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2 A BORDAGEM DE CICLO DE VIDA NA AVALIAÇÃO DE EDIFÍCIOS 2.1 I NTRODUÇÃO Estudos e métodos para avaliação ambiental de edifícios têm sido especialmente derivados dos procedimentos de avaliação dos impactos ambientais de processos ou produtos industrializados. A metodologia aceita internacionalmente para esta finalidade é a Análise do Ciclo de Vida (LCA 1 ), originalmente definida pela SETAC 2 (1991) como sendo um processo para avaliar as implicações ambientais de um produto, processo ou atividade, através da identificação e quantificação dos usos de energia e matéria e das emissões ambientais; avaliar o impacto ambiental desses usos de energia e matéria e das emissões; e identificar e avaliar oportunidades de realizar melhorias ambientais. A avaliação inclui todo o ciclo de vida do produto, processo ou atividade, abrangendo a extração e o processamento de matérias-primas; manufatura, transporte e distribuição; uso, reuso, manutenção; reciclagem e disposição final (sic)”. Esta definição foi posteriormente consolidada na série de normas ISO 14.000 3 , que teve a primeira versão draft lançada em 1996. Em outras palavras, LCA é o procedimento de analisar formalmente a complexa interação de um sistema – que pode ser um material, um componente ou um conjunto de componentes – com o ambiente ao longo de todo o seu ciclo de vida, caracterizando o que tornou-se conhecido como enfoque do “berço ao túmulo” (cradle-to-grave ). A LCA parte da premissa de que todos os estágios da vida de um produto geram impacto ambiental e devem ser analisados (SETAC, 1991). Fica claro, portanto, que, de acordo com sua profundidade e abrangência, a quantificação de todos os impactos envolvidos em um sistema pode facilmente tornar-se complexa, cara e muito extensa, o que vem se mostrando como a principal limitação do emprego dessa metodologia em sua forma mais pura (BAUMANN;RYDBERG, 1994; BEETSTRA, 1996; JAQUES, 1998). 1 Acrônimo da expressão Life-Cycle Analysis. 2 SETAC - Society for Environmental Toxicology and Chemistry. 3 ISO 14.040 (1997)/14.043 (2000)- Environmental Management – Life Cycle Assessment.

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2 ABORDAGEM DE CICLO DE VIDA NA AVALIAÇÃO DE EDIFÍCIOS

2.1 INTRODUÇÃO

Estudos e métodos para avaliação ambiental de edifícios têm sido especialmente derivados

dos procedimentos de avaliação dos impactos ambientais de processos ou produtos

industrializados. A metodologia aceita internacionalmente para esta finalidade é a Análise do

Ciclo de Vida (LCA1), originalmente definida pela SETAC 2 (1991) como sendo um

“processo para avaliar as implicações ambientais de um produto, processo ou atividade,

através da identificação e quantificação dos usos de energia e matéria e das emissões

ambientais; avaliar o impacto ambiental desses usos de energia e matéria e das emissões; e

identificar e avaliar oportunidades de realizar melhorias ambientais. A avaliação inclui

todo o ciclo de vida do produto, processo ou atividade, abrangendo a extração e o

processamento de matérias-primas; manufatura, transporte e distribuição; uso, reuso,

manutenção; reciclagem e disposição final (sic)”. Esta definição foi posteriormente

consolidada na série de normas ISO 14.0003, que teve a primeira versão draft lançada em

1996.

Em outras palavras, LCA é o procedimento de analisar formalmente a complexa interação de

um sistema – que pode ser um material, um componente ou um conjunto de componentes –

com o ambiente ao longo de todo o seu ciclo de vida, caracterizando o que tornou-se

conhecido como enfoque do “berço ao túmulo” (cradle-to-grave).

A LCA parte da premissa de que todos os estágios da vida de um produto geram impacto

ambiental e devem ser analisados (SETAC, 1991). Fica claro, portanto, que, de acordo com

sua profundidade e abrangência, a quantificação de todos os impactos envolvidos em um

sistema pode facilmente tornar-se complexa, cara e muito extensa, o que vem se mostrando

como a principal limitação do emprego dessa metodologia em sua forma mais pura

(BAUMANN;RYDBERG, 1994; BEETSTRA, 1996; JAQUES, 1998).

1 Acrônimo da expressão Life-Cycle Analysis.

2 SETAC - Society for Environmental Toxicology and Chemistry.

3 ISO 14.040 (1997)/14.043 (2000)- Environmental Management – Life Cycle Assessment.

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 18

2.2 OBJETIVOS E APLICAÇÕES DE LCA NA CONSTRUÇÃO CIVIL

Os principais objetivos de uma LCA são (1) retratar, da forma mais completa possível, as

interações entre o processo considerado e o ambiente; (2) contribuir para o entendimento da

natureza global e independente das conseqüências das atividades humanas sobre o ambiente

e (3) produzir informações objetivas que permitam identificar oportunidades para melhorias

ambientais (SETAC, 1991).

Genericamente, as LCAs podem ser aplicadas para (GUINÉE et al., 1993; HOBBS, 1996):

• Avaliação da adequação ambiental (uso eficiente de recursos e redução de emissões) de uma determinada tecnologia, processo ou produto;

• Identificação de possibilidades de melhoria de um processo ou produto;

• Comparação de alternativas tecnológicas, de processos ou produtos diferentes, porém destinados a uma mesma função;

• Geração de informações para os consumidores e o meio técnico que poderão (1) servir de base para rotulagem ambiental; (2) facilitar a introdução de um determinado produto no mercado ou, no extremo oposto, sustentar o seu banimento.

Especificamente na construção civil4, o conceito de análise do ciclo de vida tem sido

aplicado - direta ou indiretamente - em:

• avaliação de materiais de construção, para fins de melhorias de processo e produto ou informação a projetistas (inserção de dados ambientais sistematizados nos catálogos);

• rotulagem ambiental de produtos, uma iniciativa incipiente, mas que tem recebido investimento crescente;

• ferramentas computacionais de suporte a decisão5 e auxílio ao projeto, especializadas no uso de LCA para medir ou comparar o desempenho ambiental de materiais e componentes de construção civil, como o ECO QUANTUM (Holanda), ECO-PRO (Alemanha), EQUER e TEAMTM for Buildings (França), BEES6 (EUA), ATHENA (Canadá) e LCAid (Austrália);

• instrumentos de informação aos projetistas como The Green Building Digest, BRE ENVest e BRE Environmental Profile (UK); Environmental Choice (EUA); Environmental Preference Method (Holanda), Catálogo produzido pelo Politécnico de Milano (Itália); e

4 A partir das iniciativas do CIB, das Universidades de Leiden e Delft (Holanda); do BRE (UK), da ATEQUE e da ADEME

(França), da University of British Columbia/CANMET (Canadá); do IEA Annex 21 (Suíça) e do REGENER (Europa), entre outros centros e estudos colaborativos. Para informações detalhadas, consultar CIB/CSTB, 1997.

5 DSS – Decision Support Software.

6 Building for Environmental and Economic Sustainability.

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 19

• esquemas de avaliação/certificação ambiental de edifícios (ver Capítulo 3).

2.3 ETAPAS DE UMA LCA

De acordo com a ISO 14.040 (ISO, 1996), a metodologia típica de análise do ciclo de vida

compreende quatro etapas (Figura 1). A primeira etapa, ou definição do escopo (1),

estabelece o objetivo do estudo, sua abrangência e profundidade (limites do sistema). Na

construção do inventário do ciclo de vida - LCI (2), estuda-se os fluxos de energia e

materiais para a identificação e quantificação dos inputs (consumo de recursos naturais) e

outputs (emissões para o ar, água e solo) ambientais associados a um produto durante todo o

seu ciclo de vida (life-cycle inventory - LCI). Na avaliação do impacto (3), esses fluxos de

recursos e emissões são caracterizados segundo uma série definida de indicadores de

impacto ambiental, geralmente: energia incorporada, emissões, consumo de recursos,

potencial para reciclagem e toxicidade. Por exemplo: a etapa de avaliação de impactos

relaciona a emissão de CO2, um fluxo, ao aquecimento global, um impacto. A etapa final,

interpretação dos dados (4), confronta os impactos resultantes com as metas propostas na

Etapa 1.

Figura 1 – Etapas de uma análise do ciclo de vida segundo a ISO 14.040 (ISO, 1996).

