Biografia de Augusto Severo - Reservaer - veteranoseear.org filenota explicativa

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NOTA EXPLICATIVA Com o intuito de divulgar a vida e o feito de Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, O RESERVAER coloca à disposição esta obra literária de Augusto Fernandes, sobre a biografia do ilustre brasileiro, que precocemente foi imolado em holocausto em prol da ciência Aeronáutica. É uma das maiores homenagens que o escritor presta a essa extraordinária figura, pois o mantém vivo em nossa lembrança, exemplo para as gerações que hão de vir. Este livro foi gentilmente oferecido por Hortencio Pereira de Brito Sobrinho – Bacharel em Administração de Empresas e em Relações Públicas –, a quem agradecemos pela especial consideração. AGRADECIMENTO A sua Excia. e Exmo. Sr. Governador Aluízio Alves – representante do bravo povo potiguar, que tornou possível a publicação deste livro. OFERECIMENTO

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NOTA EXPLICATIVA

Com o intuito de divulgar a vida e o feito de Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, O RESERVAER coloca à disposição esta obra literária de Augusto Fernandes, sobre a biografia do ilustre brasileiro, que precocemente foi imolado em holocausto em prol da ciência Aeronáutica. É uma das maiores homenagens que o escritor presta a essa extraordinária figura, pois o mantém vivo em nossa lembrança, exemplo para as gerações que hão de vir.

Este livro foi gentilmente oferecido por Hortencio Pereira de Brito Sobrinho – Bacharel em Administração de Empresas e em Relações Públicas –, a quem agradecemos pela especial consideração.

AGRADECIMENTO

A sua Excia. e Exmo. Sr. Governador Aluízio Alves – representante do bravo povo potiguar, que tornou possível a publicação deste livro.

OFERECIMENTO

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À memória de minha mãe. À D. Luiza Sá Ávila, credora da gratidão de todos os que têm o privilégio de conhecer-lhe o coração bondoso. Ao meu pai e irmã Maria Adelina Fernandes Rocha agradeço o apôio e o estímulo que nunca me negaram. À minha esposa Nely Bicca Fernandes, discípulo fiel da Arte de Escrever e que tanto me ajudou na revisão deste trabalho, dedico, de todo o coração “estas mal batidas linhas”, as únicas que não sofreram o exame rigoroso de seu “olho clínico”. . .

I N T R Ó I T O

Esta é a vida de um brasileiro ilustre, que vive no esquecimento. GILBERTO FREYRE, em artigo sôbre Augusto Severo, disse: “Essa figura esplêndida de aristocrata do Norte que nos surge de um passado ainda recente todo vermelho do próprio sangue e não do sangue dos outros, está a merecer a atenção de um Gondim da Fonseca ou de um Francisco de Assis Barbosa – escritores e cujo talento, sensibilidade e coragem de pesquisa devemos páginas tão atraentes e lúcidas sôbre Santos Dumont. Que aproveitem êles a memória ainda viva, as recorações ainda frescas, as fotografias ainda nítidas, os papéis ainda intatos, as relíquias preciosas, guardadas pelo próprio filho de Augusto Severo na sua casa provinciana da rua Junqueira Aires, em Natal. As recordações também de Gonçalves de Melo, figura ilustre de “bispo de Tesouro”, ùltimamente aposentado e que foi tão camarada do último inventor nos dias de sua mocidade”. Faltam-me, por certo, as qualidades que avultam em Gilberto Freyre, em Gondim da Fonseca, em Francisco de Assis Barbosa; dons que me facultariam apresentar um livro sôbre Severo com brilhantismo digno de sua personalidade impressionante. No entanto, talvez o calor da profunda admiração que me anima, consiga disfarçar a pobreza das frases, convencendo a todos de que é necessário livrar da obscuridade êsse vulto luminar da História Aeronáutica. Merece isso o homem que transformou sua vida em modêlo de honestidade. Porque soube ser leal como inventor, jornalista, professor e político. Amou, lutou e sofreu pela grande Pátria que o viu nascer. Após cinqüenta e cinco anos da morte de Severo, entrego ao público esta obra. Passado tanto tempo, o mundo não mudou. E se mudou, talvez tenha sido para pior, Severo, que sempre desejou a paz, hoje, vivendo em plagas desconhecidas, dirá:

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– Os homens ainda não se compreendem. Mas sua vida e sua obra continuarão como exemplo de confraternização humana.

Augusto Fernandes Av. Alberto Bins, 375. Pôrto Alegre – R. G. Sul.

PREFÁCIO

Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão, pernambucano de Nazaré, veio mocinho trabalhar no comércio do Rio Grande do Norte. A capital da província, cidade do Natal, era ainda, vinte e dois anos mais tarde, uma vila insignificante e atrasadíssima do interior, conforme declaração espontânea e verídica do nobre presidente da Província, o futuro Barão de Lucena. Amaro andou doze quilômetros ao sul e ficou em Guararapes, numa curva bonita do rio Potengi. Em cima de um morro erguia-se a casa grande de Fabrício Gomes Pedroza, seu Fabrício Velho, o rei da exportação de açúcar para a Inglaterra e a distribuição de produtos manufaturados ao redor de vinte léguas. Ali no barro e no mangue do Potengi encostavam vinte barcos que vinham e voltavam, atravessando o Atlântico, carregados de sacos de açúcar e, como afirmavam os invejosos, areia duma colina vermelha que havia perto do escritório de seu Fabrício. Amaro ficou em Guararapes. Em dezembro de 1851 casou com dona Xana. Feliciana Maria da Silva Pedroza, filha de seu Fabrício. Amaro, já então chamado seu Amaro, faleceu no Recife em agosto de 1896, viúvo. Deixava doze filhos dos quatorze havidos e cinqüenta e dois netos, dando que fazer aos papais. Seu Amaro era homem lépido, sabendo pensar e agir. Fundou engenhos de açúcar, comerciou em Canguaretama. Natal, Macaíba, onde fez um sobrado e, na tradição portuguesa, residia no andar superior e tinha a “loja” embaixo. Assinou contratos para construir engenhos-centrais no vale do Ceará-Mirim e, abril-agôsto de 1879, foi aos Estados Unidos e Europa tentando levantar capitais para industrialização do açúcar, livrando-o do bangüê, sócio-ladrão do produtor. Conseguiu autorização para uma fábrica

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de tecidos. Não a pôde iniciar, mas seu genro, Juvino Barreto, fundou-a em 1888, com 80 operários, assombrando o povo. Educou êsses filhos e filhas na tradição brasileira. Mesa farta, bênção obrigatória, comunhão na quaresma, trabalho pessoal, respeito mútuo foram as leis. E quando algum deles punha o pé em ramo verde, chinelo! Velho e sisudo, sêu Amaro era o patriarca. Um filho de Pedro Velho, governador do Estado, chefe omnipotente, dono da terra, escondeu as chinelas de cara de gato do velho. Seu Amaro agarrou o neto, levantou-lhe o chambrão e deu-lhe duas palmadas boas. Chorando e berrando, o menino correu ao pai, queixando-se e pedindo a represália: – Vá brigar com Vovô, papai! Brigar com meu Pai, eu? Respondeu Pedro Velho: – Deus me livre, quem apanhava as palmadas era eu! – E apanhava mesmo. Os filhos eram inteligentes e as filhas virtuosas. Todos bonitos, airosos, de olhos lindos, loucos por música, dança, alegria, movimento. Todo Albuquerque Maranhão gosta de música. Tocavam piano, violino, violão, cantavam romanzas e modinhas. Tiveram o veneno da literatura, da conversa bonita, de ter livros em casa, na monotonia cultural da cidade eram êles exceções. Essas figuras foram tôdas sugestivas, ligadas ao movimento literário, amando as idéias, os assuntos não banais. Ficaram assim a vida inteira. Governadores, Pedro Velho e Alberto faziam tertúlias em casa, mantiveram orquestras para concertos, deram festas esplêndidas. Alberto foi chamado Príncipe Macenas. Incrível sua projeção social. Pedro Velho, na última noite de sua vida, mandou ler por Domingos Barros a “Gioconda” de D’Annunzio. Todos os “meninos” eram assim. Amarinho, Amaro Barreto Filho, era pianista, professor no Conservatório Nacional no Rio de Janeiro. Joaquim Cipião morreu boêmio, tocador de violino, compondo música ligeira, doído por teatro. Luís Carlos, gêmeo de Cipião, era o modêlo da alegria em servir, também arranjador de bailes e de orquestrinhas em Canguaretama onde viveu. Fabrício, industrial, chefe da zona do agrestre, político, foi a caridade, o sentimento inato do bem. Adelino, simples e são, fundador de clubes de ciclismo, cavaleiro Marialva, valente, risonho, afável, era fiel como um Cruzado, daqueles do tempo de Godofredo de Buillon. Augusto não podia diferir. Teve todos êsses elementos, a elegância, a naturalidade, a fôrça de ficar à vontade, o bom humor incomprimível. Interrompia uma explicação política para ir ensinar a fazer môlho branco para peixe frito, uma delícia. Alberto, governador do Estado, dirigia, ajudando, a mistura dos “cock-tails” e dos “punchs” e “boules” saborosos. As “meninas” foram casando, Isabel com Fabrício Gomes Pedrozo, 11º do nome, Amélia com Olímpio Tavares Pessoa de Araújo, Maria da Silva

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com Júlio César Pais Barreto, Inês com Juvino César Paes Barreto, irmão de Júlio, amigos de dom frei Vital e filhos de Leandro, revolucionário da “Praeira”, com o desembargador Nunez Maxado, como o homem assinava. Áurea não casou, foi freira Dorotéia. Augusto foi um dos favoritos da família. Não nos mimos, mas na graça que êle inspirava, nos recursos inesgotáveis do seu engenho, na facúndia da explicação chistosa, na facilidade de improvisar, criar, arranjar flôres de papel, chapéu de pano, bife de caçarola, papagaio voador ou marca de quadrilha. Ninguém o superou nos jogos de sala, nas agilidades, na fôrça gentil e bem educada. Por sôbre tudo, a serenidade, a confiança, a tranqüila certeza de poder dispôr de si mesmo e possuir-se. Todos os depoimentos falam na precocidade das suas “manias” de voar, de inventar, sugerir, discutir, propor imagens onde o ar era um ambiente de ação e de posse como água e terra. Era essa confiança risonha, natural, indisfarçável que a convicção determina. O inventor e construtor de dirigíveis estáveis sabia que o domínio do ar havia chegado para o mais-pesado. Adivinhava apenas que era preciso atravessar caminho, em soluções sucessivas, para sua conquista. Viveu sempre caminhando nessa direção. Direção que faria de um neto, Augusto Severo Neto, filho de Sérgio, um dos melhores pilotos de turismo aéreo. Quando Augusto Severo morreu, andava eu esbarrando na mobília de casa. Meu Pai, amigo pessoal de Pedro Velho, era um dos íntimos de Augusto Severo. Aliás Severo só tinha amigos íntimos ou inimigos. Não havia indiferentes nem neutros diante daquela fascinante criatura cheia de bondade. Criei-me ouvindo histórias de Severo, planos, sonhos, injustiças, teimas, curiosidades. Rapaz, tornei-me amigo de um filho de Severo, Sérgio, o primeiro sacerdote do culto. Fiquei alistado no rol dos sacristães fiéis. Sérgio reuniu, difícil, lentamente, peça a peça, o melhor documentário sôbre seu Pai. Êsse documentário conheço-o eu, fôlha a fôlha. Os grossos cadernos, os livros de recorte da imprensa européia, feitos pela mão de Augusto Severo, ficaram meses e meses comigo. Durante alguns anos levei uma campanha obstinada para que o aeronauta, nome velho e bonito, não fôsse esquecido, emergindo das frias comemorações oficiais e maquinais. Tentei por todos os meios evitar a transfiguração do homem num mito, numa confusa nebulosa excitadora de patriotismo verbal. O essencial era conservar Severo com a sua normalidade esplêndida, andando, comendo, cozinhando, atirando como Assis Brasil, nadando, gastando dinheiro, espalhando os recursos que não tinha, entendendo de tudo, alto, forte, bonitão, alegre, entusiasta, eufórico.

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Tive sempre mêdo que o Herói vencesse o Homem admirável que êle fôra, digno da saudade, mesmo sem a sombra bojuda do PAX. Severo resumiu lindamente o Homem Brasileiro no fim do século XIX e primeiros anos do XX. Afilhado de Nossa Senhora da Conceição, batizado pelo padre Alexandre, citava Comte, enrolado na tradição de que a matemática era expressão positiva entre o relativismo empírico e decorrentemente seus estudiosos seriam cidadãos do terceiro Estado da Civilização. Quando deixou Guararapes, a casa-grande no cimo do morro olhando a curva do rio onde os barcos vinham carregar açúcar do tio Fabrício, Primeiro do nome, e levar direto à Inglaterra, tinha o curso completo de folk-lore sem saber que o fizera. Sabia caçar de bodoque e de espingarda de cano de chapéu de sol, fazer arataca e arapuca, empinar papagaio e cafunar castanha, nadar nas camboas e pegar caranguejo no mangue, nos meses sem r. Montava a cavalo, sabia cozinhar e coser roupa, uma dúzia de orações, assobiava baixinho as modinhas do tempo e dava um apito, com dois dedos na bôca, capaz de atirar ao chão todos os morcegos que dormiam de cabeça para baixo nas traves da Matriz. Indo para a cidade do Salvador, Colégio do professor Ernesto Carneiro Ribeiro, professor de Rui Barbosa, homem imponente que ainda vi atravessando a rua das Princesas com sobrecasaca e cartola talqualmente no tempo do conselheiro Manuel Pinto de Sousa Dantas, voou para a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, acabado o curso de humanidades, fazer-se Engenheiro. Ficou no segundo ano. Depois é o professor no Ginásio Riograndense, 1882-83, com o mano Pedro Velho. O mano Fabrício Maranhão é político no Partido Liberal. 1889 Severo está, sempre com Pedro Velho, escrevendo n’REPÚBLICA, fundada em 1° de julho e republicano “histórico” desde 27 de janeiro. República, professor do Atheneu, deputado à Constituinte estadual, federal, até que morre. Por êsse meio há tudo para dizer e evocar. O Senhor Augusto Fernandes veio servir na Base Aérea do Natal durante a guerra. Os aviões brasileiros patrulhavam a costa, alongando-se pelo mar, empurrando o raio de círculo confiado à vigilância nacional. Roncando os motores afinados, passaram a repassaram a cidade do Natal com suas tradições simples e sua vida vagarosa. O senhor Augusto Fernandes encontrou Augusto Severo, seu xarapim, companheiro de vida pelos ares mais pelo sonho do que levado na barquinha do BARTOLEMEU DE GUSMÃO e do PAX. O soldado ao Ar compreendeu e amou a existência bem vivida, natural, intensa, pau-brasil daquele deputado federal acima da banalização, de braço forte, ôlho pronto, inventivo, secudindo a vida, aprendendo depressa, vivendo depressa, morrendo depressa como se

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desejasse dar pouco trabalho aos vivos, aos restantes, na velocidade com que conquistara um lugarzinho para ficar vivo e sempre contemporâneo, vêzes em tempo em que a maioria dos “andantes” apenas está viva por fora. O senhor Augusto Fernandes viveu, horizontal e verticalmente, a vida do ar, as manhas, dedicações, resistências e segredos dos motores, a existência fulgurante dos pilotos, obrigados a resolver em segundo de tempo o que se delibera em anos de paciência e pachorra. Diante do motor pifando, da gasolina inexplicàvelemente desaparecida, da coordenada certa, certíssima, que entendeu de sumir de onde devia estar, da presença de chuva dispensável, de nevoeiro romântico que empurra o teto até o chão, anulando a visibilidade, dos encanamentos que entopem sem dizer porque, em face de mil e um probleminhas que devoram a vida, fácil e pràticamente o senhor Augusto Fernandes pôde fazer-se íntimo de Augusto Severo, acompanhar-lhe o sonho numa época em que o inventor, político, irmão de senador e de governador, encontrara a incompreensão a rebeldia, a injúria, a calúnia, a pilhéria feroz como formas naturais de crítica, como maneiras legais e espontâneas de fazer-se oposição aos Albuquerques Maranhão. Severo foi vencendo, deixando mocidade e cabelo prêto, tôdas essas touceiras de xique-xique espalhadas pelos adversários políticos, absolutamente certos de que estavam apenas cumprindo um dever... Meu Pai contava que os adversários de Pedro Velho construíram um carro alegórico, de críticas ao “Balão de Severo”, ridicularizando o inventor, e carregavam o trambolho pelas ruas. Os jornais da oposição registraram a passagem do carro como uma obra prima de bom-humor e de graça. Havia também uma longa versalhada, tida pelos autores e correligionários como maravilhas de gênio e de leveza ferina. Estavam ajudando o patrimônio do Rio Grande do Norte. O autor dos versos e o planejador do carro sem dinheiro e sem amigos no Rio de Janeiro, correram a Severo. O deputado tinha apenas cinqüenta réis. Deus quarenta aos dois engraçados pilheriadores do seu invento e ficou com dez mil réis para viver dois dias... Severo seduziu o senhor Augusto Fernandes. Encantou-o. Deliberou Fernandes tornar-se íntimo de Severo, defender-lhe o nome, soprando-lhe a poeira do túmulo, visitando-lhe o corpo que a queda em Paris espatifou. O senhor Augusto Fernandes conheceu a Sérgio Severo, o filho do aeronauta. Sérgio nunca permitiu uma solução de continuidade nas comemorações. Vêzes era êle, com o professor e os meninos do grupo Escolar Augusto Severo, os únicos que homenageavam a explosão do PAX. Sérgio continuou guardando o material que ergueria o outro monumento ao Pai. Graças a êle, teimoso e fiel, ficando na província, há sempre elemento para recordar, escrever e citar o piloto do PAX. Alberto

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Maranhão e Domingos Barros foram outros dois dedicados. Ficando no sul, Alberto Maranhão corria ao apêlo de quem esquecia ou deturpava o esfôrço do irmão. Domingos Barros publicou um volume interessantíssimo sôbre Severo, editado pela Biblioteca Militar. Sérgio facilitou, sem ciúme, tôdas as riquezas documentais ao senhor Augusto Fernandes. Mas êste mergulhou noutros arquivos, anotando, sublinhando, pesquisando, insaciável de pormenor e novidade velha. De tudo, viwstos e examinados, nasceu um livro cheio de afeto e de informação, livro dedicado ao homem, ao trabalhador, ao idealista, acima da vulgaridade, da inveja, do interêsse. É um depoimento de outra geração, bem longe da que conheceu Severo. Depoimento que é uma alegria ler, fervendo de amizade, de companheirismo, de entendimento humano. Na última vez que Severo visitou Natal passeou pela manhã a cavalo com o poeta Henrique Castriciano. Foram pela Cidade Nova (Tirol e Petrópolis inexistentes no meio no matagal) subindo as dunas, rumo ao Monte, pela orla estreita de caminho por onde se ia à praia dos Morcegos (Praia do Meio) tomar banho de mar por obediência de preceito médico. De lá, destacando-se na brancura das areias distantes de Genipabu, o forte dos Reis Magos negrejava no mar azul. Severo deteve o cavalo, arrebatando, teatral e sinceríssimo: – “Por ali, Castriciano, por eu virei no PAX, passando por cima do velho Forte, homenagem do Futuro ao Passado. Virei por ali, Castriciano! À noite houve um banquete com trinta e seis discursos. No dia seguinte, 20 de agôsto de 1901, Severo viajou para o Rio de Janeiro no “São Salvador”. Não voltou mais. Nem mesmo morto. O corpo ficou sepultado no Rio de Janeiro, com uma impressão de hospedagem porque oi lugar lógico seria o pequenino cemitério de Macaíba, acolhedor e silencioso, digno de um profundo e quieto sono, aguardador das promessas divinas da ressurreição. O livro do senhor Augusto Fernandes não é apenas homenagem, emoção, é estudo em simpatia, divulgação, conversa longa e clara sôbre amigo mal conhecido e que mora longe da terra. Os problemas encarados por Severo foram revistos e expostos. Estabilidade, predileção pelas alturas maiores evitar a “tangage”, a defesa do dirigível por uma camada de ar produzida pela hélice especial, a escolha do tipo semi-rígido, a barquinha fazendo um todo com o balão, a estrutura de fero, há dez outros elementos iniciados por Severo e que foram, sucessivamente, empregados decisivamente, nos anos posteriores. Em Augusto Severo a seda do PAX não esconde o menino de Macaíba, o rapaz do Natal, o homem estudioso e bom, trazendo brinquedos para os pobres e esquecendo os filhos na distribuição. Homem inacessível

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ao desânimo, à preguiça, ao ódio e às contentezas da injúria. Conquista a quem o ouvia. Natural como os elementos primários, indeformável, seguro. Tôda sua cultura, adquirida num autodidatismo incessante, apenas elevava o que de próprio, congênito, medular havia em Severo.

Êste livro não lembra mas fixa Severo com tôda sua grandeza natural. Retrato inteiro, instantâneo, sem convenção mas documentado, exaustivamente, na fidelidade e justiça.

Amando a vida, vivendo-a sem artifício e pecados de imaginação, Augusto Severo prolongou-a, sôbre o o arcabouço fumegante que desabou na Avenue du Maine, na rua que tem seu nome em Paris, e veio até nós, numa continuada e nítida presença, num plano de memória e verdade. Luís da Câmara Cascudo

Cidade do Natal.

I

MACAÍBA chamava-se primitivamente Coité, Está situada à margem esquerda do rio Jundiaí e ligada a Natal, por ótima estrada de rodagem. Das maiores e mais importantes cidade do Rio Grande do Norte, conta aproximadamente com vinte mil habitantes. Seu principal comércio, algodão, couros, peles e cereais. O clima quente, sêco e saudável; luz elétrica, ruas largas e limpas. Dispõe de bons edifícios públicos e particulares, diversos logradouros. Imponente é sua Igreja, cuja pedra fundamental foi lançada em 1858, pelo major Fabrício Pedrosa. Merece referência especial o Grupo Escolar “Auta de Souza”, homenagem à grande poetisa negra, filha sempre lembrada de Macaíba. Auta de Souza publicou um único livro, “O HORTO”, que recebeu o prefácio de Olavo Bilac. Aí nessa terra, aos 11 de janeiro de 1864, nasceu AUGUSTO SEVERO DE ALBUQUERQUE MARANHÃO, o herói do “PAX”, o Homem que pagou com a Vida – o seu tributo à realização do sonho de Ícaro. Macaíba não esquece o filho ilustre. E se mais não produz, em sua memória, é porque os recursos do Município são mínimos. Ainda assim, quem visita a cidade vê a Praça Augusto Severo, embelezada pelo obelisco, com seu retrato em bronze e a reprodução do dirigível “PAX”. Foi fundado o Clube Pax para cultuar-lhe o nome. Ali se reúne a mocidade inteligente e

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idealista dêsse pedaço de terra brasileira. Quem prospere e reafirme humanidade, o pensamento de Pinto de Abreu. “O coração da Pátria é túmulo digno dos heróis que tombam”. A casa onde nasceu Augusto Severo já não existe. Era modesta, assombrada, rodeada de árvores. O progresso da cidade exigiu que viesse abaixo a antiga morada. Os primeiros anos de sua vida passou-os Augusto Severo, despreocupada e alegremente, até se transformar em “o grande romântico, essa figura esplêndida de aristocrata do Norte” (GILBERTO FREYRE). Quando atingiu a idade de educar-se, seus pais, o negociante AMARO BARRETO DE ALBUQUERQUE MARANHÃO, natural de Pernambuco, e D. FELICIANA MARIA DA SILVA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO, da Paraíba do Norte, resolveram deixar Macaíba, com destino à capital do Estado. Anos mais tarde, prestava exames no Ginásio Norteriograndense. Macaíba – a terra boa, quente e saudável – seria, pela tôda a vida afora, grata recordação dos seus tempos de criança.

Uma das últimas fotografias de AUGUSTO SEVERO e que foi ofertada ao autor desta biografia, com a seguinte dedicatória: “Ao presado amigo Augusto Fernandes, autor do “PIONEIRO ESQUECIDO”, livro em que estuda, como ninguém, até hoje, o criador do “PAX”, uma afetuosa homenagem de seu filho Sérgio Severo.

Natal, maio de 1948.

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Casa onde nasceu AUGUSTO SEVERO, em Macaíba, Estado do Rio Grande do Norte, no dia 11 de janeiro de 1864. Já foi demolida. O grupo de crianças em primeiro plano é constituído de netos do Pioneiro.

AMARO BARRETO DE ALBUQUERQUE MARANHÃO, pai de

Augusto Severo

Retrato de sua mãe, D. FELICIANA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO.

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Casa grande de Guarapes, onde residiu FABRÍCIO GOMES PEDROSA. Eis o que

resta daquele esplendor que foi Guarapes...

Nesta fotografia AUGUSTO SEVERO aparece sentado entre

seus irmãos Amaro Barreto e Pedro Velho (à direita)

Retrato de D. AMELIA TAVARES, a única irmã viva do herói do “PAX”.

Reside atualmente no Rio de Janeiro.

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“AEROSTATO POTYGUARANIA” – desenhado por SEVERO aos vinte e cinco anos de idade. Foi sua primeira concepção aeronáutica. Nela temos uma idéia nítida do que seria o “PAX”.

Aparelho montado no campo militar do Realengo (Rio de Janeiro), para fabricação de gás hidrogênio, necessário ao balão “Bartolomeu de Gusmão”. Fotografia tirada em 6/8/1893.

A barca do balão “Bartolomeu de Gusmão” no alpendre do Quartel do Realengo, em 6 de agosto de 1893. Aparece na fotografia AUGUSTO SEVERO

I I

Os Albuquerque Maranhão estavam destinados a dar ao Brasil filhos ilustres. Os fidalgos portuguêses, Jerônimo e Matias de Albuquerque aqui chegaram em 1532. Tomaram parte nas guerras contra os holandeses e franceses. Jerônimo seguiu para o Rio Grande do Norte para o Maranhão, a

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fim de expulsar os franceses que lá se encontravam. Vencidos os invasores, resolveu apor a seu nome – “e Maranhão” – em homenagem à vitória. Pelo lado materno, Severo descende dos Pedrosa, família originária da Inglaterra. Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão, pernambucano de Nazaré, era em 1847 eficaz colaborador de Fabrício Gomes Pedrosa, seu conterrâneo, estabelecido em Guararapes, onde gozava de grande prestígio comercial e social. Mais tarde Amaro veio a casar com uma das filhas de Fabrício, D. Feliciana Maria da Silva Pedrosa. Dessa união nasceram 14 filhos, nove homens e cinco mulheres: Fabrício, Maria, Amaro, Pedro Velho, Inês, Sérgio, Adelino, Augusto Severo, Isabel, Luís, Joaquim, Amélia, Alberto e Áurea. Dentre os irmãos de Augusto Severo destacava-se, em primeiro plano, Pedro Velho, médico e senador. Afastou-se do Congresso para governar o Rio Grande do Norte. Durante a campanha abolicionista, com seu grande prestígio, conseguiu, em todos os municípios, a libertação dos escravos, que receberiam a carta de alforria a 11 de julho de 1888. O Rio Grande do Norte teria sido, assim, o segundo Estado brasileiro a abolir a escravatura, antes mesmo da Lei Áurea. Foi, também, um dos baluartes da defesa da República, fundando o Jornal “A República”, hoje patrimônio do Estado. Orador dos mais eloqüentes, quando da partida de Ruy Barbosa para Haya, coube a Pedro Velho a honra de saúda-lo. E de tal maneira o fêz que Ruy, ao agradecer, considerou suas palavras, “jóias derramadas de um vaso de ouro”. Em viagem para o Rio de Janeiro veio a falecer, a bordo do paquete “Brasil”, no dia 9 de dezembro de 1907. Seu corpo, embalsamado, foi transladado para Natal. Alberto Maranhão, bacharel em Direito, foi deputado federal e governador do Rio Grande do Norte. Era o mais jovem e sempre lutou para que não ficasse no esquecimento a obra de Augusto Severo. Realizou inúmeras conferências sôbre o assunto, merecendo destaque à de Londrina, Paraná, em agôsto de 1942: “Aviação e Aeronáutica”; Fabrício Maranhão dedicou-se ao comércio e depois à agricultura. Foi dono de Engenho e chefe político. Amaro Barreto estudou piano em Paris, de onde regressou casado. Foi professor da Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro. Sérgio Maranhão desapareceu muito cedo. Joaquim Cipião e Luís Carlos, gêmeos, são falecidos. Luís Carlos viveu sempre no interior (Canguaretama), dedicando-se à agricultura. Cipião era músico.

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Chamavam-no “Maestro”. Em Natal trabalhou no Teatro Carlos Gomes, do qual foi diretor. As irmães de Severo souberam, também honrar o nome ilustre dos Albuquerque Maranhão. Quando visitei D. Maria Amélia Tavares, no Rio de Janeiro, senti a emoção com que se referia aos seus. Senhora amável, alma pura, falou-me de Augusto Severo, das suas experiências com um balão de brinquedo, a que dera o nome de “Augusto Severo Filho”. E contou: – Um dia meu irmão veio despedir-se. Ia a Paris, realizar seu sonho. Berta, a filha hoje freira, pediu-lhe: “papai, quero que o senhor leve esta medalhinha, porque tendo mêdo dêsse negócio de subir...” Severo para satisfaze-la, guardou a medalha. D. Maria Amélia é a única filha viva daquele casal feliz de Macaíba... Aos vinte e três anos a personalidade de Augusto Severo já estava bem definida. O físico avantajado era o espêlho fiel de espírito vigoroso. Figura simpática, sabendo o que dizia e fazendo-o desembaraçadamente, com os olhos mansos, o sorriso fácil e os gestos aristocratas, conquistava sem dificuldade as pessoas mais esquivas. Quantas jovens não sentiram bater mais forte o coração, ao ver aquêle moço elegante, dominando os salões! Mas o caráter retilíneo de Severo não lhe permitia viver farsas amorosas. Aprendera, desde cedo, a ser leal. E não demorou a encontrar aquela que seria sua bem-amada espôsa. A história dêsse amor pode ser contada em rápidas palavras> Fabrício estabelecera em Canguaretama a “Usina Maranhão”. Severo foi visitar o irmão, certa vez, e lá conheceu Maria Amélia Teixeira de Araújo. Era a professôra das filhas de Fabrício. Amaram-se e Severo pronunciou a frase tão antiga e sempre atual: – Eu quero casar com você! Maria Amélia, jovem, simples, dedicada, compreendeu aquêle que a escolhera. Casaram-se em Recife, regressando depois para Natal. Tiveram cinco filhos: Augusto Severo Filho, falecido quando cursava o segundo ano de Direito; Otávio, morto também; Berta, religiosa; Sérgio, comerciante em Natal; Mário, advogado em São Paulo. Em 1893 os Severo transferiram-se para a Capital da República. Já eram nascidos Augusto, Otávio e Berta. Sérgio nasceu em Petrópolis e Mário, na Ilha de Paquetá. Seu nascimento marcou o ponto final na existência de Dona Maria Amélia. A educação das crianças foi confiada à avó materna.

