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Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul Editorial Desafiador, instigante, romper os ciclos da Violência. Acalmar a alma! Reflexão! Nesta edição, ao abordar sobre a Cultura da Paz, buscamos trazer ao leitor os desafios da disseminação das ferramentas e habilidades da Justiça Restaurativa na colaboração para melhoria na prevenção da violência e na resolução de conflitos escolares. No ano de 2014, os Tribunais brasileiros passaram a incentivar a prática da Justiça Restaurativa como meio alternativo de solução de conflitos através do Protocolo de Cooperação para a Difusão da Justiça Restaurativa, com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As práticas restaurativas nas escolas dão um destaque especial no desenvolvimento de valores essenciais às crianças e aos jovens, tais como, o respeito, a empatia, a responsabilidade social e a autodisciplina. A Justiça Restaurativa se apresenta como um meio paralelo de solução de conflitos, com base numa lógica não punitiva visando à consecução da Cultura da Paz. Nesta perspectiva, a Justiça Restaurativa vem buscando, ainda que lentamente, adentrar no complexo desenho da comunidade escolar de maneira a encontrar formas de agregar e reconstruir o tecido social e emocional das relações humanas afetadas pelas ofensas, pelo crime e pela violência. Neste contexto, temos a Justiça Restaurativa como forma de introduzir valores através da transmissão de preceitos fundamentais relacionados ao bom convívio escolar e social, incentivando as crianças e os adolescentes a protagonizarem os valores éticos, as responsabilidades sociais e ao conhecimento de habilidades que incentivem o diálogo, a cooperação e a solução pacífica dos conflitos, por intermédio da prática da Cultura de Paz (círculos de cultura de paz). A Justiça Restaurativa busca ainda a mantença da responsabilização e responsividade dos envolvidos no conflito. Neste viés, trazemos o artigo “Prevenção de Violência e Promoção da Cultura da Paz nas Escolas” da psicóloga Valquíria Rédua da Silva, onde destaca que a utilização do Programa de Justiça Restaurativa nas escolas pode contribuir para o enfrentamento à violência e para o desenvolvimento da cultura da paz. Neste boletim o entrevistado é o Juiz Leoberto Brancher que atua na efetivação da Cultura da Paz através da inserção de práticas alternativas de solução de conflitos e de enfrentamento à violência, nesta relata questões importantes acerca da prática da Justiça Restaurativa. Enquanto a psicóloga Viviane Machado de Melo Vazes colabora com o presente boletim abordando acerca da importância da escuta infantil especializada, esclarecendo ainda os danos sofridos por crianças vítimas de violência. Trazemos ainda nesta edição um artigo sobre violência sexual, com ênfase na “Síndrome do Segredo”, que de forma “an passant” foi tratado no boletim anterior. Na seção Leitura não poderíamos deixar de indicar o clássico Comunicação Não Violenta (CNV), de Marshall B. Rosenberg, precursor de técnicas para a resolução de conflitos, método aplicado em diversos países. Também indicamos a obra Cultura de Paz, em que a autora Cristina Von leva os leitores a refletir acerca da necessidade de se implementar uma cultura de paz. Recomendamos ainda o livro Trocando as lentes, de Howard Zehr, que traz a proposição da Justiça Restaurativa como via alternativa de solução de conflitos e, por fim, o livro Paz Como se Faz? Semeando Cultura de Paz nas Escolas, obra publicada pela UNESCO em parceria com outros autores que atuam na busca de uma cultura de paz! Já na seção Notícias transcrevemos a publicação da revista Nova Escola acerca do professor Diego Mahfouz Faria Lima que ficou entre os 10 finalistas do Global Teacher Prize, premiação instituída pela fundação Varkey, por sua atuação dentro dos conceitos da Cultura da Paz, cuja vencedora foi a professora Andria Zafirakou, do Reino Unido. Também trouxemos informações legislativas para a área da infância e da adolescência. Ao prepararmos este boletim percebemos que a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, através do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Nudeca) pode ser instrumento para a expansão e perpetração de uma Cultura de Paz e isto nos faz seguir adiante! Desejamos a todos uma boa leitura! Marisa Nunes dos Santos Rodrigues Coordenadora do NUDECA Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul Informativo do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - NUDECA ANO 2 - 3ª Edição | Mai/Ago 2018

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Defensoria Públicade Mato Grosso do Sul

Editorial

Desafiador, instigante, romper os ciclos daViolência. Acalmar a alma! Reflexão! Nesta edição, aoabordar sobre a Cultura da Paz, buscamos trazer aoleitor os desafios da disseminação das ferramentas ehabilidades da Justiça Restaurativa na colaboraçãopara melhoria na prevenção da violência e na resoluçãode conflitos escolares. No ano de 2014, os Tribunaisbrasileiros passaram a incentivar a prática da JustiçaRestaurativa como meio alternativo de solução deconflitos através do Protocolo de Cooperação para aDifusão da Justiça Restaurativa, com a Associação dosMagistrados Brasileiros (AMB) e o Conselho Nacionalde Justiça (CNJ). As práticas restaurativas nas escolasdão um destaque especial no desenvolvimento devalores essenciais às crianças e aos jovens, tais como,o respeito, a empatia, a responsabilidade social e aautodisciplina.

A Justiça Restaurativa se apresenta como ummeio paralelo de solução de conflitos, com base numalógica não punitiva visando à consecução da Cultura daPaz. Nesta perspectiva, a Justiça Restaurativa vembuscando, ainda que lentamente, adentrar no complexodesenho da comunidade escolar de maneira aencontrar formas de agregar e reconstruir o tecidosocial e emocional das relações humanas afetadaspelas ofensas, pelo crime e pela violência. Nestecontexto, temos a Justiça Restaurativa como forma deintroduzir valores através da transmissão de preceitosfundamentais relacionados ao bom convívio escolar esocial, incentivando as crianças e os adolescentes aprotagonizarem os valores éticos, as responsabilidadessociais e ao conhecimento de habilidades queincentivem o diálogo, a cooperação e a solução pacíficados conflitos, por intermédio da prática da Cultura dePaz (círculos de cultura de paz).

A Justiça Restaurativa busca ainda a mantençada responsabilização e responsividade dos envolvidosno conflito. Neste viés, trazemos o artigo “Prevenção deViolência e Promoção da Cultura da Paz nas Escolas”da psicóloga Valquíria Rédua da Silva, onde destacaque a utilização do Programa de Justiça Restaurativanas escolas pode contribuir para o enfrentamento àviolência e para o desenvolvimento da cultura da paz.Neste boletim o entrevistado é o Juiz Leoberto Brancherque atua na efetivação da Cultura da Paz através dainserção de práticas alternativas de solução de conflitos

e de enfrentamento à violência, nesta relata questõesimportantes acerca da prática da Justiça Restaurativa.Enquanto a psicóloga Viviane Machado de Melo Vazescolabora com o presente boletim abordando acerca daimportância da escuta infantil especializada,esclarecendo ainda os danos sofridos por criançasvítimas de violência. Trazemos ainda nesta edição umartigo sobre violência sexual, com ênfase na “Síndromedo Segredo”, que de forma “an passant” foi tratado noboletim anterior.