Construção inventário

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 20

2.3.1 DEFINIÇÃO DO ESCOPO: OBJETIVOS, UNIDADE FUNCIONAL E LIMITES DO SISTEMA

A definição do escopo da LCA envolve o estabelecimento de limites tecnológico, geográfico

e de horizonte de tempo necessários para garantir que a análise do sistema de produto em

estudo atingirá o objetivo proposto para a avaliação (GUINÉE et al., 1993; SETAC, 1993;

SHEN, 1995).

O tipo de aplicação pretendida influencia a natureza e a seqüência de decisões a serem

tomadas ao longo do processo. Esta se destina à melhoria de um produto ou processo; ao

projeto de um novo produto; à capacitação para um selo ambiental; à publicação de

informação sobre um produto ou à exclusão ou inclusão de um certo item no mercado?

Em cada uma dessas aplicações, algum tipo de comparação está sendo feito (GUINÉE et al.,

1993), isto é: antes e após um redesenho de processo; comparação entre diferentes

alternativas para o projeto de um novo produto ou alternativas diferentes destinadas a uma

mesma aplicação. A definição da unidade de comparação (unidade funcional) torna-se,

então, um outro ponto-chave dessa etapa.

A unidade funcional é definida de forma que os produtos analisados sejam substitutos

perfeitos uns dos outros para uma função específica (LIPPIATT, 1998). Assim, compara-se

1 m2 de parede acabada de gesso acartonado com 1 m2 de parede acabada de alvenaria, por

exemplo, e não 1 bloco (cerâmico ou de concreto) com 1 painel de gesso.

O processo de produção de um item genérico envolve várias unidades de processo que, por

sua vez, podem compreender diversos fluxos de inventário. Como todas as fases são

expressas por variáveis de entrada e saída do processo, o número de fluxos a serem incluídos

no inventário pode multiplicar-se rapidamente e determina a exclusão de fases que não

gerem impactos significativos no processo. Analogamente, a coleta de dados durante a

construção do inventário deve-se restringir aos fluxos que serão efetivamente utilizados na

avaliação dos impactos.

2.3.2 CONSTRUÇÃO DO INVENTÁRIO

Na construção do inventário quantifica-se o uso de recursos (energia e matérias-primas) e as

cargas ambientais (emissões atmosféricas, efluentes e resíduos sólidos) geradas ao longo do

ciclo de vida inteiro de um produto, embalagem, processo, material ou atividade (USEPA

apud SHEN, 1995).

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 21

Nesta etapa, a partir do objetivo e dos limites de sistema definidos para a análise, procede-se

uma coleta intensiva de dados, gerando planilhas que calculam e apresentam os fluxos de

uso total de energia e recursos e liberação de emissões pelo sistema (SETAC, 1991;

GUINÉE et al., 1993).

O ciclo de vida pode ser entendido e representado como uma árvore de processos (Figura 2),

em que cada caixa representa um processo, com fluxos de entrada e saída ambientais

definidos. A partir da montagem da árvore de processos e de informações sobre cada

processo é possível construir o inventário de todos os fluxos ambientais de entrada e saída

associados a um determinado sistema. O resultado é a chamada planilha de impactos

(Tabela 1), em que cada impacto é expresso como uma quantidade particular de determinada

substância (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

Figura 2 – Representação do ciclo de vida de um produto como uma árvore de

processos.

Tabela 1 - Trecho da planilha de impactos ambientais resultantes da produção de 1 kg de polietileno e 1 kg de vidro (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001). A planilha completa conteria 34 linhas.

Emissões Polietileno Vidro Unid. CO2 1,792 0,4904 kg

NOx 1,091 x10-3 1,586 x10-3 kg SO2 987,0 x10-6 2,652 x10-3 kg

CO 670,0 x10-6 57,00 x10-6 kg ... ... ... ... ... ... ... ...

2.3.3 AVALIAÇÃO DO IMPACTO

A avaliação global do impacto tem por objetivo avaliar os efeitos ambientais (riscos e

impactos) associados aos fluxos detectados para o sistema durante a análise de inventário.

Produto A

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 22

Os impactos potenciais sobre ecossistemas, saúde humana e recursos naturais são

classificados, caracterizados e valorados sistematicamente (SHEN, 1995).

A planilha de impactos é o resultado mais objetivo de uma LCA, mas a simples análise de

uma lista de substâncias não pode fornecer uma resposta imediata quanto a um produto ser

mais ou menos agressivo ao ambiente que outro. Para facilitar a interpretação de dados, vêm

sendo pesquisados métodos de avaliação de impacto (LCIA7), como EPS8, Ecopoints9 e Eco-

indicator10, desenvolvidos respectivamente na Suécia, na Suíça e na Holanda.

Em linhas gerais, o cálculo dos efeitos ambientais passa por três estágios: (1) classificação e

caracterização; (2) normalização, e (3) avaliação ou valoração.

2.3.3.1 CLASSIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO

Na etapa de classificação, todas as substâncias são organizadas e separadas em classes (ou

categorias) de impacto, conforme o efeito que provocam sobre o ambiente. O resultado

desta etapa é o perfil ambiental do sistema segundo sua contribuição para esgotamento de

recursos, aquecimento global, dano à camada de ozônio, acidificação, toxicidade,

eutroficação, e outras classes de impacto. Este processo pode ser quantitativo e/ou

qualitativo, já que alguns efeitos ambientais são de difícil quantificação, como alteração de

habitats naturais e poluição sonora (USEPA; apud SHEN, 1995). Naturalmente, algumas

substâncias podem aparecer em mais de uma classe, como o NOx, por exemplo, que é um

indicador tanto de toxicidade, quanto de acidificação e eutroficação (PRÉ CONSULTANTS

INC, 2001).

A caracterização é a ponderação das substâncias, dentro de cada classe, para indicar a

intensidade de seus efeitos. As emissões são multiplicadas por pesos antes de se efetuar as

somas por classe (agregação). O resultado da caracterização é a pontuação de efeitos, como

o exemplo mostrado na Tabela 2 .

7 Acrônimo da expressão Life-Cycle Impact Assessment.

8 Acrônimo da expressão Environmental Priority Strategy. Neste método, calcula-se a cadeia completa de causa e efeito

de cada impacto sobre equivalente humano. 9 Este método baseia-se no princípio da distância até o alvo, onde a distância entre o nível atual de um impacto e o nível-

alvo indica a gravidade da contribuição de uma determinada emissão.

10 A pontuação fornecida pelo Eco-indicator 99 baseia-se na metodologia de avaliação de impactos que transforma os

dados da planilha de inventário em pontuações de dano que, de acordo com as necessidades e escolha do usuário, podem ser agregadas em pontuações de dano para cada uma das 3 categorias de dano ou em uma pontuação única.

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 23

Tabela 2 – Exemplo de caracterização: trecho da planilha de impactos da produção de 1 kg de polietileno (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

Emissões Quantidade (kg) Aquecimento global

Dano à camada de ozônio

Toxicidade ao homem

Acidificação

CO2 1,792 x1.0 - - - NOx 1,091 x10-3 - - x 0,78 x 0.7

SO2 987,0 x10-6 - - x 1,2 x 1.0 CO 670,0 x10-6 - - x 0,012 -

Pontuação de Efeitos 1,792 0 0,00204 0,0017

A pontuação de efeitos também pode ser representada como um gráfico de colunas (Figura

3) que permite comparar efeitos de diferentes produtos para atender a uma mesma

finalidade. Neste caso, o maior valor calculado para cada efeito é definido como 100%, de

forma que apenas são possíveis comparações efeito a efeito.

Figura 3 – Caracterização dos ciclos de vida de sacos de papel e de PEBD (polietileno de baixa densidade). Outras classes não são mostradas no gráfico, como pesticidas, uso de energia e disposição de resíduos sólidos (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

Quando todos os efeitos de um produto são maiores que os de outro, é fácil notar qual deles

é o mais agressivo ao ambiente. No entanto, é muito mais comum que um produto apresente

pontuação maior em determinadas classes e menor em outras. Nesse caso, a interpretação

dos dados é função de dois fatores (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001):

(1) normalização, que indica o tamanho de cada efeito em relação aos demais, isto é: se o impacto correspondente a 100% de acidificação (na Figura 3, por exemplo), representa um valor extremamente alto ou desprezível; e

(2) avaliação, que indica a importância relativa associada a cada efeito ambiental, e permite agregá-los para obter um indicador do impacto.

ciclo de vida saco PEBD

aquec. global acidif. met. pesados nev. inverno dano cam. ozônio. eutroficação carcinógenos nevoeiro verão

ciclo de vida saco papel

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 24

2.3.3.2 NORMALIZAÇÃO

Na normalização, cada efeito calculado é confrontado com o valor total conhecido para

aquela classe de impacto. O Eco-indicator 99, por exemplo, procede a normalização com

base nos efeitos causados por um cidadão europeu médio ao longo de um ano (PRÉ

CONSULTANTS INC, 2001). O BRE utiliza metodologia semelhante, ao normalizar em

relação aos efeitos causados por um cidadão médio do Reino Unido ao longo de um ano

(UK Ecopoints) (DICKIE;HOWARD, 2000).

