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Liberdade de expressão digital no Brasil Junho 2014 Brasil: Nova referência global em internet?

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Liberdade de expressão digital no Brasil

Junho 2014

Brasil: Nova referência global em internet?

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Brasil: Nova referência global em internet?

Junho 2014

Autor: Melody PatryTraduzido do Inglês por Ana Carolina Minozzo

Com agradecimentos aos Vicky Baker, Sean Gallagher, Jodie Ginsberg, Kirsty Hughes, Rachael Jolley, Alice Kirkland.

Com os mais sinceros agradecimentos aos vários entrevistados tanto no Brasil quanto no exterior cuja expertise foi de extrema importância. Sem seu tempo e conhecimento, este relatório não teria sido possível.

Somos gratos pelo apoio da Fundação Open Society na produção deste relatório.

Créditos das fotos: apresentação, página 1, 14 e 18, Melody Patry; página 3, Cristiano Sant’Anna/indecefoto; página 23, NIC.br/ Luís Vinhão e Fernando Torres; página 25, Mídia NINJA.

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 3.0 Não Adaptada. Para ver uma cópia desta licença, visitehttp://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/

Sobre Index on Censorship

Index on Censorship é uma organização internacional que promove e defende o direito à liberdade de expressão.

Index utiliza uma combinação única de jornalismo, campanhas e advocacia para defender a liberdade de expressão para aqueles que enfrentam a censura ea repressão, incluindo jornalistas, escritores, usuários de mídias sociais, blogueiros, artistas, políticos, cientistas, acadêmicos, ativistas e cidadãos.

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Conteúdo

Introdução

1. Por uma declaração de direitos na internet

2. Acesso e inclusão digital

3. Governança da internet: O Brasil liderando debates internacionais

Conclusão e orientações

Glossário

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IntroduçãoEste documento de orientação política trata dos principais desafios e ameaças à liberdade de expressão online no Brasil. Também analisa o crescente papel do Brasil nos debates sobre a governança global da internet, e as consequências internacionais das políticas domésticas brasileiras sobre a internet. O Brasil tem o potencial de tornar-se um influente líder mundial em se tratando de direitos da internet e de lançar um exemplo de governança da tal, no entanto, isto dependerá de decisões e escolhas-chave a serem tomadas nas próximas semanas e meses.

Até o final de Junho de 2013, mais de 105 milhões de pessoas, 52% da população brasileira, terá acesso à internet no trabalho, em casa, na escola ou em cyber cafés.1 Os brasileiros estão entre os maiores usuários mundiais de blogs e redes sociais. Porém, o judiciário tem demonstrado ser “cada vez mais agressivo” em suas tentativas de regulamentação de conteúdo e o Brasil, nos últimos anos, tem chamado atenção por estar no ranking de países com maiores números de exigências de remoção online - pedidos de tribunais, do governo e de outros de remoção de material ou de resultados de buscas da internet. Esperanças consideráveis estão sendo depositadas no novo projeto de lei do Marco Civil, que trará uma estrutura legal progressiva, e muito necessária, aos direitos na internet. O projeto de lei foi aprovado no dia 23 de Abril de 2014, fazendo do Brasil o maior país a resguardar a neutralidade na rede em seu código legal. A lei também inclui parâmetros de privacidade mais restritos para lutar contra a vigilância e garante a liberdade de expressão online. Ainda assim, como este documento mostra, o Brasil enfrenta desafios consideráveis para assegurar que pode cumprir com as promessas da nova legislação.

O Brasil precisa lidar com a significante desigualdade em acesso digital. Este documento olha para as áreas de oportunidades nas quais o Brasil pode abordar fatores socioeconômicos que restringem o acesso à liberdade de expressão digital.

O ensaio está dividido em três seções. Primeiramente, revisa a necessidade de uma estrutura legal de proteção à liberdade de expressão online, particularmente o ambiente para a liberdade de expressão online e offline antes da adoção do Marco Civil, o “projeto de lei da internet”. Na segunda parte, considera a desigualdade digital no país e as oportunidades para aumentar o acesso e a inclusão digital como ferramentas de desenvolvimento no combate à pobreza, discriminação ou analfabetismo e lançar um exemplo para outros países. Por último, este documento examina o crescimento do papel do Brasil em debates internacionais sobre a governança da internet e inclui orientações sobre como o Brasil pode alcançar seu objetivo de tornar-se um modelo internacional em boa governança da internet com lideranças genuínas internas e fora do país.

Nota sobre a metodologia

Este documento de orientação política baseia-se em pesquisas e entrevistas realizadas no Brasil em Fevereiro de 2014 com diversos entrevistados da sociedade civil, companhias de internet, figuras políticas e jornalistas.

1 Source: Ibope Media, Número de pessoas com acesso à internet no Brasil chega a 105 milhões, http://www.ibope.com.br/pt-br/noti-cias/paginas/numero-de-pessoas-com-acesso-a-int<ernet-no-brasil-chega-a-105-milhoes.aspx

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Por uma “declaração de direitos na internet”

Manifestação durante o Fórum: o marco civil da internet - Campus Party Brasil 2013, 30 de Janeiro de 2014. Foto: Cristiano Sant’Anna/indecefoto

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O Brasil é um enigma em termos de liberdade na internet: por um lado, ocupa os primeiros lugares nas listas do Google e outras listas de pedidos de remoção, e, como mencionamos abaixo, houveram processos demonstrando compaixão às grandes companhias da internet como Google e Facebook em casos contra reclamações brasileiras a respeito da liberdade de expressão.2 Por outro lado, o Brasil acabou de aprovar uma lei progressiva, deixando o país no caminho de tornar-se um dos líderes mundiais em liberdade de expressão na internet.

No dia 23 de Abril de 2014, a presidenta Dilma Rousseff aprovou o Marco Civil da Internet, dois anos após o projeto de lei ser apresentado no congresso. O movimento que resultou na lei n° 12.965, 23 de Abril de 2014 – chamado de Marco Civil da Internet, ou simplesmente Marco Civil – teve início em 2007. O Marco Civil foi pensado levando em consideração três pontos principais: Neutralidade na rede, liberdade de expressão e privacidade dos usuários.3 O projeto foi particularmente bem vindo pela sociedade civil brasileira durante um período no qual o país ainda se depara com muitas restrições na liberdade de expressão on e offline.

Esta seção olha para as circunstâncias atuais da liberdade de expressão no país e, então, ao longo processo que levou à adoção da declaração brasileira de direitos na internet.

1.1 A necessidade de uma estrutura legal de proteção à liberdade de expressão online

A Constituição Federal Brasileira garante aos cidadãos brasileiros acesso amplo à informação de múltiplas fontes. O Capítulo 5 da Constituição protege a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa e proíbe “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.4 Porém, o país ainda enfrenta restrições tradicionais à liberdade de expressão - onde jornalistas já foram ameaçados e até assassinados. Na última década, mais cidadãos brasileiros tornaram-se usuários móveis e usuários da internet altamente ativos, ainda assim - num ponto comum com outros países - isso tem sido frequentemente um motivo de atrito entre aqueles novatos às liberdades e aqueles tentando impedir a liberdade de expressão online. Blogueiros e jornalistas da web foram ameaçados com processos litigiosos, atacados ou até assassinados por expressar suas opiniões na internet.

Violência contra profissionais da mídia, incluindo blogueiros e editores da web

Com 11 jornalistas mortos em 2012, cinco em 2013, e dois desde o começo de 2014, o Brasil é um dos países mais perigosos para profissionais da mídia e ocupa o 111 lugar, de 180, no World Press Freedom Index de 2014.5 A violência contra profissionais da mídia é uma ameaça séria à liberdade

2 Um pedido de remoção refere-se à exigência por parte de donos de direitos autorias, do governo ou de firmas legais, ou até indi-víduos de remover, cancelar ou restringir o acesso a conteúdos da internet. Um aumento no número de companhias ( incluindo mas não limitando-se ao Google, Facebook, Twitter, Dropbox, Yahoo e Microsoft) decidiu publicar relatórios de transparência para compartil-har dados sobre os números de pedidos de remoção recebido do governo, firmas legais, donos de direitos autorias e, às vezes, outros representantes.3 Neutralidade na rede (ou network neutrality) é o princípio de que todos os usuários da internet devem poder acessar qualquer conteúdo da rede e usar qualquer aplicativo de sua escolha sem nenhuma restrição ou limitação imposta pelos provedores de teleco-municações É um dos princípios básicos da internet que garante que operadores das telecomunicações permaneçam como meros transmissores de informação e não discriminem, dentro diferentes usuários, o acesso à comunicação ou conteúdo. Isso significa que todos dados devem ser tratados igualmente e devem ser enviados aos seus destinos na mesma velocidade não importando quem os envia ou os recebe. O grupo de campanhas ativistas pelos direitos na internet La Quadrature du Net teme que a desconsideração da netralidade na rede por operadores que desenvolvem novos negócios para restringir acesso pode levar à uma internet onde apenas aqueles que podem pagar por acesso privilegiado poderão usufruir da rede integralmente.4 Constituição Brasileira, de 5 de Outubro de 1988, emendas recentes de 1998, http://web.mit.edu/12.000/www/m2006/teams/willr3/const.htm5 Reporters Without Borders, World Press Freedom Index 2014, http://rsf.org/index2014/en-americas.php

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Utilizando tecnologias digitais para oferecer outra narrativa midiática: oportunidades e riscos

A posse da mídia no Brasil é extremamente concentrada, com 10 grandes companhias dominando a mídia nacional. 1Em muitos estados, empresários locais e políticos também têm as licenças de TV e rádio, interferindo com a pluralidade e a independência da mídia.2 O surgimento da internet e do acesso à internet via aparelhos móveis facilitou novas formas de compartilhamento de informação e jornalismo cidadão. Na sequência dos protestos que chacoalharam o país em Junho de 2013, Mídia NINJA, um coletivo de jornalistas utilizando as redes sociais, aumentou sua popularidade e influência ao fornecer um canal para o desapontamento da população com a política - e com a mídia.

