Boletim168

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Índice PUBLICAÇÃO OFICIAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS ANO 14 - Nº 168 - Novembro/2006 ISSN 1676-3661 EDITORIAL: MUNDO ÀS AVESSAS 1 O PIOR CEGO... Ana Sofia Schimidt 2 A APLICAÇÃO DA LEI Nº 9.099/95 NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER João Paulo de Aguiar Sampaio Souza e Tiago Abud da Fonseca 4 VIOLÊNCIA DE GÊNERO: O PARADOXAL ENTUSIASMO PELO RIGOR PENAL Maria Lúcia Karam 6 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UMA NOVA LEI PARA UM VELHO PROBLEMA Maria Berenice Dias 8 A RETÓRICA DA PERSONALIDADE DISTORCIDA: A PERSONALIDADE DO AGENTE EM JULGAMENTO Fábio Wellington Ataíde Alves 10 INSTITUTOS PENAIS DE BASE CATÓLICA SOB A ÓTICA DE UM DIREITO PENAL DO FATO Tamar Oliva 11 PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL, ESSE OUTRO DESCONHECIDO Renato Stanziola Vieira 12 ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR E A LEI DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO (LEI Nº 7.492/86) Fernanda Regina Vilares 14 VAMOS OUVIR OS SINOS! REFLEXÕES ACERCA DA PESQUISA NACIONAL DE PENAS ALTERNATIVAS Mário Sérgio Sobrinho 16 O PORTE DE ENTORPECENTES DEIXOU DE SER UMA INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO Aldo de Campos Costa 17 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO: DO CANTO DA SEREIA AO PESADELO Elisangela Melo Reghelin 18 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO - O “DIREITO PENAL DO INIMIGO” BRASILEIRO Bruno Seligman de Menezes 19 Caderno de Jurisprudência CHEFE DO PODER EXECUTIVO NÃO RESPONDE PELOS ATOS PRATICADOS POR SEUS SUBORDINADOS. A RESPONSABILIDADE PENAL NÃO É OBJETIVA. 1033 EMENTAS 1034 MUNDO ÀS AVESSAS Editorial EDITORIAL: MUNDO ÀS AVESSAS A Suprema Corte dos Estados Unidos, em 29 de junho de 2006, no julgamento do caso Hamdam v. Rumsfeld, decidiu que as comissões militares criadas pelo Governo Bush eram ile- gais por carência de autorização expressa do Congresso Nacional, e violadoras também do direito internacional e da legislação militar nor- te-americana. Tais comissões militares, forma- das depois da destruição das Torres Gêmeas, tinham por finalidade estrita julgar os estran- geiros confinados em Guantánamo e conside- rados inimigos combatentes ilegais , na guerra movida contra o terrorismo. Para remover esse obstáculo judicial, o Pre- sidente Bush, inspirado no modelo anterior, mas com acréscimos extremamente nocivos aos direitos fundamentais da pessoa humana, en- viou ao Congresso Americano projeto de lei, no qual propôs a criação de novas comissões militares com o mesmo objetivo. Tal projeto, que mereceu críticas severas de organizações de defesa de direitos humanos, acabou aprova- do sem modificações mais aprofundadas, nas duas Casas do Congresso Americano, nos dias 28 e 29 de setembro de 2006, dando origem ao Military Comissions Act 2006. Poderia indagar-se: a esta altura qual o inte- resse que essa legislação pode provocar além dos limites geográficos norte-americanos? A resposta não demanda muitas explicações. No mundo globalizado, tudo pode ocorrer no país que tem a hegemonia no campo econômico, político, cultural e, sobretudo, militar, importa a todos os cidadãos que vivam fora dele, máxi- me quando essa nação “superior” adotou, em nível internacional e a pretexto de garantir sua própria segurança, a estratégia da guerra pre- ventiva. Se algum interesse norte-americano — qualquer que seja a sua natureza — sofrer agra- vo em algum lugar do globo terrestre, têm os Estados Unidos o direito de intervir para pre- servar sua segurança. Logo, toda a legislação norte-americana nessa matéria passa a ter um significado especial, na medida em que, de um lado, possa entrar em conflito com direitos hu- manos e liberdades fundamentais e, de outro, esteja dotada de alta carga de pressão, idônea a provocar reflexos em países emergentes ataca- dos da irresistível capacidade de imitação. Não se tem aqui o propósito de analisar a nova legislação na sua totalidade, mas apenas de pôr em destaque alguns de seus artigos. A nova lei amplia o poder do Presidente George W. Bush na definição do conceito de inimigo com- batente ilegal. Não trata apenas de estrangeiro suspeito de prática de atos de terrorismo: inclui também quem, estrangeiro ou nacional, deu apoio material a uma organização terrorista. A desmotivada e subjetiva capitulação presidencial acarreta, de imediato, três conseqüências: o de- tido não terá tempo definido de prisão cautelar; não poderá questionar-lhe a legalidade por não ter acesso ao habeas corpus, e será julgado, com até possibilidade de ser condenado à morte, por uma comissão militar de exceção vinculada ao Poder Executivo, e não por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido pela le- gislação militar americana. Mas não é só. Ao Presidente Bush foi ainda atribuído o poder exclusivo e secreto de determinar o que constitui uma “técnica abusiva” de interrogatório. Tem ele autoridade para interpretar o significado e a aplicação das Convenções de Genebra, promul- gando disposições administrativas sobre viola- ções das obrigações assumidas, desde que elas não representem graves infrações. E no rol das infra- ções menos graves, o Governo Bush já fez uso de métodos como o isolamento de mais de cento e cinqüenta dias em cela permanentemente ilu- minada, interrogatórios durante largo espaço de tempo (de 18 a 20 horas diárias), a privação de sono por cinqüenta dias, o uso de hipotermia, simulacros de afogamento, exploração de fobias pessoais, desnudamento dos detentos, abusos físicos, inclusive sexuais, etc. Em resumo, a nova legislação legaliza a prisão arbitrária e a tortura. Se tudo isso já não bastasse, o Military Comis- sions Act 2006 impede aos tribunais americanos o reconhecimento, em relação aos agentes estadu- nidenses, de violações anteriormente praticadas em desrespeito ao art. 3º das Convenções de Ge- nebra, o que significa, por sua aplicação retroati- va, uma verdadeira anistia pelas torturas execu- tadas em Abu Ghraib, em Guantánamo, no Afe- ganistão e em tantos outros centros de detenção norte-americanos espalhados pelo mundo. A breve análise dessa desastrosa lei põe à mostra não a presença de um Estado respeitoso dos direitos humanos, das garantias individuais e das liberdades fundamentais, mas sim de um Estado prepotente, autoritário, policial e inva- sor. A versão atual dos Estados Unidos, montada sobre a luta sem quartel e sem escrúpulos ao terrorismo, desmente sua tradição histórica de defensor dos valores democráticos e dos direitos humanos e o iguala a outros tantos países que se destacam pelas marcas da violência e do próprio terror. Os efeitos da mudança dos caminhos ado- tados pelos Estados Unidos influenciam a ordem internacional, e o mundo começa a caminhar às avessas, tomando direções perturbadoras para a paz e para a convivência entre os povos. Não seria caso de responder afirmativamente a inda- gação de Eduardo Galeano: “Si el mundo está, como ahora está, patas arriba, ¿no habría que darlo vuelta, para que pueda pararse sobre sus pies?”.

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    PUBLICAO OFICIAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CINCIAS CRIMINAIS

    ANO 14 - N 168 - Novembro/2006ISSN 1676-3661

    EDITORIAL:MUNDO S AVESSAS 1O PIOR CEGO...Ana Sofia Schimidt 2A APLICAO DALEI N 9.099/95 NOS CASOSDE VIOLNCIA DOMSTICACONTRA A MULHERJoo Paulo de Aguiar Sampaio Souzae Tiago Abud da Fonseca 4VIOLNCIA DE GNERO:O PARADOXAL ENTUSIASMOPELO RIGOR PENALMaria Lcia Karam 6VIOLNCIA DOMSTICA:UMA NOVA LEI PARA UMVELHO PROBLEMAMaria Berenice Dias 8A RETRICA DAPERSONALIDADE DISTORCIDA:A PERSONALIDADE DOAGENTE EM JULGAMENTOFbio Wellington Atade Alves 10INSTITUTOS PENAIS DE BASECATLICA SOB A TICA DEUM DIREITO PENAL DO FATOTamar Oliva 11PROCEDIMENTOINVESTIGATRIO CRIMINAL,ESSE OUTRO DESCONHECIDORenato Stanziola Vieira 12ENTIDADES FECHADAS DEPREVIDNCIA COMPLEMENTARE A LEI DOS CRIMES CONTRAO SISTEMA FINANCEIRO(LEI N 7.492/86)Fernanda Regina Vilares 14VAMOS OUVIR OS SINOS!REFLEXES ACERCA DAPESQUISA NACIONALDE PENAS ALTERNATIVASMrio Srgio Sobrinho 16O PORTE DE ENTORPECENTESDEIXOU DE SER UMAINFRAO DE MENORPOTENCIAL OFENSIVOAldo de Campos Costa 17REGIME DISCIPLINARDIFERENCIADO:DO CANTO DA SEREIAAO PESADELOElisangela Melo Reghelin 18REGIME DISCIPLINARDIFERENCIADO -O DIREITO PENAL DOINIMIGO BRASILEIROBruno Seligman de Menezes 19

    Caderno de JurisprudnciaCHEFE DO PODEREXECUTIVO NO RESPONDEPELOS ATOS PRATICADOSPOR SEUS SUBORDINADOS.A RESPONSABILIDADEPENAL NO OBJETIVA. 1033EMENTAS 1034M

    UND

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    S A

    VESS

    AS

    EditorialEDITORIAL:

    MUNDO S AVESSASA Suprema Corte dos Estados Unidos, em

    29 de junho de 2006, no julgamento do casoHamdam v. Rumsfeld, decidiu que as comissesmilitares criadas pelo Governo Bush eram ile-gais por carncia de autorizao expressa doCongresso Nacional, e violadoras tambm dodireito internacional e da legislao militar nor-te-americana. Tais comisses militares, forma-das depois da destruio das Torres Gmeas,tinham por finalidade estrita julgar os estran-geiros confinados em Guantnamo e conside-rados inimigos combatentes ilegais, na guerramovida contra o terrorismo.

    Para remover esse obstculo judicial, o Pre-sidente Bush, inspirado no modelo anterior,mas com acrscimos extremamente nocivos aosdireitos fundamentais da pessoa humana, en-viou ao Congresso Americano projeto de lei,no qual props a criao de novas comissesmilitares com o mesmo objetivo. Tal projeto,que mereceu crticas severas de organizaesde defesa de direitos humanos, acabou aprova-do sem modificaes mais aprofundadas, nasduas Casas do Congresso Americano, nos dias28 e 29 de setembro de 2006, dando origem aoMilitary Comissions Act 2006.

    Poderia indagar-se: a esta altura qual o inte-resse que essa legislao pode provocar almdos limites geogrficos norte-americanos? Aresposta no demanda muitas explicaes. Nomundo globalizado, tudo pode ocorrer no pasque tem a hegemonia no campo econmico,poltico, cultural e, sobretudo, militar, importaa todos os cidados que vivam fora dele, mxi-me quando essa nao superior adotou, emnvel internacional e a pretexto de garantir suaprpria segurana, a estratgia da guerra pre-ventiva. Se algum interesse norte-americano qualquer que seja a sua natureza sofrer agra-vo em algum lugar do globo terrestre, tm osEstados Unidos o direito de intervir para pre-servar sua segurana. Logo, toda a legislaonorte-americana nessa matria passa a ter umsignificado especial, na medida em que, de umlado, possa entrar em conflito com direitos hu-manos e liberdades fundamentais e, de outro,esteja dotada de alta carga de presso, idnea aprovocar reflexos em pases emergentes ataca-dos da irresistvel capacidade de imitao.