Após a normalização, é possível observar a contribuição relativa do sistema aos níveis

existentes de determinados efeitos (Figura 4). Este procedimento fornece uma noção do

panorama geral do impacto causado pelo sistema, já que, até a etapa de caracterização, só é

possível comparar os efeitos individualmente.

Figura 4 – Normalização dos ciclos de vida de sacos de papel e de PEBD (dados fictícios). Neste exemplo, a normalização evidencia contribuições relativamente altas para aquecimento global, ecotoxicidade (acidificação, eutroficação), toxicidade ao homem (metais pesados, carcinógenos) e formação de nevoeiros (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

2.3.3.3 AVALIAÇÃO (OU VALORAÇÃO) DE PONTUAÇÃO NORMALIZADA

Apesar de a normalização facilitar a visualização dos resultados, ainda não permite que se

faça um julgamento final, pois, até então, os diferentes efeitos ambientais são considerados

como de igual importância. Cabe à avaliação (também chamada valoração) atribuir pesos à

ciclo de vida saco PEBD ciclo de vida saco papel

aquec. global acidif. met. pesados nev. inverno dano cam. ozônio. eutroficação carcinógenos nev. verão

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 25

pontuação normalizada, de modo a representar a importância relativa de cada efeito (Figura

5).

Figura 5 – Valoração de ciclos de vida de sacos de papel e de PEBD normalizados (dados fictícios), evidenciando a significância dos efeitos de ecotoxicidade (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

Após esta ponderação, o tamanho das colunas passará a, de fato, representar a gravidade de

cada efeito, permitindo que elas sejam somadas para se chegar a um resultado final

(indicador), como mostra a Figura 6.

Figura 6 – Indicador de ciclos de vida de sacos de papel e de PEBD. A preferência por sacos de papel torna-se evidente (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

Surgem, então, questões importantes quanto ao modelo ideal para a conversão dos efeitos

ambientais em impactos e, principalmente, quanto aos critérios de valoração e comparação

ciclo vida saco LDPE ciclo de vida saco papel

aquec. global acidificação. met. pesados nev. inverno dano cam. ozônio. eutroficação carcinógenos nevoeiro verão

ciclo de vida saco PEBD ciclo de vida saco papel

aquecimento global

acidificação

metais pesados

nevoeiro inverno

dano cam. ozônio.

eutroficação

carcinógeno

nevoeiro de verão

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 26

das diferentes categorias de impactos entre si11, estágio de caráter notavelmente subjetivo,

que depende de valores sociais, culturais, éticos e políticos específicos (SETAC, 1993;

USEPA apud SHEN, 1995; LIPPIATT, 1998). Por esta razão, a análise de impactos é a

etapa mais complexa da LCA (BAUMANN, 1994; BEETSTRA, 1996).

2.3.4 INTERPRETAÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DAS MELHORIAS

A interpretação de dados segue em paralelo a todas as etapas anteriormente citadas,

provendo a retroalimentação do processo (Figura 1). Tanto a série ISO 14.00012, quanto a

BS 775013 (1994) ou os EMAS 14 exigem a melhoria contínua dos sistemas de gestão

ambiental, o que, a exemplo do que faz a série ISO 9000 para os sistemas da qualidade,

pressupõe uma etapa de análise de melhorias.

Tratada como etapa à parte no SETAC LCA Code of Practice15 (SETAC, 1993), a análise de

melhorias procura avaliar sistematicamente a necessidade e oportunidades para reduzir o

dano ambiental associado à forma de apropriação e uso de energia e recursos naturais e

liberação de emissões ao longo do ciclo de vida do produto, processo ou atividade (SHEN,

1995).

A análise global da dimensão ambiental do sistema procura responder às questões

formuladas no escopo da análise do ciclo de vida, sendo que a informação analítica de uma

fase complementa as fases seguintes. A interpretação do inventário de fluxos (análise de

impactos) permite averiguar as atividades/fases com maior ou menor impacto ambiental. A

análise de melhorias, por sua vez, procura identificar as oportunidades para reduzir

emissões e uso de recursos, e propor alternativas para a diminuição dos impactos negativos

identificados. À análise de melhorias cabe, ainda, assegurar que as estratégias de redução

11 Como decidir o que é pior entre destruição de habitats naturais, chuva ácida e efeito estufa, por exemplo?

12 ISO 14.001 e 14.004 (Environmental Management Systems). As demais normas da série são: ISO 14.010/12 - Guidelines

for environmental auditing; 14.020/25 – Environmental labels and declarations ; 14.031/32 – Environmental performance evaluation; 14.040/49 – Life-cycle assessment; 14.050 – Vocabulary; 14.061 – Information on use of ISO 14.041 and 14.044).

13 BS 7.750/1994. Specification for environmental management systems. (Substituída em 1997 pela norma BSEN ISO

14001). 14

European Community Eco-Management & Audit Scheme. Este esquema foi estabelecido em 1993 pela EC Regulation 1836 e entrou em operação em abril de 1995.

15 Em abordagem ligeiramente mais detalhada que a da ISO, o Code of Practice da SETAC recomenda que a LCA seja

dividida em 5 estágios: planejamento, ajuste e execução preliminar (screening), coleção e tratamento de dados (LCI), avaliação e análise de melhorias (SETAC, 1993).

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 27

potencial e os programas de melhoria não produzam novos impactos sobre o meio e a saúde

humana que não tenham sido corretamente considerados (VIGON et al. apud SHEN, 1995).

2.4 LIMITAÇÕES INTRÍNSECAS À LCA

As decisões sobre seleção de materiais, sistemas, tecnologias e posturas estratégicas

empresariais devem ser confirmadas por evidência científica suficiente para mostrar que

uma determinada solução é, sob a perspectiva ambiental, a mais indicada para um contexto

específico. É neste ponto que a LCA pretende chegar após considerar as opções disponíveis

e racionalizar os dados coletados, o que conseqüentemente a torna uma ferramenta valiosa

para orientar a tomada de decisões.

Apesar de ser, consensualmente, a forma mais adequada para reunir sistematicamente tais

informações, no estado atual de conhecimento da metodologia, o analista depara-se

freqüentemente com qualidade e quantidade insuficiente de dados que o impede de chegar a

uma resposta clara e irrefutável. Como resultado, temos supersimplificações que

empalidecem o rigor científico da análise e, muitas vezes, a destituem de significado.

Focalizando especificamente a construção civil, os estudos do início da década de 90

dedicaram-se à uniformização e refinamento da metodologia para adaptá- la às

particularidades de um edifício, que congrega um grande número de materiais e sistemas de

construção. Uma outra frente importante de pesquisa desenvolve-se em paralelo, destinada à

produção de bases de dados confiáveis e mais extensas para alimentar as análises. As

pesquisas da segunda metade desta década vêm-se concentrando no desenvolvimento de

métodos práticos de avaliação e, principalmente, de ferramentas de trabalho que possibilitem

a real inserção dos parâmetros ambientais como complemento aos parâmetros decisórios

tradicionalmente utilizados pelos profissionais do setor.

A metodologia para análise do inventário é considerada como bem definida e entendida pelo

meio técnico, estando as principais barreiras concentradas na dificuldade de aquisição de

dados confiáveis e em procedimentos específicos, particularmente a caracterização e a

valoração de impactos. No entanto, por limitar-se a aspectos que possam ser quantificados, a

contabilidade analítica de um produto (ou processo) feita em uma LCA acaba representando,

em certos casos, apenas uma descrição parcial dos impactos ambientais do sistema.

A experiência internacional tem demonstrado que a quantificação de fluxos ao longo do

ciclo de vida de produtos ainda não se tornou a ferramenta de auxílio de tomada de decisões

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 28

que se desejaria. Isto pode ser atribuído a alguns aspectos–chave que, em maior ou menor

grau, permanecem insolutos, entre eles:

• a qualidade e disponibilidade de fontes de dados - o que torna-se especialmente delicado se a análise do processo exigir a ampliação dos limites do sistema;

• limitações de custo;

• falta de uma unidade para comparação dos impactos - a comparação de diferentes categorias ambientais é bastante difícil e estabelecer uma hierarquia entre os efeitos é um procedimento essencialmente subjetivo, que varia com uma agenda ambiental específica e definida caso a caso;

• incapacidade para quantificar determinados impactos, como no caso da valoração de questões como a vida humana versus certos danos ambientais, por exemplo;

• procedimentos de alocação de impactos no caso de co-produtos, produtos com teor reciclável; e de gerenciamento de resíduos.

