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Boletim 48 / dezembro 2010 1 COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF SUMÁRIO BOLETIM DA CMF Nº 48 DEZEMBRO 2010 ISSN: 1516-1781 CNPJ 00.140.658/0001-07 DIRETORIA Presidente: Lenir Pereira dos S. Oliveira Vice-Presidente: Maria da Glória G.l Correia 1ª Secretário: Nizeth Aranha Medeiros 2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti 1º Tesoureira: Eliane Gaspar Leite 2º Tesoureiro: Roza Maria dos Santos CONSELHO EDITORIAL Carlos Orlando de Lima Lenir Pereira dos S. Oliveira Maria Michol P. de Carvalho Mundicarmo M.R. Ferretti Roza Maria dos Santos Sergio Figueiredo Ferretti Zelinda de Castro Lima EDIÇÃO Mundicarmo M.R. Ferretti Roza Maria dos Santos REVISÃO DE TEXTO: Joelma Baldez DIAGRAMAÇÃO: Riba Silva VERSÃO INTERNET: www.cmfolclore.ufma.br Correspondência COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE CASA DE NHOZINHO Rua Portugal, 185 – Praia Grande CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 As opiniões publicadas em artigos assinados são de inteira responsa- bilidade de seus autores, não comprometendo a CMF Editorial ..................................................................................................................................................... 2 A fé do povo: Santos Reis Magos ................................................................................................................. 2 Zelinda Lima 10 anos sem Valdelino Cécio – “página de saudade eterna e de presença constante” no patrimônio afetivo e cultural maranhense ....................................................................................................................... 3 Dinacy Mendonça Corrêa A medicina caseira maranhense (Medicina Prodigiosa) ................................................................................................ 4 Raimundo Rocha O 8 de Setembro: do religioso ao profano ..................................................................................................................... 5 Maria de Lourdes Lauande Lacroix O historiador Mario Meireles e a invenção do Maranhão ........................................................................................ 6 Regina Faria A Feira da Praia Grande .............................................................................................................................. 8 Carlos de Lima Careta máscara, careta brincadeira, viva Santos Reis! .................................................................................... 9 Flavia Andresa O. de Menezes A difícil relação com o corpo nas religiões afro-brasileiras ............................................................................ 13 Heriverto N. Mendonça Junior Imaginário codoense: O cão Menelick ........................................................................................................................ 14 João Batista Machado João Conde: mestre do renascimento popular na Baixada Ocidental Maranhense ........................................ 15 João Paulo Soares Júnior Janela do Tempo: João Caninana ................................................................................................................ 17 Lopes Bogéa Resumos e resenhas: monografias ............................................................................................................... 17 GP Mina Notícias Roza dos Santos ........................................................................................................................................... 18 Perfil Popular: Dona Nilza .......................................................................................................................... 20 Keila Santana

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Boletim 48 / dezembro 2010 1

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF

SUMÁRIO

BOLETIM DA CMF Nº 48 DEZEMBRO 2010 ISSN: 1516-1781

CNPJ 00.140.658/0001-07

DIRETORIAPresidente: Lenir Pereira dos S. OliveiraVice-Presidente: Maria da Glória G.l Correia1ª Secretário: Nizeth Aranha Medeiros2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti1º Tesoureira: Eliane Gaspar Leite2º Tesoureiro: Roza Maria dos Santos

CONSELHO EDITORIALCarlos Orlando de LimaLenir Pereira dos S. OliveiraMaria Michol P. de CarvalhoMundicarmo M.R. FerrettiRoza Maria dos SantosSergio Figueiredo FerrettiZelinda de Castro Lima

EDIÇÃOMundicarmo M.R. FerrettiRoza Maria dos SantosREVISÃO DE TEXTO:Joelma BaldezDIAGRAMAÇÃO:Riba SilvaVERSÃO INTERNET: www.cmfolclore.ufma.br

CorrespondênciaCOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE

CASA DE NHOZINHORua Portugal, 185 – Praia Grande

CEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoFone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951

As opiniões publicadas em artigosassinados são de inteira responsa-

bilidade de seus autores, nãocomprometendo a CMF

Editorial ..................................................................................................................................................... 2

A fé do povo: Santos Reis Magos ................................................................................................................. 2Zelinda Lima

10 anos sem Valdelino Cécio – “página de saudade eterna e de presença constante” no patrimônioafetivo e cultural maranhense ....................................................................................................................... 3Dinacy Mendonça Corrêa

A medicina caseira maranhense (Medicina Prodigiosa) ................................................................................................ 4Raimundo Rocha

O 8 de Setembro: do religioso ao profano ..................................................................................................................... 5Maria de Lourdes Lauande Lacroix

O historiador Mario Meireles e a invenção do Maranhão ........................................................................................ 6Regina Faria

A Feira da Praia Grande .............................................................................................................................. 8Carlos de Lima

Careta máscara, careta brincadeira, viva Santos Reis! .................................................................................... 9Flavia Andresa O. de Menezes

A difícil relação com o corpo nas religiões afro-brasileiras ............................................................................ 13Heriverto N. Mendonça Junior

Imaginário codoense: O cão Menelick ........................................................................................................................ 14João Batista Machado

João Conde: mestre do renascimento popular na Baixada Ocidental Maranhense ........................................ 15João Paulo Soares Júnior

Janela do Tempo: João Caninana ................................................................................................................ 17Lopes Bogéa

Resumos e resenhas: monografias ............................................................................................................... 17GP Mina

Notícias – Roza dos Santos ........................................................................................................................................... 18

Perfil Popular: Dona Nilza .......................................................................................................................... 20Keila Santana

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1 Texto publicado originalmente em Rezas, benzimentos e orações: a fé dopovo. São Luís: 2008, p.94-95.

2 Pesquisadora de Cultura Popular e autora dos livros “Pecados da gula:comeres e beberes da gente do Maranhão”, “Rezas, benzimentos e orações:a fé do povo” e outros. Membro Titular da Comissão Maranhense deFolclore.

Editorial

O Boletim 48 da CMF encerra o ano de 2010destacando os festejos natalinos e a devoçãopopular aos Santos Reis, lembrada no texto de

Dona Zelinda Lima e no trabalho de Flávia AndresaMenezes sobre “a Reisada” no povoado Nazaré do Bruno,ambas da Comissão Maranhense de Folclore. Chamatambém atenção para a importância dos estudoshistóricos com os artigo das professoras Regina Faria sobreMario Meireles, iniciador desses estudos na UFMA, e ode Maria de Lourdes Lauande Lacroix sobre aressignificação no Maranhão do “8 de Setembro”transformado de festa de Nossa Senhora emcomemoração da discutível fundação de São Luis pelosfranceses. Esse interesse histórico prossegue no trabalhode Carlos de Lima sobre a Feira da Praia Grande e noregistro de Raimundo Rocha sobre a medicina popularem mercados e feiras de São Luís.

O Boletim 48 não podia deixar de expressar o pesarda CMF nesse fim de ano por grandes perdas para acultura popular maranhense ocorridas em 2010: ofalecimento de Dona Maria Celeste Santos e de DonaNilza, duas grandes devotas do Espírito Santo eespecialistas em Festa do Divino; a perda do escritorJosé de Ribamar Reis e a lembrança dodesaparecimento, há cerca de 10 anos, do poeta efolclorista Valdelino Cécio. Embora essas pessoas tenhamdado grande contribuição à cultura maranhense econtinuem inspirando as realizações de quem osconheceram, sua falta jamais deixará de sentida por eles.

Mas a alegria renasce no meio da tristeza nas noticiasde acontecimentos importantes para a cultura popularmaranhense, no segundo semestre de 2010, lembradospor Roza Maria dos Santos. O artigo de HerivertoMendonça Junior sobre a difícil relação com o corponas religiões afro-brasileiras, e o de Lopes Bogéa sobre odesaparecimento de João Caninana e do Baralho noCarnaval maranhense apresentam realidades evocadascom pesar, mas o otimismo e a esperança renascem naleitura de João Machado com o seu primeiro amor e aamizade do seu cão Manelick; no texto de João PauloSoares Junior sobre João Conde, um “mestre dorenascimento popular” na Baixada Ocidentalmaranhense; na noticia da apresentação de monografiassobre a cultura popular em diversos municípiosmaranhenses, por graduandos em História da UFMA.

O ano de 2010 trouxe também para a cultura popularmaranhense muitas alegrias: o premio Cultura HIP HOP2010 recebido pela família do saudoso Preto Ghóez; olançamento do filme documentário “Os voduns reais deSão Luis” sobre a Casa das Minas; a turnê pela Itália doMadrigal Santa Cecília com o espetáculo “Cantos doBrasil”, a assinatura do Termo de Cooperação técnicapara a Salvaguarda do Tambor de Crioula do Maranhão;o lançamento do livro da Profa. da UEMA HelcioneAraújo sobre o campesinato maranhense e dodocumentário “Inventario da Canoa CosteiraMaranhense” e outras realizações. Esperando que em2001 essas oportunidades se multipliquem, desejamos atodos um FELIZ 2011!

Zelinda Lima2

A FÉ DO POVO: SANTOS REISMAGOS - 6 DE JANEIRO1

O nome Ma-gos é o que

os orientais da-vam aos seusDoutores; assimcomo os hebreusos chamavam Es-cribas; os egípci-os, Profetas; osgregos, Filósofos;os latinos, Sábios. (Flos Santorum, p. 14). O nome dereis signifique sinal de veneração, fidelidade e obediên-cia. Que uma tradição imemorial confirma, tanto queas mais antigas pinturas sempre os apresentam coroa-dos e com todas as insígnias de majestade.

Quando eles viram uma estrela muito mais brilhan-te que as comuns, e conhecendo as profecias, julgaramser ela a estrela de Jacó, anunciando o nascimento deum rei que seria o Salvador do mundo. Vieram do Ori-ente, possivelmente da Arábia, terra dos filhos de Abrãoe Cétura. Davi havia vaticinado que Jesus seria adoradopor reis árabes, que lhe ofereceriam ouro, a quem Isai-as acrescentou incenso, e que viriam sobre camelos.

Herodes, sabedor da nova, preocupado com aquelaconcorrência real, mandou chamar os Magos, inquiriu-os minunciosamente, e fingindo satisfação, pediu-lhes:Informai-vos de tudo, e dai-me notícias, porque eu, comovós, quero também adorá-lo.

Ali o acharam, reclinado entre os braços de sua Santíssima Mãe, eposto que Ele no exterior não tivesse cousa alguma que o distinguissedos outros meninos, contudo a mesma luz interna, que lá lhes fezconhecer o que a prodigiosa estrela significava, lhes fez facilmentedescobrir, apesar daquela situação humilde, a Dignidade Suprema, eAugusta Magestade daquele Deus, feito homem.Cheios, portanto, de imenso júbilo, de viva fé, e profundo respeito, seprostraram a seus pés, e o adoraram, como a Deus Soberano, e Salva-dor Misericordioso de todos os homens. E por ser costume das suasterras, não se apresentar jamais diante dos grandes com mãos vazias,lhe ofereceram o que havia entre eles mais precioso, ouro, incenso emirra (óleo essencial obtido da resina aromática da árvore Commi-phora myrra da família das Burseráceas, nativas da África à Arábia).(Flos Santorum, p.15).

Mais tarde o cruel Herodes fez degolar todos os meni-nos daquela Província, de dois anos para baixo, segun-do o tempo da informação que dos magos havia obtido.

É antiquíssima a comemoração deste dia, desde otempo dos apóstolos, e estabelecida em muitas igrejasocidentais com vigília e jejum. Para os romanos, era diade festa pelos triunfos conseguidos pelo imperadorAugusto. “Querendo a Santa Igreja abolir o profanoculto daqueles ritos gentílicos, propôs à veneração dosfieis a sagrada memória do batismo do Filho de Deus,da mudança que ele fez da água em vinho, e da adora-ção que lhe tributaram os Magos.” (ibidem).

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10 anos sem Valdelino Cécio3

Dinacy Mendonça Corrêa4

“Página de saudade eterna e de presença constante” no patrimônioafetivo e cultural maranhense.

Valdelino Cécio foi isto: um excepcionalamigo, tanto fazia o outro ser pobre ourico, de esquerda ou de direita, branco oupreto, tolo ou sabido, era a mesma pessoacordial e generosa. Sempre presente emqualquer acontecimento ligado à culturado Maranhão, mantinha uma imagem per-manentemente limpa, de cabelos molha-dos, com uma tosse característica, jogada atodo instante para o lado, com uma risadaligeira e franca, renovado e alegre, com abolsa pendurada ao ombro cheia de apon-tamentos, entrevistas e livros, que ele sem-pre foi um pesquisador e um leitor voraz...(Arlete Nogueira da Cruz)

Parece mentira, parece incrível (!!),mas... ele se foi... Tão jovem ainda oera... E parece até que foi ontem (por-que não nos acostumamos com a suafalta)... e, no entanto, já faz dez anos...“A morte de Valdelino surpreendeu atodos, deixou saudades e muita dor. [...]um verso da toada do cantador sabiáecoou: a Ilha está em sentimento pelodrama triste que acontece... Todos ex-pressaram o seu choro da forma quesabiam e sentiam... [...] lágrimas quese misturavam ao toque dos tambores,cantos, prosa e poesia” (Joila Moraes.In: Valdelino Cécio. Poesia reunida. SãoLuís, 2004, p. 115). Era domingo, quan-do ele partiu... último domingo (29) deoutubro do ano de 2000... último diade sua estada aqui nesta terra, nestaSão Luís que ele tanto amou e feste-jou... e que o projeta e eterniza em lem-branças, por todos os cantos, ruas, la-deiras e becos de um Centro Históricoque ele ajudou a Reviver... Como erabonito vê-lo, misturando os seus passosaos passos dos nossos brincantes, nadança do “Bumba-meu-Boi”... a sua voz,à voz das coreiras, no Tambor de Cri-oula... aplaudindo o Cacuriá, o Côco,o Lelê, o Bambaê... dançando, (en)can-tando... Ele sabia valorizar tudo; conhe-cia todos os ritmos, toadas e brincadei-ras do nosso folclore. E agora, lá nasalturas, deve estar “guarnecendo oupungando no céu, num grande cordãode anjos e querubins a iluminar estenosso batalhão. E sempre a assoviar umcântico de amor [...] a viver de poesia,rimando beleza com vida... vida ple-3 Extraído de Encarte Cultural e Literário UEMA Notícias por Dinacy Corrêa e Alcindo Barros.4 Dinacy é professora de Letras da UEMA; Mestra em Ciência da Literatura; pesquisadora de Cultura Popular e História maranhense.

na, vida de poeta (Maria Michol, op.cit., contracapa)...

Joila Moraes (op. cit., p. 116), temrazão ao afirmar que “escrever sobreValdelino, tomada pela falta que elenos faz, não é tarefa fácil...” Mais fácilé chorar de saudade, diríamos... E cho-raríamos, sim, por toda a vida, não foraa alegria, a certeza reconfortante quenos vem da “voz de Deus”, na sabedo-ria inconteste, do velho dito popular:“somos vivos se somos lembrados”...Quem, neste mundo, que tenha con-vivido com Valdelino, poderia esque-cê-lo?... Ninguém. Valdelino é umadessas pessoas especiais “que marcamsua passagem pela terra de forma eter-na”, como ainda o lembra Maria Mi-chol (idem) – para quem, sua vida bre-ve, “mas intensa, marcou profundamen-te todos nós que estivemos ao seu lado”e “sua convivência muito nos enrique-ceu” (idem). Verdade VERDADEIRA.E nós, aqui, particularmente, o confir-mamos, ao dizer-lhe, em tom coloqui-al, neste trechinho (para assumir, pes-soalmente, o testemunho e consideran-do que ele está lá no céu, a nos ouvir...permita-nos, o leitor, a digressão):OBRIGADA, Valdelino! Posso dizerque também aprendi muito contigo.Você foi um dos meus anjos, um dosmeus mestres, nesta vida. Lembra da-quela noite, no “Baixo Leblon”? Joilatambém à mesa, com a gente (eu no

penúltimo ano do Curso de Letras-UFMA), você me perguntou se nãoqueria fazer um estágio na SECMA,pela Fundação Mudes (Núbia já o fi-zera)... “Na hora”. E foram 18 meses deexercícios e aprendizado. Como devesestar lembrado, meu anjo bom, “meudever”, no estágio, era fazer resumos eanálise crítica de obras dos escritoresmaranhenses (visando a um certo ca-tálogo de autores/obras que ficou nainconcretude). Como valeu! Entre co-mentários e orientações, você me ensi-nou (ainda continuo aprendendo) a for-mar a minha visão auto/crítico/textu-al, na sonoridade do meu próprio ver-bo... Neste rememorar das tuas lem-branças, pois, eu só poderia te dizer(repetindo) muito obrigada... Voltando.