O NINJA utiliza principalmente telefones celulares e outros aparelhos de 4G para produzir suas transmissões. A fricção e o interesse que o NINJA gerou tornou-se óbvia durante os protestos, quando seu livecasting dos eventos atingiu mais de 100,000 visualizações.3 Enquanto isso, sua página no Facebook, criada em Março de 2013, agregou mais de 260,000 likes. Bruno Torturra, fundador do Midia NINJA, disse à Index on Censorship: “Por causa de nossa agilidade, nossa presença nacional e a forma com a qual desafiamos as narrativas midiáticas, fomos condenados à fama em uma questão de dias. Centenas de pessoas se juntaram e nós pudemos cobrir mais de 100 cidades e produzir um monte de informação.”

Mas o aumento da influência desde novos jornalistas online e independentes vem com um risco. Muitos no grupo sentem que foram alvos da polícia por contradizerem a versão oficial dos fatos. “Nós já levamos balas de borracha, gás lacrimogêneo, pedras, fragmentos de granadas. Nós fomos atingidos por mangueiras de incêndio e spray de pimenta e ameaçados verbalmente. No país inteiro, oito repórteres foram detidos e, em alguns casos, sofreram agressões físicas,” disse Filipe Peçanha, outro colaborador do NINJA que foi detido enquanto filmava um protesto.4

1 Brazil, the country of 30 Berlusconis, Reporters Without Borders, 24 de Janeiro de 2013, http://en.rsf.org/bresil-thirty-berlusconis-south-american-24-01-2013,43938.html2 Universal Periodic Review: Brazil must ensure an end to violence against journalists and commit to media pluralism, Article 19, 25 de Maio de 2012, http://www.article19.org/resources.php/resource/3315/en/universal-periodic-review:-brazil-must-ensure-an-end-to-violence-against-journalists-and-commit-to-media-pluralism#sthash.xdmiW71r.dpuf3 Mídia NINJA: an alternative journalism phenomenon that emerged from the protests in Brazil, Knightcenter, Journalism in the Americas blog, 25 de Julho de 2013, https://knightcenter.utexas.edu/blog/00-14204-midia-ninja-alternative-journalism-phenomenon-emerged-pro-tests-brazil4 Brazil’s ninja reporters spread stories from the streets, The Guardian, 29 de Agosto de 2013, http://www.theguardian.com/world/2013/aug/29/brazil-ninja-reporters-stories-streets

de expressão, que piorou durante os grandes protestos que ocorreram em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outras capitais brasileiras em Junho de 2013. Os protestos foram iniciados por conta do aumentos no preço do transporte público e reforçados pelo descontentamento com os altíssimos gastos para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Canais da mídia cobrindo os protestos estavam entre aqueles atingidos pelos ataques policiais violentos. Os protestos também levantaram um questionamento sobre o mercado da mídia altamente concentrado depois de um aumento no policiamento seguido de um editorial publicado pela Folha de São Paulo que clamava por mais “força” contra os que protestavam.6 Jornalistas online, blogueiros e cidadãos utilizaram as redes sociais e as tecnologias da internet como uma forma alternativa de jornalismo, em resposta à representação dos protestos pela grande mídia. O coletivo Mídia NINJA, por exemplo, chamou atenção de milhares de pessoas durante os protestos por sua visão “sem cortes, sem censura” ( ver box). O NINJA, que vem de “Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”, transmitia ao vivo das ruas e foi um dos primeiros a dar o furo sobre os infiltrados da polícia e prisões equivocadas. Porém, sem os recursos da mídia tradicional, alguns dos membros do coletivo ficaram na mira tanto de manifestantes quanto da polícia.

6 Folha de São Paulo, Editorial: Retomar a Paulista, 6 de Junho de 2013, accessado em 13 de Fevereiro de 2014, http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/06/1294185-editorial-retomar-a-paulista.shtml

Case study: Mídia NINJA

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O Mídia NINJA não foi, de forma alguma, o único grupo alvo durante os protestos, a redirecionar o foco da atenção aos métodos brutais utilizados pela Polícia Militar. Organizações de direitos humanos e liberdade de expressão denunciaram o uso de força excessiva contra os manifestantes e receberam reclamações sobre policiais monitorando as redes socias, pedindo senhas de Facebook e detendo e prendendo pessoas por causa de posts no Facebook.7

Muitos jornalistas foram feridos e tiveram materiais apreendidos enquanto realizavam a cobertura dos protestos. Pedro Roberto Ribeiro Nogueira, repórter do website Portal Aprendiz, estava entre os jornalistas que foram espancados e detidos pela Polícia Militar durante a cobertura dos protestos em Junho de 2013. Ele foi primeiramente acusado de “resistir” e “obstruir” o trabalho da polícia. Já na delegacia, as acusações foram trocadas para “vandalismo” e “formação de quadrilha”. Nogueira permaneceu na cadeia por três dias, até que um vídeo mostrando ele sendo espancado pela polícia tornou-se viral na internet. Mesmo depois deste release, as ameaças continuaram.8 Nogueira permaneceu em prisão domiciliar das 8 da manhã às 6 da tarde todos os dias por dois meses - com saída de São Paulo vetada aos finais de semana. Até a presente data, Nogueira, entrevistado pela Index para este relatório, ainda está sendo processado por “vandalismo” e “formação de quadrilha”. A detenção e as ameaças aos repórteres tentando fazer seu trabalho - estes podendo trabalhar na grande mídia ou não - é preocupante. Até Abril de 2014, em decorrência dos protestos, 166 jornalistas foram vítimas de atos de violência, dos quais mais de dois terços provocados pela polícia (veja o quadro).9

De acordo com o Reporters Without Borders, a violência contra os fornecedores de notícia também resulta do fenômeno dos “coronéis”: políticos regionais que também são donos de empresas e da mídia. Este fenômeno constitui um grande obstáculo ao pluralismo e independência da mídia, “fazendo dos jornalistas ferramentas dos barões locais e os expondo ao acerto de contas muitas vezes mortífero”.10 Além disso, o poder do crime organizado em algumas regiões faz com que a cobertura de alguns tópicos como corrupção, drogas ou tráfico de materiais ilegal seja muito arriscada. Todos os casos de morte e outras formas de violência contra profissionais da mídia, blogueiros, ativistas dos direitos humanos e manifestantes são violações sérias aos direitos de liberdade de expressão de informação de deveriam ser investigados efetivamente. Os responsáveis por tais ataques deveriam ser acusados.

Profissionais da mídia e jornalistas cidadãos também enfrentam a possibilidade de procedimentos legais caros, o que abala os direitos à liberdade de expressão e articulação coletiva no país. A internet, incluindo tanto pequenos sites de notícia e blogs quanto gigantes como a Google, tem sido especialmente atingidos pela censura judicial. A quantidade de decisão dos tribunais tanto pedindo a remoção de conteúdo quanto sentenciando blogueiros ou jornalistas por causa de conteúdo publicado subiu bastante. Em particular, organizações em prol da liberdade de expressão e associações de jornalistas denunciaram o uso de leis de difamação e privacidade como ferramentas de intimidação e silenciamento, chamando algumas decisões jurídicas de “ escandalosas e anti-constitucionais”.11 Com uma extensa legislação em torno da difamação e a falta de leis específicas

7 Entrevista de Index on Censorship com Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, ONG Article 19, e jornalistas inde-pendentes, 11 e 12 de Fevereiro de 2014; Insight: Brazil spies on protesters, hoping to protect World Cup, Brian Winter, Reuters, 5 de Fevereiro de 2014, http://www.reuters.com/article/2014/02/05/us-brazil-protests-insight-idUSBREA141JO201402058 Index on Censorship entrevista, 11 de Fevereiro de 20149 Entrevista de Index of Censorship com Abraji, 11 de Fevereiro 2014. Informação modificada em Abril de 2014 : http://www.abraji.org.br/?id=90&id_noticia=279310 Reporters Without Borders, World Press Freedom Index 2014, http://rsf.org/index2014/en-americas.php11 Entrevista de Index on Censorship com ONG Article 19 e Abraji, 11 de Fevereiro de 2014; Committee to Protect Journalists report: Halftime for the Brazilian press. Will justice prevail over censorship and violence?, 6 de Maio de 2014, https://www.cpj.org/reports/2014/05/halftime-for-brazilian-press-censorship-violence.php; Freedom House report: Freedom on the Net 2013, http://freedom-house.org/report/freedom-net/freedom-net-2013#.U4XVRZRdVWI; Reporters Without Borders, http://en.rsf.org/report-brazil,169.html

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para regulamentar conteúdos online e proteger os direitos da internet, a proteção da privacidade e de dados pessoais online já tornaram-se um motivo de preocupação.