Estas limitações estão igualmente presentes quando se estende a LCA para a avaliação

ambiental de edifícios.

2.5 APLICAÇÃO DE LCA EM AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE EDIFÍCIOS

Apesar de ser um procedimento complexo e, freqüentemente, longo, a análise do ciclo de

vida adiciona uma dimensão científica à discussão ambiental e tem recebido investimento

crescente em pesquisa na construção civil (BALDWIN et al., 1998; JAQUES, 1998;

SILVA;SILVA, 2000). No que tange à avaliação ambiental de edifícios, esta abordagem

substitui os estudos estritamente concentrados nos aspectos de uso de energia que

prevaleceram após a crise do petróleo no início dos anos 70, e acrescenta outras facetas

importantes ao enfatizar que aspectos como a energia incorporada aos materiais e o volume

de resíduos gerados nas atividades de construção e demolição já não podem ser

negligenciados.

Uma meta perseguida por todos os esquemas de avaliação existentes é a minimização da

subjetividade da avaliação. A análise do ciclo de vida procura atingir o mesmo objetivo, isto

é retratar objetivamente um determinado produto em termos de fluxos de entrada (consumo

de recursos) e saída (emissões e resíduos) de um sistema, minimizando a interferência de

decisões subjetivas dos analistas.

Uma segunda virtude importante da LCA é lançar uma visão holística sobre o processo

global de produção e utilização e partir do princípio de que todas as suas fases geram

impactos sobre o ambiente e, portanto, devem ser consideradas. Estender este conceito para

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 29

avaliar o desempenho ambiental de um edifício significa gerar informações quanto aos

fluxos de recursos e emissões definidos pela implantação e orientação; processo de

construção; seleção de materiais (uso de recursos, produção e transporte envolvidos);

flexibilidade de projeto; planejamento da operação e gerenciamento de resíduos de

construção e demolição (Figura 7).

Figura 7 - Ciclo de vida de um edifício genérico.

No entanto, neste momento, a aplicação direta de LCA – tal como desenvolvida para

produtos industrializados – à avaliação de edifícios no Brasil mostra-se, na realidade,

complexa, impraticável e insuficiente.

Complexa, porque os edifícios são compostos por inúmeros produtos, cada qual com uma

árvore de processos própria. Mais ainda, a sua construção envolve diversos agentes. Esses

fatores não inviabilizam o emprego de LCA, mas aumentam expressivamente a quantidade

de informações envolvida e a dificuldade em obtê-las.

Impraticável, no caso brasileiro, porque ainda não existem dados confiáveis de LCA de

materiais de construção nacionais, salvo os dados de cimento publicados por CARVALHO

(2002). No momento, os únicos recursos disponíveis são bases de dados estrangeiras. Este é

um cenário que está mudando, porém muito lentamente.

A natureza da metodologia de LCA deixa explícito que as bases de dados estrangeiras - como as do SimaPro, que conta com base de dados própria (holandesa) e add-ons de dados americanos (Franklin Database) e holandeses

Recursos

Resíduos

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 30

(IVAM16 database, específica para materiais de construção); GaBi (alemã) e TEAM (francesa), ambas com dados europeus - são válidas exclusivamente dentro dos limites geográficos em que foram coletadas17.

Naturalmente, os processos de obtenção de muitos materiais e produtos de construção estrangeiros guardam semelhanças com aqueles produzidos no Brasil, mas (1) processos-chave (como o de produção de cimento) têm características muito diferentes e (2) a tradição e as práticas construtivas estrangeiras simplesmente não cobrem dados sobre componentes fundamentais na construção brasileira (como componentes cerâmicos para vedação, por exemplo).

Algumas ferramentas de suporte à decisão como o BEES (EUA) e o ATHENA (Canadá), citadas no item 2.2, embutem suas próprias bases de dados, mas também não podem ser utilizadas no Brasil, porque elas (1) são personalizadas para seus países de origem e, conseqüentemente, não incluem materiais e soluções construtivas que são típicos e fundamentais na construção brasileira (como vedações em alvenaria com revestimento em argamassa, por exemplo); e (2) não são editáveis para permitir que o usuário os inclua manualmente.

Na falta de dados nacionais, estas bases até podem ser utilizadas como ponto de partida, desde que fique claro que (1) trata-se de dados estrangeiros que não necessariamente refletem processos e condições utilizadas no Brasil, mas podem dar uma noção da magnitude dos impactos; e (2) estas entradas de dados serão oportunamente substituídas, na medida em que forem coletados e tratados os dados nacionais correspondentes.

Insuficiente, porque (1) apenas uma parte do desempenho ambiental do edifício pode ser

descrita estritamente através de fluxos de matéria. Este é o caso exclusivo das categorias uso

de recursos e cargas ambientais (Figura 8). A etapa de utilização do edifício também

compreende a descrição dos efeitos ambientais através de fluxos de recursos e emissões,

mas não pode ser descrita unicamente através deles, uma vez que inclui aspectos

particulares, como qualidade do ambiente interno18 (IEQ), por exemplo, cuja avaliação

compreende efeitos sobre os ocupantes e suas percepções (Figura 9); e (2) as avaliações de

edifícios, especialmente em países em desenvolvimento, devem abranger não só seus

impactos ambientais, mas também os impactos sociais e econômicos (Figura 8).

16 IVAM Environmental Research é uma agência de pesquisa, afiliada à Universidade de Amsterdam, que atua nas áreas

de construção sustentável, energia, gerenciamento de cadeia, qualidade de vida e produção mais limpa. 17

O mesmo se aplica às ferramentas LCA estrangeiras desenvolvidas para os profissionais de construção, como o BEES, para comparação entre produtos, com base em dados próprios, não publicados e válidos para os EUA; o ATHENA, para comparação de sistemas construtivos ou edifícios completos, com base em dados canadenses publicados; o ENVEST, para análise de edifícios completos, com base em dados do reino Unido, sumarizado em ecopoints; e o EcoQuantum, que contém base holandesa, para análise de edifícios completos residenciais.

18 Especificamente sobre LCA aplicada a avaliação de clima interno, ver JÖNSSON (2000).

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 31

Figura 8 - Inserção conceitual da LCA em avaliação da sustentabilidade de edifícios.

Figura 9 – Esquema dos fluxos ambientais ao longo do ciclo de vida de um edifício.19

19 RCD é o acrônimo para Resíduos de Construção e Demolição.

IEQ contexto durabilidade qualidade dos serviços entre outros

Avaliação econômica

Avaliação Social

Avaliação da Sustentabilidade

Avaliação Ambiental

uso recursos cargas ambientais

LCA

Preparação do terreno

Construção

Uso e manutenção

Demolição reuso/reciclagem

ENTRADAS ETAPA Ciclo de Vida

SAÍDAS

Energia, água, componentes e materiais

Energia, água e materiais (operação, manutenção e

reforma)

Energia

Solo, energia (limpeza, movimento de

terra)

CO2, poeira, ruído, RCD18

CO2, resíduos, esgoto efeitos ambiente interno

(asma, síndrome de edifícios doentes)

efeitos vizinhança

CO2, poeira, ruído, RCD

CO2, poeira, ruído perda de vegetação perda de habitats

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 32

2.6 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO

A aplicação direta de LCA em avaliação de edifícios no Brasil é, neste momento, complexa,

impraticável e insuficiente. As limitações são claras, mas há vantagens concretas e, por esta

razão, todos os métodos de avaliação tentam de alguma maneira incorporar seus conceitos,

explicita- ou implicitamente, como será evidenciado no Capítulo 3. Havendo consciência

destas limitações atuais, o emprego de fundamentos e, principalmente, de dados confiáveis

de LCA abre, por outro lado, uma perspectiva holística para análise do processo de

produção, utilização e modificação do ambiente cons truído e pode dar sua contribuição na

minimização de subjetividade da avaliação ambiental de edifícios.

Como resultado das dificuldades práticas de utilização de LCA, a maioria dos métodos de

avaliação de edifícios não a emprega como ferramenta de apoio à atribuição de créditos

ambientais relacionados ao uso de materiais. Mais comum é extrair da LCA o conceito de

ciclo de vida e utilizá-lo para aumentar a abrangência da avaliação do edifício, ainda que a

maioria deles utilize o conceito de “berço ao sítio” (cradle-to-site) em vez de “berço ao

túmulo”, conceito-base da LCA. Por “berço ao sítio”, entende-se que são considerados

apenas os impactos até a etapa de uso/ocupação do edifício. Quanto aos estágios posteriores

(desmontagem/demolição, encaminhamento para reciclagem e reuso), de modo geral, ainda

faltam estudos que permitam ir além de itens genéricos, como projeto para adaptabilidade e

demolição; e uso de materiais biodegradáveis, recicláveis e reutilizáveis.