No atestado destas tantas vozes, éque proclamamos que ele, Valdelino,está vivo, sempre vivo, no nosso cora-ção. Haveremos de convir, todavia, rei-terando: rememorá-lo, aqui no vérticeda saudade, não é mesmo fácil. Nestadifícil empreitada (a que nos impuse-mos, motivada, tão somente, no méritodeste tão querido e saudoso amigo),pois, precisamos do apoio de todos, dealguns, pelo menos, a cujas vozes esta-mos unindo a nossa (como podemos ver),no traçado destas linhas, no compósitodestas recordações... Assim, na conjun-ção desta nossa memória afetiva, é queconvocamos, novamente, Joila Moraes(op. cit., p. 116), ora a referir-se ao lega-do que ele nos deixou, como “rastrosque acenderão como as fogueiras quealimentam nossos tambores nas noitesde São João, que ecoarão e se transfor-marão em trilhas para os que desejaremconhecer a Cultura Popular Maranhen-se das últimas décadas do Século XX”.

José Valdelino Cécio Soares Dias(23.05.1952/29.10.2000)... “paraensepor acaso” e o mais maranhense danossa geração, “pela força identitáriadas raízes culturais”... Poeta, folcloris-ta, estudioso, pesquisador, compositor,gestor cultural, advogado... “ponto lu-minoso de convergência entre as tribosda cultura, da política, da lúdica e dascausas cívicas... [...] homem-ponte”,

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4 Boletim 48 / dezembro 2010

CONTINUAÇÃO

pois... “Vertical e plástico, alegre e ru-minante, guerreiro e terno” foi, sobre-tudo, “senhor das virtudes da amiza-de: sincero, leal e constante; desinte-ressado, afetivo e generoso; fraterno,puro e solidário”, como o podem teste-munhar seus muitos amigos, “sem oesquecimento dos boêmios, dos seres-teiros, dos artífices dos sonhos destaentidade encantada e mágica, anôni-ma e energética, denominada povo ma-ranhense”. Sim, porque Valdelino “nãofoi um instrumento, foi uma orquestra;não foi um momento, foi um tempo;não foi uma praça, é uma cidade” (Ros-sine Corrêa, op. cit., pp.11-12).

Inteligente, fraterno, educado...Culto! Amante da boa leitura, “davagosto ouvi-lo dissertar sobre Gramsci,na sua convicção política de homemde esquerda; sobre Ecléia Bosi, no sig-nificativo respeito que alimentava emtorno da Memória de Velhos; sobreNunes Pereira, no interesse que con-servava pelas razões étnicas da culturabrasileira; sobre João do Vale, na devo-ção que mantinha pela autêntica mú-sica maranhense; sobre Domingos Vi-eira Filho, no acendrado amor que cul-tivava em torno da cultura popular denossa terra – sua grande paixão” (Arle-te Nogueira, op. cit., orelha).

Um dos fundadores e integrantes domovimento poético Antroponáutico(década de 70 – séc. 20), ao lado deChagas Val, Luís Augusto Cassas, Rai-mundo Fontenelle, Viriato Gaspar...

grupo que se manifesta em antologiaprópria (1972) e vai ganhando amplitu-de e continuidade, com a participaçãode João Alexandre Júnior e RossineCorrêa... todos, antologicamente reu-nidos no Hora de Guarnicê, “ninguémpossa ter tido mais amor à poesia comoele o teve”, garante sua mãe Odila, napágina de Agradecimento de PoesiaReunida (2004), “homenagem póstumaprestada por sua viúva, filho, parentese pela Gerência de Estado da Cultu-ra/Centro de Cultura Popular Domin-gos Vieira Filho, em parceria com aComissão Maranhense de Folclore”(idem).

A propósito, como o informam ospoetas Laura Amélia Damous e PauloMello Sousa (op. cit. p. 17), logo após apartida do poeta, sua esposa, a arqui-teta Margareth Figueiredo, “auxiliadapelos familiares do escritor tratou derecolher os poemas inéditos de sua au-toria. Produto diferenciado. Algunspoemas são datados da década de 70.Outros, próximos do seu desapareci-mento, em outubro de 2000. Por contadisso, [...] alguns mais verdes e outrosclaramente mais amadurecidos”.

Como marco memorial de sua pre-sença aqui na cidade-Ilha-do-Amor,Valdelino tem a sua Praça, no Reviver(em frente ao restaurante Cantinho daEstrela, subindo-se pela escadaria daPraça Nauro Machado, indo à Padariado Francês, esquina da Rua do Gizcom o Beco da Pacotilha), a sua gale-

ria, no Centro de Ciatividade OdyloCosta, filho... Além de toda uma plêi-ade de amigos, entre os seus mais pró-ximos, no circuito familiar, deixou aamada Margareth, o filho Lino, a mãeOdila.

Fiquemos com estes fragmentos, pe-quenina mostra da sua poesia.

SOMES NO MEIO DA NOITE

somes no meio do sole apareces quando os olhosjá não te vêem

somes no meio da minha saudadee desapareces quandoexatamente o coração ArdeE é por isso quejá não te reconheçomas mesmo assimte encontrono meu espaçode sonhoe de medo

***CINCO DA TARDE

[...]Mas a tarde se esvaientre os paredões de pedra e suoronde pessoasfuncionárioscomerciáriosdespedem-se do dia a dia sorrindosem perceberem que meus olhosnovamente te descobremna memória e nos céus da cidadeiluminando o poema, a vida e o luar

A MEDICINA CASEIRA MARANHENSE(Medicina Prodigiosa)5

Raimundo Rocha6

Nos mercados e nas feiras de São Luísencontramos a figura simpática do

mezinheiro, o mago da medicina prodigio-sa e caseira, a ensinar e vender raízes de pau,para curar essa e aquela doença. É um co-mércio interessante e bem movimentado.O cliente não é apenas gente humsilde, há“gente bem”, que vai sempre ao raizeiro, àprocura dos cheiros para os banhos miracu-losos ... na esperança de cura do seu mal.

Ficamos horas a fio observando umdeles que nos chamou a atenção, na Feirado Matadouro, oferecendo as suas raízes,os cheiros, usando uma lábia irresistível.

É um “escurinho” (escurinho no Mara-nhão é sinônimo de preto, no resto do Nor-deste), sempre a gritar com entusiasmo, con-vencendo de que está vendendo um produ-to de grande e eficiente qualidade.

Tem alfazema ..., tem tempero seco ... etem corante ...

Tem boldo - remédio para os rins e parao fígado ...

Defronte, outro anuncia com maisênfase:

Tem jucá ... e tem pau d’arco roxo ...(está na moda).

E surge mais outro ao lado:

Tem defumador de chama! ..., tem SeteFlecha ... e tem Flecheiro

Tem alecrim e tem incenso de igreja ...Que maravilha ... e como o povo gosta.

E outro mais:Tem “Vence Tudo”..., Desperta e Abre

Caminho ...Tem Quebra-Barreira ..., tem Catinga

de Mulata ... e tem Diabo Preto.Concluindo essa coisa fabulosa da me-

dicina caseira e prodigiosa do Maranhão,o pregoeiro enfatiza o seu pregão:

Tem contra-erva para constipação e sefaz lambedor com ovos de galinha ...

5 Concluído em 05/10/1968 e publicado originalmente: no Jornal do Dia, São Luís, em 24/10/1969; na Revista Maranhense de Cultura (FUNC), Ano II, nº2, jan.-jun. 1972, p. 22; e na Tribuna de Piracicaba, em 01/08/1974, com o título Medicina Prodigiosa e Caseira de São Luís.

6 Comerciante e escritor natural do Rio Grande do Norte radicado em São Luís, onde faleceu em 1969. Membro Fundador da Comissão Piauiense de Folclore.

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O 8 DE SETEMBRO: DO RELIGIOSO AO PROFANOMaria de Lourdes Lauande Lacroix7

Desde o início do século VII, o 8 de setem-bro foi dedicado à Festa da Natividade

de Maria. Para o dia de sua celebração o PapaSérgio (1687-1701) prescreveu uma procissãode rogações. Dois Sermões de Santo Andréde Creta aludem à semelhante festa no Ori-ente. O objetivo foi o de conclamá-la a maissanta de todas as criaturas, por ser escolhidapara ser a Mãe do Salvador.

O livro Sacramentário Gelasiano enumeraas festividades da Igreja e, dentre elas, inclui aFesta da Natividade de Nossa Senhora no dia8 de setembro. Todo o mundo católico cultuouMaria. Um dos temas preferidos por esculto-res e pintores europeus, medievais e renascen-tistas, foi o da natividade de Maria, sua vidaantes e depois da maternidade, seu acompa-nhamento na via crucis, na crucifixão e mortede seu Filho, sua morte e assunção ao Céu. Omesmo tema foi eleito por escultores e, dos tra-balhos mais famosos de Miguel Ângelo figuraa Pietá, exposta na Basílica do Vaticano.

A Península Ibérica, preponderantemen-te católica, conservou o culto a Nossa Senho-ra com festas em grandes proporções, consa-grando o dia 8 de Setembro à natividade deMaria. Os fieis espanhóis e portugueses agra-decem a Deus os dons e as prerrogativas sin-gulares que destacaram Maria de todas asoutras criaturas; pedem sua intercessão paraa destruição do pecado, desejando imitá-la nahumildade e pureza; enfim, veneram a santi-dade e grandeza de Maria. Missas, procis-sões, novenas naquele dia considerado santosão praticadas com fervor pela Igreja, atrain-do fiéis das diversas partes do mundo. Inú-meros são os exemplos de grande festejo no 8de Setembro. Em Fátima, Portugal, além dosdias de sua aparição, é também comemoradaa natividade de Maria. Em Lourdes, os fran-ceses procedem de maneira semelhante. Gua-dalupe, no México, Aparecida, no Brasil, sãoconstatações da veneração a Maria prevale-cente até nossos dias.

A devoção a Maria foi trasladada para ascolônias através das diversas ordens religio-sas, sustentáculos do processo colonizador.Os capuchinhos franceses escolheram o 8 desetembro para celebrar a Missa em ação degraças pela posse da terra e a chegada do cris-tianismo no Maranhão naquela data muitosignificativa para a Ordem. Pela vitória alcan-çada sobre aos franceses, os portugueses ho-menagearam a Virgem, constituindo NossaSenhora da Vitória a padroeira de São Luís.Por toda a vida colonial maranhense, o 8 desetembro foi evocado com louvação à nativi-dade de Nossa Senhora.

Bettendorf alude ao 8 de setembro: “Damatriz foram os Padres com o mesmo acompa-nhamento à casa de Nossa Senhora da Luz,sendo véspera de seu santo nascimento, que éo orago da sua egreja; cantaram-se-lhe as vés-peras, e em o dia seguinte a Missa solemne...”

A expulsão dos jesuítas se concretizou a 8de setembro de 1661, dia em que saíram doMaranhão e, “ em este mesmo dia do anno

7 Historiadora, professora aposentada da UFMA e UEMA.

seguinte, de 1662, entrassem em a casa a so-lennizarem a festa de Nossa Senhora da Luz,mãe e protectora da missão... por cuja ordemse festejou aquelle acto, não só com repiques,mas com repetidos tiros de peça de artilhariae cargas de infantaria, e se continuou o mes-mo pelas demais capitania.”( João Felipe Bet-tendorf. Crônica dos padres da Companhiade Jesus no Estado do Maranhão, Belém:FCPTN/SECULT, 1990, p. 202). Assim erafestejado o dia 8 de setembro no Estado doGrão-Pará e Maranhão.

O Maranhão imperial seguiu a tradiçãoda Igreja Católica, considerando o 8 de Se-tembro Dia Santo de Guarda, Festa da Nati-vidade de Maria como assinala o item “diassantos” nos diversos Almanaques da Provín-cia publicados no decorrer do século XIX.Repique dos sinos, Missa solene e procissãofizeram parte do ritual religioso

Desde 1793, a grande homenagem à Vir-gem no Círio de Nazaré era celebrada namesma data, 8 de setembro, atraindo milha-res de peregrinos. Em 1882, uma chuva tor-rencial diminuiu o brilho da festa, razão pelaqual o bispo Dom Macedo Costa decidiu, doano seguinte em diante, transferi-la para osegundo domingo de outubro.

No século XX, a natividade de Maria, an-tes jubilado com atos públicos e grande núme-ro de fieis em cortejo, ficou restringida a umaMissa comum sem solenidade, sendo transfe-rido o feriado para o dia 8 de dezembro emhonra de Nossa Senhora da Conceição. A maisalta homenagem a Maria foi realizada em 1930,quando o Papa Pio XI declarou Nossa Senho-ra Aparecida, Rainha do Brasil e PadroeiraOficial. Milhares de devotos viajaram até o Riode Janeiro e, em procissão, foram encontrar opresidente Getúlio Vargas que, na oportunida-de, homologou o diploma papal. A Lei 6.802,de 30 de junho de 1980 considerou 12 de outu-bro feriado nacional. A República Federativado Brasil reconheceu oficialmente Nossa Se-nhora Aparecida, a Padroeira do Brasil.

Em São Luís, a partir do ano de 1912, ofestejo da Natividade de Maria foi ofuscadopela entronização da fundação da cidade deSão Luís nesta data. Isto, em decorrência detodo um ambiente sócio-cultural propício àexaltação do passado, expresso na atuaçãodo grupo intitulado Os Novos Atenienses, comdestaque para Antonio Lobo e José Ribeirodo Amaral, dentre outros. A idéia da funda-ção francesa, apesar de ter alguma referênciaainda no século XIX nas observações entusi-asmadas do francês Ferdinand Denis, tomoucorpo apenas no momento em que era discu-tida a questão da identidade republicana ma-ranhense. Época de intensa construção dossímbolos que definiriam uma identidade cul-tural a partir de círculos de letrados. A ênfasesobre o passado ilustre, pela transformaçãoda experiência literária que levou ao cogno-me de Atenas Brasileira em mito sobre a cul-tura local, associava-se agora à nova versãosobre a fundação da cidade de São Luís, pas-

sando do ponto de vista histórico da ação dosportugueses, como afirmado em toda a litera-tura até então, para uma leitura fantasiosadas liturgias que marcaram a chegada da ex-pedição de La Ravardière, notadamente aMissa rezada pelos padres capuchinhos em 8de setembro de 1612.

O significado daquele ato litúrgico, clara-mente declinado por Claude d’Abbevillecomo ação de graças pela posse da terra echegada do cristianismo no Maranhão, foideslocado como o “verdadeiro auto de funda-ção de São Luís” no livro de Ribeiro do Ama-ral, Fundação do Maranhão, escrito para aocasião. O governo do Estado e uma entida-de nominada Festa Popular do Trabalho, aolado de exposições de produtos regionais enacionais, organizaram as comemorações dos“300 anos de fundação”.

Apoiados nas peculiaridades da cidade,alguns estudiosos perceberam o desvio inter-pretativo, ridicularizando, ainda que em mo-mentos esparsos, a invenção da fundação fran-cesa de São Luís e a comemoração de seuaniversário a cada 8 de setembro. A partir dadécada de 60, governo e intelectuais empe-nharam-se em festejá-la com mais ênfase. Omarco foi a comemoração dos “350 anos” em1962, quando uma semana de festividadesteve seu ponto alto no desfile de carros alegó-ricos subindo a rampa do Palácio dos Leões,encenando a chegada de La Ravardière eoutros momentos da história do Maranhão.Neste ano, Mário Meireles lançou o impor-tante livro França Equinocial e, em 1972, oartista plástico Floriano Teixeira, sob a enco-menda do governo do Estado brindou a pina-coteca do Palácio dos Leões com a tela Fun-dação da Cidade de São Luís, belíssimo pai-nel tríptico, claramente inspirado nesta leitu-ra enviesada do texto de Claude d’Abbeville,que foi se cristalizando no decorrer do séculoXX.

Está sendo anunciada a festa dos “400anos” e já imaginamos quanta invenção apa-recerá num esforço de empanar os registroscontidos nas fontes primárias, especialmen-te, nos próprios escritos franceses entre 1612e 1614. A transformação do ato religioso emmarco simbólico de origem da cidade, levadaa efeito, na realidade, pela ação dos portu-gueses em 1616, constitui nosso mito funda-dor, configurado apenas no século XX. As im-plicações do esmaecimento da figura de Jerô-nimo de Albuquerque, considerado violentoe bárbaro, e a criação da aura de fidalguia emtorno de La Ravardière, colocado como fun-dador, são parte de um debate maior sobre aidentidade cultural. Assim como de certamaneira verificamos nas discussões sobre os500 anos da chegada de Cabral ao Brasil etoda a polêmica em torno do “Descobrimen-to”, estaríamos diante de boa oportunidadepara rever passagens importantes da nossahistória, atentar para as versões escritas sobrea “Fundação”, indagá-las e não apenas repeti-las em clima de festividade vazia.

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O HISTORIADOR MÁRIO MEIRELES E A INVENÇÃO DO MARANHÃO8

Regina Faria9

A iniciativa da Casa de Cultura JosuéMontello em promover esta palestra

sobre Mário Meireles é uma maneira dehomenageá-lo, dois anos após do seu fale-cimento, ocorrido em 10 de maio de 2003.A intenção da diretora desta casa de cultu-ra, a Sra. Adir Carvalho, foi homenagearum pesquisador que tantas vezes aqui es-teve em busca de informações para escre-ver seus livros. Está não é, certamente, arazão maior da homenagem e, sim, serMário Meireles considerado o maior his-toriador do Maranhão.