AGRESSÕES A COMUNICADORES DURANTES MANIFESTAÇES

Desde o início dos protestos, em junho de 2013, 79.5% casos de violação intencionais contra jornalistas foram perpetrados por forças de segurança

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Aumento no índice de pedidos de remoção e de censura nos tribunais

Em 2012, o Brasil estava no topo da lista de pedidos de remoção, na frente dos Estados Unidos e da Alemanha.12 O Brasil passou por um aumento nos pedidos de remoção tanto por parte de agentes do governo também como pelo judiciário. Os detalhes do relatório de transparência da Google - um relatório bi-anual contemplando todos pedidos de donos de direitos autorais e de governos de remoção de informação das redes de serviço da Google - mostra que difamação é o principal motivo dos pedidos de remoção, atingindo a totalidade de 44% dos mesmos. Trechos dos períodos relatados mais recentes também mostram que em diversos casos, pedidos de remoção têm foco em posts de blogs que criticam agentes e funcionários públicos. Por exemplo, entre Janeiro e Junho de 2013, a Google recebeu ordens judiciais de remoção de 107 posts de blogs e de resultados de buscas com links para informações que criticassem um membro do governo local e o acusassem de contratações corruptas.13 Ordens judiciais chegaram ao ponto de banir a criação de posts no Facebook acerca de assuntos específicos ou de prevenir o log in de pessoas em qualquer rede social ( veja case studies no box da página 10). Por não haver nenhuma legislação específica a respeito de conteúdo online, grande parte das decisões controversas foram justificadas com o uso da censura sobre difamação e leis de privacidade em vigor no país.

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal decidiu derrubar a infame Lei de Imprensa de 1967, que impunha penalidades severas à calúnia e difamação.14 A Lei de Imprensa de 1967, que tinha sido adotada durante a ditadura militar que governou o Brasil de 1961 a 1985, foi usada sistematicamente para ameaçar jornalistas. Enquanto a eliminação desta lei repressora foi bem vinda, muitos jornalistas brasileiros e cidadãos ainda podem ser condenados à prisão de até dois anos sob acusação de difamação com suporte de leis que continuam no código penal.15

Difamação é um crime, um crime condenado como “difamação” ( de três meses a um ano de prisão, mais multa), “calúnia|” ( de seis meses a dois anos de prisão, mais multa) e/ou “ofensa à dignidade de outra pessoa” ( de um a seis meses de prisão, mais multa), com agravante quando o crime é cometido contra o presidente, ou contra um chefe-de-estado estrangeiro, contra um funcionário público realizando seu dever, oficial, ou contra uma pessoa portadora de necessidades especiais ou com mais de 60 anos de idade.

A lei define acusações de violação de forma ampla – “ofender a dignidade de outra pessoa” – de maneira a permitir exageros e interpretações diversas. A cláusula sobre funcionários públicos, por exemplo, significa que repórteres são às vezes proibidos de discutir investigações envolvendo políticos. Eles se deparam com o risco de acusação de calúnia até em casos obviamente de interesse público, como investigações sobre corrupção.

Além de tudo, a lei eleitoral nacional é restritiva e limita a cobertura de assuntos políticos durante o período eleitora.16 A lei protege especificamente os candidatos políticos de materiais que possam “defender sua dignidade ou decoro”.

Tanto as leis eleitorais quando as de difamação têm sido usadas para limitar e cessar a disseminação de informação sobre pessoas públicas - tanta na imprensa tradicional quanto online.

12 Google Transparency report, 2013, 2012, http://www.google.com/transparencyreport/removals/government/BR/13 Entre Janeiro e Junho de 2013, a Google recebeu ordens judiciais de remoção de 107 posts de blogs.14 In victory for press, high court strikes down repressive law, Committee to Protect Journalists, 7 de Maio de 2009, https://www.cpj.org/2009/05/in-victory-for-press-brazils-high-court-strikes-do.php15 Artigos 138-141 do Código Penal Brasileiro, Código Penal, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.html16 Google vs Brazil. Why Brazil heads up Google’s list of takedown requests, Columbia Journalism Review, 29 de Abril de 2013, http://www.cjr.org/cloud_control/brazilian_takedown_requests.php?

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A ONG Article 19 de liberdade de expressão aponta que em casos de difamação envolvendo políticos, os tribunais locais geralmente se posicionam a favor da parte queixosa.17 Também é o caso quando aqueles que acusam são grandes empresários ou companhias, implicando que em algumas ocasiões, juízes e políticos/empresários têm fortes ligações. Este fenômeno ficou conhecido como “ censura judicial”, referendo-se à prática de políticos, empresários e celebridades de usar as leis de privacidade e difamação para silenciar a mídia.18 Em Maio de 2013, uma jornalista do estado do Amapá, Alcinea Cavalcante Costa, foi ordenada um pagamento de R$2 milhões em multa (aproximadamente USD 1 milhão) ao Presidente do Senado Brasileiro, José Sarney, depois que alguém postou um comentário criticando Sarney embaixo de um artigo que ela havia escrito em seu blog pessoal em 2006. Neste caso, Costa não foi a autora do comentário pelo qual foi condenada, apenas aparecia em seu blog. O fato de ela ter sido multada em um valor tão alto, gerou controvérsia a respeito das relações entre o judiciário e figuras políticas do Brasil, pela condenação de Costa ter parecido ser uma tentativa de encerrar as críticas políticas. Da mesma forma, em Janeiro de 2013, um juiz no estado do Pará decidiu que o jornalista Lúcio Flavio Pinto deveria pagar uma multa de R$ 410,000 (aproximadamente USD 205,000) ao empresário local Romulo Maiorana Júnior e sua empresa Delta Publicidade. As acusações foram provenientes de uma história de 2005, na qual Pinto alegou que o grupo Maiorana, Organizações Romulo Maiorana, usou sua influência para pressionar empresas e políticos a lhes oferecerem publicidade. Maiorana disse que Pinto denegriu a honra e a reputação da família Maiorana.19

Nos últimos cinco anos, a sociedade civil e algumas companhias de internet começaram a desafiar a censura judicial e a reagir contra mandados de remoção. Por exemplo, a ONG Article 19 publicou um guia voltado a jornalistas e blogueiros processados por difamação. Na Google, o índice de conformidade - pedidos nos quais alguns ou todos os itens foram removidos - caiu de 82% em 2009 para 21% em 2012. Porém, ir contra ordens judiciais tem seus limites. Em Setembro de 2012, um grande executivo da Google no Brasil, Fabio Coelho, foi detido temporariamente por ordens de um juiz do estado do Mato Grosso do Sul por não cumprir com uma ordem do tribunal e por “desobedecer o Código Eleitoral”. O juiz exigiu a remoção de vídeos do Youtube considerados ofensivos ao candidato à prefeitura da capital do estado, Campo Grande, Alcides Bernal. A Google desafiou a ordem judicial e se recusou a remover o vídeo. Como o vídeo não foi imediatamente removido, Coelho foi responsabilizado. Ele foi questionado pela Polícia Federal e liberado logo em seguida. Mais tarde ele comentou sobre sua preocupação sobre o episódio, dizendo que o ocorrido teve “efeitos intimidadores” sobre a liberdade de expressão.20

Embora o governo não aplique nenhuma forma de filtro de conteúdo online, o crescimento rápido nos pedidos de remoção feitos pelo governo e da censura impelida pelos tribunais enfatiza a tendência problemática de censura às críticas políticas, desconsiderando direitos de liberdade de expressão. Aparentemente, diferente dos jornalistas que trabalham para a grandes jornais, blogueiros e jornalistas independentes são mais propensos à censura dos tribunais.21 Enquanto o Marco Civil garantiria proteção aos intermediários da internet, limitando procedimentos de remoção e seus prazos, a censura judicial permanece um risco aos usuários da internet no Brasil.

17 Digital Freedom in Brazil: State of Play, Article 19, 13 de Setembro de 2012, http://www.article19.org/resources.php/resource/3435/en/digital-freedom-in-brazil:-state-of-play18 Halftime for the Brazilian press, Committee to Preotect Journalists report, Maio de 2014, https://www.cpj.org/reports/2014/05/half-time-for-brazilian-press-censorship-violence.php19 O Comitê de Proteção aos Jornalistas reporta que Pinto também é blogueiro do Yahoo e já escreveu sobre o tráfico de drogas, devastação ambiental e corrupção política e corporativa na região há mais de 45 anos. Ele já foi agredido fisicamente, ameaçado e foi alvo de dúzias de processos por difamação civial e criminal como resultado de seu trabalho investigativo. Brazilian journalist ordered to pay damages in libel case, CPJ, 31 de Janeiro de 2013, https://www.cpj.org/2013/01/brazilian-journalist-ordered-to-pay-damages-in-lib.php20 Google sees “intimidating effects” in top exec’s detention, Index on Censorship, 9 de Janeiro de 2013, http://uncut.indexoncensor-ship.org/2013/01/google-brazil-censorship/21 Google Transparency report, 2013, 2012, http://www.google.com/transparencyreport/removals/government/BR/

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Regulamentações controversas sobre redes sociais, conteúdo na internet e liberdade de expressão (lista não exaustiva)

Em Fevereiro de 2013, um juiz do estado de São Paulo baniu Ricardo Fraga de Oliveira, fundador do movimento “O Outro Lado do Muro – Intervenção Coletiva”, de construir um site ou até de postar no Facebook sobre tal.1 Oliveira protestava sobre um projeto de obra em seu bairro. Ele reclamava sobre possíveis irregularidades no local. Oliveira criou uma página no Facebook e lançou uma petição online que uniu 5,000 assinaturas. A construtora, Mofarrej, entrou com processo contra Oliveira, alegando que suas declarações eram calúnias ofensivas à iniciativa privada. Eles também declararam que ele ameaçou e desencorajou possíveis compradores de apartamentos. A empresa exigiu que a fanpage no Facebook fosse suspensa e pediu um mandado de segurança que banisse o engenheiro de um perímetro de um quilômetro ao redor da obra.