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Merece registro especial, neste capítulo, o nome de Sérgio Severo, fiel guardião da chama votada à memória do pai. Graças a êle, Augusto Severo não é prisioneiro do esquecimento, em sua terra natal. Sérgio nasceu aos seis de janeiro de 1895. Após a morte de sua mãe, seguiu para Natal, com os irmãos, em companhia da avó. Em 1908 voltou ao Rio de Janeiro para estudar. Cursou o Ginásio Pio-Americano e o Colégio Anchieta, em Friburgo, onde se formou. Foi bom estudante. No fim do curso teve seu nome incluído entre os dez melhores alunos, merecendo a tradicional coroa de louros. Regressando a Natal, em 1914, foi auxiliar de comércio, funcionário federal e comerciante. Hoje, mantém escritório de representação e conta própria. Casou-se a 11 de setembro de 1918, com D. Adla Lucena, de cuja união existem seis filhos: Berta, casada com José Elízio Bezerra Cavalcanti; Augusto Severo Neto, casado com Creuza Fonseca; Lúcia, casada com Paulo Paes Barreto; Maria Amélia, casada com Oldanir Soares. Agora os netos aí estão, crescendo para perpetuar o nome ilustre: Sônia, Olga, Berta, José, Virgílio, Sérgio, Paulo Maurício. O mais nôvo membro da família é Afonso Henrique. Presto esta homenagem ao filho de Augusto Severo, que dêle herdou, como patrimônio admirável, um espírito nobre e humanitário.

O “BARTOLOMEU DE GUSMÃO” saindo para a 1ª

experiência, em 14 de fevereiro de 1984 (Rio de

Janeiro).

O “BARTOLOMEU DE GUSMÃO” fora do hangar, pronto para a experiência.

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Retrato de D. MARIA AMELIA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO, esposa

de Augusto Severo.

Sérgio, Berta e Mário, os filhos vivos de Severo.

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Fotografia de Sérgio Severo. Atualmente, vive em Natal, Rio Grande

do Norte. Sempre foi incansável na defesa do patrimônio que seu ilustre

pai deixou.

Augusto e Otávio, os filhos mortos de Augusto Severo.

AUGUSTO SEVERO, em Paris, na sua oficina de trabalho.

DOMINGOS BARROS (1865 – 1938 ), o companheiro de AUGUSTO

SEVERO. Foi ele quem primeiro defendeu, publicamente, a

concepção aeronáutica do criador do “PAX”.

I I I

Terminado o curso primário em Macaíba, quando foi aluno do professor Manuel Fernandes de Oliveira, Augusto Severo prosseguiu os estudo na capital do Estado. Os pais queriam desenvolver a inteligência prodigiosa daquele garoto que, nas tardes nordestinas, às margens do Potengi, soltava papagaio “sui-generis”, motivo de admiração para seus colegas.

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Era um predestinado. Moço ainda, na várzea do Cunhaú, perscrutava o azul do céu, admirando o vôo alto e sereno dos corvos vorazes. E não o fazia com o pensamento inconseqüente de menino. Já compreendia que, nas altas paragens, está uma das maiores glórias do homem: – Voar! Êle ainda conquistaria o espaço... Evoquemos êsse brasileiro, em pleno desabrochar físico e mental, sentindo os imensos problemas da navegação aérea, numa época em que tôdas as realizações a respeito, eram consideradas loucura. Mais tarde, foi estudar na Bahia. Ingressou no Colégio fundado por Abílio César Borges, Barão de Macaúbas, e dirigido por Ernesto Carneiro Ribeiro (1). Ali revelou grande paixão pelas ciências matemáticas. Fêz o curso de humanidades com brilhantismo. Agora, era necessário prosseguir. Viera em escala ascendente: Macaíba, Natal, Bahia. Findo o curso, que fazer? Augusto Severo já decidira e o consentimento paterno veio sem demora. Ei-lo, então, na Metrópole, desconhecido e obscuro.

(1) – No Colégio Abílio César Borges estudaram grandes vultos brasileiros como Ruy Barbosa e Castro Alves. Ruy, mais tarde, no Senado, durante a discussão do nosso Código Civil, travou a histórica polêmica com seu ex-professor Ernesto Carneiro Ribeiro, encarregado da redação do referido Código. Em 1880 estava matriculado na Escola Politécnica. Cursava o segundo ano de Engenharia, quando, adoecendo, teve de abandonar os estudos. Foi preciso mesmo deixar o Rio, fugindo de um ambiente que lhe era adverso (2). Voltava a Natal, para aquêle clima quente, sêco e saudável. Aos 18 anos lutava, polìticamente, ao lado de Pedro Velho. Professor de Matemática, do Ginásio Norte Riograndense, foi nomeado seu vice-diretor. Bem humorado, habilidoso, conquistou, desde logo, a simpatia e a confiança dos alunos. Companheiro nos estudos e brincadeiras, com aquêle desembaraço magistralmente retrato por seu conterrâneo, o historiador Luís da Câmara Cascudo: “Em nossa casa, interrompeu uma conversa para ir ensinar, na cozinha, um extraordinário môlho-branco para peixe assado. Trazia um caixote de brinquedos para as crianças. Era costureiro, alfaiate, musicista, dançarino, declamador, nadador, Nortista bem “derramado”, dava abraços de tamanduá-bandeira, rindo como se o riso fôsse o mais alto elogio do bom-humor. Sem ódios, sem lembranças de vingança, tudo nêle era improvisação, arrebatamento, afeto.

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Augusto Severo voltou a preocupar-se com o problema aéreo, levado por imaginação poderosa e entusiasmado com as experiências de Júlio César Ribeiro de Souza, o aeronauta paraense. Realizou certa vez, com os alunos um passeio até as dunas de Natal. Cada excursionista levava seu papagaio: armação leve, de talas, cobertas de papel colorido. Prêso numa das extremidades, o cordel longo e, na outra, o “rabo”, de tiras de pano. A frente do grupo buliçoso ia o vice-diretor. Um homem o acompanhava carregando-lhe o papagaio revolucionário, porque não tinha “rabo”, semelhante em sua estrutura aos aviões de nossos dias.

(2) – Nesse ponto, há divergência: para alguns, o regresso de Severo teve por motivo, tratamento de saúde. Mabel Tavares, que publicou uma coleção de artigos. Sôbre o tio ilustre, conta a história de maneira diferente: “Estava Augusto Severo cursando, no Rio, a escola de Engenharia, quando se apaixona por uma jovem de dezesseis anos, de rara beleza e virtudes, – Maria de Nazaré Pedrosa, conhecida entre os seus por Dondon e, mais tarde, casada com o Dr. Pacheco d’Avila”. E acrescenta: “Por questões íntimas de família, ficou resolvido que Augusto deixaria a Escola, regressando ao lar a fim de interromper o romance que então desabrochava. De qualquer forma, por doença ou por amor, a verdade é que Severo deixou os estudo e voltou a Natal. Severo explicou aos meninos:

– Êle subirá porque tem asas. No futuro, cortará os céus em tôdas as direções, e o motor substituirá o trabalho do barbante.

Alguns não entenderam as palavras do professor. E riram. O gênio é sempre motivo de zombaria.

Momentos depois, ante a admiração de todos, o “Albatrós” (êsse o nome, do papagaio) foi jogado ao ar, de cima de um monte de areia. Prêso pelo forte cordão, ganhou altura, batido pelo vento e orientado por seu criador. Foi um sucesso. Quando terminou a brincadeira, descreveu aos rapazes o avião que idealizara.

– Terá hélice, será dirigido, levantará vôo acionado por um motor de pouco pêso e alta potência.

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Nesse tempo, Severo já vinha experimentando o motor de que falava aos Alunos. Preocupava-se em descobrir o moto-continuo. O motor a combustão interna, para capacidade máximas de rotações, ainda não existia. E sòmente sua realização foi que permitiu a grande vitória de Dumont, no “mais-pesado-que-o-ar”.

Reprodução de um desenho do “Matin”, de Paris, no dia da catástrofe.

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AUGUSTO SEVERO, em Paris

O seu cartão de Deputado Federa, para os parisienses...

Cartão de Mr. e Mme. PAUL ROUSEAU convidando Severo para

uma “soirée”.

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Cartão do célebre escritor EMILE ZOLA escusando-se de aceitar um convite de AUGUSTO SEVERO, por estar doente. Observe-se a data: 5 de maio de 1902. Sete dias depois ocorria o desastre com o “PAX”.

AUGUSTO SEVERO faz experiências com um balonete no qual se eleva seu filho Augusto Natal. O vulto de mulher, com a mão á testa, é Natália. Em primeiro plano, caminhando, Georges Sachet.

Severo no Campo de Vaugirard.

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Alguns desenhos do dirigível “PAX”. Observe-se a posição das hélices, inclusive as de direção. Como se sabe, o “PAX” até nesse ponto era original: não possuía leme de direção.

I V

Há, na vida dos grandes homens, estranha semelhança: todos começam humildemente, trabalhando, sofrendo, lutando, sem esmorecer, pelo Ideal que os anima. Severo não constituiu exceção. Muito cedo aprendeu a lutar pela vida. Aos dezoito anos, já pesava sôbre seus ombros a dupla responsabilidade de vice-diretor e professor de Matemática, no Ginásio Norte Riograndense. Mas era digno, em sua modesta posição. O que possuía, muitas vêzes repartia com os mais necessitados. Em 1883 fechava o Ginásio, acontecimento que viria modificar por algum tempo, o rumo de sua vida. Augusto Severo dedicou-se, então, ao comércio, como guarda-livros da casa comercial “Guararapes”. Pedro Velho, em 1887 travava no Estado, a batalha abolicionista (3).

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(3) – Campanha iniciada em 1758 pelo padre Manuel Ribeiro da Rocha. Não mais a abandonaram os brasileiros até a extinção total da escravatura com a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel a 13 de maio de 1888. Longa foi a jornada: em 1854 surgia a primeira conquista, rumo à abolição. Era a Lei de Euzébio de Queiroz, extinguindo o tráfego negro. A seguir (1871) veio a Lei do Ventre Livre, de Rio Branco; depois (1885), a Lei Saraiva Cotegipe, emancipando os escravos sexagenários. É uma das mais emocionantes páginas da nossa História. Reuniu nomes como Nabuco, Patrocínio, Luís Gama, Ruy Barbosa, Castro Alves. O desaparecimento da escravatura acarretou graves problemas à lavoura, pois desviou cêrca de 700.000 trabalhadores, criando obstáculos mesmo para o escravo que se viu, temporàriamente, abandonado à própria sorte. Vencendo tôdas as dificuldades, sobrepôs-se o sentimento humano de nossos patrícios que sacrificaram seus interêsses, em troca da liberdade dos cativos. E o que mais nos honra, ante a opinião do mundo, é ter-se operado essa reforma em nossa organização social, sem derrame de sangue. Já os americanos no norte não conseguiram fazê-la, sem a Guerra de Secessão (1861-1864).

Severo, alma e fibra de uma juventude, apoiou-se com o entusiasmo que o caracterizava. O povo norte-riograndense acostumou-se a ouvir, em tôdas as manifestações, a palavra fácil, persuasiva, daquêle moço atraente, empenhado, com ardor, em defesa da raça oprimida. Não parou mais. A campanha republicana, logo a seguir, empolgou-o até o término, 15 de novembro de 1889 (4). Era político que surgia, vigoroso. A êsse tempo, Pedro Velho havia fundado “A República”, do qual Severo tornou-se assíduo colaborador. Abordando sempre questões elevadas, dignas de seu caráter íntegro, deu provas convincentes de valor. Suas atividades abolicionistas e republicanas conquistaram a confiança dos conterrâneos e posição destacada no seio do partido predominante no Rio Grande do Norte. O Ginásio Norte Riograndense, atual Ateneu, voltou a funcionar em 1890, a serviço da mocidade potiguar que já ofereceu ao Brasil nomes ilustres na política, nas letras, nas artes, como Henrique Castriciano, Tavares de Lyra, Nísia Floresta, Auta de Sousa. A convite do governador Xavier da Silveira, Severo reassumiu suas funções na cátedra de Matemática. Atendendo ao pedido de Adelino, seu irmão, associou-se à firma A. Maranhão & Cia. Importadora e exportadora, que funcionou até 1892.

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Nesse ano, porém, abandonava o comércio, para o qual não tinha vocação, dedicando-se inteiramente à política e à ciência aérea.

(4)– A República é o fruto de trabalho longo e paciente. Sua conquista não foi uma revolução, mas o resultado de uma evolução lenta e segura. De há muito ocorriam no Brasil movimentos de independência e separatistas que traziam a semente republicana. A opinião pública foi preparada hàbilmente por todos os meios. Pela imprensa e tribuna. José do Patrocínio, Nabuco, Ruy Barbosa, Silva Jardim e Benjamin Constant, no Exército, conquistaram a compreensão e simpatia do povo. A conjuração teve por chefes Constant (em realidade, a alma do movimento) e Deodoro da Fonseca. No dia 15 de novembro de 1889 as tropas demandaram o centro do Rio de Janeiro. Deodoro assumiu o comando e marchou para o Campo de Santana, onde proclamou a República. A seguir, intimou o Ministério a demitir-se. No dia 16 tomou posse o nôvo govêrno em caráter provisório. Na mesma data foi entregue a Pedro II a mensagem que o convidava a abandonar o país dentro de vinte e quatro horas.

Moças francesas preparando o balão “PAX” na casa de Henry Lachambre, o famoso construtor, que se vê no fundo da fotografia.

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AUGUSTO SEVERO tem à sua direita, Álvaro Reis, filho do engenheiro Manuel Pereira Reis, que devia também subir no “PAX”. À esquerda, SACHÉ, o seu companheiro na vida e na morte.

A barca do “PAX”. Observe-se Severo entre seus operários.

AUGUSTO SEVERO entre as suas hélices. Na fotografia um dos

balonetes

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SEVERO na presença de jornalistas parisienses faz demonstrações com um

balonete.

SACHÉ, no plano superior, ensaiando os motores.

As atividades de AUGUSTO SEVERO despertaram grande interesse do público e da imprensa que não se cansavam de visitar o hangar do “PAX”.

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Jornalistas ao entrevistar SEVERO ouvem e observam, com carinhosa atenção, as explicações do genial brasileiro, sobre o seu revolucionário balão.

O “PAX” no hangar. Encaminhando-se para o mesmo, um vulto de mulher. Será

a dedicada Natália? É bem provável.

Saída do “PAX” para a trágica experiência.

V

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Augusto Severo resolveu, afinal, abandonar a idéia de encontrar o moto-contínuo. Era impossível, como ainda hoje o é, malgrado o progresso da ciência. Não mais se interessou, também, em estudar o “mais-pesado-que-o-ar”. Agora, todos os seus estudos e esforços buscavam descobrir um meio para dar estabilidade e segura dirigibilidade aos bal´´oes. Imaginou e desenhou, então, o “Potiguarânia”, que não chegou a ser realizado, mas influenciou na construção, mais tarde, do “Bartolomeu de Gusmão”, realmente o seu primeiro dirigível. O “Potiguarânia” já nos demonstra, na rusticidade do desenho, o ineditismo da sua concepção aeronáutica. (Êste assunto será estudado, com maiores detalhes, no capítulo – A concepção aeronáutica de Augusto Severo). Em 1893 idealizou o “Bartolomeu de Gusmão” que conquistou aplausos nos meios científicos, merecendo destaque a opinião do ilustre engenheiro Dr. Pereira Reis, lente de Astronomia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, cujo fac-simile aparece em outro local dêste livro. Quando ocorreu a revolta da esquadra comandada por Custódio José de Melo, no pôrto do Rio de Janeiro, Floriano Peixoto, a quem se deve a derrota de tôdas as fôrças do sebastianismo e a consolidação da República, pensou em aproveitar o balão como arma de guerra. Mandou construir o aeróstato por conta do governo, numa demonstração da grande confiança que lhe despertara Augusto Severo. É que reconhecera nele o espírito forte, a coragem, a lealdade dos Albuquerque Maranhão. Cedeu-lhe o Quartel do realengo para a construção do dirigível e preparo do gás hidrogênio. Não existindo em depósito, no Ministério da Guerra, a liga de alumínio que o inventor solicitara para a barquinha (nesse tempo ainda não era freqüente o emprêgo de ligas metálicas), realizou-a em bambu. A fragilidade do material não permitiu fôsse bem sucedida a experiência de fevereiro de 1894. Os revoltosos retiraram-se do Rio, com a aproximação da esquadra do Almirante Gonçalves, e o govêrno desinteressou-se pelo “Bartolomeu de Gusmão”. Severo não se limitou sòmente à aeronavegação seu gênio inventou, pois criou também o tubo motor de reação, de especial importância para as máquinas destinadas a produzir velocidade de marcha. Consta que, posteriormente, o tubo motor foi utilizado na Marinha Inglêsa, onde a torpedeira “A Turbina” chegou a desenvolver 37 milhas. É ainda invento de Severo o sistema de hélice introduzida no interior de um tubo, que atravessa o navio segundo o grande eixo, permitindo-lhe marchar avante e a ré, invertendo apenas o movimento do tubo motor. Imaginou, também, um fantástico “canhão industrial” para ser utilizado nos campos e navios.

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Infelizmente, não contamos com maiores esclarecimentos sôbre êsses inventos de Augusto Severo. Nenhum documento, nenhuma fotografia... A propósito, achamos interessante transcrever duas importantes reportagens do jornal A NOITE (Rio de Janeiro), para que se tenha uma idéia de como – após a morte de Severo – começou a morrer também no esquecimento e no desprêzo, sua grande e meritória obra. A matéria refere-se à construção do “PAX” e nos dá outras valiosas informações. A primeira reportagem, publicada na edição de 20 de setembro de 1932 (trinta anos após a morte de Severo) trata “do achado feito por um leigo, na antiga residência da família do saudoso cientista patrício, Professor Pereira Reis, de um canudo de fôlha, contendo interessantíssimos documentos referentes ao dirigível “PAX”, que foi todo o sonho e quase a glória de Augusto Severo”. As declarações foram prestadas por Álvaro Pereira Reis, filho do professor. Interessante observar sua opinião sôbre o acidente com o balão, assunto que abordamos no capítulo XVI e para o qual chamamos a atenção do leitor. A segunda reportagem, publicada doze anos depois, na edição de 26 de maio de 1944, o assunto “do achado feito por um leigo”, voltou à baila. Notamos, então, que os documentos sôbre a construção do “PAX” e outros inventos de Severo, estavam em poder do Sr. Joaquim de Barros, que os ofereceu gentilmente ao Museu da Aeronáutica.

DOS TEMPOS DO “PAX” AOS DIAS DO ”ZEPPELIN”

Interessantes declarações feitas A NOITE por um dos colaboradores do inventor brasileiro Augusto Severo e filho do professor Pereira Reis. “A NOITE, tratando , ha dois dias, do achado feito por um leigo, na antiga residência da família do saudoso cientista patrício professor Pereira Reis, de um canudo de fôlha, contendo interessantíssimos documentos referentes ao dirigível “PAX”, que foi todo o sonho e quase a glória de Augusto Severo, êsse esplêndido tipo de caboclo do Norte, que empregou a sua bela inteligência, durante cêrca de um decênio, na descoberta da dirigibilidade do balão, primeiro na esforçada tentativa do “Bartolomeu de Gusmão” , inspirado na obra do sábio Bartolomeu Lourenço de Gusmão”, padre brasileiro, e depois, em Paris, onde sucumbiu, quando atingia a última etapa da sua patriótica iniciativa, teve ocasião de comentar o fato, aproveitando a oportunidade, assás agradável, para focalizar o acontecimento mundial, que fêz vibrar, emocionou vivamente a alma nacional e elevou muito alto o nome do grande inventor brasileiro.

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* * *

Na entrevista que publicamos, então, dizíamos que – “seus herdeiros (de Pereira Reis), entretanto, não tendo, possìvelmente, a visão do valor inestimável dêsses desenhos, ao venderem a casa da rua Carolina Santos ao Sr. Antônio Goulart, capitalista português, ofereceram-lhe o canudo precioso”. O Sr. Álvaro Pereira Reis, engenheiro mecânico, filho do finado engenheiro Manoel Pereira Reis, cuja trajetória nos nossos meios didáticos e científicos foi das mais brilhantes, tendo exercido, na Escola Naval, a cátedra de Topografia e Geodesia, na Escola Politécnica, a de Cálculo e Astronomia e no Observatório da mesma Escola, de sua fundação, o cargo de diretor, sentiu-se duplamente tocado pelo episódio, por isso que, reverenciando a memória de seu progenitor, foi também colaborador de Augusto Severo. Disse-nos o Sr. Álvaro Reis o seguinte: – As relações e a amizade de meu saudoso pai com Augusto Severo datava do ano de 1894, quando Floriano Peixoto,m então no govêrno, levando em boa conta a iniciativa do imortal patrício, incumbiu o Dr. Pereira Reis, na qualidade de diretor da Carta Cadastral, de proceder ao exame e experiências no balão “Bartolomeu de Gusmão”, construído em terreno do Realengo,m fronteiro à estação. Tinha eu, então, dez anos de idade, apenas. |Minha ação se limitara, inicialmente, a acompanhar meu pai; mas, nas visitas constantes que fazia ao galpão do Realengo, acabei me interessando vivamente pelo assunto, arvorei-me em colaborar daquela obra que, cada dia, mais me empolgava e maravilhava. Pude fixar alguns dos auxiliares de meu pai no trabalho de que o incumbiu o govêrno: os engenheiros Gabriel Junqueira e Mário Rôxo, o Dr. Domingos de Barros, químico especializado, encarregado da fabricação de hidrôgeneo e o coronel Eduardo de Borja Reis, florianista extremado, pai de um dos estimáveis redatores d’A NOITE. Lembro-me que o último dos cavaleiros citados escapou milagrosamente da morte. Certo dia, metade do primitivo galpão, que fôra construído às pressas por operários do Arsenal de Marinha, ruíu, em virtude de haver cedido a amarração, que não era perfeita, e o coronel Borja Reis, que lá se achava, ficou em perigo de vida, sendo salvo a tempo pelos companheiros. Conhecia a existência dos estudos preliminares do dirigível “PAX”, cujos desenhos foram executados, na sua grande maioria, por meu tio Orozimbo Xavier de Azevedo, engenheiro civil, por um processo alemão (desenho aguado). Embora não tivesse sido o inventariante dos vens deixados pelo Dr. Pereira Reis, não ignorava, entretanto, a existência dos documentos agora encontrados, pelo fato de me haver perguntado por êles

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o Dr. Domingos de Barros, a quem respondia, sempre, ser estranho ao seu paradeiro. A minha parte nos trabalhos do “PAX”, em Paris, não foi pequena, visto como acompanhei até ali o inventor, tendo trabalhado eficientemente na sua confecção, só não tendo sido vitimado também por uma casualidade do Destino. É assim que, fazendo eu parte da tripulação do aparelho, juntamente com Augusto Severo e o mecânico Saché, vi-me, à ùltima hora, com grande tristeza para mim, afastado do meu posto. É que Augusto Severo se viu forçado a modificar certos detalhes de construção do aeróstato, aumentando-lhe o pêso, preferentemente com lastro, que pudesse ser alijado. Eu pesava 72 quilos; Saché era mais leve, tinha 52 quilos, apenas, e levava sôbre mim a vantagem de ser conhecedor profundo dos motores Buchet, de cuja casa era técnico e que impulsionavam o aparelho. Reporta-se em seguida o Sr. Álvares Pereira Reis à causa do desastre ocorrido com o “PAX”. – Muita gente existe entre nós que ignora completamente a causa da queda do balão de Augusto Severo, sendo que, não poucas pessoas dizem coisas inverosímeis, em detrimento da obra formidável realizada pelo ilustre brasileiro. Devo recordar, entretanto, que a imprensa francesa foi unânime em exaltar a excelência do invento. No meu entender, acho que o sinistro se deu devido o mau funcionamento dos carburadores daquela época (processo de barbotage). Daí a explosão no carburador, comunicando-se ao depósito de essência, provocando nova explosão, que atingiu o aerostato. De modo diferente se manifestou o engenheiro Buchet, que entendia ter sido a explosão motivada pela grande proximidade entre o balão e os motores, dos quais se teriam desprendido, a seu ver, pelo tubo de descarga, alguma chama, inflamando esta os gáses que se desprendiam do invólucro do “PAX”, apesar de envernizado. Não me afasto, porém do meu ponto de vista, mesmo porque, ainda que o balão estivesse distanciado dez ou mais metros do motor, a coluna de fogo provocada pela explosão de trinta litros de gasolina atingi-lo-ia. Aliás, êste perigo foi previsto, tanto assim que os motores foram cobertos por “camisas de Davi”. Estas serviram durante as experiências do aparelho, no ar, prêsos pelo cabo sustentado por operários, que acompanhavam as evoluções. Verificado, porém, nas experiências, que os motores funcionavam em boas condições, Augusto Severo, necessitando de lastro, substituiu as referidas camisas por sacos de areia, o mesmo que fizeram comigo. Damos as referências acima, por no-lo haver solicitado o Sr. Pereira Reis, que terminou sua palestra conosco, dizendo que a família de Augusto

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Severo procurará reaver os documentos de que tratou A NOITE, em momento oportuno , adiantando achar-se em São Paulo o filho mais velho do inventor, “sobrevivente, que do saudoso patrício herdou o nome”.

_______________

Em reportagem publicada na edição de 20 de setembro de 1932, A NOITE revelou o curioso achado de documentos de inestimável valor histórico, que haviam pertencido a Augusto Severo, muitos dos quais escritos do próprio punho dêsse nosso glorioso patrício, mártir da aviação. Tendo sido criado, recentemente, o Museu Histórico da Aeronáutica, a cargo do tenente-aviador José Garcia de Sousa, foi-nos dada a oportunidade de apresentar a êsse oficial o Sr. Joaquim de Barros, atual possuidor daquela documentação e que, recebendo-a depois de haver a mesma passado por várias mãos, procurara A NOITE, em 1932, para divulgação. Eis como o Sr. Joaquim de Barros se tornou possuidor de tão valioso legado: Como se sabe, Augusto Severo ao pretender construir seu balão, transferiu-se para o Rio de Janeiro, e associando-se ao engenheiro Pereira dos Reis, passou a freqüentar sua residência, à rua Carolina Santos n° 48, na Bôca do Mato. Aí, com auxílio do desenhista Paulo P. Martins levantou tôdas as plantas do “PAX”, que, com rascunhos de autoria do inventor, foram postas num canudo de fôlhas de flandres, o qual ficou em poder do engenheiro. Ora, com a morte de Augusto Severo, o Sr. Pereira Reis, sendo proprietário do tesouro histórico, tê-lo-ia certamente guardado com maior avareza. Seus herdeiros, entretanto, não possuindo a visão do valor inestimável dêsses desenhos, ao venderem a casa ao Sr. Antônio Goulart, capitalista português, ofereceram-lhe naturalmente o canudo precioso. Por seu turno, o Sr. Goulart, ao mandar reparar o prédio, já agora histórico, chamou ao cabo das obras, os empreiteiros V. G. Barros e Irmão, e lhes disse: – “Levem vocês os trastes velhos, porque vou residir em Botafogo!”. E quando os dois irmãos transportavam os cacarecos, o Sr. Goulart surge com o canudo histórico e diz ao Sr. Joaquim de Barros, com a maior simplicidade dêste mundo: “Tome isto também!”. E passou-lhe às mãos o tesouro deixado por Augusto Severo. O Sr. Joaquim de Barros ficou com a valiosa carga cêrca de cinco anos, a rolar pela sua casa. Em 1930, quando “Graf Zepellin” chegou ao Rio, o Sr. Joaquim de Barros teve suas atenções voltadas para a estranha semelhança dos desenhos com a aeronave germânica. Mas não revelou a ninguém as suas impressões.

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Com a volta, porém, ao Rio, em 1932, daquêle aparelho, o Sr. Joaquim de Barros tomou-se de entusiasmo, revelou o caso a amigos e, afinal, veio à redação de A NOITE, movido, já então, por sentimentos patrióticos e pelo desejo de tornar conhecido dos brasileiros os desenhos, plantas e cálculos de autoria do nosso patrício, que havia de se tornar célebre pela contribuição inestimável dada ao desenvolvimento da aviação, ao lado de dois outros gloriosos brasileiros o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão e Santos Dumont. Êsses documentos, que agora passam a figurar como verdadeiras relíquias, no Museu Histórico da Aeronáutica, por doação do Sr. Joaquim de Barros, constam de três cadernos de cálculos algébricos, do próprio punho de Augusto Severo, plantas originais do inventor e desenhos da Paulo Martin, que se enumeram: “Motores rotativos de enorme potência, tipo Augusto Severo”; “Desenho do balão completo, com a barca em posição horizontal e secção longitudinal”; figura mostrando a roda do pára-choques, com a seguinte anotação assinada por Augusto Severo, à margem e a lápis; “Arredondar as cabeças dos parafusos dos mancais (parte de fora). Tirar a corda. – .A. S; “Motores de tubos reversíveis; um trecho do mapa do Brasil; figura mostrando os cálculos do balão, com tôdas as escalas, somas e totais; desenho determinando o volume do balão; o balão visto de pôpa e prôa; dispositivos do eixo; determinação dos dispositivos do balão; desenho de Augusto Severo ao pensar sôbre a forma do dirigível e reproduzida em escala pelo desenhista Paulo Martin; desenho, finalmente, do balão completo.”

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Últimos preparos. Já se pode observar a colocação de AUGUSTO SEVERO à frente e seu dedicado mecânico SACHÉ na popa do balão.

SEVERO ensaiando as hélices.

Largada

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O “PAX” a 150 metros.

A queda do balão incendiado.

Depois da catástrofe.

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“Fac-símile” do telegrama de Natália ao Senador Pedro Velho.

Reprodução de um dos folhetos que AUGUSTO SEVERO pretendia lançar de bordo do dirigível “PAX”, saudando a França.

Local onde caíram os destroços do “PAX”, vendo-se a placa existente.

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A placa no prédio nº 79 da Avenida du Maine, com esta sIgnificativa inscrição: “Aqui morreram vítimas da ciência SEVERO aeronauta brasileiro e seu mecânico o francês SACHET”.

V I

Em 1893 p Dr. Pedro Velho deixava o Congresso para governar o Rio Grande do Norte, sendo substituído por Severo, já nesse tempo deputado estadual. Permaneceu no Parlamento até 1901, quando embarcou para a Europa, a fim de realizar experiências com o PAX. A passagem de Severo pela Câmara assinalou grandes iniciativas. Merecem destaque os importantíssimos trabalhos na Comissão de Tarifas, onde seus conhecimentos náuticos o fizeram autoridade na matéria, chegando muitas vêzes a ser apontado para o cargo de Ministro da Marinha, contando com o aplauso de tôda a corporação. Na Câmara nunca surgiu projeto defendendo interêsses nacionais e altruísticos que não recebesse o seu apoio. Aí estão, atestado eloqüentes do seu critério de homem público: sôbre o saneamento da Capital Federal; assistência à infância desamparada; proteção aos operários dos arsenais; auxílio às experiências de Santos Dumont. Um fato despertou grande celeuma e tornou-se conhecido em tâda a imprensa nacional e estrangeira: aconteceu durante a sessão de 17 de julho de 1901, quando Severo pronunciou memorável discurso, “lição de bondade e de saber, que repôs a glória de Santos Dumont na justa medida da verdade científica, livrando a Câmara de uma “gaffe” que diminuiria perante a inteligência contemporânea” (Alberto Maranhão, em “Quatro discursos históricos”).

