BMS_Clube de leitura [O Estrangeiro]

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1 O ESTRANGEIRO SOBRE O AUTOR Albert Camus [1913-1960] Prémio Nobel em 1957. “Chamaram-lhe existencialista, mas recusou essa etiqueta, como de resto todas as outras com que o quiseram catalogar. Era um espírito livre que via na revolta ‘o único meio de superar o absurdo’, mas com consciência de que muitas revoluções estão condenadas a transformar-se em tiranias. No mais conhecido dos seus romances, O Estrangeiro, criou Meursault, como ele um pied noir (francês nascido na Argélia), personagem íntegra que, ao ser julgada por homicídio, não tenta escapar às suas responsabilidades através de um falso arrependimento. Muitas vezes citado em filmes, o livro também inspirou um número invulgar de canções pop/rock, entre as quais “Killing an Arab”, dos The Cure. O que nos ensinou: a solidão existencial do Homem moderno.” José Mário Silva in “Os 50 escritores mais influentes do século XX” (revista LER) Numa terra onde tudo convidava a viver, com areias reluzentes e um mar muito azul, Camus aprendeu cedo que a miséria limitava o paraíso argeliano a um lugar sem muitas oportunidades. Foi graças a uma bolsa que entrou no liceu da capital. Em 1940, como jornalista em Paris, a 2.ª Guerra Mundial torna difícil a vida em França, levando o autor para a Argélia. Camus foi o único intelectual que advertiu o mundo a respeito da bomba atómica 2 dias antes do ataque de Hiroshima. Lutou contra o suicídio e pena de morte, contra a indiferença do mundo e contra seu próprio desespero e sua angústia. E publicou O Homem Revoltado, em 1951, em que critica os regimes totalitários, atribuindo-lhes uma carga de culpa pela violência da sua época, o que lhe rendeu o fim da sua amizade com Sartre e contínuas críticas pejorativas do ex-amigo. Camus busca na forma de viver livre, intensa e responsavelmente, o modo pelo qual se alcança a felicidade e é isso o que confunde a sua vida e obra. N’O Mito de Sísifo, Camus nega o existencialismo e diz “Não sou existencialista […] e o único livro de ideias que eu publiquei, O Mito de Sísifo, foi contra os filósofos existencialistas”. Não acredita em Deus, porque afirma que se Deus existisse daria sentido à vida que não a tem. São suas as palavras “Ou não somos livres e o responsável pelo mal é Deus todo-poderoso ou somos livres e responsáveis, mas Deus não é todo-poderoso”. Camus recusa ser existencialista, pois afirma e atesta em toda a sua obra que se dedica mais à questão do absurdo e da revolta em que o homem devia recusar os pensamentos irracionais e

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Material sobre a obra de Albert Camus

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O ESTRANGEIRO SOBRE O AUTOR • Albert Camus [1913-1960] Prémio Nobel em 1957. “Chamaram-lhe existencialista, mas recusou essa etiqueta, como de resto todas as outras com que o quiseram catalogar. Era um espírito livre que via na revolta ‘o único meio de superar o absurdo’, mas com consciência de que muitas revoluções estão condenadas a transformar-se em tiranias. No mais conhecido dos seus romances, O Estrangeiro, criou Meursault, como ele um pied noir (francês nascido na Argélia), personagem íntegra que, ao ser julgada por homicídio, não tenta escapar às suas responsabilidades através de um falso arrependimento. Muitas vezes citado em filmes, o livro também inspirou um número invulgar de canções pop/rock, entre as quais “Killing an Arab”, dos The Cure. O que nos ensinou: a solidão existencial do Homem moderno.”

José Mário Silva in “Os 50 escritores mais influentes do século XX” (revista LER)

Numa terra onde tudo convidava a viver, com areias reluzentes e um mar muito azul, Camus aprendeu cedo que a miséria limitava o paraíso argeliano a um lugar sem muitas oportunidades. Foi graças a uma bolsa que entrou no liceu da capital. Em 1940, como jornalista em Paris, a 2.ª Guerra Mundial torna difícil a vida em França, levando o autor para a Argélia. Camus foi o único intelectual que advertiu o mundo a respeito da bomba atómica 2 dias antes do ataque de Hiroshima. Lutou contra o suicídio e pena de morte, contra a indiferença do mundo e contra seu próprio desespero e sua angústia. E publicou O Homem Revoltado, em 1951, em que critica os regimes totalitários, atribuindo-lhes uma carga de culpa pela violência da sua época, o que lhe rendeu o fim da sua amizade com Sartre e contínuas críticas pejorativas do ex-amigo. Camus busca na forma de viver livre, intensa e responsavelmente, o modo pelo qual se alcança a felicidade e é isso o que confunde a sua vida e obra. N’O Mito de Sísifo, Camus nega o existencialismo e diz “Não sou existencialista […] e o único livro de ideias que eu publiquei, O Mito de Sísifo, foi contra os filósofos existencialistas”. Não acredita em Deus, porque afirma que se Deus existisse daria sentido à vida que não a tem. São suas as palavras “Ou não somos livres e o responsável pelo mal é Deus todo-poderoso ou somos livres e responsáveis, mas Deus não é todo-poderoso”. Camus recusa ser existencialista, pois afirma e atesta em toda a sua obra que se dedica mais à questão do absurdo e da revolta em que o homem devia recusar os pensamentos irracionais e