O juiz proibiu Oliveira de visitar a obra e ordenou o fechamento de sua página no Facebook. Depois que seu advogado apelou na justiça, o juiz manteve o mandado de segurança, mas determinou que apenas as menções às obras da Mofarrej deveriam ser removidas do Facebook, ou causar multa de R$10,000 (aproximadamente USD 4,500) por cada violação. Oliveira, ao fim disso tudo, decidiu retirar a fanpage do ar, já que a maior parte de seus posts criticavam a obra ou a construtora.

1 Brazilian court gags protester in latest social media ruling, Index on Censorship, 30 de Maio de 2013, http://www.indexoncensorship.org/2013/05/in-brazil-judge-forbids-online-criticism-of-construction-site/

Em Abril de 2013, um juiz da cidade de Limeira, estado de São Paulo, baniu o advogado Cássius Haddad do log in em qualquer rede social.2 Haddad foi citado criminalmente pelo Ministério Público por postar ataques contra o procurador Luiz Bevilacqua na internet. O juiz ordenou o Facebook e o Twitter a informar os tribunais de Haddad fizesse log in em suas contas. Os provedores também foram requeridos a enviar relatórios mensais ao tribunal de todas as tentativas que o advogado fizesse de fazer log in em suas plataformas.

Em Julho de 2013, José Cristian Góes, um repórter do estado de Sergipe, foi condenado a sete meses e uma semana de prisão por difamação por postar um texto ficcional a respeito do clientelismo na política local em seu blog em Maio de 2012.3 O texto foi narrado na primeira pessoa e não mencionava locais, datas ou sequer nomes.

Em Dezembro de 2013, um juiz condenou duas mulheres por terem “ curtido e compartilhado” um post no Facebook.4 O caso em questão envolvia um post no Facebook que acusava um veterinário de negligência. A duas mulheres que viram o post, curtiram e compartilharam. Ambas foram condenadas a pagar uma multa de R$10,000 (aproximadamente USD 4,500) por José Roberto Neves Amorim, juiz do estado de São Paulo. Ele explicou que sua decisão levou em conta um fato: “há a responsabilidade em compartilhar mensagens.”

2 Ibid.3 Brazilian blogger sentenced to jail for writing fictional short story, Knightcenter, 9 de Julho de 2013, https://knightcenter.utexas.edu/blog/00-14121-brazilian-blogger-sentenced-jail-writing-fictional-short-story4 Justiça condena internautas por “curtir” e compartilhar post no Facebook, Olhar Digital, 4 de Dezembro de 2013, http://olhardigital.uol.com.br/noticia/39175/39175

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11Brazil: A new global internet referee?

No contexto deste ambiente tão desafiador ao jornalismo e blogs, houve uma iniciativa em estabelecer proteções e direitos para o mundo digital. Enquanto isso ainda deixa muitos desafios aos jornalistas da mídias impressas, a possibilidade de uma estrutura digital mais progressiva pode dar início a uma realidade com mais liberdade de imprensa e expressão no Brasil. O movimento em prol de tal estrutura - que em seguida ficaria conhecido como “Marco Civil da Internet”– teve início em 2007. Em 2009, o Ministério da Justiça fez parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas e, com participação direta da sociedade civil, deu início ao projeto de lei.

1.2 Marco Civil: Promessas e Comprometimentos

A versão original do Marco Civil tinha como objetivo proteger a liberdade de expressão e a privacidade na internet, estabelecendo um porto-seguro aos intermediários e o princípio de que acesso à internet é um direito civil. Embora altamente positivo, o texto aprovado e adotado pela lei em Abril de 2014 é substancialmente diferente da versão de 2011 do Congresso.

Primeiros passo: sistema de consulta - ou o sucesso do approach colaborativo

O processo de consulta que deu origem ao Marco Civil é exemplar por diversas razões. Alessando Molon, o ministro redator do projeto de lei, conferiu um approach colaborativo, aceitando contribuições da sociedade civil, companhias de internet, do setor tecnológico e acadêmicos assim que o projeto de lei teve início. Internautas ainda tiveram a oportunidade de contribuir enviando sugestões por tweets. A consulta participativa, o envolvimento ca sociedade civil e sua influência sobre o projeto de lei, contribuíram para elevar o Brasil a “campeão em transparência e approach colaborativo”.22

Uma série de recuos e obstáculos: copyright, neutralidade na rede, privacidade/ localização de dados

No entanto, assim que o projeto foi introduzido pela primeira vez no Congresso, em 2011, já enfrentou uma série de barreiras. De início, a indústria de direitos autorais [copyright] se opôs às cláusulas relevantes ao pedido de remoção de conteúdo, conseguindo incluir um ponto garantindo que notificações e procedimentos de remoção ainda ocorreriam em casos de infração sobre direitos autorais, desta forma, escapando de descuidos legais. Na prática, isso significaria que em infrações de copyright ou direitos relacionado, os donos não precisariam de ordens judiciais para pedir que conteúdos sejam tirados do ar e que qualquer intermediário que falhasse em colaborar ficaria sujeito aos trâmites legais necessários.

Em seguida, grandes e poderosas empresas de telecomunicações fizeram lobby contra o princípio de neutralidade na rede. O princípio de neutralidade na rede implica que todos dados devem ser tratados da mesma forma e que devem ser enviados a seus destinos com a mesma velocidade. A neutralidade na rede também ajuda a garantir o direito de todos a se expressar livremente dentro dos limites promovidos por lei e a ter acesso a conteúdos e serviços de seu desejo, seja gratuitamente ou pago.23 Sob o Marco Civil, provedores de serviços na internet são barrados de interferir na velocidade ou em conteúdo. A estrutura em torno da neutralidade na rede, fortemente apoiada pela sociedade civil, diverge dos interesses das companhias de telecomunicação nacionais. Sua

22 Entrevista de Index on Censorship com Centre for Technology and Society, 14 de Fevereiro de 201423 The Enemies of Internet. Special Edition: Surveillance , Reporters Without Borders 2013 report, http://surveillance.rsf.org/en/glos-sary/

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influência dentro das divisões mais rasas do Congresso Brasileiro é tal que o voto do projeto de lei foi prorrogado e eliminado da agenda legislativa em diversas ocasiões.24

De 2012 a 2014, o projeto de lei permaneceu efetivamente suspenso em decorrência da intensa oposição das companhias de telecomunicação às cláusulas sobre a neutralidade na rede e por brigas intermitentes sobre responsabilidade, difamação e retenção de dados. O empate era tal que defensores da liberdade na internet lançaram uma série de campanhas denunciando o lobby das empresas de telecomunicação e alegando que o Marco Civil “corria riscos”.25

O projeto de lei não contou com nenhum impulso forte o suficiente para retornar ao topo da agenda política até Junho de 2013. Na época, revelações sobre espionagens em massa e espionagens da US National Security Agency (NSA)feitas por Edward Snowden provocavam furor internacional. A presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, foi particularmente aberta ao falar sobre o assunto e até adiou sua viagem oficial aos EUA depois que informações vazadas revelaram que a agência americana esteve monitorando emails e telefonemas presidenciais, das grandes empresas nacionais, da maior empresa brasileira de petróleo e as comunicações de milhões de cidadãos.26

As revelações de Snowden serviram como uma oportunidade para o governo trazer o projeto de lei para frente, retomando do empate no Congresso. Em Setembro de 2013, Rousseff decidiu pôr o Marco Civil em processo de emergência constitucional, acelerando sua adoção pelo Congresso. Dentro das leias brasileiras, o Congresso deve dar prioridade a projetos em emergência constitucional e não pode analisar ou aprovar nenhuma outra lei antes que o voto no projeto de lei em questão tenha sido realizado.

Enquanto a iniciativa de acelerar a adoção do Marco Civil foi muito bem vinda, ao mesmo tempo, o governo pressionava por uma emenda no Marco Civil que obrigaria grandes companhias da internet como Facebook, Google e outros provedores de serviços internacionais a ter sedes no Brasil e a serem sujeitos às leis brasileiras. O conjunto de medidas teve como intenção separar a internet brasileira da influência dos Estados Unidos e seus gigantes tecnológicos, em particular, visando proteção contra o alcance da NSA – alegando proteger a privacidade dos cidadãos brasileiros. No entanto, forçar empresas de internet a hospedar dados relativos a cidadãos brasileiros dentro do território nacional é extremamente controverso: “localização forçada” remete à maus exemplos por ser geralmente utilizada por governos autoritários no bloqueio da internet e a fim de obter os dados dos usuários. Com tais sugestões, o governo brasileiro levou a comparações com os blogueiros de sites em países como China, Irã e Barém, e muitos consideraram estas propostas muito mais severas que seu objetivo de prover proteção contra a espionagem em massa do Reino Unido e dos EUA.27 Bastante rejeitado pela sociedade civil, por engenheiros, empresas e diversos membros do congresso, o projeto foi suspenso pelo governo para que uma votação pudesse ocorrer.