    No se tem aqui o propsito de analisar anova legislao na sua totalidade, mas apenas depr em destaque alguns de seus artigos. A novalei amplia o poder do Presidente George W.Bush na definio do conceito de inimigo com-batente ilegal. No trata apenas de estrangeirosuspeito de prtica de atos de terrorismo: incluitambm quem, estrangeiro ou nacional, deuapoio material a uma organizao terrorista. A

    desmotivada e subjetiva capitulao presidencialacarreta, de imediato, trs conseqncias: o de-tido no ter tempo definido de priso cautelar;no poder questionar-lhe a legalidade por noter acesso ao habeas corpus, e ser julgado, com atpossibilidade de ser condenado morte, por umacomisso militar de exceo vinculada ao PoderExecutivo, e no por um tribunal competente,independente e imparcial, estabelecido pela le-gislao militar americana. Mas no s. AoPresidente Bush foi ainda atribudo o poderexclusivo e secreto de determinar o que constituiuma tcnica abusiva de interrogatrio. Temele autoridade para interpretar o significado e aaplicao das Convenes de Genebra, promul-gando disposies administrativas sobre viola-es das obrigaes assumidas, desde que elas norepresentem graves infraes. E no rol das infra-es menos graves, o Governo Bush j fez uso demtodos como o isolamento de mais de cento ecinqenta dias em cela permanentemente ilu-minada, interrogatrios durante largo espao detempo (de 18 a 20 horas dirias), a privao desono por cinqenta dias, o uso de hipotermia,simulacros de afogamento, explorao de fobiaspessoais, desnudamento dos detentos, abusosfsicos, inclusive sexuais, etc. Em resumo, a novalegislao legaliza a priso arbitrria e a tortura.

    Se tudo isso j no bastasse, o Military Comis-sions Act 2006 impede aos tribunais americanos oreconhecimento, em relao aos agentes estadu-nidenses, de violaes anteriormente praticadasem desrespeito ao art. 3 das Convenes de Ge-nebra, o que significa, por sua aplicao retroati-va, uma verdadeira anistia pelas torturas execu-tadas em Abu Ghraib, em Guantnamo, no Afe-ganisto e em tantos outros centros de detenonorte-americanos espalhados pelo mundo.

    A breve anlise dessa desastrosa lei pe mostra no a presena de um Estado respeitosodos direitos humanos, das garantias individuaise das liberdades fundamentais, mas sim de umEstado prepotente, autoritrio, policial e inva-sor. A verso atual dos Estados Unidos, montadasobre a luta sem quartel e sem escrpulos aoterrorismo, desmente sua tradio histrica dedefensor dos valores democrticos e dos direitoshumanos e o iguala a outros tantos pases que sedestacam pelas marcas da violncia e do prprioterror. Os efeitos da mudana dos caminhos ado-tados pelos Estados Unidos influenciam a ordeminternacional, e o mundo comea a caminhar savessas, tomando direes perturbadoras para apaz e para a convivncia entre os povos. Noseria caso de responder afirmativamente a inda-gao de Eduardo Galeano: Si el mundo est,como ahora est, patas arriba, no habra que darlovuelta, para que pueda pararse sobre sus pies?.

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 20062

    Para abordar qualquer tema precisoter em mente, com a clareza possvel, anatureza do assunto a ser tratado. Ao pen-sar sobre o sistema penitencirio pode-mos abordar diversos enfoques: jurdico,sociolgico, histrico. Mas h um enfo-que que, por sua concretude insofism-vel, por sua brutalidade evidente, se im-pe a todos os demais. o enfoque que osnmeros revelam. Vamos a eles:

    Em dezembro de 2005, a SAP (Secre-taria da Administrao Penitenciria)possua 31.500 presos; a SSP (Secretariade Segurana Pblica), 27.500, perfazen-do um total de 59.000.(1) Em julho de 2006,o nmero total saltou para 143.000, assimdividido: 125.700 na SAP e 17.700 na SSP.Ateno para este primeiro dado: o n-mero de presos no Estado de So Paulotriplicou em dez anos! O que isso signi-fica? Quais as leituras, interpretaes,causas e conseqncias desta matemti-ca? Vamos acrescentar algumas informa-es para poder construir as respostas.Vale trazer, como uma pequena, isoladae nica nota otimista, a verificao deque a proporo de presos da SSP emcomparao com a SAP, levando em con-ta o total da populao prisional do Es-tado, passou de 45% para 12%. Ou seja,em 1995, 45% dos presos do Estado esta-vam em Distritos Policiais e Cadeias P-blicas, pro-poro reduzida para 12% emmeados de 2006. Esta drstica reduo,lembrando que a populao total tripli-cou, resultado, principalmente, documprimento de promessa feita pelo go-vernador Geraldo Alckmin de desativaras carceragens dos Distritos Policiais daCapital, atendendo assim antiga reivin-dicao da Polcia Civil e da sociedadecomo um todo.

    Ainda para traar o retrato numricodo sistema, veja-se que a proporo donmero de presos por funcionrio au-mentou de 2,17 funcionrio por preso em1994 para 4,75 em 2005.

    O dficit de vagas no Estado de SoPaulo, hoje, de aproximadamente 30.000.Este nmero no leva em conta um outrosempre lembrado quando se opta por pin-tar o quadro com cores mais dramticas:o nmero de mandados de priso a cum-prir. Considera s o nmero de vagas dis-ponveis e o nmero de pessoas efetiva-mente recolhidas.

    Vamos supor, agora neste perodo elei-toral, que um candidato ao governo doEstado queira enfrentar de vez o proble-ma. Ele vai dizer a seus assessores: Que-ro acabar com a falta de vagas no sistemaprisional. Quanto vou gastar? Seja qualfor o motivo, seja qual for a raiz ideolgi-

    O PIOR CEGO...Ana Sofia Schimidt

    ca desse seu propsito, o que seu assessorvai responder, objetivamente, no vai serdiferente disso: Bem, candidato, precisoconstruir 30.000 vagas para zerar o dficithoje. No entanto, h outro problema: o siste-ma cresce em So Paulo 900 presos por ms.Sim, considerando as entradas no sistema(prises em flagrante, mandados de prisocumpridos) e as sadas (alvar de soltura porcumprimento de pena ou concesso de bene-fcios), ficam no sistema, a cada ms, 900presos. Ento, o senhor(2) ter que construir900 vagas por mspara absorver estecrescimento. Bem,900 X 12 = 10.800vagas por ano. Paraum mandato de 4anos, vamos multi-plicar este nmeropor 4, o que d43.200. Somamos,ento, aquelas 30.000 e eis aqui sua resposta:para enfrentar o problema do dficit de va-gas, o senhor ter que construir 73.200 va-gas. Em uma penitenciria normal, paracumprimento de pena em regime fechado, aconstruo de cada vaga custa aproximada-mente R$ 26.000,00 apenas a construo.Ou seja, o investimento nestes quatro anosser de R$ 1.903.200.000,00. isso mesmo,candidato. Se o senhor quiser prosseguir comeste discurso, arrume um jeito de conseguirquase dois bilhes de reais para investimen-to. Isso se o senhor no quiser construir estasvagas de segurana mxima, to na modahoje em dia. L em Catanduvas, por exem-plo, o Governo Federal gastou R$ 100.000,00com cada vaga. Ah, e preciso lembrar quecada preso custa aproximadamente R$ 900,00e que... Bem, a esta altura, nosso hipot-tico candidato optou por outros projetosde campanha (ou de vida).

    Como compreender estes nmeros?Existe entre ns uma opo por uma po-ltica penitenciria focada no crescimen-to do sistema, no aumento do nmero depresos? Algum concluiu que o cresci-mento do sistema uma boa opo? No, evidente que no. Esta realidade no oresultado de um planejamento racional.As coisas simplesmente vo acontecen-do. A bola de neve simplesmente vai cres-cendo e rolando. As decises so semprereativas, vm sempre a reboque das crisese dos problemas. Para a crise de seguran-a, o nosso samba de uma nota s: priso.Manchete de jornal noticiando um crimegrave? As autoridades anunciam: no sepreocupem, os autores vo para a cadeia.Ataques do PCC? Fiquem tranqilos, apolcia vai agir e vo todos para a cadeia.O crime organizado (seja l o que se quer

    dizer com isso) est mais ousado? Maiscadeia. E a cadeia, panacia no discurso,passa a ser a conseqncia de todo o mal.Mas sua principal causa. Dizer que acriminalidade e o problema da seguranase resolvem com mais cadeia um engo-do tremendo. Quem que ainda compraeste discurso? Bem, ele fcil, aparente-mente funciona, ainda engana muita gen-te. E que role a bola de neve...

    H uma histria infantil clssica emque o Sol trava uma disputa com o Vento

    do Norte para verquem o maisforte. Um viajan-te vem cami-nhando pela es-trada. Veste umsobretudo. OVento quer mos-trar sua fora eaposta com o Sol

    dizendo: voc vai ver como eu consigotirar o casaco dele! E comea a soprar.Quanto mais ele sopra, mais o viajante seencolhe e segura com fora seu casaco.O vento sopra e sopra e tudo o que con-segue que o viajante esteja cada vezmais agarrado a seu sobretudo. O Sol atudo observa. Quando o Vento, exaus-to, desiste, o Sol consegue rapidamenteseu intento intensificando o calor deseus raios. Suando, o viajante, tira o ca-saco. Os pequenos leitores certamentedo um sorriso condescendente dianteda ingenuidade e das bravatas do toloVento. Se pudessem observar os nme-ros e os discursos em torno do sistemapenitencirio, teriam a mesma reao.Afinal de contas, agimos como o Vento,buscando resolver um problema agra-vando suas causas! Ao jogar mais pre-sos no sistema estamos soprando noviajante. E que role a bola de neve...

    Uma parcela significativa e cada vezmaior da nossa sociedade vive dentro eem torno do sistema penitencirio. Re-cente pesquisa divulgada pela Febemdemonstra que quase a metade dos in-ternos tem algum preso na famlia. um drama social tremendo. E quem estpreso, mais dia menos dia, vai sair. Vaisair como? Vai sair para fazer o que? Otolo Vento pensaria: Ah, ento no va-mos deixar sair! E qual seria a soluoapresentada pelo Vento? Priso perptua?Pena de morte?

    Enquanto os palpites do Vento no fa-zem escola e enquanto ele continua s so-prando e inflando o sistema, vamos daruma olhada em outros nmeros.

    Como dito, uma vaga no sistema pe-nitencirio custa aproximadamenteO

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    Quando se diz que a cadeia auniversidade do crime, a metfora

    esconde uma ironia: uma vagacusta o mesmo que um curso de

    ps-graduao em umauniversidade de ponta.

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 2006 3

    DIRETORIA EXECUTIVA

    PRESIDENTE:Maurcio Zanoide de Moraes

    1 VICE-PRESIDENTE:Maria Thereza Rocha de Assis Moura

    2 VICE-PRESIDENTE:Srgio Mazina Martins

    1 SECRETRIA:Tatiana Viggiani Bicudo

    2 SECRETRIO:Theodomiro Dias Neto

    1 TESOUREIRO:Roberto Mauricio Genofre

    2 TESOUREIRO:Ivan Martins Motta

    COORDENADORES-CHEFES:Departamentos:

    BIBLIOTECA:Cleunice Valentim Bastos Pitombo

    BOLETIM:Maringela Gama de Magalhes Gomes

    CURSOS:Carlos Alberto Pires Mendes

    ESTUDOS E PROJETOS LEGISLATIVOS:Maria Elizabeth Queijo

    INICIAO CIENTFICA:Thais Aroca Datcho Lacava

    INTERNET:Lus Fernando Camargo de Barros Vidal

    NCLEO DE PESQUISAS:Renato Srgio de Lima

    PS-GRADUAO:Alvino Augusto de S

    REDES INTERNACIONAIS:Flavia D Urso

    RELAES INTERNACIONAIS:Marina Pinho Coelho

    REVISTA BRASILEIRADE CINCIAS CRIMINAIS:Paula Bajer F.M. da Costa

    COORDENADORES ESTADUAIS:Veja relao pgina 17.

    BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 2006 3

    INSTITUTO BRASILEIRODE CINCIAS CRIMINAIS

    - IBCCRIM -(FUNDADO EM 14.10.92)

    DIRETORIA DA GESTO 2005/2006

    R$ 26.000,00. A manuteno do preso,R$ 900,00 por ms. Quando se diz que acadeia a universidade do crime, a met-fora esconde uma ironia: uma vaga custao mesmo que um curso de ps-graduaoem uma universidade de ponta.