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não apenas ter consciência do abandono, da solidão e da ausência de Deus, sem atitudes motivadoras. Para Camus, se não há esperança não pode haver o absurdo, pois perdidas as esperanças o homem suicida-se e sem o homem não há o sentimento do absurdo. A partir da sua obra, a literatura do absurdo deixou de ser vista apenas sob o viés do pessimismo e da desesperança, porque instiga os homens a revoltarem-se contra o absurdo. SOBRE A OBRA • Sinopse: Mersault, um homem totalmente dominado pelo vazio, recebe a notícia da morte da mãe, comete um crime gratuitamente, é preso, julgado e condenado à morte. Em todas as circunstâncias ele age da mesma maneira: indiferente. Para ele tanto faz. Todos os atos e circunstâncias se devem ao acaso. Nada mais. Romance de fácil leitura, duro e entristecedor em muitos aspetos, mas extraordinariamente valioso pelo seu conteúdo. O Estrangeiro é o nosso subconsciente e inconsciente. Fala-nos de paredes sem cores ou de tintas sem telas. Camus elabora uma filosofia megalómana sobre um homem que talvez resida um pouco em cada um de nós, talhando-o de tolo e fazendo-o genial na simplicidade versus grandeza dos seus pensamentos, ações e curtas falas. Obra sublime porque a história é a vida, a morte (que faz parte da vida), o absurdo na vida. Este livro obriga a uma auto-reflexão e, consequentemente, a uma autodefesa, pois vemo-nos obrigados a encontrar argumentos (formas de realmente viver) que combatam o Nada que todos os dias nos bate à porta. Romance estranho, desconcertante sob a sua aparente singeleza estilística, nele se joga o destino de um homem que viveu a vida segundo a sua sensibilidade. Faz parte do ciclo do absurdo, divulgado através da trilogia: o romance O Estrangeiro; o ensaio “O Mito de Sísifo”; e a peça de teatro Calígula. Foi traduzido para 40 línguas, tendo sido adaptado para o cinema por Luchino Visconti em 1967. Camus não queria escrever um romance de tese e, por isso, prefere deixar Mersault ambíguo. Por que é que a obra é fascinante? Exatamente porque ao fim de páginas e páginas não conseguimos decifrar e compreender Mersault e é por isso que não o conseguimos esquecer; e porque solicita do leitor a busca incessante de todos os sentidos que as palavras utilizadas comportam no texto e obriga a buscarem-se os falsos sentidos, os contra-sensos, os paradoxos, as entrelinhas, as diferentes interpretações e sentidos possíveis. Sartre diz que esta obra lembra que há obras que valem por elas próprias e que não querem provar seja o que quer que fosse. Mas, em contrapartida dessa gratuitidade, o romance ficava assaz ambíguo.

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COMENTÁRIOS DO CLUBE • Trata-se de uma obra que marca a literatura do século XX. Não há arrependimento, não há perdão. Mersault cometeu um homicídio sem querer, só porque o sol incidia sobre ele, ocorrendo um enorme calor e uma luz muito forte. Este, por um lado, não consegue encontrar justificação para tal e, por outro, não está preocupado em apresentar qualquer explicação. É uma situação "absurda". A personagem principal é-me simpática, inteligente, muito estranha e ao longo do livro apeteceu-me sempre defendê-la. É julgada e condenada, mas não percebi, se foi condenada pelo crime que cometeu, ou se por não ter chorado no funeral da sua mãe e por ter ido, logo a seguir, nadar na praia, ver um filme cómico e fazer amor com uma namorada recente. O seu grande erro foi não ter feito o que todos esperavam dela...

Dina Peres

Quem é Salamano? Salamano trata o seu cão – único ser que o acompanha na sua solidão – por "Bandido! Cão nojento!". Insulta-o porque "Está sempre aqui!". Mas quando este cão desaparece, Salamano passa a ser um menino perdido. Chora sozinho no seu quarto e, desamparado, partilha com Mersault: "O que vai ser de mim?!" Quem é Salamano que, no julgamento de Mersault, é sensível às suas circunstâncias e apela "É preciso compreendê-lo" quando ninguém parecia capaz de tal olhar? O que nos quer dizer Camus com esta personagem?