Como toda classificação é feita combase em critérios, o que se leva em contapara afirmar que Mário Meireles é o mai-or historiador do Maranhão? Indubitavel-mente, deve-se ao fato de ter sido o quemais produziu, dentre todos que se dedi-caram a escrever sobre a história de nossoestado. Seus trabalhos, resguardadas as ca-racterísticas próprias de cada autor, têmtanta importância quanto a de outros gran-des historiadores maranhenses, como JoãoLisboa e Jerônimo de Viveiros. Seu enor-me esforço de síntese da história desse es-tado, expresso em dois dos primeiros livrosque escreveu - Panorama da Literatura Ma-ranhense e História do Maranhão -, sínte-ses que foram seguidas de inúmeros estu-dos específicos, resultando em mais 30 tí-tulos publicados, e o rigor com que taisestudos foram feitos, asseguram-lhe o lu-gar do maior historiador do Maranhão.

Para falar sobre ele, estruturei esta pa-lestra em dois eixos. No primeiro, trato desua formação como historiador, a partirde uma interpretação de dados biográfi-cos fornecidos por ele próprio; no segun-do, teço considerações sobre a maneiracomo exerceu esse ofício, explicando por-que denominei a palestra O historiadorMário Meireles e a invenção do Maranhão.

O historiador Mário Meireles

Mário Martins Meireles é o filho pri-mogênito de Vertiniano Parga Leite Mei-relles e Maria Martins Meirelles, nascidoem São Luís, em 1915.

Em seu relato de vida, feito para o livroMemória de professores: histórias da UFMAe outras histórias, ele fornece elementos quenos permitem compreender como sua ma-neira de ser, seus valores, sua trajetória foiprofundamente influenciada pelos pais.

No relato citado, ele apresenta o paicomo um graduado funcionário da Alfân-dega, atual Receita Federal, um homemextremamente sério, profissional compe-tente e dedicado ao trabalho, onde fez umacarreira meteórica, chegando a ocupar ele-vados cargos no Imposto de Renda, nas ci-dades de Manaus, São Luís, Santos e Rio

de Janeiro. Destaca-lhe a elegância no tra-jar, o gosto pela leitura, o hábito da leitura,era um leitor voraz, e a falta de prudênciana condução da economia doméstica, op-tando por gastar seus proventos com livrose certos “luxos” para a família, em lugar depoupar, opção que teve graves conseqüên-cias após sua morte.

As lembranças da infância são, portan-to, marcadas pela figura austera do pai,pelas constantes mudanças de cidades, pelavida confortável de menino de classe mé-dia, que não precisava se preocupar com asobrevivência.

A morte prematura do pai, quando ti-nha dez anos de idade, abreviou-lhe a apra-zível infância, levando-o a conviver com ador e as dificuldades financeiras. A partirdesse momento, agiganta-se a presença damãe em sua vida, dando-lhe exemplos decoragem e firmeza na luta para criar os trêsfilhos, numa época em que os empregos paraas mulheres da classe média eram raros.

A orfandade mudou-lhe o padrão devida, obrigando-o, entre outras coisas, ainterromper o curso de piano, símbolo dapreparação para a carreira diplomática queo pai lhe havia traçado.

Concluindo o curso primário na Esco-la Modelo Benedito Leite, foi estudar noInstituto Viveiros, do professor Jerônimode Viveiros, que o acolheu gratuitamentedevido a relação de parentesco afim que osunia. Ser um aluno bolsista o levou a sen-tir-se em débito com seu benfeitor. Paraagradá-lo, procurava sobressair-se nos es-tudos, principalmente em História, umadas disciplinas ensinadas pelo professorJerônimo, e aquela que lhe despertava umcrescente interesse.

A juventude foi dedicada aos estudos eà leitura. Como não tinha dinheiro parapassear, ir a cinemas e teatros, divertia-selendo, segundo seu próprio relato. Famili-arizou-se com os clássicos das literaturasportuguesa e francesa, livros remanescen-tes da grande biblioteca do pai, vendidaapós a morte deste com o objetivo de con-seguir dinheiro para a compra da casa emque a família passou a residir.

Tais fatores são apresentados por elecomo decisivos para sua formação comohistoriador. O primeiro fator, destaco no-vamente, seria o hábito de ler, iniciado peloexemplo do pai, mas desenvolvido pela li-mitação financeira enfrentada pela famí-lia, quando a diversão a que tinha acessoera a leitura. O segundo fator foi a convi-vência, a admiração e a gratidão que sentiapor seu mestre Jerônimo de Viveiros, queo levavam a procurar ser excelente alunode História. Contou-me muitas vezes so-bre os torneios que o professor Jerônimocostumava fazer entre seus melhores alu-nos do Liceu Maranhense e do InstitutoViveiros. Divertia-se muito ao relembraras verdadeiras batalhas que travou com umaluno do Liceu, Cidonir. Falarei de outrosfatores mais adiante.

Ao concluir o curso secundário, haviano Maranhão apenas três alternativas decurso superior: Direito, Farmácia e Odon-tologia. Escolheu Direito, prestou vestibu-lar para entrar na Faculdade de Direito doMaranhão, iniciou o curso, mas precisouabandoná-lo ao ser transferido para a Bahia,porque, a essa altura, já era funcionário doImposto de Renda (anteriormente Alfân-dega; depois, Receita Federal), reproduzin-do os passos do pai. Havia começado a tra-balhar em 1932, como funcionário interi-no, mas foi efetivado e transferido para aBahia, em 1934. Devido às condições fi-nanceiras da família, não podia abrir mãode um emprego federal, símbolo de segu-rança num cenário tão marcado pelas per-seguições políticas. Ter um emprego esta-dual, à época, era ficar a mercê de oligarcasou de interventores autoritários, comoPaulo Ramos, interventor federal no Ma-ranhão, conhecido pelas represálias patro-cinadas aos opositores.

Em Salvador, procurou prosseguir oCurso de Direito, mas o horário de funci-onamento da repartição não lhe permitiuconciliar trabalho e estudo. (À época aindanão estava assegurado o direito de estu-dantes universitários terem horários espe-ciais de trabalho para poderem realizar seuscursos. Esta é uma conquista recente.)Manteve, porém, o hábito da leitura, hábi-to que o acompanhou por toda a vida.

Por não ter terminado o Curso de Di-reito é que se costuma classificá-lo como

8 Minuta da palestra proferida na Casa de Cultura Josué Montello, em São Luís do Maranhão, em 18 de maio de 2005, durante a qual outras observações foram feitas.9 Professora do Departamento de História da UFMA.

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CONTINUAÇÃO

um historiador autodidata. Mas o que istosignifica? Até meados da década de 1930não havia, no Brasil, cursos universitáriosde História; logo, aqueles que até essa datase consagravam como historiadores eramgeralmente formados em outros cursos: amaioria, eram bacharéis em Direito. Mashá casos semelhantes ao seu, de historia-dores consagrados que não fizeram ne-nhum curso superior. Cito Capistrano deAbreu, que chegou a freqüentar a Facul-dade de Direito do Recife, na segunda me-tade do século XIX, mas preferia a leiturade “obras literárias, de geografia, história,psicologia, sociologia, antropologia, econo-mia” às aulas de direito.10

Tempos depois, quando já estava devolta ao Maranhão, Mário Meireles foiconvidado por Arymatéia Cysne, que ha-via sido seu professor, para dar aulas deHistória Universal e do Brasil em seu esta-belecimento de ensino, o conhecido Colé-gio Cysne. Corria o ano de 1939 e o jovemMário Meireles estava com 24 anos. Essereencontro com a história pode ser consi-derado como o terceiro fator na sua for-mação de historiador, o terceiro elo que oligou a esse campo de conhecimento, emque se notabilizou com professor e escri-tor. Mas sua aproximação da docência eraanterior a essa data. Sua primeira experi-ência docente remonta ao tempo em queainda era estudante secundarista no Insti-tuto Viveiros. Para ganhar algum dinhei-ro, dava aulas particulares “de tudo”, comocostumava dizer, a colegas de sua idade ouaté mais velhos, que precisavam de reforçopara enfrentar os exames escolares. Men-cionava, entre os alunos dessa época, An-tonio Jorge Dino, que depois se formouem medicina, foi deputado, vice-governa-dor e governador do estado.

O quarto fator, decisivo para sua op-ção pela história, ainda estava por vir. Suavida seguia o curso que ele havia traçado:uma vida de trabalho, austeridade e dedi-cação à família. Em 1937, havia se casadocom a prima Maria José e tiveram duas fi-lhas. A extremada disciplina, a extraordi-nária dedicação ao trabalho, de quem mui-to cedo descobriu ser este o único cami-nho digno de ascensão social para quemnão nasceu nos braços da fortuna, garan-tiram-lhe uma ascensão funcional meteó-rica na repartição do Imposto de Renda,reproduzindo a trajetória paterna. Foi ad-mitido em 1932 como servente interino,efetivado dois anos depois como pratican-te de 1ª classe (cargo equivalente ao atualauxiliar administrativo) e, em apenas 16anos, atingiu o último nível da carreira:chegou a Classe O, o célebre “O de Pena-cho”. Sua competência e dedicação ao tra-balho motivaram um de seus chefes, dotempo em trabalhou na Bahia, a indicar-lhe o nome para o cargo de delegado doImposto de Renda no Maranhão, em 1940.

Ficou poucos meses no cargo, pois foitransferido para Juiz de Fora, em MinasGerais, onde permaneceu por aproxima-damente cinco anos. A sua transferência ea de outros colegas que exerciam o mesmocargo em outros estados foi fruto de perse-guição feita contra aquele ex-chefe que oshavia indicado. Ao retornar ao Maranhão,foi reconduzido ao cargo de delegado doImporto de Renda, exercendo-o até a apo-sentadoria naquele órgão, em 1965.

Após sua volta ao Maranhão, em 1944,com a erudição amealhada pela frequenteleitura de bons autores, começou a escre-ver artigos em jornais de São Luís, abor-dando assuntos diversos. Também rabis-cava versos, embora pouco os publicasse.Usava o pseudônimo Marveran, uma jun-ção da primeira sílaba do seu nome e dosnomes do pai e do avô: Mar, de Mário; Ver,de Vertiniano, seu pai; e An, de Antônio,seu avô. Nestas pequenas coisas manifes-tava o grande apreço pela família.

Bem, ao ler um de seus versos, o profes-sor Mata Roma, um grande amigo que eramembro da Academia Maranhense de Le-tras, resolveu incentivá-lo e quase coagi-loa se candidatar a uma vaga na Academia. Overso em questão era um acróstico paraCatulo da Paixão Cearense, que escreverabastante emocionado, após ler no jornal anotícia da morte desse poeta que tantoadmirava. Em 1948, tomava posse na ca-deira n.º 9, cujo patrono homenageou comdois ensaios: O imortal Marabá, o discursode posse, e Gonçalves Dias e Ana Amélia.

Como era bem humorado e dotado deum fino senso de humor, brincava ao dizerque começou sua vida de escritor para mos-trar a seus confrades que eles não haviamfeito besteira ao elegê-lo. Nessa época, se-gundo relata, já cultivava o hábito de cons-truir fichas com informações sobre os maisdiferentes assuntos relacionados ao Mara-nhão: dados biográficos, fatos políticos, so-ciais, esportivos... Tornou-se, na Academia,aquele que sabia, que tinha informações nãosomente sobre autores e obras, mas sobrediferentes assuntos ali discutidos acerca doMaranhão. De acordo com suas palavras,tornou-se um “saberete”. Explica que escre-veu seu primeiro livro, Panorama da litera-tura maranhense, para que os confrades dei-xassem de aperreá-lo pedindo informaçõessobre esse ou aquele autor.

Aliás, é desta maneira que justifica aelaboração da maioria de suas obras. Prati-camente, todas foram motivadas por soli-citações de amigos, autoridades, ou relaci-onados à comemoração de um evento his-tórico. Ao explicar dessa maneira sua gran-de produção, mostra como gostava de sesentir útil, produtivo.

Em 1950, compunha a diretoria da Aca-demia Maranhense de Letras, ocupando ocargo de secretário. Nesse ano, as Faculda-des de Direito e de Farmácia e Odontolo-

gia, mantidas pela Fundação Paulo Ramos,foram federalizadas. Tal fato incentivoualguns membros da Academia a pensaremem criar uma faculdade de filosofia, apro-veitando o patrimônio da Fundação PauloRamos. Buscaram o apoio do Arcebispo deSão Luís, D. Adalberto Acioli Sobral, aquem sabiam ter o sonho de criar um cur-so superior no Maranhão, na área de peda-gogia. Este foi o embrião da Faculdade deFilosofia de São Luís, fundada em 1953,sob a responsabilidade daquela fundação.Entre as pessoas que tiveram papel decisi-vo para a concretização deste projeto des-tacava: os arcebispos D. Adalberto Sobrale D. José de Medeiros Delgado; ClodoaldoCardoso, presidente da Academia Mara-nhense de Letras, e, entre os acadêmicos,ele próprio e Odilon Soares.

A Faculdade de Filosofia foi criada comquatro cursos superiores: Filosofia, Peda-gogia, Línguas Neolatinas e História eGeografia. O corpo docente foi formadopor pessoas indicadas pela Arquidiocese(na maioria padres) e pela Academia. Má-rio Meireles foi indicado para a cadeira deHistória da América. Esta indicação podeser considerada o quarto fator em sua cons-tituição como historiador. A partir daí, odiletante interesse pela História tornou-se uma opção de trabalho sistemático, op-ção mantida pelo resto de sua vida, respon-sável pela extensa obra que deixou.

Sua invenção do Maranhão

Para entrar agora no segundo eixo des-ta palestra, como anunciei no início, ne-cessário se faz explicitar em que sentidoestou usando a palavra invenção. Inven-ção é um termo muito ao gosto dos histo-riadores da atualidade. Há um grande nú-mero de trabalhos assim denominados: in-venção do cotidiano, invenção do nordes-te, invenção do coronelismo, do falo e detantas outras coisas. Os termos invertar einvenção, assim utilizados, partem da com-preensão de que o conhecimento produzi-do pelo historiador não é uma reconstru-ção do passado e sim uma construção so-bre o passado ou uma determinada consti-tuição do passado. Em que diferem taisconcepções?

Quando se pensa que o historiador re-constrói o passado, se está concebendo opassado/real vivido/realidade (não impor-ta como o denominemos), como algo dado,algo que pode ser recuperado através de evi-dências encontradas nas fontes históricas.Cabe ao historiador apenas capturá-lo, deforma mais completa ou menos completa,dependendo de sua erudição, sensibilidade,habilidade com as fontes primárias e, prin-cipalmente, do maior ou menor volume deinformações que conseguiu recolher.

Por outro lado, estou pensando em no-vas maneiras de fazer história quando afir-

10 IGLÉSIAS, Francisco. Historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira.Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Belo Horizonte, MG: UFMG, IPEA,2000. P 117.

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CONTINUAÇÃO

mo que o historiador constrói um conhe-cimento sobre o passado ou constitui opassado; em novas maneiras de o historia-dor se relacionar com seu objeto de estudo,objeto que geralmente é o passado (remotoou recente), mas é igualmente o tempo pre-sente (que nós da história reivindicamoscomo objeto nosso também e não apenasda sociologia ou da ciência política). Essaconcepção entende que o passado/realida-de/real vivido é “incapturável” – se é queexiste tal palavra – por ser conhecido tãosomente por meio de indícios; indícios que,por sua vez, são também construído poraqueles que nele viveram ou sobre ele fala-ram através de múltiplas linguagens.

Desse modo, ao intitular esta palestraO historiado Mário Meireles e a invenção doMaranhão, estou afirmando que ele, na mi-nha compreensão, construiu uma históriasobre o Maranhão, embora, com toda cer-teza, ele acreditasse estar reconstituindo ahistória do Maranhão, e a verdadeira histó-ria do Maranhão, pois esta utopia embaloumuitas e muitas gerações de historiadorese ainda hoje se coloca como uma miragem.

Pela abrangência de sua obra, pelo traba-lho de síntese que realizou, trabalho sem pre-cedente em sua geração, seu papel de inven-tor torna-se ainda mais destacado. Sobremuitos assuntos, sua abordagem é a únicaexistente. Estão cristalizadas na historigra-fia suas narrativas sobre invasão francesa,

adesão do Maranhão à independência, Ate-nas brasileira, decadentismo da 1ª geraçãode literatos do século XX, entre outras.

Lançando um olhar panorâmico sobresua produção, considero que sua maneirade fazer história pode ser identificada tan-to ao historicismo do alemão Ranke, quan-to ao positivismo do francês AugustoComte, ambas perspectivas teóricas muitoinfluentes no século XIX, que se mantive-ram fortes e fazendo escola no decorrer noséculo XX. Com o positivismo, sua identi-ficação está na busca da objetividade; como historicismo, na crença de narrar o passa-do exatamente como ele foi.

Sua maneira de fazer história está mar-cada ainda pela erudição que caracterizouos historiadores no século XIX, expressoem seu estilo rebuscado de escrever e nodomínio de algumas das chamadas discipli-nas auxiliares da história. É emblemático ofato dele poder transitar com tanta facili-dade pela Genealogia e pela Heráldica, comoo demonstram os livros Símbolos nacionaisdo Brasil e estaduais do Maranhão e O Bra-são d’Armas de São Luís do Maranhão.