    O crescimento do sistema tem umarepercusso grave no oramento do Po-der Executivo. Os recursos pblicos noso ilimitados. As opes de polticaspblicas e investimentos sociais obede-cem no apenas a uma hierarquia de va-lores, mas tambm s contingncias or-amentrias. A populao que est nosistema representa uma demanda fixa,que tem que ser atendida. Por piores quesejam as condies das prises, h umcusto de alimentao, lavanderia, segu-rana, atendimento social e mdico etc.E este custo, evidente, cresce na mes-ma proporo da populao prisional. Sea fatia correspondente aos custos do sis-tema penitencirio aumenta, outras di-minuem. inexoravelmente claro. Osdados da execuo oramentria estono site da Secretaria da Fazenda do Esta-

    do de So Paulo. Em 2004, os investimen-tos da Secretaria de Educao totalizaramR$ 194.387.781,30; os investimentos da Se-cretaria da Sade, R$ 206.212.987,91. E osinvestimentos da Secretaria da Adminis-trao Penitenciria chegaram ao total deR$ 237.487.001,96. Sim, isso: a Secretariada Administrao Penitenciria investiu31 milhes a mais que a Sade e 43 mi-lhes a mais que a Educao!(3)

    No hora de olhar para isso?

    Notas

    (1) Nmeros aproximados.(2) No h senhoras nesta disputa.(3) Esta situao no a regra. No perodo ana-

    lisado, 1999 a 2005, ocorreu em 2004. O qua-dro demanda uma anlise mais pormenori-zada, que envolva a comparao do total dosgastos pblicos, inclusive considerando re-passes federais.

    Ana Sofia SchimidtProcuradora do Estado, coordenadorada Assistncia Judiciria aos Presos e

    mestre em Direito Penal pela USPO P

    IOR

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    Ana Sofia Schimidt

    EDITAL DE CONVOCAOSo convocados os associados do INSTITUTO BRASILEIRO DE

    CINCIAS CRIMINAIS IBCCRIM, a se reunirem em Assemblia Ge-ral Ordinria e Extraordinria, a realizar-se em 14 de dezembro de 2006, s10:00 horas, em primeira convocao se houver quorum estatutrio, ou s10:30 horas, em segunda convocao com qualquer nmero de associados,na sede social do Instituto, na Rua XI de Agosto, 52, 2 andar, Centro, SoPaulo/SP, a fim de deliberarem sobre a seguinte Ordem do Dia:

    1. Eleio da Diretoria Executiva e do Conselho Consultivo;2. Aprovao de contas referentes ao ano fiscal de 2006;3. Apresentao de relatrio de atividades desenvolvidas no ano de 2006;4. Apresentao de propostas de atividades a serem desenvolvidas em 2007;5. Deliberao sobre a mensalidade para 2007;6. Reforma Estatutria;7. Deliberao sobre outros assuntos de interesse do Instituto.

    Maurcio Zanoide de MoraesPresidente

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 20064

    I - IntritoA Lei n 11.340/06, que teve iniciada a

    sua vigncia em 22 de setembro de 2006,pintou com novas cores, com a clara in-teno de conceder maior proteo mu-lher, as hipteses de violncia domstica.

    Inicialmente, deve-se esclarecer quea anlise do tema requer grande cuida-do porque desperta discursos apaixona-dos, onde predomina o maniquesmo.Portanto, desde logo cumpre advertirque o texto se dirige ao questionamentoda constitucionalidade e da eficcia deum determinado dispositivo de lei, sem,com isso, ignorar a necessidade da tute-la do cnjuge diante das prticas discri-minatrias, mormente as praticadasmediante violncia.

    O novo diploma em apreo insere nombito da violncia domstica contra amulher a ao ou omisso que cause mor-te, leso, sofrimento fsico, sexual, psico-lgico e dano, causados no ambiente fa-miliar, entendendo por tal qualquer rela-o ntima de afeto, independente da op-o sexual, onde as pessoas convivam outenham convivido.(1) Noutros termos,para efeito da lei, est em sua esfera deproteo a famlia tradicional, que se ori-gina do casamento; a famlia que brotada unio estvel e at mesmo aquela quesurge das relaes homossexuais ou a fa-mlia monopariental.

    O art. 44 do diploma legislativo emcomento trouxe aumento de pena ao art.129, 9 CP, elevando a pena mxima dodelito para trs anos, afastando-o, comisso, do rol dos crimes de menor poten-cial ofensivo. Tanto assim que a novalei prev a criao de juizados de violn-cia domstica e familiar retirando a te-mtica do mbito dos juizados especiaiscriminais, outorgando competncia aojuzo criminal comum para a aplicaoda Lei n 11.340/06 at a criao de taisrgos (artigos 14 e 33).

    Alm disso, o artigo 41 da Lei n 11.340/06 trouxe expressa vedao a aplicaoda Lei n 9.099/95 aos crimes praticadoscom violncia domstica e familiar contra amulher, independentemente da pena previs-ta. A determinao no sem relevn-cia, mesmo diante do aumento de penaestabelecido no art. 44, eis que existemdispositivos da Lei dos Juizados Espe-ciais que se aplicam aos delitos que estoalm de sua competncia, como a sus-penso condicional do processo, que se-riam atingidos pela vedao menciona-da, alm do que h infraes penais quecontinuam sendo de menor potencial

    A APLICAO DA LEI N 9.099/95 NOS CASOSDE VIOLNCIA DOMSTICA CONTRA A MULHER

    Joo Paulo de Aguiar Sampaio Souza e Tiago Abud da Fonseca

    ofensivo mesmo que praticados no m-bito da violncia domstica, como a amea-a, por exemplo.

    Este artigo, quando veda a aplicaoda Lei n 9.099/95 aos casos de violnciadomstica e familiar contra a mulher, soainconstitucional, sendo este o objeto dacontrovrsia.

    II - Fundamentos para aII - inconstitucionalidade

    Em primeiro lugar, merece destaqueo fato de que a Constituio da Rep-blica igualou, em direitos e deveres, ho-mens e mulheres, especialmente no queconcerne sociedade conjugal (artigo226, 5, CF).

    Depois disso, bom ver que no tocan-te aos filhos, sejam eles homens ou mu-lheres, havidos ou no na constncia daunio ou adotivos, a igualdade previstano artigo 227, 6 da Lei Maior.

    Ao nosso aviso, a est, portanto, a pri-meira razo para a inconstitucionalidade.

    Quando a lei menciona sobre a vio-lncia domstica contra a mulher noest dispondo nica e exclusivamentesobre a mulher que agredida pelo mari-do ou companheiro. Neste contexto derelaes est a violncia exercida por paiscontra filhas ou, ao contrrio, dos filhoscontra a me.

    Criou o legislador infraconstitucionalduas situaes distintas, deixando de ladoa isonomia constitucional.

    Exemplificadamente, imagine que afilha agredida pelo pai causando lesocorporal. Responderia o pai pelo crimedo artigo 129 do Cdigo Penal, com anova pena prevista pelo artigo 44 danova lei, sem direito a aplicao dequalquer instituto despenalizador daLei n 9.099/95, sendo a ao penal p-blica incondicionada.

    Trocando de figuras, imagine a agres-so do pai contra o filho, irmo da mu-lher que havia apanhado no pargrafo aci-ma. Responder tambm o pai pela in-frao do artigo 129 do Cdigo Penal,com a nova sano imposta pela Lei n11.340/063. Todavia, como o artigo 41 danova Lei n 11.340/06 estabelece que nose aplica a Lei n 9.099/95 aos casos deviolncia familiar e domstica contra amulher, neste segundo caso a ao penalseria pblica condicionada a representa-o e seria possvel, em tese, a suspensocondicional do processo.

    A mesma teratologia seria aplicada nocaso do filho que ameaa a me e o pai.Na ameaa contra a me no se aplica a

    Lei n 9.099/95, ao revs do que ocorre naviolncia perpetrada contra o pai.

    E mais: no se pode deixar de lado asrelaes homoafetivas, que passam a serreconhecidas no territrio nacional, se-guindo a evoluo legislativa do mundoocidental.

    Salvo melhor juzo, no preciso mui-to esforo para se perceber que a legisla-o infraconstitucional acabou por tra-tar de maneira diferenciada a condiode homem e mulher e o status entre filhosque o poder constituinte originrio tra-tou de maneira igual, criando, a sim, adesigualdade na entidade familiar.

    Neste ponto, se a ratio da legislao o maior dever de cuidado existente en-tre aqueles que convivem em relao deafeto, que justifica, sem dvida, penaagravada, no h motivo para distinguira vtima pelo gnero, nem como faz-losem incorrer em inconstitucionalidade.Mesmo supondo que tal proibio trazmaior proteo mulher, e que esta, emregra, a vtima das agresses no mbi-to familiar, no h porque excluir destaproteo as pessoas pertencentes ao ou-tro gnero, quando, em casos minorit-rios, a agresso existisse. Dito de outraforma: no que a excluso da violnciadomstica como um todo, sem distin-o de gnero, da aplicao da Lei n9.099/95, diminuiria a proteo da mu-lher, em relao forma atual da reda-o do dispositivo?

    Indo mais adiante, outro ponto que levaa inconstitucionalidade do artigo acimacitado guarda referncia com a hierar-quia dos bens jurdicos auferidos pelaConstituio da Repblica.

    Na cabea do artigo 5 da Magna Car-ta, o constituinte estabeleceu a inviolabi-lidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade.

    Tal disposio em seqncia no aleatria. Isto significa dizer que o direi-to vida est em primazia sobre os de-mais. Em outras palavras, a vida o bemjurdico de maior valor para o ser huma-no na escala constitucional.

    Acontece que, j de algum tempo, olegislador infraconstitucional vem ado-tando a tcnica da criao de microssis-temas no ordenamento jurdico, estabe-lecendo, no mais das vezes, cintures deproibies penais.(2) Em que pese a suaproliferao, a tcnica de criao de mi-crossistemas, mormente em direito pe-nal arriscada, pois freqentemente vio-la a sistematicidade e agride o princpioconstitucional da proporcionalidade.A

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    BOLETIM IBCCRIM- ISSN 1676-3661 -

    BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 2006

    exatamente o que se v na lei emanlise.

    visivelmente desproporcional que nocrime de aborto consentido, que protege obem jurdico vida, seja permitido o sursisprocessual previsto na Lei n 9.099/95 e nahiptese de ameaa no mbito familiarcontra a mulher no seja possvel a aplica-o de qualquer dos institutos despenali-zadores da Lei n 9.099/95.

    Em resumo, o que se quer atestar asubverso dos valores auferidos pelaConstituio da Repblica aos bens jur-dicos, da porque tambm a pecha de in-constitucionalidade.

    Pela vereda de razes expostas, advoga-se a inconstitucionalidade do artigo 41 daLei n 11.340/06, devendo ser aplicada aLei n 9.099/95, tanto na sua parte proces-sual como material (obviamente que sser possvel aplicar a parte material emsua integralidade s infraes penais demenor potencial ofensivo), s hipteses deviolncia familiar e domstica contra amulher, sem preconceitos aos princpios evalores constitucionais estabelecidos eimplcitos, entendimento este que, alis,foi estampado na ementa n 82 do III En-contro dos Juzes de Juizados Especiais ede Turmas Recursais do Tribunal de Justi-a do Rio de Janeiro.

    III - Consideraes finaisInfelizmente, o que se verifica a cons-

    tante ausncia de uma poltica pblicacriminal, atravs da ratificao de umalegislao de emergncia, com forte ape-lo sua funo simblica. Ainda que seconclua pela existncia e utilidade da efi-ccia simblica da lei, o fato que estapossui limites, devendo ser usada comparcimnia, sob pena de um procedimen-to autofgico, pois, diante da pluralidadeexacerbada da legislao, os mecanismosde persecuo penal apresentam capaci-dade reduzida de realizao do plano decriminalizao, e, por conseqncia,atuam de forma mais seletiva, pondo emxeque a credibilidade do sistema que, por

    sua vez, componente indispensvel daeficcia simblica da norma.

    No momento em que se desnuda aineficcia do sistema penal, mormente noque toca aos crimes que compem a de-linqncia(3) e que, em regra, esto foradas categorias atingidas pela Lei n 9.099/95, no h como compreender que o le-gislador pretenda resolver, seriamente, oproblema da violncia domstica recor-rendo, de forma discriminatria e incons-titucional, ao mesmo procedimento queinsiste em criticar.