24 Brazilian Congress and lobbyists kill world first internet Bill of Rights, Index on Censorship, 28 de Novembro de 2012, http://uncut.indexoncensorship.org/2012/11/brazil-internet-marco-civil/25 O Instituto Brasileiro de Proteção ao Consumidor lançou a campanha #MarcoCivilJà , condenando a procrastinação do projeto no congresso (http://www.idec.org.br/mobilize-se/campanhas/marcocivil). Access Now lançou uma petição chamada “Hands Off Marco Civil !” (https://www.accessnow.org/page/s/hands-off-the-marco-civil). Um projeto de documentário colaborativo,Freenetfilm, fez cam-panha pela neutralidade na rede e criou um vídeo no youtube que recebeu 83,385 acessos (https://www.youtube.com/watch?v=8DdaC93O9Yw&feature=youtu.be)26 Brazilian president postpones Washington visit over NSA spying, The Guardian, 17 de Setembro de 2013, http://www.theguardian.com/world/2013/sep/17/brazil-president-snub-us-nsa27 Brazil’s controversial plan to extricate the internet from US control, The Guardian, 20 de Setembro de 2013, http://www.theguardian.com/world/2013/sep/20/brazil-dilma-rousseff-internet-us-control

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Marco Civil: uma referência para exportação e réplica fora das fronteiras brasileiras?

“Marco” denota uma marca em Português. O redator do projeto, Alessandro Molon, insiste no potencial do documento de servir como exemplo e influenciar outros países da América Latina e além. De fato, assim que o Brasil aprovou o Marco Civil como lei, tornou-se o maior país a garantir neutralidade na rede em seu código legal, dentre outras cláusulas bem vindas a respeito de privacidade, responsabilidade de intermediários e acesso e abertura da internet. Quando assinava o projeto, passando-o para lei em 23 de Abril de 2014, a presidenta Dilma Rousseff ‘twitou‘ que o modelo do Marco Civil Brasileiro “pode influenciar o debate global na luta pela garantia de direitos iguais no mundo virtual”.28

Com o Marco Civil aprovado em lei, o Brasil, em sua legislação doméstica, se posiciona como um potencial líder mundial em liberdade na internet. Isso pode ser tanto um modelo para outros países seguirem, quanto conferir mais credibilidade e a habilidade de ser um dos líderes mundiais em visões progressivas sobre a governança da internet em nível internacional. Porém, deixando de lado as limitações do projeto que discutimos acima, acesso continua sendo o principal obstáculo para o Brasil, como consideraremos na próxima seção.

28 “O nosso modelo de #MarcoCivil poderá influenciar o debate mundial na busca do caminho p/ garantia de direitos reais no mundo virtual”, tweet da conta oficial da Presidenta Dilma Rousseff, 23 de Abril de 2014, https://twitter.com/dilmabr/sta-tus/458781317531181056

A versão final da declaração resguarda o acesso à rede, garante neutralidade e põe limites na metadata que pode ser captada dos usuários da internet no Brasil. Também permite que provedores de serviços na internet não sejam responsabilizados por conteúdo publicado por seus usuários e requer que os mesmos tenham que agir de acordo com ordens judiciais na remoção de conteúdo ofensivo. No entanto, ainda há falhas, particularmente a respeito da falta de garantias em deletar registros de dados, a introdução de tribunais especiais para casos e difamação e o respeito a “modelos livres de negócios” como princípios do projeto de lei.

As duas últimas cláusulas são problemáticas, já que são abertas à interpretação e podem gerar precedentes permitindo, respectivamente 1) tratamento especial a figuras públicas que desejam retirar do ar conteúdos que se relacionem com sua “honra, reputação ou direitos de personalidade” e 2) negócios e particularmente companhias de telecomunicação a desafiar a neutralidade da rede caso seja considerado contra seu “business model”.1

1 Article 20 §3 introduces special courts for cases “that deal with compensation for damages resulting from content on the internet related to the honour, reputa-tion or rights of personality as well as with the takedown of such content by in-ternet service providers”. Article 3 VII en-sures that the use of the internet in Brazil has amongst its principles the respect for “free business models promoted on the internet, provided they do not conflict with other principles established in this

Em geral, a “declaração de direitos da internet” do Brasil é uma lei progressiva e eleva o país em termos de liberdade de expressão.

O Marco Civil é considerado pela comunidade global da internet como um projeto único, com o inventor da world wide web, Sir Tim Berners-Lee, ressaltando seu caráter “ inovador, inclusivo e participatório do processo que resulta em uma política que equilibra direitos e responsabilidades individuais, do governo, e de corporações que usam a internet” .2

law”. Geneva Internet Platform, Marco Civil and English translation http://gi-platform.org/resources/text-brazils-new-marco-civil2 Marco Civil: Statement of Support from Sir Tim Berners-Lee, World Wide Web Foundation, 24 de Março de 2014, http://webfoundation.org/2014/03/marco-civil-statement-of-support-from-sir-tim-bern-ers-lee/?utm_source=hootsuite&utm_campaign=hootsuite

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Acesso e inclusão digital 2

O Brasil é o segundo maior usuário mundial tanto do Facebook quanto do Twitter, com 65 milhões de usuários no Facebook e 41.2 milhões no Twitter, números que só aumentam. Cerca de 38 milhões de novos usuários são esperados com a queda nos preços de smartphones e melhoras na conexão.29 A internet e as redes sociais deram a oportunidade a milhões de brasileiros de exercitar seu direito de liberdade de expressão online. No entanto, a internet veio com muita desigualdade. Acesso digital (pessoas com acesso à internet) e inclusão digital ( pessoas sabendo usar a internet) são componentes essenciais ao direito de acesso à internet, incluído no Marco Civil.

Esta seção olha para como a desigualdade socioeconômica do Brasil limita o acesso à internet. Também explora algumas oportunidades - tanto do setor público quanto do privado – em usar a internet como ferramenta de desenvolvimento do país.

29 Mediacells expectations, Smartphone explosion in 2014 will see ownership in India pass US, The Guardian, 13 de Janeiro de 2014, http://www.theguardian.com/technology/2014/jan/13/smartphone-explosion-2014-india-us-china-firefoxos-android

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2.1 A internet e novas tecnologias: diminuindo ou aumentando a desigualdade socioeconômica?

O Brasil é o quinto país mais conectado do mundo. O número de brasileiros com acesso à internet em qualquer local (casa, trabalho, centros de aprendizado à distância, internet cafés, escolas) chega a 105 milhões de pessoas, ou 52% da população.30 Por causa do crescimento na presença da internet e do acesso móvel à internet, o Brasil trata-se de um caso onde o acesso à liberdade de expressão pode ser usado como uma ferramenta de desenvolvimento no combate à pobreza, discriminação e analfabetismo ( veja outro documento da Index: “India: Digital freedom under threat?”). A internet representa tanto uma oportunidade de diminuir a desigualdade socioeconômica que divide o Brasil - especialmente em se tratando de educação, acesso à informação, e acesso à liberdade de expressão. No entanto, o país precisa lidar com a linha que divide aqueles com e aqueles sem acesso a internet antes de mais nada.

De acordo com o Cetic, Centro de Estudos sobre Informação e Tecnologias da Comunicação, 97% das casas com alta renda ( classe A) estão conectadas à internet. O índice cai para 6% das casas com renda inferior, representando 75% da população (classes D-E). A desigualdade entre a classe A e as classes D-E é auto-explicativa mas não é o único fator retardando o acesso à internet. Um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tenologia mostra que as diferenças de acesso entre grupos étnicos é grande, e que as diferenças entre regiões também são significativas, assim como as diferenças observadas entre os graus de escolaridade.31 Tendo em vista os argumentos envolvendo a conexão entre as desigualdades digitais e a desigualdade social, o Brasil deve lidar com o acesso digital como uma prioridade essencial para a economia e para a inclusão social brasileira.

Domicilios com acesso à internet segundo renda familiarBrasil 2012

Classe social (segundo à renda familiar)

% com acesso % sem acesso

A 97 3

B 78 22

C 36 63

DE 6 94

Source: Cetic.br

* Excluindo-se o acesso via telefone celular no domicílio.

Base: 61,3 milhões de domicílios. Dados coletados entre outubro de 2012 e fevereiro de 2013.

30 Número de pessoas com acesso à internet no Brasil chega a 105 milhões, Ibope, 3 de Outubro de 2013, http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/numero-de-pessoas-com-acesso-a-internet-no-brasil-chega-a-105-milhoes.aspx31 Internet access in Brazil: social context and science and technology professionals, Gilda Olinto, Instituto Brasileiro de Informacao em Ciencia e Tecnologia – IBICT, http://ridi.ibict.br/bitstream/123456789/53/1/OlintoASIST07.pdf

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As iniciativas pública e privada já têm se movido para oferecer maior acesso à internet, conexões de banda larga mais rápidas e serviços de IT para grupos vulneráveis. O Cidade Digital, por exemplo, é uma iniciativa do governo lançada em 2011 pelo Ministério das Comunicações que tem como objetivo providenciar uma infraestrutura de plena conexão banda larga e acesso à internet que responda às necessidades de cidadãos, empresas e órgãos públicos.32 O Cidade Digital é um projeto piloto, que inicia em uma seleção de 80 municípios.33 O projeto visa instalar pontos viáveis e gratuitos de acesso à internet em áreas de população densa. O projeto também antecipa a criação de centros de aprendizado à distância e a interconexão de todos prédios públicos na rede.

Além da divisão socioeconômica que impede o acesso à internet a muitos cidadãos, outro desafio é oferecer acesso à internet em todo vasto território nacional. O país ocupa, por cima, metade da América do Sul. O Plano Nacional de Banda Larga (PNLB, lançado pelo governo brasileiro em 2010, foi criado a fim de garantir maior acesso à conexão de banda larga em residências de baixa renda em todo o país com a instalação de cabos de fibra óptica. Porém, a expansão planejada da rede nacional cobria apenas Brasília e 25 outras capitais, “ignorando” a região norte do país. Como resultado da distribuição desigual, a campanha “Banda Larga é um direito seu!” foi lançada para exigir um serviço de banda larga universal que visasse diminuir a desigualdade no acesso digital. De fato, para pessoas vivendo em áreas mais remotas - com acesso geográfico limitado às grandes cidades e sem endereços postais oficiais, o acesso à banda larga é a única maneira de estar “conectado”. Seus endereços de emails são seus únicos endereços. O mesmo também vale para pessoas vivendo em zonas urbanas pobres - sem acesso a endereços postais físicos - como nas favelas do Rio de Janeiro.