É consenso, no entanto, que mesmo diante das dificuldades apontadas, a LCA é a única

abordagem disponível para comparar científica e conclusivamente os impactos ambientais.

A construção de inventários de materiais e componentes de construção é, portanto, uma

tarefa necessária e que deve ser iniciada de forma consistente no Brasil o mais breve

possível.

O próximo Capítulo traça um panorama do estado atual dos sistemas de avaliação ambiental

de edifícios. A discussão metodológica de alguns dos principais sistemas existentes é

conduzida com base em três questões básicas: “o que avaliar?”, “como avaliar?”, “quanto

atingir?”.

2 ABORDAGEM DE CICLO DE VIDA NA AVALIAÇÃO DE EDIFÍCIOS

2.1 INTRODUÇÃO

Estudos e métodos para avaliação ambiental de edifícios têm sido especialmente derivados

dos procedimentos de avaliação dos impactos ambientais de processos ou produtos

industrializados. A metodologia aceita internacionalmente para esta finalidade é a Análise do

Ciclo de Vida (LCA1), originalmente definida pela SETAC 2 (1991) como sendo um

“processo para avaliar as implicações ambientais de um produto, processo ou atividade,

através da identificação e quantificação dos usos de energia e matéria e das emissões

ambientais; avaliar o impacto ambiental desses usos de energia e matéria e das emissões; e

identificar e avaliar oportunidades de realizar melhorias ambientais. A avaliação inclui

todo o ciclo de vida do produto, processo ou atividade, abrangendo a extração e o

processamento de matérias-primas; manufatura, transporte e distribuição; uso, reuso,

manutenção; reciclagem e disposição final (sic)”. Esta definição foi posteriormente

consolidada na série de normas ISO 14.0003, que teve a primeira versão draft lançada em

1996.

Em outras palavras, LCA é o procedimento de analisar formalmente a complexa interação de

um sistema – que pode ser um material, um componente ou um conjunto de componentes –

com o ambiente ao longo de todo o seu ciclo de vida, caracterizando o que tornou-se

conhecido como enfoque do “berço ao túmulo” (cradle-to-grave).

A LCA parte da premissa de que todos os estágios da vida de um produto geram impacto

ambiental e devem ser analisados (SETAC, 1991). Fica claro, portanto, que, de acordo com

sua profundidade e abrangência, a quantificação de todos os impactos envolvidos em um

sistema pode facilmente tornar-se complexa, cara e muito extensa, o que vem se mostrando

como a principal limitação do emprego dessa metodologia em sua forma mais pura

(BAUMANN;RYDBERG, 1994; BEETSTRA, 1996; JAQUES, 1998).

1 Acrônimo da expressão Life-Cycle Analysis.

2 SETAC - Society for Environmental Toxicology and Chemistry.

3 ISO 14.040 (1997)/14.043 (2000)- Environmental Management – Life Cycle Assessment.

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 18

2.2 OBJETIVOS E APLICAÇÕES DE LCA NA CONSTRUÇÃO CIVIL

Os principais objetivos de uma LCA são (1) retratar, da forma mais completa possível, as

interações entre o processo considerado e o ambiente; (2) contribuir para o entendimento da

natureza global e independente das conseqüências das atividades humanas sobre o ambiente

e (3) produzir informações objetivas que permitam identificar oportunidades para melhorias

ambientais (SETAC, 1991).

Genericamente, as LCAs podem ser aplicadas para (GUINÉE et al., 1993; HOBBS, 1996):

• Avaliação da adequação ambiental (uso eficiente de recursos e redução de emissões) de uma determinada tecnologia, processo ou produto;

• Identificação de possibilidades de melhoria de um processo ou produto;

• Comparação de alternativas tecnológicas, de processos ou produtos diferentes, porém destinados a uma mesma função;

• Geração de informações para os consumidores e o meio técnico que poderão (1) servir de base para rotulagem ambiental; (2) facilitar a introdução de um determinado produto no mercado ou, no extremo oposto, sustentar o seu banimento.

Especificamente na construção civil4, o conceito de análise do ciclo de vida tem sido

aplicado - direta ou indiretamente - em:

• avaliação de materiais de construção, para fins de melhorias de processo e produto ou informação a projetistas (inserção de dados ambientais sistematizados nos catálogos);

• rotulagem ambiental de produtos, uma iniciativa incipiente, mas que tem recebido investimento crescente;

• ferramentas computacionais de suporte a decisão5 e auxílio ao projeto, especializadas no uso de LCA para medir ou comparar o desempenho ambiental de materiais e componentes de construção civil, como o ECO QUANTUM (Holanda), ECO-PRO (Alemanha), EQUER e TEAMTM for Buildings (França), BEES6 (EUA), ATHENA (Canadá) e LCAid (Austrália);

• instrumentos de informação aos projetistas como The Green Building Digest, BRE ENVest e BRE Environmental Profile (UK); Environmental Choice (EUA); Environmental Preference Method (Holanda), Catálogo produzido pelo Politécnico de Milano (Itália); e

4 A partir das iniciativas do CIB, das Universidades de Leiden e Delft (Holanda); do BRE (UK), da ATEQUE e da ADEME

(França), da University of British Columbia/CANMET (Canadá); do IEA Annex 21 (Suíça) e do REGENER (Europa), entre outros centros e estudos colaborativos. Para informações detalhadas, consultar CIB/CSTB, 1997.

5 DSS – Decision Support Software.

6 Building for Environmental and Economic Sustainability.

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 19

• esquemas de avaliação/certificação ambiental de edifícios (ver Capítulo 3).

2.3 ETAPAS DE UMA LCA

De acordo com a ISO 14.040 (ISO, 1996), a metodologia típica de análise do ciclo de vida

compreende quatro etapas (Figura 1). A primeira etapa, ou definição do escopo (1),

estabelece o objetivo do estudo, sua abrangência e profundidade (limites do sistema). Na

construção do inventário do ciclo de vida - LCI (2), estuda-se os fluxos de energia e

materiais para a identificação e quantificação dos inputs (consumo de recursos naturais) e

outputs (emissões para o ar, água e solo) ambientais associados a um produto durante todo o

seu ciclo de vida (life-cycle inventory - LCI). Na avaliação do impacto (3), esses fluxos de

recursos e emissões são caracterizados segundo uma série definida de indicadores de

impacto ambiental, geralmente: energia incorporada, emissões, consumo de recursos,

potencial para reciclagem e toxicidade. Por exemplo: a etapa de avaliação de impactos

relaciona a emissão de CO2, um fluxo, ao aquecimento global, um impacto. A etapa final,

interpretação dos dados (4), confronta os impactos resultantes com as metas propostas na

Etapa 1.

Figura 1 – Etapas de uma análise do ciclo de vida segundo a ISO 14.040 (ISO, 1996).

Construção inventário

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 20

2.3.1 DEFINIÇÃO DO ESCOPO: OBJETIVOS, UNIDADE FUNCIONAL E LIMITES DO SISTEMA

A definição do escopo da LCA envolve o estabelecimento de limites tecnológico, geográfico

e de horizonte de tempo necessários para garantir que a análise do sistema de produto em

estudo atingirá o objetivo proposto para a avaliação (GUINÉE et al., 1993; SETAC, 1993;

SHEN, 1995).

O tipo de aplicação pretendida influencia a natureza e a seqüência de decisões a serem

tomadas ao longo do processo. Esta se destina à melhoria de um produto ou processo; ao

projeto de um novo produto; à capacitação para um selo ambiental; à publicação de

informação sobre um produto ou à exclusão ou inclusão de um certo item no mercado?

Em cada uma dessas aplicações, algum tipo de comparação está sendo feito (GUINÉE et al.,

1993), isto é: antes e após um redesenho de processo; comparação entre diferentes

alternativas para o projeto de um novo produto ou alternativas diferentes destinadas a uma

mesma aplicação. A definição da unidade de comparação (unidade funcional) torna-se,

então, um outro ponto-chave dessa etapa.

A unidade funcional é definida de forma que os produtos analisados sejam substitutos

perfeitos uns dos outros para uma função específica (LIPPIATT, 1998). Assim, compara-se

1 m2 de parede acabada de gesso acartonado com 1 m2 de parede acabada de alvenaria, por

exemplo, e não 1 bloco (cerâmico ou de concreto) com 1 painel de gesso.