    O discurso do mais do mesmo j foiobjeto suficiente de demonstrao na lite-ratura especializada,(4) para que se preten-da apresent-la com foros de novidade. Aquesto passa a ser pragmtica: enquantoo Pas no consegue se retirar deste crcu-lo vicioso, o problema criminal avulta, semque se possa saber at quando o quadroser reversvel sem o recurso a prticasexterminatrias.

    Notas

    (1) BRASIL. Lei n 10.340, de 7 de agosto de 2006.Disponvel em http://presidencia.gov.br.Acesso em 13 jan. 2006.

    (2) ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Di-reito Penal, 2 ed., Lisboa: Vega, 1993.

    (3) SILVA, Jorge da. Segurana Pblica e Polcia:Criminologia Crtica Aplicada, Rio de Janeiro:Forense, 2003.

    (4) FOUCAULT, Michel. Estratgia poder-sa-ber, Coleo Ditos & Escritos, v. IV, trad. deVera Lcia Avellar Ribeiro, Rio de Janeiro:Forense Universitria, 2003.

    Joo Paulo de AguiarSampaio Souza

    Mestre em Direito em Polticas Pblicase Processo pela Faculdade de Direito

    de Campos e defensor pblico noEstado do Rio de Janeiro

    Tiago Abud da FonsecaMestrando em Polticas Pblicas e Processo

    pela Faculdade de Direito de Campos edefensor Pblico no Estado do Rio de JaneiroA

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    Joo Paulo de Aguiar Sampaio Souza e Tiago Abud da Fonseca

    PARTICIPEM DO BOLETIMO Boletim est aberto colaborao de todos para receber artigos a serem

    publicados e, tambm, decises de primeira e segunda instncias que podem serpublicadas na ntegra ou resumidas, a critrio da Coordenao do Boletim.

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  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 20066

    A partir das ltimas dcadas do sculoXX, so notveis os avanos, no Brasil,como de resto no mundo ocidental, nosentido da afirmao e garantia dos direi-tos da mulher, da superao das relaesde subordinao e construo de novaforma de convivncia entre os gneros,avanos associados no s ao crescimen-to da participao das mulheres nas ativi-dades econmicas, com sua entrada ma-cia no mercado de trabalho, coincidentecom a expanso do setor tercirio da eco-nomia, mas tambm evoluo compor-tamental e ao questionamento e parcialsuperao de preconceitos no campo dasexualidade.

    No entanto, as significativas transfor-maes ocorridas desde ento no logra-ram alcanar a plena superao da ideo-logia patriarcal nem mesmo ali onde re-gistradas. A distino entre tarefas mas-culinas e femininas no foi eliminada.Ainda h quem suponha que o trabalhoprofissional das mulheres seria secun-drio, funcionando apenas como umacomplementao do oramento familiar,de que sua relao com o trabalho seriadiferente, de que seriam menos ambicio-sas, que colocariam a maternidade comoprimeira opo. Isto conduz desigual-dade de salrios e de oportunidades deascenso a postos mais qualificados. Adesigualdade se acentua no campo daparticipao poltica. Os espaos e pos-tos polticos de poder e deciso subsis-tem como espaos masculinos, aindahoje acessveis a mulheres apenas en-quanto excees.

    Os resqucios da ideologia patriarcal,da histrica desigualdade, da discrimi-natria posio de subordinao da mu-lher, naturalmente, tambm subsistemnas relaes individualizadas. Emboraos atos de agresso de homens contramulheres nas relaes de casais tenhamdiminudo sensivelmente reduo ni-tidamente visvel em relao aos chama-dos homicdios passionais no Brasil,quase desaparecidos dos registros do sis-tema penal , relaes de hierarquiza-o e dominao ainda subsistem, assimsubsistindo atos identificveis como ex-presso da chamada violncia de gne-ro, isto , motivados no apenas porquestes estritamente pessoais, mas ex-pressando fundamentalmente a hierar-quizao estruturada em posies dedominao do homem e subordinaoda mulher, por isso se constituindo emmanifestaes de discriminao.

    Mas, certamente, o enfrentamento da

    VIOLNCIA DE GNERO:O PARADOXAL ENTUSIASMO PELO RIGOR PENAL

    Maria Lcia Karam

    violncia de gnero, a superao dos res-qucios patriarcais, o fim desta ou dequalquer outra forma de discriminaono se daro atravs da sempre engano-sa, dolorosa e danosa interveno do sis-tema penal, como equivocadamente cr-em mulheres e homens que aplaudem omaior rigor penal introduzido em legis-laes como a nova Lei brasileira n11.340/2006 ou sua inspiradora espanho-la Ley Orgnica 1/2004.

    Esse doloroso e danoso equvoco vemde longe. J faz tempo que os movimen-tos feministas, dentre outros movimen-tos sociais, se fizeram co-responsveispela hoje desmedida expanso do poderpunitivo. Aderindo interveno do sis-tema penal como pretensa soluo paratodos os problemas, contriburam deci-sivamente para a legitimao do maiorrigor penal que, marcando legislaes portodo o mundo a partir das ltimas dca-das do sculo XX, se faz acompanhar deuma sistemtica violao a princpios enormas assentados nas declaraes uni-versais de direitos e nas Constituiesdemocrticas, com a crescente supressode direitos fundamentais.

    Mulheres e homens entusiastas dorigor penal como pretensa soluo paraa violncia de gnero acenam com a fi-nalidade de superao de prticas dife-renciadas, arbitrrias ou discriminat-rias, acenando com a realizao do di-reito fundamental igualdade para ho-mens e mulheres. Mas, para atender seusdesejos punitivos, no hesitam em, pa-radoxalmente, aplaudir as prprias pr-ticas diferenciadas, arbitrrias e dis-criminatrias que suprimem direitosfundamentais.

    Na Lei n 11.340/2006 a indevida su-presso de direitos fundamentais logoaparece na negao da isonomia, mani-festada na excluso da incidncia da Lein 9.099/95 em hipteses de crimes pra-ticados com violncia domstica e fami-liar contra a mulher (artigo 41) ou na ve-dao da aplicao de penas de presta-o pecuniria e de substituio da penaprivativa de liberdade que implique opagamento isolado de multa (artigo 17).

    O princpio da isonomia implica queo mesmo tratamento seja dado e os mes-mo direitos sejam reconhecidos a todosque estejam em igualdade de condiese situaes. A particularidade de umadeterminada infrao penal retratar umaviolncia de gnero no um diferencialquando se cuida de institutos relaciona-dos dimenso do potencial ofensivo da

    infrao penal ou quando se cuida domodo de execuo da pena concreta-mente imposta, no se autorizando, as-sim, por essa irrelevante particularida-de, a desigualdade de tratamento. A di-menso de uma infrao penal que a fazser identificvel como de menor poten-cial ofensivo ou de mdio potencialofensivo determinada pela Lei n9.099/95 com base to somente na medi-da das penas mxima ou mnima abstra-tamente cominadas. Trata-se aqui de leigeral imperativamente aplicvel a todosque se encontrem na situao por eladefinida, no estando autorizada a desi-gualdade de tratamento entre pessoas aquem seja atribuda prtica de infraespenais que, definidas em regras que aelas cominam penas mximas ou mni-mas de igual quantidade, apresentamigual dimenso de ofensividade. No queconcerne dimenso de seu potencialofensivo, uma infrao penal retratandoviolncia de gnero a que cominada penamxima de dois anos no se distingue dequaisquer outras infraes penais a quecominadas iguais penas mximas. Todasse identificam, em sua igual natureza deinfraes penais de menor potencialofensivo, pela quantidade das penas quelhes so abstratamente cominadas e to-dos seus apontados autores igualmentese identificam na igualdade de condiese situaes em que se encontram.

    A obedincia ao princpio da isono-mia impe que a aplicabilidade da com-posio civil e da impropriamente cha-mada transao (artigos 74 e 76 da Lein 9.099/95) se estenda a todo e qualquerprocesso, em que deduzida pretenso pu-nitiva fundada na alegada prtica dequalquer infrao penal a que cominadapena mxima no superior a dois anos,da mesma forma que a aplicabilidade dasuspenso condicional do processo (ar-tigo 89 da Lei n 9.099/95) h de alcanartodo e qualquer processo, em que dedu-zida pretenso punitiva fundada na ale-gada prtica de quaisquer infraes pe-nais a que cominada pena mnima igualou inferior a um ano.

    Assim tambm a substituio da penaprivativa de liberdade h de se reger pe-las regras gerais vindas nos artigos 43 a48 do Cdigo Penal, que estabelecem re-quisitos pena no superior a quatroanos em crimes dolosos; ausncia deviolncia ou grave ameaa pessoa; au-sncia de reincidncia especfica; cir-cunstncias favorveis indicativas demenor medida da culpabilidade queVI

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    nada tm a ver com o tipo de crime reco-nhecido na sentena. Atendidos tais re-quisitos, somente as circunstncias docaso concreto, a serem consideradas pe-lo juiz no momento da aplicao da pe-na, que podero dizer da maior ou me-nor convenincia da escolha de uma ououtra das penas pecunirias ou restriti-vas de direitos elencadas naquelas re-gras, no sendo cabveis excluses ante-cipadas, ditadas pela mera definio dainfrao penal abstratamente dada pelaregra tipificadora.

    No af de superproteger a mulher, aLei n 11.340/2006 no hesita em violar odireito fundamental de crianas e adoles-centes convivncia familiar.

    Ao lado de medidas que impem oafastamento do convvio com a ofendidae testemunhas do apontado autor do ale-gado crime retratando violncia de g-nero (incisos I a III do artigo 22) me-didas que, vale ressaltar, tm naturezacautelar, sendo aplicveis unicamentepara assegurar os meios e fins de proces-so em que se busca ou se ir buscar arealizao da pretenso punitiva funda-da na alegada prtica do crime configu-rador da violncia de gnero, sua impo-sio assim se condicionando demons-trao da presena de fatos demonstrati-vos de que a proximidade do apontadoautor de um tal crime com a ofendida oucom testemunhas estaria a impedir sualivre manifestao, assim constituindoum risco ao normal desenvolvimento doprocesso , a Lei n 11.340/2006 trata dematria cvel, incluindo dentre as medi-das protetivas de urgncia a restrio oua suspenso de visitas a dependentesmenores e a prestao de alimentosprovisionais ou provisrios (incisos IVe V do artigo 22).

    A restrio ou suspenso de visitas afilhos viola o direito convivncia fami-liar, assegurado pela Constituio Fede-ral brasileira (caput do artigo 227) e pelaConveno sobre os Direitos da Crian-a ( 3 do artigo 9), esta expressamenteenunciando o direito da criana que es-teja separada de um ou de ambos os paisde manter regularmente relaes pes-soais e contato direto com ambos. Aopretender suprimir tal direito, a Lei n11.340/2006 ainda desconsidera a vonta-de da criana ou do adolescente. Preo-cupando-se apenas com a audio deequipe de atendimento multidiscipli-nar ou servio similar, viola regras vin-das nos 1 e 2 do artigo 12 da Con-veno sobre os Direitos da Criana,que asseguram criana, que for capazde formar seus prprios pontos de vista,

    o direito de exprimir suas opinies li-vremente sobre todas as matrias quelhe forem atinentes, levando-se devida-mente em conta suas opinies em fun-o de sua idade e maturidade, para essefim, devendo lhe ser dada oportunidadede ser ouvida em qualquer procedimen-to judicial ou administrativo que lhediga respeito.

    Mas, o paradoxal comportamento demulheres e homens entusiastas do rigorpenal como pretensa soluo para a vio-lncia de gnero no se esgota no aplausoa essas exemplares violaes de princ-pios e normas assentados nas declaraesuniversais de direitos e nas Constituiesdemocrticas. Para atender seus desejospunitivos vo alm, aplaudindo at mes-mo regras que, paradoxalmente, discri-minam as prprias mulheres.