Uma das propostas da campanha “Banda Larga é um direito seu!” foi que a Telebras, previamente nas mãos do governo, deveria oferecer banda larga universal, promovendo o acesso às mais remotas regiões. A campanha não obteve êxito e mudou seu foco para os padrões de qualidade da conexão de banda larga, incluindo velocidades de download e upload asseguradas, estabilidade da conexão e neutralidade na rede por preços acessíveis. Desta vez, então, a campanha teve sucesso e a Anatel aprovou diversas sugestões da mesma.

32 Cidades Digitais. Building a cooperative and innovative ecosystem, Brazilian Ministry of Communication33 Em 30 de Maio de 2014, O ministério das comunicações incluiu nove cidades da Bahia no programa Cidade Digital.http://www.telecompaper.com/news/brazil-adds-nine-digital-cities-in-state-of-bahia--1016689

Acesso à internet segundo região de residênciaBrasil 2012

Área % com acesso

Urbana 44 %

Rural 10 %

Source: Cetic.br

* Excluindo-se o acesso via telefone celular no domicílio.

Base: 61,3 milhões de domicílios. Dados coletados entre

outubro de 2012 e fevereiro de 2013.

Acesso à internet segudo os grupos de anos de estudo - Brasil 2011

Anos de estudo

% com acesso

0 - 4 11.8 %

4 - 7 33.0 %

8 - 10 51.2 %

11 - 14 71.5 %

15 + 90.2 %

Source: IBGE (PNAD 2011). Microdata

* Pessoas de 10 anos ou mais de idade

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2.2 “A capital mundial das redes sociais” e o aumento no acesso móvel à internet34

23.3% dos brasileiros utilizam seus telefones para acessar a internet.35 Até metade de 2013, o Brasil era o maior mercado de telefones celulares da América Latina, e a agência de notícias Reuters previa que o Brasil poderia tornar-se o quinto maior mercado de telefones celulares no mundo até o fim de 2013.36 A onda de novos usuários de smartphones pode facilitar a expansão do acesso à internet aos que não possuem a conexão banda larga em casa. Pode, potencialmente, oferecer uma solução alternativa à dificuldade em trazer a banda larga para o país inteiro. No entanto, enquanto o mercado de telefones celulares brasileiro mais do que dobrou nos últimos seis anos, chegando a 272 milhões de conexões em um país de 200 milhões de habitantes, investimentos na rede não acompanharam o ritmo.37 O risco de uma falha vergonhosa durante a Copa do mundo é apenas uma das consequências do aumento do uso de mobile data não ter sido acompanhado pelo crescimento da rede celular no Brasil.

38 milhões de brasileiros devem ter acesso à internet através de seus telefones celulares até o final do ano de 2014. Com o aumento do acesso, a pressão para uma regulamentação adequada cresce. O Marco Civil toca em direitos sobre a privacidade mas deixa, ainda, ambiguidades em relação à retenção de informação e acesso governamental à informação. Com mais brasileiros conectados à internet, acumulando habilidades em computação e conhecimento sobre as vantagens da web, a sociedade civil começa a exigir ainda mais uma estrutura forte de privacidade e retenção de dados.

O Artigo 4 do Marco Civil promove “o direito ao acesso à internet para todos” e o artigo 27 ressalta que “iniciativas públicas para a promoção da cultura digital e para a promoção da internet como ferramenta social devem: I) promover a inclusão digital; II) visar diminuir a desigualdade, especialmente entre as diferentes regiões do país, acesso e uso de tecnologias da informação e comunicações”. O debate em torno da adoção do Marco Civil contribuiu para aumentar a conscientização sobre os direitos na internet, fazendo deste um debate popular. O aumento no número de usuários brasileiros da internet pode aumentar as exigências por privacidade e pode trazer à tona mais debates sobre a liberdade de expressão on e offline. O quanto isso contribui para as exigências de liberdade de imprensa e liberdade de expressão vai depender dos debates sobre liberdades offline tanto quanto os online.

34 Brazil : The Social Media Capital of the Universe, Loretta Chao, The Wall Street Journal, 4 de Fevereiro de 2014, acessado em 24 de Fevereiro de 2014, http://online.wsj.com/news/articles/SB1000142412788732330110457825795085789189835 Zenith Optimedia, In Brazil, Facebook, Twitter Battle For Ad Dollars As Social Land Grab Heats Up, AdAge, http://adage.com/article/digital/brazil-s-big-social-media-land-grab-heats/240061/36 Brazil launches 4G wireless service with few smartphone options, Reuters, 17 de Abril de 2013, http://www.reuters.com/arti-cle/2013/04/17/brazil-telecom-smartphones-idUSL2N0D32ON2013041737 World Cup rush leaves gaps in Brazil cell network, Reuters, 23 de Abril de 2014, http://www.reuters.com/article/2014/04/23/us-brazil-worldcup-telecom-idUSBREA3M0YR20140423

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Governança da internet O Brasil liderando debates internacionais

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Debates-chave estão a caminho a respeito da governança da internet internacionalmente, com decisões cruciais a serem tomadas que podem vir a determinar se a internet permanece sendo um espaço praticamente livre e aberto, com uma estratégia ascendente por trás de suas operações - como exemplificado no exemplo colaborativo – ou torna-se um espaço controlado de cima para baixo, como defendem a China e a Rússia, com suporte de diversos outros países, de alguma maneira.

Em Setembro de 2013, a indignação após as revelações das vigilâncias em massa dos EUA e do Reino Unido levou a presidenta Dilma Rousseff a anunciar que o Brasil iria receber uma conferência internacional – NETmundial – sobre a governança da internet em Abril de 2014. A conferência, aparentemente progressiva, ocorreu apenas dois anos depois de o Brasil ter votado de forma similar a países conhecidos por serem controladores sobre a internet em um grande evento internacional das telecomunicações em Dubai.

Esta seção olha para a atitude brasileira nos debates globais sobre a governança da internet e a possíveis contradições entre políticas internas e externas. Logo após o NETmundial e um ano antes do Brasil sediar o Internet Governance Forum (IGF) de 2015, este capítulo também investiga a habilidade brasileira em se impor como um líder mundial nos debates sobre a governança da internet.

3.1 Seria o Brasil decisivo na governança da internet global? Contradições entre as políticas internas e externas

O que está em debate nas discussões internacionais que decidem o formato da evolução do uso da internet é relevante para todos. A estratégia colaborativa adotada no momento para a governança da internet supostamente inclui a sociedade civil e agentes não-governamentais no processo de decisão. Este é um processo mais ascendente, de baixo para cima e em várias etapas, que permite que diversas organizações possam determinas ou contribuir em diferentes partes da governança da internet. O processo de consulta que deu origem à lei do Marco Civil é um exemplo possível de estratégia colaborativa na prática: a sociedade civil, companhias privadas, acadêmicos, promotores de justiça e políticos participaram em sua elaboração.

Enquanto o Brasil enfatiza a liberdade na internet recentemente, especialmente a nível doméstico, o mesmo tem uma história de andar justamente para o outro lado. Em Dezembro de 2012, o Brasil concordou com as estratégias descendentes defendidas por países com uma tradição de controle na internet durante a Dubai World Conference on International Telecommunications (WCIT). O evento reuniu 193 países membros da International Telecommunication Union (ITU) a fim de decidir se e como a ITU deveria regulamentar a internet. De um lado, a União Europeia e os EUA propunham que a internet deve permanecer sendo governada por uma estratégia aberta e colaborativa. Do outro, Rússia, China e Irã faziam lobby por um maior controle do estado sobre a rede. O Brasil, junto a outros poderes emergentes democráticos influentes ( Índia como uma notável exceção), concordou com o segundo grupo.

Tal decisão pareceu ser uma total contradição ao modelo colaborativo defendido internamente do Marco Civil ( veja seção anterior sobre o Marco Civil). Na mesma época, o redator do Marco Civil, Alessandro Molon, foi contra as regulamentações da ITU e sentia muito pelo Marco Civil não ter sido adotado antes do voto. Embora não seja incomum para nenhum governo ter contradições

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entre políticas externas e internas, Molon acreditava que a adoção do Marco Civil poderia ter, sem dúvidas, e estabelecido a política do Brasil e um suporte à uma estratégia transparente e inclusiva de governança da internet.

