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Morte cerebral em pediatria: tempo de
Volume 12 | N. 2 | Novembro de 2012 Sinapse 33
IntroduoO conceito de morte cerebral (MC) tem a sua origem nos
anos 1950. No caso da Pediatria, a relativa escassez de evidn-cia cientfica dificulta a validao universal dos critrios dediagnstico de MC. Em Portugal, os critrios de MC foramdefinidos em 1994 e detalhados em 1998. Recentemente, areviso dos critrios de MC em Pediatria nos EUA relanou areflexo sobre este tema.
ObjectivosReviso da evidncia sobre critrios de MC em Pediatria.
DesenvolvimentoO diagnstico de MC exige: conhecimento da causa, esta-
belecimento da sua irreversibilidade, coma, ausncia de refle-xos do tronco e apneia. Na populao peditrica a definiodos critrios exige um cuidado especial devido maior resis-tncia ao insulto cerebral, dificuldade em interpretar dadossemiolgicos em recm-nascidos, ao padro de desenvolvi-mento dos reflexos do tronco e incerteza sobre o tresholdde apneia. No existem estudos randomizados e controladospara a validao dos critrios de morte cerebral. A recomen-dao de duas avaliaes e do intervalo entre elas baseadaem descries de casos complexos. Estudos em doentes comsuspeita de MC reportaram a ausncia de movimentos respi-ratrios a uma mdia de PaCO2 mximo de 60-70mmHg naprova de apneia. 76% dos doentes com suspeita de MC tmsilncio electrocerebral no primeiro EEG. 86% dos doentescom suspeita de MC tm ausncia de fluxo cerebral nos exa-mes radionucleares. Estes exames tm uma sensibilidademenor nos recm-nascidos. EEGs com actividade cerebral epersistncia de fluxo cerebral nos exames radionucleares noexcluem o diagnstico de MC.
ConclusesO diagnstico de MC em Pediatria complexo e reveste-se
de significados culturais e religiosos que exigem acompanha-mento e compreenso das famlias. A necessidade de rigor nasua definio contrasta com a existncia de algumas reas deincerteza, pelo que a reviso peridica da evidncia cientficae das recomendaes imprescindvel.
Palavras chave: morte cerebral, Pediatria, coma, reflexosdo tronco, prova de apneia, exames auxiliares.
Ttulo de cabealho: Critrios de morte cerebral emPediatria.
IntroductionOrigin of brain death (BD) concept dates back to 1950s. In
the pediatric population, the relatively scarce scientific evi-dence poses difficulties when trying to establish and validateBD criteria. In Portugal, BD criteria were established in 1994and detailed in 1998. The recent guidelines update for deter-mining BD criteria in infants and children in USA has onceagain revived the discussion on this theme.
ObjectivesReview of up-to-date evidence on BD criteria in infants
and children.
DevelopmentBD diagnosis requires determination of cause, irreversibil-
ity of the condition, coma, absence of brainstem reflexes andapnea. In infants and children definition of BD criteria mustacknowledge specificities of this population, namely theincreased resistance to brain hypoxia, difficulty in performingand interpreting neurological examination in newborns, pat-tern of development of brainstem reflexes, uncertainty of theapnea threshold. There are no randomized controlled trialsfor validation of BD criteria. Recommendation of 2 evalua-tions and interval between them is based on reports of com-plex cases. Studies in patients with clinical findings consistentwith BD found absence of respiratory movements after hyper-capnia of 60-70mmHg in apnea test. In patients with clinicalfindings consistent with BD, the first EEG revealed electro-cerebral silence in 76%, and the first radionuclide cerebralblood flow exam revealed absent cerebral blood flow in 86%.Persistent brain electrical activity and cerebral blood flow donot exclude BD diagnosis.
ConclusionsBrain death diagnosis in infants and children is complex
and entails cultural and religious meanings which requireunderstanding and involvement of the family in the steps forits determination. The necessary accuracy in BD criteria defi-nition contrasts with areas of uncertainty, thus making theperiodic review of scientific evidence and recommendationsindispensible.