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Dumont, nesse tempo, encontrava-se em Parias realizando experiências com balões dirigíveis. A conquista do ar, desde Ícaro, vivia no pensamento do homem, continuava a ser, em pleno século XX, uma vaga esperança... Renard e Krebs, com o “La France”, apesar de terem alcançado algum êxito, não conseguiram a perfeita estabilidade e navegabilidade. Em 1900, Deutsch (5), interessado no desenvolvimento dos motores a explosão, criou o prêmio de cem mil francos para o Aero-Clube de Parias conferir ao primeiro dirigível “que entre o 1° de maio e o 1° de outubro de 1900, 1901, 1902, 1903 e 1904 se elevasse do Parque de Aerostação de Sanit-Cloud e, sem tocar em terra, por seus próprios meios, após descrever uma circunferência tal que nela se encontrasse incluso o eixo da Tôrre Eiffel, retornasse, ao ponto de partida no tempo máximo de meia hora” (Gondim da Fonseca, em “Santos Dumont”). (5) – Henri Deutsch, conhecido por Deutsch de La Meurthe, industrial francês, nascido em 1846 e falecido em 1919. Foi grande entusiasta da ciência aeronáutica. Financiou a construção do dirigível “Ville de Paris”, que doou ao Ministério da Guerra. Fundou o Automóvel Clube e o Aero-Clube de França. Organizou competições onde premiava as tentativas no terreno da navegação aérea. Era, também, compositor, tendo produzido de parceria com E. Erlangen a ópera “Ícaro”. Santos Dumont era dos mais fortes candidatos ao prêmio e realmente o conquistou, a 19 de outubro de 1901. Antes da vitória realizou duas tentativas: uma no dia 12 de julho de 1901, com o “Santos Dumont n° 5”, descendo perto do campo de corridas de Longchamp; outra com o mesmo balão, no dia seguinte, quando desgovernado, foi de encontro aos castanheiros da residência de Edmundo Rotschild. Enfim, no dia 19 de outubro de 1901, o “Santos Dumont n° 6” conseguiu levantar vôo de Sanit-Cloud, contornar a Tôrre Eiffel e voltar ao ponto de partida. O grande aeronauta brasileiro arrebatava, dêste modo, o cobiçado prêmio Deutsch (6). Da Câmara, logo após o 13 de julho, os deputados iniciaram movimento para homenagear Santos Dumont, como se o problema da dirigibilidade e estabilidade estivesse resolvido inteiramente. O deputado mineiro Bueno de Paiva no dia 17 de julho (quatro dias após a tentativa malograda de Dumont, em Paris), apresentou proposta, que constava de dois itens: 1°) voto de louvor;

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2°) declaração de que assim procedia o Parlamento, por ter sido encontrada a solução do secular problema. Augusto Severo não concordou com a segunda parte da proposição e pronunciou o discurso com o qual enfrentou a opinião dos colegas desassombradamente, vencendo-ª Propôs fôsse inserido em ata o voto de louvor e apresentou projeto concedendo 100:000$000 (cem contos de réis) a fim de que Dumont pudesse prosseguir em suas experiências. ------------------- (6) – No dia 19 de outubro de 1901, Dumont levantou vôo em Sanit Cloud às 2h.44. Contornou a Tôrre Eiffel em 29 minutos e 15 segundos, mas à chegada tendo ultrapassado a meta, perdeu um minuto na aterragem. Surgiu, então, a grande dúvida: não chegavam a um acôrdo, os membros da Comissão, sôbre se deviam contar ou descontar o minuto excedente. Por fim, no dia 4 de novembro, a polêmica decidiu ser a favor do aeronauta por 13 votos contra 9. Alguns membros da Comissão que pertenciam ao Instituto de França foram favoráveis à concessão do prêmio. Dumont, que já desanimava, exclamou: – Os sábios do Instituto me salvaram!

Chegada do corpo de Severo ao Rio de Janeiro. É uma reprodução do expressivo quadro a óleo do pintor Ribeiro, amigo e admirador de AUGUSTO SEVERO, propriedade do Ministro Dr. Augusto Tavares de Lyra, vendo-se a descida do ataúde do grande morto, coberto agora pela Bandeira Francesa, recebendo as homenagens do Brasil, na baía de Guanabara.

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Túmulo de AUGUSTO SEVERO no cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro. No dia 18 de setembro de 1904 foi inaugurado o monumento mandado construir para a sepultura do malogrado aeronauta, tendo o escultor R. Bernardelli feito um retrato expressivo em medalhão. Observe-se uma âncora aí colocada, homenagem da Marinha de Guerra do Brasil ao seu grande defensor na Câmara dos Deputados.

“O corpo ficou sepultado no Rio de Janeiro, com uma impressão de hospedagem porque o lugar lógico seria o pequenino cemitério de Macaíba, acolhedor e silencioso, digno de um profundo e quieto sono, aguardador das promessas divinas da ressurreição”.

Inauguração da estátua em Natal, Rio Grande do Norte, a 12 de maio de 1913. O orador foi o grande tribuno Dr. Sebastião Fernandes. Note-se à direita da estátua a Bandeira Francesa que veio cobrindo seu corpo até o Brasil.

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Fotografia do “Graf Zeppelin” quando passava, desviando-se da sua rota, sobre a estátua de Severo, tendo nessa ocasião deixado cair, suspenso por um pára-quedas iluminado, uma grande coroa, com a seguinte inscrição: “A ALEMANHA AO BRASIL NA PESSOA DO SEU GRANDE FILHO – AUGUSTO SEVERO”. Essa coroa encontra-se no Instituto Histórico de Natal.

Inauguração do monumento de AUGUSTO SEVERO, em Macaíba,

falando na ocasião o Dr. Enock Garcia, tendo à sua direita o prefeito Alfredo

Mesquita.

Cartão distribuído ao povo pela Academia Norte Riograndense de Letras no dia da posse do acadêmico Waldemar de Almeida à cadeira de que é patrono AUGUSTO SEVERO. Por ocasião do cinqüentenário da sua morte, o Aero Clube de Natal fez reproduzir o mesmo clichê.

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ADA ROGATO, aviadora brasileira de renome internacional, visita, em Natal, a estátua de SEVERO. Vêmo-la entre

Sérgio Severo e Augusto Severo Neto, também pilôto civil.

30 de junho de 1950 – Inauguração frente ao Grupo Escolar da cidade de Echaporã, São Paulo, do busto do seu ilustre paterno AUGUSTO SEVERO. Presentes ao ato, da esquerda para a direita: Sr. Emilio Piavezani, Diretor do Grupo Escolar “Augusto Severo”; Sr. Riodante Fontana, Prefeito Municipal; Sr. João Ramires Romero, Presidente da Câmara Municipal; Sr. João Batista Silveira, Delegado de Policia; Sr. Rubens Nogueira Ramos, Diretor do Ginásio Estadual; Sr. Clemente Alberto Souza, Secretário da Câmara Municipal e Dr. José Pinto Almeida, médico-chefe do P.A.M.E.

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Quando do 45º aniversário do desastre do “PAX”, realizou-se uma romaria ao cemitério S. João Batista integrada por acadêmicos da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Foi depositada no túmulo de AUGUSTO SEVERO uma cora oferecida pelo Ministério da Aeronáutica. No clichê, o Cap. Av. Ivo Gastaldoni, representando o Brigadeiro Armando Trompowski, então Ministro da Aeronáutica, Mme. Luiza Sá Ávila, o autor, D. Maria Amélia de Azevedo e o Sr. Guilherme Augusto Fernandes, pai do autor desta biografia.

Sérgio Severo e sua filha Maria Amélia depositam flores no monumento de AUGUSTO SEVERO, por ocasião das comemorações do cinqüentenário de sua morte.

V I I “O preço dêste discurso pode ser mesmo a impopularidade, que não temo, porque estou cumprindo um dever”. O Sr. Augusto Severo – Sr. Presidente, devo começar agradecendo aos honrados colegas a sua presença em hora tão adiantada da sessão, lamentando que, em vez de terem a fortuna de ouvir orador que pudesse

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pagar-lhe com a frase a gentileza, tenham de suportar o desalinhavado e imperfeito da frase do humilde orador que guarda a tribuna. (Não apoiados). O assunto é muito alto e a minha posição no momento é muito cheia de responsabilidade – é a navegação aérea, é a conquista dos ares, o primeiro; a segunda – a minha posição – é um protesto. Protesto não aos aplausos, ao louvor, não ao entusiasmo que deve encher todo o coração brasileiro pelos belíssimos resultados obtidos na célebre experiência de 13 do corrente, em Parias, com o seu aeróstato dirigível, o nosso eminente patrício Santos Dumont. Protesto a isso, não: porque entro de alma e coração no côro que ora se entoa – também sou brasileiro, tanto como quem mais o fôr. Quem, nascido nesta grande terra da Santa Cruz, poderá ser indiferente à notícia de que o pavilhão brasileiro – bandeira da Ordem e o Progresso – flutuou em cima de outra pátria empenhada na conquista dos ares – na grande campanha do Bem? Não, não alio à minha incompetência (não apoiados) a feia mancha da maldade. A proposta que ora discuto, apresentada à consideração da Câmara dos Deputados pelo digno representante de Minas Gerais, patrício duas vêzes do notável aeronauta brasileiro, porque Santos Dumont também é filho do grande e glorioso Estado do Centro, encerra, além do voto de louvor para ser consignado na ata de nossos trabalhos, como homenagem merecidíssima, a declaração de que assim procede o Parlamento, por ter sido encontrada a solução do secular problema brasileiro. Sr. Presidente, quando o meu nobre colega justificava a sua proposta, eu dei um não apoiado; quando S. Excia. Terminou a sua oração, eu pedi a palavra. O Sr. Bueno de Paiva – Sinto não ter ouvido. O Sr. Augusto Severo – Não ficou perdido, porque venho declarar que o fiz. Bem compreendo a impressão de primeiro momento que causou o meu proceder, mas êle foi pensado e refletido; tanto, que ouso esperar da benevolência de meus colegas que me dêm razão, quando me tiverem ouvido. Eu dei o não apoiado à última parte da proposta, porque entendo que nos falece competência científica para declarar resolvido o problema da navegação aérea, em que há séculos está empenhada a humanidade. Um Sr. Deputado – A noção não cogita disso. O Sr. Augusto Severo – Cogita sim e claramente.

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Além de que, Sr. Presidente, nenhuma autoridade na matéria se manifesta ainda a respeito, nenhuma declarou o que declara a proposta. O Sr. Brício Filho – Peço a palavra. O Sr. Augusto Severo – Já me declarei solidário com as manifestações tôdas, de entusiasmo e encorajamento, que foram levadas ao nosso patrício; com a moção, mesma, que estamos discutindo, se ela não encerrasse a frase a que aludi; tanto que lhe ofereço o seguinte substitutivo, para não ser voto discrepante no seio do Congresso. Como está, porém, não lhe dou o meu voto, porque não quero assumir, embora com um acompanhamento que me honra, a responsabilidade da declaração que ela contém. O meu substitutivo é concebido nos seguintes têrmos (lê):

PROPOSTA

Propomos que a Câmara dos Deputados faça inserir na ata de seus trabalhos um voto de louvor ao brasileiro Alberto Santos Dumont, e que a Mesa telegrafe ao ilustre aeronauta, felicitando-o pelo resultado obtido na experiência feita com o seu balão dirigível na tarde do dia 13 do corrente, em Paris. Sala das sessões, 17 de julho de 1901 – Augusto Severo – Carlos Cavalcânti. O Sr. Viriato Mascarenhas – V. Excia. Gosta da palavra – experiência – eu, porém entendo que não foi bem empregada. O Sr. Augusto Severo – Nestes assuntos prova-se, não se diz simplesmente – eu entendo. Pois não se trata de uma experiência, cujos resultados foram brilhantes, é certo?

O Sr. Brício Filho – Nunca um balão conseguiu os resultados que conseguiu o de Santos Dumont. O Sr. Augusto Severo – Sinto tanto a gravidade das palavras que estou pronunciando, que peço a meus dignos colegas a graça de não me interromperem. O preço dêste discurso pode ser mesmo a impopularidade, que não temo, porque estou cumprindo um dever. O Sr. Viriato Mascarenhas – Sentimos nas palavras do nobre colega certo travo de injustiça.

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O Sr. Augusto Severo – Que competência tem o Congresso para declarar resolvido o problema da navegação aérea? Quem dentre os meus colegas quer assumir a responsabilidade desta declaração°

O Sr. Bueno de Paiva – V. Excia. Conhece o balão°

O Sr. Augusto Severo – Conheço, sim. A sua descrição, devida ao Sr. Emanuel Aimé, está em um dos últimos números do Aerophile. O protesto que fiz não foi filho de nenhum sentimento menos digno, mas sim da lealdade que devemos à verdade científica. Não é digno também nestes assuntos dizer-se alguém convencido daquilo de que não está. O Sr. Brício Filho – V. Excia. Diz que o problema não foi resolvido. O Sr. Augusto Severo – Digo, sim, pelo conhecimento do aeróstato que foi experimentado. Pela segunda vez, no mundo, um aeróstato alongado, com barca alongada, suspensa, de hélice e leme, com motor elétrico ou a petróleo, sobe, governa-se e volta ao ponto de partida, fazendo itinerário prèviamente determinado, ambos sôbre a cidade de Paris. O primeiro em 1884, com velocidade de 23 quilômetros e meio; o segundo em 1901, com velocidade de 22 quilômetros (dizem os telegramas para a imprensa). O primeiro dos balões, a que me refiro, foi o LA FRANCE, balão militar francês, construído pelos então Capitães Renard e Krebs, à custa do Estado. Vem de molde aqui fazer justiça ao infortunado companheiro de Renard e Krebs, o capitão La Haire, e ao general Billot, que autorizou a construção do dirigível LA FRANCE. Renard, que dizia “não valer a pena ser inventor para imitar os outros”, imaginou um balão tubular com o fim de conseguir a aproximação dos centros de tração e resistência. Era uma novidade e o caminho da solução. Krebs, porém, achou mais conveniente e mais prático aperfeiçoar o que havia feito e, vencendo a sua opinião, começou-se a construção do dirigível, do resultado de cujas experiências todos nos lembramos ainda. Os resultados foram devidos ao comprimento da barca e à sua aproximação do corpo do balão condutor. O Sr. Bueno de Paiva – Admira-se que seja a França quem aplauda o invento de um brasileiro. O Sr. Augusto Severo – Não dou a glória a nenhuma das duas nações; ambas têm muito merecimento pelo esfôrço de seus filhos em procura da gloriosa conquista. O merecimento de Dumont é grande, êle é um aeronauta consumado, apesar de sua pouca idade; não é, porém, como disse E. Aimé no artigo a

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que já me referi: “um nôvo elo na cadeia que vem de Montgolfier a Dumont”, mas da cadeia que, para glória nossa, ainda conserva seus extremos no Brasil: – de Gusmão a Dumont. (Muito bem). A fama de Gusmão correu mundo, antes das célebres experiências dos irmãos Montgolfier. No arquivo de Brunswick existem documentos de 1700, referentes à experiência da Machina do genial padre Bartolomeu de Gusmão – o Voador – cuja alma invoco para testemunho da sinceridade de minhas palavras. Era um sábio e um gênio. Não subiu sòmente – quís dirigir-se e para isso previu tudo. Fêz balão alongado, barca longa e em treliças, cantada pela chufa ignorante do tempo como a gaiola do Voador; imaginou motor elétrico (quem poderá afirmar que não o dínamo de hoje?) e sonhou a conquista dos pólos, a civilização dos selvagens. Quanta idéia nobre já se acomodou de uma só vez na cabeça de um filho desta terra! (Muito bem; muito bem). Além de sua naveta, Gusmão celebrizou-se por muitos outros inventos, sendo ainda o orador sacro mais notável de seu tempo, na língua de Camões. Nunca foi vaiado pelo povo; foi perseguido pelo clero inquisidor, que o fêz morrer, mas não lhe apagou a glória. (Muito bem; muito bem). É uma invenção brasileira, ninguém ousará mais hoje contestá-lo. Já o afirmaram livros em muitas línguas. Voltamos ao assunto – ao dirigível de hoje. Por ar calmo, um balão alongado, munido de hélice e leme em uma barca suspensa e alongada é sempre dirigível, desde que não seja tão poderosa a sua máquina motora que as rotações perturbadoras se tornem obstáculo insuperável. Dumont, o ousado e corajoso aeronauta brasileiro, fêz um balão alongado, suspendeu a êste uma barca alongada também, com um motor e uma hélice, armou um leme na pôpa do balão condutor, e em um ar calmo fêz marchar o seu aerostato – governando-o Nem podia deixar de fazê-lo. O movimento de tangage, porém, foi grande, tanto que ocasionou o acidente de que dão notícias os telegramas. Nos balões muito alongados, a menos que não tenham carcassa rija e gás dividido, êste fenômeno há de dar-se sempre por ocasião das grandes inclinações do balão condutor. Só a justa-posição dos centros de tração e resistência poderá fazer desaparecer êsses inconvenientes, e esta justa-posição não existe no balão de Santos Dumont. É o ôvo de Colombo.

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Enquanto não se conseguir que a tração, nos aeróstatos, seja aplicada na resultante das resistências desenvolvidas durante a marcha, o problema da navegação aérea não terá solução, ouso afirma-lo, pelo pouco que tenho aprendido. Dar como resolvido o problema pelos balões de Dumont ou de Renard e Krebs é o mesmo que pretender-se um submarino navegando com a hélice colocada abaixo da quilha. É o mesmo, porque a analogia entre as navegações aérea e submarina é perfeita, respeitada a diferença da densidade dos dois meios. É um êrro comparar-se a navegação aérea com a supermarina, êrro corrente nos compêndios de Física adotados em nossas escolas. O inimigo a vencer é o conjugado, e êle subsiste nos balões a que me tenho referido. Se estudarmos, comparando os dirigíveis experimentados de 1850 até hoje, notaremos a tendência para a aproximação da barca e do balão com o fim de aproximar a tração da resistência, visto que diversos experimentadores julgam a justa-posição impossível pràticamente. Digo diversos, de propósito, porque eu não penso assim, mesmo com os balões condutores, simples sacos de gás. O entusiasmo pela experiência de Dumont é perfeitamente explicado. Entremos também nesse côro do povo brasileiro, e em seu nome, pois que o representamos, auxiliemos o nosso ilustrado patrício para que êle possa prosseguir em suas experiências e em condições mais favoráveis. É de ontem, ainda, o entusiasmo da imprensa brasileira pelo projeto do aeróstato Santa Cruz do ilustre jornalista José do Patrocínio. O ilustre representante do Pará, Sr. Serzedelo Correia, distintíssimo engenheiro, faz parte de comissão encarregada de obter os meios para a construção do Santa Cruz, e eu não creio que S. Excia., de reconhecida probidade científica, tenha aceitado o cargo sem conhecer o projeto e acha-lo bom. Entretanto, o aeróstato Santa Cruz é radicalmente diferente do Dumont n° 6. O que me parece prático, já que Dumont obteve resultados animadores com o seu último dirigível, é que a nação de que êle é digno filho vá ao seu encontro e lhe facilite os meios para levar a efeito experiência mais completa – com um aeróstato de maior capacidade, para melhor armá-lo dos meios de vencer as correntes aéreas.

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Assim pensando, eu terei ocasião ainda hoje de apresentar um projeto concedendo-lhe o auxílio de 100:000$000, quantia que julgo necessária para ser levada a efeito uma experiência em ponto maior. Não batamos já as palmas da vitória; votemos o auxílio e encoragêmo-lo. Que um telegrama do Presidente da Câmara lhe diga isto mesmo, que é justo e patriótico. Os meus dignos colegas, fazendo-me justiça, hão de ver que não lhes quero esfriar o entusiasmo; quando muito, a minha pretensão seria de guia-los. Que o nosso patrício confesse, em nome da ciência, que pode passear o pavilhão auri-verde por sôbre os países da terra, e eu não quero que ninguém me exceda no aplauso. Quem, Sr. Presidente, poderá ficar indiferente diante da conquista dos ares, diante do invento que dará ao homem o poder de arrancar ao céu os seus segredos?

Oh! O balão dirigível! Como é grande, Srs. Deputados! Poder-se andar nesse mar, que não tem as tradições dos baixios e dos canais! Poder-se marchar por sôbre as tormentas e as tempestades, livre delas! Fotografar a terra e ter a sua fisionomia perfeita, corrigindo os mapas! Dar soluções justa às contendas de fronteiras internacionais! Poder dizer o que são as tristíssimas paragens polares, desvendando-lhe o frio segrêdo! (Muito bem; aplausos). E mais do que tudo isto – poder garantir a paz, porque o balão dirigível é arma tão grande, tão poderosa, que pode carregar consigo o incêndio às matas, aos campos cultivados, às pastagens e às cidades, e contra o incêndio só a capitulação. (Muito bem). Há de garantir a paz, sim, porque pode chegar sôbre o inimigo, guardado por uma nuvem que lhe servirá de manto, sem ser pressentido, e derramar com o incêndio a miséria sôbre um país inteiro. E diante de tal espectativa, a sabedoria humana, a garantia da vida, o instinto da conservação do indivíduo e das nações só têm um remédio, uma saída: o acôrdo fraternal. (Aplausos; muito bem). Então, o Brasil, ampliando a fórmula de Monroe: “A AMÉRICA PARA OS AMERICANOS” dirá “A TERRA PARA A HUMANIDADE”! (Aplausos. Muito bem). Ora, Sr. Presidente, quem não se entusiasma, quem não se entusiasmará sonhando essas grandezas tôdas!

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Quem terá travor em suas palavras, pensando que o resultado amanhã anunciado será o início de tantos e tão grandes benefícios para a humanidade; será a reforma racional do regime tributário, porque o impôsto aduaneiro passará a ser mentira, será o tributo direto de acôrdo com a profissão, com a renda, com a produção, pagando a miséria e a pobreza na razão da miséria e da pobreza! (Muito bem). Será a considerável redução nos orçamentos militares, que na Europa já vão sendo a causa da miséria das nações! Será a paz – as nações garantidas pelo receio igual de tôdas. Não valem alfândegas nem fortalezas. (Muito bem). Sr. Presidente, pensando assim, como pode o meu ilustre e injusto colega ver travo de injustiça em minhas palavras?

Na minha alma, pelo honra o juro, nem a mais poderosa lente poderá descobrir o mais leve vestígio de travor. O meu honrado colega certamente está arrependido da injustiça que me fêz. A experiência de Dumont no dia 13 anima e justifica a intervenção do Estado – auxiliando-o. Que êle construa um balão maior e que o experiente apresentando-nos, e ao mundo, o valor do encantado X. As moções não resolvem os problemas. Há 17 anos foi dada como resolvida a navegação aérea e a questão se conserva, entretanto, no mesmo pé de então. Não há muito o imperador da Alemanha, que é poeta, pintor, guerreiro e sábio declarou, em carta de seu punho, ao major Conde de Zeppelin resolvido o problema, condecorando-o com a ordem da Águia Vermelha de 1ª classe. O rei da Itália fêz igual declaração, a respeito de um balão italiano, do sistema do de Zeppelin; e, apesar dos decretos dos dois poderosos monarcas, o problema não está resolvido. As aves guardam ainda, como seu reino exclusivo, o vasto oceano atmosférico; mas eu confio que não longe de hoje, por Dumont ou qualquer outro brasileiro, poderemos ver passar por cima de todos os povos e ao lado do estandarte da paz, o “auri-verde pendão de minha terra”. Por cima de todos os países, será Brasil. (Muito bem). Sr. Presidente, já vou cansando a paciência de meus ilustres colegas (não apoiados), por isto não entrarei na questão científica, que não interessa agora; é muito árida – uma mistura de Física e de Mecânica, uma parte da qual não está nos livros; precisa-se adivinhar. É tão difícil arrancar da natureza a confissão do menor de seus segrêdos, êles são tantos e tão grandes ainda!

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Vou terminar, Sr. Presidente, pedindo aos ilustres representantes da Nação, aos representantes desta Pátria, que é também a de Bartolomeu Lourenço de Gusmão e de Alberto Santos Dumont, que aceitem a minha proposta substitutiva e o meu projeto concedendo a Dumont o auxílio de cem contos de réis. Êle há de sentir a sinceridade destas manifestações, que lhe hão de valer por um grito de encorajamento. Que trabalhe e que vença, dando o balão dirigível, a que chamarei, valendo-me do belo verso de Rostand: “... lê pacifique emnemi de la guerre”. (Muito bem). O meu projeto e o seguinte:

PROJETO

O Congresso Nacional decreta: Art. I – Fica o Govêrno autorizado a abrir o crédito de 100:000$000 ao Ministério da Viação com o fim de ser esta quantia entregue ao Sr. Alberto Santos Dumont, como prêmio, pelo resultado de sua experiência de um balão dirigível, feita em Paris a 13 do corrente. Sala das sessões, 17 de julho de 1901.

Augusto Severo

Carlos Cavalcanti Tenho concluído. (Muito bem; muito bem. O orador é abraçado pelos deputados presentes). ......................................................................................................................... Hoje, muitos historiadores, quando relatam a vida de Santos Dumont, esquecem o nome de Augusto Severo...

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Junto ao pedestal da estátua completamente coberta de fores, o Dr. Paulo Pinheiro de Viveiros, presidente da Academia Norte Riograndense de Letras, pronuncia vibrante discurso à glória de AUGUSTO SEVERO.

Sessão solene da Universidade Popular no Salão do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte, durante a “Semana de Augusto Severo”, promovida pelo Aero Clube de Natal, em maio de 1952. Preside a mesma o Sr. Sérgio Severo, vendo-se à sua direita o Sr. Cel. Av. Honório Koeler, cônsul do Chile; à sua esquerda o Sr. Cel. Armando Gonçalves, Comandante da Guarnição Federal em Natal e o Del. Adalberto Amorim, Presidente do Tribunal de Justiça. Na tribuna o grande orador e historiador Luiz da Câmara Cascudo pronuncia notável conferência sobre a vida de Augusto Severo.

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Erma AUGUSTO SEVERO solenemente inaugurada pelo Aero Clube de Natal, frente à sede. Na coluna do monumento, doação da Prefeitura de Macaíba, foram afixadas duas placas. Em uma lê-se: “A Augusto Severo homenagem do Aero Clube do Rio Grande do Norte, 1902-1952”. Na outra, de bronze, foi transcrito o pensamento de Sarmento Beltres, homenagem da colônia portugêsa de Natal, à memória do aeronauta. O clichê focaliza o momento em que eram descerradas as bandeiras brasileira e francesa que encobriam o monumento, pelo Dr. Américo de Oliveira Costa, Secretário Geral do Estado, representando o Governador, e pelo Cônsul Carlos Lamas.

Entre as homenagens comemorativas do cinqüentenário da morte de AUGUSTO SEVERO merece destaque a inauguração, pelo Aero Clube do Rio Grande do Norte, do busto esculpido por Leonard Lima. Na fotografia, da direita para a esquerda: Sérgio Severo; historiador Luiz da Câmara Cascudo, escultor Leonard Lima e cônsul do Chile Carlos Lama.

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1952 – No Rio de Janeiro também foi comemorado brilhantemente o cinqüentenário da morte de AUGUSTO SEVERO, pelo Ministério da Aeronáutica. O clichê focaliza o momento em que discursava o Deputado pelo Rio Grande do Norte, Dioclécio Duarte, oculto pelo túmulo. Nota-se a presença de Sua Excia. Brigadeiro Nero Moura, então Ministro da Aeronáutica, acompanhado de membros de seu gabinete. À direita de Sua Excia., o Dr. Mário de Albuquerque Maranhão, filho do grande morto, convidado especial do Ministério, no impedimento de Sérgio Severo, retido em Natal pelas homenagens ali programadas. Fizeram-se presentes à homenagem a colônia potiguar radicada no Rio de Janeiro e amigos do ilustre morto. No ângulo direito desta fotografia – Augusto Fernandes, então Sargento da Força Aérea Brasileira.

Quando, em 1927, a equipagem do “Argos” passou em Natal, visitando o filho de Augusto Severo, ofereceu-lhe um cartão, onde o pilôto Sarmento Beires deixou registrado êste pensamento expressivo:

“Se não tivesse havido tôda essa coorte de sacrificados entre os quais Severo fulge com cintilação imorredoura, as asas humanas não poderiam hoje singrar no espaço com a segurança que nos permitiu atravessar o Atlântico numa noite inteira de Vôo”.

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V I I I

No Rio de Janeiro grande o prestígio de Severo, conquistado mais pela sua personalidade atraente, pelo dom inato de fazer amigos, do que por sua condição de deputado federal. Por isso mesmo, seu nome era lembrado com simpatia, tanto no seio do operariado, como nas altas rodas sociais. Entre os nomes impressionantes da época, que se deixaram vencer pelo fascínio de Severo, avulta o de José Joaquim da Costa MEDEIROS E ALGUQUERQUE (1867-1934), poeta, novelista e crítico de Letras, batalhador incansável da causa republicana. Qual o laço que uniu essas duas figuras admiráveis da História pátria?

É Viriato Correia quem responde, em um artigo publicado após a morte do autor de “Mãe tapuia”: “Com todo o estardalhaço do seu ateísmo, Medeiros foi o homem mais generoso que passou pelos seus olhos. E o de maior senso de justiça. E o mais leal e o mais delicado dos amigos. Se algum culto êle teve, foi o culto da amizade”. Severo também guardava no coração, o mesmo culto que viriato Correia encontrou em Medeiros e Albuquerque. Essa, a afinidade que ligou os dois brasileiros ilustres. Foram bons amigos. Compreendiam-se. Seguiam a mesma filosofia da vida, especialmente naquele: “nada existe que seja tão natural como o divórcio. Tão natural, tão justo, tão necessário, tão moral. A imoralidade é a prisão perpétua, a dois, quando todos os laços de afeição já desapareceram” (Medeiros e Albuquerque – “páginas de Crítica”). Comenta Múcio Leão sôbre o misticismo de Medeiros: “Certo, êle não acreditava em nada, Deus, a alma, o demônio, o céu e o inferno, eram meras palavras vastas para êsse materialista irredutível. E sem dúvida há longos anos êle banira da sua memória a poesia e a doçura das rezas cristãs. E, entretanto, Medeiros e Albuquerque também tinha o seu lado místico! Êle guardava, escritos numa fôlha de papel almaço que eu tive entre as mãos, uns trinta nomes de pessoas mortas. Alguns eram nomes conhecidos – nome de gente que andara nas letras ou na política. O primeiro era o de Tito Lívio de Castro. Seguiam Sílvio Romero, José Veríssimo, Raul Pompéia, Tomás Lopes, Lúcio de Mendonça, outros muitos. Aqui e ali nomes obscuros: Antônio Lourença... Em uma linha sôlta, duas iniciais apenas: F.C.”. Sem dúvida, Medeiros e Albuquerque também escreveu o nome de Augusto Severo nessa fôlha de papel.

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Entre o material que me foi cedido por Sérgio Sever, para a realização dêste livro, encontrei uma carta de Medeiros e Albuquerque que nos fala da sua grande admiração pela obra de Severo, em Paris. É um documento valioso, não sòmente porque nêle encontramos seu estilo gracioso e ameno, como também, por se tratar de uma página inteiramente inédita, daquele que foi membro da Academia brasileira de Letras: “Severo

Vivo a ler telegramas de Paris, à espera de notícias tuas. Por ora, nada... Sei que é cedo; mas também sei que, se não houver aí boa vontade contigo, só terás publicidade do que fizeres, quando venceres de todo. Convém, entretanto, que nós saibamos aqui do que vais fazendo. Como?