Na seção Leitura não poderíamos deixar deindicar o clássico Comunicação Não Violenta (CNV), deMarshall B. Rosenberg, precursor de técnicas para aresolução de conflitos, método aplicado em diversospaíses. Também indicamos a obra Cultura de Paz, emque a autora Cristina Von leva os leitores a refletiracerca da necessidade de se implementar uma culturade paz. Recomendamos ainda o livro Trocando aslentes, de Howard Zehr, que traz a proposição daJustiça Restaurativa como via alternativa de solução deconflitos e, por fim, o livro Paz Como se Faz? SemeandoCultura de Paz nas Escolas, obra publicada pelaUNESCO em parceria com outros autores que atuam nabusca de uma cultura de paz! Já na seção Notíciastranscrevemos a publicação da revista Nova Escolaacerca do professor Diego Mahfouz Faria Lima queficou entre os 10 finalistas do Global Teacher Prize,premiação instituída pela fundação Varkey, por suaatuação dentro dos conceitos da Cultura da Paz, cujavencedora foi a professora Andria Zafirakou, do ReinoUnido. Também trouxemos informações legislativaspara a área da infância e da adolescência.

Ao prepararmos este boletim percebemos que aDefensoria Pública de Mato Grosso do Sul, através doNúcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitosda Criança e do Adolescente (Nudeca) pode serinstrumento para a expansão e perpetração de umaCultura de Paz e isto nos faz seguir adiante!

Desejamos a todos uma boa leitura!

Marisa Nunes dos Santos RodriguesCoordenadora do NUDECA

Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul

Informativo do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - NUDECA

ANO 2 - 3ª Edição | Mai/Ago 2018

Justiça Restaurativa:construir comunidade, fortalecer relacionamentos

02 ANO 2 - 3ª Edição | Mai/Ago 2018

1. Dr. Leoberto, em termos gerais, o que é

Justiça Restaurativa?

R. O conceito que venho adotando, e que

compreendo como o mais atualizado, é o que

considera a Justiça Restaurativa uma filosofia que

enfatiza a cura e a responsabilidade para reparar

danos e malfeitos, construir comunidade e

fortalecer relacionamentos, da Prof. Johonna

Turner, do Center For Justice and Peacebuilding.

Entendo que esse conjunto de elementos

contempla mais amplamente a compreensão da

Justiça Restaurativa. Primeiro, como "filosofia", ou

seja, modo de pensar, modo de compreender e de

se posicionar frente à vida, trazendo também a

questão da prevenção da violência, através das

práticas relacionadas ao fortalecimento de

vínculos e relacionamentos, e geração de

pertencimento comunitário.

2. Howard Zehr, estudioso quanto às práticas

restaurativas, observa que o sistema judiciário

Entrevista

Leoberto Brancher é Juiz de Direito, Titular do Juizado da Infância e da Juventude, e Coordenador do

Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (Cejusc), da Comarca de Caxias do Sul - RS.

Colabora também como professor coordenador técnico das formações em Justiça Restaurativa do Centro

de Desenvolvimento de Pessoas do Tribunal de Justiça e da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande

do Sul. Professor de Justiça Restaurativa na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da

Magistratura (Enfam), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e membro do Comitê Gestor da Política

Nacional de Justiça Restaurativa junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Na foto o juiz Leoberto Brancher eHoward Zehr,

autor do livro Trocando as Lentes

03

tradicional, mais especificamente o sistema

penal, é historicamente construído com base

na culpabilidade do infrator, possuindo a

vítima um papel secundário em todo o

processo, “porquanto o crime ou a infração é

cometido contra o Estado”. No que a Justiça

Restaurativa pode alterar essa perspectiva?

R. A perspectiva complexa que o Professor Zehr

oferece a respeito do crime é que a violação não é

da lei, mas das pessoas e dos relacionamentos.

Ou seja, traz para o campo dos impactos

materiais, das consequências humanas e não

apenas jurídicas da infração. Por isso o Estado sai

do primeiro plano e abre lugar às vítimas, que aqui

também são consideradas de modo mais

complexo, ou seja, vítimas serão todos os

afetados pela violação. Não só a vítima direta, a

receptora do dano direto, mas seus familiares, os

familiares do ofensor, a comunidade. Essa

mudança de foco sobre o crime e a justiça,

proposta pelo Professor Zehr é profundamente

transformadora. Não é necessário explicar muito.

Basta, como ele diz, "trocar as lentes" e enxergar

tais realidades. Uma vez percebidas assim, com

certeza as providências do sistema de justiça terão

de ser outras.

3. De que forma a Justiça Restaurativa pode

contemplar crianças e adolescentes?

R.

4. A Justiça Restaurativa é apoiada pelo

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio

do protocolo de Cooperação para a Difusão da

Justiça Restaurativa, firmado em agosto de

2014 com o Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Sul e outros signatários. Como a

Justiça Restaurativa funciona no TJRS?

R.

A Justiça Restaurativa advém da Justiça

Criminal. Porém, seu leito mais fecundo tem sido a

Justiça da Infância e da Juventude. Há várias

razões, mas principalmente porque, tradicional-

mente, a Justiça da Infância e da Juventude já

trabalha de modo interdisciplinar, interinsti-

tucional, tem um marco jurídico mais flexível, maior

tolerância e esperança diante do infrator, segue

princípios humanísticos de maneira mais

acentuada e pratica esses princípios sem enfrentar

tanta oposição ou controvérsias como a Justiça

Criminal de adultos. Porém, há outro aspecto

relevante, as práticas advindas da Justiça

Restaurativa, nascidas do encontro extremo entre

pessoas envolvidas com conflitos dolorosos e

crimes, abriram espaço para um caudal de

aprendizagem para habilitar a prática de diálogo

em situações difíceis. Então, sua aplicação em

situação não necessariamente criminal também se

tornou relevante. Hoje, aliás, muito mais

frequentes que as aplicações com vítima-ofensor,

círculos de fortalecimento familiar, de vinculação

comunitária, de integração de equipes (redes) de

trabalho protetivo, por exemplo, têm feito grande

sucesso nesse campo e trazido soluções

inestimáveis para situações em que os protocolos

tradicionais dos serviços técnicos não resolviam

ou deixavam muito a desejar.

Neste caso são duas questões, a Justiça

Restaurativa no Conselho Nacional de Justiça

(CNJ), com marco no ano de 2014, quando foi

assinado esse protocolo entre 20 instituições, sob

articulação da Associação dos Magistrados

Brasileiros. Posteriormente, na gestão do Ministro

Ricardo Lewandowiski, adveio a Resolução

225/2016 e a definição da Meta 08 de 2016, pela

qual todos os Tribunais de Justiça deveriam

(...) a violação não é da lei,mas das pessoas

e dos relacionamentos.Ou seja, traz para o campo

dos impactos materiais,das consequências humanas

e não apenas jurídicas da infração.Por isso o Estado sai do primeiro plano

e abre lugar às vítimas,que aqui também são consideradas

de modo mais complexo,ou seja, vítimas serão todosos afetados pela violação.

ANO 2 - 3ª Edição | Mai/Ago 2018

implantar pelo menos um programa de Justiça

Restaurativa. Também a meta 08 de 2017 trouxe

não como meta propriamente, mas como critério

de avaliação da qualificação do trabalho em rede

no campo da Violência Doméstica, a aplicação das

práticas restaurativas. Isso também mobilizou

bastante o sistema, pautando a Justiça

Restaurativa nesse campo, já na gestão da

Ministra Cármen Lúcia, que, aliás, tem a Violência

Doméstica como um dos seus focos de apoio.