Keywords: brain death, infants, children, coma, brainstemreflexes, apnea test, ancillary studies.
Running title: Brain death criteria in infants and children.
Morte cerebral em pediatria: tempo de rever os critrios?Brain death in infants and children: time to review criteria?
Joo Pinho1, Manuela Almeida Santos2
1-Interno de Formao Especfica de Neurologia, Hospital de Braga; 2-Neuropediatra, Assistente Hospitalar Graduada, Hospital Maria Pia,Centro Hospitalar do Porto.
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Introduo
Pelo menos desde o sculo XIX que vrias descries de
casos chamaram a ateno para a possibilidade de leses
cerebrais graves com hipertenso intracraniana poderem
causar apneia antes de ocorrer paragem cardaca1. Em
1959, Mollaret e Goulon descreveram pela primeira vez
um estado de coma profundo, do qual no seria possvel
recuperar, ao qual chamaram coma dpass. Tratava-se
de 23 doentes em coma, sem reflexos do tronco enceflico,
sem movimentos respiratrios, com EEGs sem actividade
elctrica cerebral2. Embora os primeiros transplantes de
rgos com sucesso tenham sido realizados nas dcadas
de 50 e 60, na verdade o conceito de morte cerebral (MC)
veio a evoluir com a capacidade tcnica da ventilao
mecnica e com o avano e generalizao da medicina
intensiva1,3. Em 1968 uma comisso ad hoc de Harvard
Medical School reviu a definio de MC, tendo ganho
ampla aceitao os seguintes critrios: coma irreversvel
de causa conhecida, ausncia de movimentos, ausncia
de reflexos do tronco, ausncia de movimentos respirat-
rios4. Mais tarde o Medical Royal College do Reino Unido
avanou uma definio ligeiramente diferente, cujo ponto
fundamental se baseava na perda completa e irreversvel
da funo do tronco enceflico, tendo aconselhado nor-
mas para a realizao da avaliao neurolgica nesta cir-
cunstncia5. Posteriormente foram sendo publicadas
linhas orientadoras para determinao de MC em adultos
e nos EUA a morte cerebral foi legalmente equiparada
cessao irreversvel da funo respiratria e circulatria6.
Os primeiros critrios de MC na populao peditrica
foram publicados em 1987 por um comit constitudo por
neurologistas, pediatras e neuropediatras americanos,
tendo por base escassa evidncia cientfica7. Estes crit-
rios, embora amplamente aceites e reconhecidos pelos cl-
nicos, foram alvos de crticas, com relatos de casos cujos
autores defendiam que desafiavam a sua validade, e a sua
aplicao carecia de uniformidade tanto na realizao
como no registo. Em Portugal, declarao da Ordem dos
Mdicos sobre a definio dos critrios de MC publicada
em 19948, seguiu-se a publicao em 1998 do guia de diag-
nstico de MC que actualmente estabelece com detalhe a
realizao das avaliaes e exames necessrios para a
determinao de MC em adultos e em crianas com mais
de 7 dias de idade9. Este documento foi elaborado por uma
comisso constituda por especialistas nomeados pelos
colgios de especialidade de Neurologia, Medicina Interna
e Anestesiologia e, no que se refere populao peditri-
ca, muito prximo dos critrios americanos de 1987.
Recentemente, uma comisso nomeada por vrias socie-
dades e associaes mdicas americanas reviu a evidncia
sobre os critrios de MC em Pediatria e publicou um docu-
mento com novas linhas orientadoras cujas principais
alteraes, relativamente ao documento de 1987, incluem
a reestruturao dos critrios de acordo com a idade, a
alterao dos tempos necessrios entre as 2 avaliaes, a
definio do estmulo adequado na prova de apneia e a
necessidade e nmero de exames auxiliares10. O objectivo
deste trabalho rever a evidncia cientfica sobre MC em
Pediatria e introduzir a discusso sobre a necessidade de
rever os critrios para a sua determinao em Portugal.