Fui ao Rochinha, que veio agora de Paris e está aí, bem relacionado e pedi que te desse uma carta de apresentação para o Diretor da Agência Havas. Disse-me êle que provàvelmente, quando o fôsses procurar, não o encontrarias. Se tal suceder, procura o secretário, que êle me diz ser um homem “tour-à-fait charmant” e com o qual te entenderás. Para que? Pra lhe pedir que a Agência Havas siga com atenção as tuas experiências e lhes dê publicidade não só na Europa, como em telegramas para aqui. Põe bem em relêvo que interrompeste os trabalhos do Congresso, onde eras membro da comissão de tarifas, só para ir à Europa.

Não deixes de ir. Ainda hoje, os jornais daqui publicam telegramas, dizendo que o major Renard tenciona atravessar o Mediterrâneo em balão. Dos franceses nos vêm até as intenções e as tentativas de intenção.

Até breve, sê feliz. Volta vitorioso é o que te deseja

O amigo

Medeiros e Albuquerque

Em 5.10.1901 Nota – Escrevi aquêle “tout-à-fait charmant” para que o

mostres. Nota n° 2 – Quando voltares, a pé, de carro, em navio ou

em balão, já eu terei sido deputado eleito e deputado depurado. Não será, entretanto, por falta de votos, pois que nem tenho competidor. Mas o truculento Seabra jura que o

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govêrno não me quer lá dentro. A comissão dará um voto em separado e eu virei para a rua esperar o teu balão...

– Do Medeiros. Em 5.10.1901”

......................................................................................................................... Se êle voltasse de Paris – como queria Medeiros – a pé, de carro, em navio ou em balão, iria para a rua espera-lo. E depois, certamente, haviam de trabalhar juntos, na Câmara Federal. Medeiros escreveu-lhe: “Até breve. Volta vitorioso”. Augusto Severo voltou. Voltou morto, cheio de glórias, coberto com a bandeira da França. O amigo leal não o esqueceria. Apresentou à Câmara um projeto autorizando o govêrno a continuar as experiências de Augusto Severo, e tomando outras providências. Justificando o projeto, proferiu memorável discurso. Mas em 1934 desaparecia do mundo dos vivos. Seguia o caminho que Augusto Severo tomara em 1902, o caminho que todos nós seguiremos um dia... Medeiros e Albuquerque, se vivo fôsse, havia de perdoar esta filosofia, porque escreveu em “Homens e Coisas das Academia”: Mesmo entregue aos mais rudes trabalhos, o homem sempre filosofa um pouco, porque sempre procura conhecer a causa dos fenômenos com que lida”. Aliás, ninguém filosofou melhor, quando, na manhã em que morreu, prostrado por um colapso, aludindo às discussões ocorridas na Constituinte, em tôrno da simplificação ortográfica, confessou:

– Sou um homem liquidado. Essa história de ortografia matou-me...

I X

Vivendo no Rio, como Deputado Federal, Augusto Severo não deixou jamais de ser aquêle homem simples, risonho, que conquistava a simpatia de todos. Há belas passagens em sua vida. Na Câmara, nas ruas e no lar. Quando da revolta do General Bitencourt, foi prêso político, em Botafogo, na rua Bambina. Às vêzes tinha necessidade de sair e encontrava, na porta, o policial dormindo. Então, batia amistosamente no seu ombro:

– Acorda, moço! Olha que eu vou sair... Tomavam o bonde juntos. À aproximação do cobrador, Severo dizia:

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– Pague a minha passagem e a dêste senhor... * * *

Certa vez, em plenário, teve necessidade de apartear o famoso J. J. Seabra. Houve discussão. Não chegaram a um acôrdo. Seabra convidou Severo para um duelo. Intervieram os amigos: – Veja lá! Severo é considerado um dos maiores atiradores, no Brasil. E tem direito à escolha das armas... O velho e impetuoso baiano ainda não conhecia bem o antagonista. Os amigos insistiram. Severo foi procurado:

– Bem. Precisamos dar um jeito nisso, respondeu. Finalmente, não houve duelo. Tornaram-se, desde então, bons amigos.

* * *

Era Ministro da Viação o Dr. Alfredo Maia, quando Augusto Severo conseguiu uma promoção para o desenhista Artur ribeiro, da Estrada de ferro Central do Brasil, hoje aposentado. Um dos intermediários no caso, encontrando Severo, disse:

– Você me deve agradecer. O rapaz foi promovido... – Não – retrucou Severo. Vocês é que me devem agradecimentos

por terem lá um funcionário assim tão competente. * * *

Certa vez, indo à casa da sua irmã, na Gávea encontrou doente a sobrinha Alice, que ainda vive. Em dado momento exclamou, da cozinha:

– Vocês não sabem fazer mingau! Vou mostrar como se faz isso. Minutos depois, ouvia-se o grito de Severo, paternal e bom como só

êle: – Alice, pronto! Está aqui o mingau...

Era assim o herói do PAX: – pau p’ra tôda a obra, como se diz comumente. Tão popular, tão cativante era sua personalidade, que seus contemporâneos ainda hoje recordam com emoção:

– Um lar não ficava triste, com a presença de Augusto Severo: êle cantava, tocava, dançava, declamava.

Coração sensível, espírito superior, procurava sempre, praticar o bem, sem exigir, por isso, o reino dos céus. E foi ao ar, no céu, que encontrou o seu destino...

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X

Após a morte da espôsa, Augusto Severo, em meio à sua vida agitada, sentiu falta de uma companheira com quem compartilhasse suas idéias e preocupações. Surgiu, então, em seu caminho, Natália. Era uma bel mulher, de origem italiana, acompanhou a Paris e junto dêle permaneceu até seus últimos instantes. E de suas mãos trêmulas, partiu o telegrama que avisava Pedro Velho da morte trágica do herói. Êsse amor, ainda que digno da admiração de todos, não pôde ser legalizado. Natália era casada na Itália, tinha uma filha chamada Maria. Estava esperando o divórcio. Mas a paciência que tivera até então, não a soube ter o afeto, que os uniu. Preferiram esperar a voz da lei, lado a lado. Tiveram dois filhos: Otávio Severo que morreu cedo e Augusto Natal, falecido a 7/10/1945, em Turim, Itália, conforme nota publicada na edição de 2 de maio de 1946, no “A Ordem”, editado em Natal.

“Faleceu na Itália um filho de Augusto Severo. Conforme carta endereçada ao Sr. Sérgio Severo conceituado comerciante desta praça, pelo revmo. Padre Carlos Leôncio, salesiano, faleceu, faleceu a 7 de outubro do ano p. findo na Itália, o sr. Augusto Natal Severo, filho do aeronauta conterrâneo Augusto Severo. Êsse nosso ilustre patrício que nasceu no Rio de Janeiro, onde fêz seus estudos primários no colégio salesiano de Santa Rosa, seguiu moço ainda para aquêle país, tendo ali casado com d. Cesira D’Abate Severo, que lhe sobrevive. Deixa uma filha senhorinha Giovanna Severo, formada em arquitetura e presentemente fazendo o curso de Belas Artes, em Turim. O pranteado Augusto Natal Severo foi vítima de um desastre de trem, quando a serviço do Banco Comercial Italiano, do qual era funcionário de categoria, viajava de Milão para Turim. Muito estimado nos meios onde vivia, o pranteado morto tomara parte ativa no movimento de resistência italiana, quando da ocupação nazista. Era irmão dos srs. Sérgio e Mário Severo, e de madre Berta Severo Maranhão, aos quais apresentamos nossos pêsames, extensivos a todos os membros da ilustre família”.

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Quando Augusto Severo deixou o Congresso para ir a Paris, era seu pensamento, após as experiências, tratar pessoalmente do divórcio de sua companheira. Mas a vida não quis que assim fosse. Morto o homem a quem dedicara tanto afeto, voltou Natália para o Brasil com Maria, os dois filhos e Palmira sua irmã. Tão triste lhe pareceu o futuro, sem o apoio do querido morto, que não teve coragem para enfrenta-lo. E suicidou-se. Palmira, Maria e Augusta Natal regressaram definitivamente para a Itália. A vida sempre foi, em tôdas as épocas, um livro aberto onde cada um escreve a sua parte e desaparece. Ninguém consegue fugir à ordem natural das coisas. Estamos, hoje, na metade do século XX. No Rio de Janeiro existem, como uma evocação ao passado, no centro da cidade, a praça Paris, a um dos lados, a Avenida Augusto Severo; lá distante, o Pax Hotel e, ao meio, o Edifício Natália... Paris – cenário da tragédia. Augusto Severo – o Homem. Pax – a sua obra. Natália – a fiel companheira. Estão juntos, unidos, como que desafiando a melancólica expressão: – tudo passa...

X I

Domingos Barros nasceu em Garanhuns, estado de Pernambuco. Era filho do alagoano Domingos de Souza Barros e de D. Francisca Rosa dos Santos barros, cearense. Cursou até o 4° ano de Medicina. Não concluiu os estudos porque o pai morreu, deixando família numerosa e pobre. Conseguiu, porém, diplomar-se em Farmácia. Aprofundou seus conhecimentos de Química, chegando mesmo a estabelecer uma fábrica de produtos químicos, em Niterói. Conhecia latim e falava francês, italiano, espanhol e ingês. Possuía, também, noções de alemão, em virtude de haver permanecido algum tempo naquele país. Sua experiência filosófica e científica acompanhava a escala enciclopédica estabelecida por Augusto Comte. Também a história guerreira da humanidade mereceu-lhe a atenção. Deixou trabalhos sôbre a 1ª guerra mundial, destacando-se “Batalha da Jutlândia”, baseado em relatórios do Almirante Inglês. Era casado com D. Maria Leonor Maranhão de barros, sobrinha de Augusto Severo e, em

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segundas núpcias, com D. Benedita Lins de Souza barros. Alistou-se no Batalhão Acadêmico. Aí o foi requisitar Severo que, tendo colocado seu invento à disposição do Govêrno Federal, necessitava de um químico para o fabrico de gás hidrogênio e outros misteres relacionados com o prepara do “Bartolomeu de Gusmão”, no Realengo. Tornaram-se amigos íntimos. Domingos barros escreveu um manuscrito sôbre aeronáutica brasileira, focalizando os vultos de Bartolomeu Lourenço de Gusmão, Santos Dumont, Augusto Severo. Ao finalizar o trabalho, dedicou-o à espôsa, nestas palavras singelas: “Deponho em tuas santas mãos êste fruto de minhas meditações sôbre o problema aeronáutico, durante quarenta e cinco anos”. Eis, em rápidos traços, o homem que trabalhou com o pioneiro. Foi lutador incansável pela causa da aero-navegabilidade. A morte o veio surpreender, a 14 de fevereiro de 1938, sem que pudesse ver publicado o seu livro. Contava 73 anos de idade. Alfredo de Souza barros, irmão de domingos, levou o original à Biblioteca Militar e hoje, graças ao patriotismo de homens como o general Valentim Benício, a bibliografia aeronáutica brasileira conta com mais um importante volume. Domingos barros acreditou, com alma e coração, no invento de Severo. A prova está na carta que dirigiu a um amigo:

“Auxiliar, colaborador e confidente de Augusto Severo, não só penetrei a essência de sua grande concepção aeronáutica, que hoje, mais que nunca, considero a mais avançada de tôdas e para qual tende a orientação atual, como pude compenetrar-me da importância sem para da cooperação de nossa Pátria na maior realização prática dos tempos modernos. Captado, assim, pela Aeronáutica, e instruído como ninguém ainda o fôra, por um mestre de maravilhosa clarividência como Augusto Severo, senti, como brasileiro, as responsabilidades que pesavam sôbre mim e que, em meu fôro íntimo, erigi como um dever patriótico indeclinável. Hoje, depois dessas esplêndidas realizações da evolução posta em marcha pela eficiência instintiva e pela audácia heróica de Santos Dumont, encontrando a justificativa plena da visão científica de nosso modesto e portentoso patrício, sinto-me habilitado a dar aos brasileiros, para a sua perfeita instrução e para a defesa exaustiva das criações com que instituímos a navegação aérea, uma obra de valor real, tanto pela documentação positiva rigorosamente selecionada, como sobretudo, pela argumentação lógica e científica que, penetrando o âmago das questões, esclareça e

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dissipe tôdas as dúvidas. É, como se vê, um trabalho sério, para o qual reclamo hoje, por causa do meu estado de saúde, a calma e a serenidade que me faltavam e que solicito me sejam proporcionadas pelos que me quiserem dar a mão, e a quem venho pondo ao fato de minha melindrosa situação. Sei que essas investigações, sôbre que tem de pousar a glória máxima de nossa história, têm sido criminosamente descuidadas, parecendo aos espíritos superficiais e desatentos que basta cita datas e transcrever elogios e referências panegíricas, muitas vêzes mais comprometedoras que aproveitáveis, para firmar-se a história da nossa Aeronáutica. É assim que êsse assunto magno, capital, tem sido tratado pelos raros que dêles se têm acercado, buscando sòmente manifestações elogiosas, sem proceder a um selecionado rigoroso de provas e documentos, para o qual é indispensável um fundo científico e um critério analítico positivo, que absolutamente lhes falta. Foi exatamente por conhecer as dificuldades de composição de uma obra argumentada, histórica e cientìficamente impulsionada pelas fatalidades que presidiram à minha formação, que resolvi consagrar à sua elaboração todos os vagares de minha laboriosa e agitada existência. Venho de longe, como sabe. Já completei 73 anos de idade, dos quais 45 de reflexões, meditações e estudos sôbre as criações aeronáuticas brasileiras. Sou, assim, um remanescente raro da época heróica que procedeu e preparou a solução do problema aéreo. E anão fui sòmente uma simples testemunha emírica, porque, requisitado do Batalhão Acadêmico onde, às ordens de Floriano Peixoto servia à defesa da República, passei a exercer as minhas funções de químico e perito físico, a fim de cooperar como auxiliar científico, que subiu aos ares, o semi-rígido de Augusto Severo, por ele denominado Bartolomeu de Gusmão, e isso em 1894, alguns anos antes que Zeppelin apresentasse seu projeto”.

O leal companheiro que foi Domingos Barros, como frisou Alfredo Barros, trouxera da íntima convivência com Augusto Severo – aquêle admirável professor de coragem e otimismo –, recordações indeléveis, conhecimento novos, que a seus olhos, valiam tudo, porque dêsse belo aprendizado dependia o grandioso futuro da Pátria.

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X I I

Augusto Severo, profundo conhecedor de tudo quanto se relacionava com a aeronáutica, não ignorou, por certo, as realizações do paraense da cidade de Acará Júlio César Ribeiro de Souza, também estudioso dos problemas aéreos. E que fêz êsse “ilustre desconhecido?”. Em 1880 apresentava ao mundo científico um balão dirigível, para o qual tirou patente. Na época, a França já procurava, com afinco, realizar essa descoberta. Grande foi, por isso, a sensação causada pela conquista do brasileiro. Os jornais de quase todo o mundo noticiaram o feito estampado fotografias, desenhos, fazendo descrições completas sôbre o invento, tecendo calorosos elogios. O tempo correu e, certo dia, Júlio César Ribeiro de Souza surpreendeu-se ao encontrar nas páginas de um jornal parisiense a fotografia do seu dirigível, constando como inventores os capitães de Exército Francês Renard e Krebs. Imediatamente protestou junto às autoridades francesas. Houve troca de notas diplomáticas, sem resultado prático. Resolveu, então, ir a Paris defender seus direitos. Tão importantes eram os documentos apresentados, que os Tribunais franceses reconheceram ter o inventor patrício antecedido a Renard e Krebs. Em Paris, Júlio César Ribeiro de Souza realizou duas experiências com o “Vitória”, nos dias 8 e 12 de novembro de 1881. De regresso ao Brasil, levou a efeito nova tentativa na presença de D. Pedro II, tendo por local a Escola Militar da Praça Vermelha. Foi um sucesso! O povo o aclamou delirantemente e D. Pedro fêz conceder-lhe auxílio pecuniário para a construção de nôvo balão. O aeronauta, animado, voltou a Paris e mandou confeccionar o “Santa Maria de Belém” em sêda impermeável. O Largo da Sé, em Belém do Pará, serviu de cenário à sua prova, em 12 de julho de 1884. Não foi feliz. Ocorreu um acidente. O insucesso não conseguiu abater-lhe o espírito criador: homem pobre, faltaram-lhe meios para consertar o aparelho. Imaginou substituí-lo, por um aeroplano sem motor. Infelizmente, não conto com documentos ou fotografias que permitam falar mais detalhadamente sôbre êsse brasileiro idealista que a morte foi buscar a 14 de outubro de 1887, em Belém do Pará. Sua viúva e filhos ficaram na miséria. O próprio sepultamento do inventor teve de ser realizado à custa dos cofres da antiga província. Júlio César Ribeiro de Souza merecia homenagem maior do que ter evocada, em poucas linhas, sua vida tôda dedicada ao aperfeiçoamento da Navegação Aérea. O seu nome, que já foi apagado na placa de uma rua carioca (a aatual rua do Carmo chamava-se anteriormente Júlio César), não vive também na lembrança da maior parte dos brasileiros. A própria Comissão Técnica do Aero-Clube do Brasil, no relatório apresentado na

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sessão de 28 de junho de 1928, esqueceu de citar suas realizações. E note-se que a referida Comissão foi encarregada de preparar, pelo estudo historio e científico do assunto, uma vase sistemática, a mais sólida e incontestável possível, às criações e reivindicações aeronáuticas brasileiras, com o fim de satisfazer à requisição feita pelo Govêrno do México ao nosso Ministério das Relações Exteriores, sôbre a cooperação brasileira na história geral da Aeronáutica. Que resta aos estrangeiros, se nós próprios esquecemos nossos grandes vultos?

É lamentável, realmente, que cada um queira escrever e fazer História, à sua maneira, sem lealdade aos documentos, aos arquivos. A incoerência é falha grave que o historiador deve evitar. E, em História da Aeronáutica, a incoerência é freqüente. Muito oportuno é repetir aqui a palavra enérgica de Domingos Barros sôbre o assunto: “Sei que essas investigações, sôbre que tem de pousar a glória máxima de nossa história, têm sido superficiais e desatentos que basta ciatar datas e transcrever elogios e referências panegíricas, muitas vêzes mais comprometedoras que aproveitáveis, para firmar-se a história da nossa Aeronáutica!”. Todos nós sabemos que Bartolomeu de Gusmão, com a sua “Passarola”, é considerado “o criador consciente do 1° aeróstato”. Sua experiência foi realizada a 8 de agôsto de 1709. Setenta e quatro anos depois surgiram os irmãos Montgolfier. Foi o bastante para que alguns historiadores esquecessem o “Padre Voador”. Entretanto, a própria França reconhece, hoje, a prioridade do nosso patrício. Vem, em seguida, o caso de Santos Dumont e dos irmãos Wilbur e Orville Wright, norte-americanos. Tio Sam até hoje “ignora” que não foram os seus sobrinhos que inventaram “o mais-pesado-que-o-ar” (7). Mas não deve impressionar aos brasileiros a teimosia do govêrno e do povo norte-americano em negar a Santos Dumont o valor que merece. Ninguém pode afirmar, sem cometer leviandade, que os Irmãos Wright fizeram experiências públicas antes de Santos Dumont. (7) Faz parte do grupo “Smithsonian Institution” um hangar de aço dedicado à história da aviação, isto é, à epopéia da “coisa que vôa”, começando com papagaios chineses, boomerang, passando pelo balão de Montgolfier e pelo primeiro dirigível, até o mais recente dos tipos de avião. Os pioneiros da aeronáutica estão quase todos aqui glorificados. Noto, decepcionado, que a Instituição ignora Bartolomeu de Gusmão e não há nada aqui referente a Santos Dumont, respondeu-me: – Santos Dumont? Nunca ouvi falar nesse cavalheiro. Sorry. (Do livro de Érico Veríssimo, “Gato prêto em campo de neve”, 6ª edição, página 85).

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Não constitui novidade êsse acontecimento e a França, por intermédio de seu Aero-Clube, já demonstrou oficialmente que Santos Dumont foi “o criador do aeroplano e animador de todos os aparelhos do ar”. Nem é por outra razão que os franceses chamam-no “o Pai da Aviação”. Reconheçamos, porém, um fato, e só assim nos mostraremos dignos da imparcialidade com que têm julgado nossas causas, as autoridades da França. Reconheçamos e confessemos que Santos Dumont não “descobriu” a dirigibilidade dos balões, como muitos pensam. Segundo Domingos Barros, “esta é uma glória francesa e o coroamento natural de ingentes esforços de uma plêiade de notáveis experimentadores, desde Giffard, em 1852, até Renard e Krebs em 1884, passando por Dupuy de Lôme em 1870, e Tissandier em 1883. Êsses numerosos esforços, coordenados sistemàticamente pelos ilustres experimentadores de Chalais Meudon, conseguiram que o “La France”, ainda que sem atingir Paris, voltasse cinco vêzes ao ponto de partida. Santos Dumont, 17 anos depois, não veio simplesmente repetir essas demonstrações, mas empreendeu e conseguiu definitivamente resolver o problema da navegação aérea, tão sòmente com o motor de combustão interna”.

X I I I

“A estabilidade é a questão capital em aeronáutica. Nos balões esféricos conhecemos o processo de subida e da descida por meio do abandono de gás ou de lastro, mas para um dirigível êsse processo seria pouco prático, porque, sendo êle construído para realizar longos trajetos, não em atitude mas em distância, um contínuo jôgo de válvulas para repelir o gás, ou de lastro, para aliviar a aeronave, poria o dirigível em pouco tempo fora de ação, porque alienaria a sua fôrça ascencional”

Ninguém no mundo pode declarar, honestamente, que a dirigibilidade é invenção do Homem. Santos Dumont não “INVENTOU” a dirigibilidade dos balões. A conquista final foi o resultado de uma luta tremenda entre a inteligência humana e a Natureza. Os pássaros voavam e se dirigiam... O homem queria voar e dirigir-se. Dumont foi o vencedor. Antes dêle, outros experimentadores tentaram a solução do problema. Não alcançaram a vitória, é certo, mas concorreram, de maneira brilhante, e com sacrifício, para o progresso da navegação aérea.

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Santos Dumont foi o primeiro homem que conseguiu com pleno êxito a realização prática da dirigibilidade, em Paris, no dia 19 de outubro de 1901. Merece figurar em primeiro plano na História da Conquista do Ar, No “mais-leve” demonstrou a realização prática da dirigibilidade; foi o primeiro a utilizar o motor a explosão e a empregar o lastro líquido. No “mais-pesado”, isto é, no avião, a glória ainda lhe pertence, com o notável feito do 14 bis, no dia 23 de outubro de 1906. Mesmo tendo demonstrado a realização prática da dirigibilidade, Dumont não resolveu, com seus balões, o problema da navegação aérea. Isto porque, os balões de Dumont, como os de seus antecessores, sob o ponto de vista CIENTÍFICO, não possuíam as características necessárias de ESTABILIDADE e, perfeita NAVEGABILIDADE. Esta conquista pertence,m exclusivamente, a Augusto Severo. Os balões dirigíveis de Dumont e de seus antecessores eram impraticáveis para a navegação aérea. Que, em ar calmo, poderiam subir e se locomover, não há dúvidas! Mas afirmar que, dêsse modo, estava resolvido o problema, não é verdade. E por que? Porque cientificamente, não poderiam, com sucesso, enfrentar a FÔRÇA de “RESISTÊNCIA DO AVANÇO” e conseguir a perfeita ESTABILIDADE. O balão dirigível, fazendo parte da aerostação, segue o conhecido princípio de Arquimedes. Para marchar de encontro ao vento necessita de um aparelho de propulsão e para dirigir-se, necessita de um aparelho de direção. O aparelho de propulsão é o grupo moto-propulsor (motor e hélice). O de direção é o leme, ou govêrno. Os balões de Dumont e de outros experimentadores eram, em síntese, divididos em duas partes: 1°) o envólucro ou bôlsa, depósito de gás hidrogênio; 2ª) a barquinha, separada do envólucro, ligada por meio de treliças, amarras, onde ficavam os motores, tripulantes e lastro. Foram construídos, equipados, tinham uma forma, uma estrutura; motores, lemes, lastro. Como subiam?

Ainda hoje, os balões de São João sobem... embora não sejam dirigíveis. O princípio de Arquimedes diz: “Todo corpo, mergulhado em um fluído, experimenta da parte dêste fluído um impulso de baixo para cima, equivalente ao pêso do fluido que êsse corpo desloca”. Aplica-se tanto ao meio líquido como ao meio aéreo. Ora, os balões, nesse tempo, eram cheios de gás hidrogênio. Enquanto no solo, funcionando ou não o motor de propulsão, estavam presos ou amarrados. Do contrário, subiriam... se a FÔRÇA

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ASCENSIONAL do gás hidrogênio fôsse maior do que o pêso bruto do balão. Note-se a observação do Coronel Renard: “...para o navio aéreo, que constitui uma parte da atmosfera, isto é, que é inerente à sua movimentação, o vento não existe. Quando um navio aéreo, um dirigível, por exemplo, está sôbre o solo, prêso, amarrado de qualquer modo, o vento exerce sôbre êle uma ação de pressão mais ou menos forte; quando, porém, êste mesmo dirigível está sôlto ao vento, já não experimenta a mesma pressão, porque êle segue com o vento, no seu seio e adquire a sua velocidade própria”. Por meio de jôgo de lastro e de gás, a FÔRÇA ASCENSIONAL poderá ser controlada. Uma vez lá em cima, em determinada altura, o balão em equilíbrio, o seu comandante quer dirigi-lo... Que vai acontecer?

Seja a favor ou contra o vento,o moto-propulsor funcionando, o valão vai enfrentar uma dificuldade. Já aí não e sòmente a fôrça ascensional que interessa; não é o balão levado apenas ao sabor do vento; É UM CORPO (repita-se em duas partes distintas: envólucro de gás separado da barquinha) QUE TEM DE MOVER-SE NUM VEIO RESISTENTE. Haverá perfeita ESTABILIDADE?

Nos balões assim construídos, não pode haver. O motor, funcionando, produz trabalho. A hélice dá a propulsão. O leme ou govêrno, a dirigibilidade. Acontece que os dirigíveis com essa construção (bôlsa de gás separada da barquinha) sofrerão UM MOVIMENTO que produzirá, forçosamente, grande prejuízo para a ESTABILIDADE, ipso facto, para a NAVEGABILIDADE. Os filetes do ar, de encontro às partes sólidas do balão, fazem surgir a RESISTÊNCIA AO AVANÇO. O balão, com o moto-propulsor funcionando, ao enfrentar o meio resistente, vai receber essa FÕRÇA (resistência ao avanço) em tôdas as suas partes que, no entanto, tem uma RESULTANTE ÚNICA. Já agora, para o perfeito equilíbrio, temos de considerar estas duas fôrças: a de propulsão e, conseqüentemente, a de resistência ao avanço, pois a fôrça ascensional será contrabalançada pela gravidade. Analisemos a opinião do ilustre engenheiro Pereira Reis. Diz êle: “Se a DIREÇÃO da impulsão continua (fôrça propulsora) que o corpo receber, NÃO COINCIDIR COM A DA FÕRÇA RESULTANTE DAS RESISTÊNCIAS DESENVOLVIDAS, produzir-se-á necessàriamente

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UMA ROTAÇÃO que prejudicará o movimento, assim como qualquer manobra que se pretenda executar”. E acrescenta: “TODOS OS BALÕES AOS QUAIS SE TEM APLICADO UMA FÔRÇA IMPULSORA APRESENTAM O INCONVENIENTE DE FICAR ESTA FÕRÇA MUITO AFASTADA DA RESULTANTE DAS RESISTÊNCIAS”. Dir-se-ia melhor: todos os balões, aos quais se tem aplicado uma fôrça muito afastada do EIXO, onde se encontra a resultante das resistências. Afirma o engenheiro que no próprio balão Renard e Krebs (referia-se ao famoso “La France”) êste inconveniente existe. Adianto: êsse inconveniente se apresenta em todos os balões, antes de Severo. Sem dúvida, Augusto Severo queria eliminar a dificuldade. E eliminou-a, apresentando UM MEIO DE TORNAR A DIREÇÃO DA FÕRÇA IMPULSORA JUSTAPOSTA À DIREÇÃO DA RESULTANTE DAS RESISTÊNCIAS. Constituiu o semi-rígido PAX. E observa-se: não apenas aproximou o envólucro de gás à barquinha. A fôrça impulsora era transmitida às hélices, que se achavam situadas no eixo geométrico do balão. Para compreendermos perfeitamente o sistema semi-rígido de Severo e bem notarmos a grandeza de seu invento, comparêmo-lo com os sistemas francês e alemão, onde pontifica o gênio do Conde Zeppelin. O próprio Severo sempore foi admirador entusiasta da brilhante evolução francesa. A façanha do “La France”, apesar dos graves defeitos apresentados, atingindo a velocidade de 23 quilômetros e meio, mereceu dêle especial referência no célebre discurso de 17 de julho de 1901. Mas o “La France” não conseguira resolver o x do problema. Nem Dumont o resolveria, com seus balões. É verdade que o Capitão Renard imaginou um balão tubular, com o fim de conseguir a aproximação dos eixos de propulsão e resistência. Era uma novidade e o caminho da solução, na opinião de Severo, que conseguiria isso com o PAX. Mais tarde, o Conde Zeppelin e o General Nobile demonstrariam que o nosso patrício estava com a razão. Conseguir a perfeita estabilidade e navegabilidade dos balões, eliminando o movimento de “tangage”, ocasionado pela falta de justaposição da barquinha ao envólucro, era o que se pretendia realizar. Que vem a ser êsse “movimento de tangage”? O conjunto, movimentando-se no meio aéreo, fazia oscilações de vai-e-vem,

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prejudicando a sua marcha e, especialmente, a sua estabilidade. Faltava o essencial ao todo: a justaposição dos eixos de propulsão e resistência. Augusto Severo introduziu modificações tão profundas em seus balões, que apresentou um tipo completamente diverso dos dirigíveis franceses. As violentas oscilações de “tangage” que, com a aceleração da marcha, ameaçavam comprometer a estabilidade do sistema, provinham de duas causas concorrentes: 1ª) a defeituosa colocação do eixo de propulsão (grupo moto-propulsor) muito abaixo do envólucro de gás e na base da barquinha: 2ª) o afastamento e independência dessas duas partes integrantes do navio aéreo (envólucro de gás e barquinha) que concentravam em uma delas o esfôrço propulsor para a frente e em outra a ação da resistência do meio, agindo em sentido contrário. Por tradição “e prudência!) a aeronáutica francesa colocava o reservatório de gás hidrogênio, inflamável, afastado da barquinha, que transportava como um apêndice, contendo os motores, o lastro e os tripulantes. Os dirigíveis franceses desde os primitivos como, por exemplo, o de Henri Giffard em 1852, até aos mais modernos, construídos para a aerostação militar, segundo o modêlo do engenheiro Juliat, tinha todos essa construção. Augusto Severo partiu de uma teoria diferente: o primeiro balão consolidado e unificado em um todo solidário é invento dele. Foi com o precioso auxílio do “Marechal de Ferro” que fêz subir aos ares, na célebre experiência de 14 de fevereiro de 1894 (há quem pense que foi em 1893), na Escola Militar do Realengo, Rio de Janeiro, o primeiro balão assim realizado. Era o “Bartolomeu de Gusmão”, homenagem ao “Padre Voador”, que teve a primazia do invento dos balões. Com a experiência do “Bartolomeu de Gusmão”, estava criado o aeróstato semi-rígido. É, de fato, uma realização quase ignorada, mas não podemos deixar no esquecimento a obra do primeiro mártir brasileiro da aeronáutica. Êsse feito notável de Augusto Severo está registrado em uma das mais conhecidas obras sôbre a História da Aeronáutica: “La Navegation Aérienne” , de Lecornu:

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“Dejà em 1894 Augusto Severo avait dês essais ou Brasil avec un um bailon de 60 mètres de longueur apellé Bartolomeu de Gusmão. Cet aèrostat comportait deux hélices, l’une avant et l’autre à l’arrère, Placées touts deux sur lê prolongement de l’axe du ballon Grace à une combinaison ingenieuse de poutre armée qui remantait jusque à la hauteur de cet axe...”.

