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FICHA TÉCNICA Título original: Brazil – The troubled rise of a global power Autor: Michael Reid Copyright © 2014 Michael Reid Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2016 Tradução: Pietro Romani Revisão: João Martins/Editorial Presença Imagem da capa © Getty Images Capa: Catarina Sequeira Gaeiras /Editorial Presença Composição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda. 1. a edição, Lisboa, junho, 2016 Depósito legal n. o 409 661/16 Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (exceto Brasil) à EDITORIAL PRESENÇA Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730‑132 BARCARENA [email protected] www.presenca.pt

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FichA TÉcNicA

Título original: Brazil – The troubled rise of a global powerAutor: Michael Reidcopyright © 2014 Michael Reid Tradução © Editorial Presença, lisboa, 2016Tradução: Pietro RomaniRevisão: João Martins/Editorial Presençaimagem da capa © Getty imagescapa: Catarina Sequeira Gaeiras/Editorial Presençacomposição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.1.a edição, lisboa, junho, 2016Depósito legal n.o 409 661/16

Reservados todos os direitospara a língua portuguesa (exceto Brasil) àEDiTORiAl PRESENÇAEstrada das Palmeiras, 59Queluz de Baixo2730 ‑132 [email protected]

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ÍNDicE

iNTRODuÇãO — uMA NOvA POTêNciA

capítulo 1 — A ascensão conturbada do Brasil ............................... 17

capítulo 2 — O modo de vida brasileiro ......................................... 30

PRiMEiRA PARTE — A hiSTóRiA A PARTiR DA GEOGRAFiA

capítulo 3 — A formação de um povo ............................................ 49

capítulo 4 — Da monarquia à república do café ............................ 87

capítulo 5 — Getúlio vargas e o «nacional ‑desenvolvimentismo» . 123

capítulo 6 — A longa ditadura ........................................................ 151

SEGuNDA PARTE — A cONSTRuÇãO DO BRASil DEMOcRáTicO

capítulo 7 — Da desordem ao progresso com Fernando henrique

cardoso ...................................................................... 175

capítulo 8 — O lulismo e o sonho brasileiro ................................... 207

capítulo 9 — O longo caminho rumo a uma sociedade de classe

média .......................................................................... 241

capítulo 10 — O petróleo, a agropecuária e a Amazónia .............. 281

capítulo 11 — O capitalismo orientado do Brasil ........................... 313

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TERcEiRA PARTE — PERSPETivAS

capítulo 12 — Ambições e frustrações globais ................................ 349

capítulo 13 — um leviatã sem reformas ......................................... 383

capítulo 14 — O século do Brasil? .................................................. 409

POSFáciO ....................................................................................... 421

AGRADEciMENTOS ..................................................................... 437

NOTAS .............................................................................................. 439

BiBliOGRAFiA ............................................................................... 471

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Mapas

1. Mapa político do Brasil ................................................................. 13

2. Mapa físico do Brasil ..................................................................... 14

Gráficos

1. crescimento económico 1930‑2014 .............................................. 419

2. inflação 1939‑2015 ........................................................................ 420

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Amazónia

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O C E A N O

A T L Â N T I C O

O C E A N O

A T L Â N T I C O

Manaus SantarémBelém

Paragominas

Buenos Aires

Assunção

Montevideu

São Luís

Crato

Recife

Olinda

Maceió

PetrolinaTimbaúba

Santos

Jaraguá do Sul

SãoJosé dosCamposCampinas

São PauloPiracicaba

Curitiba

Blumenau

Porto Alegre

Novo Hamburgo

Colónia do Sacramento

São Borja

Salvador

Canudos

FortalezaNatal

Rio de Janeiro

Belo Horizonte

Macaé

Ouro PretoJuiz de Fora

Diamantina

Goiânia

Cuiabá

Rondonópolis

PortoVelho

BrasíliaBAHIA

SERGIPE

3.

4.