    Eloqente exemplo da discriminat-ria superproteo mulher encontra-sena regra do artigo 16 da Lei n 11.340/2006, que estabelece que a renncia re-presentao s poder se dar perante ojuiz, em audincia especialmente desig-nada para tal fim e ouvido o MinistrioPblico. A mulher passa a ser assim ob-jetivamente inferiorizada, ocupandouma posio passiva e vitimizadora, tra-tada como algum incapaz de tomar de-cises por si prpria.

    Na inspiradora legislao espanhola,o descumprimento de medidas de prote-o, anlogas s previstas na nova leibrasileira, conduz configurao doquebrantamiento de condena (artigo 468, 2do Cdigo Penal espanhol), que, inclu-do dentre os crimes contra a administra-o da justia, reconhecvel indepen-dentemente ou mesmo contrariamente vontade da mulher em nome de cuja pro-teo so decretadas as descumpridasmedidas, o que pode implicar na absur-da situao de se privar a prpria mu-lher de prosseguir ou retomar a convi-vncia com o apontado autor da alegadaviolncia de gnero, ou at mesmo emimputao a ela da prtica daquele mes-mo crime de quebrantamiento de conde-na, na qualidade de partcipe.

    preciso sempre ter cuidado commecanismos que, sob o pretexto de tute-lar ou proteger determinados grupos depessoas consideradas mais frgeis ou maisvulnerveis, acabam por inferiorizar taisgrupos, acabando por instrumentalizar amaterializao de concepes discrimi-natrias.

    A proibio de uma conduta que aten-ta contra a pessoa no pode servir paratolher, ainda que indiretamente, a liber-dade dessa mesma pessoa que a norma

    pretende proteger. A realizao de direi-tos fundamentais evidentemente no con-vive com a contrariedade aos anseios eaos direitos dos prprios titulares dosbens destinatrios da tutela jurdica.

    Quando se insiste em acusar da prti-ca de um crime e ameaar com uma penao parceiro da mulher, contra a sua vonta-de, est se subtraindo dela, formalmentedita ofendida, seu direito e seu anseio alivremente se relacionar com aquele par-ceiro por ela escolhido. Isto significa ne-gar-lhe o direito liberdade de que titu-lar, para trat-la como se coisa fosse, sub-metida vontade de agentes do Estadoque, inferiorizando-a e vitimizando-a,pretendem saber o que seria melhor paraela, pretendendo punir o homem comquem ela quer se relacionar e sua es-colha h de ser respeitada, pouco impor-tando se o escolhido ou no um agres-sor ou que, pelo menos, no desejaque seja punido.

    O enfrentamento da violncia de g-nero, a superao dos resqucios patriar-cais, o fim desta ou de qualquer outra for-ma de discriminao, vale sempre repe-tir, no se daro atravs da sempre enga-nosa, dolorosa e danosa interveno dosistema penal. preciso buscar instru-mentos mais eficazes e menos nocivos doque o fcil, simplista e meramente sim-blico apelo interveno do sistemapenal, que, alm de no realizar suas fun-es explcitas de proteo de bens jur-dicos e evitao de condutas danosas,alm de no solucionar conflitos, aindaproduz, paralelamente injustia decor-rente da seletividade inerente sua ope-racionalidade, um grande volume de so-frimento e de dor, estigmatizando, privan-do da liberdade e alimentando diversasformas de violncia.

    O efetivo rompimento com tendnciascriminalizadoras, sejam as sustentadasnos discursos de lei e ordem, sejam asapresentadas sob uma tica supostamen-te progressista, parte indispensvel docompromisso com a superao das rela-es de desigualdade, de dominao, deexcluso. A represso penal, qualquer queseja sua direo, em nada pode contri-buir para o reconhecimento e garantia dedireitos fundamentais, tampouco poden-do trazer qualquer contribuio para asuperao de preconceitos ou discrimi-naes, at porque preconceitos e discri-minaes esto na base da prpria idiade punio exemplificativa, que informae sustenta o sistema penal.

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    Entrou em vigor, no dia 22 de setem-bro, a Lei n 11.340 chamada Lei Ma-ria da Penha que cria mecanismos paracoibir e prevenir a violncia domstica efamiliar, visando assegurar a integridadefsica, psquica, sexual, moral e patrimo-nial da mulher.

    As novidades so muitas e chegam emboa hora. Foi devolvida Polcia Judici-ria a prerrogativa investigatria (art. 10).O registro da ocorrncia desencadeia umleque de providncias: a polcia garanteproteo vtima, a encaminha ao hospi-tal, fornece transporte para lugar seguro ea acompanha para retirar seus pertencesdo local da ocorrncia (art. 11). A autori-dade policial, alm de instaurar o inqu-rito (art. 12, VII), toma por termo a re-presentao quanto aos delitos cuja aopenal pblica condicionada (art. 12, I) eem 48 horas encaminhada a juzo o pedi-do de medidas de urgncia (art. 12, III).Colhido o depoimento do agressor e dastestemunhas (art. 12, V) e feita sua identi-ficao criminal (art. 12, VI), o inquritopolicial deve ser encaminhado Justiano prazo de 10 dias (CPP, art. 10). Apesarde haver a determinao que seja enviadoao juiz e ao Ministrio Pblico (art. 12,VII), cabe ser enviado ao frum. Comoao ser procedida a distribuio, indepen-dentemente de ordem judicial, o inquri-to encaminhado ao Ministrio Pblicopara oferecimento da denncia, desneces-sria dupla remessa, como parece sugeriro dispositivo legal.

    A vtima dever estar sempre acompa-nhada de advogado (art. 27), tanto na fasepolicial, como na judicial, garantido oacesso aos servios da Defensoria Pbli-ca e Assistncia Judiciria Gratuita (art.18). No pode ser ela a portadora da noti-ficao ao agressor (art. 21, pargrafo ni-co), sendo pessoalmente cientificadaquando ele for preso ou liberado da pri-so, sem prejuzo da intimao de seuprocurador (art. 21).

    Ao juiz cabe adotar no s as medidasrequeridas pela vtima (art. 12, III, 18, 19e 3) ou pelo Ministrio Pblico (art. 19e seu 3), tambm lhe facultado agirde ofcio (arts. 20, 22, 4 23 e 24). Assim,pode determinar o afastamento do agres-sor (art. 22, II) e a reconduo da ofendi-da e seus dependentes ao lar (art. 23, III);impedir que ele se aproxime da casa; im-por limite mnimo de distncia; vedar quese comunique com a famlia; suspendervisitas; encaminhar a mulher e os filhos aabrigos seguros; fixar alimentos provis-rios ou provisionais (art. 22). Alm disso,

    VIOLNCIA DOMSTICA:UMA NOVA LEI PARA UM VELHO PROBLEMA!

    Maria Berenice Dias

    lhe facultado adotar medidas outras,como determinar a restituio de bensindevidamente subtrados da vtima, sus-pender procurao por ela outorgada aoagressor e proibir temporariamente a ven-da ou locao de bens comuns (art. 24).Para garantir a efetividade do adimple-mento das medidas aplicadas, pode re-quisitar, a qualquer momento, o auxlioda fora policial (art. 22, 3). Tambm omagistrado dispe da prerrogativa de de-terminar a incluso da vtima em progra-mas assistenciais (art. 9, 1). Quandoela for servidora pblica, tem acesso prio-ritrio remoo ou, se trabalhar na ini-ciativa privada, lhe assegurada a manu-teno do vnculo empregatcio, por atseis meses, se for necessrio seu afasta-mento do local de trabalho (art. 9, 2).

    Foi criada mais uma hiptese de pri-so preventiva (o art. 42 acrescentou o inc.IV ao art. 313 do Cdigo de Processo Pe-nal), que pode ser decretada por iniciati-va do juiz, a requerimento do MinistrioPblico ou mediante representao daautoridade policial (art. 20).

    A participao do Ministrio Pblico indispensvel. Tem legitimidade paraagir como parte, intervindo nas demaisaes tanto cveis como criminais (art.25). Como intimado das medidas queforam aplicadas (art. 22 1), pode re-querer a aplicao de outras (art. 19) ousua substituio (art. 19, 3). Quando avtima manifestar interesse em desistir darepresentao, deve o promotor estar pre-sente na audincia (art. 16). Tambm lhe facultado requerer o decreto da prisopreventiva do agressor (art. 20).

    Mesmo que tenha sido atribuda aosrgos oficiais do Sistema de Justia eSegurana a instituio de um sistemanacional de dados e informaes estats-ticas sobre a violncia domstica e fami-liar contra a mulher (art. 38), o Minist-rio Pblico manter um cadastro similar(art. 26, III). As secretarias estaduais desegurana pblica devem remeter infor-maes para a base de dados do Minist-rio Pblico (art. 38, pargrafo nico). Talregistro no se confunde com os antece-dentes judiciais. Ainda que a operaciona-lizao desta providncia legal possa ge-rar mais trabalho, a medida salutar. Tra-ta-se de providncia que visa a detectar aocorrncia de reincidncia como meio degarantir a integridade da vtima. Tambm atribuio do Ministrio Pblico a de-fesa dos interesses e direitos transindivi-duais previstos na lei (art. 37).

    Certamente o maior de todos os avan-

    os foi a criao dos Juizados de Violn-cia Domstica e Familiar contra a Mu-lher (JVDFM), com competncia cvel ecriminal (art. 14). Para a plena aplicaoda lei o ideal seria que em todas as co-marcas fosse instalado um JVDFM. Ojuiz, o promotor, o defensor e os servido-res deveriam ser capacitados para atuarnessas varas, que precisariam contar comequipe de atendimento multidisciplinar,integrada por profissionais especializadosnas reas psicossocial, jurdica e de sade(art. 29), alm de curadorias e servio deassistncia judiciria (art. 34). Claro quediante da realidade brasileira no h con-dies de promover o imediato funcio-namento dos juizados com essa estruturaem todos os cantos deste pas, at porque,de modo injustificado, sequer foi impos-ta a criao ou definidos prazos para suaimplantao.

    Outra mudana substancial. O afasta-mento da violncia domstica do mbitodos Juizados Especiais (art. 41). A altera-o de competncia justifica-se. Aindaque a Constituio Federal tenha assegu-rado alguns privilgios aos delitos demenor potencial ofensivo (CF, art. 98, I),foi delegado legislao infraconstitucio-nal definir os crimes que assim devem serconsiderados. Foi o que fez a Lei n 9.099/95, elegendo como de pequeno potencialofensivo a leso corporal leve e a lesoculposa, sem, no entanto, dar nova reda-o ao Cdigo Penal (Lei n 9.099/95, art.88). Lei posterior e da mesma hierarquia,excluiu deste rol a violncia domstica.Assim, quando a vtima a mulher, e ocrime aconteceu no ambiente domstico,as leses que sofre no mais podem serconsideradas de pouca lesividade, poisfora da gide da Lei dos Juizados Espe-ciais. O agressor responde pelo delito naforma prevista na Lei Penal, ou seja, aopblica incondicionada.

    No se visualiza inconstitucionalida-de no fato de lei federal definir compe-tncias. Como foi afastada a incidnciada lei que criou os juizados especiais, adefinio da competncia deixa de ser daesfera organizacional privativa do PoderJudicirio (CF, 125, 1). De qualquerforma, indiscutvel que a violncia do-mstica est fora do mbito dos JuizadosEspeciais, e estes no podero mais apre-ciar tal matria. Enquanto no ocorrer ainstalao dos JVDFM, as demandas se-ro encaminhadas s Varas Criminais(arts. 11 e 33), mesmo que a maioria dasprovidncias a serem tomadas seja nombito do Direito de Famlia. Alis, VI

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    Maria Berenice Dias

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 2006 9

    bom lembrar que, em razo disso, somen-te o juiz togado pode apreciar tais pedi-dos. Nem pretores e muito menos conci-liadores tm competncia para atuar nes-ses procedimentos.

    Cabe atentar a que cada denncia deviolncia domstica pode gerar duas de-mandas judiciais. Tanto o expediente en-caminhado pela autoridade policial paraa adoo de medidas protetivas de urgn-cia (art. 12, III), como o inqurito poli-cial (art. 12, VII), sero enviados a juzoem momentos diferentes. Como garan-tido o direito de preferncia (art. 33, pa-rgrafo nico), indispensvel a imediatainstalao dos juizados especializadospois, nas varas criminais, certamente osdemais processos acabaro tendo sua tra-mitao comprometida, com maior pos-sibilidade da ocorrncia da prescrio.