Augusto Severo não admitia o sistema idealizado pelo engenheiro Juliat, que obrigava a impulsionar o balão como uma bola pelo centro de massa, por falta de apoio nas vizinhanças do eixo de figura, por onde fizesse a energia impulsora agir diretamente, segundo a resultante das resistências a vencer. O grande obstáculo oposto à marcha da aeronave não é a gravidade, sempre invariável e contrabalançada pela fôrça ascensional. Mas, sim, a resistência do ar crescendo com a superfície e a secção mestra do balão, assumindo valôres consideráveis com a aceleração da marcha. Um corpo que se desloca no meio aéreo encontrará maior ou menor resistência ao avanço, conforme fôr a superfície dêsse corpo. Eis a razão porque tanto se procura aperfeiçoar, nos aviões, a chamada “linda aerodinâmica”. Uma superfície fusiforme dará perfeito escoamento aos “filetes de ar”, diminuindo, portanto, consideràvelmente, a resistência a vencer. Não é outra a razão porque os balões têm a forma de um tubo fechado, como um charuto, deslocando-se no espaço. A tração deve fazer-se segundo a linha da resistência do ar. Por outras palavras, segundo o eixo geométrico longitudinal. É preciso, é necessário mesmo, que se aproximem até esta altura as partes sólidas do balão, aquelas cujo conjunto constitui a barquinha>

Unindo o envólucro de gás e a barquinha, a construção do dirigível sofreu profundas alterações. Tome-se o PAX como exemplo. Observe-se como Severo concebeu e realizou êsse semi-rígido. Tudo tão simples e perfeito. E dizer-se que um mero acidente – comum até hoje, – viria empanar a glória do grande brasileiro, causando dúvidas sôbre a perfeição da teoria. Entretanto, com a superioridade de sua concepção aeronáutica, encontrou a resposta definitiva para o problema. Criava êle o verdadeiro navio de alto ar. O aeróstato ficou dotado de uma longa viga armada, atravessada pelo interior, como possante espinha central, recebendo nas extremidades de

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vante e ré os propulsores e dando uma grande resistência ao sistema, no sentido dos maiores esforços. Severo ao aplicar transformações profundas no seu balão PAX, não teve reconhecimento pelos franceses o aperfeiçoamento lógico do dirigível, pois diziam que, nos pontos principais, assemelhava-se singularmente ao navio aéreo alemão. Como poderia Severo “assemelhar” o seu balão ao de Zeppelin se só quatro anos depois o alemão apresentava o seu?

O balão de Severo era um semi-rígido, o do Conde Zeppelin era inteiramente rígido. Um não plagiou o outro. Ambos, partindo de pontos diferentes, chegaram à mesma solução. Augusto Severo sempre desejou fazer a navegação de alto ar, acima das tempestades e das camadas elétricas. Enquanto procurava não comprometer a fôrça ascensional, o Conde Zeppelin não seguia êsse princípio, obrigando o seu aeróstato a navegar, exclusivamente, na baixa atmosfera. Se houve semelhança, foi de Zeppelin para Severo... Como disse, partindo de pontos de vista diferentes e por meios perfeitamente originais, as construções brasileira e alemã realizaram o mesmo programa. E qual era êsse programa? Nada mais, nada menos, do que preparar o sistema para enfrentar, com segurança, a resistência do ar e vencê-la da maneira mais eficaz. Para conseguir êste resultado, ambas as construções operaram: 1º) a unificação e consolidação do conjunto em um sistema solidário e invariável; 2º) a elevação do centro de gravidade aproximado do eixo de figura; 3º) a propulsão elevada colocando as hélices no próprio bojo do volume aerostático. Foram meios que aprovaram, porque foram triunfantes. A consolidação do conjunto era condição elementar e primária para o balão realizar um programa real de tráfego aéreo. Severo e Zeppelin, por inspiração e métodos próprios e originais atacaram a questão, cada um dando a seu invento feições e características peculiares. Cumpre reconhecer, mais uma vez, que um não imitou o outro. Mas Augusto Severo antecedeu de alguns anos o inventor alemão e produziu, antes dêle, coisa absolutamente distinta, embora um e outro atingissem o mesmo objetivo.

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Não resta a menor dúvida que o sistema germânico, após uma série de numerosos ajustamentos e aperfeiçoamentos de detalhe, foi mais feliz. O Conde Zeppelin, depois de uma vida inteiramente dedicada a êstes objetivos, vencendo oposições e obstáculos os mais variados, teve a ventura de conduzir sua invenção ao sucesso e presenciar o triunfo decisivo da concepção que, nos pontos essenciais, coincidia com a que Augusto Severo começara a pôr em prática, quando um acidente ocasional o impossibilitou para sempre.

X I V

O desenho que se vê ao lado é trabalho inédito de Augusto Severo sôbre a “relação entre o maior diâmetro e a superfície de apoio das hélices aéreas”. Foi encontrado após a morte trágica do aeronauta entre seus papéis. Com êle ilustra expressivamente a idéia que defendeu em discurso a 17 de julho de 1901 na Câmara:

“Se estudarmos, comparando os dirigíveis experimentados de 1850 até hoje, notaremos a tendência para a aproximação da barca e do balão com o fim de aproximar a tração da resistência, visto que diversos experimentadores julgam a justaposição impossível pràticamente. Digo diversos, de propósito, porque eu não penso assim, mesmo com os balões condutores, simples sacos de gás”

Desnecessário será ressaltar o interesse e importância dêste esbôço, que focaliza o corte transversal dos diferentes dirigíveis dados a conhecimento do mundo desde Giffard 1851, até o seu revolucionário PAX em 1902, que realizou o feito para muitos impossíveis de justaportração e resistência. Um simples olhar ao desenho de Severo mostra que de Giffard até o PAX a distância entre os eixos de tração e de resistência vai diminuindo, enquanto as superfíceis de apoio das hélices aumentam. Convém acentuar que o estudo foi realizado, provàlvemente antes de 1902, o que assegura ao grande filho do Rio Grande do Norte a primazia no assunto.

X V

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Concluído o plano do PAX, Augusto Severo obteve licença no Congresso e rumou para a França, que já conhecia, a bordo de um navio do Lloyd brasileiro. Sua chegada deu-se a 5 de outubro de 1901. Não recebera auxílio do govôrno. Levava, tão sòmente, algum dinheiro que conseguira economizar e suas jóias. Delas precisou desfazer-se para terminar a construção do dirigível. Conservou apenas o relógio, que o acompanhou até o último instante e marca, para a saudade comovida de Sérgio Severo, a hora da morte trágica do pai ilustre: 5h. 50ms. 54sgs.No interior dessa jóia, que é um documento histórico, lê-se: “Gratidão da Mestrança e Operários do Arsenal de Marinha da Capital. Dia 1/1/1895”. Em Paris, fez-se logo conhecido e estimado. Nessa época citava-se o Brasil, a todo o momento, como o mais sério candidato à conquista dos ares. Santos Dumont era comentadíssimo por suas vitórias. Os jornais franceses, após apresentarem “manchetes” como: “Lê ballon de M. Severo”, un nouveau dirigeable” como: “Un nouveau Santos Dumont”, provocaram a atenção popular, a custa de títulos capciosos, como: “Severo contre Santos”, Un rival de Santos Dumont”. Augusto Severo nunca foi contra Santos Dumont, nunca o considerou um rival. Foi seu amigo, e a prova está no auxílio que pleiteou à Câmara dos Deputados; foi seu irmão de Ideal. Contra, nunca! Um espírito elevado como o seu, não seria contra ninguém. Podia ser, e o foi, um concorrente sério, competente, leal, para Dumont ou qualquer outro que tentasse as mesmas experiências. Havia entre os dois grandes diferenças, tanto no físico como nas idéias. Deve-se destacar, mais uma vez, que Severo só se preocupa com o problema do “mais-leve-que-o-ar”, ainda por resolver, malgrado as vitórias de Dumont. Ninguém que conheça areonavegabilidade o pode contestar. O movimento de “tangage” persistia nos balões do “petit Santôs” e dos outros experimentadores. Severo queria demonstrar a sua concepção aeronáutica, que eliminava êsse movimento de “tangage” com o balão que inventara, fazendo simplesmente a aproximação dos centros de tração e resistência. A vida de Severo em Paris assinalou várias e brilhantes provas de amizade. Membro do Parlamento brasileiro, falando fluentemente o francês, freqüentava a sociedade parisiense. Travou relações com altas personalidades, privando da intimidade de Emile Zola e Paul Rousseau, como se deduz pelos cartões que ambos lhe endereçaram: Zola escusando-se de aceitar um convite por estar doente, e o casal Rousseau convidando-o para uma “soirée”. Residindo no 2° andar da rua Galileu, n° 63. As maiores autoridades em assuntos aeronáuticos, os diretores do Aéreo Clube de Paris, ficaram, depressa, seus íntimos. Todos os jornais, mesmo das províncias, dedicavam

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páginas ao deputado brasileiro, que prometia vencer a distância no bojo do PAX. Periódicos da Inglaterra, da Alemanha, da Itália, da Áustria, da Rússia, revistas ilustradas, alongavam-se em detalhes, com uma atenção gratuita e carinhosa. O nome que deu ao balão – PAX – foi o seu cartão de visita para o povo francês. O próximo, chamar-se-ia JESUS. Sempre o preocupara a idéia de que humanidade devia seguir os princípios do Mestre: “Amai-vos uns aos outros”. Essa orientação em suas atividades científicas ofereceu-lhe oportunidades para um “encontro epistolar” com a Princesa Wiszniewska. Em uma de suas cartas, dizia a fundadora e presidente da “Aliança Universal das Mulheres pela Paz e pela Educação:

“A Sua Excia. O Sr. Augusto Severo: – Senhor... Investigais uma fôrça dirigível para conquistar a Paz na terra; conforme vistes pelos apelos que enviamos de acordo com a recomendação de nosso amigo Sr. Augusto Meulemans.

Procurai a solução do vosso problema, pela ciência e pelos vossos trabalhos de vinte anos, nós tratamos alcançar a nossa, pela amizade e aliança de tâdas as mulheres do Universo; chegamos já em poucos anos à União de mais de cinco milhões de mulheres, tendo assim em mãos um poder de propaganda que ultrapassa o de tôdas as Sociedades de Paz.

Vosso balão PAX subindo nos ares – símbolo de nossas idéias humanitárias que adotais como um dos oradores mais eloqüentes do Parlamento brasileiro, será acompanhado de nossos votos mais ardentes, a fim de que o poder do alto ajude-nos a triunfar... O PAX vos indicou por uma telepatia simpática como sendo já por vossas convicções humanitárias membro da nossa obra, que é certamente a mais bela doséculo.

Rogo-vos, Senhor, aceitar a segurança de minha administração e da Mais distinguida consideração.

Princesa Wiszniewska”. À qual respondia Severo:

À. S. A. a princesa Wiszniewska:

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A carta que S. Alteza teve a bondade de me dirigir,

enviando-me os votos da Paz e indicando o meu pôsto ao lado da mais simpática das Associações da Terra, da qual é S. A. Fundadora e Presidente, encheu-me da mais viva satisfação. Tenho confiança, e muita, no resultado da grande obra da Paz na Terra, sendo seus principais fatôres a Liberdade e a Justiça praticadas. É tempo de lembrarmos todos à humanidade que ela já deve ter aprendido a grande lição de amor, a “Alliance Universelle des Femmes pour la Paix” com a fôrça já extraordinária de 5 milhões de sócios espalhados pelo Planeta.Pedirei aqui permissão a S. A. para lembrar a posição de meu país – Brasil – em face da grande questão.

O artigo 88 de sua Constituição é concebido nos seguintes termos:

“Os Estados Unidos do Brasil em caso algum, se empenharão em guerra de conquista, diretamente, por si ou em aliança com outra nação”. Um outro artigo (34, nº 11) determina que mesmo na defesa de seus direitos, o Brasil só se empenhará em guerra, se malograsse o recurso de arbitramento.

Duas grandes e seculares questões de limites – as que mais acendiam o ódio entre os homens e os povos, como se fôsse o nosso sentir limitado por uma linha de terra –, acabam de ser resolvidas por arbitramento, mantendo-se entre as nações pleiteantes os melhores laços de simpatia. Conto poder levar em breve o pequeno contingente de meu esfôrço a grande Obra da Paz na Terra, pelo que aceito feliz o pôsto por S. A. a mim designado. Peço respeitosamente a S. A. de aceitar os meus protestos de minha grande admiração.

Augusto Severo”.

Com o decorrer do tempo, Severo continuava tratando da construção do semi-rígido. Em maio de 1902, pouco antes de morrer, escrevia a Pedro Velho, dizendo que esperava voltar à pátria com o problema da navegação aérea resolvido. “Devo ainda gastar 5 a 6 mil francos, – acrescentava –, mas não sei onde busca-los. Até pequenas jóias foram-se: mas vale-me a certeza de que a vitória compensará tudo, e a todos poderei pagar”. Abrace aos meus amigos e olhe para os meus filhos”.

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Da colônia brasileira em Paris, rica e abastada, não mereceu nenhum auxílio. Mesmo assim, não perdia oportunidade para ser útil e agradável a todos. No 63 da rua Galileu, ofereceu chás e recebeu gente famosa. Encontrou também um homem humilde, obscuro, que seria o seu mecânico e companheiro na morte. Foi Georges Sachet. Vejamos como se travou êsse conhecimento: Em chegando a Paris Augusto Severo procurou Henri Lachambre, célebre fabricante de balões, que tinha um parque em Vaugirard, 20, passagem das Favoritas, e encomendou o PAX. A seguir, com os desenhos na mão, estêve com Buchet, o construtor de motores. Mandou fazer dois: um de 16 VC e outro de 24 VC. Procurava, então, um mecânico do ofício, prático, dedicado, entusiasta. Buchet indicou-lhe o nome de Georges Sachet. Entenderam-se. Nunca mais se separariam... Se alguém merece citação neste livro, êste alguém é o mecânico do PAX. Imagino-o ensaiando os motores, preparando-os, preocupado com a trepidação, com a mistura que não está bem regulada, com alguma vela suja, descalibrada; com aquêle vazamento de óleo, com mil e tantos cuidados, que tornam a vida de um mecânico tôda sacrifícios e renúncias. Sachet era um sólido e alegre mocetão de Besançon, maníaco pelos esportes mecânicos. Do serviço de Mr. Buche passara à direção do inventor Roze, em Argenteul. Ouvindo Severo conversar sObre o dirigível tomou-se de amores pela invenção. Foi o primeiro a acreditar profundamente na vitória do brasileiro sem nome e sem fortuna. Não mais largou o hangar de Vaugirard, onde o PAX se erguia. Ficava noites e noites, sem dormir, vigiando-o com um carinho em tudo semelhante ao do próprio inventor. Os motores eram quotidianamente examinados, testados. Sua figura robusta, vestindo sempre calões de golf, jaqueta sôbre o “sweater” de lá, o boné inseparável, tornou-se popular entre os amigos de Severo. Crente no vôo dirigido, respondia aos companheiros que lhe consideravam exagerada a confiança séria:

– Moi, je m’intéresse à toutes lês découvertes nouvelles je me suis d’abord adonné avec passion à la bicyclette, puis quand lês premières automobiles ont été construites, j’ai immédietement abandonné la bicyclette pour l’automobile. Actuellement je me fais une specialité des ballons dirigeables il n’y a qu’en suivant le progres qu’on peut arriver à quelque chose.

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Palavras admiráveis essas, de um mecânico esquecido em seu sacrifício invulgar. Nunca admitiu a possibilidade de ser substituído. E dizia enèrgicamente: – Não troco meu lugar por um império! Dois homens, duas almas, duas pátrias – Brasil e França – lutando pelo domínio do ar. Pronto o PAX, colocados os dois motores, o de 16 cavalos a vante e o de 24 a ré, instaladas as cinco hélices que desnorteavam a ciência oficial da época, Severo por duas vêzes experimentou o invento. A 4 e a 7 de maio de 1902, utilizando corda mole, subiu o PAX dócil ao impulso das hélices, sôbre o barracão de Vaugirard, enquanto Henri Lachambre gritava de entusiasmo e os operários batiam palmas. A festa parecia ser inteiramente de Sachet. Êle agradecia, falava, contava detalhes, deformando, com a imaginação carinhosa, o vulto de Augusto Severo, risonho, accessível e sonhador. Como foi dito, raramente Sachet deixava o hangar ar mudar a roupa e dormir em seu quarto de solteiro, na vila du Parc Valier, nº 62, rua Levallois Perret. Totalmente dominado pelo desejo de compartilhar da glória de Severo, esquecia a própria vida. Na véspera do vôo definitivo, perguntaram-lhe se não duvidava do sucesso. Respondeu como só um mecânico o sabe fazer:

– Mais non ça marchera admirablement. Je suis sur des moteurs et nous terons ce que nous voudrons du PAX, pourvu naturellement qu’il n’y aif pás trop de vent. Ah! S’il arrive quelque chose, ma foi, tant pis!...

O PAX apareceu em tôdas as revistas da semana, francesas e inglesas. Caricaturas, desenhos, aquarelas, fotos multiplicaram-lhe a fama. Causava surprêsa a posição das duas hélices, uma propulsora, de 6 metros e 30 posta atrás, e outra de 5 metros, na frente. Tinha forma ovóide, cubando 2334 metros, com 30 de comprido e 20 de largo. Era um semi-rígido, formando com a “nacelle” um todo solidário. A barquinha podia conter quatro pessoas. A tração fazia-se sentir na resultante das resistências desenvolvidas durante a marcha. Os motores eram da marca Buchet, com quatro cilindros cada, em linha vertical, “allumage” elétrica e resfriamento por água. O nôvo aeróstato não sofria os efeitos do movimento de “tangage”. Sua construção reduzia ao mínimo as resistências, daí a estabilidade e rapidez da marcha.

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Ninguém, antes de Augusto Severo, conseguira experimentar um balão dirigível como aquêle. Antes de Spiess, pai do Zeppelin, erguia-se nos céus da França a fórmula que venceria, mas tarde. Aproxima-se a experiência decisiva. Além do seu criador e Georges Sachet, deveria subir no PAX Álvaro Reis, companheiro fiel do brasileiro. Mas Álvaro Reis desceu da “nacelle” para diminuir o pêso e escapou, assim, à morte trágica. Severo encarregou-se do motor de vante. Sacahet ficou com o da retaguarda. Três bandeiras tremulariam no PAX: a do Brasil, a da França e a de Portugal. Hoje encontram-se as flâmulas do Instituto Histórico de Natal. Mandou ainda imprimir milhares de folhetos com as Bandeiras do Brasil e da França, entrelaçadas, onde se lia uma frase, símbolo de confraternização:

“O BRASIL SAÚDA A FRANÇA A BORDO DO DIRIGÍVEL PAX”

Na tarde de 11 de maio de 1902, o Ministério da Guerra dava autorização para que o PAX evoluísse sôbre o exército francês, acampado em Issy-les-Moulineaux. Lá do alto cairia a saudação do Brasil. Finalmente, surge a madrugada de 12 de maio. Augusto Severo “voou” ao hangar de Vangirard. Sachet “dormira” olhando o balão, como um namorado. O povo francês estava ansioso para assistir a mais uma tentativa na conquista do ar. Santos Dumont regressara dos Estados Unidos três dias antes. Severo, feliz como nunca, aperta a mão dos amigos. – Não há, lá em cima, nada para comparar! Diz para Natália, entregando-lhe a carteira. Ela ri, embevecida e medrosa. Todos acham graça. Sachet curvado, escuta o ronco dos motores. E o dirigível, após a manobra final, sobe dócil batendo-se contra o vento. Ei-lo no ar, tomando altura aos poucos. Há emoção nos rostos, frente aquêle gigante dominando o espaço. Os convidados, os curiosos, os amigos de Severo correm para os automóveis. Querem acompanhar o vôo à Issy-les-Moulineaux. O PAX passa sôbre o casario adormecido de Montparnasse. Está aproximadamente a 400 metros de altura. Visíveis, destacados contra a luz da manhã, movem-se os seus tripulantes. Severo na frente da barquinha; Sachet atrás, junto ao motor da responsabilidade, o propulsor.

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Não durariam muito aquêles minutos de sensação e de glória. Uma chama no espaço e ouve-se a explosão. O PAX, entre labaredas, desce e vem cair na Avenida, ‘du Maine”, trazendo consigo morte e luto. De todos os lugares correm automóveis, ciclistas, multidão, polícia. Ouvem-se apitos. Augusto Severo tombara de pé, numa vertical austera de sábio tranqüilo. As pernas, entraram-lhe pelo ventre; o ventre, para o tórax. A coluna vertebral saíra pela nuca. Os ossos dos pés romperam os sapatos. O rosto, porém, intato, conservara a fina graça espiritual, que sempre o animava. Georges Sachet semi-carbonizado, dobrado em dois, o rosto negro, as mãos sem pele, os rins desfeitos, cobria com o corpo o motor confiado à sua guarda, como se ainda o dirigisse. O mecânico de Besançon morreu como uma Walkyria, emoldurado de chamas – diz, num discurso, Luís da Câmara Cascudo. E Natália? Pobre e amorosa Natália! Num telegrama de 13 palavras transmitia tôda a tragédia, a sua tragédia, a Pedro Velho:

“Pedro Velho – Grande Hotel – Rio

Aflita comunico desastre Balão hoje falecendo Severo Natália”.

X V I

Após a catástrofe o PAX, como sempre acontece em Aviação, quando uma asa tomba no abismo, surgiram inúmeras opiniões, as mais contraditórias. Falaram Renard, Santos Dumont, M. de La Valette, presidente do Aéro Club Francês, M. Lachambre e muitos outros. De tôdas, porém, merece especial referência a palavra desinteressada de Georges Caye. Era êle colaborador de La Revue (anteriormente Revue dês Revues). Escreveu um artigo sob o título “Le drame du PAX et les mérites de Severo”, publicado no número de 1º de junho de 1902, da revista. É um documento histórico de valor. Georges Cayne manteve contato permanente com Augusto Severo desde a sua chegada em Paris, acompanhou a marcha da construção e ouviu, detalhadamente, a exposição de todos os projetos do inventor. É, pois, a sua, uma opinião abalizada:

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“Severo logo após sua chegada a Paris, veio expor a La Revue seus projetos, e foi nela que, pela primeira vez, se revelaram os princípios novos que êle contava aplicar.

Limitar-nos-emos a recordar que Severo tivera a idéia, completamente nova, de colocar a hélice de propulsão na extremidade do eixo de seu balão. A barquinha, de forma tôda especial, penetrava até o centro do beróstato e fazia corpo com êste, assegurando ao sistema uma rigidez perfeita. Na prôa do balão havia uma hélice, destinada a repelir o vento, de modo a diminuir a resistência por êste aposta ao avanço da aeronave. Finalmente, a direção deveria ser assegurada mediante pequena hélice, disposta na barquinha, entre o balão e o soalho que suportava os motores, os mecanismos e os aeronautas.

Severo havia imaginado, para produzir a fôrça motriz, motores elétricos e pilhas potentes; mas, não podendo demorar-se em Paris (seu mandato de deputado chamava-o ao Parlamento Brasileiro).

Aconselharam-lhe, dando como exemplo o que fizera Santos Dumont, que substituísse êsses motores, cuja construção seria demorada e muito onerosa, por motores a petróleo Buchet. Levado pela carência de tempo, o malogrado aeronauta deixou-se por fim convencer. Aliás, por ocasião das experiências dos motores, êstes haviam funcionado maravilhosamente. Todavia, Severo tinha certo receio e cinco dias antes da experiência que lhe custaria a vida, dizia à sua espôsa e a alguns amigos: “...se eu dispusesse ainda de dinheiro e de tempo, não hesitaria um só instante em mandar construir meus motores elétricos. É verdade que os motores de Buchet são perfeitos, e considero excelente os motores a petróleo, mas vejo com pavor êsse fogo em baixo de meu balão”.

Suas apreensões eram, infelizmente, justificadas, dada a pequena distância que separava os motores do aeróstato. Com o emprêgo de motores elétricos não teria havido êsse risco e a catástrofe não se teria manifestado. Por isso, surpreendeu-nos ver aquêles mesmos que o haviam convencido a servir-se de motores a petróleo criticarem com a maior severidade, no dia imediato do desastre, o emprêgo desses motores.

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Por outro lado a barquinha devia, conforme o projeto do inventor, ser construído inteiramente de alumínio. Foi ainda a falta de dinheiro que o forçou a recorrer ao bambú, que, a um tempo,era mais pesado e menos resistente. Essa modificação obrigou-o a suprir os balonetes por êle previstos no intuito de assegurarem a forma permanente do dirigível, evitando assim, o risco de explosão. A falta de fôrça ascensional compelita-o a renunciar a êsses balonetes, utilizando o volume respectivo para armazenar maior quantidade de hidrogênio. Assim, os 1900 metros cúbicos previstos foram elevados a cêrca de 2500.

Desde fins de abril começou o enchimento do balão. Ficando êste em poucos dias pronto para as experiências. Não sendo favorável o tempo foi preciso adiar antes da primeira saída. Por esse motivo, só a 4 de maio pela madrugada foi possível ensaiá-lo pela primeira vez, a corda.

Corresponderam os resultados plenamente à expectativa do inventor. O Balão equilibrava-se perfeitamente e prometia uma completa estabilidade. Os motores funcionavam muito bem e as transmissões de movimento efetuavam-se fàcilmente. A hélice de prôa foi a primeira experimentada, atingindo uma velocidade de mais de 120 rotações por minuto. Foi tal a deslocação de ar que ela determinava, que só com sua ação, sem que a hélice de propulsão fôsse posta em movimento, o PAX avançava com tal fôrça contra o vento, que 15 homens não conseguiram detê-lo. Tornou-se necessário parar ràpidamente a transmissão, para evitar que os operários fôssem lançados de encontro ao muro que cerca o parque aerostático.

Foi mais concludente ainda a experiência da hélice propulsora situada à pôpa do balão.

Finalmente as hélices dirigentes funcionavam perfeitamente, mostrando poder garantir uma direção fácil do sistema.

Interromperam-se as experiências porque o tempo foi escurecendo, caindo logo a chuva esperada.

Na quarta-feira, 7 de maio, realizou-se nova experiência. Esta, conquanto menos demorada, não foi menos interessante O Conde de La Vaulx, nosso distinto colaborador, achava-se presente bem como vários

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representantes do Aéro Clube.O Conde,que,a princípio confiava muito pouco na obra de Severo, mudou de opinião após as experiências que verificou, e, no dia seguinte, foi o primeiro a chegar no hangar antes de 4 da manhã, supondo que era o momento da saída. Continuou porém, o tempo a não ser favorável a Severo. Só cinco dias depois, a 12 de maio, puderam ser começados os ensaios definitivos.

Havia 15 dias que nós chegávamos tôdas as manhãs às 4 horas, porque queríamos assistir à prova decisiva do PAX, a fim de transmitir aos leitores de La Revue, conforme o desejo manifestado por seu diretor, informações exatas e precisas. Foi graças à nossa perseverança que fomos o único representante de tôda a imprensa que se achou presente no parque de Vaugirard no dia da catástrofe.

Isso custou-nos uma emoção terrível, mas, em compensação, nos permitiu relatar o que se desenrolou à nossa vista,podendo dizer, com todo o conhecimento de causa,como se iniciara essa ascensão,que deveria terminar tão tràgicamente. É o que nos impede de seguir o exemplo de alguns críticos desastrados, que sem ver e conhecer o aparelho, julgam justo e digno denegrir a memória de quem agora, só lhes pode opôr o silêncio do túmulo!

Às 5 horas e 15 saía o balão do hangar.Como medida de prudência e a fim de dispor de maior quantidade de lastro, Severo decidiu partir só com seu mecânico Sachet,deixando em terra o Se.Álvaro Reis que devia subir em sua companhia. Êste indignou-se com a resolução.

Quem diria, então, que não querendo leva-lo, Severo lhe estava salvando a vida?

Eram, precisamente, 5 horas e 25 da manhã, quando o PAX largou do solo. Imediatamente, estando ainda o balão retido por cordas, experimentaram-se os motores e as hélices que funcionavam perfeitamente,como tôda a assistência pôde verificar.

Em seguida, prendeu-se o guide rope e Severo, tendo dito um ultimo adeus a seus amigos e mandado o derradeiro beijo à esposa e ao filho mais velho que se achavam presentes, lançou-se de nôvo o PAX, a caminho do espaço.

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Quando o balão atingiu a extremidade da corda, o homem que a segurava reteve-a por momento. Severo,sentindo-se detido, cuidou que fôsse insuficiente a fôrça ascensional e, por isso, lançou dois sacos de lastro, o que fêz o balão elevar-se sùbitamente.

Pôs, então, em movimento suas hélices de direção, para ver se poderia contar inteiramente com elas. Pudemos ver o balão descrevendo, sôbre nossas cabeças, anéis cada vez mais estreitos, depois 8 cada vez mais apertados, ora num sentido, ora noutro, como o mostra o documento que possuímos – uma fotografia em que apanhamos o aeróstata em três posições sucessivas, sem mudar a chapa. No ponto de vista de direção, Severo estava absolutamente senhor de seu balão. É verdade que Santos Dumont pretendeu contrariar esta asserção, praticando um equívoco, talvez que nunca ter visto o aeróstato de seu compatriota. Para nós, é certo que com um simples leme, nenhuma hélice de propulsão estando a funcionar não se poderia obter esse resultado. Aliás o Sr. Santos Dumont estava em condições de reconhecer os inconvenientes dêsse frágil órgão de direcção e deveria lembrar-se de suas quedas do Trocadero e do Mônaco.

As pequenas hélices faziam evoluir maravilhosamente o aerostato. Severo, feliz com semelhante resultado, repetiu a experiência durante 10 minutos. Como suas hélices de propulsão não estavam em marcha, o balão foi arrastado pelo vento. Tudo corria, pois, muito bem. Reinava a maior alegria nos poucos espectadores que haviam arrostado aquela hora matinal, e, tendo sido dado por Severo o sinal convencionado, todos correram para tomar os automóveis, a fim de se dirigir ao campo de manobras de Issy-les-Moulineaux.

Sùbitamente soltaram um grito pungente. O balão estava envolto em chamas. Um clarão sinistro, partido da pôpa da barquinha, erguia-se para o aeróstato, que ràpidamente se inflamava. Era ouvida por nos uma terrível detonação, enquanto o PAX e seus dois aeronautas se abismavam através de espaço, com uma vertiginosa velocidade, tombando de uma altura de mais de 400 metro e vindo a cair horrìvelmente deformados, sôbre a “Avenue du Maine”.