Por outro lado, ainda identificadocomo o modo de escrever daquelas corren-tes historiográficas já mencionadas, suasobras são mais informativas que interpre-tativas; tratam basicamente de política eadministração, bem pouco de economia epraticamente nada sobre a sociedade; e são

construídas seguindo o fio condutor dacronologia, bem ao gosto da produção doconhecimento no século XIX, o século dabusca do progresso e da aceitação das teo-rias evolucionostas. Um de seus primeiroslivros, História do Maranhão, obra sistemá-tica e de síntese é um bom exemplo de comoele escrevia história.

Por fim, quero apontar mais dois as-pectos de sua prática de historiador. Um, éo hábito de indicar as fontes utilizadas,cuidado que os historiadores românticosnão costumavam ter. Nos primeiros livros,a indicação era feita no próprio texto, gra-dativamente foi incorporando as normasda ABNT que estavam se difundindo esendo exigidas nos trabalhos históricosproduzidos no meio universitário. Suas úl-timas obras trazem muitas notas bibliográ-ficas no rodapé das páginas. O segundoaspecto é ter sido o professor Mário Mei-reles muito mais um historiador de bibli-oteca do que um historiador de arquivo e,neste aspecto, ele difere dos historicistasque tinham uma verdadeira adoração pelodocumento. Em suas obras utilizou prin-cipalmente fontes secundárias ou fontesprimárias impressas. Por esse traço peculi-ar de sua maneira de trabalhar, foi um pes-quisador desta Casa de Cultura JosuéMontello, fato que motivou a direção e osfuncionários da casa a lhe prestaram estahomenagem.

A FEIRA DA PRAIA GRANDECarlos de Lima11

A Praia Grande compreendia o terreno que vai hoje, mais ou me-

nos, desde além da Câmara dos Verea-dores ate o Viaduto do Palácio.

De começo, a feira se fazia ao ar li-vre, aí pela rua da Estrela (CândidoMendes), pois o atual quintal da Câmaraera lavado duas vezes por dia pela maré.

Em 1780, a Metrópole pedia ao go-vernador Antonio Salles de Noronhaque mandasse para Lisboa a planta daobra que se pretendia fazer para ater-rar esse pântano, mas somente 18 anosdepois a licença para tanto seria obti-da. E só em 1805 seriam feitos os ater-ros em um cais, áreas concedidas aoscomerciantes para erigirem suas casas,“afim de formar uma praça regular”, de40 braças, onde se estabeleceram as bar-racas. Surgia assim o Barracão, CeleiroPúblico ou Casa das Tulhas, o embriãoda futura Feira da Praia Grande.

A partir de 1820, a Casa passou aser um órgão público, com administra-

11 Historiador; folclorista; membro da Academia Maranhense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, e da Comissão Maranhense deFolclore.

Escritor Carlos de Lima

dor e regulamento, mas houve tantosdesmandos e escândalos, que o gover-no resolveu extingui-lo em 1833.

Em 1854, criou-se a Companhia Con-fiança Maranhense, que se propôs a cons-truir “um vasto edifício com o fim de alu-gá-lo para lojas comerciais, no lugar ocu-pado pela Casa das Tulhas, velho aglo-merado de casebres que enfeava o bair-ro comercial”. No ano seguinte começou-se a construção de “um edifício retangu-

lar, de risco elegante”, concluído em1892, incorporado à Companhia Confi-ança Maranhense, agora chamado Casada Praça. Tinha forma retangular, umjardim interno e quatro portões, um emcada fachada, ostentando o portão prin-cipal as Armas do Império.

É a atual Feira da Praia Grande,modificada, a partir do século XX, comdespropositado segundo andar em al-guns trechos, o que lhe descaracterizacompletamente o estilo. Com o con-sentimento, e mesmo a ação direta dopoder público e o silêncio dos órgãosdedicados à preservação do patrimônio.

Ao redor dela já se erguiam os belossobradões de azulejo que fazem nossoorgulho de cidade Patrimônio Cultu-ral da Humanidade e, em 1862 o go-vernador Antonio Manuel de CamposMelo mandou construir um cais, no fimdo Trapiche, que tomou seu nome –Rampa Campos Melo. Esta, resumida-mente, é a história da Feira.

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“CARETA MÁSCARA, CARETABRINCADEIRA, VIVA SANTOS REIS!”12

No povoado Nazaré do Bruno, que si-tua-se à cerca de 60 km da cidade de

Caxias, sede do município homônimo, noMaranhão, tem-se a ocorrência de umabrincadeira conhecida por Careta, Reisa-da, Reisado ou Boi de Reis, feita em louvoraos Três Reis Magos, popularmente conhe-cidos sob a alcunha de “Santos Reis”. Cabeconsiderar que existem outras brincadei-ras do mesmo estilo em outros povoadosdeste município e ainda na sede, bem comoem outras cidades do Maranhão, como SãoJoão do Sóter, Vargem Grande e Timom.

No entanto, antes de conhecer a mani-festação, cabe discorrer um pouco sobre alocalidade. O povoado de Nazaré do Brunoé um lugar envolto em misticismo e quetem sua formação populacional diretamen-te ligada à Umbanda14 e à vinda de José Bru-no de Morais, ou Mestre Zé Bruno como éconhecido por todos na região, para essasterras

Mestre Zé Bruno nasceu no Piauí, maisespeccificamente em Barro Duro, posteri-ormente mudou-se para Teresina, de ondese transferiu para uma localidade de Caxi-as, chamada Vacas, e de lá, a partir de uma‘iluminação’ de seu Guia de Cabeça, o Prín-cipe Ariolino Juremal15, comprou de seuprimo Raimundo da Serragem uma áreade terra chamada nesse tempo de “Unhade Gato”, atualmente intitulada Nazaré doBruno, onde se instalou em 1938.

Esse pedaço de terra é uma região cer-cada por morros e chegando nesse local,Zé Bruno que então já tinha se iniciadona religião Umbandista, encontrou umolho d’água ao qual benzeu, tornando suaságuas medicinais, e demarcou 4 morros quese tornaram lugares de penitência.

Nesses morros, foram fincados cruzei-ros16 (que os demarcam como locais sagra-dos), e cada um destes possui um nome eum fim para os tratamentos espirituais efísicos que passaram a ser feitos neste lo-cal. Nossa Senhora da Guia, pra guiar, con-duzir o caminho para a cura, “Carvalho”,

Flávia Andresa Oliveira de Menezes13

que se refere ao monte onde Jesus foi cru-cificado e pôde redimir todos os filhos deDeus dos pecados, Nossa Senhora das Gra-ças para conceder o Milagre da restaura-ção da saúde, ou pra inspirá-lo, e NossaSenhora dos Remédios, a santa que dará oremédio físico, a cura.

É nesta localidade e neste contexto quese insere a Reisada de Luís Domingues,brincadeira que tem sua participação tam-bém relacionada à práticas sagradas, no caso,acordos contratuais feitos entre seres hu-manos e divindades, ou seja, promessas, que,em geral, decorrem de uma “motivação”,sobre o que Geertz (1989, p.71) fala: “a mo-tivação é uma tendência persistente, umainclinação crônica para executar certos ti-pos de atos e experimentar certas espéciesde sentimento em determinadas situações,e essas ‘espécies’ são habitualmente classesmuito heterogêneas e mal definidas”. Nocaso da promessa, essa motivação enfoca aresolução de problemas pessoais, de diver-sas ordens, que atingem um indivíduo ouseus próximos (parentes ou amigos), é umaespécie de contrato, feito entre os homense os santos. Pode-se fazer um paralelo aoestudo de Malinowski, comentado porMarcel Mauss (2003 p. 63), sobre a socieda-de da Polinésia e seu sistema de troca depresentes para compreender melhor essaação, pois, quando ele considera “é aos deu-ses que é preciso comprar, e que os deusessabem retribuir o preço das coisas”, querdizer que é agradando ao seres divinos, quecom certeza o homem terá em troca o quealmeja, situação percebida nas promessasde forma semelhante.

Porém, a circunstância dentro do rei-sado se dá em ordem inicialmente inversa.Não ocorre que se ofereça um presente aoSanto e este conceda a dádiva17 (graça, paraos católicos) ao seu fiel. Neste caso, ocorreque o promesseiro (contratante) faz o pe-dido e a proposta ao Santo. Este por suavez – a partir da fé do promesseiro – conce-de a graça/dádiva ao mesmo, e só depois

disto o contratante tem a obrigação emcumprir com sua parte do acordo, o que éfeito com grande agradecimento, pois foirestabelecida a saúde, bem provavelmentemuito valioso entre as pessoas de rendabaixa18.

Assim, a brincadeira acontece pela exis-tência de uma série de promessas, a do dono,ou responsável pela reisada, as dos brincan-tes e as das pessoas que contratam a brinca-deira para apresentarem em suas casas. Cadauma dessas ações se configuram como o ele-mento de troca com o santo.

Compreendido alguns dos fatores queestão presentes na manifestação, deter-se-á agora a um trabalho de natureza etno-gráfica sobre o formato de ocorrência damanifestação.

A Reisada, Dinâmicade Apresentação

Este tópico tem por objetivo descrevercomo acontece a brincadeira da reisada deNazaré do Bruno, destacando quais sãoseus personagens (brinquedos e caretas),como se dá a apresentação, a ordem da en-trada em cena de cada um, as músicas quesão cantadas, os instrumentos musicaisutilizados, descrevendo os figurinos, quemuitas vezes é mesclado a um (ou é o pró-prio) boneco 19, etc. Cabe destacar que es-tes pontos configuram-se como um con-junto de elementos artísticos que a com-põe a brincadeira.

Ressalta-se que a ordem de entrada dos brin-quedos é sempre essa que será descrita, comexceção das vezes em que o contratante nãosolicitar uma apresentação completa. O quelembra a consideração de Benjamim (1928, p252) quando fala da “brincadeira” infantil.

A grande lei que, além de todas as regras eritmos individuais, rege o mundo da brinca-deira em sua totalidade: a lei da repetição.Sabemos que a repetição é para a criança aessência da brincadeira, que nada lhe dá tan-to prazer quanto brincar outra vez.

12 Texto apresentadco na Mesa Redonda “Cobrindo e descobrindo identidades no Maranhão”: caretas no Reisado e no Bumba-meu-boi - DCE/UFMA, 4-8/04/2011.13 Arte-educadora; Mestranda em Cultura e Sociedade – UFMA; Membro da Comissão Maranhense de Folclore.14 Segundo Prandi, trata-se de uma religião que faz a união entre os antigos candomblés banto e de caboclo transplantados da Bahia para o Rio de Janeiro, e o

espiritismo kardecista.15 Para explicar a noção de Guia de cabeça tomar-se-á emprestada a fala de Ferretti (2000, p. 52), quando diz “o tambor de mina em sua essência é um culto a

entidades espirituais africanas (voduns e orixás) que baixam na cabeça de seus filhos, nos toques (rituais públicos com tambor), realizados em sua homenagemnos dias de festa dos santos católicos com os quais são associados nos terreiros. (...) tem o princípio de incorporações de entidades espirituais, onde estasconfiguram-se como os Santo de Cabeça ou Guias, de cada filho de Santo.”

16 Como as pessoas se referem na localidade a grandes cruzes feitas de madeira e fincadas no chão.17 Para Mauss (2003, p.41), a dádiva consiste em presentes trocados, que por trás da sua aparente “generosidade (...) há tão somente ficção, formalismo e mentira

social; quando há no fundo, obrigação e interesse econômico”. Há uma dívida entre o ofertante e o receptor. Tais presentes são trocados entre os homens paraestabelecer relações de harmonia, e entre os homens e os deuses para que se obtenha a paz, para que se acalmem as forças das quais o homem não tem controle.

18 É importante salientar que em âmbito geral, não se focam apenas problemas de saúde para fazer-se uma promessa, porém estes foram os mais destacadospelos entrevistados.

19 De acordo com Amaral (1996, p. 71), “Boneco é o termo usado para designar um objeto que, representando a figura humana, ou animal, é dramaticamenteanimado diante de um público”.

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CONTINUAÇÃO

Esse prazer está presente na fala dosbrincantes da reisada, por exemplo, quan-do Zé Francisco disse: “o tanto que elesquiser eu brinco”. E da mesma maneirapercebeu-se, também, na forma como ospróprios brincantes falavam da reisada,sobre sua atuação ou qualquer outro as-sunto que foi abordado nas entrevistas. Oprincípio da repetição é identificado nofato de durante toda a noite o roteiro daapresentação ser o mesmo, no entanto, háaqueles que dizem, como Lenivaldo da Sil-va: “é diferente, no começo as pessoas nãobrincam muito esforçado como no final,no final a pessoa só falta morrer, de tantosair, fazer, cair.”, ou seja, no decorrer dasapresentações é que a pessoa vai pegandoo ritmo (aquecendo-se), e, com isso, que-rendo brincar mais e mais.

O período de acontecimento da reisa-da é de 25 de dezembro a 6 (seis) de janeiro,quando na tradição cristã comemora-serespectivamente o Natal, nascimento deJesus Cristo, e o dia de Reis. A apresenta-ção em si é acompanhada por melodia ins-trumental e canto. Os instrumentos utili-zados são: uma sanfona, um triângulo eum pandeiro. Os responsáveis pelo cantosão: Luís Domingues, o Careta Velho20 e osanfoneiro, Antônio José Gomes (conhe-cido como Quirriquí), estes três em pri-meira voz, e o pandeirista José Maria Ne-ves dos Santos, em segunda voz. Os perso-nagens são: os Caretas, que são em núme-ro de quatro, cada um com um nome espe-cífico: Tapioca, Macambira, Mucunzá eMiudinho, e os brinquedos ou passos: Bur-rinha, Pião, Boi e Babau.

Chegando à casa a ser visitada, o grupotodo se posiciona na porta, apenas os care-tas estão vestidos com suas roupas, às quaischamam de palhas ou farda, o que remeteao material com o qual elas são confeccio-nadas, fibra de buriti21, pois comumenteas pessoas se referem a qualquer materialfeito de fibra vegetal como palha. Trata-sede um grande “vestido” tecido nesta fibrae uma máscara, que segundo FrancinaldoBatista de Sousa é feita de capeba de pal-mito, conforme explicou: “a gente tira opalmito, aí tira a capeba e faz a máscara”.Assim pode-se concluir que os materiaisque confeccionam essas roupas são em suabase retirados da natureza, porém tambémusam tecido de algodão industrializado ealguns enfeites natalinos para por nas más-caras.

Além da roupa de fibra vegetal e damáscara, carregam como “acessório”, umachibata, objeto cilíndrico fino e compridode madeira que tem presa na ponta umatira de couro, ao qual chamam de “rei”, e,segundo os entrevistados, serve para pro-teger os caretas de bichos, como cachorros

que costumam latir e avançar nos Caretasque estão com as palhas.

Ao iniciar a visita em uma casa é colo-cada uma bandeira de Santos Reis encos-tada na sua porta, com a parte que contémas imagens voltada para à frente da resi-dência, de forma que ao ser aberta a mes-ma, os moradores da casa possam ver que“Santos Reis” chegou. A pessoa que segu-ra o Santo se posiciona atrás da bandeira(pois a frente está voltada para o interiorda casa), os demais se colocam no entornodesta e é cantada a música de pedido paraabrir a Porta.

Os caretas mantêm-se atentos, e commovimentos mais comedidos, e as demaispessoas em uma postura de espera. Os ver-sos da canção podem variar, de acordo coma casa e o repente (habilidade de improvi-so) do cantor. A exemplo, tem-se trecho daletra, abaixo:

CANTO PARA ABRIR A PORTA

Dou abença a minha santidade, de cima desse altar,De cima desse altar.Ô de cima desse altar (OBS: em todos os versosocorre essa repetição em coro dos caretas)

A você eu dou benção, pra poder me abençoar,pra poder me abençoar

Peço licença minha Santidade, licença queira me darLicença queira me darDe tirar o Santos Reis, de cima do seu altar,De cima do seu altar

Santos Reis do oriente, me mandou que eu cávinhesse,Me mandou que eu cá viesseTambém mando lhe dizer, chegue aqui mais pra perto,Chegue aqui mais pra perto

Ele é os três reis magos, da parte dos oriente,Da parte dos orienteAcordai quem tá dormindo, consola quem estádoente,Consola quem está doente

[...]

No decorrer da música, além de pedirlicença, o repentista apresenta um poucoda história dos Santos Reis, e da Reisada.Depois que a porta é aberta, o dono da casapega a imagem do Santo, coloca em umaltar, caso o tenha (como se pôde observarem uma brincadeira feita numa tenda es-pírita de umbanda), ou fica segurando acaixinha com a imagem de santos Reis,conforme observou-se em outra residên-cia visitada na mesma noite. O dono dacasa recebe o grupo, os instrumentistas seposicionam, os caretas interagem semprefalando com as pessoas presentes ou entreeles e se movimentando, caminhando ouparando, o que fazem com um gestual

muito peculiar, quando param, apóiam orei no chão e segurando a ponta superior ebalançam os quadris para frente e para trás.