    Deferida ou no a tutela de urgncia, ojuiz pode designar audincia de justifica-o ou de conciliao. Esta providncia,ainda que no prevista na lei, salutar, atporque os provimentos adotados envol-vem questes de Direito de Famlia. Afinalidade no induzir a vtima a desis-tir da representao e nem forar a re-conciliao do casal. uma tentativa desolver consensualmente temas como,guarda dos filhos, regulamentao das vi-sitas, definio dos alimentos. Na audin-cia, na qual estar presente o MinistrioPblico (art. 25), tanto a vtima (art. 27)como o agressor devero estar assistidospor advogado. O acordo homologadopelo juiz constitui ttulo executivo judi-cial (CPC, art. 475-N, III). A transaono significa renncia representao (art.16) e tampouco obstculo ao prossegui-mento do inqurito policial. Sem xito atentativa conciliatria, permanece hgidoo decidido em sede liminar. Em qualquerhiptese deve a vtima, se no estiver acom-panhada de procurador, ser encaminhada Defensoria Pblica que atua junto as Va-ras de Famlia. Este o juzo competentepara soluo, modo definitivo, das ques-tes objeto dessas controvrsias.

    H a possibilidade de substituio deuma medida protetiva por outras, bemcomo a concesso de novas providnciaspara garantir a segurana da ofendida, seusfamiliares e seu patrimnio. Tal pode serdeterminado de ofcio, a requerimento doMinistrio Pblico ou da ofendida (art.19, 2 e 3).

    Ocorrendo inadimplemento do acor-do, a demanda executria ser propostanas Varas de Famlia. Os recursos seroapreciados nas Cmaras Cveis ou nasCmaras Especializadas de Famlia. A de-finio de competncia ditada pela lei (art.

    14), diz respeito s providncias de ordemcriminal e no s medidas protetivas.

    Deferida ou no medida antecipat-ria, realizado ou no o acordo, nada obs-taculiza o andamento do inqurito poli-cial, o qual ser distribudo ao mesmojuzo que apreciou o procedimento cau-telar. Nos crimesde ao penal p-blica condiciona-da, pode a vtimarenunciar repre-sentao (art. 16).Trata-se de retra-tao representa-o tomada portermo pela autori-dade policialquando do regis-tro da ocorrncia(art. 12, I).

    O desejo de de-sistir pode ser co-municado pessoal e oralmente pela ofen-dida no cartrio da vara qual foi distri-budo o incidente preliminar. Certifica-da pelo escrivo a manifestao de vonta-de da vtima, tal dever ser comunicadode imediato ao juiz que designar audin-cia para ouvi-la, dando cincia ao Minis-trio Pblico. Encontrando-se o juiz nasdependncias do frum, a audincia podeser realizada de imediato. Homologada arenncia, ser comunicada a autoridadepolicial para que arquive o inqurito po-licial, em face da extino da punibilida-de. Porm, s h a possibilidade de a vti-ma renunciar representao nos delitosque o Cdigo Penal classifica como sen-do de ao pblica condicionada repre-sentao: contra a liberdade sexual (CP,art. 225) e ameaa (CP, art. 147).

    Com referncia s leses corporais le-ves a exigncia de representao no seaplica violncia domstica. Ainda queesse delito tenha sido considerado de pe-queno potencial ofensivo pela Lei dosJuizados Especiais (Lei n 9.099/95, art.88), sua incidncia foi expressamente afas-tada (art. 41). Assim, so crimes de aopblica, no havendo exigncia de repre-sentao e nem possibilidade de renn-cia ou desistncia por parte da ofendida(art. 16). Somente nas hipteses em que oCdigo Penal condiciona a ao repre-sentao possvel a renncia, mas antesdo recebimento da denncia.

    No incidindo a Lei dos Juizados Es-peciais, tambm no h que se falar emsuspenso condicional do processo (Lein 9.099/95, art. 89), composio de danosou aplicao imediata de pena no priva-tiva de liberdade (Lei n 9.099/95, art. 72).

    Alis, foi para dar nfase a esta vedaoque a lei acabou expressamente por vetara aplicao de penas de cesta bsica ou ou-tras de prestao pecuniria, bem como asubstituio de pena que implique no paga-mento isolado de multa (art. 17). Esse dis-positivo, alm de redundante, tem uma

    incorreo, poisno se pode falarem aplicao depena de cesta b-sica, seno empossibilidade deser aplicada,como pena res-tritiva de direito,o fornecimentode cesta bsica.

    Igua lmenteno d mais parao Ministrio P-blico proportransao penal

    ou aplicao imediata de pena restritivade direito ou multa (Lei n 9.099/95, art.76). Ditas restries no significa que acondenao levar sempre o agressor paraa cadeia. Mesmo que tenha havido a ma-jorao da pena do delito de leso corpo-ral de seis meses a um ano para trsmeses a trs anos (o art. 44 deu nova reda-o ao art. 129, 9 do CP) , ainda as-sim possvel a suspenso condicionalda pena (CP, art. 77).

    O ltimo dispositivo da lei dos maissalutares, ao permitir que o juiz determi-ne o comparecimento obrigatrio doagressor a programas de recuperao ereeducao (art. 45). Mas para isso ne-cessrio que tais espaos existam. Apesarde ser concorrente a competncia daUnio, dos Estados e Municpios para aestruturao desses servios, a serem pres-tados por profissionais das reas psicos-sociais (art. 35), sabido sua implementa-o ser dificultosa. Certamente maisuma vez ser chamada a sociedade a su-prir as falhas do Estado. Mister que uni-versidades, organizaes no governa-mentais, servios voluntrios se dispo-nham a concretizar deste que a mais efi-caz arma para coibir a violncia domsti-ca: gerar no agressor a conscincia de queele no o proprietrio da mulher, nopode dispor de seu corpo, comprometerimpunemente sua integridade fsica, hi-gidez psicolgica e liberdade sexual.

    Este o meio mais eficaz para mini-mizar a prtica deste velho crime. Dauma nova lei se fazia urgente.

    Maria Berenice DiasDesembargadora do Tribunal de Justia do RS

    A mais eficaz armapara coibir a violncia domstica

    gerar no agressor aconscincia de que ele no o proprietrio da mulher,

    no pode dispor de seu corpo,comprometer impunimente

    sua integridade fsica,higidez psicolgicae liberdade sexual.

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  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 200610

    O homem deve ser punido pelo queele fez ou pelo que ele ? Em resposta aesta crucial indagao, feita por Liszt noincio do sculo passado,(1) ainda encon-tramos quem se incline pela segunda al-ternativa. Os resqucios autoritrios doCdigo Penal, sob influxo do ideal nacio-nal-socialista dos anos quarenta, estopresentes em conceitos penais constru-dos a partir dos traos biolgicos do au-tor. A circunstncia judicial da persona-lidade do agente um desses conceitos de inspirao na velha biologia crimi-nal que vem recebendo um significa-do distante do contexto cientfico.

    A doutrina dominante deixa claro que,para o Cdigo Penal, a acepo da perso-nalidade deve ser compreendida em sen-tido vulgar. Assim, Roberto Lyra analisa apersonalidade do agente fora do ambienteclnico, sem pesquisa psicolgica, unica-mente perquirindo sobre a participaodo ru no crculo cvico, isto , sobre a suaconduta como pai; filho; esposo; amigo;profissional etc.(2) Anbal Bruno tambmatribui ao magistrado o dever de situar apersonalidade no ambiente fsico e scio-cultural (sic) em que vive o homem,(3) razespelas quais, como compreende GuilhermeNucci, o magistrado no precisa ser um tc-nico para avaliar a personalidade.(4)

    Deste modo, dando azo elevao dapena-base, comumente deparamo-noscom expresses judiciais que infligem aoagente sob o comando de uma falsaretrica da personalidade o porte depersonalidade desvirtuada; personalidadedistorcida; personalidade desviada; persona-lidade voltada prtica delitiva; personali-dade perigosa; personalidade anti-social;personalidade comprometida pela falta devalores ticos e morais; personalidade volta-da para o mal etc. Todas estas expresses,extradas da jurisprudncia e muito se-melhantes legislao penal do incio dosculo passado, exprimem a retrica dapersonalidade distorcida, cuja frmula-pa-dro empresta importncia a um modelode perversidade e predisposio do acu-sado para praticar ms aes.

    Hoje, impe renegar-se a legitimidadeda personalidade como circunstncia ca-paz de determinar a valorao negativa dapena-base, uma vez que o agente no a temvoluntariamente. O magistrado, com avi-gora Amilton Bueno de Carvalho, nodetm habilitao tcnica para proferir ju-zos de natureza antropolgica, psicolgica oupsiquitrica, no dispondo o processo judicialde elementos hbeis (condies mnimas) parao julgador proferir diagnsticos desta natu-

    A RETRICA DA PERSONALIDADE DISTORCIDA:A PERSONALIDADE DO AGENTE EM JULGAMENTO

    Fbio Wellington Atade Alves

    reza.(5) Em sua acepo vulgar, a persona-lidade desprovida dos elementos tcnicosque a compe, somente pode ser determi-nada para abrandar a pena-base, nunca paraaument-la. A usual retrica judicial esva-zia-se frente incapacidade terica parareconhec-la cien-tificamente.

    Ao contrriodo que entende adoutrina domi-nante, o carterno se confundecom a personalida-de; enquanto esta dinmica, aquelepossui naturezaesttica. O carter admite representaopor meio de traos comuns a um grupode pessoas, enquanto a personalidade re-cusa a sistematizao por modelos pre-concebidos. Todo indivduo possui a suapersonalidade, sendo irrealizvel deter-minar traos comuns a um grupo de pes-soas. A personalidade construda du-rante a histria individual de cada ente.(6)Sempre ser aleatria a tentativa dedetermin-la a partir de um nico fatoilcito muitas vezes vagamente cons-trudo (idealizado) a partir de meros tes-temunhos. O processo penal no permiteque a histria individual do agente sejainventariada; no mximo logra perscru-tar o fato criminoso, restando-lhe poucosmeios capazes de permitir a constituiode um perfil psicolgico do acusado.

    Outrossim, fatores congnitos tambmso determinantes na formao da perso-nalidade, no sendo proporcional que al-gum tenha a pena elevada por fora decircunstncias para as quais no contri-bura. Para Donald Woods Winnicott,psicanalista ingls e inquestionvel estu-dioso das razes da personalidade trans-gressora, j surgem na infncia as causasdos comportamentos anti-social, cujaausncia de tratamento apropriado con-verge delinqncia juvenil, permitindo-se a instalao j na fase adulta deestado de personalidade psicoptica.(7)

    Termos vagos ou valorativos no sesubmetem confrontao dialtica doprocesso, motivo pelo qual o seu empre-go esvazia a descrio do fato e, desdemodo, compromete o sistema de garan-tias penais. O juiz quase sempre atribuiao ru uma personalidade calcada emconcluses cientificamente indemonstr-veis, dando guarita suposio segundo aqual todo aquele que comete o crime de-tm uma personalidade anmala em re-

    lao personalidade de certo gruposocial. Como explica Ferrajoli, a verdadejurdica deve permitir a refutao median-te contraprovas, sendo que juzos potes-tativos do tipo Ticio perigoso ou Caio subversivo, por fugirem do processo de

    cognio, cercei-am a defesa. poristo que anotao autor hbi-tos mentais dosujeito, os julga-mentos subjeti-vos, as ideologiaspessoais e os pre-conceitos nocondizem com a

    conotao de um juiz(o) imparcial.(8)O princpio da individualizao, por-

    tanto, deve ser contemplado em consonn-cia com os demais princpios que norteiama pena, especialmente os princpios damotivao e da taxatividade. Conseqen-temente, impe-se que a personalidade doagente seja considerada apenas parabenefici-lo, caso contrrio tambm tere-mos de admitir que o homem deva ser pu-nido pelo que ele e no pelo que fez.

    Notas

    (1) A Teoria Finalista no Direito Penal. Campinas:LZN Editora, 2003, p. 39.

    (2) LYRA, Roberto. Comentrios ao Cdigo Pe-nal, v. II, 2 ed., Rio de Janeiro: Forense,1955, p. 211.

