Books do furnish a room

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OS LIVROS OCUPAM O QUARTO: LAWRENCE WEINER SOBRE LIVROS DE ARTISTA Minha razão para me dedicar aos livros, a razão essencial para qualquer pessoa se dedicar a fazer livros, é o conteúdo em busca de contexto. A única coisa que diferencia os artistas de outras pessoas não é a sua visão interior, não é a sua poética, nem o seu pathos inato; é que os artistas são essencialmente desempregados. Eles devem ser. E uma das definições de artista é uma pessoa que faz algo de útil para a sociedade, que tem algo a apresentar para a sociedade, mas que deve a todo custo permanecer desempregado. A leitura é uma atividade de lazer nos Estados Unidos. Quem cresceu em Nova York percebe que é uma atividade de lazer que pode ser feita apenas por pessoas que são bem sucedidas o suficiente para ter tempo ocioso ou pessoas que estão desempregadas. Seu público não é, certamente, as pessoas que estão preenchendo formulários, que têm pessoas para ver e coisas para fazer, e lugares para estar; seu público é o cara que faz o seu trabalho, tem tempo para sentar e ler e está disposto a olhar o que outra pessoa tem a dizer, ou aquela pessoa que por acaso tem um monte de tempo livre. Eu tive oportunidades de expor na década de 1960, felizmente, e as universidades financiavam coisas, e a única razão para fazer alguma coisa é que ela é "política". Mas eu não entendo o que a palavra "política" quer dizer. Se você é um artista, esperamos que você faça alguma coisa porque aquilo não existia antes. Não havia lugar. Você não está feliz com a maneira como vê o mundo. Você, como artista, como ser humano, como ativista, acorda e descobre que, talvez, você tem algo a dizer que pode trazer mudanças. Isso não o torna "subversivo". Ter uma categoria especial de livros que são chamados de "Livro de artista político, livro de artista feminista, livro de artista com pensamentos decentes" não faz qualquer sentido no contexto dos livros de artista. Se é o conteúdo em busca de contexto, com um livro você tem a possibilidade de construir um palco, uma plataforma que a seus olhos contém dignidade suficiente para defender o conteúdo do seu livro. Se o conteúdo do seu livro é a exclusão de certas culturas que ajudaram a construir os Estados Unidos ou ajudaram a construir o mundo como nós o conhecemos, então a dignidade do conteúdo é transmitida pelo livro que você fez. Se você é um artista profissional, você tem algum conhecimento básico de como apresentar as coisas - a teatralidade. Os livros são apenas uma performance teatral que podemos levar ao banheiro. Não há nenhum lugar em particular em que você não pode ler um livro. Isso é o que me atraiu quando comecei a tentar fazer livros. O primeiro livro que eu fiz era chamado Statements (quero dizer, o primeiro livro a ocupar algum lugar). Era do tipo “o que você vê é o que você tem”. Uma declaração é o que você tem no final da linha; se você pagou uma conta em qualquer lugar, você tem uma declaração. O livro foi mal encadernado, de modo que agora, se alguém quiser olhar para ele, realmente tem que destruí-lo, o que é até engraçado. Além de mal encadernado, foi muito mal impresso. Mas ficou por aí, circulou. Outros artistas têm feito livros. Então o contexto se desenvolveu, tornou-se algo que deve ser subsidiado para permanecer sob controle. Nos Estados Unidos, os livros são muito baratos. Qualquer um que queira fazer um livro deve ser aconselhado a gastar seu tempo para descobrir o que tem a dizer, como quer apresentá-lo e não se preocupar em preencher um pedido de apoio. Todo o propósito de subsidiar livros, toda a razão de existir desta indústria enorme que temos agora nos Estados Unidos, chamada "Como é Maravilhoso o Livro de Artista" é que com o tempo que você leva para terminar de preencher o formulário, quando alguém que ganha a vida para ler o formulário receber o seu formulário, o conteúdo que você estava tentando colocar na rua já perdeu qualquer significado que poderia ter. É um intervalo de tempo embutido. O livro de artista era um meio de permitir aos artistas mostrar naquele momento o que eles tinham a dizer em relação ao contexto da arte, em relação à brutalidade da nossa sociedade, ou em relação à ecologia da nossa sociedade. Mas o que surgiu nos últimos 15 anos é essa infinidade de porcaria, de contextos publicitários desesperadamente à procura de conteúdo. Mudou a coisa toda em torno dos livros de artista. Tirou um dos grandes prazeres do artista, que é ser capaz de dizer: “ok, o que tenho a dizer pode não ser popular, pode estar errado e pode ser inútil, mas com uma quantidade mínima de intromissão na sociedade, vou fazer algo bem acabado, com o auxílio de impressores e profissionais que sabem como comprar livros, e entregar para o mundo um pacote cheio de esperança, como qualquer criança nesta audiência que cresceu em qualquer lugar do mundo onde seus pais não eram ávidos leitores ou não conseguiam ler nada, encontrou um livro um dia, leu-o, e se mandou. Ele muda uma vida e é disso que se trata um livro. E o que constitui um livro de artista realmente não importa. Para usar a frase de Joe McCarthy de novo, “se anda como um pato e fala como um pato, é um pato”. Se você pode pegá-lo, e se você pode lê-lo, não importa se é em papel jornal, não importa se tem cantos arredondaos, ou qualquer outra coisa. Eu gostaria de ver o ressurgimento de uma necessidade de livros de artista. Talvez tenhamos sobrevivido à necessidade do que um livro de artista é. Agora temos apenas livros publicados por artistas, ou sobre artistas, ou para artistas, e o único propósito deles é manter esta indústria de livros de artista. Eu fico feliz em saber que alguém pode entrar na [livraria] Printed Matter e comprar um livro meu. Estou muito feliz porque a Franklin Furnace reuniu um acervo incrivelmente belo de livros. Eu acredito na história das conquistas dos seres humanos. E os livros fazem parte da história das realizações dos seres humanos. Mas, ao mesmo tempo, eu olho para eles do ponto de vista de um artista: um artista não está preocupado com a história, um artista está ocupado em lidar com a sociedade em um determinado momento e descobrir uma maneira de apresentar as coisas sem a necessidade de se impor. Um livro é algo que podemos publicar a qualquer momento. Precisa apenas comer feijão e ovos por uns dois meses para pagar o seu próprio livro. Isso é tudo que tenho a dizer. Books do furnish a room: Lawrence Weiner on artists’ books, traduzido por Amir Brito Cadôr em março de 2014.