1. RIO GRANDEDO NORTE2. PARAÍBA3. PERNAMBUCO4. ALAGOAS5. ESPÍRITO SANTO6. RIO DE JANEIRO7. SANTA CATARINA

2.

CEARÁ

PIAUÍ

MARANHÃO

ACRE

1.

RONDÔNIA

MATO GROSSODO SUL

RIOGRANDEDO SUL

7.

PARANÁ

SÃO PAULO

6.

5.

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GERAISGOIÁS

DISTRITOFEDERAL

MATO

GROSSO

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NORTE

NORDESTE

SUDESTE

SUL

CENTROOESTE

Mapa Político do Brasil

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ManausBelém

Buenos AiresMontevideo

São Luís

Crato

Recife

Timbaúba

Santos

SãoJosé dosCamposCampinas

Curitiba

Porto Alegre

São Borja

Salvador

Fortaleza

Natal

Belo Horizonte

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Ouro PretoJuiz de Fora

Diamantina

GoiâniaCuiabá

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Cachoeirade PauloAfonso

represa deItaipu

P l a n a l t o d a s G u i a n a s

A m a z ó n i aM

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Pananã

Urugua

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Negro

Amazonas

Solimões

Cerrado(savana)

Floresta tropical amazónica e atlântica

Pantanal(terras alagáveis)

Fonte: IBGE

Sertão(semiárido)

Biomas do Brasil:

Mapa Físico do Brasil

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Introdução

Uma nova potêncIa

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cAPÍTulO 1

A AScENSãO cONTuRBADA DO BRASil

Numa manhã fresca de novembro de 2009, centenas de em pre‑sários de toda a Europa enchiam a sala de conferências do hotel Marriott, no bairro londrino de Mayfair, quando luiz inácio lula da Silva se dirigiu à tribuna para falar. Antigo dirigente sin‑dical, fundador do Partido dos Trabalhadores e líder destacado da esquerda brasileira ao longo de uma geração, lula tornara ‑se um mestre na arte de seduzir plateias empresariais desde que, em 2003, tomara posse como presidente do Brasil. Na sua voz grave e rouca, começou por apelar a que encontros como aquele fossem mais frequentes: «[...] precisamos nos encontrar mais vezes para que a gente possa se conhecer mais pro fundamente e melhor. [...] Quando acontece muita coisa, nós nem sabemos.» Envere dou então por uma apresentação do que fora o seu pro‑grama de eletrificação rural (luz para Todos), que ligara à rede elétrica cerca de 2,2 milhões de famílias. «[...] nós já utilizamos 906 mil quilômetros de cabo; 906 mil quilômetros de cabo dariam para dar 21 voltas no planeta Terra, se é que os cálculos que me deram estão certos, de que a circunferência da Terra é de 40 mil quilômetros e oitocentos e poucos metros», disse. Os empresários riram ‑se. O programa custou ao governo nove mil milhões de reais (cerca de cinco mil milhões de dólares). Mas, acrescentou lula, vendeu ‑se como consequência deste programa mais um milhão de televisores e de frigoríficos — e quem os vendeu foram empresas privadas.

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lula concorrera à presidência pela primeira vez em 1989, exaltando o socialismo e defendendo que o Brasil não pagasse a sua dívida externa. Perdeu por pouco. Na década de 1990, candidatou ‑se e perdeu mais duas vezes, por margens maiores, para Fernando henrique cardoso, um sociólogo a quem se aliara contra a ditadura militar brasileira. Antes das eleições de 2002, lula abandonou as posições radicais de esquerda, aproximou ‑se do centro e conciliou ‑se com as reformas liberais de cardoso, que tinham controlado a inflação crónica do Brasil e estabelecido uma base para o crescimento. lula começou a vestir fatos italianos. A barba transformou ‑se com a política: semeada agora de mais pelos brancos que grisalhos, trazia ‑a bem aparada, irreconhecível em relação à massa negra e revolta dos seus tempos de sindicalista. «[...] as pessoas que tinham uma conceção capitalista no meu país não tinham descoberto que em um país capitalista tem que ter capital circulando», disse aos empresários presentes no Marriott. Pouco depois, gracejava: «De vez em quando alguém me pergunta: “Ô lula, mas você era sindicalista, pô! você agora está aí, os ban‑cos estão ganhando muito dinheiro, e você não fala nada.” Eu falo sempre: graças a Deus, os bancos estão ganhando dinheiro, porque quando eles quebram dão um prejuízo desgraçado.»

