reposan sobre la disponibilidad de genes: para poner a punto tests

diagnósticos, producir proteinas recombinantes de interés terapéutico o

Page 125: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 124

encontrar los puntos que serán utilizados para la investigación de nuevos

medicamentos hacen falta genes.

Consciente de ello tempranamente una institución oficial, el NIH de los

Estados Unidos, al solicitar patentes sobre secuencias de genes de función

desconocida generó un gran debate en el seno de la comunidad de los

investigadores, poniendo de relieve al mismo tiempo, una política científica

dirigida a la búsqueda de reservas del mercado a cualquier costo y con

cualquier fundamento.

Ya no se trataba de esperar los resultados de una investigación madura

y completa, sino simplemente apropiarse en forma temprana de herramientas o

instrumentos que permitirian bloquear futuras investigaciones en amplios

campos del conocimiento.

El acceso a las patentes sobre materiales genéticos – que constituyen

esencialmente herramientas de investigación – há incitado a insistir en estas

políticas. Una cantidad de empresas y de individuos han establecido programas

de licenciamiento sobre métodos de ensayo y receptores necesarios para la

selección de drogas que son objeto de investigación.

Esto, en un momento posterior, creó una fuerte preocupación que llevó

al propio NIH a establecer un comité a fin de formular una politica reguladora del

patentamiento y del acceso a las herramientas de investigación desarrolladas

con fondos provistos por la entidad. La preocupación se fundaba en que el

costo de la investigación llegaria a ser prohibitivo debido a que la investigación

en gran escala requiere una multiplicidad de herramientas de investigación y

que la acumulación de regalías a pagar por esta causa aumentara

considerablemente los costos de la investigación.

El tema ya no pasaba por la interpretación más o menos amplia de

normas legales involucradas en el tema, sino en analizar el efecto negativo que

tales políticas pudieran tener sobre el curso de las investigaciones futuras.

Page 126: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 125

AI permitir patentar secuencias de genes sin siquiera conocer su

función o utilidad, lo que se está permitiendo es inferir un golpe mortal a la

investigación, ya que en el futuro la posibilidad de investigar u obtener alguna

invención sobre el material patentado y sus extensiones – conforme a los

criterios amplios con que se manejan las oficinas de patentes – estará

totalmente vedado para otros investigadores, los que se verán expuestos a

litigios sobre patentes o en el mejor de los casos a obtener patentes

dependientes que reconocerán derechos patrimoniales a quienes obtuvieron

esa “reserva de mercado” al margen y por encima de los principios con los que

tradicionalmente se manejó la propiedad industrial.

Si el sistema de propiedad industrial funcionara correctamente el

equilibrio entre los innovadores y los que asentándose sobre Ia labor de éstos,

producen nuevos resultados estaria asegurado. Pero si se premia al primer

patentado con derechos incorrectamente atribuidos en detrimento de los futuros

investigadores, la investigación cientifica corre el serio peligro de verse

paralizada por falta de incentivo.

Paradójicamente un sistema que nació para el estimulo de la innovación

se ve amenazado como fruto de su incorrecto funcionamiento.

En esta desaforada carrera, se patenta para evitar que otros patenten

(como si alguien tuviera derecho a hacerlo, sin observar los limites legales), o

para realizar reservas de mercado. Suena ridículo que compañias genómicas

soliciten patentes, sobre miles de secuencias pero he aqui expresada la razón.

En el camino de la ciencia, los descubrimientos y los inventos se

consolidaron sobre inventos o descubrimienos anteriores. Hay un continuum en

esta evolución que nos puede ser arbitrariamente cercenado o cortado, sin

causar un considerable perjuicio a investigaciones futuras. Esto es mucho más

evidente en el campo de la investigación biológica.

Hasta no hace mucho tiempo, el limite entre lo que era un instrumento para

la investigación y una invención patentable estaba claramente demarcado. Mientras

Page 127: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 126

que un instrumento para la investigación debía ser incorporado libremente al acervo

científico de la humanidad para servir a futuras investigaciones, una invención

patentable partía de presupuestos indiscutibles: ser útil en forma directa e inmediata

para satisfacer una concreta necesidad humana.