Ainda como desdobramento daquele movimento,

temos hoje uma parceria do Conselho Nacional de

Justiça (CNJ) com a Escola Nacional de Formação

e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam)

realizando uma formação para magistrados que

deverão multiplicar a Justiça restaurativa no

âmbito do Judiciário. Quanto ao Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul, em 2014 também foi

aprovado um programa visando à implantação da

Justiça Restaurativa na justiça de primeiro grau. O

foco é implantar a Justiça Restaurativa através dos

Centros Judiciários de Solução de Conflitos e

Cidadania (Cejuscs), e a partir daí difundir para as

redes de serviços nas áreas de segurança,

assistência, saúde, educação e comunidades

locais. Esse programa é baseado em formações,

oferecidas pelo Centro de Desenvolvimento de

Pessoas, nossa Escola Oficial. Desde então, já

possuímos novas 20 Unidades Judiciárias

Restaurativas implantadas, e atualmente outras 13

estão em processo de formação. Somando às

duas originais, Porto Alegre e Caxias do Sul, são

35 Unidades Judiciárias ao todo.

Não especificamente, embora eventualmente

as práticas restaurativas sejam utilizadas em

atividades a eles oferecidas, e também

procuremos sempre trabalhar a jurisdição sob

enfoque restaurativo - o que implica ter sempre em

conta os princípios da participação dos envolvidos,

da reparação dos danos, da atenção às

necessidades e da responsabilização, como

previstos na Resolução 225 do CNJ.

O objetivo está descrito no § 2º do art. 1º da Lei

do Sinase: "responsabilização do adolescente

frente às consequências do seu ato, incentivando,

tanto quanto possível, à sua reparação". Esse é o

foco principal que a Justiça Restaurativa pode

oferecer como objetivo do fazer pedagógico

socioeducativo.

5. O município de Caxias do Sul desenvolve

algum programa de Justiça Restaurativa com

adolescentes que cumprem medidas

socioeducativas?

R.

6. Quais os principais objetivos das práticas

restaurativas com adolescentes a quem se

atribuem a prática de atos infracionais?

R.

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Atualmente a violência na escola é tema deinúmeros estudos e cada vez mais noticiada nosprincipais meios de comunicação. O avanço dasnovas tecnologias e a facilidade de acesso àinternet, por diferentes meios incluindo o aparelhocelular, contribuem significativamente para aexposição de atos violentos cometidos porcrianças, adolescentes e jovens brasileiros. Essecenário suscita uma preocupação que há muitoinquieta estudiosos e pesquisadores de todo omundo: como lidar com a questão da violência noambiente escolar?

Pode-se dizer que na escola hoje, vive-se ummomento de profunda crise da autoridade, criseque abarca os modelos familiares, as relações dospais com os filhos, e exige dos educadores aformação de um grupo coeso com funçõesrefletidas na sua prática (SAMPAIO, 2001).

Esse contexto social gera insegurança,questionamentos e mobiliza a sociedade civil eorganizada à criação de instrumentos, projetos e abuscar al ternat ivas para conhecimentoaprofundado e enfrentamento desta problemática.

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Prevenção de violência e

promoção da cultura da paz nas escolas

Artigo

Por Valquíria Rédua da Silva*

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Para transcender tal compreensão é necessária aanálise dos fenômenos de maneira complexa, quenão se prenda à superficialidade da aparência.Sem o conhecimento da cultura escolar e dasdinâmicas das interações sociais, dificilmentepoderemos compreender as raízes da violência edesenvolver formas mais efetivas de evitá-la.

Pela perspectiva da teoria histórico-cultural,pode-se entender que a violência, da forma comose apresenta hoje, não é da escola, mas nela semanifesta, como em outros espaços e instituições,considerando que o ser humano, seja eleestudante ou educador, se relaciona e participatambém de outras instituições e realiza outrasatividades. Não obstante, pela perspectiva teóricaassumida, considera-se ser fundamental, a priori,irromper o paradigma arraigado na sociedade deque os indivíduos são cruéis e violentos pornatureza ou de que nascem com personalidadeviolenta.

Sob essa ótica, para sobrepujar o paradigmada violência herdada, defende-se a tese daformação social do psiquismo e da importânciaque a educação escolar assume para o processoformativo, considerando que este se dá sobcondições sócio-históricas específicas aosespaços geográfico-culturais e aos aspectoseconômicos da população atendida. Emconvivência com os seus pares, e com aquilo queeles criaram, o homem se humaniza, sobrepõe oequipamento cultural que o forma ao que erapuramente biológico (VYGOTSKI & LURIA, 1996).Ainda citando a perspectiva teórica assumida,considera-se que a educação e o processoeducativo dizem respeito à apropriação da culturapelos indivíduos: a educação é o “ato de produzir,direta e intencionalmente, em cada indivíduosingular, a humanidade que é produzida histórica ecoletivamente pelo conjunto dos homens”(SAVIANI, 2003, p. 13). Sendo assim, o processoeducativo tem a finalidade de promover odesenvolvimento integral do indivíduo, essaconcepção se aproxima do que está preconizadona Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional,LDB.

Para que uma cultura da paz seja construídana sociedade, antes ela também precisa serconstruída no ambiente escolar. Porém, comofavoreceremos a escola essa cultura, que éincompatível com a ocorrência de agressões eviolências?

Conflitos e interações são relevantes para odesenvolvimento humano, no entanto é aqualidade das negociações envolvidas nasinterações humanas que fazem a diferença entre aconstrução da paz e da violência. Segundo Barter(2007), “necessidades humanas não entram emconflito, elas coexistem, o que entra em conflitosão as estratégias que usamos para conseguiratender às nossas necessidades”.

Algumas correntes da psicologia defendemque todos carregam em si potenciais construtivos,destrutivos, reparadores, criativos, de vida e demorte que podem ser estimulados e reprimidospela cultura, através da qualidade das relações,normas, limites e valores éticos que a sociedadeestabelece.

A cultura da paz na escola não deve serentendida como sinônimo de um estado estáticode harmonia caracterizado pela ausência deconflitos, mas sim como um processo permanentemotivado por valores de justiça, solidariedade enegociação de conflitos onde sentimentos deempatia e compreensão mútua permeiam osprocessos de comunicação e as estratégias deensino adotadas pelos professores.

Dentro dessa perspectiva alguns programasde prevenção surgem nas instituições escolares,dentre eles destaca-se a Justiça Restaurativa e oPrograma de Habilidades de Vida, que trazemcomo pressupostos trabalhos voltados afavorecerem o desenvolvimento de habilidadessociais além de possibilitar a melhora nas relaçõesinterpessoais, o aumento do autocontrole ehabilidades de lidar com o estresse, por meio dorespeito mútuo e a resolução construtiva deconflitos.

Ta i s p r á t i c a s p o d e m c o n t r i b u i rsignificativamente para a construção do processoformativo do psiquismo, considerando queapresentam método de autocomposição deconflito que possuem um enfoque coletivo,valorizam a autonomia, a história e asnecessidades dos envolvidos no conflito e nasrelações do contexto escolar.

Neste sentido, a Justiça Restaurativa pode

Justiça Restaurativa e Habilidadesde Vida na Escola.

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configurar-se como um método cujo escopo é iralém do conflito em si, buscando suas origens e,sobretudo as necessidades que surgem dele.Quem sofreu o dano? Quais suas necessidades?Quem tem a obrigação e quem é responsável poratender tais necessidades? Essas são algumasperguntas que fazem da aplicação das práticasrestaurativas um processo que pode criar umespaço propício em busca de suas respostas,cooperando para garantir o desenvolvimento e aformação integral dos sujeitos, gerandooportunidades de ressignificação e restituição dosdanos causados, ainda que simbolicamente egarantindo uma vivência de protagonismo aosenvolvidos em um conflito.