Objectivos e mtodos
O objectivo principal deste artigo a reviso dos
actuais critrios de MC na populao peditrica, da evi-
dncia cientfica que suporta o estabelecimento de tais
critrios e desta forma introduzir a discusso sobre a
necessidade de reviso dos critrios. Para tal foram pes-
quisados os termos brain death e children, infancy ou
pediatric no ttulo ou resumo de publicaes nas seguin-
tes bases de dados: Medline, EBSCO, Elsevier - Science
Direct, Wiley Online Library, Wolters Kluwer - Ovid,
SpringerLink. Foram pesquisados os artigos considera-
dos relevantes e outras referncias importantes nestas
publicaes. Adicionalmente foram pesquisados docu-
mentos com relevncia nacional como o Guia de
Diagnstico de Morte Cerebral publicado na Acta Mdica
Portuguesa e a declarao da Ordem dos Mdicos sobre os
critrios de morte cerebral publicada em Dirio da
Repblica.
Especificidade da populao peditrica
De uma forma geral aceite que a definio dos crit-
rios de MC deve reconhecer as particularidades fisiolgi-
cas, desenvolvimentais e da resposta doena das crian-
as, pelo que existem recomendaes especficas na
populao peditrica. A avaliao neurolgica em contex-
to de cuidados intensivos peditricos e neonatais muitas
vezes difcil de interpretar dado o padro de desenvolvi-
mento de reflexos do tronco, uma vez que os reflexos pupi-
lares esto ausentes antes das 30-34 semanas11, e os refle-
xos oculoceflicos surgem habitualmente aps as 32
semanas12. Existem outros aspectos tais como a dificulda-
de em avaliar a resposta a estmulos externos em recm-
nascidos (RN); a dificuldade de realizar a avaliao em RN
em incubadoras; a impossibilidade de valorizar os reflexos
vestibulo-oculares em situaes de hiperbilirrubinemia,
ototoxicidade de antibiticos e canais auditivos externos
pequenos. A noo emprica de que os RN so mais resis-
tentes hipoxemia cerebral do que os adultos suportada
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pela evidncia que em RN um fluxo sanguneo cerebral de
5mL/100mg/min pode estar associado a um desenvolvi-
mento neurolgico normal13. Adicionalmente, o estmulo
de hipercpnia necessrio para o desenvolvimento de
movimentos respiratrios (treshold de apneia) em
crianas incerto14.
Coma, reflexos do tronco e situaes equvocas
A presena de coma profundo e a ausncia de todos os
reflexos do tronco so condies indispensveis para o
diagnstico de MC. A resposta dor deve ser avaliada com
estmulos dolorosos aplicados em pontos sensveis: nervo
supraorbitrio, articulao temporomandibular e leitos
ungueais. Os reflexos do tronco que devem ser testados
representam um correlato de funo do mesencfalo,
ponte e bulbo e incluem os reflexos pupilares luz, oculo-
ceflicos, corneanos, oculovestibulares, farngeo e tra-
queal. Existe, contudo, um conjunto de situaes revers-
veis que podem causar coma e ausncia de reflexos de
tronco e que devem ser excludas antes de iniciar a avalia-
o clnica de MC (pr-requisitos): desequilbrios metab-
licos (glicose, Na+, K+, Ca2+, Mg2+, funo renal, funo
heptica, funo tiroideia, equilbrio cido-base); hipoter-
mia definida como temperatura central inferior a 35C
(temperatura central inferior a 28C pode causar ausncia
completa de reflexos do tronco, e inferior a 32C pode cau-
sar ausncia de reflexo pupilar luz)15; instabilidade
hemodinmica; efeitos de frmacos sedativos, anestsi-
cos, antiepilpticos e bloqueadores da placa motora.
Casos de sndrome de Guillain-Barrr16, leso medular
cervical alta17, intoxicao por baclofeno18, lidocana19,
vecurnio20 e organofosforados21 foram descritos como
mimetizadores de MC, mas a anlise detalhada das carac-
tersticas clnicas revela que no estavam reunidos todos
os critrios indispensveis para a determinao de MC.