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texto de Lawrence Weiner sobre livros de artista

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OS LIVROS OCUPAM O QUARTO: LAWRENCE WEINER SOBRE LIVROS DE ARTISTA Minha razão para me dedicar aos livros, a razão essencial

para qualquer pessoa se dedicar a fazer livros, é o conteúdo em busca de contexto. A única coisa que diferencia os artistas de outras pessoas não é a sua visão interior, não é a sua poética, nem o seu pathos inato; é que os artistas são essencialmente desempregados. Eles devem ser. E uma das definições de artista é uma pessoa que faz algo de útil para a sociedade, que tem algo a apresentar para a sociedade, mas que deve a todo custo permanecer desempregado.

A leitura é uma atividade de lazer nos Estados Unidos. Quem cresceu em Nova York percebe que é uma atividade de lazer que pode ser feita apenas por pessoas que são bem sucedidas o suficiente para ter tempo ocioso ou pessoas que estão desempregadas. Seu público não é, certamente, as pessoas que estão preenchendo formulários, que têm pessoas para ver e coisas para fazer, e lugares para estar; seu público é o cara que faz o seu trabalho, tem tempo para sentar e ler e está disposto a olhar o que outra pessoa tem a dizer, ou aquela pessoa que por acaso tem um monte de tempo livre.

Eu tive oportunidades de expor na década de 1960, felizmente, e as universidades financiavam coisas, e a única razão para fazer alguma coisa é que ela é "política". Mas eu não entendo o que a palavra "política" quer dizer. Se você é um artista, esperamos que você faça alguma coisa porque aquilo não existia antes. Não havia lugar. Você não está feliz com a maneira como vê o mundo. Você, como artista, como ser humano, como ativista, acorda e descobre que, talvez, você tem algo a dizer que pode trazer mudanças. Isso não o torna "subversivo". Ter uma categoria especial de livros que são chamados de "Livro de artista político, livro de artista feminista, livro de artista com pensamentos decentes" não faz qualquer sentido no contexto dos livros de artista.