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Ser-me-ia impossível descrever a dor que invadiu todos os assistentes dêsse espetáculo. Tremendo, horrível e mais triste para nós que cercávamos a espôsa e o filho do desventurado Severo para nós que acabávamos de apertar as mãos das duas vítimas dessa catástrofe, para nós que passávamos, tão sùbitamente, do júbilo do sucesso ao horror da morte!...

Mas, como explicar essa catástrofe? Quantas versões não têm sido apresentadas!

Um daqueles que melhor deviam conhecer o balão supôs que as transmissões de movimento, fazendo-se no alto do soalho da barquinha, perto do centro de aerostato, contínuo atrito produzira o aquecimento das peças em contato, motivando, a explosão. Mas tôdas as transmissões eram esféricas, e por isso, encerradas em caixa de alumínio cheias de lubrificantes. Não era, portanto, possível produzir-se atrito de natureza a determinar uma aquecimento capaz de fazer explodir o balão.

Disseram também que sob a pressão do hidrogênio, por causa da elevação do balão e do calor dos raios solares, o aerostato havia explodido. Mas um balão que explode não produz chama. Ora, verificou se que a chama partira da barquinha, ateando fogo, depois, ao balão.

Finalmente, pretendeu-se que a explosão partira dos motores. O exame dos destroços provou ser esta explicação destituída de qualquer fundamento.

Só uma explicação se nos afigura plausível – a que demos desde o primeiro momento, e que parece reunir maior número de opiniões :

As válvulas de escapamento estavam situadas na parte inferior e na pôpa do aerostado. A da esquerda funcionava muito bem e abria-se tão fàcilmente, que, tornando-se impossível o enchimento do balão, foi preciso fixá-la no mastique. A da direita, pelo contrário, era um tanto dura e como medida de precaução, Severo munira se de uma corda, que permitia abri-la da barquinha. Além disso, essa válvula, era levemente inclinada sôbre a horizontal.

Ora, o balão enchera-se dentro do hangar muito cedo, quando a temperatura era ainda muito baixa. Uma vez fora, sob a ação do sol produziu-se a primeira dilatação do gás, e

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foi aumentando, consideràvelmente, quando o PAX atingiu 400 metros. Em dado momento, deve ter-se aberto a válvula (por si mesma, ou da barquinha). Fortemente comprimido, foi o hidrogênio projetado sôbre a chapeleta móvel da válvula, e, mudando de direção, naturalmente lançou-se sôbre o motor vizinho e inflamou-se, ao ter contato com as partes quentes circunstância esta que deve ter determinado a explosão.

Assim se explicaria o fato de ter sido horrìvelmente queimado o infeliz Sachet que tinha a seu cargo o motor da pôpa, porque explodira o reservatório de essência situado a seu lado, ao passo que Severo, estando na prôa da barquinha, não sofreu nenhuma queimadura, ficando intato o outro reservatório de essência, próximo dêle.

Todavia esta explicação, por mais plausível que pareça, não é absolutamente certa, levando as duas vítimas para o túmulo o segrêdo da causa real da catástrofe que lhes custou a vida.

Conclui-se, pois, que o terrível acidente em na subordina se aos prinípios aplicados por Severo. Seus motores achavam-se localizados, é verdade, muito perto do balão, mas não esqueçamos que, no pensamento do inventor, êles deviam ser motores elétricos, incapazes de produzir a inflamação do gás.

Por outro lado, se a barquinha fôsse mais leve, Severo conservaria seus balonetes de ar e o hidrogênio poderia, assim, aumentar de volume, sem perigo. Enfim, as válvulas deveriam funcionar normalmente. Não é justo, pois, êsse açodamento em condenar, como se verificou, os princípios novos aplicados por Severo. O malogrado aeronauta foi, certamente, demasiado confiante e temerário; mas tudo faz crer que, se êle tivesse podido executar totalmente os planos de seu dirigível tais como os concebera, sem os conselhos de especialistas mal avisados, em vez de uma catástrofe registraríamos um grande e glorioso sucesso. Por isso compreendemos bem o sentimento de sua dedicada companheira, a qual tendo acompanhado os trabalhos do inventor, tinha uma idéia fixa : voltar ao Brasil, a fim de, sendo possível, conseguir os fundos necessários para recomeçar as experiências de um nôvo PAX. O seu maior desejo era, como nos declarou, subir na barquinha, a fim de provar ao mundo que a idéia aplicada por aquêle a quem pranteia, não era fantasia conforme quiseram insinuar.

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Comovidos pela triste situação em Severo deixara a família, o Aéro-Clube, e o Auto-Velo de Paris abriram uma subscrição, também destinada à família de seu mecânico. Já se pode contar com uma dezena de mil francos, esperando-se soma superior. Devemos não esquecer que Severo foi não só um grande espírito, como também um coração generoso. O Conde de La Vaulx recordou isso no bel discurso que proferiu por ocasião das exéquias.

Nestes últimos dias – dizia – eu o via com o semblante resplandescente de alegria, só ao pensar que seu sonho ia finalmente realizar-se. E, em sua suprema bondade, êle que se havia arruinado pelo triunfo de seus projetos científicos, calculava a renda que poderia conseguir, com a visita do público ao PAX, destinando o total às vítimas da Martinica. Não foi êle, também, que magnânimemente, conseguiu do Parlamento Brasileiro a lei concedendo 125000 francos ao seu concorrente – Santos Dumont?”

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Essa a opinião de Georges Caye relatando o que deduziu sôbre a causa do acidente. Antes de qualquer comentário transcrevo a opinião do professor Dr. Carlos Sampaio, apresentada em sessão do Instituto Politécnico Brasileiro, dezesseis dias após a catástrofe do PAX, tendo por tema os balões de Santos Dumont e Severo.

“Acredito que as causas até hoje apresentadas para explicar o fracasso da experiência de Augusto Severo não são as verdadeiras.

Dizem uns, e esta é a explicação mais comum, que o desastre foi ocasionado pela aproximação entre a barquinha e o corpo do balão; dizem outros que o fato resultou a explosão do motor.

Com referência a esta última explicação devo dizer que conheço perfeitamente as máquinas empregadas por Augusto Severo; eram do sistema Buchet, exatamente o mesmo utilizado no balão Dumont, e como eu disse e repito, são o que há de mais perfeito em motores a explosão e o que se pode conceber de melhor em máquinas apropriadas à navegação aérea, cuja principal característica é

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apresentarem fôrças relativamente grandes com pêso muito reduzido em tôdas as peças.

Nestas condições, é difícil acreditar que tais máquinas tivessem explodido, tanto mais quanto são construídas com tôda a segurança, de modo a ser quase impossível dar-se um acidente dêsses.

Mais racional e perfeitamente aceitável é que a causa da explosão fôsse, não o motor, mas o hidrogênio do balão, gás que teria entrado em contato com a chama existente no motor, pois, como é sabido, nos motores a explosão, é necessário uma chama para dar-se o movimento.

Não acredito, entretanto que no balão se houvesse dado um escapamento capaz de permitir a explosão, e isto pelos motivos seguintes :

Antes de tudo, o balão e seu envólucro foram construídos por Lachambre, e Lachambre é infinitamente cuidadoso em tal trabalho; mas, aceitando se mesmo assim tal hipótese, cumpre notar que o hidrogênio não se poderia furtar à regra que se estende a todos os gáses; mais leve que o ar, jamais poderia descer, e sim subir. E sendo a distância entre o corpo do balão e a barquinha, igual a dois metros na parte onde havia mais aproximação e muito maior para as extremidades, não é crível que o gás pudesse entrar em contato com a chama do motor.

Acredito, antes, que o contato se desse em conseqüência de uma flexão. De fato, no balão iam duas pessoas, Augusto Severo e o maquinista Sachet, cada um dêles junto a um dos motores; não sei qual era o pêso de Sachet, mas o do nosso pranteado compatriota era bastante considerável, tal vez uns 90 quilos, porque era homem reforçado.

Ora, se o balão apresentava a circunstância de ter suas peças colocadas nas extremidades, acrescidas ainda pelo pêso dos maquinistas, nada mais natural do que ocorrer a flexão do sistema, e, dando-se esta, a possível rutura do bambú que constituía a aresta da barquinha, sendo assim ferido o corpo do balão, resultando ficarem os motores como que colocados no seio da massa gasosa, de modo a provocar a explosão.

Poderia ainda surgir outra circunstância :

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O movimento das máquinas situadas no fundo da barquinha, era transmitido aos propulsores colocados no balão por meio de eixos verticais e rodas dentadas. uma vez ocorrida a flexão, muito possível seria que essas engrenagens, ainda em movimento, entrassem em contato com o envólucro do balão, rasgassem no, e fizessem com que tôda a massa gasosa, escapando-se, alcançasse a chama do motor.

Ainda por outra causa, é explicável o desastre, e essa me ocorre por uma conversa que uma vez tive com Santos Dumont.

Perguntando-me em que consistia o balão Severo, e tendo eu feito uma descrição, disse-me êle : - “Eu teria receio de ir em tal balão”. Por que? – perguntei eu. “Porque êsse balão, pelo fato de ter balão e barquinha em um só sistema, oferece, por isso mesmo, um perigo sério. Tenho tido muitas vêzes ocasião, quando me acho no ar, de recebver, de repente, um golpe de vento. Nestas condições, quando se der o virar do balão a barquinha constituindo com êle um sistema único, acompanhá-lo-á em tal movimento, ao passo que se o balão e a barquinha formarem sistemas diversos, apenas ligados por uma intermediária flexível de suspensão, o golpe de vento, virando o balão, que é superfície muito maior, nem por isso impedirá que a gravidade conserve a barquinha em sua posição vertical”.

Assim, é muito possível que um golpe de vento houvesse produzido o reviramento, se dêste modo me posso exprimir dando lugar à explosão.

O fato, porém, é que o desastre se deu; a fatalidade nos fêz perder um dos nossos mais distintos compatriotas, e, infelizmente, jamais será possível conhecer a verdadeira causa de tal desastre”.

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Como vimos, de início Georges Caye julga que a explosão foi motivada pelo fato de “em dado momento ter-se aberto a válvula (por si mesma ou da barquinha). Fortemente comprimido, o hidrogênio projetou-se sôbre a chapeleta móvel da válvula e, mudando de direção, naturalmente lançou-se sôbre o motor vizinho e inflamou-se, ao ter contato com as partes quentes, circunstância esta que deve ter determinado a explosão”.

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A opinião do professor Carlos Sampaio é aceitável, especialmente nesta parte: “nada mais natural do que ocorrer a flexão do sistema, e, dando-se esta, a possível rutura do bambu que constituía a aresta da barquinha, sendo assim ferido o corpo do balão, resultando ficarem os motores como que colocados no seio da massa gasosa, de modo a provocar a explosão”. Ambos, porém, estão de acôrdo num ponto. Caye declarando que “... esta explicação, por mais plausível que pareça, não é absolutamente certa, levando as duas vítimas para o túmulo o segrêdo da causa real da catástrofe que lhes custou a vida”. Carlos Sampaio afirmando : “... infelizmente, jamais será possível conhecer a verdadeira causa de tal desastre”. O de que não resta dúvida é a ocorrência da explosão. Quando me perguntam qual foi a causa do acidente com o PAX, e, que durante doze anos assisti a inúmeros desastres de aviação, quase todos trágicos, antes de dar a minha opinião, narro as que conheço e concluo admitindo a de Georges Caye, apesar de não ignorar “que o hidrogênio não se poderia furtar à regra que se estende a todos os gases; mais leve que o ar, jamais poderia descer, e sim subir”. Todavia, sendo a distância entre o corpo do balão e a barquinha igual a dois metros, o hidrogênio “FORTEMENTE COMPRIMIDO” poderia muito bem, antes de submeter-se à lei, ter atingido o motor e, inflamando-se, ocasionar a explosão. A opinião de Santos Dumont citada pelo professor Carlos Sampaio, demonstra, mais uma vez, que o sistema do Pai da Aviação, aplicada aos balões dirigíveis, era impraticável para a navegação aérea. Dumont poderia ter receio de ir no balão de Severo. Mas não poderia negar que Severo, com o seu sistema, estava no rumo certo. Cientìficamente, balão dirigível que não seja construído em sistema único, solidário, não poderá ser útil à Navegação Aérea. quando muito servirá, em ar calmo, para divertimento, para esporte...

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Depois do lamentável acidente com o PAX, a concepção aeronáutica de Augusto Severo foi jogada ao ostracismo. A experiência fôra trágica! E surgiram os críticos de todos os matizes. Viam-no apenas como o mártir, o sacrificado em prol da conquista do ar. Não se procurou estudar, defender o patrimônio deixado pelo homem que afirmara em discurso na Câmara Federal:

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“Enquanto não se conseguir que a tração, nos aerostatos, seja aplicada na resultante das resistências desenvolvidas durante a marcha, o problema da navegação aérea não terá solução”. Morto o corajoso inventor, era mais cômodo esquecê-lo. Seus princípios novos, revolucionários, deviam ser postos de lado, como inconvenientes. Aquêle gigante que era o seu semi-rígido, estava condenado irremediàvelmente pela mentalidade medíocre dos pseudo-gênios. O próprio centro onde fôra realizada a tentativa, “recebia com irritante prevenção tôda iniciativa contrária à teoria e às realizações francesa, supostas as únicas verdadeiras e corretas”, declara Domingos Barros. Foi assim no passado, será assim também no futuro: o idealista, o homem de ciência, recebe sempre o combate gratuito dos fariseus. E sofre mais ainda, quando não se lhes pode responder com a realidade dos fatos. Tripudia-se, massacra-se, deforma-se a beleza de uma concepção avançada, holocausto a tradições obsoletas. Desditoso augusto Severo! No caminho certo, podendo solucionar cientìficamente o problema, encontra a morte com recompensa. E para além da morte, a ingratidão! Acontece – e aqui o reverso da medalha – que ninguém consegue destruir a Verdade. Mais tar ou mais cedo, ela surge redimida. Pudesse o pioneiro levantar-se do túmulo, diria: “A justiça não falha nunca, embora tarde!”. Desde aquêle fatídico 12 de maio de 1902 até a catástrofe do “Hindenburg”, em 1937, ninguém mais se preocupou com a concepção aeronáutica de nosso patrício. Todavia, nesse intervalo, um acontecimento de alto significado veio provocar a atenção e mais cuidadoso exame dos entendidos em navegação aérea para o PAX. Foi a expedição Nobile-Amundison ao Polo Norte, em 1928, a bordo de um semi-rígido – o “Norge”. Um estudo demorado das características da aeronave de Nobile, revela-nos sem dificuldade alguma, o aerostato de Augusto Severo. Prova-o a descrição de Domingos Barros : “Como no Pax, a base de sua superestrutura é construída por uma viga metálica, armada em treliça, correndo pela linha mediana de uma a outra extremidade, formando ponto de apoio a tôda a construção, tanto ao volume ascensional que a ela se prende diretamente, cmo à câmara de comando, cabine de passageiros, etc. Não há parte pendentes. Tudo é fortemente prêso à viga de enrijamento, formando um só todo solidário, um verdadeiro navio aéreo. A carcassa rígida é, porém, uma pequena porção do volume total, por se apenas uma viga central, de forma triangular, oferecendo o máximo de resistência à flexão e deformação, no mínimo de pêso.

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A viga empregada por Nobile não penetra o corpo aerostático. É externa e segue pela parte inferior à sua curvatura. Mas, essencialmente, é a mesma espinha central ideada por Augusto Severo, indo de proa até a pôpa da aeronave, para diretamente prender a ela todo o corpo flutuante”. Infelizmente, Nobile não declarou ter-se inspirado no dirigível brasileiro. O certo, porém, é que – depois da catástrofe em Paris – o italiano talentoso apresentou ao mundo com sucesso irrefutável, no seu “Norge”, a cópia fiel do PAX. Sim, porque não podemos deixar de reconhecê-lo, no balão de Nobile. E a prioridade de Severo no assunto não pode sofrer qualquer contestação. E cabe aqui dizer que o dirigível italiano, de 10.500 quilos (o PAX pesava, aproximadamente, 2.000), foi um êmulo do “Zeppelin”. Embora de dimensões menores, a aeronave conseguiu desenvolver velocidade média de 100 quilômetro por hora, provando ser navio tão consolidado e eficiente como o rígido. Logo após a construção do invento de Nobile, impressionado com sua eficiência, Amundsen, que já havia descoberto o Polo Sul em 1912 arrebatando a glória a Scott, resolve também visitar o Polo Norte. Vê no balão o instrumento adequado à emprêsa excepcional. E assim nasceu a famosa expedição Nobile-Amundsen. O “Norge” afrontou os nevoeiros do Polo e transpôs o eixo de rotação da terra, passando para o hemisfério americano, aterrisando em ponto convenientemente escolhido, no Alasca. Ninguém ainda havia realizado semelhante emprêsa. O êxito de Nobile poderia ter sido alcançado pelo PAX. A façanha do semi-rígido italiano, repetindo as possibilidades do aerostato alemão, forneceu elementos seguros e positivos para a comparação entre o navio pesadamente rígido com o navio brasileiro, leve, que tornou realizável a navegação em alta atmosfera, a mais conveniente, sob qualquer ponto de vista que a consideremos. Conforme vimos, o “Norge” tem, com centro de construção, uma única viga armada, correndo de uma a outra extremidade e formando ponto de apoio sólido, centro de consolidação efetivo, de unificação de todo o sistema. É, em síntese, o mesmo PAX, a que se adaptou todo o progresso de construção e de detalhe permitido pelos anos decorridos desde 12/5/1902. Que diriam hoje aquêles que não acreditavam na concepção aeronáutica de Augusto Severo, vendo um dirigível feito sob os moldes da sua criação, vencer maravilhosamente o espaço? A vitória do General

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Nobile foi a consagração do brasileiro que, na manhã do século vinte, assombrava o mundo com seus princípios revolucionários. O “Norge” subiu vitòriosamente às maiores latitudes, conseguiu pairar um momento nas alturas a 90 graus, sôbre o eixo de rotação da Terra para, depois, ir fincar na geleira eterna o pavilhão nacional italiano e a enorme cruz oferecida pelo Papa. Em seguida, sem retornar sôbre o caminho percorrido, mudou de hemisfério, passou da Europa ártica às altas regiões boreais da América, e, sem acidente foi pousar em Teller, perto de Nome, pequena aldeia do território do Alasca. Estava realizada assim a magnìficamente, embora por outrem, a prova definitiva que a Vida impediu Augusto Severo de realizar com o PAX. Foi essa façanha, ainda, a concretização esplêndida das promessas proféticas de Bartolomeu de Gusmão, quando em sua célebre petição de privilégio afirmou ao Rei de Portugal, D. João V, que a navegação aérea deveria descobrir os polos da Terra, fazer as necessárias explorações e retificar as coordenadas geográficas. Mais tarde, nôvo e memorável acontecimento viria completar a missão redentora idealizada por Augusto Severo. Foi a aventura de Codos, o grande ás da “Air France”, ao vencer, em 50 horas de vôo, a distância enorme que separa Paris de Santiago do Chile, numa das mais brilhantes demonstrações do século vinte. Transpondo o Atlântico em sua maior largura, atravessando o Continente americano, vencendo ainda os altaneiros Andes, ao fim d jornada realizou Codos o maior feito aviatório, bem assim a mais brilhante prova da justeza da concepção de Augusto Severo. É importante lembrar que a realização dêsse vôo veio confirmar também, mais uma teoria do brasileiro: a verdadeira navegação aérea só pode ser a de alto ar. Codos, para obter êxito, teve de elevar-se a grande altura, mantendo sua linha de marcha sempre acima de 4.000 metros, atingindo na parte final a altura de 6.400 metros, ao contornar a encosta solitária do “Aconcágua”. Não é mais novidades, hoje, que os grandes vôos se realizam através da alta atmosfera, acima das concentrações eletro-estáticas dos Cumulus e dos Nimbus. Aí estão, como exemplo, os aviões transoceânicos, os famosos aviões a jato... E que os vôos de longa distância devem ser feitos nas altas regiões, a experiência já demonstrou. Em alto ar o motor desenvolve melhor potência, portanto, velocidade. E em aviação, especialmente no campo comercial, a rapidez no vôo é fator preponderável. Codos ligou Paris a Santiago do Chile em 50 horas. Hoje,

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êsse tempo até faz rir... Ninguém ignora que, no momento atual, podemos tomar café no Brasil, almoçar em Dakar e Jantar em Paris, em muito menos de um dia. E iso é possível tão sòmente pela navegação de alto ar, preconizada por Augusto Severo e reafirmada pelo Célebre Codos, ao declarar que sua experiência trouxera grandes ensinamentos, pois acreditava ser o vôo a grnade altura muito mais satisfatório, porque os motores trabalhavam muito melhor, permitindo em tais condições proporcionar aos passageiros mais confôrto e segurança maior. A aviação mundial, que é hoje um assombro, em futuro bem próximo será a maravilha das maravilhas. Não se fala em viagens interplanetárias? E quem nos poderá dizer que os aviões super-atômicos não realizarão êsse “milagre”, ainda mais brevemente do que imaginam os maiores otimistas?...

X V I I I

Tenho em mão dois álbuns de recortes de jornais, de revistas, que me foram entregues para estudo, por Sérgio Severo. Um dêles foi organizado por Augusto Severo e conta a início de suas atividades aeronáuticas. Escreveu êle, na primeira página: “O que disse a imprensa da Europa sôbre mim e meu dirigível”. E, entre parênteses, esta frase característica: “Quanto disparate pelo meio!” Em baixo, sua assinatura, com data de 1901. A caligrafia é firme, legível, demonstração de um caráter altivo. O segundo álbum, colecionado pelo filho, fala ainda dos seus trabalhos, finalizando com publicações da catástrofe e o que se escreveu sôbre Severo, depois de sua morte. São artigos de jornais franceses, em sua maioria. Os outros são de periódicos alemães, inglêses, italianos, austríacos e russos. Em língua portuguêsa, quase nada. Verdade cruel, já escrevi certa vez. As publicações do primeiro volume referem-se a “Le ballon de M. Severo”, “La conquête de l’air”, “Un nouveau dirigeable”, “La navigation aérienne”. Le Figaro, em sua edição de 10 de novembro de 1901, diz mesmo: “Un nouveau Santos Dumont”. Uma ligeira nota do Século, de Lisboa, comenta:

“Lá estão tremulando, no alto do hangar, as três bandeiras: portuguêsa, francesa e brasileira. A instalação elétrica ficou completa, e no centro da formidável construção vemos já os motores e a armação da nacelle em forte bambus.

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O Sr. Severo publicou, em folheto, o belo discurso que pronunciou no Parlamento Brasileiro sôbre a navegação aérea. A tiragem de 2000 exemplares está quase esgotada e só conservam, para os amigos e compatriotas uns 500 exemplares em melhor papel.

Nesse folheto, “Navigation Aérienne”, Severo põe os pontos nos ii, no que diz respeito à ciência aerostática, a todos aquêles que falam de balões dirigíveis sem conhecimento do assunto”.

O discurso a que se refere o articulista, foi pronunciado na sessão da Câmara dos Deputados, a 17 de julho de 1901 e se encontra transcrito, na íntegra, nesta biografia. Um periódico, cujo nome não consta (acredito seja alguma revista francesa da época), relata:

“Já a ninguém é hoje estranho o nome dêsse ilustre brasileiro que há pouco chegou a Paris para renovar, se não completar, as tentativas aeronáuticas do seu audacioso compatriota Santos Dumont. A imprensa francesa, um pouco mais crente, já, no mérito dos homens de além-mar, tem encorajado com raro entusiasmo a obra de Augusto Severo, - e efetivamente tudo nos leva a crêr que o triunfo do insigne filho do Rio Grande do Norte não será menor do que êsse outro que fêz no dia 19 de outubro de 1901 uma data memorável para o Brasil.

O dirigível PAX, que uma das nossas gravuras representa em construção nas oficinas da conhecida casa Lachambre, é um balão alongado, de 30 metros de comprimento por 12 metros de grossura máxima, e, obedecendo a todos os princípios científicos até hoje estabelecidos para as máquinas desta natureza, apresenta um grande número de qualidades desconhecidas em todos os aerostatos com que até agora se tem procurado resolver o problema, já secular, da navegação aérea.

Simples saco de hidrogênio, sem armação metálica, o PAX forma um todo solidário com a barquinha que é feita de tubos de aço e alumínio, e tem o mesmo comprimento do balão pròpriamente dito. A tração é efetuada por duas poderosas hélices movidas por dois motores da fôrça total de 40 cavalos. Estas hélices, também de alumínio, são colocadas nos pontos onde especialmente incide a fôrça de resistência desenvolvida durante a marcha. Com quatro e seis metros de

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diâmetro, a primeira na prôa e a segunda na ré do próprio balão, evitam os movimentos se arfagem ou as rotações perturbadoras, que tem sido uma das principais dificuldades até agora opostas à solução dêsse antigo e importantíssimo problema.

Pelas indicações fornecidas pelo Sr. Severo aos jornalistas que o têm entrevistado, todos são unânimes em reconhecer que o invento do ilustra brasileiro tem um mérito raro e talvez concludente. As experiências aguardam-se com uma curiosidade bem lógica e natural. E por certo, já no próximo número, poderemos registrar definitivamente o nôvo triunfo com que êste filho ilustre do Brasil engrandecerá o nome e a história de sua pátria.

Como se sabe, o Sr. Augusto Severo projeta iniciar as suas experiências com um ensaio idêntico ao que fêz atribuir ao Sr. Santos Dumont o prêmio Deutsch: isto é, sair das oficinas de Vaugirard e dobrar, em seguida, a Tôrre Eiffel. Mais 45 quilômetros, navegando pelos “boulevards” à altura de um oitavo andar. Para se orientar e assegurar do êxito desta última experiência, já o empreendedor aeronauta fêz, há poucos dias, uma ascenção em companhia dos amigos que o auxiliarão também, nas provas definitivas. Como pilôto prático e avisado, o Sr. Severo quis conhecer bem a topografia de Paris; e êstes processos metódicos de trabalho, a serena e lógica coordenação dos elementos favoráveis à sua obra, são uma garantia importante do feliz resultado que se espera.

Nós cremos firmemente que o Sr. Augusto Severo triunfará. O seu plano amadurecido por um longo estudo e executado sem precipitações nem entusiasmos perturbadores, deve seguramente frutificar.

Não será êste, todavia, o primeiro serviço que o ilustre brasileiro prestará a seu país. O seu nome está já indelèvelmente ligado à moderna legislação do Brasil, e no Congresso Nacional onde, desde 1989 representa o seu Estado natal, Rio Grande do Norte, muitas vêzes tem afirmado o seu talento e é cotado como um dos principais oradores daquela Casa. Foi nessa situação que êle propôs a concessão de um prêmio de cem contos de réis ao Sr. Santos Dumont, a título de estímulo. Essa proposta, apresentada e desenvolvida em um magnífico discurso que agora acaba de ser traduzido para o francês e publicado em opúsculo, foi,

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como se sabe, unânimemente votado. O Sr. Augusto Severo é irmão do senador Pedro Velho, simpático e proeminente vulto da política brasileira e do Dr. Alberto Maranhão, atual governador do Estado do Rio Grande do Norte, Seu pai, o falecido major Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão, prestou, igualmente, relevantes serviços ao seu país: mas ainda que assim não fôsse bastaria o fato de ter dado o ser a êstes três homens ilustres para a sua memória merecer o respeito e a gratidão da Pátria.

A chegada do Sr. Augusto Severo a Paris fêz divulgar na imprensa francesa o boato de um duelo aeronáutico entre êste ilustre brasileiro e o seu já célebre compatriota, Sr. Santos Dumont. Falou se até de uma rivalidade encarniçada entre os dois aeronautas, - rivalidade, aliás, nada verosímil, se nos lembrarmos da tradicional solidariedade com que todos os brasileiros trabalham sempre para engrandecer a sua pátria, e do nobre procedimento do Sr. Severo no Congresso Nacional. O discurso com que festejou a vitória de “13 de julho” não esquecerá fàcilmente ao seu pretenso adversário.

E, contudo, já nessa época o Sr. Severo pensava, talvez, em iniciar as experiências com o seu PAX. Alguns períodos do seu discurso são mais do que uma simples divagação erudita, - são uma promessa, ou antes um programa. Ouçamos:

“Enquanto a tração nos aerostatos não fôr aplicada na razão das resistências desenvolvidas durante a marcha, o problema da navegação aérea, ouso afirmá-lo, ficará por resolver. Dizer que êle foi resolvido pelos balões de Dumont ou de Rénard e Krebs, equivale a afirmar que um submarino pode navegar com a hélice colocada debaixo da quilha; porque a analogia entre as navegações aérea e submarina é perfeita, atendendo a diferença de densidade dos meios. É um êrro comparar a navegação aérea à navegação marítima ordinária, e êste êrro é corrente nos compêndios de Física adotados nas escolas”.

Documentos assim proclamam desapaixonadamente o valor do vosso patrício, possibilitando-nos elemento capaz de reparar injustiças cometidas, talvez inconscientemente, contra o talento do inventor.

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Ainda no primeiro álbum encontram-se diversas notícias sôbre as atividades políticas de Augusto Severo na capital francesa, como a que li a respeito de um Congresso das Nações Latinas, realizado sob sua presidência, para celebrar o aniversário da Proclamação da República Brasileira. Entre os que tomaram parte nessa reunião, notava-se: M. Beauquier, presidente da Liga franco-italiana; Raqueni, secretário-gerla; o professor Déjob; o marquês de Castrone, vice-presidente; Giacometti, do jornal Les Débats; Paul Vibert; barão Georges Armstrong; Xavier de Carvalho, Léon Bouet, correspondentes de l’Lllustrazione Italiana; Jean Barès, diretor do Réformiste; E. Vaiseur; o barão de Castelnuovo; Almada Negreiros; Aubain, escultor; Tronchet, arquiteto; Mme. Lemaitre, Albert Cané. Por essa ocasião Augusto Severo teve oportunidade de exprimir seus sentimentos de viva simpatia pela França, ao agradecer as palavras proferidas pelo deputado Beauquier. Os membros dêsse Congresso enviaram um telegrama a M. Piza, ministro do Brasil em Paris, redigido nestes têrmos:

“Les membres de l’Union latine saluent chaleureusement proclamation République Brésil dont constituion répudie odieuse doctrine guerre, conquête, affirme principe arbitrage international”.

O Ministro brasileiro respondeu, agradecendo aos membros da União latina. A França guardou carinhosamente, junto das figuras ilustres dos seus maiores, a do nosso Augusto Severo. Passemos a folhear o segundo álbum. Como no primeiro, a maior parte das fôlhas contêm recortes de jornais franceses, relatando agora o acidente do PAX. Ainda hoje, quase diàriamente publicam-se notícias sôbre desastres de aviões. Muitos – especialmente os que não conhecem a nossa aviação – sentem, momentâneamente, êsses rudes golpes. Os desaparecidos sempre têm família, um amigo, para chorar sua morte. Há inúmeros “casos” dolorosos, na história da aviação brasileira. Os que se foram, não sòmente merecem pena, compaixão. Merecem, sim, respeito, admirçaão. Antes de tudo, êles foram Homens! O que resta dêsses companheiros é a saudade. E como a saudade, no dizer de Bilac, é a presença dos ausentes, façamos de conta que êles continuam ainda, ao nosso lado. E repitamos em sua homenagem, a frase de Churchill: “Nunca tantos ficaram devendo tanto a tão poucos”.