O processo de produção de um item genérico envolve várias unidades de processo que, por

sua vez, podem compreender diversos fluxos de inventário. Como todas as fases são

expressas por variáveis de entrada e saída do processo, o número de fluxos a serem incluídos

no inventário pode multiplicar-se rapidamente e determina a exclusão de fases que não

gerem impactos significativos no processo. Analogamente, a coleta de dados durante a

construção do inventário deve-se restringir aos fluxos que serão efetivamente utilizados na

avaliação dos impactos.

2.3.2 CONSTRUÇÃO DO INVENTÁRIO

Na construção do inventário quantifica-se o uso de recursos (energia e matérias-primas) e as

cargas ambientais (emissões atmosféricas, efluentes e resíduos sólidos) geradas ao longo do

ciclo de vida inteiro de um produto, embalagem, processo, material ou atividade (USEPA

apud SHEN, 1995).

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 21

Nesta etapa, a partir do objetivo e dos limites de sistema definidos para a análise, procede-se

uma coleta intensiva de dados, gerando planilhas que calculam e apresentam os fluxos de

uso total de energia e recursos e liberação de emissões pelo sistema (SETAC, 1991;

GUINÉE et al., 1993).

O ciclo de vida pode ser entendido e representado como uma árvore de processos (Figura 2),

em que cada caixa representa um processo, com fluxos de entrada e saída ambientais

definidos. A partir da montagem da árvore de processos e de informações sobre cada

processo é possível construir o inventário de todos os fluxos ambientais de entrada e saída

associados a um determinado sistema. O resultado é a chamada planilha de impactos

(Tabela 1), em que cada impacto é expresso como uma quantidade particular de determinada

substância (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

Figura 2 – Representação do ciclo de vida de um produto como uma árvore de

processos.

Tabela 1 - Trecho da planilha de impactos ambientais resultantes da produção de 1 kg de polietileno e 1 kg de vidro (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001). A planilha completa conteria 34 linhas.

Emissões Polietileno Vidro Unid. CO2 1,792 0,4904 kg

NOx 1,091 x10-3 1,586 x10-3 kg SO2 987,0 x10-6 2,652 x10-3 kg

CO 670,0 x10-6 57,00 x10-6 kg ... ... ... ... ... ... ... ...

2.3.3 AVALIAÇÃO DO IMPACTO

A avaliação global do impacto tem por objetivo avaliar os efeitos ambientais (riscos e

impactos) associados aos fluxos detectados para o sistema durante a análise de inventário.

Produto A

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 22

Os impactos potenciais sobre ecossistemas, saúde humana e recursos naturais são

classificados, caracterizados e valorados sistematicamente (SHEN, 1995).

A planilha de impactos é o resultado mais objetivo de uma LCA, mas a simples análise de

uma lista de substâncias não pode fornecer uma resposta imediata quanto a um produto ser

mais ou menos agressivo ao ambiente que outro. Para facilitar a interpretação de dados, vêm

sendo pesquisados métodos de avaliação de impacto (LCIA7), como EPS8, Ecopoints9 e Eco-

indicator10, desenvolvidos respectivamente na Suécia, na Suíça e na Holanda.

Em linhas gerais, o cálculo dos efeitos ambientais passa por três estágios: (1) classificação e

caracterização; (2) normalização, e (3) avaliação ou valoração.

2.3.3.1 CLASSIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO

Na etapa de classificação, todas as substâncias são organizadas e separadas em classes (ou

categorias) de impacto, conforme o efeito que provocam sobre o ambiente. O resultado

desta etapa é o perfil ambiental do sistema segundo sua contribuição para esgotamento de

recursos, aquecimento global, dano à camada de ozônio, acidificação, toxicidade,

eutroficação, e outras classes de impacto. Este processo pode ser quantitativo e/ou

qualitativo, já que alguns efeitos ambientais são de difícil quantificação, como alteração de

habitats naturais e poluição sonora (USEPA; apud SHEN, 1995). Naturalmente, algumas

substâncias podem aparecer em mais de uma classe, como o NOx, por exemplo, que é um

indicador tanto de toxicidade, quanto de acidificação e eutroficação (PRÉ CONSULTANTS

INC, 2001).

A caracterização é a ponderação das substâncias, dentro de cada classe, para indicar a

intensidade de seus efeitos. As emissões são multiplicadas por pesos antes de se efetuar as

somas por classe (agregação). O resultado da caracterização é a pontuação de efeitos, como

o exemplo mostrado na Tabela 2 .

7 Acrônimo da expressão Life-Cycle Impact Assessment.

8 Acrônimo da expressão Environmental Priority Strategy. Neste método, calcula-se a cadeia completa de causa e efeito

de cada impacto sobre equivalente humano. 9 Este método baseia-se no princípio da distância até o alvo, onde a distância entre o nível atual de um impacto e o nível-

alvo indica a gravidade da contribuição de uma determinada emissão.

10 A pontuação fornecida pelo Eco-indicator 99 baseia-se na metodologia de avaliação de impactos que transforma os

dados da planilha de inventário em pontuações de dano que, de acordo com as necessidades e escolha do usuário, podem ser agregadas em pontuações de dano para cada uma das 3 categorias de dano ou em uma pontuação única.

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 23

Tabela 2 – Exemplo de caracterização: trecho da planilha de impactos da produção de 1 kg de polietileno (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

Emissões Quantidade (kg) Aquecimento global

Dano à camada de ozônio

Toxicidade ao homem

Acidificação

CO2 1,792 x1.0 - - - NOx 1,091 x10-3 - - x 0,78 x 0.7

SO2 987,0 x10-6 - - x 1,2 x 1.0 CO 670,0 x10-6 - - x 0,012 -

Pontuação de Efeitos 1,792 0 0,00204 0,0017

A pontuação de efeitos também pode ser representada como um gráfico de colunas (Figura

3) que permite comparar efeitos de diferentes produtos para atender a uma mesma

finalidade. Neste caso, o maior valor calculado para cada efeito é definido como 100%, de

forma que apenas são possíveis comparações efeito a efeito.

Figura 3 – Caracterização dos ciclos de vida de sacos de papel e de PEBD (polietileno de baixa densidade). Outras classes não são mostradas no gráfico, como pesticidas, uso de energia e disposição de resíduos sólidos (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

Quando todos os efeitos de um produto são maiores que os de outro, é fácil notar qual deles

é o mais agressivo ao ambiente. No entanto, é muito mais comum que um produto apresente

pontuação maior em determinadas classes e menor em outras. Nesse caso, a interpretação

dos dados é função de dois fatores (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001):

(1) normalização, que indica o tamanho de cada efeito em relação aos demais, isto é: se o impacto correspondente a 100% de acidificação (na Figura 3, por exemplo), representa um valor extremamente alto ou desprezível; e

(2) avaliação, que indica a importância relativa associada a cada efeito ambiental, e permite agregá-los para obter um indicador do impacto.

ciclo de vida saco PEBD

aquec. global acidif. met. pesados nev. inverno dano cam. ozônio. eutroficação carcinógenos nevoeiro verão

ciclo de vida saco papel

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 24

2.3.3.2 NORMALIZAÇÃO

Na normalização, cada efeito calculado é confrontado com o valor total conhecido para

aquela classe de impacto. O Eco-indicator 99, por exemplo, procede a normalização com

base nos efeitos causados por um cidadão europeu médio ao longo de um ano (PRÉ

CONSULTANTS INC, 2001). O BRE utiliza metodologia semelhante, ao normalizar em

relação aos efeitos causados por um cidadão médio do Reino Unido ao longo de um ano

(UK Ecopoints) (DICKIE;HOWARD, 2000).

Após a normalização, é possível observar a contribuição relativa do sistema aos níveis

existentes de determinados efeitos (Figura 4). Este procedimento fornece uma noção do

panorama geral do impacto causado pelo sistema, já que, até a etapa de caracterização, só é

possível comparar os efeitos individualmente.

Figura 4 – Normalização dos ciclos de vida de sacos de papel e de PEBD (dados fictícios). Neste exemplo, a normalização evidencia contribuições relativamente altas para aquecimento global, ecotoxicidade (acidificação, eutroficação), toxicidade ao homem (metais pesados, carcinógenos) e formação de nevoeiros (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

2.3.3.3 AVALIAÇÃO (OU VALORAÇÃO) DE PONTUAÇÃO NORMALIZADA

Apesar de a normalização facilitar a visualização dos resultados, ainda não permite que se

faça um julgamento final, pois, até então, os diferentes efeitos ambientais são considerados

como de igual importância. Cabe à avaliação (também chamada valoração) atribuir pesos à

ciclo de vida saco PEBD ciclo de vida saco papel

aquec. global acidif. met. pesados nev. inverno dano cam. ozônio. eutroficação carcinógenos nev. verão

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 25

pontuação normalizada, de modo a representar a importância relativa de cada efeito (Figura

5).