Essa prática não surge hoje semprecedentes, os primeiros relatos da utilização deJustiça Restaurativa são de tradições primitivastão antigas quanto a história da humanidade e tãoabrangentes como a comunidade mundial.A teoriasurgiu depois da prática da experimentação e nãode abstrações. Atualmente a Justiça Restaurativaé reconhecida e recomendada mundialmente porgovernos e comunidades preocupados com aresolução de conflitos.

Pode-se observar tal reconhecimento erecomendação por meio de documentos etratados internacionais e nacionais quecorroboram a aplicação da Justiça Restaurativa nomundo e no Brasil, como exemplo as Diretrizesdas Nações Unidas para Prevenção daDelinquência Juvenil, Diretrizes de Riad, no que serefere à necessidade de reconhecer a importânciada aplicação de políticas e medidas progressistas

de prevenção da delinquência que evitemcriminalizar e penalizar a criança, com condutasque não causem grandes prejuízos ao seudesenvolvimento e nem prejudique os demais.Outro exemplo é a Resolução nº 255, do ConselhoNacional de Justiça, que dispõe sobre a PolíticaNacional de Justiça Restaurativa no âmbito doPoder Judiciário e sugere a uniformidade, noâmbito nacional, do conceito de JustiçaRestaurativa.

A Justiça Restaurativa é considerada comoum campo em expansão para atuar nodesenvolvimento de modelos relacionados àsPol í t icas Públ icas de atendimento àsnecessidades da infância e da juventude, comênfase no Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA). Portanto, ao oferecer a resolução deconflitos de modo participativo e democrático,busca-se atender e satisfazer as necessidades detodos os envolvidos em um conflito, mediante aresponsabilização, reparação e inclusão social.

Inserida no processo educativo, visacontribuir para um modelo de educação que tempor instrumento principal o diálogo. Osprocedimentos são organizados em círculos e, emconcordância com Boyes-Watson e Pranis (2011),proporcionam um ambiente no qual osparticipantes desenvolvem competência econsciência emocional, aprendendo a praticar aatenção plena, além de ser um processoestruturado e funcional no trato com acomunicação grupal que gera a construção derelacionamentos, tomada de decisões e resoluçãode conflitos.

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A violência está presente na culturacentrada na ,

que ainda permeia as práticas educativasno contexto da sociedade brasileira

e aremete a uma manifestação primitiva

de ”.

punição

lógica da competição

dominação pela força

Corroborando com o modelo acima descrito,considere-se também o programa de Ensino deHabilidades de Vida, propostos pela OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS). Ele consiste emdesenvolver capacidades emocionais, sociais ecognitivas que podem contribuir para que osindivíduos lidem melhor com situaçõesconflituosas do cotidiano. As habilidades devida sugeridas pela OMS são: autoconhecimento,relacionamento interpessoal, empatia, lidar comsentimentos e emoções, lidar com estresse,comunicação eficaz, pensamento crítico,pensamento criativo, tomada de decisão eresolução de problemas (WHO, 1997).Frequentemente os programas de atençãodesenvolvidos no contexto escolares são voltadospara a solução de condutas problemáticasespecíficas. O modelo da OMS se configura comoum processo de desenvo lv imento decompetências psicossociais consideradasessenciais para o desenvolvimento humano e quese constituem habilidades fundamentais para aprevenção da violência.

Em decorrência de minha atividadeprofissional ao atuar com a aplicação de JustiçaRestaurativa em algumas escolas da RedeEstadual de ensino de Campo Grande-MS,constatei que práticas restaurativas e habilidadesde vida são temas relativamente poucodesenvolvidos nesse contexto, tanto no que serefere a sua aplicação quanto à reflexão. Oparadigma punitivo é fortemente alimentado eseguido com constância nas relaçõesinterpessoais do ambiente escolar.Aviolência estápresente na cultura centrada na punição, queainda permeia as práticas educativas no contextoda sociedade brasileira e a lógica da competiçãoremete a uma manifestação primitiva dedominação pela força.

A construção da cultura de paz no ambienteescolar implica na construção de um ambientecom relacionamentos saudáveis, para isso épreciso que toda comunidade escolar utilize umaabordagem/linguagem restaurativa a fim de que aescola promova mudança da cultura punitiva parauma cultura pacificadora.

Considera-se que o modelo de trabalho, porme io das prá t i cas res taura t i vas e odesenvolvimento de habilidades de vida nocontexto escolar, podem contribuir para a

transformação das relações sociais, contrapondoa forma de organização da vida em uma sociedademovida pela lógica do mercado, que imprimevelocidade, competitividade e distanciamentoentre os sujeitos. A aplicação dessas práticaspodem aproximar as pessoas, configurando novasformas de vínculos, restaurando relações edespertando a solidariedade e a igualdade que,em geral, encontram-se suprimidas.

Em conclusão, subsidiada pela teoriahistórico-cultural por meio dos escritos de autoresclássicos e autores contemporâneos que abordamsobre a violência e o processo educacional,compreende-se que as práticas de prevenção deviolência, resoluções construtivas de conflitos e asde promoção de habilidades de vida, podem servertentes capazes de oferecer subsídiosfavoráveis para o enfrentamento do quadro deviolência na escola bem como para odesenvolvimento da cultura da paz, por se trataremde propostas significativas na forma de atuar emrelação ao conflito, na garantia do atendimento aosindivíduos em geral, desenvolvimento e formaçãointegral, com visibilidade de inserção, inclusão equalificação dos mesmos à sociedade.

* Valquiria Rédua da Silva é psicóloga clínica,especialista em dependência química e saúde mental,facilitadora de práticas restaurativas, com formação emCírculos de Justiça Restaurativa e de Construção dePaz na Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul(Ajuris), e, em Justiça e Práticas Restaurativas naEscola Nacional de Socioeducação (ENS/Unb);Concluiu o curso Resolvendo Conflitos de FormaConstrutiva: a contribuição de cada um para umacultura da paz, na Escola Nacional de Mediação eConciliação (Enam/CEAD-Unb), e o curso emMediação Judicial na Escola Judicial de Mato Grosso doSul (Ejud-MS);Atuou como Coordenadora do ProgramaJustiça Restaurativa na Escola do Tribunal de Justiça deMato Grosso do Sul no período de 2013 a 2016;Ministrou Capacitação para Facilitadores de PráticasRestaurativas em escolas de Campo Grande peloTJ/MS no período de 2014 a 2016; Psicóloga do ProjetoAvanço do Jovem na Aprendizagem (AJA/MS) naSecretaria de Estado de Educação desde 2016.

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paz para desenvolver a inteligência emocional, promover acura e construir relacionamentos saudáveis. Tradução:Fátima De Bastiani, Porto Alegre: Tribunal de Justiça doEstado do Rio Grande do Sul, Departamento de ArtesGráficas. 2011. 280 p.

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Violência físicaViolência psicológica

Violência sexual

contra criança e adolescente

É CRIME!