Os motivos por trás do voto brasileiro no WCIT são misterioso. Primeiramente, é interessante lembrar que a maioria dos países da América Latina votaram a favor do texto que adotava as novas International Telecommunications Regulations (ITRs, veja mapa abaixo). Uma análise dos votos da região mostra que, para além das intenções e boa vontade dos governos em relação ao modelo de governança colaborativo, de acordo com a maioria dos governos da América Latina as novas regulamentações tratam não só da internet mas das telecomunicações, de maneira mais ampla.38 Grande parte destes governos teriam visto as novas ITRs como “substituições que deletariam alguns dos benefícios das ITRs como um todo”, especialmente em termos de equipagem técnica.39 Em segundo lugar, como a Índia, o Brasil vem aumentando seu interesse em retirar a hegemonia dos Estados Unidos sobre a internet e tecnologias digitais.40 A disputa entre os dois lados revelada durante o WCIT 2012 levou o The Economist a chamar o WCIT 2012 de “guerra fria digital”.41 A posição brasileira é, no entanto, mais complexa. Nem tanto apoiador dos EUA nem das iniciativas sino-russas, o Brasil tem buscado um maior reconhecimento em fóruns multilaterias e tem demonstrado interesse no reequilíbrio das instituições internacionais.42 Como um dos novos grandes poderes econômicos do mundo, ao lado da Rússia, Índia e China, mas considerado, junto à Índia, o mais democrático do grupo, aliar-se a países que preferem governos mais controladores foi mais como uma atitude simbólica contra a governança da internet por instituições vistas como conectadas ao governo dos EUA - por exemplo, a ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) – e uma reafirmação da soberania brasileira.43

Signatários do ato final do WCIT 2012: países assinando em verde e países não assinando em vermelho

38 Beyond Dubai: Post WCIT reflections from an internet governance viewpoint, LSE Network Economy Forum, 4 de Abril de 2013, http://blogs.lse.ac.uk/nef/2013/04/04/postwcit-internet-governance/39 Ibid.40 India wants to take on ‘US hegemony’ over the internet… by renaming it the equinet, Techdirt, 21 de Abril de 2014, http://www.tech-dirt.com/articles/20140420/07182126970/india-wants-to-take-us-hegemony-over-internet-renaming-it-equinet.shtml41 A digital cold war? The Economist, 14 de Dezembro de 2012, http://www.economist.com/blogs/babbage/2012/12/internet-regulation42 Cyberspace and the Rise of the BRICS, Journal of International Affairs, Columbia SIPA, Hannes Ebert and Tim Maurer, 11de Outu-bro de 2013, http://jia.sipa.columbia.edu/online-articles/cyberspace-rise-brics/#_ftn1443 Finding a formula for Brazil: representation and legitimacy in internet governance, Milton Mueller and Ben Wagner, Internet Policy Observatory, http://www.internetgovernance.org/wordpress/wp-content/uploads/MiltonBenWPdraft_Final_clean2.pdf

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As revelações a respeito das espionagens realizadas pelos EUA deram mais gás à vontade brasileira de livrar-se de uma internet fortemente conectado aos Estados Unidos. Se posicionando contra a vigilância em massa, o Brasil se distanciou da estratégia que previa uma internet governada por cima e clamou por uma “ governança aberta, multilateral e democrática, realizada com transparência ao estimular a criatividade coletiva e a participação da sociedade, do governo e do setor privado.”44

Logo após anunciar a organização da conferência para discutir o futuro da governança da internet em resposta às revelações de espionagem, a presidenta Dilma Rousseff também ordenou uma série de medidas em prol de uma maior independência e segurança na internet para o Brasil. Mas quais são as implicações da governança da internet que se opõe às espionagens americanas? Na tentativa de livrar-se da dominação americana da internet, as medidas de Rousseff arriscam uma regressão em relação à internet. Paradoxalmente, enquanto tentando garantir a liberdade na internet, os pormenores geopolíticos envolvidos na resposta do Brasil sobre as vigilâncias em massa podem estar alinhados com as ideias de países que defendem um controle da internet de cima para baixo, tanto nacional quanto internacionalmente.

3.2 Depois de Snowden: O Brasil se impondo e se opondo à vigilância em massa - mas a que custo?

Em Setembro de 2013, a presidenta Dilma Rousseff respondeu de forma politicamente firme às revelações feitas por Snowden sobre as atividades de vigilância em massa realizadas pelos Estados Unidos. Em um discurso procedido na Assembleia Geral da ONU, a presidenta brasileira, acusou a NSA de violar as leis internacionais e chamou a ONU para tomar responsabilidade sobre a organização de um novo sistema legal de governança da internet. Rousseff aproveitou a chance criada pelas revelações de Snowden para questionar os mecanismos multilaterais em operação atualmente - como a ICANN - e anunciou que o Brasil sediaria um evento para discutir o futuro da governança da internet em Abril de 2014: o NETmundial. A ICANN se deparou com crescentes críticas nos últimos anos a respeito da influencia do governo americano nas suas operações. Dentre deste contexto, os esforços brasileiros em promover a liberdade digital internamente com o Marco Civil ajudaram o país a estabelecer-se em uma posição de liderança e grande visibilidade nas discussões sobre os direitos na internet. Enquanto a Índia parecia ser uma líder natural deste debate, as discussões sobre o Marco Civil e a legislação da internet alcançaram uma audiência internacional num nível tal que os políticos indianos agora dizem que “ a Índia perdeu do Brasil seu status de liderança no âmbito da governança de internet”.45

O Brasil não é apenas um dos países com uma influência emergente no mundo multipolar, como também é um estado cuja população está cada vez mais interagindo com a internet. A decisão de sediar o NETmundial demonstra que o brasil se posiciona contra as espionagens – pelo menos oficialmente – e sua ambição em liderar os debates em governança da internet.

A oposição às espionagens impulsionadas pelos Estados Unidos levou o Brasil a propor uma série de medidas ambiciosas e controversas a fim de libertar o Brasil da influencia dos EUA e de seus

44 Declaração do Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, Presidente da República Federativa do Brasil, na abertura do debate geral da 68 ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, Nova York 24 de Setembro de 2013, http://gadebate.un.org/sites/default/files/gastatements/68/BR_en.pdf45 As internet matures, India faces a choice on governance, Index on Censorship, 24 de Março de 2014, http://www.indexoncensor-ship.org/2014/03/internet-matures-india-faces-choice-governance/

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gigantes tecnológicos, particularmente, a fim de proteger brasileiros do alcance da NSA. As medidas incluíram: construção de cabos submarinos que não passam pelos Estados Unidos, construção de pontos de troca de internet no Brasil, criação de um serviço de email criptografado dentro dos envios de estado e ter os dados sobre brasileiros de companhias como o Facebook, Google e outras hospedados no Brasil. Enquanto apenas os dois primeiros pontos eram uma tentativa de desenvolver a infraestrutura da internet brasileira, forçar gigantes tecnológicas a hospedar seus centros de dados em território nacional para processar comunicações internas implicaria muitos quesitos.46 Isso não seria apenas muito difícil de ser implementado, mas não iria nem chegar a proteger os dados dos brasileiros das espionagens. Este projeto - ainda que feito com boas intenções - estava mandando a mensagem errada, especialmente aos países usando o Brasil como referência neste tópico. Engenheiros e companhias da web, que têm seus próprios interesses, alegaram que as medidas teriam um impacto negativo na competitividade brasileira, que seria negativo para seu setor tecnológico e anunciar um risco de “fragmentação na internet”.47 No que diz respeito à liberdade na internet, as medidas abririam precedentes perigosos. De fato, a localização forçada de dados é mais relacionada aos países com uma reputação de controle da internet e ambientes digitais reprimidos, como a China, o Irã e Barém.48

Num momento em que o Brasil está ganhando atenção internacional por defender a liberdade na internet, é importante manter-se firme a um approach progressivo sobre a internet, incluindo a nível internacional. A conferência internacional sobre o futuro da governança da internet - NETmundial- começou com o Brasil reiterando seu comprometimento com uma internet” democrática, livre e plural”. A aprovação em lei do Marco Civil da Internet pela presidenta brasileira no palco deu início ao clima do evento: “A internet que nós queremos só é possível em um cenário no qual os direitos humanos são respeitados. Particularmente o direito à privacidade e à liberdade de expressão individual”, disse Dilma Rousseff em seu discurso de abertura.49 Ela adicionou sobre o Marco Civil: “ Como tal, a nova lei claramente demonstra a viabilidade e o sucesso de abrir discussões multisetoriais assim como o uso inovador da internet como parte de discussões em andamento, como uma ferramenta e como uma plataforma de discussão interativa”.

O processo de criação e de consulta inclusiva do Marco Civil envolveu a sociedade civil e o setor privado desde o princípio até o final, servindo como modelo para a organização do NETmundial. O encontro inédito trouxe 1,229 participantes de 97 países. A reunião contemplou representantes de governos, do setor privado, da sociedade civil, da comunidade técnica e acadêmicos. Hubs de participação remota foram montados em cidades ao redor do mundo e o webstie do NETmundial ofereceu livecast online das reuniões.

No entanto, apesar dos esforços em incluir a sociedade civil e do discurso de Dilma Rousseff a favor das liberdades online e da neutralidade na rede, os fatores geopolíticos ao redor do evento e a pressão proveniente de alguns governos e do setor privado levaram a um documento final fraco e desapontador.50 A versão final do documento “Internet governance principles” nem

46 Brazil’s controversial plan to extricate the internet from US control, Amanda Holpuch, The Guardian, 20 de Setembro de 2013, http://www.theguardian.com/world/2013/sep/20/brazil-dilma-rousseff-internet-us-control47 Storing data centres in Brazil would require US internet companies operating in Brazil to duplicate infrastructure that they already possess offshore, setting up huge and costly data centres inside the country.” Brazil going too far on internet security, Financial Times, 12 de Novembro de 2013, http://www.ft.com/cms/s/0/4d678be2-4bb6-11e3-a02f-00144feabdc0.html?siteedition=uk#axzz319MeWkSs48 What will happen if countries carve up the internet? Eugene Kaspersky, The Guardian, 17 de Dezembro de 2013, http://www.the-guardian.com/media-network/media-network-blog/2013/dec/17/internet-fragmentation-eugene-kaspersky49 NETmundial – Dilma Rousseff’s Opening Speech, 23 de Abril de 2014, http://netmundial.br/wp-content/uploads/2014/04/NETMundi-al-23April2014-Dilma-Rousseff-Opening-Speech-en.pdf50 Netmundial Multistakeholder Statement, 24 de Abril de 2014, https://www.laquadrature.net/files/NETmundial-Multistakeholder-Document.pdf

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Presidente Dilma Rousseff, na cerimónia de abertura de NETmundial, 23 de Abril de 2014Foto: NIC.br/ Luís Vinhão e Fernando Torres

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sequer mencionou a neutralidade na rede - um princípio fundamental da arquitetura da internet. Desapontados e frustrados, muitos ativistas pela internet lançaram uma campanha pedindo que os governos tomassem atitudes concretas para acabar com as espionagens globais e para proteger a internet livre. Alguns chegaram até a questionar o modelo colaborativo de governança da internet.