Alguns movimentos reflexos e espontneos no so infre-
quentes em contexto de MC e tm origem medular, no
excluindo, portanto, o diagnstico (reflexo de Lazarus,
reflexos osteotendinosos, reflexos cutneos abdominais,
reflexos cutaneoplantares, tremor dos dedos ou do
hlux)22. Surgem habitualmente nas primeiras 24 horas
aps a suspeita de MC, raramente persistem mais de 72
horas, so estereotipados, sem propsito, quando reflexos
surgem com uma latncia constante aps o estmulo e
existe habituao com estimulao repetida.
Prova de apneia
A prova de apneia essencial para a determinao de
MC e embora no haja uma uniformidade na tcnica uti-
lizada, os pontos fundamentais da sua realizao so
minimizar a probabilidade de complicaes, garantir a
existncia de trocas gasosas normais previamente sua
aplicao, desconexo do ventilador, observao cuidada
de movimentos respiratrios e documentao da PaCO2
no incio e no final da prova de apneia. Apenas 4 estudos
em crianas com suspeita de MC documentaram os deta-
lhes e resultados da prova de apneia. Outwater e Rockoff
incluram prospectivamente 10 doentes com idades entre
10 meses e 13 anos com suspeita de MC e nenhum doente
desenvolveu movimentos respiratrios a uma PaCO2
mdia final de 59.5mmHg aps 5 minutos de apneia23.
Rowland et al incluiram prospectivamente 9 doentes com
idades entre 4 meses e 13 anos em que se realizaram 16
provas de apneia14. Aps 15 minutos de apneia nenhum
doente desenvolveu movimentos respiratrios, com uma
PaCO2 final entre 50-116mmHg. Outro estudo prospectivo
em 19 doentes com idades entre 2 meses e 14 anos revelou
que 17 doentes no desenvolveram movimentos respira-
trios com uma PaCO2 final aos 15 minutos entre 37 e
129mmHg, e que em 2 doentes surgiram movimentos res-
piratrios com PaCO2 de 24mmHg (1 minuto) e 38mmHg
(10 minuto)24. O primeiro destes doentes sofreu paragem
cardaca espontnea 24 horas aps e no segundo doente
uma segunda prova de apneia revelou ausncia de movi-
mentos respiratrios a uma PaCO2 final de 72mmHg. Mais
recentemente, 38 doentes entre 2 meses e 17 anos foram
submetidos a um total de 61 provas de apneia: 1 doente
desenvolveu movimentos respiratrios com uma PaCO2 de
49mmHg ao 3 minuto (foi testado 24h aps, sem movi-
mentos respiratrios); em 7 doentes ocorreu instabilidade
hemodinmica significativa e a prova foi abortada; a
PaCO2mdia aos 10 minutos foi 81.8mmHg e aos 15 minu-
tos foi 86.9mmHg25. Vardis e Pollack reportaram um caso
de uma criana de 4 anos com suspeita de morte cerebral
aps paragem cardiorrespiratria, cuja prova de apneia
resultou em movimentos respiratrios ao 9 minuto, com
uma PaCO2 de 91mmHg, havendo sobrevivido. A descrio
no clara no que diz respeito a uso prvio ou doseamen-
to de sedativos e anestsicos e uma vez que o doente havia
sido submetido a uma cirurgia no dia anterior faz suspei-
tar que poderia existir efeito residual de frmacos depres-
sores respiratrios26.
Nmero de avaliaes e intervalos
No existem estudos randomizados que permitam
comparar diferentes formas de aplicar os critrios de MC.
Em adultos, nalguns pases requerida apenas uma ava-
liao de MC, mas em crianas so habitualmente exigi-
das 2 avaliaes, o que levanta a questo sobre os interva-
los entre as avaliaes. A repetio da avaliao refora a
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noo de irreversibilidade e reduz a possibilidade de erro.