    (3) Das Penas. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976,p. 95.

    (4) A Anlise da Personalidade do Ru na Apli-cao da Pena, Boletim IBCCRIM, So Pau-lo, n 153, agosto/2005, p. 02-03.

    (5) TJRS, Ap. n 70.005.127.295, 5 Cmara Crimi-nal, des. Amilton Bueno de Carvalho. Bole-tim IBCCRIM n 129, agosto/2003. Preceden-tes no TJRS: Ap. Crim. ns 70.000.592.683 e70.000.767.269, 5 Cmara Criminal, e Acrdon 296021173, 4 Cmara Criminal do extintoTribunal de Alada RS julgados ns 100/143.

    (6) FILLOUX, Jean C. A Personalidade, 4 ed.,trad. de Eunice Katunda, So Paulo: Difel,1983, p. 13.

    (7) Cf.: GORAYER, Raul. O Observador En-gajado. Viver Mente & Crebro: Coleo Me-mria da Psicanlise, So Paulo: Duetto Edito-rial, n 5, s.d., pp. 78-83.

    (8) Direito e Razo: Teoria do Garantismo Penal,trad. de Ana Paula Zomer, Fauzi HassanChoukr, Juarez Tavares e Luiz Flvio Go-mes. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,2002, pp. 132-5.

    Fbio Wellington Atade AlvesJuiz de Direito no Rio Grande do Norte

    e mestrando na UFRN

    Conseqentemente, impe-se quea personalidade do agente seja

    considerada apenas parabenefici-lo, caso contrrio

    tambm teremos de admitir que ohomem deva ser punido pelo que

    ele e no pelo que fez.

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    ellington Atade Alves

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 2006 11

    Culpa, reprovao, arrependimento,perdo, confisso. Os termos parecemextrados de uma pregao religiosa, po-rm aqui so trazidos em colorido algodiverso. Palavras basilares no vocabu-lrio jurdico-penal, encontram-se naverdade todas elas insculpidas no textodo vigente Cdigo Penal brasileiro e soherana do vnculo secular que liga cri-me religio.

    A mais antiga idia que se tem de re-presso a comportamentos prejudiciaisao convvio em um determinado gruporemonta s organizaes sociais primi-tivas, nas quais o crime era antes de tudouma ofensa aos deuses. Sobre tal alicer-ce, ento, foi evoluindo a noo de deli-to at galgar os primeiros passos na for-mao da Cincia Criminal, em fins dosculo XVIII.

    No decorrer da histria, as prticaspenais institucionalizadas tm-se mostra-do forte manifestao da fora poltica dopoder governante, desde pocas remotas.Prova disso o conceito de vingana co-letiva, com o uso da pena para subjugar opovo adversrio; ou os crimes de lesa-majestade, to comuns nos tempos dodomnio portugus sobre o Brasil-col-nia; ainda, num exemplo mais prximo,o chamado Direito Penal simblico, depenas extravagantes e institutos penais torepressivos quanto ineficazes, passando afalsa impresso de segurana coletivi-dade; e por fim, o recentemente desen-volvido Direito Penal do inimigo, a pre-gar um tratamento diferenciado quelesque se apresentarem como uma sriaameaa vida em sociedade.

    No sem motivo, pois, que todo oDireito Penal se encontra permeado determos que remetem de alguma maneiraao Direito Cannico: o momento hist-rico em que se assentaram as bases do es-tudo do crime enquanto cincia, muitoembora coincida com o alvorecer do Ilu-minismo, era ainda um tempo em que aIgreja (Catlica) detinha boa parte dopoder poltico.

    No campo jurdico-intelectual, apoca era de consolidao e domnioda chamada Escola Clssica, que via nodireito uma essncia transcendente, deorigem divina, de modo que seus pos-tulados derivariam da revelao daqui-lo que deveria reger o mundo dos ho-mens. Confundiam-se, no mais das ve-zes, moral e direito, e, nesse contextode influncia religiosa, conceberam-sediversos dos institutos penais basilaresainda hoje em voga, como forma de ex-

    INSTITUTOS PENAIS DE BASE CATLICASOB A TICA DE UM DIREITO PENAL DO FATO

    Tamar Oliva

    presso da fora dominante, em repres-so a comportamentos tidos por perni-ciosos sociedade.

    E no s em sua origem os institutospenais ostentam carter religioso. No es-tudo da pena, por exemplo, as idias decastigo e emenda so recorrentes, comoprova a doutrina correcionalista espanho-la, que j no incio do sculo XX procu-rava analisar a sano criminal como for-ma de recuperao do condenado, comoum bem a que o sujeito que errara deveriaser submetidopara que a expia-o o corrigisse.

    Conseqnciadireta do fortevnculo entre re-ligio e DireitoPenal o fato deque tanto a ela-borao como ainterpretao dasleis criminaismostraram-se eainda se mostram porm, hojecom menor fre-qncia quase sempre voltadas ao sub-jetivismo do agente, valorao da suainteno ao executar determinada condu-ta recriminada, muito mais do que aosdanos que concretamente a sua atuaotenha ocasionado comunidade.

    Na legislao penal brasileira, especi-ficamente, nota-se sobremaneira a valo-rao negativa da vontade do agente emdetrimento da maior importncia que sedeveria reputar s conseqncias do seucomportamento.

    A punio por tentativa branca; o so-pesamento do motivo que impulsionouo crime, ora como agravante ou qualifi-cadora, ora como atenuante ou causa deprivilgio, porm, sempre como circuns-tncia judicial na aplicao da pena; adiversidade de tratamento (por vezes,deveras considervel) entre as hiptesesde tentativa e as de desistncia volunt-ria, so alguns dos inmeros exemplosque apontam para o valor que o legisla-dor ptrio conferiu ao ntimo querer doexecutor de um crime.

    possvel atribuir um tal direciona-mento, de um lado, idia de (nova?)defesa social que parece haver permeadoa construo das leis criminais da dcadade 40 Cdigo Penal, Cdigo de Pro-cesso Penal e Lei das Contravenes Pe-nais bem como da Lei n 6.416, de 1977,baseada no conceito de periculosidade. A

    orientao era de que a sociedade somenterestaria devidamente protegida se o sistemapenal levasse em conta comportamentos(inclusive pr-delitivos) que indicassemforte propenso do seu autor ao crime.

    Todavia, tendo a reforma de 1984 pro-curado extirpar a idia de periculosidadedo Cdigo Penal, mais seguro mesmocompreender o liame que at inconscien-temente relaciona noes fundamentais deDireito Penal religio, como justificati-va do fenmeno que ora se denuncia.

    O fato que,objetivamente, oaplicador do Di-reito no Brasil sedepara com leiscriminais de fortetendncia subjeti-vista e deve sabercomo trabalh-laspara evitar que, emtempos de valori-zao da dignida-de humana comolimite atividaderepressora do Es-tado, se resvale ao

    campo da arbitrariedade, refreando-se aconduo de vida de um sujeito e suasconvices pessoais antes que os preju-zos advindos do seu agir.

    mister, pois, rever essa tendncia aum posicionamento de Direito Penal deautor para que, entendendo-se as leis pe-nais como ultima ratio, estas se ocupemmuito mais dos danos que determinadaconduta concretamente provoque doque da valorao da vontade do agente.O que aqui se prope , em outras pala-vras, um novo olhar sobre as leis crimi-nais vigentes, numa anlise prpria deum Direito Penal do fato.

    J no se pode admitir que o julgamen-to num processo penal se baseie nos mes-mos critrios de que se vale um pastorreligioso para avaliar o comportamentodos que lhe vm expor os pecados. Daque deve ser revista a ponderao quemerecem institutos como a confisso, oarrependimento (posterior ou eficaz) e,principalmente, os antecedentes, a con-duta social e a personalidade do agentebem como os motivos do crime, para quesomente influam no clculo da pena, paramais ou para menos, se houverem efetivae objetivamente alterado as circunstn-cias e conseqncias do delito.

    Tamar OlivaProcuradora do Estado de So PauloIN

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    mister, pois, rever essatendncia a um posicionamento de

    Direito Penal de autor para que,entendendo-se as leis penaiscomo ultima ratio, estas se

    ocupem muito mais dos danosque determinada condutaconcretamente provoquedo que da valorao da

    vontade do agente.

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 200612

    A Resoluo n 13 do Conselho Na-cional do Ministrio Pblico, aprovadapor maioria no ltimo dia 2 de outubro,reacende discusso sobre os chamadospoderes investigatrios do MinistrioPblico. A pressa em tentar disciplinaro que ainda objeto de anlise da Supre-ma Corte,(2) a cuja deciso final os juris-dicionados se curvaro, antecipou algu-mas cogitaes.

    1. Afinal, a Constituio que se1. interpreta em face da Resoluo?

    Em tempos recentes, parece crescer aestranheza com a idia de que a reservajurisdicional do mnimo essencial aosdireitos fundamentais inseparvel doEstado Democrtico de Direito. Assim,tenta-se esquecer da lio segundo a qualo polissmico interesse pblico no seope s garantias fundamentais do in-vestigado. Na contramo da evoluohistrica e fundamentada dos direitosfundamentais no mundo ocidental, e dediversos documentos que a solidificam(v.g.: Pacto de Direitos Civis de 1966;Pacto de San Jos da Costa Rica, Consti-tuio Federal do Brasil), pretende-seestabelecer fictcia oposio entre valo-res fundamentais consagrados no Direi-to positivo.

    Tudo como se o interesse pblicofosse capaz de afastar garantias dos juris-dicionados, especificamente os sujeitos smazelas do processo penal, como, porexemplo: acesso a contedo das investi-gaes; possibilidade de deduo de de-fesa to logo se formalize a imputao;faculdade de intervir nos termos do pro-cesso com vistas a se atingir a verdade fac-tual e, ainda, conhecimento dos autos para,se por mais no fosse, formular aes deimpugnao. Tudo isso, argumenta-se deuma ou outra maneira, pareceria no es-tar protegido por noo ampla como ocarter pblico do interesse.

    Exemplo desse pensamento critic-vel o da Resoluo n 13, aprovadapelo CNMP em 2 de outubro ltimo.Ali, ao mesmo tempo em que se separaa elucidao do fato do interesse p-blico (art. 14, caput), como se a primei-ra no fosse inata ao segundo; ora se dizque o respeito garantia constitucional(art. 5, inciso LX) da publicidade cin-ge-se expedio de certido (art. 13,I), ora que basta a cpia autenticada dedepoimento que tenha prestado e dos atosde que tenha, pessoalmente, participado(art. 14, caput). Ou seja: a garantia seflexibiliza sob critrio do membro do

    PROCEDIMENTO INVESTIGATRIO CRIMINAL,ESSE OUTRO DESCONHECIDO (1)

    Renato Stanziola Vieira

    Parquet que presida o tal instrumentode natureza administrativa e inquisito-rial (art. 1, caput) a ponto de se negarao investigado ou vtima o acesso aoque se disse dele ou dela.

    Mas de distino entre publicidade in-terna, aos sujeitos do processo, e de pu-blicizao das provas produzidas no talprocedimento no se tratar agora (atporque o interesse pblico nem sempre sinnimo do interesse do pblico: o pri-meiro, indisponvel, decorre da naturezado procedimento e pressupe tratamentoparitrio aos sujeitos processuais; o se-gundo obedece a critrios exgenos aofeito, no sentido de publicizar o debateda causa, ex vi do artigo 5, LX, Consti-tuio Federal).

    Sob outro ponto de vista, parece ques-tionvel se garantir acesso incondicionala qualquer banco de dados de carter pbli-co ou relativo a servio de relevncia pbli-ca (art. 6, IX) ao rgo do MinistrioPblico, mesmo porque j existe adequa-da previso constitucional a respeito (art.5, XXXIII). No parece razovel, tam-bm, prever-se inoponibilidade de sigi-lo de informaes ao Ministrio Pbli-co (art. 6, 1).

    Ora: hermenutica constitucional re-comenda que no se interprete a mesmadisposio (art. 5, inciso XXXIII) numsentido ex parte cidado e noutro, maislato, ex parte Ministrio Pblico. Certo, aConstituio no se interpreta em tiras;certo tambm, o direito fundamental deacesso aos dados de endereamento in-distinto, sem distines que no as sus-tentveis luz do disposto no Texto Fun-damental (art. 5, caput, CF).