O primeiro passo a entrar, com movi-mentos bem rápidos e com uma estruturade deslocamento espacial circular, é a bur-rinha. Este brinquedo é uma estilização doanimal homônimo, burro ou jumento, “éum boneco-de-vestir”, conforme Borralho(2005, p.17), quando fala dos personagensdo bumba-meu-boi e diz: “os bonecos quese apresentam podem ser chamados de ‘bo-necos-de-vestir’, tal a forma que os seusmanipuladores (miolos) precisam se com-portar para proceder-lhes a animação”. As-sim pode-se classificar a burrinha, já quepor meio de uma abertura na altura de seu“lombo” ela fica presa aos ísquios do ani-mador, tornando-se (ou parecendo ser) aomesmo tempo “montaria” (BORRALHO,2005, p 101) do personagem.

Sobre a apresentação visual do brinque-do, observa-se que o manipulador usa rou-pa branca, na mesma cor do tecido com oqual o boneco é recoberto, e este é enfeita-do com fitas coloridas da mesma forma queo chapéu, o que deixa pouco visível o rostodo brincante.

A Burrinha entra em cena acompanha-da de sua música, que é cantada por umdos caretas, mais especificamente o Tapio-ca, que é considerado o Careta Velho. Abai-xo um techo da canção.

Música da Burrinha

A burrinha vemCoro: Lá vem lá vaiA bichinha vemCoro:Tão bonitinha

A burrinha vemCoro: Lá vem lá vaiA bichinha vemCoro:Tão bonitinha

(repetiram 5 vezes esse trecho)

Ô Bidu era meu mestreCoro: foi quem me ensinou a lerO Bidu morreu a mãeCoro: a mãe é que morreu

Lá vai burrinha da caretadaA burrinha tome tomeCoro: tome, tome, tome láA bichinha tome tomeCoro: tome, tome, tome lá[...]

A música da Burrinha possui variaçõesrítmicas, percebeu-se 3 (três) mudanças nasua melodia, o que pareceu torná-la muitodinâmica. A letra se “distancia”22 um pou-co da temática do natal, contendo versosde cunho sarcástico, de forma que ao mes-

20 Reginaldo, Edinaldo ou Raimundo Nonato.21 Mauritia flexuosa L, Palmeira da família Palmae, é muito utilizada no artesanato, tem como característica a grande maleabilidade e resistência.22 Para os padrões católicos de música religiosa, considera-se distante, mas já se viu que de forma semelhante essa prática foi identificada na Idade Média.

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mo tempo em que a burrinha é homenage-ada e é exaltada a sua beleza, ela é satirizada,sendo alvo de piadas, críticas e ironias. Étambém nesta música que os 3 (três) os ca-retas são apresentados, quando chamam oMiudinho, o Macambira e o Mucunzá,cada um a sua vez para dançar com ela, atra-vés de versos que contém os seus nomes.

O segundo passo a entrar, agora comum molejo mais cadenciado, em relação aoanterior, é o Boi. A existência deste perso-nagem permite chamar esta brincadeira naregião, de “Boi de Reis” ou “Boi Reisado”23,conforme expressou Luís Domingues.Trata-se também de um boneco de vestir,com uma diferença da burrinha: seu ma-nipulador não é visto, pois não possui amesma abertura superior que o primeiro,o formato do brinquedo tenta reproduziro animal também homônimo, e se caracte-riza por ser todo enfeitado. Contém umainscrição com o nome: Santos Reis, umabarra de tecido na parte inferior e algunsenfeites e fitas no chifre.

A música do boi é cantada pelo sanfo-neiro, e respondida em coro pelos Caretas,conforme trecho seguinte:

MÚSICA DO BOI

Olé, olé,Coro: sabiáOlé, olé,Coro: sabiá

Te acolumba [?] boi de famaCoro: sabiáBonito pra não errarCoro: sabiáBrincam brinca, boi bonitoCoro: sabiáBonito pra não errarCoro: sabiáSapateia boi de fama

Coro: sabiáQuerendo me descupáCoro: sabiáMas eu nasci pra mandar boiCoro: sabiáE nunca boi vai me mandarCoro: sabiáOlé, olé,Coro: sabiáOlé, olé,Coro: sabiá

Sapateia boi de fama (arrocha!!)Coro: sabiáNo terreiro de Iaiá [...]

Algumas frases da letra também podemser improvisadas, conforme o próprio san-

foneiro disse em uma conversa. A sua me-lodia lembra as de brincadeiras popularesinfantis, a letra exalta o brinquedo24, falasobre quem canta e outra coisa que se vêsão os pedidos de proteção aos Santos, ouseja, toca um pouco mais no elemento reli-gioso.

O próximo brinquedo a entrar, e commuitos giros, é o pião. É um passo que sedestaca pela sua apresentação visual. Asluzes são apagadas e tudo que se vê é umabola suspensa e iluminada onde delineiam-se alguns desenhos. O figurino é um vesti-do estampado de algodão; na cabeça estápreso um objeto circular, no caso uma ca-baça25, em seu bojo foram talhados diver-sos desenhos, como cruzes, estrelas, retân-gulos, dentre outras formas, e ainda a gra-vação da seguinte frase “Roda Pião, Viva[?]”; algumas destas, à maneira em que fo-ram dispostas, formam olhos, nariz e boca.Percebeu-se cerca de dois rostos “desenha-dos”26 e que, posteriormente, os vãos fo-ram recobertos com papel crepon de váriascores, na sua base fixou-se várias fitas mul-ticoloridas. A parte superior deste adornode cabeça é aberta, para que se possa acen-der uma vela presa em seu interior e, as-sim, destacarem-se apenas os desenhos noescuro.

O Pião faz a sua brincadeira acompa-nhado da seguinte música, cantada tam-bém pelo Careta Velho:

MÚSICA DO PIÃO

Pião tu é ligeiro PiãoCoro: roda pião, bambeia piãoVem cá neste terreiro piãoCoro: roda pião, bambeia piãoFaz o que eu te mandar piãoCoro: roda pião, bambeia piãoAonde tu chegar piãoCoro: roda pião, bambeia pião

Bonito pro povo ver piãoCoro: roda pião, bambeia piãoPião tava dormindo piãoCoro: roda pião, bambeia piãoReisado Luis Dominga piãoCoro: roda pião, bambeia piãoPião vou te dizer piãoCoro: roda pião, bambeia pião

Tem do [leio??] de um ano piãoCoro: roda pião, bambeia piãoQue eu brinco na reisada piãoCoro: roda pião, bambeia piãoEu brinco é de seis ano pião

Coro: roda pião, bambeia piãoEu era pequenino piãoCoro: roda pião, bambeia pião

Que eu andava era nas costa piãoCoro: roda pião, bambeia piãoNoto Luis Dominga piãoCoro: roda pião, bambeia piãoQue Luis tá de olho piãoCoro: roda pião, bambeia piãoEle tava é chorando piãoCoro: roda pião, bambeia pião

Eu disse foi pra ele piãoCoro: roda pião, bambeia piãoEu tô e é contigo piãoCoro: roda pião, bambeia piãoPra tu é precisar piãoCoro: roda pião, bambeia piãoSei onde tu chegar piãoCoro: roda pião, bambeia pião

Eu ensinei foi vocês piãoCoro: roda pião, bambeia piãoTu veio da pióla piãoCoro: roda pião, bambeia piãoTambém o Macambira piãoCoro: roda pião, bambeia piãoNós era pequenino piãoCoro: roda pião, bambeia pião

E no Manel Marinha piãoCoro: roda pião, bambeia piãoEle não tá aqui piãoCoro: roda pião, bambeia piãoE pode é demorar piãoCoro: roda pião, bambeia piãoEu vou é te falar piãoCoro: roda pião, bambeia pião[...]

Vê-se que a música indica a forma dedançar do pião, ligeiro, rodando, e fala umpouco sobre o que é essa figura, parece umaconversa bem direta entre o careta e ele.Os outros caretas se mantém sempre res-pondendo o coro.

Por fim entra o Babau, seus movimen-tos são muito ágeis e bruscos, é tambémum boneco de vestir, da mesma forma quea burrinha, e com a diferença que este nãofica preso na cintura do animador, fica maisabaixo, quase na direção das coxas, o quedá grande mobilidade para o manipulador.É uma armação coberta com fibra de buri-ti, a cabeça possui mandíbula articulável,que é feita de um esqueleto do crânio deum animal eqüino, o dançarino-manipu-lador usa na cabeça chapéu com fitas, quetambém cobrem seu rosto.

O próprio brincante, Arimatéia do Es-pirito Santo (25 anos. Povoado de SãoMartins), do Babau explica como fabrica oboneco.

“ [...] destaca no mundo caçando, na beirada lagoa, uma caveira velha dum animal...eu tiro aquela cabeça velha, eu corto, aítem um pau eu abro ela no meio... aí eu

23 Porém, em todo trabalho preferimos usar reisada, pois é assim que se referem à brincadeira mais comumente.24 Uma vez que a presença do boi nas manifestações populares, a citar o próprio Bumba-meu-boi, remete à sua importância sócio econômica, no passado, nas

fazendas de açúcar e ao período do ciclo do couro.25 A cabaça,quando extraída da arvora da cabaceira, contem em seu interior uma massa, que é retirada, e depois põe-se a casca para secar no sol e desta parte oca

que se faz este acessório.26 Acredita-se ser dado a esses rostos, que este brinquedo também é chamado de cabeça de fogo em outros lugares. Também identificou-se essa denominação na

localidade, mas a que mais utilizam para se referir a ele é a de Pião.

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CONTINUAÇÃO

pego dois pregos, aí enfio, um que é bempertinho da que é a boca e outro bem noqueixada, que a nos chama assim, daí eupego um aro de bicicleta, amarro no meiodaquele pau e deixo ficar na cintura, aí eupego a esteira deixo ficar em cima do aro,aí eu faço um dobrado de imbira feito decordinha mesmo, aí eu vou só movimentaros queixos dele, que aí pra encaixar um nooutro vai só no arame (queixada) daí temum arame que vem que a gente movimen-ta aquele subir e descer, o babau ta feito,enfeita bem enfeitado

Por debaixo das esteiras colocam tam-bém chocalhos que produzem um somquando Babau se movimenta. A músicadeste passo é cantada pelo Careta Velho erespondida pelos outros caretas.

MÚSICA DO BABAU

Tome, tome meu babauCoro: Tome, tome, tome láTome, tome, bonitinhoCoro: Tome, tome, tome lá

Tome, tome, meu BabauCoro: Tome, tome, tome láTome, tome, vai morrerCoro: Tome, tome, tome lá

Tome, tome meu babauCoro: Tome, tome, tome láTome, tome, bonitinhoCoro: Tome, tome, tome lá

Tome, tome, meu BabauCoro: Tome, tome, tome láTome, tome meu babauCoro: Tome, tome, tome lá

Tome, tome, vagarinhoCoro: Tome, tome, tome láTome, tome, meu BabauCoro: Tome, tome, tome lá

Tome, tome, bonitinhoCoro: Tome, tome, tome láTome, tome, meu BabauCoro: Tome, tome, tome lá[...]

Percebe-se que esta letra contém umaestrutura mais repetitiva do que as outras,mudando apenas algumas palavras nos ver-sos, o que se acredita ser devido à grandeatenção que os caretas têm que ter para sedesvencilhar dos ataques do Babau. Tam-bém demonstra certa conversa com o brin-quedo, chegando a dizer como este devedançar, conforme o expressado na letra. Aapresentação do Babau se encerra quandoum dos caretas consegue pegá-lo, ou quan-do o animador se cansa e sai de cena.

Terminada a visita em uma casa, o gru-po parte para outra, e assim, durante todaa madrugada. Neste percurso, várias pes-soas se unem ao grupo e ao fim da jornadasão dezenas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A brincadeira do boi de Reis situadaem um ambiente de misticismo, envolveem primeira instância elementos ligados àreligiosidade católica e em próxima instân-cia à umbanda, visto o contexto de forma-ção da localidade e do próprio responsávelpela Reisada que é dono de um terreiro, deforma que essas práticas se cruzam e inter-ferem-se mutuamente. Assim, a Reisadaconsiste em uma prática que alia elemen-tos cômicos e religiosos, onde seus perso-nagens mascarados, os Caretas, ou com orosto encoberto de alguma forma, seja porfitas como o Pião, a Burrinha e o Babauseja por estar imerso sob um boneco comono caso do boi, envolvem-se em dinâmicasque suscitam imensa curiosidade e aten-ção aos seus observadores. O uso da más-cara e dos aspectos jocosos, em análise re-motam- nos ao séc XII, no teatro litúrgicoe se afirmam, quando estes pelo alto gráude bufonaria que tomou são expulsos do

templo religioso, o que nos faz percebercomo dinâmicas que parecem inseridas emespaços geograficamente distantes, tantoespacialmente quanto temporalmente,podem dar- nos pistas do processo de in-tercâmbio cultural vivenciado pelo Brasildurante séculos.

Sobre a Reisada, percebe-se que ele trazconsigo uma série de regras de posiciona-mento e etapas consecutivas, que se repe-tem nas apresentações e que, aliados aotipo de indumentária utilizada, identifi-cam as principais caracteristicas da mani-festação. Suas músicas, em geral, caracte-rizam um diálogo com os personagens, deforma que não se mostra um elemento iso-lado ou que trate de aspectos externos àmanifestação, a indumetária tem comoproposta ocultar, e a dança possui uma di-nâmica que modifica intensamente os es-paço, comparando-se às movimentaçõesdos personagem, aspectos que tornam estamanifestação rica em possibilidades de es-tudos e abordagens acadêmicas.

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A DIFICIL RELAÇÃO COM O CORPO NASRELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS DO MARANHÃO

Heriverto Nunes Mendon;a Junior27

27 Ator-pesquisador, graduando em Licenciatura em Teatro e membro do Grupo de Pesquisa Religião e Cultura Popular Coordenado pelo Prof. Dr. SergioFerretti, atualmente realiza pesquisa sobre “Performance em cultos afros brasileiros”.

O homem sempre teve dificuldade deencarar seu próprio corpo de forma

clara e sem preconceitos. Essa visão se re-flete na religião, pois, ao considerar o serhumano um ser dual, valoriza muito maisa alma humana que o corpo.

Tomemos como exemplo o cristianis-mo, que tem como uma de suas bases oplatonismo, que considera o corpo grilhãoda alma. Segundo essa concepção, a almadeve se libertar do corpo que representasua decadência, pois a impede de chegaraté o Bem-Supremo. A alma deve contro-lar as paixões e os desejos para se libertarda prisão do corpo.

E, partindo do princípio que o corpo éalgo inferior que deve ser controlado, ocristianismo introduz a noção de pecado,que é um empecilho para a elevação daalma. Desenvolveu, então, técnicas de “pu-rificação” que visam controlar os desejos.O jejum, a abstinência e a flagelação sãoalgumas dessas técnicas consideradas ne-cessárias para atingir a virtude e a plenitu-de moral. Repare que todas essas técnicasprivam o corpo de algum tipo de prazer,pois assim como o corpo não é bem aceitopela religião, o prazer é considerado algoperigoso, pois leva ao apego ao corpo quedeve ser evitado.

Acredita-se que a valorização da almaem detrimento do corpo tem como panode fundo o fato de o ser humano não con-seguir encarar a própria morte. Para ele,está claro que o corpo adoece, sofre a açãodo tempo e morre, então, ele se refugia naesperança de que algo irá continuar e essealgo é a alma.

A alma tem que ser cuidada e protegi-da, pois ela é o que se conecta com Deus e,por conseqüência, dará a vida eterna se forbem cuidada.

Na mitologia grega, a alma era frequen-temente representada por uma figura fe-minina, pois ela é considerada algo frágil,delicado e precioso que precisa de cuida-dos, deixando claro que a preocupação coma alma não é restrita ao cristianismo. A almaé a preocupação de muitas religiões que,de certa forma, nascem por conta do medoque o ser humano tem da morte, transfor-mando o tema da imortalidade da alma emalgo muito importante.

Na direção oposta do platonismo, To-más de Aquino considera que a alma é in-concebível sem o corpo, pois o homem é

um composto de corpo e alma. Mas essateoria não faz parte da crença da maioriados cristãos que vêem corpo e alma comorealidades conflitantes e irreconciliáveis.

Se levarmos essa relação para as religi-ões afro-brasileiras veremos que esse “cor-po” sofre uma certa restrição para que osadeptos possam participar de uma manei-ra mais concentrada ou melhor purificadanesses tipos de rituais. Durante pesquisasde campo feitas em alguns terreiros de SãoLuis, podemos observar essa estreita rela-ção dos adeptos com o próprio corpo.

Abster-se de determinadas comidas émuito comum. Certa vez, uma filha de san-to de um determinado terreiro nos disseque não podia comer tangerina por causado seu orixá. Perguntamos por que? Elarespondeu que cada um tem um orixá eque eles não gostam que seus filhos comamdeterminas comidas, pois, se comessem nãofariam bem a eles; funcionariam como “qui-zílias” e fariam mal, e que comer determi-nada comida ou não, depende de cada ori-xá.