Lúcia Mendonça

O estrangeiro é o outro, o que tem um falar ou uma língua diferente da minha e uma cultura e um comportamento que me são estranhos. Diferentemente de ser estrangeiro é sentir-se estrangeiro, porque não se partilha da norma comum, porque não se sente afinidades com a maioria, porque se sente à margem, porque não se reflete nos outros. Creio que o personagem que Camus criou personifica a sua preocupação intelectual perante a existência, numa época em que filosofava sobre o absurdo da vida, e é precisamente sobre isso que ele nos quer falar, dando vida a um Mersault mergulhado numa sociedade colonial, onde é possível vivenciar simultaneamente duas normas: a do colonizador e a do colonizado. A vida é de tal forma absurda para Mersault que lhe é absolutamente indiferente fazer isto ou aquilo, e a geografia que Camus escolheu para o seu romance tem lugar no Norte de África, sobre um sol implacável, desgastando qualquer resto de vontade que Mersault possa querer reanimar – tanto se lhe dá. Eu vivo muito essa ideia de que não há razão nenhuma para que a vida tenha que ter um sentido, mas não lhe sou indiferente, como Mersault.

António Baeta

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Dizer o complicado de forma simples é obra de autores supremos, que se eternizam na memória do leitor com o “perfume” da sua arte de contar. Já se tornou um cliché dizer isto, mas se os clássicos continuamente ensinam isto ao leitor? Conseguir deixar um nó na garganta e o coração apertado com um protagonista que vive a vida de forma tão desprendida e tão leve (e que apesar de cometer um crime nunca se recusa a obedecer à lei), sem lhe conferir alguma importância, parece… um mistério e difícil mesmo de acreditar, mas isto é o que Camus consegue com O Estrangeiro. E o leitor segue Mersault com a estranheza de quem segue uma espécie de fantasma, um não-homem, que parece não sentir durante toda a vida (inclusive a morte de sua mãe) se ser passa, sobretudo, por sentir. Contudo, os esforços racionais por manter-se indiferente a tudo e todos são de tal forma conseguidos que, perante a sentença de morte, Mersault deseja-a rápida e acompanhada de grande público e nisto constitui a sua revolta e, portanto, libertação. Nunca a (decisão da) condenação de um assassino foi tão difícil para um leitor, porque nunca a verdade colocou o leitor diante da evidência de ausência de resposta para um ato cruel e gratuitamente perpetrado. Porque se o sol e o calor são instâncias determinantes no comportamento de Mersault, estes não explicam tudo… Dizer tudo e parecer que não se disse nada, ou a grande sensação de vazio ou de incompletude com que este (anti-) herói nos deixa é prova de que o absurdo de Camus se entranha no leitor e, tal qual Mersault, também ele não suporta o sol de frente. E a prova de que perante uma verdadeira obra-prima apenas a fruição apetece…

Sónia Pereira [coord.] EXCERTOS ESCOLHIDOS • [paginação de acordo com a edição da Bertrand, de 2006] p.76 | Pergunta do advogado sobre se ele tinha pena do que se passou com a mãe. pp.77-79 | Maior absurdo da obra: ele, que era o assassino, teve medo daquele que era o juiz… p.79 | Mersault não se consegue habituar à ideia de que também ele era um assassino. pp.92-94 | Muito calor no julgamento. Sente vontade de chorar pela primeira vez em muitos anos quando vê que todos o odeiam. p.96 | Celeste quis ajudá-lo, mas não conseguiu e ele diz que foi a primeira vez que lhe apeteceu beijar um homem. pp.101-102 | Explicação do seu silêncio: às vezes apetecia-lhe falar, já que era o acusado, mas depois achava que já não tinha nada a dizer. Os discursos depressa o fatigam e ele próprio acha que as palavras dos outros não deixam de ser plausíveis. pp.102-103 | Não tinha o direito de se mostrar afetuoso, de ter boa vontade.

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pp.112-113 | Tenta racionalizar tudo para não sofrer tanto. p.118 | Não há, no fundo, nenhuma ideia a que o homem não se habitue. SUGESTÕES DIVERSAS • | Links úteis http://www.youtube.com/watch?v=TSYyq2owWK0 [vídeo sobre o autor] http://www.youtube.com/watch?v=_iW74PnBIGo&feature=related [Camus vs. Sartre]

| Família de livros

Há obras que pelos seus temas, personagens e ambientes conduzem o leitor a estabelecer relações entre elas. Estes diálogos intertextuais podem acontecer com textos mais ou menos afastados no tempo e no espaço e com géneros distintos. Acontece reconhecerem-se as obras matriarcas, as suas descendentes e, dentro destas, as verdadeiramente originais e as epigonais ou, numa linguagem comercial, as marcas brancas.

Percursos possíveis a partir de O Estrangeiro: “Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão. A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

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A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta. A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.”

Marina Colasanti “Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações da infância. Preciso de um amigo para não enlouquecer, para contar o que vi de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças d´água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Preciso de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já tenho um amigo. Preciso de um amigo para parar de chorar. Para não viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que bata nos ombros sorrindo e chorando, mas que me chame de amigo, para que eu tenha a consciência de que ainda vivo.”

Vinicius de Moraes “A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste,

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cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.”

Vinicius de Moraes Rifão Quotidiano “Uma nêspera Estava na cama Deitada Muito calada A ver O que acontecia Chegou uma Velha E disse Olha uma nêspera E zás comeu-a É o que acontece Às nêsperas Que ficam deitadas Caladas A esperar O que acontece.”

Mário-Henrique Leiria