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AUGUSTO SEVERO foi o primeiro brasileiro a morrer pela aeronáutica, foi um mártir da ciência. Outros seguiram seus passos, depois e muitos ainda o seguirão, porque “ser aviador é ter como parceria constante na vida, a morte”. Glória a todos aquêles que perderam suas vidas, por êsses caminho do céu... No álbum confeccionado por Sérgio Severo, surge, de início, a edição especial de L’Auto-Velo, do dia 12 de maio de 1902, com a notícia da catástrofe:

“Les malheurs se succèdent. Celui que nous avons à deplorer ce matin nous touche plus profondément. M. Severo, le compatriote de M. Santos Dumont, qui depuis quelques jours faisait des essais dans Paris, a trouvé la mort – une morte affreuse – dans une experience qui paraissait réussir et qui succédait à plusieurs autres tentatives intéressantes.

Avec lui, un ouvrier, humble victime, a également succombé. L’Auto-Velo ne veut pas attendre pour s’incliner respectueusement devant les deux cadavres atrocement mutilés. Que les deux familes si douloureusement frappées reçoivent ici nos hommages de condoléance, de consolation. Elles n’on trouveront que dans le temps, qui atténue tout. Pourtant ces morts, qu’elles nous permettent de le dire, ne seront pas inutiles. Comme le soldat, même le soldat audacieux, que sur le champ de bataille meurt pour reculer les frontières de sa patrie, SEVERO et SACHET meurent en explorant l'’space, pays inconnu et cruel.

Le moment n’est pas de rechercher si toutes les mesures de prudence avaient été observées par le malheureux aéronaute, son nom, en tout cas, et celu de son mécanicien s’inscriront à la suite de tous ceux qui furent tués pour la science et pour la conquête de l’espace”.

Êste artigo foi assinado por Henri Desgrange. Seguem-se outros trabalhos, todos descrevendo “L’explosion du PAX”, “Un drame de l’air”; “La dernière ascension du PAX; “Mort tragique de M. Severo et de son méccanicien”. Artigos em que se fala da ascensão do PAX, do incêndio, da queda e da morte de Severo e Sachet. Entrevistas de homens célebres, com o coronel Renard, Santos Dumont, M. Buchet (o famoso construtor de motores), M. Lachambre e outros. Em um recorte do jornal L’Eclair consigo traduzir estas palavras de Severo:

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- Enfim, vou realizar o sonho que acalento há vinte anos. Amanhã, dia da libertação dos escravos, o Brasil saberá que um de seus filhos fês triunfar sua bandeira nos ares.

Seguem-se páginas sinceras, emocionantes, como a que escreveu o jornalista Xavier de Carvalho:

“Paris, 12 de maio. – É com o coração ferido pela mais profunda mágua, com os olhos cheios de lágrimas, que escrevemos esta carta de Paris, a dois passos da câmara mortuária onde repousa aquéle pobre amigo – querido entre os mais queridos! – a alma mais enternecida que nos foi dado conhecer, tipo da infinita bondade, da máscula energia e da suprema inteligência.

Morreu no seu pôsto de honra! Morreu com um herói! Que a sua memória seja eternamente bendita, - obra gloriosa de santo e de triunfador.

Mártir da ciência – o mais glorioso que a humanidade conheceu – morreu em plena Paris, numa radiosa manhã de maio. Os primeiros raios de sol beijaram as gôtas rubras de sangue que lhe saíam dos lábios sem vida!

Todos podem escrever sôbre Augusto Severo, mas ninguém pode contar como quem escreve estas linhas o que era Severo, a quem o Fígaro há meses chamara “o tipo completo de homem”.

Viera-nos recomendado do Rio há seis meses, com uma carta de Eduardo Salamonde, diretor d’O País, e desde o primeiro dia em que desembarcara em Paris, nos ligamos como dois irmãos.

Fomos o seu confidente – confidente das suas esperanças, das suas amarguras, dos seus anseios. Vimo-lo muitas vêzes chorar, estreitando nos d’encontro ao peito, como se fôssemos o seu irmão mais querido.

Do seu balão fomos, aqui no Século, o cronista, dia a dia, de todos os trabalhos. Acompanhâmo-lo sempre. As notícias publicadas nos jornais de Paris e na imprensa estrangeira forma sempre controlées por nós, que todos consideravam como secretário particular de Severo.

O infeliz aeronauta brasileiro devia fazer hoje uma ascensão de experiência no camp ode manobra de Issy les

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Moulineaux. Tinha resolvido isso ontem, quando recebera autorização do governardor militar de Paris.

- Até amanhã! dizia-me êle. Não falte. Se a manhã estiver boa, partirei às 5 da madrugada.

Mal diríamos nós que era aquela a última vez que nos víamos – o nosso derradeiro apêrto de mão.

Hoje, segunda-feira, a madrugada surgiu deslumbrante. O céu azul, sem uma nuvem; um tempo esplêndido para a ascensão! Severo, que se levantara às 4 horas da madrugada bebeu uma taça de café e tomou um trem, no Arco do Triunfo, chegado ao hangar da rua Vaugirard às 4 horas e meia.

Já ali se encontrava o nosso amigo Alberto de Souza e a família Almeida. Pouco depois, chegaram outros brasileiros., o Sr. Gomes de Araújo, Antônio de Aguiar, Eduardo Cardoso, assim como vários redatores dos jornais de sport.

Por uma fatalidade acordamos tarde e não pudemos ir cedo ao hangar. Por isso, não assistimos ao desastre. Mas ouvimos a descrição completa de tudo quanto se passou.

A espôsa de Severo, seu filho Otávio e a cunhada chegaram ao hangar, eram 5 horas. O balão tinha saído do hangar e achava-se prêso, pelos sacos d’areia. Severo depois de ter beijado a espôsa e o filho tomou lugar na barquinha, assim como o seu companheiro, o mecânico Sachet.

- Meus amigos – dizia êle aos assistentes. Vou enfim realizar o meu sonho, dirigir-me à vontade na atmosfera. Se o meu ensaio fôr coroado pelo sucesso que espero, amanhã farei a volta a Paris.

- E depois? perguntaram-lhe. - Depois, no fim do mês sigo para o Brasil. Voltarei

com a soma necessária para fazer construir em Paris um balão ainda maior, o Jesus, com que espero ir de Paris ao Rio.

Pouco depois, antes de dar ordem da partida do balão, Severo apertou a mão às pessoas que estavam junto dêle, dizendo:

- Estou completamente tranqüilo. Vou fazer 30 quilômetro por hora. A direção vai ser perfeita. É um triunfo. Verão, quando logo voltar para os abraçar a todos!

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Sôlto o balão, subiu ràpidamente de encontro ao vento voltando e girando para a direita e esquerda.

Madame Severo quase em êxtase, cercada de muitos brasileiros, seguia com os olhos as evolução do balão. De todos os lados irrompiam as aclamações. Os operários choravam de alegria.

- É o triunfo! É a vitória! diziam todos. Na verdade, Severo transformara o seu balão num

automóvel aéreo. A aeronave obedecia-lhe, dirigindo-se para todos os lados. Todos estavam boquiabertos!

Mas, de repente, viu-se uma pequena chama no balão, uma nuvem de fumo, um estampido, como de um tiro de peça ao longe o balão cai ràpidamente.

A tragédia gastou o espaço de um minuto! Madame Severo deu um grito: - Ai! o meu querido Augusto! E caiu sem sentidos. Todos rodearam a pobre senhora; mas os soluços e os

gritos de desespêro eram unânimes. Os operários como crianças.

Buchet e mais dois israelitas correram par ao sítio onde o balão devia ter caído – uma distância da Avenida a Santa Clara.

Eis o que se passara: O balão subira a 300 metros, ou mais. Subindo no ar, o

gás hidrogênio puro dilatara se sob a ação dos raios solares e o aeronauta abrira a válvula de segurança para poder descer. Mas, infelizmente o gás inflamara-se com o fogo que saía dos motores e o balão fêz explosão. O PAX desceu como um raio e veio cair na Avenida du Maine, quase à esquerda da rua Gaité. A proa da barquinha bateu no telhado de uma casa dum só andar, ao nº 79 dessa rua.

Duas árvores da Avenida ficaram com os ramos partidos e o enorme aparelho que pesava 2000 quilos reduziu-se a pedaços.

Quando a polícia se aproximou do dirigível destruído, Severo soltava o derradeiro suspiro. Estava envolvido num

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pedaço do balão; o sangue corria-lhe do nariz e das orelhas, tinha as perna partidas e a coluna vertebral fraturada.

O mecânico que subira com êle, o pobre Sachet, estava carbonizado, com a carne negra, a cair aos farrapos. Mas achava se estendido ao comprido da nacelle. O pobre Severo, êsse, caíra de pé! Um horror.

E no hangar?

A espôsa de Severo, louca de dor, seguiu de trem para casa acompanhada do Sr. Almeida, negociante brasileiro da rua Notre Dame des Victoires; tinham-lhe dado a vaga esperança de que seu marido apenas se achava ligeiramente ferido.

Foi neste momento que chegamos a casa do nosso infeliz amigo. Tínhamos sido avisados do desastre, mas não podíamos acreditar.

E só nos convencemos da verdade quando vimos sôbre o leito, branco e já frio, o nosso querido Augusto Severo. Ao lado, de joelhos, chorava a sua dedicada companheira.

Aqui nos conservamos, na rua Galileu, 63, velando o corpo do pobre e infeliz mártir. Conosco estão o visconde de Saint Legèr e Alberto de Souza.

O Sr. Alfredo Maia, ex ministro da Viação do Brasil, telegrafou a Campos Sales para que o Congresso vote os funerais de Severo e se conceda uma pensão à viúva e a sete filhos.

Eis a lista das pessoas que vieram imediatamente dar os pêsames à madame Natália Severo:

O ministro do Brasil, dr. Piza; o cônsul do Brasil, Leoni; Antônio de Aguiar e espôsa; Eduardo Ferreira Cardoso e espôsa; o ministro da Viação Pública do Brasil, Alfredo Maia; o senador Vicente Machado; Armando Durval; Paulo de Frontin; o ex-ministro Demétrio Ribeiro; o capitão engenheiro francês Renard, inventor de balão dirigível militar francês; o engenheiro brasileiro Manuel Niobey; Arantes Câmara; J. de Araújo Gomes; o senador francês Deutsch; o escrito francês Adolfo Darzens; Abel Ballof, presidnete do Touring Club; conde Henri de Lavaux; conde de Castillon d eSaint Victor; conde H. de La Valett; visconde de Saint Legèr; Louis Sauty, redator do Journal des Débats; Georges Besançon, diretor do Aerophile; Farman, redator do

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Standard, de Londres; representantes de quase todos os jornais parisienses, o secretário do ministro do interior, o secretário do Presidente da República, etc.

O correspondente do Século recebeu também telegrama do Rio de Janeiro, perguntando se a trágica cena era exata.

Como conheciam a nossa intimidade com Severo, desconfiaram muitos que nós também tivéssemos subido com o desditoso aeronauta.

Quem milagrosamente se salvou foi nosso amigo Álvaro Reis, que viera do Brasil com Severo e que devia subir com êle.

Os jornais da tarde publicam muitas notícias falsas sôbre o nosso querido morto, a notar declarações quase malévolas do capitão Renard, que disse não ter achado no balão PAX condições científicas de dirigibilidade.

Ora há 48 ouvíamos nós da própria bôca de Renard o contrário! Agora que Severo está morto, os invejosos hão de afirmar que o dirigível PAX não prestava para nada. A afirmação é infinitamente imbecil.

O PAX em tôdas as suas experiências andou magnificamente. Minutos antes do desastre movia-se no ar em tôdas as direções, como se fôsse um automóvel aéreo. Severo morreu com Solners, o construtor do Ibsen. A queda após a glória, após o triunfo. Como o herói ibseniano que cai da tôrre. Severo cai do seu balão depois de ter tido a glória de conquistar o céu!”.

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Depois da catástrofe, L’Auto Vélo, um dos jornais mais lidos dessa época, abriu uma subscrição a fim de amparar as famílias das vítimas. O total da primeira lista atingiu 2530 francos, tendo assinado, entre outros M. Henri Deutsch; Baron Henri de Rothschild; L’Aéro Club; Comte H. de La Vaulx; Comte de Castillon de Saint Victor; L’Auto-Vélio; Legrand; Lachambre; Gust. Rives; Bishop; L’Aerophile, etc. Interessante e oportuna é a descrição que fêz de Augusto Severo, o jornalista Colline, representante do Figaro em Madri:

“Apresentaram-mo um dia. Um sujeito alto estendeu-me a mão, sorrindo. Estávamos em pleno inverno e êle trazia um

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agasalho leve e de côr clara. Foi a única que nêle me chamou a atenção. Depois os seus grande olhos tristes e a sua voz velada e suave interessaram-me. Referindo-me às suas recordações da Argentina, descreveu-me com entusiasmo a moderna beleza de Buenos Aires. O seu ideal era chegar mais tarde, muito mais tarde, na era futura do progresso integral, a atravessar o espaço que separa a metrópole argentina da capital brasileira.

- A nossa América – disse êle – está destinada a ser o império mais maravilhoso do mundo. Depois acrescentou: - Tôda a raça latina...

A raça latina era para êle mais do que uma enorme coletividade vagamente filha dos romanos. Era um símbolo.

- A Rússia – continuou êle depois, - será uma irmã da raça latina. Com o seu auxílio resistiremos ao impulso dos bárbaros modernos e levaremos a cabo a obra de regeneração estética da humanidade. O que necessitamos é de uma era de paz para desenvolver, com o espírito a enorme reserva de adiantamentos que temos estudado e que só as agitações, as guerras, as mudanças políticas, impedem de pôr em prática.

Nos olhos profundamente melancólicos e na ampla fronte morena, liam-se sinceridade e fé. Tinha uma confiança ilimitada em tudo quanto se lhe dizia. A sua ingênua e valente natureza não podia consentir que existisse o engano entre pessoas bem nascidas.

Lembro me de que alguém lhe disse, por brincadeira, nessa mesma tarde:

- Santos Dumont está resolvido a não tornar a subir no seu globo, se o senhor se sair bem nas experiências aéreas.

- O senhor conhece Santos? – perguntou Severo. - Conheço. - Então repita-lhe o que eu digo: queimo o meu invento

se êle o desgosta. Não foi êle quem o queimou. Foi a fatalidade, e no

entanto o seu globo era o mais bem construído de todos. Mas, por isso mesmo que era o melhor, foi que tràgicamente se inutilizou!

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Com o desventurado Augusto Severo entrou para o martirológio da ciência mais outra vítima, - Sachet”.

Augusto Severo não era profeta, mas previu o que a humanidade teria de enfrentar mais tarde. Depois de sua morte, já passamos por duas guerras mudiais e já se fala na terceira... A Alemanha nazista foi derrotada. Mas seriam realmente os nazistas, os bárbaros modernos? Hoje, quais são os bárbaros modernos? Serão dêste ou do outro continente? E não terá acertado, ainda, ao dizer: “O que necessitamos é de uma era de paz para desenvolver com o espírito a enorme reserva de adiantamento que temos estudado e que só as agitações, as guerras, as mudnaças políticas, impedem de pôr em prática”?

Prosseguindo na leitura dos recortes colecionados por Sérgio Severo:

“Telegramas chegados do Brasil atestam já o eco da grande dor que a pátria brasileira sente neste momento pela perda do seu glorioso filho, o aeronauta Augusto Severo.

O Presidente da República, Dr. Campos Sales, mostra-se cada vez mais solícito em promover atos oficiais, que signifiquem os sentimentos do Brasil pela catástrofe.

Tôdas as despesas do entêrro correm por conta do Estado; a família foi mandada regressar ao Brasil e socorrer à custo da nação.

Todos os jornais consagram belos artigos ao infortunado Severo. Na Câmara hoje, o deputado Medeiros e Albuquerque apresentou e justificou um projeto de lei autorizando o govêrno a despender o que fôsse preciso para saldar todos os compromissos e despesas contraídas por Augusto Severo, na feitura do seu balão PAX, nas experiências que fêz, viagem, preparativos e outros gastos; indicando e autorizando a mandar à Europa um profissional de sua escolha para arrecadar os despojos do trabalho de Severo; prosseguir na realização da sua idéia e nas experiências encetadas; acautelar todos os direitos e segredos da invenção.

Propondo luto nacional pelo triste acontecimento. Autorizando tôdas as despesas condignas do funeral, a

vinda do corpo para o Brasil; subsistência desde já e garantia do futuro dos filhos do morto. Finalmente, fixando a recompensa de 25000 francos à família do mecânico Sachet.

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É comentadíssima esta última cláusula, onde o Brasil, no auge da sua dor pela perda irreparável, não esquece o humilde operário francês.

Cumprimentamos comovidos, a República Brasileira por êste nobre ato, que a história universal não esquecerá”.

E para concluir, o que publicou A Notícia, do Rio, em sua edição do dia 23/6/1902:

“E ainda o fato mais notável da semana foi o espetáculo maravilhoso do dia 18; as exéquias esplêndidas que o povo desta cidade fêz a Augusto Severo.

Não acredito haja alguém, lá fora, que possa fazer idéia exata dêsse cortejo imponente, levado em pleno dia – um dia rútilo de sol – pelas ruas apinhadas de gente e passando, entretanto, silencioso, recolhido, sem um rumor, como se as mais vastas praças fôssem pequenas câmaras mortuárias, em que se anda nas pontas dos pés, com um respeito religioso... Quem se lembrou de acender, em pleno sol, os combustores da iluminação pública envolvendo de crepe, teve uma idéia feliz: aquilo na claridade deslumbrante do dia, punha uma nota fantástica: era como se, para todos, fôsse noite, densa noite de mágua e saudade, através da qual tôda aquela gente se movesse tateando... Na velha Europa, em uma daquelas côrtes tão empedradas dentro de etiquêtas laboriosas e ridículas, o caso ainda pareceria mais estranho, se se visse um ministro plenipotenciário, cavalheiro da mais rara distinção ir pelas ruas, a pé, descoberto sustendo as varas de um pálio. É verdade que a seu lado estavam as mais altas autoridades da República e que afinal êsse ministro, nós já o naturalizamos um pouco, a despeito de tôdas as convenções da diplomacia.

Mas o fato é realmente dos mais singulares e, por isso mesmo, dos mais cativantes.

Que dia esplêndido de glória! Glória triste – mas, apesar de tudo, glória”!.

Mas de todo êle quem tirou a justa filosofia foi o artigo realmente magnífico que a Tribuna publicou; foi, sobretudo, a divisa com que ela encimou o retrato de Severo: o verso de Pailleron:

Tu n’as qu’un seus moyen d’avoir raison: sois mort.

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No sonêto de que êle é o fecho de outro, o poeta mostra como nós vamos na vida sempre feridos pelas mais várias acusações. E no fim, lembra que o único meio de termos razão é morrermos. Ah! como então não há ninguém que não lembre e exalte as qualidades e méritos do que acaba de fechar os olhos! O artigo da Tribuna apareceu ao mesmo tempo que o Jornal do Comércio fazia sair traduzida a opinião publicada em La Revue, do Sr. Georges Caye, professor de mecânica, homem hábil e competente, o único redator científico de jornais parisienses que estêve presente à trágica experiência de Severo, o único, portanto, capaz de falar com perfeito conhecimento de causa. Relata êle o fato que o mais íntimo dos seus amigos íntimos revelaria na Câmara mais tarde: Severo foi constrangido a servir-se de motor de petróleo, simples e ùnicamente por não ter recursos para adquirir um motor elétrico. Aliás, em conversa tida com êsse jornalista, cinco dias antes da tragédia, revelara-lhe o brasileiro as apreensões que sentia, dizendo que não podia mais adiar a experiência. O que não quís confessar ao estrangeiro amigo, foi a nítida consciência do que o esperava, se regressasse em busca de recursos, sem ter realizado a experiência. Calculem os senhores... as perguntas maldosas que o perseguiriam, numa visível ou oculta intenção de zombaria: “Então, Severo, que é do balão?”. O “balão do Severo”, para muitos, para quase tôda a cidade, era um caso cômico, Divergiam apenas as apreciações sôbre um ponto: seria êle um maníaco e acreditava realmente no qua afirmava, ou um espertalhão, procurando fazer dinheiro com sua idéia Para dissuadí-los dessa suposições foi preciso que êle tombasse de 400 metros de altura sôbre a descrença dêsses negadores obstinados que o mérito sempre encontra pelo caminho. O artigo de Georges Caye foi um consôlo para todos os que sempre tiveram fé e confiança plena no valor do infeliz aeronauta. Seu trabalho mostra que até o último momento Severo estava inteiramente senhor do dirigível, evoluindo com tôda a firmeza. Os papalvos que não compreendiam as manobras do aparelho fizeram a êsse respeito comentários esdrúxulos, que o professor desfaz pronta e categòricamente. Resta, agora, que o Congresso vote os meios necessários para o prosseguimento da emprêsa. É necessário que o sonho quebrado, quando justamente ia tornar-se esplêndida realidade, possa, afinal, atingir o merecido êxito.

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Severo almejava “fôsse o Brasil acima de todo o mundo”; que ninguém, em suma, quando o domínio dos ares se achasse conquistado, levantasse os olhos para o céu sem pensar em nossa terra. Precisamos fazer com que, efetivamente, se realize tão belo anseio. Enquanto isso não sucede, nas noites tão belas que a proximidade de S. João e S. Pedro enche de balões festivos, é impossível olhar para êsses brinquedos serenamente subindo ao céu, sem recordar o morto glorioso, glorioso e infeliz caído de tão alto”.

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Um dos repórteres de “O Dia”, editado em Lisboa, sabendo da passagem de Natália e seus filhos por aquela capital, de regresso ao Brasil, a bordo do paquete “Le Brésil”, da “Messageries”, procurou-a. E manteve ligeira palestra, da qual transcrevo um trecho. Por êle se vem a saber que o desditoso aeronauta teve, em sonho, a visão da tremenda catástrofe que o vitimaria, já no dia seguinte:

“É uma senhora alta e elegantíssima, de trinta e tantos anos de idade. Recebe-nos graciosamente, com um sorriso maguado. Custa-lhe falar. De quando em quando, as lágrimas a sufocam. A seu lado duas meninas e dois rapazes, e sua irmã, senhora de vinte e tantos anos, olhos pretos, morena, o tipo gracioso da brasileira (8).

- V. Ex. pode dar-nos algumas informações novas sôbre o desastre?

- Calculo que o desastre foi devido a Sachet, o qual, para que o maquinismo do motor funcionasse perfeitamente, lhe deu óleo em demasia. Daí o incêndio... (9).

- Assistiu ao desastre?

- Na rua Quentelle. Desmaiei. Os pormenores são demasiadamente conhecidos... Nos últimos dias, porém, correu com insistência, em Paris, o rumor de que o desastre tivera causa criminosa... (10). Alguns amigos de meu marido ficaram encarregados de averiguar o que havia de verdade nesse boato...

Não quisemos insistir. - Diz-se que o balão PAX tinha defeitos...

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(8) – A morena, de olhos prêtos, o tipo gracioso da brasileira... era italiana. Trata-se de Palmira irmã de Natália. Como se vê, um lapso jornalístico... (9) – Engano de Natália. Sachet não teve culpa de nada. Aquêle “lhe deu óleo em demasia”, foi um “palpite” de quem, como muitos outros que se pronunciaram sôbre o desastre, não entendia de mecânica. (10) – Nada consta sôbre o assunto, em todo o vasto documentário existente. Outro “palpite”?

- Diz-se isso, agora; porém as primeiras experiência deram resultados magníficos. A direção do Aéreo Clube de Paris estava convencida de que o balão apresentava condições satisfatórias. O triunfo era quase certo. O irmão de Sachet continua tão convencido disto que, caso alguém queira construir outro balão idêntico ao PAX, ocupará seu lugar, na experiência.

- E a imprensa? - Estou muito grata à imprensa a todos, na França. Do

Brasil não sei nada ainda, nem mesmo que lá se pense em qualquer manifestação de sentimento...

- Mais nada?

- Um pormenor íntimo e interessante: - Na véspera do desastre, Augusto Severo teve um sonho

aflitivo: estava no PAX, sobrevoava um cemitério. Das campas abertas saíam braços, estendendo-se para êle. Viu, entre os mortos, sua mãe. Acordou muito impressionado e com o pressentimento de que lhe sucederia algum desastre.

- E assim foi... - Exatamente... E caíu justamente sôbre o cemitério de

Montparnasse!”

Honra a Augusto Severo, espírito forte que, ao subir em seu balão, ainda com a alma ensombrada pelo amargo aviso, encontrou fôrças para sorrir alegremente aos amigos, à espôsa.

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Eis alguns telegramas históricos. Os três primeiros ainda falam dos Severo-vivo. Os demais refletem a profunda impressão que causou, em todo o mundo, a catástrofe do PAX: Paris, 4. O Sr. Augusto Severo fêz hoje, com sua máquina, várias experiências, as quais satisfizeram por completo quantos a ela assistiram. As provas feitas foram de estabilidade e de direção; tanto umas como outras deram excelentes resultados. O balão elevou se a uma altura de 40 metros em equilíbrio perfeito, funcionando os motores da aeronave sem a menor interrupção. Não se notou a menor oscilação, obedecendo o balão com a maior docilidade ao movimento da hélice propulsora, fazendo tôdas as evoluções com facilidade, acionado pelas hélices de direção. Prevê-se que o PAX vai obter um verdadeiro triunfo na sua estréia.

* * * Rio, 10. Constantes telegramas de vários pontos da Europa, publicados hoje aqui, exaltam o mérito excepcional do balão de Augusto Severo. As experiências preliminares têm dado resultados seguríssimos da estabilidade e direção da aeronave. A imprensa é unânime em reparar as injustiças feitas em relação a Augusto Severo. O correspondente londrino do Jornal do Comércio que tantas acusações fizera ao aeronauta, acaba de proclamar a superioridade do PAX sôbre Santos Dumont. Continua o mau tempo em Paris. Logo que melhore, terá lugar a experiência definitiva. A opinião do mundo inteiro confia no sucesso completo do invento de Augusto Severo.

* * * Mossoró, 11.

Ciente vosso telegrama relativamente a Augusto Severo transmiti notícias para o centro do Estado. Há muita satisfação aqui pelo reconhecimento do mérito do eminente brasileiro a quem o povo mossoròense saúda com entusiasmo, na vossa pessoa. Viva o Rio Grande do Norte! Dionísio Filgueira.

***

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Paris, 12 Hoje perante enorme multidão Augusto Severo estando a fazer a experiência definitiva com o seu aerostato, êste explodiu, perecendo o ilustre brasileiro e mais um seu companheiro. O fato causou aqui profunda consternação.

* * * Rio, 13. Reina aqui desde ontem imensa consternação, motivada pelo desastre que vitimou o grande brasileiro Augusto Severo. A câmara dos Deputados suspendeu ontem os seus trabalhos e o Senado inseriu em ata um voto de pesar. O Dr. Campos Sales telegrafou ao Ministro brasileiro em Paris, pedindo pormenores do horrível desastre e ordenando tôdas as providências cabíveis no caso. Grande multidão estaciona desde ontem à porta dos jornais onde são afixados boletins. Chegam telegramas de muitos pontos da Europa e da América publicando a sensação que causou em todo o mundo civilizado a morte do eminente brasileiro. O senador Pedro Velho, irmão do morto, continua recebendo inúmeras manifestações de condolências de todos os pontos do país.

* * * Paris, 13. Passo adiantar mais êsses pormenores sôbre a horrível catástrofe. A desgraça ocorreu às 6 horas da manhã. O balão subiu galhardamente perante uma multidão enorme que à vista das evolução mantinha-se numa espectativa de absoluta confiança e começava a aplaudir delirantemente o aeronauta. chegando o balão à altura de 400 metros, deu-se de repente uma grande explosão, destruindo o aparelho. Augusto Severo e seu companheiro George Sachet foram arrancados ao solo já cadáveres. Foi indescritível a sensação que se apoderou dos espectadores.

* * * Rio, 13. Em demonstração de pesar pela morte de Augusto Severo as Escolas desta capital suspenderam seus trabalhos e tôda a imprensa hasteou bandeira em funeral.

* * *

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Paris, 13. A ascensão definitiva de Augusto Severo seria hoje para comemorar a data da Abolição. Na última experiência realizada ontem, o aerostato subiu serenamente e executou muitas evolução no meio de aplausos da enorme multidão que se aglomerava nas ruas e praças. De repente ouviu-se a explosão do aparelho. Os dois aeronautas caíram na Avenida du Maine, perto do cemitério de Montparnasse. Augusto Severo caiu de pé com tamanho ímpeto que os ossos das pernas atravessaram os sapatos. O têrço inferior do corpo ficou completamente despedaçado, porém a cabeça e o tronco quase intatos. O mecânico Sachet também completamente esmigalhado. Foram indescritíveis as cenas de consternação por parte da população parasiense. O Ministro brasileiro mandou imediatamente recolher os restos mortais de Augusto Severo. Todos os jornais parisienses prestam hoje significativas homenagens ao talento e à intrepidez do grande mártir. O coronel Renard, célebre aeronauta francês, diz que o balão de Severo era u’a maravilha de mecânica e de aeronáutica.

* * * Rio, 13. O cadáver de Severo foi recolhido à legação brasileira, onde foi visitado por mais de cinco mil pessoas, inclusive as maiores notabilidades científicas da França. O Presidente da República Francesa e todos os seus Ministros, o corpo diplomático, enviaram sentidas condolências ao Dr. Piza e Almeida, lamentando a perda irreparável do genial aeronauta. Os jornais parisienses unânimes, prestam homenagens, enaltecendo a coragem e o talento de Augusto Severo, como engenheiro mecânico.

* * * Rio, 13. Os telegramas da tarde afirmam que todos os jornais de Paris são acordem em asseverar que quando a explosão inutilizou o balão tinham sido feitas as primeiras evolução, comprovando pràticamente a precisão das teorias de Augusto Severo. Os jornais de diversos países ocupam-se da catástrofe, fazendo os maiores elogios ao maravilhoso invento. O Ministro brasileiro em Paris tem recebido telegramas de pesar de tôdas as cidades da França. Na Câmara dos Deputados foram pronunciados eloqüentes discursos em homenagem ao deputado e inventor brasileiro. A Tribuna local insere hoje vários tópicos da última carta de Augusto Severo dirigida ao senador Pedro Velho, recebida ontem. A imprensa desta capital unânimemente consagrou muitas colunas ao descrever a

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catástrofe, enaltecendo o valor e mérito excepcionais de Augusto Severo e do seu invento. O senador Pedro Velho continua a receber telegramas de condolências de todos os pontos do Brasil, destacando-se, entre outros, os que passaram os Drs. Rodrigues Alves, Rosa e Silva e Silviano Brandão, que são cordialíssimos. Diversos governadores já telegrafaram. Vários Jornais publicam retratos do grande morto.

* * * Rio, 13. Ontem a Câmara dos Deputados suspendeu seus trabalhos em homenagem a Augusto Severo depois de eloqüentes discursos proferidos pelos deputados J. J. Seabra, Serzedelo Correia, Bueno de Andrade e Herédia de Sá. O deputado Herédia de Sá apresentou um projeto de lei concedendo pensão de um conto de réis a cada um dos filhos de Augusto Severo. O deputado Seabra lembrou ao govêrno a conveniência de providenciar com urgência no sentido de resguardar, nos arquivos, os direitos de Augusto Severo sôbre o grande invento. As manifestações de pesar em Paris são extraordinárias. O Aéro-Clube daquela cidade fechou suas portas, hasteando a bandeira em funeral, bem assim tôdas as sociedades científicas.