Não praticar relação sexual alguns diasantes dos “toques”(rituais) também se faznecessário. Em uma conversa como umamãe de santo, ela nos disse que o ideal éresguardar- se da pratica sexual sete diasantes das obrigações, caso não faça isso, ofilho de santo estará de “corpo sujo”. Essaexpressão “corpo sujo” é muito comum serutilizada em religiões afro-brasileiras, re-metendo aos adeptos que não estão res-guardados fisicamente para a participaçãode rituais, seja no sentido de pratica sexu-al ou de ingestão de algum tipo de bebidaalcoólica ou comida de alimento proibido.Quando se quebram alguns desses resguar-dos, as divindades podem levar os seus fi-lhos a alguns castigos.

No livro “Maranhão Encantado”, Mun-dicarmo Ferretti relata alguns desses casti-gos, aplicados por alguns encantados doTambor de Mina, religião de matriz africa-na muito encontrada na capital do Mara-nhão.

Um pai de santo de São Luis contou quecerta vez, ia fazer um toque e , como seengraçou de uma mulher, mandou o pesso-al abrir o toque que ele ia ali e já voltava[...]. O toque começou e ele foi se agarracom a namorada. Quando menos se espe-rou ele entrou no terreiro incorporado comTabajara e foi para o “quarto de segredo”.

Como não saia de lá, o pessoal foi ver oque estava acontecendo e chegando lá oencontraram todo ensangüentado, aindaapanhando muito na cabeça.[...]O encantado pegou um banco de couro equebrou todo na cabeça dele. Como eleficou sentindo umas tonturas e, ás vezes,depois do transe, fica quase desmaiado,suspeita-se que aquelas pancadas tenhamafetado alguma coisa no seu organismo eque ainda hoje esteja sofrendo as conseqü-ências daquele castigo. (FERRETTI, p. 98).

É muito comum o castigo imposto aparticipantes de terreiros em São Luis etambém no interior do estado, geralmentesofridos pelo corpo, como se, através doflagelamento corporal, o individuo nãocometesse mais ações que suas divindadesnão gostassem. O auto flagelamento, me-diante o uso incorreto do corpo, está in-teiramente ligado a várias religiões. Pode-se observar, por exemplo, na Idade Média,dentro da religião católica, onde padres efreiras utilizavam o flagelamento corporalpara inibir sensações sexuais e purificar ocorpo e a alma.

Observando uma festa em um terreiro,notou-se, quando um rapaz entrou emtranse com sua entidade que ela começoua bater as mãos no chão com muita força.Um irmão de santo do rapaz cobriu o chãocom uma espécie de toalha, que eles cha-mavam de pana, e a entidade parou de ba-ter. Perguntaram para o “caboclo” porqueestava fazendo isso com o seu “filho”, e elerespondeu dizendo que o mesmo não esta-va cumprido suas obrigações como devia eque também não aprovava o relacionamen-to que ele tinha, por isso estava sendo cas-tigado.

As divindades exercem até o poder so-bre a estética corporal de seus aparelhos,cavalos ou médios como, por exemplo, pin-tura de unha e corte de cabelo.

“V” contou que uma vez uma encantada, aCabocla Jurema, incorporou nela e quasearrebentou suas mãos, batendo numa pe-dra, porque ela usava cabelo grande e man-dara “torra”. Logo que cortou o cabelo, co-meçou a ter calafrios. Depois, ficou arrea-da, com febre, por uma semana. Findoaquele período, “foi apanhada”pela encan-tada, que depois de pedir a mãe dela paratrazer uma serie de coisas, vou-a para oquintal, onde havia uma grande pedra usa-da para lavar roupa, e começou a bater comsuas mãos na pedra.

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CONTINUAÇÃO

A mãe dela, naquela época,nunca tinha vis-to essas coisas e não sabia como proceder.Pediu muito para a encantada parar de ba-ter, mas ela não atendia.Quando parou, a pedra de lavar estava todaensangüentada e as mãos dela estavam tãoinchadas que ela não podia fechar.[...]É difícil um médio que não tenha em suahistória um momento de rebeldia e quenão tenha pago um preço alto pela sua in-subordinação ao dono de sua cabeça, ao

guia que “abriu a sua crôa”, ou que tomouconta dele.Os castigos recebidos por unspodem desencorajar atos de rebeldia deoutros, mas não acabam com eles. E, acada dia, aparece alguém com um caso novopra contar. (FERRETTI, p.100).

É muito complexo falar da difícil rela-ção que se tem com o corpo nas religiões,relações de purificação, abstenções e repres-sões corporais são muito comuns em vári-

as religiões, é preciso observar mais para en-tender melhor essa relação de interação como divino e de repressão do seu próprio eu.

REFERÊNCIAFERRETTI, Mundicarmo Maria Ro-cha. Maranhão encantado: encanta-ria maranhense e outras histórias. SãoLuís: UEMA, 2000.

Amanheci lembrando-me de algumaspessoas e de pessoas amigas, não

sei a esta altura da vida onde elas seencontram.

Cadê Salustiano Castello Branco,Almira Tajra, Ariston, José Nilo de Oli-veira, os irmãos Hafiz, Niaze, Geizhae Amina, onde andam? Maria Alice eCarlos Palácio, como estão? José Freire,Wilson Coelho de Sousa, MariaEugenia, José Ribamar Costa Filho,Maria do Socorro Feitosa, AntonioAroso Matos Pereira, Alcides Pinto,Raimundo Araujo, Maria do Socorro,Malvina e Ubirajara Serrão, LuísCarlos Belo Parga, Clóvis Ramos, JoséAntonio Santa Rosa, Waldecir Araújo,cadê essa gente? Notícias. José RibamarBayma Piosky, meu amigo de ginásio,Colégio São Luís, não o vejo há tantotempo.

Despertei pensando nessas pessoasamigas. Não sei porque vejo-me, aindamenino, sentado às margens do riachoÁgua Fria.

Habitei com os meus padrinhos emuma casa situada à rua Afonso Pena,cujo quintal se estendia ao riacho.Quando retornava de minhas aulas noColares Moreira, depois do almoço,acompanhado de meus livros escolarese de outros de literatura, clássicosbrasileiros e portugueses, descia oquintal e me colocava às margens doriacho. Sob o sussurar das folhagens,cumpria as minhas obrigaçõesescolares. Seguia-me, infalivelmente, omeu amigo Menelick, cão de pelagemnegra. Corria à minha frente, como umbatedor, abrindo-me passagem, apon-tando-me os perigos.

Sentava-me à beira d´água, tendocomo assento uma confortável pedra,

IMAGINARIO CODOENSE: O CÃO MENELICKJoão Batista Machado28

e a companhia do meu amigo Meneli-ck, dos meus livros e do silêncioprofundo que me envolvia, deixandovir aos meus ouvidos a música daságuas.

Aquele silêncio embuia-me de paz,dava-me tranquilidade, reflexão sobreos conselhos emitidos pelos meus pais.Sentia a presença de Deus, noperpassar do vento sobre os cipós, nasramagens dos melões de São Caetano,no barulhinho das águas, ao passaremespremidas entre as pedras queatravancavam a liberdade de do fluídomanso do riacho, berço de lendas e deestórias românticas verídicas. Às vezes,o silêncio era tão imenso que meinfundia medo.

O cão Menelick dormia, sempredormia. Acordava assustado, de orelhasleventadas. Davam-me calafrios ao vera cara aterrorizada do Menelick.Minha avó afirmava que os cães “viamalma de outro mundo”. Se o Menelickvia o sobrenatural até hoje não sei, masse assustava, grunia e arregalava osolhos.

Menelick, como um hábil perscru-tador, investigava quaisqueranormalidades surgidas, desconhecidasà beira do riacho. Punha as orelhas empé. Grande amigo! Defensorincondicional de seu dono. Sentia-meforte e amparado. Caçava calangos ecamaleões. Trazia-me a presaabanando a calda, abria a boca, mos-trando os seus alvos dentes, e o animalferido caía aos meus pés. Passava-lhe amão sobre a sua cabeça. Recebia oafago como se fosse uma medalha olím-pica. Ia para a beira das águas. Dormiade coração cheio de contentamento.“O meu dono reconheceu o meu ato

de bravura”, pensava.Certo dia, um tiú com jeito de ma-

landro mal acabado perdeu o equilíbrioe caiu de uma árvore no leito do riachoe foi ao fundo. Menelick achou umdesaforo à sua autoridade canina.Exigia repeito. Estufou o peito parafora e se atirou nas águas, num grandemergulho. Pouco durou a sua operaçãobélica. Emergiu a flor das águas com oindisciplinado tiú, preso aos dentes. Osanimais sem donos, eiras e beiras, “semum couro para morrerem de ataque”,eram obrigados a reconhecer asupremacia de Menelick naquele ter-ritório.

Mariazinha, minha companheirade leituras, estava demorando. O cãohavia notado a sua ausência. Sentia-seenvolvido por uma certa expectativa.Os olhares compridos e atentoslançavam-se em direção à casa deMariazinha. Soltava suspiros.

A casa de Mariazinha, cujo quintalera banhado pelas águas do Água Fria,onde se cultivava produtoshortigranjeiros, era espaçosa,assoalhada, talvez a única existente emCodó. Tinha um aspecto das antigasquintas senhoris do Codó Colônia.

Dirigia-se ao meu encontro cotidia-namente por dentro das águas.Aparecia como uma visão selvagem.Carregava sempre os seus livros depoesia, amados livros que trazia deencontro ao peito. Menelick tranquili-zava-se, pulava e latia de contente, fi-nalmente se deitava. Permanecia aten-to. Vigiava.

Mariazinha lia os seus poemas. Ini-ciava com a declamação de “OuvirEstrelas”, do poeta Olavo Bilac. Sabia-o decorado. Declamava-o de olhos

28 Pesquisador e escritor codoense; autor do livro Codó – histórias do fundo do baú.

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JOÃO CONDEMestre do Renascimento Popular na

Baixada Ocidental MaranhenseJoão Paulo Soares Júnior29

“O mundo pode ser um texto, masalguns grupos (e pessoas) parecemser capazes de escrever suassentenças sobre nossas vidas commais facilidades que outros”Apple.

“Por trás dos cabelos brancosDe uma pessoa vividaExiste uma enciclopédiaEm experiências contidas.”Antônio Torres Fróes(Cancioneiro Queimadense)

Lembrança, inquietação da alma emomento de visionar os aconteci-

mentos do cotidiano. Sinalização querompe fronteiras. Memórias capturadaspelos sentidos, alguma vezes desavisa-dos, que denunciam, revelam e anunci-am símbolos, sinais, o que, afinal, con-siste a cultura. Para além de mero re-gistro, o recordar também traz em si aação inventiva e transformadora quetem a capacidade de quantificar e qua-lificar dinâmicas históricas e sociais.Mas o recordar é também um trabalho.Atividade ininterrupta de escolha en-tre o que lembrar e o que esquecer.Entre recordações e esquecimentos, vi-mos neste espaço, celebrar a vida e aobra de um ilustre desconhecido (assimcomo tantos outros) do interior do Ma-ranhão, Seu João Conde.

Pero de Magalhães Gandavo, emseu monumental Tratado da Terra doBrasil, nos lembra, sobre o valor damemória, que “a escritura é a vida damemória, e a memória uma semelhan-ça da imortalidade a que todos devemosaspirar pela parte que dela nos cabe”.

Para o Renascimento, movimentoartístico, literário e científico surgidona Europa nos séculos XV e XVI, o In-divíduo deveria ser instruído ao máxi-mo até alcançar o ideal do HomemIntegral (FERANDES, 1996). Segun-do Pedro Antônio (1995) este ideal eraalicerçado no ideário do homem tor-nar-se sábio, dotado de cultura vastís-29 Membro da Comissão Maranhense de Folclore e da Comissão Helenense de Folclore. E-mail: [email protected]

fechados. Hoje, trouxe Vicente deCarvalho. Lia para mim um soneto eme pedia a opinião: “não é bonito?”Sim, os versos são belos, falavam do mar,de amor e da vida. O poeta paulistaespargia um puro romantismo e Mari-azinha não era poetiza, era poeta.

Achei tristezas nos olhos verdes deMariazinha. Indaguei o motivo. Nãoquis dizer-me. Disse-me apenas estarse preparando para tomar uma granderesolução em sua vida. Falou-me,lembro-me agora de se ir do Codó para

um lugar distante. Não me falou nadamais. Senti um vácuo imenso invadir omeu coração. Fiquei sob o domínio deum pesado silêncio. Nenhuma palavrasaía de minha garganta seca. Estavadominado por uma incapacidade defalar. Mudo, senti que os seus lábiosencostavam-se aos meus. Seria o beijoda despedida, do desaparecimento?

A jovem se afastou rapidamente,como um forte vento, como uma faíscaelétrica. Corria sobre as águas comouma deusa, magoada, desaparecendo.

Menelick uivou, não abanou a cauda,pressentia o fim daquele inocenteplatonismo.

Passados dias sem retornar ao riacho,recebi um pequeno bilhete que dizia:Você e o Menelick foram os meusmelhores amigos”. Li o recado para omeu cão e amigo, o que lhe trouxetristeza por vários dias. Consolava-nos.Nunca mais voltamos à Água Fria.Inventamos outros passeios, outrosprazeres, outros amores descobrimos,mas Mariazinha marcava presença.

CONTINUAÇÃO

sima, dirigida para as mais diversas áre-as do conhecimento. O homem, pois,deveria ser o centro do universo.

Este seria o ser humano capaz dedesenvolver múltiplas e complexas for-mas de arte; a isto denominavam deHumanismo, o qual pressupunha umaprofunda valorização do ser humanonos aspectos intelectual, moral, éticoe estético; uma verdadeira revoluçãopara a época e uma nova postura antea vida (NEVES, 2002). É, pois, nessesentido que situamos Mestre João Con-de como sendo um Renascentista Po-pular, pois dedicou sua vida aos varia-dos campos do saber, aprendendo eensinando , transmitindo ao próximosua Sabedoria, agindo, dessa forma,naquele que sempre foi seu sentido devida: o ser humano.

João Martins Filho nasceu em Bra-gança – PA, no dia 24 de agosto de1903, sendo seus pais João Izidório Pe-reira Martins e Ana Castro PereiraMartins.

Os anos de infância e juventude,ele passou no estado do Pará, de onderecebeu os primeiros contatos com ossaberes e ofícios da Cultura. Foi nessaépoca que conheceu um ramo da Arteque iria acompanhá-lo por toda a vida:o amor ao teatro.

Neste núcleo do nascente teatrohelenense, em uma simples e paupér-rima casa de barro, eram encenadas asfamosas comédias,pequenos autos cô-micos apresentados a população local.

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CONTINUAÇÃO

Em 1919, com 16 anos, chega a Pi-nheiro, Maranhão. Anos antes, aindano Pará, aproximadamente por volta de1916, suas irmãs mudam-se para Belémdedicando-se aos estudos religiosos e énessa época que João Martins inicia-senos saberes e mistérios do espírito. Nessemesmo período conhece a respeitadafamília pinheirense Conde, com a qualiria trabalhar e da qual iria ligar-se no-minal e afetivamente ao longo da vida.Com o passar dos anos seria conhecidonão mais como João Martins, mas simcomo João Conde.

A vivência ao lado da família Con-de legou ao jovem João conhecimentoe especialização nos ofícios de padei-ro, alfaiate, sapateiro, doceiro e cozi-nheiro. Estes saberes seriam a base deseu sustento e o tornariam conhecidocomo Mestre João Conde tanto em Pi-nheiro, Santa Helena como em Belém.Alguns anos depois, em 1947, muda-sede Pinheiro para Queimadas, “capital”da Chapada, região rural pertencenteao município de Santa Helena. Seuprimeiro contato com os chapadeirosfoi de intenso acolhimento e mútuorespeito. Em Queimadas, abre uma dasprimeiras escolas do povoado e, a par-tir disso, torna-se conhecido tambémcom grande educador.

Em 1948, um fato inusitado acon-tece em Queimadas: a “visita” dos ín-dios da Aldeia do Marajá, no Alto Turi.Quando desse episódio, e a pedido doamigo Dico Miolo, os ameríndios fica-ram hospedados na casa de João Con-de, o qual trava intensa relação deaprendizagem com os indígenas.

Tendo um inquestionável pendorpara as humanidades, João Conde “pe-gou” para criar 14 crianças, das quais amais conhecida é Celina Martins Nu-nes, filha e dedicada aprendiz, a qualo acompanhou até o fim da vida. Deviagem em viagem o esmero para ascoisas do povo, para os fazeres folclóri-cos e para as artes da alma iriam se es-tabelecer e se expandir na vida domestre baixadeiro. Segundo seu biógra-fo, Getúlio Ubaldino Ferreira (2004):“(...) em suas viagens a Santa Helena,São Benedito da Roça e Pinheiro, quermontado a cavalo, ou a pé, o professoria acumulando experiência, conheci-mentos, aprendendo mais coisas do mun-do terreno e do mundo espiritual (...)”.

João Conde foi contemporâneo deilustres queimadenses, muitos dosquais se tornaram figuras folclóricas.Com estes ajudou na construção daidentidade cultural do município deSanta Helena; dentre estes a memó-ria oral registra: Cizidino Mata Onça,Leocádio Lobato, João Pavão (o Jan-jão), Nhuca Padre, Maria Amália, Si-nhá Lobato, Algustinha Froes, Jerôni-mo Bonatti, Luís Gomes, os músicosde pau-furado (“orquestras” de soproda Baixada) Ivan, Manduquinha eMestre Alexandre Silva (o Xanduqui-nha), Benedito Castro, Zé Leite, Jaci-ra Rodrigues e Francisco Romano Fro-es.