Figura 5 – Valoração de ciclos de vida de sacos de papel e de PEBD normalizados (dados fictícios), evidenciando a significância dos efeitos de ecotoxicidade (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

Após esta ponderação, o tamanho das colunas passará a, de fato, representar a gravidade de

cada efeito, permitindo que elas sejam somadas para se chegar a um resultado final

(indicador), como mostra a Figura 6.

Figura 6 – Indicador de ciclos de vida de sacos de papel e de PEBD. A preferência por sacos de papel torna-se evidente (PRÉ CONSULTANTS INC, 2001).

Surgem, então, questões importantes quanto ao modelo ideal para a conversão dos efeitos

ambientais em impactos e, principalmente, quanto aos critérios de valoração e comparação

ciclo vida saco LDPE ciclo de vida saco papel

aquec. global acidificação. met. pesados nev. inverno dano cam. ozônio. eutroficação carcinógenos nevoeiro verão

ciclo de vida saco PEBD ciclo de vida saco papel

aquecimento global

acidificação

metais pesados

nevoeiro inverno

dano cam. ozônio.

eutroficação

carcinógeno

nevoeiro de verão

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 26

das diferentes categorias de impactos entre si11, estágio de caráter notavelmente subjetivo,

que depende de valores sociais, culturais, éticos e políticos específicos (SETAC, 1993;

USEPA apud SHEN, 1995; LIPPIATT, 1998). Por esta razão, a análise de impactos é a

etapa mais complexa da LCA (BAUMANN, 1994; BEETSTRA, 1996).

2.3.4 INTERPRETAÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DAS MELHORIAS

A interpretação de dados segue em paralelo a todas as etapas anteriormente citadas,

provendo a retroalimentação do processo (Figura 1). Tanto a série ISO 14.00012, quanto a

BS 775013 (1994) ou os EMAS 14 exigem a melhoria contínua dos sistemas de gestão

ambiental, o que, a exemplo do que faz a série ISO 9000 para os sistemas da qualidade,

pressupõe uma etapa de análise de melhorias.

Tratada como etapa à parte no SETAC LCA Code of Practice15 (SETAC, 1993), a análise de

melhorias procura avaliar sistematicamente a necessidade e oportunidades para reduzir o

dano ambiental associado à forma de apropriação e uso de energia e recursos naturais e

liberação de emissões ao longo do ciclo de vida do produto, processo ou atividade (SHEN,

1995).

A análise global da dimensão ambiental do sistema procura responder às questões

formuladas no escopo da análise do ciclo de vida, sendo que a informação analítica de uma

fase complementa as fases seguintes. A interpretação do inventário de fluxos (análise de

impactos) permite averiguar as atividades/fases com maior ou menor impacto ambiental. A

análise de melhorias, por sua vez, procura identificar as oportunidades para reduzir

emissões e uso de recursos, e propor alternativas para a diminuição dos impactos negativos

identificados. À análise de melhorias cabe, ainda, assegurar que as estratégias de redução

11 Como decidir o que é pior entre destruição de habitats naturais, chuva ácida e efeito estufa, por exemplo?

12 ISO 14.001 e 14.004 (Environmental Management Systems). As demais normas da série são: ISO 14.010/12 - Guidelines

for environmental auditing; 14.020/25 – Environmental labels and declarations ; 14.031/32 – Environmental performance evaluation; 14.040/49 – Life-cycle assessment; 14.050 – Vocabulary; 14.061 – Information on use of ISO 14.041 and 14.044).

13 BS 7.750/1994. Specification for environmental management systems. (Substituída em 1997 pela norma BSEN ISO

14001). 14

European Community Eco-Management & Audit Scheme. Este esquema foi estabelecido em 1993 pela EC Regulation 1836 e entrou em operação em abril de 1995.

15 Em abordagem ligeiramente mais detalhada que a da ISO, o Code of Practice da SETAC recomenda que a LCA seja

dividida em 5 estágios: planejamento, ajuste e execução preliminar (screening), coleção e tratamento de dados (LCI), avaliação e análise de melhorias (SETAC, 1993).

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 27

potencial e os programas de melhoria não produzam novos impactos sobre o meio e a saúde

humana que não tenham sido corretamente considerados (VIGON et al. apud SHEN, 1995).

2.4 LIMITAÇÕES INTRÍNSECAS À LCA

As decisões sobre seleção de materiais, sistemas, tecnologias e posturas estratégicas

empresariais devem ser confirmadas por evidência científica suficiente para mostrar que

uma determinada solução é, sob a perspectiva ambiental, a mais indicada para um contexto

específico. É neste ponto que a LCA pretende chegar após considerar as opções disponíveis

e racionalizar os dados coletados, o que conseqüentemente a torna uma ferramenta valiosa

para orientar a tomada de decisões.

Apesar de ser, consensualmente, a forma mais adequada para reunir sistematicamente tais

informações, no estado atual de conhecimento da metodologia, o analista depara-se

freqüentemente com qualidade e quantidade insuficiente de dados que o impede de chegar a

uma resposta clara e irrefutável. Como resultado, temos supersimplificações que

empalidecem o rigor científico da análise e, muitas vezes, a destituem de significado.

Focalizando especificamente a construção civil, os estudos do início da década de 90

dedicaram-se à uniformização e refinamento da metodologia para adaptá- la às

particularidades de um edifício, que congrega um grande número de materiais e sistemas de

construção. Uma outra frente importante de pesquisa desenvolve-se em paralelo, destinada à

produção de bases de dados confiáveis e mais extensas para alimentar as análises. As

pesquisas da segunda metade desta década vêm-se concentrando no desenvolvimento de

métodos práticos de avaliação e, principalmente, de ferramentas de trabalho que possibilitem

a real inserção dos parâmetros ambientais como complemento aos parâmetros decisórios

tradicionalmente utilizados pelos profissionais do setor.

A metodologia para análise do inventário é considerada como bem definida e entendida pelo

meio técnico, estando as principais barreiras concentradas na dificuldade de aquisição de

dados confiáveis e em procedimentos específicos, particularmente a caracterização e a

valoração de impactos. No entanto, por limitar-se a aspectos que possam ser quantificados, a

contabilidade analítica de um produto (ou processo) feita em uma LCA acaba representando,

em certos casos, apenas uma descrição parcial dos impactos ambientais do sistema.

A experiência internacional tem demonstrado que a quantificação de fluxos ao longo do

ciclo de vida de produtos ainda não se tornou a ferramenta de auxílio de tomada de decisões

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 28

que se desejaria. Isto pode ser atribuído a alguns aspectos–chave que, em maior ou menor

grau, permanecem insolutos, entre eles:

• a qualidade e disponibilidade de fontes de dados - o que torna-se especialmente delicado se a análise do processo exigir a ampliação dos limites do sistema;

• limitações de custo;

• falta de uma unidade para comparação dos impactos - a comparação de diferentes categorias ambientais é bastante difícil e estabelecer uma hierarquia entre os efeitos é um procedimento essencialmente subjetivo, que varia com uma agenda ambiental específica e definida caso a caso;

• incapacidade para quantificar determinados impactos, como no caso da valoração de questões como a vida humana versus certos danos ambientais, por exemplo;

• procedimentos de alocação de impactos no caso de co-produtos, produtos com teor reciclável; e de gerenciamento de resíduos.

Estas limitações estão igualmente presentes quando se estende a LCA para a avaliação

ambiental de edifícios.

2.5 APLICAÇÃO DE LCA EM AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE EDIFÍCIOS

Apesar de ser um procedimento complexo e, freqüentemente, longo, a análise do ciclo de

vida adiciona uma dimensão científica à discussão ambiental e tem recebido investimento

crescente em pesquisa na construção civil (BALDWIN et al., 1998; JAQUES, 1998;

SILVA;SILVA, 2000). No que tange à avaliação ambiental de edifícios, esta abordagem

substitui os estudos estritamente concentrados nos aspectos de uso de energia que

prevaleceram após a crise do petróleo no início dos anos 70, e acrescenta outras facetas

importantes ao enfatizar que aspectos como a energia incorporada aos materiais e o volume

de resíduos gerados nas atividades de construção e demolição já não podem ser

negligenciados.