Denuncie

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A história revela o quanto crianças eadolescentes eram irrelevantes numasociedade centrada no adulto, sendo vistascomo propriedade dos pais, objetosnegociáveis ou servos exclusivos, quase nãose observava o fato de que uma criança, desdea gestação, possui identidade e característicaspessoais em desenvolvimento. Aristótelesdescreveu a criança como “ser irracional”. Semq u a i s q u e r t i p o s d e d i r e i t o s , e r adesconsiderada a presença de sentimentos edemais traços de humanidade na infância.Entretanto, muito se avançou acerca do olharpara a infância e juventude num movimentoque trouxe dignidade a estes a partir do ano de1854 no Brasil. Um dos principais avançosocorreu no dia 13 de julho de 1990, quando foipromulgado o Estatuto da criança e doadolescente (ECA), a fim de contemplardireitos à criança e ao adolescente enquantoseres humanos em desenvolvimento,promovendo proteção à vida e à saúde,mediante a efetivação de políticas públicas que“permitam o nascimento e o desenvolvimentosadio e harmonioso, em condições dignas deexistência”. E no ano de 2017, mais um avançoimportante se consolidou, a Lei nº 13.431, de 4 deabril de 2017 que normatiza e organiza o sistemade garantia de direitos da criança e do adolescentevítima ou testemunha de violência, criamecanismos para prevenir e coibir a violência, einstitui o depoimento especial.

O fato é que a infância e a adolescência sãomomentos únicos na vida de uma pessoa, daí anecessidade de proteção para a construção do self(ser) e toda sua relação com o mundo de maneiraintegral. Adultos precisam entender que criançastêm cinco características naturais imprescindíveispara esse processo de desenvolvimento:preciosidade, vulnerabilidade, imaturidade,imperfeição e dependência. Portanto, criançasnão têm condições de identificar com a mesmacondição de um adulto quando algo traz prejuízoou danos à sua formação. Com o corpo e menteem desenvolvimento, cada detalhe vivido

determinará seu futuro. Baseado nisso, atécompletar 18 anos, não se tem tantasresponsabilidades, já que essa mente estávulnerável a receber os principais ensinamentospara a vida toda. Dentro desse processo a escola ea família conjugam esse momento tão essencial,norteando a pessoa juntamente com sua própriapersonalidade, dons e talentos únicos. Como visto,a dependência é uma característica da infância eda adolescência. À medida que o desenvolvimentoprogride, a criança tem um ego relativamenteintegrado, e com a sensação de que o núcleo do si-próprio habita o seu corpo. Ela e o mundo são duascoisas separadas. A etapa seguinte é conseguiralcançar uma adaptação à realidade. Nesseprocesso é possível e preciso empoderá-los noque diz respeito aos princípios, direitos e deveresque o definirão enquanto ser humano.

Qualquer tipo de violência, seja física,psicológica, moral ou sexual, gera alguma formade deficiência (cognitiva, comportamental ousocial), ainda sendo possível incluir as crianças

Crianças precisam ser ouvidas

Artigo

Por Viviane Machado de Melo Vazes*

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que nascem com algum tipo de desordem oudeficiência como resultado de agressões às mãesdurante a gravidez. Questões psicológicas eintrínsecas do self, em decorrência de um sensode raiva ou injustiça em relação a figuraspercebidas como maléficas. Pessoas agressivasapresentam déficit na internalização de figurasboas, além de um déficit egoico, que se caracterizapor uma ausência da capacidade de reflexão doself e da capacidade de pensar, causandoimplicações diretas na regulação de emoções.

Junto aos atendimentos realizados com asvítimas de violência sexual na infância, muitosrelatam que o trauma maior e mais dolorido foi omomento de tentar contar para os pais ouresponsáveis e eles não os ouvirem, nãoacreditarem, ou ainda, os acusarem. Essa atitudecausa maiores danos à criança do quepropriamente o abuso em si, pois fica evidentepara ela a rejeição, abando o sentimento de menosvalia. Portanto, o mais importante de tudo é ouvir acriança e respeitar seus pensamentos esentimentos. Rubem Alves afirma que “A escutabonita é um bom colo para uma criança seassentar.” Que possamos ser esse colo deproteção e amor para uma criança. O Estatuto daCriança e do Adolescente diz que é dever dafamília, da sociedade e do Estado proteger osdireitos destes, entretanto, o que se observa é aabstenção de tomada de responsabilidade,esperando sempre que o outro faça. Porém, umavez inseridos na família, na sociedade ou noEstado, esse dever é de todos nós. Não só dafamília ou escola, como sociedade podemos edevemos fazer algo para lutar pelos que nãosabem que têm direitos e pelos que sãoreproduções de adultos doentes emocionalmente.

* é bacharel emmissiologia pelo STBOB/MS, graduada em psicanáliseclínica pela SPOB/RJ e graduanda em filosofia pelaUCDB; Autora do livro Infância Amputada - O Cuidadode Vítimas de Violência Sexual e Prostituição;Fundadora e coordenadora do Projeto Nova –

instituição que promove a assistência de vítimas deabuso e exploração sexual desde 2011; Membro daFundação deAssistência à Pessoa Humana em CampoGrande-MS (Funasph); Membro do Comitê deEnfrentamento à Violência e Defesa dos DireitosSexuais da Criança e do Adolescente em MS(Comcex/MS). Atua principalmente com os temas:violência sexual, prostituição, exploração sexual, tráficohumano, prevenção ao abuso sexual infantil e violênciade gênero.

Viviane Machado de Melo Vazes

ABUSO SEXUAL

segredo e adição

Na edição anterior tratamos do temaviolência sexual de crianças e adolescentes econstatamos que, apesar do número expressivode denúncias, o assunto ainda é considerado umtabu por inúmeras pessoas que muitas vezes secalam diante da violência sofrida! A síndrome dosegredo e a síndrome da adição decorrem daausência da comunicação ideal, principalmente nafamília!

As denúncias de abuso sexual, geralmente,acusam violências múltiplas que se manifestam eafetam o psiquismo da criança ou do jovem, seussentimentos e suas emoções, provocando-lhe umverdadeiro caos afetivo

A história da austríaca Elisabeth Fritzlchocou o mundo em 2008, quando foi reveladopela mídia que ela havia sido mantida no porão desua casa, na pequena cidade de Amstetten, por 24anos. Durante todo aquele período, Elisabethconviveu com os abusos de seu pai, Joseph, numarelação incestuosa que começou quando a jovemtinha apenas 18 anos e da qual nasceram setefilhos. O caso foi exaustivamente divulgado pelaimprensa local e internacional, até o julgamento deJoseph Fritzl, que resultou em sua condenação -prisão perpétua - em março de 2009.

Casos como este não são tão poucos, mas,sim, raramente tornados públicos. Em 2010, ojornal argentino El Clarín revelou Elvira Gómez,mulher que foi abusada sexualmente por seu paipor três décadas e com quem teve nove filhos - omais velho, diz notícia datada de 25 de novembro,teria se suicidado ao descobrir a verdade sobre oavô e pai. Como pessoas como o "monstro deAmstetten", apelido de Fritzl, conseguem manterseu dia a dia de violência por tanto tempo?

Especialista no estudo de abuso sexualinfantil, o psiquiatra e psicanalista Tilman Furniss jácolaborou com publicações em entidades como aOrganização das Nações Unidas (ONU),

DOSSIÊABUSO SEXUAL NO COMANDO

DO FUNCIONAMENTO DA FAMÍLIA

por Agência Notisa de jornalismo científico

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Organização Mundial da Saúde (OMS) e aInternational Society For Prevention of ChildAbuse and Neglect (ISPCAN) e é autor do livroAbuso Sexual da Criança: Uma AbordagemMultidisciplinar, Manejo, Terapia e IntervençãoLegal Integrados, no qual explica por que um casode abuso dura anos, às vezes décadas.