Hoy la inclusión de verdaderos instrumentos de investigación a la

nómina de invenciones patentables nos enfrenta a un tema sumamente

delicado: el científico que quiere utilizar dichos instrumentos o herramientas de

investigación para avanzar más allá de las fronteras de la ciencia o de la

técnica, se ve impedido de hacerlo o constreñido en la necesidad, de reconocer

derechos patrimoniales sobre su utilización, so pena de ver limitados los

derechos que puede otorgarle un auténtica invención en este campo.

Además, – tal como lo destaca Eisemberg – um proyecto de

investigación importante requeitrá el acceso a muchas herramientas de

investigación. Si cada una de esas herramientas requiere una licencia y un pago

de regalías en forma individual, los costos administrativos y de trâmites

aumentarón rápidamente.

El acceso a Ias patentes sobre materias y métodos que constituyen

esencialmente herramientas de investigación ha despertado preocupación. Una

cantidad importante de empresas ha establecido programas de licenciamiento

sobre métodos de ensayos y receptores necesarios para la selección de drogas

que son objeto de investigación. Esta preocupación se centra en la

circunstancia de que la investigación en gran escala requiere una multiplicidad

de tales herramientas de investigación, cuyo costo se verá grandemente

incrementado por la acumulación de regalías exigidas.

Es que existe una práctica extendida en la biología contemporánea que

es la búsqueda de controlar no los descubrimientos, sino los medios de efectuar

esos descubrimientos. Diariamente se persiguen patentes sobre avances

industriales a una gran distancia del mercado. Los titulares de las patentes asi

conseguidas descansan esperando impedir la acción de otros cuya labor más

Page 128: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 127

importante ofrece la posibilidad de enriquecer sustancialmente el dominio

público. El CCNE francés destaca sobre el particular que hoy asistimos a un

aumento de solicitudes de patentes sin que la comunidad científica haya hecho

una clara elección entre esta competencia y el riesgo de ver el acceso al

conocimiento fundamental encerrado en una red de exclusividades pasajeras o

de dependencia de patentes concedidas.

En esta linea crítica, la organización HUGO sostuvo que los continuos

desarrollos de la investigación prometen brindar aún mayor cantidad de

información sobre secuencias, finalizando con la información genética completa,

de organismos superiores; no obstante lo cual otros pasos en el desarrollo

biológicos, tales como el conocimiento de la función biológica, y el uso de los

genes y los productos genéticos, en el diagnóstico y tratamiento de la

enfermedad humana continúa siendo terriblemente desafiantes, incertos y

necesitados de mayor creatividad.

El otorgamiento de patentes de amplio espectro sobre herramientas de

investigación, se suma a reiteradas políticas de ocultamiento de información, lo

que nos sitúa en un momento en que la prevalencia de los intereses del

mercado sobre la investigación científica nos sume en un verdadero

desconcierto. Esta evolución reciente – a juicio de KANH, – revela un peligro

mortal de destrucción de un sistema que había permitido eI progreso de la

sociedad occidental después de dos siglos, aquel fundado sobre la utilización

libre de los conocimientos con el fin de realizar las investigaciones.

En esta misma dirección el referido dictamen del CCNE denuncia que la

competencia actual por patentar estas investigaciones fuera de toda reflexión en

conjunto y en desorden es peligrosa. Para preservar todas las posibilidades

frente a una patentabilidad cuyas reglas no son claras, los investigadores son

invitados por sus financistas a no ser demasiados pródigos en cuanto a

información y esta situación genera malestar entre ellos, quienes advierten que

el campo del descubrimiento, ya sometido aI secreto por las razones habituales

Page 129: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 128

vinculadas a la competencia, se irá limitando más. Con lo que puede llegar a

suceder que la privatización de la actividad del conocimiento sin mayor

regulación amenace con bloquear la innovación.