Uma meta perseguida por todos os esquemas de avaliação existentes é a minimização da

subjetividade da avaliação. A análise do ciclo de vida procura atingir o mesmo objetivo, isto

é retratar objetivamente um determinado produto em termos de fluxos de entrada (consumo

de recursos) e saída (emissões e resíduos) de um sistema, minimizando a interferência de

decisões subjetivas dos analistas.

Uma segunda virtude importante da LCA é lançar uma visão holística sobre o processo

global de produção e utilização e partir do princípio de que todas as suas fases geram

impactos sobre o ambiente e, portanto, devem ser consideradas. Estender este conceito para

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 29

avaliar o desempenho ambiental de um edifício significa gerar informações quanto aos

fluxos de recursos e emissões definidos pela implantação e orientação; processo de

construção; seleção de materiais (uso de recursos, produção e transporte envolvidos);

flexibilidade de projeto; planejamento da operação e gerenciamento de resíduos de

construção e demolição (Figura 7).

Figura 7 - Ciclo de vida de um edifício genérico.

No entanto, neste momento, a aplicação direta de LCA – tal como desenvolvida para

produtos industrializados – à avaliação de edifícios no Brasil mostra-se, na realidade,

complexa, impraticável e insuficiente.

Complexa, porque os edifícios são compostos por inúmeros produtos, cada qual com uma

árvore de processos própria. Mais ainda, a sua construção envolve diversos agentes. Esses

fatores não inviabilizam o emprego de LCA, mas aumentam expressivamente a quantidade

de informações envolvida e a dificuldade em obtê-las.

Impraticável, no caso brasileiro, porque ainda não existem dados confiáveis de LCA de

materiais de construção nacionais, salvo os dados de cimento publicados por CARVALHO

(2002). No momento, os únicos recursos disponíveis são bases de dados estrangeiras. Este é

um cenário que está mudando, porém muito lentamente.

A natureza da metodologia de LCA deixa explícito que as bases de dados estrangeiras - como as do SimaPro, que conta com base de dados própria (holandesa) e add-ons de dados americanos (Franklin Database) e holandeses

Recursos

Resíduos

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 30

(IVAM16 database, específica para materiais de construção); GaBi (alemã) e TEAM (francesa), ambas com dados europeus - são válidas exclusivamente dentro dos limites geográficos em que foram coletadas17.

Naturalmente, os processos de obtenção de muitos materiais e produtos de construção estrangeiros guardam semelhanças com aqueles produzidos no Brasil, mas (1) processos-chave (como o de produção de cimento) têm características muito diferentes e (2) a tradição e as práticas construtivas estrangeiras simplesmente não cobrem dados sobre componentes fundamentais na construção brasileira (como componentes cerâmicos para vedação, por exemplo).

Algumas ferramentas de suporte à decisão como o BEES (EUA) e o ATHENA (Canadá), citadas no item 2.2, embutem suas próprias bases de dados, mas também não podem ser utilizadas no Brasil, porque elas (1) são personalizadas para seus países de origem e, conseqüentemente, não incluem materiais e soluções construtivas que são típicos e fundamentais na construção brasileira (como vedações em alvenaria com revestimento em argamassa, por exemplo); e (2) não são editáveis para permitir que o usuário os inclua manualmente.

Na falta de dados nacionais, estas bases até podem ser utilizadas como ponto de partida, desde que fique claro que (1) trata-se de dados estrangeiros que não necessariamente refletem processos e condições utilizadas no Brasil, mas podem dar uma noção da magnitude dos impactos; e (2) estas entradas de dados serão oportunamente substituídas, na medida em que forem coletados e tratados os dados nacionais correspondentes.

Insuficiente, porque (1) apenas uma parte do desempenho ambiental do edifício pode ser

descrita estritamente através de fluxos de matéria. Este é o caso exclusivo das categorias uso

de recursos e cargas ambientais (Figura 8). A etapa de utilização do edifício também

compreende a descrição dos efeitos ambientais através de fluxos de recursos e emissões,

mas não pode ser descrita unicamente através deles, uma vez que inclui aspectos

particulares, como qualidade do ambiente interno18 (IEQ), por exemplo, cuja avaliação

compreende efeitos sobre os ocupantes e suas percepções (Figura 9); e (2) as avaliações de

edifícios, especialmente em países em desenvolvimento, devem abranger não só seus

impactos ambientais, mas também os impactos sociais e econômicos (Figura 8).

16 IVAM Environmental Research é uma agência de pesquisa, afiliada à Universidade de Amsterdam, que atua nas áreas

de construção sustentável, energia, gerenciamento de cadeia, qualidade de vida e produção mais limpa. 17

O mesmo se aplica às ferramentas LCA estrangeiras desenvolvidas para os profissionais de construção, como o BEES, para comparação entre produtos, com base em dados próprios, não publicados e válidos para os EUA; o ATHENA, para comparação de sistemas construtivos ou edifícios completos, com base em dados canadenses publicados; o ENVEST, para análise de edifícios completos, com base em dados do reino Unido, sumarizado em ecopoints; e o EcoQuantum, que contém base holandesa, para análise de edifícios completos residenciais.

18 Especificamente sobre LCA aplicada a avaliação de clima interno, ver JÖNSSON (2000).

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 31

Figura 8 - Inserção conceitual da LCA em avaliação da sustentabilidade de edifícios.

Figura 9 – Esquema dos fluxos ambientais ao longo do ciclo de vida de um edifício.19

19 RCD é o acrônimo para Resíduos de Construção e Demolição.

IEQ contexto durabilidade qualidade dos serviços entre outros

Avaliação econômica

Avaliação Social

Avaliação da Sustentabilidade

Avaliação Ambiental

uso recursos cargas ambientais

LCA

Preparação do terreno

Construção

Uso e manutenção

Demolição reuso/reciclagem

ENTRADAS ETAPA Ciclo de Vida

SAÍDAS

Energia, água, componentes e materiais

Energia, água e materiais (operação, manutenção e

reforma)

Energia

Solo, energia (limpeza, movimento de

terra)

CO2, poeira, ruído, RCD18

CO2, resíduos, esgoto efeitos ambiente interno

(asma, síndrome de edifícios doentes)

efeitos vizinhança

CO2, poeira, ruído, RCD

CO2, poeira, ruído perda de vegetação perda de habitats

Capítulo 2 – Abordagem de ciclo de vida na avaliação de edifícios 32

2.6 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO

A aplicação direta de LCA em avaliação de edifícios no Brasil é, neste momento, complexa,

impraticável e insuficiente. As limitações são claras, mas há vantagens concretas e, por esta

razão, todos os métodos de avaliação tentam de alguma maneira incorporar seus conceitos,

explicita- ou implicitamente, como será evidenciado no Capítulo 3. Havendo consciência

destas limitações atuais, o emprego de fundamentos e, principalmente, de dados confiáveis

de LCA abre, por outro lado, uma perspectiva holística para análise do processo de

produção, utilização e modificação do ambiente cons truído e pode dar sua contribuição na

minimização de subjetividade da avaliação ambiental de edifícios.

Como resultado das dificuldades práticas de utilização de LCA, a maioria dos métodos de

avaliação de edifícios não a emprega como ferramenta de apoio à atribuição de créditos

ambientais relacionados ao uso de materiais. Mais comum é extrair da LCA o conceito de

ciclo de vida e utilizá-lo para aumentar a abrangência da avaliação do edifício, ainda que a

maioria deles utilize o conceito de “berço ao sítio” (cradle-to-site) em vez de “berço ao

túmulo”, conceito-base da LCA. Por “berço ao sítio”, entende-se que são considerados

apenas os impactos até a etapa de uso/ocupação do edifício. Quanto aos estágios posteriores

(desmontagem/demolição, encaminhamento para reciclagem e reuso), de modo geral, ainda

faltam estudos que permitam ir além de itens genéricos, como projeto para adaptabilidade e

demolição; e uso de materiais biodegradáveis, recicláveis e reutilizáveis.

É consenso, no entanto, que mesmo diante das dificuldades apontadas, a LCA é a única

abordagem disponível para comparar científica e conclusivamente os impactos ambientais.

A construção de inventários de materiais e componentes de construção é, portanto, uma

tarefa necessária e que deve ser iniciada de forma consistente no Brasil o mais breve

possível.

O próximo Capítulo traça um panorama do estado atual dos sistemas de avaliação ambiental

de edifícios. A discussão metodológica de alguns dos principais sistemas existentes é

conduzida com base em três questões básicas: “o que avaliar?”, “como avaliar?”, “quanto

atingir?”.