Com estes, e para o auxílio destesJoão Conde desenvolveu sua sabençade “faz de tudo um pouco”, indo dosbenzimentos contra mau-olhado ouarca caída, a problemas relacionados afastio, até a preparação de garrafadas,chás, banhos medicinais ou em faze-res mais terrenos como o de bordadorde couros de bumba – meu –boi, e do-ceiro de iguarias como o lambedor dealho.

No mês de junho, com a aproxima-ção do Dia de São João, uma iguariaque fazia muito sucesso e que rendiaalgum dinheiro com encomendas erao Bolo de São João, quitute simples,como a melhor culinária maranhense,feito como parte aos préstitos ao SantoJunino. Para os amantes da boa mesado Santo, segue receita:

Quebra-se em uma vasilha 18 ovos,tirando-se as claras de 09. Bate-sebem os ovos e junta-se 460 gramasde açúcar, 460 gramas de manteiga,460 gramas de farinha de mandiocapuba e leite de 02 cocos; batendo-setudo muito bem, até ficar perfeita-mente ligado. Deita-se em formauntada com manteiga e vai assar.30

Outra atividade que ele exercia eraa de decorador de festas, além de or-ganizar anualmente blocos carnavales-cos. No entanto, toda a existência des-te iluminado foi regida por um chama-do espiritual; uma força sobrenaturalque o guiava na mansuetude e no ca-minho da caridade ao ser humano.

Há relatos que próximo ao povoadode Rosário, município de Santa Hele-na, no Alto Turi, existe um poção (lu-

30 Conforme receita original, contida em dois cadernos manuscritos, de autoria de João Conde.31 Informações prestadas por um dos fundadores, Laércio Ribeiro de Oliveira, produtor cultural de Santa Helena.

gar fundo) chamado Marajá e que JoãoConde, quando em transe, doutrinava:“gente, vocês não passaram por lá? Nãoviram minha patroa? Ela é a mulhermais linda do poção do Marajá.”

João Conde não construiu rique-zas ao longo da vida, o pouco que ga-nhava era destinado ao sustento desua numerosa família ou em doaçãoaos mais necessitados, mas amealhoumuitos seguidores e admiradores deseus vários ramos de conhecimento.As homenagens, em vida, tambémforam poucas. É digno de nota, po-rém, a iniciativa de um grupo de es-tudantes secundaristas31 de SantaHelena que, no calor da juventu uralJoão Conde), em 1997, que tinhacomo objetivos “homenagear” pesso-as ou entidades que contribuíssemcom a “cultura popular, cultura deraízes e cultura regional de SantaHelena”. Cita-se, também, a nomea-ção da Banda Marcial da UnidadeEscolar Dep. Luís Rocha,iniciativada professora Naíza Gomes.

No dia 04 de abril, às 16:00h do anode 1991, com 88 anos , partiria paraAlém – Terra aquele que veio ao mun-do para ensinar a lição do amor ao serhumano e o respeito e valorização acultura popular.

Referências Bibliogáficas

FERNANDES, Francisco. Dicioná-rio Brasileiro Globo. 43. Ed. - SãoPaulo: Globo, 1996.

FERREIRA, Getúlio Ubaldino. Pa-triarcas da Chapada: o Xote e oConde - São Luis: Litograf, 2004.

GANDAVO, Pero de Magalhães de.Tratado da terra do Brasil. 5 ed.Recife: Editora Massananga, 1995.

NEVES, Joana. História Geral – Aconstrução de um mundo globali-zado. - 1. Ed. - São Paulo: Saraiva2002.

PEDRO, Antônio. História geral:compacto, 2º grau- ed. Atual., ampl.e renovada. – São Paulo: FTD, 1995.

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JANELA DO TEMPO

João foi nome que ele recebeu na piabatismal, sendo que no Cartório Popular acrescentaram-lhe o sobrenome

“Caninana”. Este personagem “João Canina-na”, tornou-se lendário na cidade, principal-mente na Praia do Caju, onde era o Inspetorde Quarteirão, temido e respeitado por or-deiros e desordeiros, “Caninana” era um mu-lato forte, com 1,60m de altura, aproximada-mente. Aos domingos, era comum vê-lo todocheio de vida, devidamente metido numacalça branca de HJ, camisa com o peito durode goma, cheia de botões dourados, chinelosde verniz lustroso, de rosto inteiro.

Como Instrutor de Quarteirão, umadas tarefas de “Caninana” consistia emreceber o peixe que os pescadores traziamdo alto mar, distribuí-lo entre as raparigasda Praia do Caju para que elas o vendes-sem ao público. Naquele tempo, quem ven-dia peixe eram as mulheres porque se con-siderava que o serviço que cabia ao homem- era o de buscá-lo em alto mar. Outra parti-cularidade da época de “João Caninana”:pescador quando saía para a sua tarefa, iadevidamente municiado de maconha, pois,

Lopes Bogéa33

João Caninana32

32 Transcrito de BOGÉS, Lopes. Pedras da Rua. São Luis: s./n., 1988, p. 168-169.33 João Batista Lopes Bogéa – jornalista, compositor maranhense.34 Colaboração do GPMINA/UFMA e do Prof. Sergio Ferretti.

naquele tempo, fumar a erva era a coisamais natural do mundo. Não constituíacrime como hoje em dia.

Além de Inspetor de Quarteirão, comolíder natural que era, “João Caninana” eraproprietário de um famoso “baralho”, novelho bairro do Cais da Sagração. “Bara-lho” era uma brincadeira que saia pela épo-ca de Carnaval, sendo que a de “Canina-na” era considerada uma das melhores da-quela época, aí pelo começo do século.Grande número de admiradores estavamsempre dispostos a acompanhar o “bara-lho” de “Caninana” e, entre esses admira-dores, estavam aqueles que eram conside-rados os maiores desordeiros da época, achamada turma da pesada de “João Cani-nana”, formada por Raimundo Sina Brava(o nome já diz tudo) e Ricardo Magro.

O povo dizia que o Ricardo Magro eratão mau, mas tão mau, que quando que-brou a perna, coisa que não pode ser consi-derada fora do comum, para ele não teveremédio: o jeito foi amputá-la, operaçãorealizada por um grande cirurgião daqueletempo, o Dr. Basílio Sá, no Hospital Geral.

“João Caninana” saiu de circulação, ouseja, morreu, na década de 20, deixandoatrás de si mesmo a fama de um dos maio-res organizadores de “baralho” do seu tem-po. Aliás, sobre a fama do “baralho” do Ins-petor Caninana, um poeta praiano, um diade roda de baralho, quando a cachaça cor-ria solta, fez os seguintes versos, que eramsempre cantados na Praia do Caju:

“Sina Brava” e “Caninana”,Arma num corpo só,Não há baralho sem canaE nem há cana sem nó.“Caninana” bota a canaPra descer no meu gogó.O baralho de nhá Lila,Misturado com Nhá Du,Não pode com “Caninana”Chico Diabo e Urubu;Baralho que tira prosaLá na Praia do Caju!.

Nhá Lila e nhá Du organizavam “baralho”e “dança de carimbó” que sempre rivalizavamcom as brincadeiras de “João Caninana”.

RESUMOS E RESENHAS • MONOGRAFIAS34

DINIZ, Conceição de Maria Santos.As experiências do sagrado: O festejo de SãoBento em Bacurituba. História – PROEB/UFMA, 2009. Orientadora: Profa. Dra.Marize Helena de Campos.

RESUMOEste trabalho centra-se na reflexão so-

bre o festejo de São Bento em Bacurituba,uma vez que este vem perdendo muito doseu aspecto espiritual passando a ser vistopelos fieis apenas como uma festa religio-sa sem, contudo, trazer em sua essência afé e devoção por parte do povo deste lugar,passando muitas vezes de geração em gera-ção simplesmente como uma tradição decostumes do que devoção onde, por mui-tas vezes, o profano e o sagrado tendem afundir-se de tal modo que se torna neces-sária a reflexão para podermos entender areligiosidade do povo. Para tanto, utiliza-mos a história oral por meio de entrevistasatravés das quais moradores mais antigosrelatam o significado do festejo, de modoque possamos contextualizar para um me-lhor entendimento sobre o tema enfoca-do. Traçamos também um panorama his-tórico no município de Bacurituba, desde

a sua condição de povoado a sua emanci-pação política como cidade, bem como sualocalização, população, atividades econô-micas, etnia etc. Enfocamos brevemente ahistória do Santo (São Bento) destacandoporém alguns milagres, o significado da me-dalha, suas orações e ladainhas; as festascomo objeto de analise em historia ondeestas assumem papeis e funções diferen-tes ao longo de nossa história.

COSTA, Francileia Moreira. Baile deSão Gonçalo de Amarante na cidade deViana do Estado do Maranhão. História-Licenciatura. UFMA, 2008. Orientador:Alírio Carvalho Cardoso.

RESUMOEste trabalho se configura com a reali-

dade do sagrado e do profano onde a fé éponto de partida para conservação e pre-servação das festas populares no Brasil,desde o Período Colonial estendendo ate amodernidade. As festas populares, histori-camente falando, vêm contribuir para o de-senvolvimento histórico alem da identida-de cultural brasileira. O ecletismo culturale as festas populares vem somar na constru-

ção eclética da crença em santos milagrosose que, de certa maneira, colabora para o de-senvolvimento do conhecimento religiosos,místico, além de proporcionar uma esperan-ça transhistorica ou metafísica, construin-do uma nova terminologia de vida, ou seja,a que vai além da morte. As festas religiosase populares contribuem economicamentepara comunidade que organiza as festas.Partindo desse princípio podemos dizer queo sagrado se encontra na fé e o profano seencontra na organização dos fundos finan-ceiros para manter as festas. O Baile de SãoGonçalo no município de Viana é uma dasfestas mais tradicionais da região da Baixa-da Maranhense.

COSTA, Jeanne Mirella Santos da. DeDesejado a Encoberto: a trajetória do Rei D.Sebastião. História – Bacharelato – UFMA,2008. Orientador: Helen Lopes de Sousa.

RESUMOA análise da vida de D. Sebastião, reve-

lando-se como um mito no momento detransição de uma cultura oral para escrita,tomando como objeto de estudo principalas trovas de Bandarra.

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Notícias – Roza Santos35

PRÊMIO CULPRÊMIO CULPRÊMIO CULPRÊMIO CULPRÊMIO CULTURA HIPTURA HIPTURA HIPTURA HIPTURA HIPHOP 2010 – EDIÇÃOHOP 2010 – EDIÇÃOHOP 2010 – EDIÇÃOHOP 2010 – EDIÇÃOHOP 2010 – EDIÇÃO

PRETPRETPRETPRETPRETO GHÓEZO GHÓEZO GHÓEZO GHÓEZO GHÓEZ

O maranhense Preto Ghoez – MárcioVicente Góes - dá nome ao concurso quepremia iniciativas da cultura Hip Hop. OConcurso concederá ainda um prêmio es-pecial à família do homenageado. O Prê-mio é uma realização da SID/MinC emparceria com a Secretaria da CidadaniaCultural (SCC/MinC), O Instituto Em-preender e a Ação Educativa.

Preto Ghóez - rapper, cantor, composi-tor, escritor, um dos principais líderes doMovimento Hip Hop Organizado do Brasil -era vocalista do grupo maranhense Clã Nor-destino. Em parceria com o MinC, ideali-zou o projeto “Fome de Livro na Quebrada”– trabalho que incentiva a produção cultu-ral Hip Hop através de oficinas. O progra-ma já foi implementado em diversos locaisdo Brasil e funciona com êxito.

Márcio Vicente Góes nasceu em SãoLuís, Maranhão, passou parte da infâncianos mangues, vivendo da pesca de caran-guejos. Foi interno da Febem. Desenvolveuali seu trabalho musical e, a partir daí, aju-dou a organizar o movimento Hip Hop nasregiões Norte e Nordeste. Ghóez morreu,vítima de acidente de automóvel, em 9 desetembro de 2004, em Santa Catarina.

A FESTA DO DIVINOPERDE SUA DEVOTA:

Dona Nilza

Morre aos 71 anos, em 28 de dezembrode 2010, Rosilda Barros Pereira, a D. Nilza.Enquanto viveu, devido às suas obrigaçõesespirituais com Averequête, realizava tam-bor de crioula para São Benedito, dia 13 demaio. Em 1998, por promessa ao DivinoEspírito Santo, deu início a realização dafesta do Divino, juntando-a à obrigação quejá fazia para Averequête e Nossa Senhorade Fátima, desde 1974, em sua residênciano Goiabal, entorno da Madre Deus.

AS PERDAS NAAS PERDAS NAAS PERDAS NAAS PERDAS NAAS PERDAS NAIRMANDADE DA CASAIRMANDADE DA CASAIRMANDADE DA CASAIRMANDADE DA CASAIRMANDADE DA CASADAS MINAS EM 2010DAS MINAS EM 2010DAS MINAS EM 2010DAS MINAS EM 2010DAS MINAS EM 2010

A Casa das Minas, também chamadade Querebentam de Zomadonu ou Terrei-ro de Zomadonu, nome da divindade pro-tetora das fundadoras, é uma das mais an-tigas irmandades de culto afro-brasileiro.É considerada a célula do tambor de mina

do Maranhão e da Amazônia, embora for-malmente não haja outras casas que lhesejam filiadas (Ferretti,1985). Até 1983,quando o professor Sérgio Ferretti reali-zou o estudo etnográfico da Casa, havia19 grupos familiares com um total de 98pessoas, entre dançantes, tocadores e de-votos. No decorrer desses 27 anos, o tem-po encarregou-se de diminuir, principal-mente, o número de vodunsi - mulheres aquem foram ensinadas as práticas religio-sas, que detém os segredos, as sacerdotisasque dirigem os rituais de mina jeje. A Casadas Minas chega na primeira década doséculo XXI com apenas uma sacerdotisa:Dona Denis Prata Jardim, de Toy Lepon.

O ano de 2010 aponta para o final dostempos na Casa das Minas? Os pretos epretas velhas diriam, apenas... “o tempo traze o tempo leva”...”vamos dar tempo ao tem-po”. É o ciclo da vida. Maria Severina dosSantos – Dona Maria de Alogue - morreaos 65 anos, no dia 30 de abril de 2010,casada com seu Antonio, tocador da casa.Entre os meses de abril e outubro, morreDona Edwirge, de Borutoy, que dançavadesde meados de 1960, porém já não fre-qüentava muito a casa. Em 25 de outubromorre Maria Celeste Santos, aos 86 anos -a Dona Celeste, de seu Averequete. DonaCeleste era a relações públicas da Casa.Com naturalidade promovia e administra-va festas, sabendo com pouco recurso trans-formar uma pequena festa em comemora-ção grandiosa, como a que realizava emagosto, todos os anos, para seu Averequeteapós a procissão de São Benedito. Chega-va-se na Casa das Minas, cantava-se a lada-inha em latim em louvor ao Santo, em se-guida, as vodunsi incorporadas cantavamem jeje saudando os voduns da casa. Ter-minado o cântico, deliciava-se com os qui-tutes de Dona Celeste, cozinheira de for-no e fogão, como se dizia antigamente. AFesta do Divino Espírito Santo na Casadas Minas, atualmente a grande festa dacasa, ainda foi organizada por ela em 2010.Como ela sabia movimentar devotos detodas as camadas sociais, propiciando in-teração entre as pessoas chamadas de elitee as menos favorecidas! Transformava aFesta do Divino num tempo de partilha econgraçamento entre pessoas de váriosníveis sociais e intelectuais. Desde 1968era responsável pela organização da Festado Divino da Casa das Minas, era a Caixei-ra-régia, tendo implantado a festa no Riode Janeiro, realizado oficinas e em diver-sos estados, sendo uma das últimas, em2010, em Santa Catarina. Dona Cecé,como era carinhosamente chamada, pos-

suía carisma das Grandes Mães-de-Santobrasileiras, sendo um dos pilares da tradi-ção Jeje-Nagô do Maranhão.

MORRE O ESCRITMORRE O ESCRITMORRE O ESCRITMORRE O ESCRITMORRE O ESCRITOR EOR EOR EOR EOR EECONOMISTECONOMISTECONOMISTECONOMISTECONOMISTA JOSÉA JOSÉA JOSÉA JOSÉA JOSÉ

RIBAMAR REISRIBAMAR REISRIBAMAR REISRIBAMAR REISRIBAMAR REIS

O economista e escritor José RibamarSousa dos Reis faleceu na tarde de terça-feira (7 de dezembro de 2010), por voltadas 16 horas, no setor de Oncologia doHospital Geral, onde estava internado des-de sábado passado (4). Ele tinha 63 anos e,desde o final do ano passado, lutava contraum câncer no estômago.

Nascido no dia 22 de março de 1947,José Ribamar Sousa dos Reis, escritor, po-eta e pesquisador, publicou vários livrossobre a cultura popular maranhense e es-crevia semanalmente para o suplemento“JP Turismo”, onde assinava a coluna“Trincheira da Maranhensidade”. Ele eramembro efetivo do Instituto Histórico eGeográfico do Maranhão (IHGM), ondeocupava a Cadeira Nº 56 patroneada porJerônimo de Viveiros. O sonho de José Ri-bamar Sousa dos Reis era chegar à Acade-mia Maranhense de Letras.