    Esses poucos aspectos materiais dasobredita Resoluo levantariam j aquesto de sua constitucionalidade (art.60, 4, Constituio Federal), mas bom aduzir que o procedimento parecetrazer em si o risco de arbitrrio autis-mo. Isso porque se prev, no artigo 12,que o membro do Ministrio Pblicoresponsvel por sua conduo poderprorrogar, sucessivamente, o prazo dadurao do procedimento mediante de-ciso fundamentada.

    Noutro aspecto, enquanto o Cdigo deProcesso Penal limitava a funo do r-go custos legis ao requerimento do arqui-vamento (artigo 28, CPP) at porque adeciso de arquivamento termina a per-secuo penal e como tal no prescindede apreciao jurisdicional , agora sedetermina que o membro do MinistrioPblico promover o arquivamento dos

    autos ou das peas de fundamentao, fazen-do-o fundamentadamente (art. 15). A de-ciso no mais o requerimento, apre-senta-se, agora, no s ao juiz de Direito,mas tambm como alternativa aorgo superior do Ministrio Pblico. bom lembrar, no particular: de proce-dimento investigatrio criminal que setrata, e no de inqurito civil preparat-rio para eventual ao civil pblica, noqual se permite fiscalizao domstica dasrazes de arquivamento (art. 9, Lei Fe-deral n 7.347/85).

    Pelo visto, afasta-se da fiscalizao ju-dicial da primeira fase da persecuo pe-nal, algo com que no se deve concordar,at porque tal fiscalizao idia consa-grada no mbito do procedimento prvios demandas penais, estejam formaliza-das em inquritos policiais ou nos taisprocedimentos criminais diversos que aflo-ram pelas sees judicirias das JustiasFederais do Brasil (rtulo de contedomultiforme, que ainda no se cuidou deconceituar). No se deveria cogitar deincio da persecuo penal ou, nos ter-mos da Resoluo, procedimento prepa-ratrio para o juzo de propositura, ou no,da respectiva ao penal (art. 1, caput,)sem anlise de legalidade feita por juiz deDireito. Isso, luz da vislumbrada segu-rana jurdica, ou daquela outra, dos ju-risdicionados.

    E estranho que, quando a cincia doDireito Constitucional se preocupa coma legitimidade democrtica da prpriaatuao jurisdicional para fiscalizar a li-mitao do exerccio de direitos funda-mentais, tente-se imaginar modelo para-lelo ao inqurito policial sem a apa-rente pretenso de lhe substituir semfiscalizao do juiz (art. 5, XXXV, Cons-tituio Federal).

    A emenda fica pior que o soneto: daatribuio funcional de exercer o con-trole externo da atividade policial (art. 129,VII, CF), tenta-se tomar para si a ativida-de de polcia investigativa, sem a contra-partida da fiscalizao judicial, apangiodo Estado Democrtico de Direito. E,claro, assim no se controla a atividadepolicial.

    A figura do promotor-delegado ficantida ao se imaginar que aquele que pro-move a ao penal de iniciativa pblica(art. 2, I) quem agora instaura o proce-dimento de investigao (atribuio queo Cdigo de Processo Penal diz ser dodelegado de Polcia artigos 4 e seguin-tes , estendida agora ao promotor: arts.2, II; e 3, da Resoluo). Por ser assim,PR

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    ORenato Stanziola Vieira

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 2006 13

    ao tempo em que se nega a distino on-tolgica entre investigar e acusar, resvala-se no risco de inaplicabilidade do art. 144, 4, da Constituio Federal, ao tratar dafuno da Polcia Judiciria.(3)

    No bastasse isso, a requisio de da-dos cadastrais (art. 6, inciso III) provocao Judicirio a, com firmeza, manifestar-se acerca da clusula de reserva de juris-dio,(4) ainda que j tenha havido mani-festaes espordicas da Suprema Cortesobre o tema.(5) Curioso que a discus-so encaminha para a constatao da in-declinabilidade da jurisdio como ni-co meio de se alcanar adequada ponde-rao entre as seguranas jurdica e in-dividual. No custa lembrar: jurisdioque indelegvel.

    Assim vistas as coisas, em primeiraanlise, melhor seria que o artigo 17 daResoluo fosse coerente com as nor-mas jurdicas contidas em cada um deseus enunciados e submetesse Reso-luo a observncia dos direitos e ga-rantias individuais consagrados na Cons-tituio da Repblica Federativa do Bra-sil. Afinal, assim vistos estes aspectos,no se pode prometer observncia sprevises constitucionais.

    Reconhea-se que palpvel a inver-so: ao invs de a proteo constitucionalpautar a proteo e a limitao do exerc-cio dos direitos fundamentais, est-sediante do oposto. Do texto se percebe,num lado, tentao autoritria sob o pon-to de vista do Direito Processual Penal eConstitucional e, por outro, certo descui-do: depois de quase 20 anos, faz-se de con-ta que 1988 foi um ano que no existiu.

    2. Da matria formaComo se antev pelo respeito ar-

    gumentao pblica que vir em torno

    do tema, e na presuno de constitu-cionalidade das leis(6) sob o aspectomaterial,(7) constata-se que o campo le-gislativo para a disciplina em comento o da lei formal federal (art. 22, incisosI e XVII, CF), ressalvada a delegaoda Unio para a legislao estadual, o queno ocorreu.

    Por mais que se tente, o campo norma-tivo abrangido pela citada Resoluo no o do procedimento em matria processual,a rigor do artigo 24, inciso XI, sempre daConstituio Federal.(8)

    E, ainda que fosse, s para argumen-tar: formalmente ainda se estaria no cam-po da reserva de lei em sentido formal,como noticiam manuais de Direito Cons-titucional em ateno s citadas normasde competncia legislativa (art. 22, inci-sos I e XVII). Com sobras de razo e cau-tela, a matria, afeta ao Ministrio Pbli-co, nem poderia ser objeto de medidaprovisria (art. 62, 1, c, ConstituioFederal), nem muito menos disciplinadapor rgo que a prpria Resoluo, porlapso, tomou por rgo da Administra-o Pblica, como ressai do artigo 1,pargrafo nico, ao tratar de eventuaisoutros rgos que ostentem essa natu-reza jurdica.

    O Direito Constitucional, na forma ena matria, anima o Direito ProcessualPenal. Ainda que se resguarde cada cam-po especfico de previses dentro do sis-tema jurdico, o fato que do PoderConstituinte veio balizamento definiti-vo para a elaborao de atos normativosa regrar a conduta humana. Particular-mente: a garantia e a delimitao do exer-ccio dos direitos fundamentais, pontocapital do Direito Constitucional, deli-neador de fundamental interesse pbli-co e jurdico.

    3. ConclusoEstampa-se a crena de que a Consti-

    tuio a medida e o limite do exercciodos direitos fundamentais, e a ela se cur-vam os atos normativos, ainda que sob aroupagem de Resoluo. O inverso nose admite, pois as leis se interpretam emfuno da Constituio. Que venha a sen-tena, a ser proferida pela JurisdioConstitucional brasileira.

    Notas

    (1) Lembrana de Aliomar Baleeiro e seu O Su-premo Tribunal Federal, esse Outro Desconheci-do, Forense, 1968. Na obra, o ento ministrodo Supremo Tribunal Federal tratou da evo-luo histrica da Suprema Corte, agora, pro-voca reflexo sobre o problema posto e suadimenso constitucional.

    (2) Inqurito 1968, rel. min. Marco Aurlio.(3) O que nem se sustenta, haja vista o quanto

    caminhou a teoria constitucional. Por todos,no Brasil: SILVA, Jos Afonso da. Aplicabili-dade das Normas Constitucionais, 3 ed., Ma-lheiros, 2002, p. 262.

    (4) No conceito: Paulo Castro Rangel, Reservade Jurisdio Sentido Dogmtico e Sentido Ju-risprudencial, Universidade Catlica Editora:Porto, 1997.

    (5) MS n 21.729-4; MS n 23.851; RE n 215.301.;MS n 23.652/DF; MS n 23.452/RJ.

    (6) SILVA, Virglio Afonso da. InterpretaoConforme a Constituio: entre a trivialidadee a centralizao judicial, Revista Direito FGV,v. 2, n 1, jan/jun 2006, pp. 191/210.

    (7) CLVE, Clmerson Merlin. A FiscalizaoAbstrata da Constitucionalidade no Direito Bra-sileiro,2 ed., Revista dos Tribunais, 2000, pp.189/96. Ver: FERNANDES, Antonio Scaran-ce. Teoria Geral do Procedimento e O Procedi-mento no Processo Penal, Revista dos Tribu-nais, 2005, pp. 23/35.

    Renato Stanziola VieiraAdvogado e mestre em

    Direito Constitucional pela PUC/SP

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  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 14 - N 168 - NOVEMBRO - 200614

    inegvel a relevncia das entidadesde previdncia complementar na atualconjuntura da sociedade brasileira, so-bretudo aps a Emenda Constitucionaln 41/2003, que levou a cabo a reforma naprevidncia dos servidores pblicos.

    Elas so responsveis pela captao eadministrao dos recursos de seus as-sociados para que estes, no futuro, ve-nham a receber benefcios previdenci-rios complementares queles a que jtm direito em virtude do regime jur-dico a que esto submetidos, seja eleceletista ou estatutrio.

    Nos termos da Lei Complementar n109/2001, as entidades de previdnciacomplementar podem ser abertas ou fe-chadas. As primeiras so sociedades an-nimas, e seus benefcios podem ser des-frutados por qualquer pessoa que venhaa aderir aos planos disponibilizados.(1) Jas ltimas so acessveis apenas a um de-terminado grupo de empregados ou ser-vidores, relacionados aos patrocinadores(empresas, grupos empresariais ou entesda Federao) ou instituidores (pessoasjurdicas de carter profissional, classis-ta ou setorial). Por essa razo, referidodiploma legal determina que as entida-des fechadas devem se organizar apenassob a forma de fundao ou sociedadesimples, sem fins lucrativos.(2)

    Independentemente da forma de or-ganizao da entidade de previdnciacomplementar, certo que os trabalha-dores do pas depositam nelas no ape-nas suas economias, almejando obteruma renda complementar no futuro, mastambm sua confiana, acreditando nalisura da gesto dos valores. Assim, im-perioso que a gesto dos recursos capta-dos seja efetuada da forma mais escor-reita possvel, atentando-se principal-mente para a transparncia, para no frus-trar as expectativas dos contribuintes ebeneficirios.

    Todavia, h que se considerar a hip-tese dessa expectativa ser quebrada, demaneira a deixar desamparados traba-lhadores que pouparam seus ganhoscom vistas a garantir o futuro. Nessecaso, o impacto socioeconmico ta-manho que no pode ser desprezado peloDireito Penal.

    No que tange s entidades abertas, asoluo emerge com facilidade. Quandouma conduta perpetrada por um admi-nistrador de uma dessas entidades atin-gir o bem jurdico Sistema Financeiro,

    ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDNCIA COMPLEMENTARE A LEI DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO(LEI N 7.492/86)

    Fernanda Regina Vilares

    poder ser punida com o devido enqua-dramento nos tipos previstos na Lei n7.492/86, aplicveis s instituies finan-ceiras. Isso porque a entidade aberta deprevidncia complementar encaixa-sesem dificuldade no conceito utilizadopela Lei n 4.595/64, que exige que asinstituies financeiras sejam constitu-das sob a forma de sociedades anni-mas.(3) Destarte, se os recursos so ad-ministrados de forma escusa, se so uti-lizadas manobras ilcitas na conduodos negcios, sero cominadas as penasprevistas no artigo 4 da Lei n 7.492/86,que pune a gesto fraudulenta das insti-tuies em tela.

    Em face disso, surge a questo: essescrimes contra o Sistema Financeiro tam-bm podem incidir no que concerne sentidades fechadas de previdncia com-plementar?

    A indagao complexa. No h d-vidas de que condutas ilcitas e mano-bras ardilosas dos administradores dasentidades fechadas podem lesar os in-vestidores e atingir o sistema financeirode forma to ou mais grave do que aque-las praticadas no mbito das entidadesabertas. Todavia, um obstculo se im-pe: as entidades fechadas so socieda-des sim