Bajo el manto de defensa de Derecho de la Propiedad Intelectual, se

está desactivando paralelamente la investigación sobre el Genoma Humano,

retardando la via que conduce a la curación de enfermedades.

El rescatar del espíritu inicial del Proyecto Genoma Humano demandará

un esfuerzo coordinado de las naciones para concluir con un estado de cosas

que en nada ayuda en el desarrollo de las sociedades.

Jugar el futuro de la investigación científica a manos de los intereses

del mercado no importa una política de estado sana, ni inteligente.

Durante los últimos veinte años la investigación sobre materia genética

ha dado origen a una gran cantidad de “propiedad intelectual”, sometida a

protección patentaria. Contar con dicha protección le ha brindado al titular de la

patente la oportunidad de influir significativamente, tanto en el progreso de la

investigación como en el mercado. Y esta influencia por parte del titular de la

patente es lo que resulta realmente preocupante.

CONCLUSIONES

La materia de patentes es compleja en tanto convergen en ella

intereses y fundamentos provenientes de diversos campos, a veces difíciles de

conciliar: económicos, éticos, políticos, sociales, científicos.

EI desbalance de alguno de ellos puede alterar un esforzado equilibrio

perturbando a los demás. Hoy el mundo asiste a un proceso de crecimiento

desmedido en todo el espectro de los denominados derechos de propiedad

intelectual (patentes, derechos de autor, programas de computación, etc.). De

sistema de protección del valor intelectual añadido se transforma en instrumento

de valoración del capital invertido.

Page 130: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 129

Tal crecimiento, no solo se verifica con la incorporación de nuevos objetos

de protección sino con el ensanche de campos ya existentes y con una protección

más intensa y extensa, detrás de la cual se mueven lobbies muy poderosos.

Las empresas no se limitan a patentar las cosas que producen; utilizan

las patentes para colonizar áreas de la tecnología. A esto se lo denomina

“patentamiento estratégico”.

Estas patentes son demasiado amplias y eliminan la competencia en

grandes áreas potenciales o en el caso que su titular ofrezca licencia para el

uso de las tecnologías, se elevan los precios al consumidor.

En el campo legal tal desarrollo no solo se integra con nuevas normas

legislativas, sino también con decisiones administrativas y judiciales que van

cimentando – a veces sobre bases muy discutibles – un nuevo derecho a la

medida de los intereses económicos comprometidos. El incremento exagerado

de los monopolios probados en perjuicio del dominio público parece amenazar

los principios fundamentales de la propiedad intelectual.

En este “nuevo derecho”, no han sido excepción los seres vivos, sus

elementos componentes y sus productos. Visualizadas las biotecnologías como

un importante nicho del mercado surgieron presiones económicas dirigidas a

distorsionar el derecho de propiedad industrial con la finalidad e posibilitar el

acceso a derechos monopólicos sin mayor orden ni cuidado.

En esta dirección se modificaron y sancionaron nuevas normas legales

(asi la nueva Directiva Europea sobre protección de innovaciones tecnológicas),

se elaboraron decisiones administrativas en las oficinas nacionales, que

estrangularon el derecho de patentes, al barrer con la distinción básica entre

invento y descubrimiento y paralelamente al vaciar de contenido a los

tradicionales requisitos objetivos de patentabilidad.

Como pane de esta corriente se permiten amplias reivindicaciones que

no guardan relación con el aporte realmente efectuado a la sociedad por el

supuesto “inventor”, utilizando lenguajes abiertos y abarcativos mediante los

Page 131: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 130

cuales el titular adquiere derechos de exclusiva sobre aspectos no contemplados

o revelados en la patente.

Todo esto ha Ilevado el tema del patentamiento en biotecnología y

particularmente en materia genética humana a una situación limite que es

necesario revertir.