3.3 O modelo colaborativo em questão

Embora o processo de discussão adotado pelo NETmundial tenha parecido ser inclusivo, o modelo colaborativo foi criticado por ativistas pela internet e descrito como “opressor, determinado por interesses políticos e de mercado”.51 O balanço geral das forças e o fraco resultado do documento final do NETmundial os levaram a chamar os princípios do NETmundial de “vazios de conteúdo e desprovido de poder real”. La Quadrature du Net, que defende os direitos e a liberdade de cidadãos na web, chamou a governança internacional do NETmundial de uma” farsa” e o approach colaborativo de uma “ilusão”.52

Por mais que o Brasil tenha somado esforços consideráveis a fim de oferecer um evento aberto à sociedade civil, acadêmicos, ao setor privado e todos os governos, na realidade, o poder dos agentes não-governamentais, especialmente da sociedade civil, é relativamente fraco se comparado com a dominação dos governos, gigantes tecnológicos e outras corporações privadas poderosas. Por mais atraente que a retórica da liberdade possa ser, governança intrusiva ainda é considerada aceitável por governos de todos tipos - até por aqueles que aparentemente mantêm atitudes progressivas em relação à internet. iso é reforçado pelo medo de crimes virtuais e cybersecurity, áreas virtuais das políticas de governo, como defendeu o Ministro das Comunicações do Brasil, Paulo Bernardo.53 No Brasil, assim como na Índia e em outras democracias, o equilíbrio entre liberdade e segurança pode gerar posicionamentos contraditórios entre políticas internas e externas e os argumentos que vêm sendo utilizados com frequência geralmente justificam pedidos de maior controle do estado sobre recursos críticos da internet, sob o risco de cair em um jogo de regimes repressores.54

O futuro da governança da internet ainda vem sendo discutido e o Brasil está em posição privilegiada. Não está claro ainda até que ponto o Marco Civil vai desencadear em um ambiente on e offline mais seguro e melhor. Por enquanto, o Brasil não deveria apoiar estratégias que evocam um controle de cima para baixo da rede ou forçar a hospedagem de dados local. Como consequência do NETmundial, o Brasil aparenta ser um líder influente nos debates globais sobre o futuro da governança da internet. No entanto, o resultado do NETmundial reforça a vulnerabilidade brasileiro às pressões dos EUA, da UE e dos interesses industriais. O Brasil deve continuar a desenvolver o Marco Civil na esfera internacional e utilizar sua capacidade de promover a liberdade da internet.

51 NETmundial: Disappointed expectations and delayed decisions, Simone Marques, Index on Censorship, 30 de Abril de 2014, http://www.indexoncensorship.org/2014/04/netmundial-disappointed-expectations-delayed-decisions/52 The “Internet Governance” Farce and its “Multi-stakeholder” Illusion, Jérémie Zimmermann, La Quadrature du Net, https://www.laquadrature.net/en/the-internet-governance-farce-and-its-multi-stakeholder-illusion53 Liberalising internet governance: ICANN and the role of governments, Binoy Kampmark, Index on Censorship, 1 de Maio de 2014, http://www.indexoncensorship.org/2014/05/liberalising-internet-governance-icann-role-governments/54 Index policy paper, India: Digital freedom under threat?, November de 2013, http://www.indexoncensorship.org/2013/11/india-online-report-freedom-expression-digital-freedom/

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Conclusão e orientações Com a adoção de uma legislação progressiva sobre os direitos da internet, o Brasil surge na liderança da liberdade digital. Tecnologias digitais têm promovido novas oportunidades para a liberdade de expressão no país, mas também vêm com novas tentativas reguladoras de conteúdo e grandes desigualdades entre aqueles com e aqueles sem acesso à internet. Problemas antigos como a violência contra jornalistas, a concentração da mídia e a influência de líderes políticos locais sobre juízes e outros agentes públicos persistem.

Como a penetração da internet e o acesso à internet por telefones celulares têm aumentado no país, é interessante obervar de que maneira a inclusão digital criou um novo espaço para debate e e troca de ideias e deu nova forma a debates mais amplos sobre a liberdade de expressão. O surgimento da mídia independente como o coletivo Mídia Ninja demonstra o impacto do universo digital no âmbito da liberdade de expressão offline..

O Brasil deve agora desenvolver com base no Marco Civil para garantir o respeito à liberdade de expressão online e offline, promovendo os direitos da internet numa esfera internacional.

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Para que o Brasil possa fornecer um espaço seguro para a liberdade digital e garantir que a promessa do Marco Civil seja cumprida na realidade, a Index on Censorship oferece as seguintes orientações:

Externamente, o Brasil deveria:• Utilizar sua liderança para promover mais ainda uma internet livre e justa através da continuidade

do apoio público aos princípios fundamentais da internet como a neutralidade na rede, privacidade dos usuários e liberdade de expressão em fóruns internacionais

• Garantir que organizações da sociedade civil estejam fortemente envolvidas nas discussões e nos processos de tomada de decisão sobre a governança global na internet, e que o resultado dos debates internacionais reflitam adequadamente suas recomendações

• Resistir à intervenção de grupos de lobistas poderosos e de governos em distorcer o resultado dos encontros colaborativos

• Recusar-se em adotar ou assinar medidas repressoras e /ou acordos internacionais que favoreçam a censura na internet, estratégias descendentes de governança na internet e controles mais fortes sobre a internet

Internamente, o Brasil deveria: • Reformar leis de difamação e privacidade para garantir que estas não sejam utilizadas para

acusar jornalistas e cidadãos que estejam expressando opiniões legítimas em debates online, posts e discussões

• Oferecer treinamento apropriado ao judiciário e agências promotoras da lei sobre difamação e outros problemas relacionados à liberdade de expressão

• Introduzir regulamentações claras a respeito de processos civis de difamação, especialmente em relação ao uso de remoção de conteúdo e ao acerto de valores de indenizações

• Garantir que todos os casos de morte ou outras formas de violência contra profissionais da mídia e dos direitos humanos sejam investigados de forma independente, ágil e efetiva, e que os responsáveis sejam responsabilizados

• Ser mais transparente em relação ao desenvolvimento de projetos em torno das legislações de privacidade, incluindo a ‘Data Protection Bill’

• Perseverar em seus esforços de promover o acesso e a inclusão digital para todo o Brasil através da expansão do programa Cidade Digital e manter-se fiel ao objetivo de fornecer que 40 milhões de lares ou 68% da população tenham acesso à banda larga até o fim de 2014 como conta no Plano Nacional da Banda Larga

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GlossárioICANNThe Internet Corporation for Assigned Names and Numbers

IGFInternet Governance Forum

Intermediaries‘Intermediários’ (Internet intermediaries) oferecem o acesso, hospedam, transmitem e catalogam conteúdo originado por terceiros ou fornecem serviços baseados na internet a terceiros. Intermediários incluem ‘Internet Service Providers’ (ISPs), ferramentas de busca, business ou companhias da web que hospedam conteúdo mas não o produzem.

ITRInternational Telecommunication Regulations

ITU International Telecommunication UnionITU é a agência da ONU especializada em tecnologias da informação e da comunicação. É uma organização com base na parceria entre os setores público e o privado que alocam o espectro global de rádio e as órbitas de satélites.

ISPsInternet Service Providers

Net NeutralityNeutralidade na rede (net neutrality) é o princípio de que todos os usuários da internet devem ter como acessar qualquer conteúdo online e utilizar qualquer aplicativo de sua escolha sem re-strições ou limitações impostas pelos provedores de telecomunicações. Este é um dos princípios que fundou a internet e que garante que as operadoras de telecomunicação permaneçam sendo meras transmissoras de informação e não discriminem diferentes usuários, sua comunicação ou seu conteúdo acessado. Isso quer dizer que todos os dados devem ser tratados da mesma forma e enviados a seu destino com a mesma velocidade, não importando quem envia ou recebe. O grupo de ativismo pela internet, La Quadrature du Net, teme que a desconsideração da neutralidade na rede pelas operadores que desenvolvem business models que restringem o acesso podem levar a uma internet onde somente os usuários que possam pagar por um acesso privilegiado irão usufruir de rede integralmente.

Pedido de Remoção Um pedido de remoção (takedown request) faz referencia aos pedidos de donos de direitos auto-rias, do governo ou de agencias legais, ou ainda indivíduos de remoção, suspensão ou restrição ao acesso de conteúdos da internet. Um crescente número de companhias ( incluindo mas não lim-itando-se à Google, ao Facebook, Twitter, Dropbox, Yahoo e Microsoft) decidiu divulgar relatórios de transparência a fim de compartilhar informações a respeito do número de pedidos de informações de usuários e /ou pedidos de remoção recebidos pelos governos, agencias legais, donos de direitos autorias e às vezes terceiros.

WCITWorld Conference on International Communications. Organizado pela ITU.

WSISWorld Summit on the Information Society

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