"Certamente, as teorias de Furnisscontribuíram para a melhor compreensão dadinâmica do abuso sexual e do funcionamento dapsique de abusadores sexuais", diz a psicólogaespecialista em saúde da família Rita de CássiaTassi, que há 14 anos trabalha com atendimentode crianças e jovens vítimas de abuso sexual.Segundo ela, Furniss defende que um ato deviolência sexual intrafamiliar se baseia em doissustentáculos: a síndrome da adição e a síndromedo segredo. Nas palavras de Rita de Cássia, asduas síndromes se interligam de tal forma que setornam um "mecanismo de evitação da realidadepara o abusador".

Na síndrome de adição, a rotina deviolações, mesmo fazendo mal à criança ouadolescente e tendo o perpetuador plena noção denão ser algo aceito social e eticamente, éencarada por ele como um vício do qual nãoconsegue se livrar. "No abuso sexual, criançasestruturalmente dependentes são como a 'droga'para a pessoa que abusa", compara a psicóloga.Já a síndrome do segredo é mantida pelo violadorpor meio de ameaças - que podem ir desdeviolência física até perturbação psicológica, aoafirmar que as revelações do(a) filho(a) seriamresponsáveis pela destruição da família - eproibições a suas vítimas de revelarem os abusosque sofrem.

As síndromes da adição e do segredo seunem, então, formando um círculo vicioso quepermite a repetição dos abusos. Enquanto aadição impulsiona o abusador a recomeçar seusatos, "o ciclo se repete mantido pelo segredo,durante longos períodos de tempo", explica Rita deCássia. Para ela, o mais importante da teoria deFurniss é ter mostrado que o fato de um abusadoradmitir seus atos não pode ser enxergado comoindício de que este estaria "curado" de seucomportamento desviante. "Aprova e admissão daautoria do abuso sexual operam no domínio legal,não na psique do abusador", alerta.

Crianças contam os abusos sofridos e sãodesacreditadas - muitas vezes porque asviolações se tornam um fator equilibrante davida familiar.

Segredo familiar

Um ato de violência sexual intrafamiliar sebaseia em dois sustentáculos: a síndrome daadição e a síndrome do segredo

Ao mesmo tempo, vale ressaltar que asíndrome do segredo também afeta familiares epessoas que convivem com a família. Não só pelofato de o abuso sexual ser naturalmente um tabudo qual se evita falar, mas também porque,conforme explica Furniss, a dinâmica de violaçõespode acabar se configurando como fatorequilibrante da vida familiar.

Não são poucos os relatos de crianças queafirmam já ter contado sobre o abuso que sofriam emesmo ass im fo ram desac red i t adas ."Frequentemente encontramos crianças quedizem tentar contar às suas mães, a outrosmembros da família ou a pessoas de fora, mastemem não serem acreditadas, serem chamadasde mentirosas e serem castigadas pela revelação",diz Furniss em seu livro. De acordo com Rita deCássia Tassi, essa descrença acontece "porque osabusos sexuais passam a ter determinadasfunções na vida familiar".

É comum as famílias optarem por evitarconflitos e, assim, manter o funcionamento darelação. Nestes casos, não há o reconhecimentodo abuso sexual.

A primeira delas, diz a psicóloga, chamadade evitação do conflito, acontece em famílias queprecisam manter um funcionamento globalsatisfatório e o casamento é idealizado, sendo quehá dificuldade para reconhecer o abuso sexual ouqualquer outro problema de cunho sexual. "Nestescasos, ambos os pais podem voltar-se contra umacriança específica, enquanto outra é eleita comoespecial pelo abusador, que mantém com ela umrelacionamento incestuoso altamente secreto",qualifica. A segunda função possível é a deregulador de conflito, na qual o pai é mantido nafamília graças ao abuso. "Várias crianças podemestar envolvidas de ambos os gêneros, sendo queisto tende a resultar em uma competição acirradaentre os irmãos, que disputam a atenção doabusador", explica, acrescentando que, nestecenário, "a família volta-se contra o mundo externoe contra as crianças".

Segundo a OMS, o abuso sexual infantil é oenvolvimento de uma criança em atividade sexualque, em função de seu desenvolvimento, ele ou elanão compreende completamente. Para a

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professora do Instituto o desamparo da criançadiante do adulto poderoso e abusador.

E já que elas não falam "com todas as letras"o que está acontecendo, é importante, segundo aespecialista, prestar atenção aos sinais quepodem demonstrar. "A escola é o principal lócus, olugar de escuta privilegiado. Crianças que sofremviolência podem sinalizar e manifestar os sintomasnos desenhos, nas dificuldades escolares, nosrelacionamentos entre os pares ou mesmo emcomportamentos antissociais", dizAnamaria.

No entanto, não há, segundo a especialista,um padrão de comportamento a ser observado nacriança violentada sexualmente. "Existeminúmeros casos em que assistimos as crianças

chamadas 'precoces' ou 'superadaptadas' emmovimentos sintomáticos e difíceis, exibidos emfases posteriores à violência sofrida", lembra.

Para Anamar ia , o fundamenta l écompreender que uma criança está inserida emum contexto e, a depender dos recursos da família,em parceria com os serviços de uma rede deassistência, a criança pode resgatar e edificarpossibilidades de elaboração da vivênciatraumática.

Postado há 13th August 2015 por Anonymous.

Marcadores: Cesar Pinheiro. Disponível em:

<http://psicologysite.blogspot.com.br/2015/08/abuso-

sexual-segredo-e-adicao.html>.

Autor:Editora:Resumo:

Marshall B. RosenbergÁgora

Esta obra que é um manual prático edidático que apresenta metodologia criada peloautor, voltada para aprimorar os relacionamentosinterpessoais e diminuir a violência no mundo.Aplicável em centenas de situações que exigemclareza na comunicação: em fábricas, escolas,comunidades carentes e até em graves conflitospolíticos.

Livros

COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTATécnicas para aprimorar relacionamentos

pessoais e profissionais

CULTURA DE PAZO que os indivíduos, grupos, escolas

e organizações podem fazerpela paz no mundo.

Autora:Editora:Resumo:

Cristina VonPetrópolis

O livro aborda acerca do que osindivíduos, grupos, escolas e organizações podemfazer pela paz no mundo. Esta obra retoma asreflexões teóricas e práticas sobre princípios quegarantem a dignidade humana, levando em contao respeito às diferenças, a superação dassituações de exclusão, a tolerância e asolidariedade entre os povos, a rejeição àviolência, a preservação do planeta e o diálogocomo instrumento de negociação, propondoferramentas para sua aplicação nas escolas, nasempresas e na sociedade civil.

As publicações que indicamos são algumasentre tantas que podem inspirar odesenvolvimento da Cultura da Paz, erefletem os anseios da população já saturadade violência!

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TROCANDO AS LENTESUm novo foco sobre o crime e a justiça

Justiça Restaurativa

Autor:Editora:Resumo:

Howard ZehrPalasAthena

Através desta obra os leitores sãolevados a fazer uma profunda reflexão acerca davivência da vítima e do ofensor. No transcorrer daobra até o final, o autor conduz o leitor de forma adeparar-se com evidências acerca da nossa visãodistorcida dos delitos e infrações perante as novasproposições de soluções de conflitos. Todas asabordagens e proposições feitas pelo autor visamintegrar todos os envolvidos (vítima, agressor,comunidade etc.), no intuito de restaurar laçossociais, compensar danos e gerar compromissosfuturos.