Embora se encontrem casos descritos na literatura de
crianas com achados de MC cujo estado neurolgico se
modificou durante o perodo de observao27-29, vrios
autores argumentam que nenhum destes doentes cum-
pria todos os critrios de MC30-31. A estratificao dos
intervalos de avaliaes de acordo com a idade foi defini-
da de uma forma arbitrria, uma vez que no existe evi-
dncia cientfica nem suporte biolgico para tempos de
avaliao diferentes em crianas com mais de 1 ms de
idade. Dois estudos mostraram que a aplicao do
mesmo intervalo entre as avaliaes, independentemen-
te da idade, no resultou em diferente evoluo clnica
(nem diferentes achados neuropatolgicos, num dos
estudos) do que o que seria de esperar com os critrios
recomendados32,33.
Exames auxiliares
Devido s particularidades na determinao de MC em
Pediatria j descritas, a exigncia de confirmao com
exames complementares serviu tambm o propsito de
minimizar o erro de diagnstico. Reconhecem-se, contu-
do, as limitaes dos exames neurofisiolgicos e dos exa-
mes de fluxo sanguneo cerebral (CBF): 1) nenhum destes
exames pode, isoladamente, diagnosticar MC; 2) nenhum
destes exames pode excluir definitivamente o diagnstico
de MC; 3) nenhum destes exames tem acuidade diagns-
tica perfeita, com diversos casos bem documentados de
falsos positivos e falsos negativos. Os exames auxiliares
recomendados so precisamente aqueles com que os cl-
nicos tm mais experincia e em que existe evidncia
cientfica mais robusta: electroencefalograma (EEG),
angiografia cerebral de 4 vasos e cintigrafia cerebral
(SPECT). Outras tcnicas tm sido crescentemente sugeri-
das como possveis exames auxiliares (potenciais evoca-
dos somatossensitivos PESS, Doppler transcraniano,
AngioTC, AngioRM, ndice biespectral e saturao paren-
quimatosa cerebral de O2), mas a evidncia ainda escas-
sa e no existe consenso alargado sobre quais os achados
compatveis com MC. O EEG tem como vantagens a aces-
sibilidade fcil e o facto de ser no invasivo, mas as des-
vantagens incluem os artefactos no biolgicos frequentes
em contexto de unidades de cuidados intensivos, sensibi-
lidade aumentada a efeitos de frmacos depressores do
SNC, a menor amplitude dos potenciais corticais em RN, e
tendncia a padres de surto supresso em crianas com
doenas neurolgicas34. As condies tcnicas para reali-
zao do EEG como exame auxiliar de diagnstico de MC
foram descritas com detalhe por sociedades como a
American Clinical Neurophysiology Society, e o achado
compatvel com MC, o silncio electrocerebral (SEC), tem
de cumprir critrios bem definidos35. A reviso sistemtica
dos estudos que descreveram os resultados de EEG em
crianas com diagnstico clnico de MC revelou que dos
372 casos em que se realizou um primeiro EEG, este reve-
lou SEC em 76% (40% em RN com menos de 30 dias)10. Dos
66 doentes em que se descreveram os resultados do
segundo EEG apenas 2 recuperaram actividade elctrica
cerebral: 1 destes tinha nveis teraputicos de fenobarbital
na altura da realizao do primeiro EEG e o outro estava
sob o efeito de pancurnio e pentobarbital durante o pri-
meiro EEG. importante realar que a persistncia de
actividade elctrica cerebral foi observada em doentes
com critrios clnicos de MC cujo estado neurolgico no
se alterou aps longos perodos de observao34 e que o
achado de SEC foi observado em doentes sem critrios cl-
nicos de MC, com graves leses hemisfricas cerebrais e
preservao do tronco enceflico36.
A angiografia cerebral de 4 vasos o exame gold-stan-
dard para avaliar o CBF, mas os riscos associados, as difi-
culdades de realizao e acessibilidade limitada levaram
ao uso crescente do SPECT, com resultados concordan-
tes37. Em SPECT, o achado compatvel com MC o sinal
hollow skull, que traduz ausncia de CBF. A reviso siste-
mtica dos estudos que reportaram os resultados de
SPECT em crianas com diagnstico clnico de MC reve-
lou que dos 340 casos em que se realizou um SPECT, este
revelou ausncia de CBF em 86% (63% em RN com menos
de 30 dias)10. Dos 26 doentes em que se realizou um segun-
do SPECT apenas 2 tiveram recuperao de CBF: num des-
tes o estado neurolgico no se alterou e o ventilador foi
desconectado e o outro doente tinha intoxicao por feno-
barbital na altura da realizao do primeiro SPECT e
sobreviveu.