Frente a quienes con una visión pesimista admiten la imposibilidad de

revertir doctrinas judiciales y administrativas equivocadas, cabe sostener con

fuerza que los precedentes no tienen por qué servir necesariamente de base a

decisiones posteriores. Los precedentes son valiosos y atendibles, para futuras

decisiones posteriores en tanto se asientan sobre bases racionales y no por el

sólo hecho de constituir un precedente.

Este estado de cosas es totalmente negativo para el futuro de la

investigación cientifica en un campo que deviene prioritario para la salud

humana en tanto que la investigación sobre el genoma tiene directa relación,

con el diagnóstico y tratamiento de enfermedades.

Si las políticas en materia de patentes manifestadas en decisiones

administrativas y judiciales tiende a premiar aportes menores obtenidos por

métodos rutinarios, desprovistos de mérito inventivo alguno, en detrimento de la

verdadera creación inventiva, el futuro de la investigación científica se

encuentra seriamente comprometido.

Particularmente en el Proyecto Genoma Humano, Caskey, senãló

“que el nuestro es un emprendimiento internacional que necesita de la cooperación

abierta, de bases de datos y materiales abiertos y libres de trabas.

Es auspicioso para la tecnología y para el objetivo de la iniciativa Genoma

Humano que la inversión privada se haya unido al esfuerzo público. No obstante,

remarca el investigador – este esfuerzo encomiable podría ser contraproducente

si se concedieran amplias patentes fáciles e injustificadas al sector privado por

genes cuya utilidad no estuviera definida con precisión –.”

Page 132: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 131

Existe en la comunidad científica el temor fundado de que el costo del

cuidado de la salud alcance proporciones desmedidas en relación con los

descubrimientos que se generen sobre el genoma. Si esto ocurriera sólo una

minoria privilegiada de la sociedad se veria beneficiada por los descubrimientos

de la Iniciativa Genoma. Esto es referible a medicamentos, tests diagnósticos,

vacunas, etc.

Un reciente caso nos ilustra sobre este particular. En enero próximo

pasado el Servicio Nacional de Salud del Reino Unido fue demandado por una

empresa biotecnológica que reclamaba el cobro de royalties sobre tests genéticos

usados para identificar una particular predisposición al cáncer de mama.

Dicha empresa habia patentado genes usados en dichos tests. Las

regalías son tan elevadas que su pago va a conducir al dilema del recorte del

uso de este test en particular ó en el supuesto de querer priorizar el estudio de

cáncer de mama, a recortar tests vinculados a otras áreas.

Ya se han lanzado algunas voces que proclaman un cambio radical en

las leyes de propiedad industrial para cuestionar patentes erróneamente

concedidas que amenazan con bloquear áreas de futuras investigaciones.

Las academias nacionales de los Estados Unidos, hacindose eco de las

críticas de numerosos académicos y sectores de la industria, han expresado su

preocupación de que haya ocurrido una disminución en los standars

especialmente de no obviedad y utilidad en el examen y concesión de patentes

con el resultado de que están otorgando muchas patentes de baja calidad y

amplia cobertura.

En un trabajo anterior señalamos que el tema de la concesión de

patentes sobre el material genético humano comprometía a áreas muy

sensibles, cuya articulación se vuelve cada dia más compleja y que constituia

un tema fundamentalmente político decidir a la luz de la evolución de la

sociedad, tal como lo recordara el Consejo de Europa, las medidas que deben

Page 133: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,

Patentamiento de material genético humano 132

tomarse para conciliarse las normas morales de general aceptación, la

investigación científica y la exploración comercial.

Hasta que ello no ocurra – señalábamos – seguirá imperando un gran

desorden que será crecientemente aprovechado para extender el patentamiento

de material genético humano a limites nunca imaginados.

EI tiempo pasó y la falta de adopción de medidas adecuadas en esa

dirección sólo contribuyó a aumentar el clima de incertidumbre.

Page 134: Bioética - pucrs.br · gias – Deontologia médica – Direito – Psicologia – Material ge- nético humano. 1. Bioética 2. Medicina I. Clotet, ... Medicina, Enfermagem, Direito,