Laura Gorresio Roizman, Coordenadora doPrograma de Educação em Valores Universais,Ética e Cidadania da Associação Palas Athena,afirma:

“Temos refletido e escrito muito sobre a crise sociale ecológica que assola nosso planeta. Mas adistância que separa nosso saber do nosso agir, ou

seja, o que queremos do que fazemos, parececada dia maior. Haverá mecanismos para encurtá-la? Quais as mudanças e as ações necessárias? Atransformação dos valores de uma cultura deguerra e violência para valores de uma Cultura dePaz e Não Violência é o maior dos desafios quetemos pela frente, em escala planetária.Aviolênciatransborda pelos meios de comunicação, inunda odia a dia. Por isso é tema de inúmeros estudosacadêmicos e projetos institucionais em todo omundo.

Pesquisas promovidas pela UNESCO noBrasil constatam que a violência afeta,fundamentalmente, os jovens. Se olharmos para aviolência em toda a sua complexidade, vemos queela não se restringe aos crimes ou agressões deordem física, mas permeia nossas relaçõesfamiliares e o cotidiano escolar. Envolve fatorescomo a exclusão, a omissão e a indiferença entreseres humanos, sem falar nos mais variados tiposde agressões à natureza. Com o desejo de edificaruma sociedade justa e igualitária, esta publicaçãose propõe a criar e incentivar processos inclusivosna juventude – principal protagonista naconstrução de uma Cultura de Paz e de NãoViolência. A participação das escolas no ProgramaABRINDO ESPAÇOS – ESCOLAS DE PAZpretende ser um contraponto à falta deequipamentos de lazer, esportes e cultura para ajuventude nos finais de semana, quando há amaior incidência de envolvimento dos jovens emsituações de risco.

Este material, desenvolvido por integrantesdo Programa de Educação em Valores Universais,Ética e Cidadania da Associação Palas Athena,propõe o desenvolvimento da expressão, dacriatividade, da aceitação do outro e do diálogo,habilidades que contribuem para a construção dapaz ativa nas comunidades participantes dosencontros. O trabalho teve o cuidado de aproximara teoria da prática, baseado nos quatro pilares daEducação do Futuro (aprender a conhecer,aprender a fazer, aprender a viver junto, aprender aser) apontados pelo Relatório para a UNESCO daComissão Internacional sobre Educação para oséculo XXI, presidida por Jacques Delors,intitulado Educação: um tesouro a descobrir. Eainda nos seis pontos do Manifesto 2000 daUNESCO – Por uma Cultura de Paz e NãoViolência (respeitar a vida; ser generoso; ouvirpara compreender; redescobrir a solidariedade;rejeitar a violência; preservar o planeta). Assim,realizamos reflexões sobre os pontos do Manifesto2000, seguidas por atividades-modelo quetrabalham os valores e as atitudes valorizadas emcada ponto. Em seguida, relacionamos sugestõesde atividades que contemplam os conceitos do

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Manifesto 2000. Independente do talento, tipo deinteligência, origem socioeconômica ou cultural,procuramos beneficiar os participantes comprocessos que envolvessem diferentesl i n g u a g e n s e f o r m a s d e e x p r e s s ã o ,incrementassem a autoestima e atitudes positivaspara com o outro e para com o meio ambiente.

Longe de ser apenas uma lista exaustivade atividades, este manual pretende incentivarprocessos de autocriação e autogestão nosparticipantes, tendo em vista a promoção doprotagonismo juvenil e do desenvolvimentoespontâneo de l ideranças. Ambos sãoingredientes-chave para uma socializaçãobenéfica e para a prática de uma mensagem detolerância. As atividades sugeridas são voltadaspara o público jovem, mas foram elaboradas paraserem utilizadas e adaptadas a diferentes faixasetárias, tendo por objetivo envolver diversosintegrantes das famílias e da comunidade. Isso éfundamental na criação de vínculos e nodesenvolvimento de papéis de apoio mútuo, alémde fertilizar o terreno para a prática do diálogo e dacooperação, para a criação de uma Cultura dePaz. Os textos sobre os seis pontos do Manifesto2000, bem como as atividades sugeridas, podemigualmente inspirar o trabalho de professores emsala de aula.

A produção desta publicação é resultantede um rico e agradável processo de trabalho emequipe, que envolveu jovens talentosos napesquisa das atividades, nas ilustrações bemhumoradas e na seleção de livros e filmes.Diversos professores da rede pública econsultores colaboraram, voluntariamente, comnosso trabalho. A todos, nossos profundosagradecimentos. Eis aqui bons exemplos de comoencurtar a distância entre o “pensar” e o “agir”… Ea paz, como se faz? Jamais podemos ignorar aforça construtiva dos pequenos prazerescotidianos, das coisas mais simples da vida, porvezes esquecidas no fundo de um armário,escondidas por pilhas de saberes e de fazeresdesnecessários para um mundo melhor.

Talvez o sonho de uma Cultura de Pazesteja muito próximo de nós, repousando nanatureza essencialmente generosa e criativa doser humano, que simplesmente anseia por umapausa, um espaço de acolhimento, de expressão ede partilha.”

Disponível em<http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001308/130851por.pdf>

Notícias

Precursor da Cultura da Paz, o educador Diego

Mahfouz Faria Lima, 30 anos, natural de

Paranaíba em Mato Grosso do Sul, tornou-se

diretor de uma Escola Pública Municipal,

considerada muito violenta, em São José do

Rio Preto no Estado de São Paulo. No entanto,

superou os obstáculos t idos como

instransponíveis e transformou não só a

escola, mas a vida dos alunos!

Aos 30 anos - 14 destes dedicado à Educação -,Diego Mahfouz Faria Lima foi um dos 10 finalistasdo Global Teacher Prize (“Prêmio ProfessorGlobal”, em tradução livre), considerado o “Nobelda Educação”. O trabalho desenvolvido por Diegofoi realizado em 2014, como diretor da EscolaMunicipal Darcy Ribeiro, em São José do Rio Preto(SP). Em 2015, o gestor foi reconhecido com oPrêmio Educador Nota 10 e eleito Educador doAno, pela mesma premiação. “Fui parar por acasona Educação e acabei me encontrando nela. Estarentre os finalistas de um prêmio mundial é algo que

Diego Mahfouz é o brasileiro

que ficou entre os dez finalistas

de prêmio considerado “nobel da educação”Por Laís Semis

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eu nunca imaginei”, diz. A vencedora do prêmio foia educadoraAndria Zafirakou, do Reino Unido.

A trajetória do acaso, logo mostrou que eleestava no caminho certo. “Comecei a fazer estágiona Educação porque o curso dava uma bolsa deestudos equivalente a um salário mínimo e a nossasituação na época estava difícil. Minha mãe estavadoente e meu pai desempregado”, relembra odiretor. Como gostava de estudar - um incentivoque vinha muito forte da mãe -, Diego, aos 16 anos,não pensou duas vezes para se inscrever nocurso. Mesmo com o falecimento da mãe duranteseu primeiro ano e com o novo emprego do pai, eleseguiu os estudos para manter a cabeça ocupada.Foi quando Diego começou o estágio que mudariapra sempre sua relação com a Educação.