* * * Rio, 13. (Ao Governador do Estado do Rio Grande do Norte): Recebei as expressões de meu profundo pesar pela perda desastrosa do deputado Augusto Severo, digno filho dêsse Estado. Campos Sales.

* * * Paris, 14. A carta de pêsames dirigida por Emille Loubet, Presidente da República Francesa, ao Dr. Piza e Almeida, é concebida em têrmos muito honrosos a Augusto Severo e exprime o pesar do govêrno francês pela morte do eminente aeronauta. Continua a verdadeira romaria à legação do Brasil a fim de visitar o cadáver de Augusto Severo. Santos Dumont estava presente à experiência do PAX quando se deu a catástrofe. Sua emoção foi tão extraordinária que não pôde conter os soluços. Em sentida carta, por êle dirigida, opina que o motivo da explosão foi a extrema proximidade entre o motor e o balão cheio de hidrogênio. Santos Dumont confessa o valor dos melhoramentos introduzidos no PAX por Augusto Severo, acrescentando que êsses melhoramentos serão aproveitados pelos

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aeronautas. O corpo de Augusto Severo foi embalsamado por ordem do govêrno brasileiro. Aguusto Severo, antes de subir para a experiência, declarou aos amigos presentes que ia realizar o sonho que o absorvera durante vinte anos, pretendendo anunciar ao Brasil, no dia imediato ao aniversário da Abolição dos escravos, que um dos seus filhos fizera tremular sua bandeira sôbre a cidade de Paris. Le Temps referindo-se à pobreza da família de Augusto Severo, diz que é de esperar que o Congresso Nacional se recorde que foi de iniciativa dêle o prêmio a Santos Dumont. Acrescenta o mesmo jornal não ser humano, nem justo, abandonar os filhos de quem morreu pela ciência e pelo Brasil. Assinala, ainda, a nobreza da alma de Augusto Severo oferecendo-se para expôr seu balão, ao preço de um franco por visitante, revertendo o produto total das entradas em favor das vítimas da Ilha Martinica. Diz Le Temps que êste ato comoveu Paris. O jornalista Rafael Pinheiro vai publicar um livro consignando tôdas as notícias referentes à Augusto Severo (11). A imprensa aplaudiu a idéia apelando aos colegas de todos os Estados no sentido de enviarem as suas publicações relativas ao imortal brasileiro. Espera-se que o govêrno da União faça oficialmente essa publicação, revertendo o produto da venda em benefício dos filhos de Augusto Severo.

* * * Rio, 14.

O projeto apresentado hoje na Câmara dando autorização ao govêrno para continuar as experiências de Augusto Severo e tomando outras providências é do deputado Medeiros e Albuquerque que, ao justificá-lo, proferiu um discurso sensacional. O projeto foi assinado por grande número de deputados. O Dr. Piza e Almeida, Ministro em Paris, telegrafou dizendo que o corpo de Augusto Severo, preparado mediante um processo especial, será transportado para esta capital, onde deverá ser inumado. O Ministro brasileiro tomou tôdas as providência para os funerais solenes que serão celebrados em Paris. Acompanhará os corpo grande número de coroas depositadas na legação brasileira, inclusive uma, riquíssima, oferecida pelo govêrno brasileiro.

_______________ (11) – Não se conhece o citado livro...

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A catástrofe do PAX ocupou durante muito tempo o noticiário dos jornais, no Brasil e no estrangeiro, sobressaindo-se o da imprensa francesa. Foram prestadas grandes homenagens às duas vítimas. O povo francês lamentou a morte de Severo e Sachet, profundamente. Abriram-se subscrições para amparar suas famílias. Por ordem do Presidente da República, Dr. Manuel Ferras de Campos Sales, o corpo do brasileiro, embalsamado e coberto com a bandeira da França, foi transportado para a Capital Federal, no paquete Brasil, do Lloyd Brasileiro. A 15 de junho de 1902 chegada ao Rio de Janeiro, indo para o Arsenal de Marinha e depois para a Igreja da Candelária, levado por oficiais e marinheiros. Ali ficou exposto à visitação pública até o dia 18, quando se realizaram as exéquias. Foram-lhe concedidas honras oficiais, sendo alvo igualmente, o féretro, de uma demonstração carinhosa do povo da Capital, acompanhando o corpo, até o sepultamento, imensa multidão. As lâmpadas da Avenida Rio Branco foram cobertas de crepe. A pé, desde a Candelária até o cemitério São João Batista realizou-se, então o entêrro. Passava Augusto Severo, o jornalista das campanhas da Abolição e da República; o inventor, o aeronauta, o político, o homem do povo. No cemitério falaram vários oradores, desde ilustres senadores e deputados federais, até os mais humildes operários, classe onde Augusto Severo gozava de grande e merecido prestígio. Do túmulo de Augusto Severo, situado à 1ª rua à direita do portão principal daquele Campo Santo, vêem-se, no bronze, o retrato do aeronauta em medalhão, um baixo relêvo com a figura do PAX e uma legenda de autoria do grande latinista Dr. Almino Àlvares Afonso, então Senador pelo Rio Grande do Norte:

“SIDERA VINCERE CONATUS VINCIT MORTEM”. Quer dizer: “Tendo se esforçado para vencer os Astros, venceu a morte”.

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Luís da Câmara Cascudo, historiador brasileiro, escreveu sôbre Augusto Severo esta passagem, digna de citação:

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“Depois de Frei Miguelinho, é uma das grande vítimas da eloqüência. Antes de Spiess e de Zeppelin construiu um semi-rígido. Articulou a barquinha no bojo. Cursou a escola da Vontade, insensível ao desânimo, superior ao indiferentismo oficial e pedante. Sofreu tôdas as campanhas do ridículo ambiental. A distração espirituosa dos adversários de Pedro Velho consistia em insultar e diminuir Augusto Severo, seu irmão. Ninguém o ajudou financeiramente. Pobre, teimoso, morreu justamente porque o dirigível foi feito com material pouco sofrível. Se alguém se sacrificou por uma idéia generosa, êsse seria igual ao nosso Augusto Severo. Nem mais um milímetro adiante...

O aeronauta, o “entendido”, o sacrificado, o ideologista, já estamos habituados a vê-lo, rutilante, nos discursos. Raramente vemos, ou nunca vimos, o Augusto Severo todo-dia, o cidadão de Natal, gente nossa, daqui mesmo, chupando caju, tomando banho no Morcego, comendo “panelada”. Quem o alcançou vivo está desaparecendo. Augusto Severo só se apresenta no passadiço do PAX, em glória, voando para a Morte. O camarada, andando a pé, conversando, pilheriando, está se diluindo nas névoas íntimas da saudade silenciosa. Ficará o Outro, caindo em vertical, como um símbolo de persistência, haloado de fogo, sôbre a “Avenue du Maine”. O conterrâneo, maravilhoso atirador de revólver, o emérito cozinheiro, o exigente gourmet, o tribuno, o jornalista, o conservador, está condenado a morrer na memória futura. Onde a página íntima que retrate seu caráter? Onde a história simples que explique seu talento? Onde o fato comum que denuncie sua caridade?

Dá-me vontade de dizer que o maior inimigo de Severo é o PAX. O balão esconde o homem, oculta-o, disfarça-o, deforma-o em sua consagração técnica. A imortalidade do Herói é sua humanização.

Augusto Severo, deputado federal, gastava o subsídio com a prodigalidade de um nababo. Voltando ao Rio de Janeiro deu 200$ ao boteiro que o deixou no cais. E teve de pedir dinheiro emprestado para pagar o carreto da bagagem.

O título do seu dirigível, PAX, dizia o destino pacifista e lindo da aviação que os homens batizaram em arma de guerra horrível. O futuro dirigível chamar-se-ia JESUS. Elemento de aproximação, havia de ser o liame universal de

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compreensão, de unidade, anulando a distância e reunindo as almas. Sabemos em que se tornou o pássaro metálico, semeando fogo desgraça, nas alturas que eram domínio de aves e de nuvens.

Só o podemos evocar no PAX mas Augusto Severo era grande sem êle”.

Bom e dileto amigo Câmara Cascudo, quem sabe se neste livro não se encontra a página íntima que retrate o caráter de Augusto Severo, a história simples que explique seu talento, o fato comum que denuncie sua caridade?...

X X I I I

Da correspondência com Sérgio Severo, que escreve assiduamente, destaco uma das cartas que recebi, acompanhada de recorte do jornal Diário de Natal, edição do dia 14 de janeiro de 1948, onde se dá notícia de uma homenagem da Marinha a Augusto Severo. Sérgio escreveu à margem do recorte: “Vai a notícia abaixo, sôbre a inauguração da placa comemorativa ao nascimento de Papai, em Macíba. E aos poucos “o pioneiro esquecido” vai sendo lembrado”. Sim, pouco a pouco vamos saldando nossa dívida com aquêle que tanto trabalhou por um Ideal grandioso. É animador saber-se que a nossa gloriosa Marinha não esqueceu ainda aquêle que, na Câmara dos Deputados, foi chamado “O Almirante do Congresso” pelo ardor com que defendia os problemas da Armada Nacional. Vejamos, então, o que foi a cerimônia, na terra onde nasceu o criador do PAX:

“Tocante e significativa homenagem à memória de Augusto Severo foi prestada Domingo último, pela Marinha de Guerra Nacional.

Constou da inauguração de uma placa em bronze, fundida nas oficiais da Base Naval de Natal, medindo cêrca de 30x40 cms., presenteada pela Armada ao município de Macaíba, berço do grande brasileiro. Gravada no bronze há a seguinte inscrição: “Neste local, a 11 de janeiro de 1864, nasceu Augusto Severo. Homenagem da Marinha Brasileira”.

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A placa foi aposta na fachada do prédio hoje ocupado pelo armazem de Torquato Justino, na cidade de Macaíba, onde anteriormente existira o solar dos Albuquerque Maranhão. A cerimônia teve início às 17 horas, a ela comparecendo um grupo de oficiais de Marinha, representando o comandante Roberto Castilho, diretor da Base Naval; Custódio Toscano, secretário-geral de Estado, representando o governador José Varela; major J. V. da Silva, comandante da Base Aérea; prefeito Sílvio Pedrosa; major Aluísio Moura, chefe de polícia; Wilson Dantas, delegado da Ordem Social; professor Héli Viana, catedrático da Universidade do Brasil; historiador Luís da Câmara Cascudo; o prefeito do município, Sr. Antônio Lucas, elementos da sociedade local, além da família do homenageado, composta de filhos, netos e bisnetos de Augusto Severo. Oferecendo o bronze a Macaíba, falou o comandante Luís Martins, capitão dos Portos, que proferiu eloqüente discurso, enaltecendo a vida e a obra do homenageado, que abriu à sua própria geração a conquista do espaço. Agradeceu em nome do município o escritor Câmara Cascudo. Depois da aposição, realizou-se uma cerimônia no Clube Pax, que congrega a alta sociedade de Macaíba, presidida pelo Sr. Custódio Toscano. Falaram nessa ocasião o Sr. Sérgio Severo, filho do aeronauta, oferecendo ao clube uma fotografia ampliada do balão PAX, em que a 12 de maio de 1902, em Paris, era Augusto Severo sacrificado pelo progresso; o Sr. Enock Garcia, diretor do Departamento de Agricultura; Dr. José Gomes da Costa, Juiz de Direito da Comarca; professor Hélio Viana. Encerrando a sessão, usou da palavra o Sr. Custódio Toscano. Em seguida, pela prefeitura de Macaíba e pela diretoria do Clube, foi oferecido aos presente um “cock-tail”, terminando com danças, que se prolongaram até às primeiras horas do dia seguinte, tocando a orquestra da Polícia Militar”. Como estamos no capítulo – recordações do primeiro mártir brasileiro da Aeronáutica, é interessante salientar, também aqui, as comemorações realizadas em Natal, durante uma Semana da Asa, pelo povo potiguar e pelos rapazes da Base Aérea de Parnamirim, o famoso “Trampolim para a África” que outrora não saía do noticiário mundial, baluarte na campanha em prol da vitória e da Democracia. Entre outros ítens do programa, citemos: Procissão de N. S. de Fátima e romaria até Ponte Negra, onde foi celebrada missa campal emação de graças pela Aviação Brasileira, em cooperação com a Federação da Congregações Marianas de Natal. Local de início da procissão: Praça Augusto Severo, onde se realizou a primeira homenagem; visitação aos túmulos dos aviadores sepultados no cemitério do Alecrim; lançamento de uma coroa de flôres sôbre o mar, túmulo do Ten. Nei

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Osório, como preito de saudade da Base Aérea; em cooperação com o Govêrno do Estado, por intermédio do Departamento de Educação, e com a Prefeitura de Natal, concentração dos Colégio junto à estátua de Augusto Severo, ocasião em que falou o Sr. Sílvio Pedrosa, prefeito da cidade. A Escola da Base Aérea entoou, então, o “Hino do Aviador”, sobrevoando a cidade uma esquadrilha do Aéro Clube local. Dos aviões que sobrevoaram a estátua, foram lançados folhetos com a seguinte frase do “Pioneiro Esquecido”:

“As aves guardam ainda como seu reino exclusivo o vasto oceano atmosférico; mas eu confio que, não longe de hoje, por Dumont ou por qualquer outro brasileiro, poderemos ver passar por cima de todos os povos e ao lado do estandarte da paz, o “auri-verde pendão de minha terra”.

No Rio de Janeiro, o Ministério da Aeronáutica e o Centro Norte Riograndense comemoraram, em 1952, com grande brilhantismo, o cinqüentenário da morte de Augusto Severo. Em Natal, com a colaboração e o apoio da imprensa, das autoridades e do povo potiguar, foi dedicada uma semana inteira para as solenidades de 1952. Estas solenidades decorreram magnìficamente, conforme ouvi dos lábios do incansável Sérgio Severo, atual presidente do Aéro Clube de Natal, e que aqui estêve de passagem, a serviço da Aviação Brasileira. Como se pode ver, já se manifestaram a Marinha e a Aeronáutica, homenageando o grande brasileiro. Que fale, também, a Câmara dos Deputados! E tão alto como o fazia êle, quando a ilustrava com o ardor e o brilho do seu patriotismo, da sua inteligência. .......................................................................................................................................

Em 1952 a França fêz reconstruir um monumento a Santos

Dumont existente naquele país amigo, que os nazistas destruíram quando da última guerra mundial. Ao ensejo da inauguração realizaram-se várias solenidades em honra ao pai da Aviação, com a presença do Ministro da Aeronáutica Brigadeiro Nero Moura e parlamentares brasileiros. Nessa ocasião, também foram prestadas homenagens a Augusto Severo, no local exato onde êsse grande brasileiro tombava, a 12 de maio de 1902, na Avenida du Maine, tendo falado o Deputado potiguar Dioclécio Duarte.

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X X I V

Que me seja permitido, ao finalizar, fazer algumas divagações! Tentei trazer para a letra de fôrma a vida de um homem. Augusto Severo não foi apenas o sábio. Não vejo, em tôda a sua história, apenas o cientista, o político. Vejo, sim, o brasileiro ilustre, que por fôrças misteriosas, vive ainda no esquecimento... Êste livro nada mais pretende do que torná-lo conhecido e amado por todos. “Morremos! Nada mais certo. Quando a terra onde estamos tiver dado umas cem voltas ao redor do Sol, nenhum de nós, caro leitor, será já dêste mundo” (Flammarion). Que pensas da morte? Talvez nada, pois no mundo conturbado de hoje, quase nem temos tempo de pensar na vida... Fica-nos, porém, dos que partiram, uma lição. “O habitante da Terra é ainda tão estúpido e tão animal, que até agora, e em tôda a parte, foi a fôrça brutal que fundou o Direito e o manteve; que o primeiro ministério de cada nação é o ministério da guerra; e que os nove décimos dos recursos financeiros dos povos são consagrados às matanças periódicas internacionais. E a morte continua a reger soberanamente os destinos da humanidade”. Tenho visto muita gente morrer. E morrer horrìvelmente, como os que morrem pela Aviação. Não os lamento e nunca chorei sua morte. Por que chorar a morte dos heróis? Quem voa, sabe ou, pelo menos, imagina – que a qualquer momento, a qualquer instante, pode chegar “a sua hora”. Voltemos àqueles minutos, em Paris, quando Severo despedia-se dos amigos e sorria para a companheira. Êle não podia supor – se bem o temesse – que pouco depois deixaria o mundo material. Ainda hoje, os que voam, temem, mas voam, não haveria Aviação, não haveria asas metálicas no espaço, porque corajosos ficam em terra... Finalmente, ao nome de Augusto Severo, primeiro mártir da aeronáutica brasileira, junta-se hoje o de uma legião de desaparecidos. Outros irão. É que Deus exige sempre o sacrifício dos que procuram desvendar os mistérios do céu. Mas, já o disse Camille Flammarion – “o corpo passa e a alma vive no infinito e na eternidade” –. Nós guardamos ainda a esperança bonita de nos encontrarmos todos, por lá, um dia... E que Deus proteja as asas do Brasil!.

El elogio sincero y desinteresado no rebaja a quien lo

otorga ni ofende a quien lo recibe, aun cuando es injusto;

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pouede ser un erro, no es una indignidade. La adulación lo es

siempre: es desleal y interesada”.

José Ingenieros, em “El Hombre Mediocre”.

AUGUSTO FERNANDES nasceu aos 12 de maio de 1918, em Belém, estado do Pará. Fêz os primeiros estudos em sua terra natal. Mais tarde, recebeu diploma de Contador, no Grêmio Literário e Comercial Português. Cursava a 4ª série ginasial no Colégio Progresso Paraense, quando embarcou para o Rio de Janeiro, onde prestou exames de seleção e admissão ao Curso de Sargento Aviador, na Ex-Escola de Aviação Militar, no Campo dos Afonsos. Criado o Ministério da Aeronáutica, ingressou na Escola de Especialistas da Ilha do Governador (Galeão), concluindo o curso como Técnico em Vôo. Ao romper a segunda guerra mundial, foi transferido e classificado, passando a servir na Base Aérea de Natal, como um de seus fundadores, que é. Ali, tomou parte no serviço de proteção aos navios e combóios brasileiros, em Missão de Guerra, tendo sido o 1º colocado em horas de vôo, como Técnico. Realizou 84 missões e recebeu três condecorações: a “Cruz da Aviação”, fita B, com quatro estrêlas, “Medalha da Campanha do Atlântico Sul” e “Medalha de Bronze”, como reconhecimento dos bons serviços prestados. Sentindo as lutas de seus irmãos aviadores e vivendo, também, tantos momentos dramáticos, escreveu naqueles dias de guerra “O TRAMPOLIM DA VITÓRIA”, livro que é, como bem o disse na dedicatória, “de todos os que lutaram e lutam ainda, por um mundo livre”. Durante os três anos que esteve em Natal, cursou, no Ateneu Norte Riograndense, até o 2º ano Científico. De regresso ao Rio, transferido para o IIº Grupo de Transportes, concluiu o Curso no Colégio Piedade e ingressou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, onde recebeu o diploma em 1951.

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Em 1947 passou a servir no Parque de Aeronáutica dos Afonsos, de onde foi transferido para a reserva no posto de 1º Tenente. Ao deixar o serviço ativo da Força Aérea contava com mais de 1.000 horas de vôo.

A P Ê N D I C E

A L G U M A S O P I N I Õ E S S Ô B R E

“O TRAMPOLIM DA VITÓRIA” AFONSO SCHMIDT

O TRAMPOLIM DA VITÓRIA

(Especial para o JORNAL DE SÃO PAULO)

Quando o Brasil entrou na luta, teve de convocar, como era natural legiões de moços. Os nossos jovens patrícios mais fortes, saudáveis e inteligentes foram distribuídos pelas diversas armas e muitos dêles atravessaram o mar, em grandes transportes de guerra, para lutar bravamente na Europa. Aconteceu que, entre os demais, foram convocados numerosos artistas da novíssima geração: poetas, escritores, cantores e músicos que, pouco a pouco revelaram as suas nobres aptidões. Quando a BBC, de Londres, mandou os seus correspondentes à Itália a fim de transmitir par ao mundo as impressões sôbre os acampamentos brasileiros, pôde organizar esplêndidos programas, pois os pracinhas contribuíam com composições, cantos, crônicas e poemas escritos nos raros momentos que dispunham para isso. Mas essa floração intelectual não se deu apenas na Europa. Os nossos patrícios que serviam nos quartéis, nos tombadilhos e nos campos de aviação encontraram jeito de manifestar os seus sentimentos artísticos.

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Entre êles está o segundo sargento Augusto Fernandes que, mandado para a base aérea de Natal, ao lado da base norte-americana de Parnamirim, aproveitou as suas folgas para ler, tomar notas, colhêr impressões e, chegando ao Rio de Janeiro, acaba de dar a lume um livrinho assaz interessante com o título de “O TRAMPOLIM DA VITÓRIA”, dedicando-o “aos que lutaram e lutam ainda por um mundo livre”. E acrescentou: “Que êsse mundo venha! Que se torne realidade grandiosa – digna do sacrifício de todos os que se acham no “front”: vivos ou mortos”. Augusto Fernandes é um nome que surge. Êle mesmo se apresenta: “Quem sou eu? Um jovem desconhecido. E o livro/ Nada mais na menos do que um pequeno esfôrço para agradar a meia dúzia de amigos que gostam de ler meus rabiscos. Não poderia encontrar, com não encontrei, uma Editôra que se interessasse pelo Trampolim. E recebi contras em boas condições... Mas, como sempre, acreditei na fôrça de vontade, confiei na minha estrêla (não gostasse eu de andar entre as nuvens) e resolvi interpretar uma daqueles personagens do filme “Casablanca”. Esperei, esperei, esperei. Um dia recebi um presente do céu. Fui aos Estados Unidos em missão especial e de lá voltei com novas idéias e alguns dólares no bôlso. Meditei um pouco e mandei fazer a edição por minha conta, ordem e risco”. É o drama dos que enveredam pela carreira das letras. Antigamente, nós publicávamos as nossas primeiras produções nos jornaizinhos de bairro, depois nas revistinhas literárias, mais tarde entrávamos para o jornal e, graças à camaradagem do secretário, nêle dávamos a lume crônicas e poesias, sem ganhar um vintém, por isso. Um dia, reuníamos a obra em volume e íamos por aí a fora, de escritório em escritório, nuns bens, noutros mal recebidos, a “passar” o nosso trabalho. Grandes poetas brasileiros fizeram isso. Entre êles podemos citar Batista Capelos. Hoje eu imagino quanto teria sofrido o autor de “Os Bandeirantes”, diante de homens atarefados que, com certeza, o tinham em má conta, a ouvir o Borgonha, que lhe servia de secretário, repetir a lenga-lenga elogiosa ao poeta e à sua obra. E dizia a verdade. O borgonha que hoje é um homem de largas posses, nunca em sua vida proferiu palavras tão verazes como quando, para convencer o benemérito, exclamava com ênfase: - Batista Capelos é um grande poeta, “Os Bandeirantes” é um grande livro! Mas voltemos ao assunto. Augusto Fernandes, no seu primeiro trabalho, revela qualidades que, dentro de pouco, lhe assegurarão lugar de relêvo na nova geração de escritores brasileiro. Escreve com facilidade coisas singelas. Em certos passos do livro, a gente perde o contato com a letra de fôrma e fica a ouví-lo, com ose êle estivesse ali mesmo, a relatar-

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nos de viva voz as suas impressões de viagem até Natal. Só vendo como êle conta isso, com mocidade e alegria, quase com exaltação: “O avião voa serenamente... Lá em baixo o mar – calmo e imenso – é um gigante que dorme. O céu – pela variação de côres e de luz – brilha extraordinàriamente. No horizonte o sol desaparece pouco a pouco. Nuvens passam envolvendo por segundos a águia metálica. Tudo é paz! Tudo é calma! Só ouvimos o roncar sincronizado dos motores. Estamos regressando de um vôo de patrulha. Em dado momento, como levados por fôrça estranha, fixamos o relógio de bordo. Seis horas da tarde! Crepúsculo! O pilôto olha o co-pilôto... O mecânico olha o radiotelegrafista... êste, o bombardeador... Nossos lábios murmuram: Ave Maria, cheia de graça...”

O livro é todo assim, cheio de ternura. De quando em quando o autor filosofa: “Fala se na construção de um mundo melhor, de um mundo como sonhou Wendel Wilkie. Já li muita coisa bonita e não posse deixar de reconhecer a boa vontade de alguns homens ilustres. Sim, que venha um nôvo mundo onde possamos dizer: “Nem tudo são palavras!” Todavia (e a í eu fico imaginando) êsse mundo nôvo será igual ao que outros homens projetaram e construíram depois das guerra passadas? Se o fôr, é melhor riscarmos dos dicionários o têrmo: coração. Sim, porque se não tivermos coração para edificarmos em bases sólidas uma sociedade onde haja alegria de viver; se não tivermos coração para superar as ambições desmedidas, é melhor que desapareça totalmente do seio da terra a espécie humana”. E, adiante: “Sou apenas um jovem, pedaço de uma geração que nasceu sob uma tempestade (1918) e vive mergulhada e outra mais terrível: a guerra de nossos dias. Assiste-me o direito de, pelo menos, não ficar calado. Parece que a minha geração – sinto dizê-lo – deixou se dominar pela mentalidade tacanha de velhos corruptos e sórdidos políticos. Devemos continuar vivendo sem um grito de alerta contra os elementos inúteis que ainda imperam no mundo atual?”

Depois é a descrição viva e colorida das terras por onde passou. As bases aéreas. Os seus homens, oficiais, inferiores, soldados. As festas em que tomou parte, as belas jovens de Natal e as que por lá passaram, vistas entre dois saltos de avião. E os desastres em que tantos patrícios heróicos perderam a vida. Um dia, o autor estava junto ao “05”, à espera do pilôto, que era o tenente César. Êle chegou e perguntou: - “Que tal o “bicho”?

- Bem, respondi. E acrescentei: A “Garça” já foi hoje a Natal com o tenente Geraldo. Está 100% reabastecida e pronta para umas trapalhadas lá pelo céu. O tenente César sorriu. Aquêle sorriso era característico.

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Denotava um camarada “igual”. Ajeitou-se, dentro da cabina e já se ia amarrando com o pára-quedas quando observei que êle não havia colocado antes o salva-vidas.

- Não vai levar o salva-vidas?

- Ah!, sim... Vou colocá-lo... E foram essas para mim as suas últimas palavras. Colocou-o. Ajeitou bem o pára-quedas e deu partida no “05”. O motor pegou logo na primeira vez. Tenente César esperou alguns minutos a fim de que o líquido de refrigeração do motor atingisse a temperatura normal. Pressão e temperatura de óleo boas. Ei-lo agora experimentando os magnetos. Tudo pronto. Fêz um sinal com o dedo – êsse sinal característico entre o pilôto e o técnico. Dois serventes retiraram os calços do avião. E, lentamente, o “05” dirigiu-se para a pista. Decolou bem. Eu observava tudo. Ainda hoje me parece ver o “05” partir como um raio, numa corrida louca... Depois d emeia hora de vôo, aproximadamente, recebemos a triste notícia: - Caiu um avião na praia da Boa Viagem... Pela amostra, colhida ao acaso nas 150 páginas, o leitor já viu que se trata de um livro sincero, bem escrito, onde há beleza e emoção. Um livro que devia encontrar grande público em nossa terra. Mas isso, ao que parece, não se deu. Até hoje não deparei com nenhuma referência a seu respeito em nossos jornais. Sabedor do aparecimento do Trampolim da Vitória pelas cartas do terceiro sargento Aldo Schmidt, companheiro de Augusto Fernandes na base de Natal, corri as livrarias de São Paulo, à sua procura. Mas ninguém me soube dar notícias dêle. Essas livrarias estão muito ocupadas em expor e vender aquilo que o público chama “romances de filmes”. São traduções que dão rios de dinheiro. Felizmente, porém, o autor teve a amabilidade de me oferecer um exemplar. Só assim pude estimar o livro e desestimar o prefácio. O sr. Wilson Jardim Neves, que o apresentou, teve jeito de fazer, em 13 longas páginas, uma condenação do comunismo. Tão veemente, só no Mein Kampf. A que propósito aquêle aranzel? Num livro tão delicado, tão lindo? Que o digam os sábio do Escritura.

(Edição do dia 21/4/1946)

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, DO RIO DE JANEIRO

(Registro bibliográfico)

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O TRAMPOLIM DA VITÓRIA – O Sr. Augusto Fernandes participou ativamente da luta contra o nazi-fascismo. Serviu, na qualidade de aviador, nas fôrças brasileiras encarregadas de defender o chamado Trampolim da Vitória, com sede em Natal. De como se desincumbiu da missão que lhe foi confiada, e de como sucederam os acontecimentos até a vitória da Democracia sôbre o nazismo, dá-nos notícia no livro de sua autoria O Trampolim da Vitória, que vem de publicar. O livro recomenda-se pela elevação dos temas tratados, pelo estilo correntio, pelo patriotismo das suas páginas. É, enfim, uma boa contribuição à literatura de guerra nacional. – N. L.

Edição do dia 25/5/1946

“O TRAMPOLIM DA VITÓRIA” prima pela simplicidade do estilo com que foi escrito, e contribuindo eficientemente par ao engrandecimento da história do Rio Grande do Norte. Você venceu como gente grande. Outras vitórias lhe virão. O momento é dos moços cultos e inteligentes. Prossiga, Augusto, sem temor e confiante no seu esfôrço, até à conquista final, que são os manjares da imortalidade. Parabéns, meu amigo. O seu livro será julgado com retidão e justiça”.

(De uma carta de Hélio Santiago)

Prezado Sr. Augusto Fernandes. Devo a gentileza do amigo Olivério Noronha a leitura do seu livro O Trampolim da Vitória. Li-o com muito interêsse e felicito o pela maneira com que soube fixar os diversos aspectos da nossa cidade, durante o duro período da guerra, sem usar frases difíceis, mas expressando-se com muita clareza, elegância e simplicidade. Como era natural, o capítulo em que fala de meu pai Augusto Severo e de sua visita à nossa casa mereceram especial atenção. Pelas suas bondosas referências àquela visita e à minha pessoa, os meus sinceros agradecimentos. E antes de terminar informo que o Clube PAX, de Macaíba, inaugurou uma biblioteca, na qual, estou certo, deve haver um lugar reservado para o seu livro, se o Amigo quiser fazer a gentileza de oferecê-lo. Estive naquela cidade, no dia 12, assistindo à inauguração de um

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retrato de Augusto Severo e tive oportunidade de identificar a menina da boneca que me repetiu com todos os detalhes o episódio que lhe serviu para um magnífico comentário. Aliás, D. Brazilina já era minha velha conhecida, mas não sabia ainda daquela história. E ao terminar, mando-lhe as minhas felicitações e desejo-lhe felicidades.

Um abraço do patrício amigo

Sérgio Severo

Natal, 20/5/46. Augusto: Eu quero expressar-te nestes rabiscos – que só estão direitos porque foram feitos à máquina – a minha admiração pelo teu estilo simples, por isso que é belo, pelo modo sensato por que sabes tão bem interpretar as cousas da nossa terra. Não pares, Augusto. Envereda firme pelo caminho da literatura que aqui fico eu apenas para admirar a torrente literária que sai do bico da tua pena. Não produzo nada. Não sonho. “P’ra que sonha?”

Kleber Lago do Valle Mello