Se é o conteúdo em busca de contexto, com um livro você tem a possibilidade de construir um palco, uma plataforma que a seus olhos contém dignidade suficiente para defender o conteúdo do seu livro. Se o conteúdo do seu livro é a exclusão de certas culturas que ajudaram a construir os Estados Unidos ou ajudaram a construir o mundo como nós o conhecemos, então a dignidade do conteúdo é transmitida pelo livro que você fez. Se você é um artista profissional, você tem algum conhecimento básico de como apresentar as coisas - a teatralidade. Os livros são apenas uma performance teatral que podemos levar ao banheiro. Não há nenhum lugar em particular em que você não pode ler um livro. Isso é o que me atraiu quando comecei a tentar fazer livros.

O primeiro livro que eu fiz era chamado Statements (quero dizer, o primeiro livro a ocupar algum lugar). Era do tipo “o que você vê é o que você tem”. Uma declaração é o que você tem no final da linha; se você pagou uma conta em qualquer lugar, você tem uma declaração. O livro foi mal encadernado, de modo que agora, se alguém quiser olhar para ele, realmente tem que destruí-lo, o que é até engraçado. Além de mal encadernado, foi muito mal impresso. Mas ficou por aí, circulou. Outros artistas têm feito livros. Então o contexto se desenvolveu, tornou-se algo que deve ser subsidiado para permanecer sob controle.

Nos Estados Unidos, os livros são muito baratos. Qualquer um que queira fazer um livro deve ser aconselhado a gastar seu tempo para descobrir o que tem a dizer, como quer apresentá-lo e não se preocupar em preencher um pedido de apoio. Todo o propósito de subsidiar livros, toda a razão de existir desta indústria enorme que temos agora nos Estados Unidos, chamada "Como é Maravilhoso o Livro de Artista" é que com o tempo que você leva para terminar de preencher o formulário, quando alguém que ganha a vida para ler o formulário receber o seu formulário, o conteúdo que você estava tentando colocar na rua já perdeu qualquer significado que poderia ter. É um intervalo de tempo embutido.

O livro de artista era um meio de permitir aos artistas mostrar naquele momento o que eles tinham a dizer em relação ao contexto da arte, em relação à brutalidade da nossa sociedade, ou em relação à ecologia da nossa sociedade. Mas o que surgiu nos últimos 15 anos é essa infinidade de porcaria, de contextos publicitários desesperadamente à procura de conteúdo. Mudou a coisa toda em torno dos livros de artista. Tirou um dos grandes prazeres do artista, que é ser capaz de dizer: “ok, o que tenho a dizer pode não ser popular, pode estar errado e pode ser inútil, mas com uma quantidade mínima de intromissão na sociedade, vou fazer algo bem acabado, com o auxílio de impressores e profissionais que sabem como comprar livros, e entregar para o mundo um pacote cheio de esperança, como qualquer criança nesta audiência que cresceu em qualquer lugar do mundo onde seus pais não eram ávidos leitores ou não conseguiam ler nada, encontrou um livro um dia, leu-o, e se mandou. Ele muda uma vida e é disso que se trata um livro.

E o que constitui um livro de artista realmente não importa. Para usar a frase de Joe McCarthy de novo, “se anda como um pato e fala como um pato, é um pato”. Se você pode pegá-lo, e se você pode lê-lo, não importa se é em papel jornal, não importa se tem cantos arredondaos, ou qualquer outra coisa. Eu gostaria de ver o ressurgimento de uma necessidade de livros de artista. Talvez tenhamos sobrevivido à necessidade do que um livro de artista é. Agora temos apenas livros publicados por artistas, ou sobre artistas, ou para artistas, e o único propósito deles é manter esta indústria de livros de artista.

Eu fico feliz em saber que alguém pode entrar na [livraria] Printed Matter e comprar um livro meu. Estou muito feliz porque a Franklin Furnace reuniu um acervo incrivelmente belo de livros. Eu acredito na história das conquistas dos seres humanos. E os livros fazem parte da história das realizações dos seres humanos. Mas, ao mesmo tempo, eu olho para eles do ponto de vista de um artista: um artista não está preocupado com a história, um artista está ocupado em lidar com a sociedade em um determinado momento e descobrir uma maneira de apresentar as coisas sem a necessidade de se impor. Um livro é algo que podemos publicar a qualquer momento. Precisa apenas comer feijão e ovos por uns dois meses para pagar o seu próprio livro. Isso é tudo que tenho a dizer. Books do furnish a room: Lawrence Weiner on artists’ books, traduzido por Amir Brito Cadôr em março de 2014.