O velório do poeta e escritor foi reali-zado na Central de Velórios da Pax União,na Rua Grande, juntamente com o corpode sua mãe, Rosy Sousa dos Reis, de 94anos, que faleceu na madrugada de segun-da-feira, 6, no Rio de Janeiro. Os dois fo-ram sepultados no Cemitério do Gavião.

FILME SOBRE A CASAFILME SOBRE A CASAFILME SOBRE A CASAFILME SOBRE A CASAFILME SOBRE A CASADAS MINASDAS MINASDAS MINASDAS MINASDAS MINAS

Documentário inédito revela alguns dosritos cerimoniais e cânticos de matriz afri-cana, únicos do Terreiro de Zomadonu. Ofilme Casa das Minas - Os voduns reais deSão Luis, dos cineastas suíços Edith Lei-grumber, Hili Leigrumber e Jens Woernlefoi resultado de uma conquista, ao longo dequatro anos, que fortaleceu a relação de pro-ximidade, transformada com o passar dotempo em amizade, ganhando a confiançadas vodunsi. Com duração de 85 minutos,o filme-documento traz depoimentos daschefes espirituais da casa e do professor/doutor em antropologia Sérgio Ferretti, quecontam a história do templo desde a suafundação, passando por perseguições e sub-missão, até os dias de hoje, com perspectivapara a transformação da casa em Museu. Ofilme foi lançado em São Luis, primeiramen-te na Casa das Minas, dia 09 de dezembro,só para as pessoas da casa, e no dia 15 para

35 Roza Maria dos Santos - Comunicóloga; membro da CMF.

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Boletim 48 / dezembro 2010 19

CONTINUAÇÃO

convidados e interessados, no Cine PraiaGrande do Centro de Criatividade OdyloCosta, filho-Praia Grande.

MADRIGAL SANTMADRIGAL SANTMADRIGAL SANTMADRIGAL SANTMADRIGAL SANTAAAAACECÍLIA NA ITCECÍLIA NA ITCECÍLIA NA ITCECÍLIA NA ITCECÍLIA NA ITALIAALIAALIAALIAALIA

Cantando músicas do cancioneiro po-pular brasileiro, o Madrigal Santa Cecíliasurpreendeu os italianos com o espetácu-lo “Cantos do Brasil”, em turnê pela Itáliano período de 9 a 19 de julho de 2010. Ariqueza e a diversidade da cultura brasilei-ra foram mostradas nas músicas sacras deHeitor Villa-Lobos, Lobo de Mesquita ePe. José Mauricio Nunes Garcia e nas can-ções populares, arranjadas para 4 vozes,como Boi da Lua, Cantigas de Boi, Cantode Luz, O Trem de Teresina, Foi Boto Si-nhá, Birimbau, Três Cantos Nativos doIndios Krahó, Uirapuru, citando as quemais impactaram os italianos. Cidadescomo Milão, Villafranca, Caddavid, SantoStefano d’Aveto, Genova, Greve in Chi-anti, Lanuvio, Nemi conheceram a musi-calidade brasileira através do canto, dançae coreografia. A turnê ocorreu dentro doVI Festival Internacional de Música Coralque aconteceu em Roma e no Vaticano. OFestival foi realizado na igreja de SantoIgnacio, em Roma, e finalizado com a apre-sentação na Basílica de São Pedro, no Vati-cano, domingo dia 18 de julho. Sob a re-gência de Giovanni Pelella, o Madrigal can-tou na missa celebrada no altar principal,chamado Altar da Confissão, que conser-va a Cátedra de São Pedro Apóstolo, o pri-meiro bispo de Roma. Levar um Coral àItália era um sonho acalentado por Gio-vanni Pelella e Mário Cella, desde 1973,época de criação do Coral da UniversidadeFederal do Maranhão em que Giovanni eMário foram regente e coordenador geraldo Coral, respectivamente. Lembrandoque o Madrigal é formado, em sua maio-ria, por cantores-fundadores do Coral daUFMA que se reencontraram em 2001 parafestejar 25 anos de FEMACO.

NONONONONOVENTVENTVENTVENTVENTA ANOS DEA ANOS DEA ANOS DEA ANOS DEA ANOS DEVIDVIDVIDVIDVIDA!!! PA!!! PA!!! PA!!! PA!!! PARABÉNSARABÉNSARABÉNSARABÉNSARABÉNS

MESTRE TEODORO!!!MESTRE TEODORO!!!MESTRE TEODORO!!!MESTRE TEODORO!!!MESTRE TEODORO!!!

O mestre de bumba-meu-boi TeodoroFreire comemorou no dia 9 de novembrode 2010, 90 anos de idade e mais de 85 comoparticipante e incentivador da cultura doseu Maranhão. Em Sobradinho, Brasília,ele fundou em 25 de janeiro de 1963, o Cen-tro de Tradições Populares, até hoje conhe-cido como o Bumba-Meu-Boi do Teodoro,localizado na Quadra 15, e registrado comoPatrimônio Cultural e Imaterial do Distri-to Federal. Em 2006, seu Teodoro foi agra-ciado com a medalha e título de comenda-dor, entregue pessoalmente pelo Presiden-

te Lula, em solenidade no Palácio do Planal-to. Pai de 11 filhos, 36 netos e outros tantosde bisnetos, seu Teodoro é maranhense denascimento e casado com dona Maria José,a companheira de todo e sempre.

LANÇAMENTLANÇAMENTLANÇAMENTLANÇAMENTLANÇAMENTO DE LIVROO DE LIVROO DE LIVROO DE LIVROO DE LIVRO

A professora de Sociologia da Universi-dade Estadual do Maranhão/ Centro deEstudos Superiores de Santa Inês e da Fa-culdade São Luís, Helciane de FátimaAbreu Araujo lançou o livro Memória, Me-diação e Campesinato: as representaçõesde uma liderança sobre as lutas campo-nesas da Pré-Amazônia Maranhense, naFeira do Livro, no Salão do Escritor, naPraça Maria Aragão, dia 14 de novembro2010. Resultado de um estudo realizado,no período de 1997 a 2000, para a disserta-ção do Mestrado em Políticas Públicas naUniversidade Federal do Maranhão, o li-vro traz uma análise sociológica das repre-sentações de uma liderança camponesa,Manoel da Conceição - sua trajetória de vidae a história política do Maranhão. Funda-dor do Sindicato dos Produtores Autôno-mos de Santa Inês/MA, anos de 1960. Foiexilado e, durante o exílio, ajudou a fun-dar o Partido dos Trabalhadores e a Cen-tral Única dos Trabalhadores. Com a anis-tia, retornou ao país em 1979, retomou amilitância no Partido e fundou o Centrode Educação e Cultura do TrabalhadorRural – Centru - entidade que coordena eincentiva o associativismo e o cooperati-vismo no Sul do Maranhão. Por sua lutaem defesa dos cerrados e pela justiça socialganhou diversos prêmios nacionais e in-ternacionais. Manoel da Conceição, aos 75anos, recebeu, dia 24 de novembro, o títu-lo de Doutor Honoris Causa pela Univer-sidade Federal do Maranhão.

DINAMAR, CANOADINAMAR, CANOADINAMAR, CANOADINAMAR, CANOADINAMAR, CANOACOSTEIRACOSTEIRACOSTEIRACOSTEIRACOSTEIRA

O Instituto do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional-Iphan e o Centro Vo-cacional Tecnológico-Estaleiro Escola doMaranhão oficializam a entrega da restau-ração da Canoa Costeira DINAMAR dis-ponibilizando transporte para visita no Es-taleiro Escola no Sítio do Tamancão. Aentrega aconteceu, dia 23 de julho de 2010,com lançamento do DVD “Inventário daCanoa Costeira Maranhense”.

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O Comitê Gestor da Salvaguarda doTambor de Crioula do Maranhão concluiuProjeto Básico de Instalação do Pontão deCultura do Tambor de Crioula, com vistasà realização de ações de salvaguarda volta-

das para o fortalecimento dessa prática cul-tural registrada como Patrimônio Culturaldo Brasil. Principais eixos das ações propos-tas para serem desenvolvidas num períodode três anos: Eixo 1 – Preservação dos mo-dos de fazer o tambor de crioula: incentivoa formação de grupos mirins; oficinas depercussão e cantoria; oficinas de escavaçãoe cobertura de tambores de madeira. Eixo2 – Capacitação de quem faz o tambor decrioula: oficinas de elaboração de projetos eeditais; mini-curso de cultura negra noMaranhão. Eixo 3 – Socialização e valori-zação dos conhecimentos associados aotambor de crioula: encontros de grupos detambor de crioula; Seminário sobre o tam-bor; festival de grupos de tambor; e prêmio“Mestres do Tambor de Crioula”. Eixo 4 -Registro material da forma de expressão dotambor de Crioula: gravação de CDs; pro-dução de DVDs; criação de um Centro deReferência do Tambor de Crioula. Conhe-cido como uma manifestação da culturapopular de raízes africanas, o tambor de cri-oula foi registrado como Patrimônio Cul-tural do Brasil, em 18 de junho de 2007.

TAMBOR DE CRIOULA –Entidades assinam Termode Cooperação Técnica

Visando o desenvolvimento de ações con-juntas para formulação e implementação doPlano de Salvaguarda do Tambor de Cri-oula do Maranhão, representantes de enti-dades reuniram-se, no dia 13 de dezembrode 2010, para assinatura do Termo de Coo-peração Técnica do Plano de Salvaguarda doTambor de Crioula do Maranhão celebradoentre o Instituto do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional (Superintendência doIphan/Maranhão - Kátia Bogéa); a Secreta-ria de Cultura do Estado do Maranhão (LuizHenrique de Nazaré Bulcão); a FundaçãoMunicipal de Cultura de São Luis (EuclidesBarbosa Moreira Neto); a Comissão Mara-nhense de Folclore (Lenir Pereira dos San-tos Oliveira); a Federação da Entidades Fol-clóricas e Culturais do Estado do Maranhão(Paulo Sérgio Pinto); o Conselho Culturaldo Tambor de Crioula do Maranhão (Ubal-do Martins Gomes); a Associação Culturalde Tambor de Crioula do Estado do Mara-nhão (Paulo Francisco Carvalho Bertholdo).

À Comissão Maranhense de Folclorecompete: disponibilizar especialistas, mem-bros da Comissão, para atuarem, gratuita-mente, no assessoramento técnico e cientí-fico do Comitê Gestor; colaborar no desen-volvimento de pesquisas, mapeamento, ca-dastramento, inventário e documentaçãodo Tambor de Crioula; apoiar o processo deauto-organização das agremiações e gruposde Tambor de Crioula.

Presentes no ato de assinatura, a presiden-te da CMF, Lenir Pereira dos Santos Oliveira(representante titular da Fundação Municipalde Cultura) e Joila Moraes (representante titu-lar da Comissão Maranhense de Folclore).

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PERFIL POPULARD. Nilza: uma história de vida e dedicação

36 Atriz; arte-educadora; pesquisadora; caixeira e membro da Comissão Maranhense de Folclore.

Keila Santana36

“Vida. Mesmo depois da morte” assimMaria de Ribamar Pereira Correia, que nosconcedeu esta entrevista define sua mãeRosilda Barros Pereira, a D. Nilza, que aolongo de sua trajetória de vida, deixou suamarca nas tradições culturais de São Luisatravés da realização da festa do DivinoEspírito Santo e do Tambor de Crioula.

D. Nilza nasceu no dia 17 de Novem-bro de 1939 na localidade Munim em Ba-cabal. Filha de José Alves Barros e MariaJesuína da Silva Barros, teve apenas umirmão, já falecido. Foi criada pela avó até aadolescência, época em que casou pela pri-meira vez. Porém este casamento apenasdurou três meses. O caso é que o maridoqueria agredi-la e ela, que jamais declinoudiante do medo, impôs-se e deixou o mari-do, mudando-se para São Luís, pouco tem-po depois deste fato.

Já em São Luis foi trabalhar ‘em casade família’ como empregada doméstica,mas logo conseguiu um posto na entãoFábrica de Cânhamo. Depois disso, traba-lhou em diversas outras funções em su-permercados da cidade. Frequentou pou-co a escola e trabalhou muito até aposen-tar-se por causa de um mioma que lhe exi-giu cirurgia de alto risco de vida.

Primeiro morou na Rua do Norte,mudando-se depois para o Goiabal próxi-mo ao bairro da Madre Deus, de onde nun-ca mais saiu. Ali constituiu família em seusegundo casamento, tendo como cônjugueJosé Ribamar Pereira e, gerando sua únicafilha: Maria de Ribamar. Este foi seu rela-cionamento mais longo, mas nem por issoo menos conturbado: o marido era alcoóla-tra e ficava agressivo quando bebia. As di-ficuldades em ter que trabalhar, convivercom o alcoolismo do marido e cuidar dafilha obrigaram-na a entregar a menina de6 anos aos cuidados de uma prima sua emBacabal. Somente alguns anos depois, con-seguiu a segurança necessária para trazê-lade volta. Esta etapa de sua vida só terminacom a sua viuvez em 22 de março de 1985.

Um grande destaque em sua trajetóriade vida foi em 1991 quando aos 64 aos par-ticipou da cerimônia de recebimento dopapa João Paulo II, ano em que ele esteveem São Luís e para o qual ofereceu umarede. Em retribuição, ganhou um terço deprata com as insígnias do Vaticano.

ESPÍRITO SANTO E AVEREQU-ÊTE – PROMESSA E OBRIGAÇÃO

De acordo com sua filha, a mediunida-de de D. Nilza apareceu já na infânciaquando esta “chorou com 7 sete meses nabarriga da mãe, nasceu de 7 meses, sumiudo cofo onde dormia com 7 meses de nas-cida e foi aparecer com 7 dias depois”

Carregava consigo as entidades: Légua,Rosalina, Sereno, Chica Baiana, índios,ciganos, dentre outros. Suas obrigaçõesespirituais se iniciaram no terreiro dasPortas-Verdes, atualmente localizado nobairro do Anjo da Guarda. Foi lá que co-meçou a fazer obrigação para Averequête/São Benedito com a realização anual detambor de crioula no dia 13 de Maio, maspor causa de um problema interno se afas-tou e passou a fazer a obrigação em suaprópria casa. A realização do tambor sedeveu não apenas a sua devoção a São Be-nedito, mas também a uma promessa nãocumprida feita pela sua tia, irmã de suamãe. O pagamento da promessa só foi fei-to muitos anos depois quando D. Nilzainiciou seu próprio tambor de crioula dan-do-lhe o nome de Milagre de São Benedi-to.

A descoberta de um mioma impulsio-nou D. Nilza a fazer uma promessa para oEspírito Santo. Em 1998, deu início à rea-lização da festa, juntando-a à obrigação quefazia para Averequete e Nossa Senhora deFátima, desde 1974. Por causa dessa jun-

ção e da orientação de seus guias espiritu-ais a realização da sua festa ganhou carac-terísticas bem particulares, como o acrés-cimo de novos personagens e a variação deseu formato: a tribuna foi duplicada paracomportar tanto o império do “lado doEspírito Santo” quanto o império do “ladode Averequête”.

Uma das características de sua festa erao cruzamento das bandeiras do Divino,que acontecia entre a sua casa e as casas deNagô e das Minas, tendo nos últimos anosrealizado a cerimônia apenas na última. Osentido desta prática era o profundo res-peito que mantinha com estas que consi-derava como “casas maiores”.

Além de participar de toda a organiza-ção do festejo, D. Nilza também era caixei-ra e conduzia o ritual com profunda ob-servância das regras. Nesse período, sua de-dicação era total, incluindo a criação deporcos e galinha para a feitura da comida aser distribuída.

OS ULTIMOS DIAS

Aos 66 anos foi acometida de uma trom-bose que a deixou em cadeira de rodas. Naocasião, o médico lhe deu 4 meses de vida ea doença deixou-lhe tão debilitada que afamília chegou a fazer sentinelas de oraçãode tão desacreditadas que estavam na possi-bilidade de uma melhora. Mesmo limitadanos movimentos, foi incansável na realiza-ção de suas obrigações religiosas. Passou aconviver mais tempo na casa da filha, dadosos cuidados especiais que sua saúde reque-ria, mas mesmo assim sempre exigia o retor-no à sua casa no Goiabal, em datas comoCarnaval, São João, Natal e Divino.

No dia 27 de dezembro, começou a apre-sentar sinais de cansaço dando indícios deque sua existência estava-se esgotando, vin-do a falecer em 28 de dezembro ao lado doneto Caio e da filha Maria de Ribamar nacasa desta. Seu último pedido foi ser en-terrada de calça azul, blusa branca e comflores necessariamente brancas no caixão.Em função de sua morte no ano de 2010,em 2011 a festa não será realizada, pois oluto deverá permanecer por 1 ano. Sua fi-lha programa fazer uma salva para entre-gar a promessa da mãe e, caso ainda queiracontinuar, a festa será por devoção e nãopor promessa, como faz questão de dizer.