Recomendaes actuais
A actualizao recente dos critrios de morte cerebral
em Pediatria nos EUA10 baseou-se na evidncia atrs des-
crita e introduziu mudanas significativas relativamente
s recomendaes de 19877, incluindo uma folha de regis-
to estandardizada. A idade mnima contemplada nos
novos critrios passou de 7 dias para idade gestacional de
37 semanas (recm nascidos de termo). Foi aconselhado
um perodo mnimo de observao de 24h at realizao
da primeira avaliao de MC nos doentes que sofreram
paragem cardiorrespiratria ou leses cerebrais agudas
graves. Exigem-se sempre duas avaliaes clnicas de MC
independentemente dos exames auxiliares. Modificou-se
a estratificao de acordo com a idade do intervalo mni-
mo entre as duas avaliaes. Foi estabelecido um tres-
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hold de apneia. Os exames auxiliares deixaram de ser
obrigatrios para todas as idades, excepto quando existe
impossibilidade de realizao completa da prova de
apneia, quando existe incerteza nos resultados da avalia-
o semiolgica ou sobre o efeito residual de medicaes.
Quando se opta por realizar exames auxiliares (angiogra-
fia, SPECT ou EEG), a sua repetio aconselhada apenas
quando os resultados so equvocos, no dispensando a
repetio da avaliao clnica (Tabela 1). As recomenda-
es variam significativamente de pas para pas e na
Alemanha, por exemplo, os critrios para determinao de
MC em crianas datam de 1998 e so necessrias 2 avalia-
es clnicas, os intervalos entre elas variam de acordo
com a idade e tambm dependem se a leso do tronco
enceflico primria ou secundria e os exames auxi-
liares so obrigatrios em idades inferiores a 2 anos38. Os
critrios actuais de MC na populao peditrica em
Portugal prevm9: excluso de crianas com menos de 7
dias ou com menos de 38 semanas de gestao; intervalo
mnimo entre as avaliaes de 12 horas (1 ano 18 anos),
24 horas (2 meses 1 ano), 48 horas (7 dias 2 meses);
threshold de apneia com PaCO2 no final da prova de
60mmHg; obrigatoriedade de realizao de exames auxi-
liares em idades 24h aps parto, aps PCR, aps TCE
Temperatura central - > 35C
Nmero de avaliaes2m - 1A: dispensada 2 avaliao e 2 EEG
se CBF ausente2 avaliaes sempre
Nmero de avaliadores - 2 especialistas
Intervalo mnimo entre avaliaes
7d - 2m: 48h2m - 1A: 24h1A - 18A: 12h
RN >37s - 30d: 24h31d - 18A: 12h
Estmulo adequado na prova de apneia
-pCO2 final >60mmHg e subida pCO2 > 20mmHg
Exames auxiliares7d - 2m: 2 EEG (intervalo mnimo 48h)
2m - 1A: 2 EEG>1A : opcionais
Opcionais quando: prova de apneia impossivel, incerteza da avaliao clnica,
incerteza se frmacos
Encurtamento do tempo entre avaliaes
Permitido se > 1A e ESC ou CBF ausentePermitido para todas idades se ECS ou
CBF ausente
Tabela 1.Comparao entre as recomendaes americanas para determinao de morte cerebral em idade peditrica de 1987 e 2011.
d = dias; s = semanas de gestao; A = anos; PCR = paragem cardiorrespiratria; TCE = traumatismo cranioenceflico; RN = recm-nascidos; ECS = siln-cio electrocerebral; CBF = fluxo sanguneo cerebral.
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CorrespondnciaJoo Pinho
Servio de NeurologiaHospital de Braga
Sete Fontes So Victor4710-243 BRAGA Portugal
Morte cerebral em pediatria: tempo de
Sinapse Novembro de 2012 | N. 2 | Volume 1238