“Fiquei encantado ao ver as criançaschegando, no que é hoje o antigo pré, sem saberler e saindo de lá alfabetizadas. Aquilo medespertou para a área”, recorda. Após concluir omagistério, Diego foi cursar Pedagogia em umarotina que envolvia trabalhar em duas escolas,uma em cada cidade, e fazer faculdade numaterceira. “Era muito puxado. Os meus diascomeçavam às 4h da manhã, pegando três ônibuspra chegar na primeira escola, e eu só voltava paracasa meia noite”. Ao ser chamado para assumiraulas do 5º ano na prefeitura de São José do RioPreto, a cidade em que morava, Diego tambémdecidiu se inscrever para o programa MaisEducação em uma escola vizinha à que lecionava.“O programa existia, mas não funcionava. Eramdiversos problemas administrativos e deprestação de contas. A comunidade nãoparticipava das atividades”, conta. A mobilização

de Diego para resgatar o programa e o resultadodeste trabalho, rendeu a ele o convite para assumira coordenação pedagógica de outra escola. Com oafastamento por saúde da diretora, o EducadorNota 10 mostrou que era capaz de gerenciar tantoo pedagógico quanto o administrativo commaestria.

Logo um novo convite apareceu: a vice-direção de uma das piores instituições de ensinobásico da região. As manchetes dos jornais eramdesanimadoras... alunos com armas, tráfico pelosburacos do muro da escola, violência. “Asecretariajá tinha oferecido o cargo para outras pessoas,mas ninguém tinha aceitado. Fui conhecer aescola e fiquei horrorizado com a situação. Acheique o desafio era muito grande para mim e queseria melhor continuar onde estava”, relata. Aomesmo tempo, na volta para casa, uma fraserepetida por ele muitas vezes ao longo dafaculdade não saía de sua cabeça: “Eu sempredisse que queria fazer algo que tivesse um grandeimpacto na Educação”. Aquela poderia ser umaoportunidade. E, assim, Diego partiu para o novodesafio.

O cenário que Diego encontrou quandochegou à Darcy Ribeiro era o pesadelo de qualquerdiretor: alunos ateando fogo em cestos de lixo,atirando restos de merenda contra o diretor, 60suspensões por semana e 200 alunos evadidos noano.As paredes eram marcadas pelos vestígios decortinas queimadas, banheiros estavam semportas ou privadas e a instituição frequentementeestampava manchetes negativas nos jornaislocais. Os próprios estudantes tinham vergonha deestudar ali. “Um mês após minha chegada, a

O diretor Diego Mahfouzna Escola Municipal

Darcy Ribeiro,em São José do Rio Preto

Foto: Eric Men

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diretora e a coordenadora tinham se afastado.Uma delas pediu até exoneração do cargo”, diz.“Fiquei sozinho na gestão daquela escola quetinha mais de mil alunos e funcionava nos trêsperíodos”.

Foi a partir de uma gestão participativacom mediação de conflitos entre pares, tutoria,mudança no modelo de avaliações, projetosextracurriculares e atividades aos finais desemana que o gestor transformou, com o apoio dacomunidade, o espaço físico, as relações, o olharpara a aprendizagem, participação dos jovens e amaneira de lidar com indisciplina. Ao fim daquelemesmo ano, uma nova Darcy Ribeiro nasceu praestampar - agora com reconhecimento pelosresultados da gestão e dos projetos desenvolvidospelos alunos - as manchetes não só da região deRio Preto, mas de todo o Brasil.

Hoje, depois de ter sido reconhecidon a c i o n a l m e n t e , D i e g o s e g u e p a r a oreconhecimento mundial do seu trabalho com asescolas públicas do país. “Mas o maior prêmio queeu ganhei nesse percurso foi fazer a diferença navida de tantos jovens e tornar a escola atrativadiante de um mundo de criminalidade que oscercava. A valorização dos alunos, das mães e dacomunidade é muito gratificante”, reflete o diretorolhando para sua trajetória. “Apesar de todas asdificuldades que encontramos no dia a dia doprofessor, temos que lembrar que nossa profissãoé capaz de transformar vidas e todo seu entorno eprecisamos assumir o papel de agentetransformador”, aconselha.

Disponível em<https://novaescola.org.br/conteudo/10077/diego-mahfouz-

e-o-brasileiro-entre-os-finalistas-do-nobel-da-educacao>

Provimento nº 63 de 14/11/2017

do Conselho Nacional de Justiça

Legislação

Institui modelos únicos de certidão denascimento, de casamento e de óbito, a seremadotadas pelos ofícios de registro civil daspessoas naturais, e dispõe sobre oreconhecimento voluntário e a averbação dapaternidade e maternidade socioafetiva no Livro“A” e sobre o registro de nascimento e emissãoda respectiva certidão dos filhos havidos porreprodução assistida.

O Provimento nº 63 do CNJ possibilitou o reconhecimento voluntárioda maternidade e paternidade socioafetiva, o que anteriormente era permitido

apenas através de decisões judiciais ou em algumas unidades da federação quepossuíam normas específicas para tanto.

Inovação também em relação às crianças geradas através de reproduçãoassistida, porquanto se retirou a exigência da identificação

do doador de material genético no registro de nascimento da criança.

A partir de então o CPF do registrando seráobrigatoriamente incluído nas certidões denascimento, casamento e óbito. Importanteobservar que nas certidões emitidas antes doProvimento nº 63, o CPF poderá ser averbado deforma gratuita, bem como na emissão desegunda via das certidões.

Neste novo modelo de certidão de nascimento

não se deve inserir quadros preestabelecidospara o preenchimento dos genitores. Essadeterminação tem por objetivo evitar que umalacuna para identificação do pai fique embranco, no caso, por exemplo, de um paidesconhecido.

A norma da Corregedoria Nacional de Justiçaleva em consideração a garantia do casamentocivil às pessoas do mesmo sexo e oreconhecimento da união contínua, pública eduradoura entre pessoas do mesmo sexo comofamília.Assim, no caso de um casal homoafetivodeverá constar o nome dos ascendentes semreferência quanto à ascendência paterna oumaterna.

Outro aspecto importante é que a naturalidadeda criança não precisará ser, necessariamente,o local em que ela nasceu. Dessa forma, acriança poderá ser cidadã do município em queocorreu o parto ou do município de residência damãe, biológica ou adotiva, desde que dentro doterritório nacional. Até então, o local denascimento e a naturalidade de uma pessoaprecisavam, necessariamente, ser o mesmo.

Disponível em <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380>

Defensoria Pública de Mato Grosso do SulDefensoria Pública-Geral do Estado

Defensor Público-Geral do Estado

1ª Subdefensora Pública-Geral

Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitosda Criança e do Adolescente – NUDECA

Glaucia Silva Leite -Assessoria / NUDECA

Moema Urquiza -Assessoria / ESDP

R. Raul Pires Barbosa, 1519 - Chácara CachoeiraCEP: 79040-150 - C. Grande-MS

E-mail: [email protected] | Fone: (67) 3317-4171

Luciano Montali

Júlia Fumiko Hayashi Gonda

Angela Rosseti Chamorro Belli

Marisa Nunes dos Santos Rodrigues

2ª Subdefensora Pública-Geral

Defensora Pública EstadualCoordenadora do NUDECA

Informativo do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos daCriança e do Adolescente da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul –

NUDECA-

Redação, organização textual e revisão ortográfica:

Arte e Diagramação:

Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Criançae do Adolescente - NUDECA

Ano 2 - Edição nº 3 | Maio/Agosto 2018 - Campo Grande - MS.

Expediente

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