Nesse dia, o principal objetivo de lula era divulgar aquilo a que chamou «uma revolução silenciosa no Brasil [...], que é a recupera‑ção da autoestima coletiva de uma sociedade». Tendo começado, no início do seu primeiro mandato, por adotar e endurecer as polí‑ticas fiscais e monetárias ortodoxas de cardoso, lula presidira a uma economia em aceleração. O seu governo conseguira articular o crescimento com a redistribuição do rendimento, através de gran‑des aumentos do salário mínimo e de políticas sociais ambiciosas. Entre 2002 e 2009, disse lula, 30 milhões de brasileiros tinham saído da pobreza. Detentor, pela primeira vez, de um rendimento disponível, este grupo florescente — no qual alguns analistas viam «uma nova classe média» — começou a comprar bens de con‑sumo, dos automóveis às roupas. Graças às suas novas forças, o Brasil depressa vencera a crise financeira mundial de 2008 ‑2009, desencadeada pelo afundamento do crédito hipotecário de alto

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risco (subprime) nos Estados unidos. Depois de tantas oportunidades perdidas no passado, «o Brasil vive um momento excelente e exce‑cional», concluiu lula. «Eu estou convencido de que o século xxi é o século do Brasil.» Falara durante quase uma hora sem notas nem teleponto. Enquanto regressava ao seu lugar na plateia, a multidão envolveu ‑o com o fervor normalmente reservado aos futebolistas brasileiros.

Eu já ouvira lula da Silva várias vezes, quer no Brasil quer no estrangeiro. Três anos antes, vira ‑o desfrutar a pompa de um banquete oficial no Palácio de Buckingham. Em setembro de 2010, pouco antes de os Brasileiros elegerem, para lhe suceder, Dilma Rousseff — a candidata que ele escolhera —, sentei ‑me com lula durante hora e meia no seu espaçoso gabinete do palácio do Planalto, em Brasília, para uma entrevista em que debatemos os sucessos e as frustrações da sua presidência. Mas julgo que nunca o vi tão eufórico como naquela conferência de londres, em novem‑bro de 2009. A conferência coincidiu com o momento em que o mundo parecia ter despertado, numa miríade de formas diferentes, para o Brasil. Na Economist, tentámos captar esse sentimento com uma capa onde se via a estátua emblemática do cristo Redentor, no Rio de Janeiro, a erguer ‑se no ar como se um reator a propul‑sionasse, sob o título «O Brasil Descola»*.

O próprio lula se tornara, de súbito, o homem do momento. Em abril desse ano, na cimeira do G20 realizada em londres para discutir a crise financeira internacional, Barack Obama dissera de lula, com entusiasmo: «É dos meus!» Semanas depois, lula viajava até Ekaterinburg, nos urais, para a primeira cimeira presidencial dos países BRic, colocando o Brasil ao nível da Rússia, da Índia e da china. Diferentes entre si em muitos outros aspetos, os países que compunham este quarteto tinham sido relacionados em 2001 por Jim O’Neill, economista da Goldman Sachs, para sublinhar uma deslocação fundamental do poder económico do mundo, em detrimento dos Estados unidos e da Europa; uma deslocação à qual a formação do G20 deu um reconhecimento tardio. Outro

* No original, «Brazil takes off». (NT)

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indício simbólico de que pouco se conseguiria obter em termos de diplomacia global sem o Brasil e os seus novos amigos surgiu na conferência das Nações unidas sobre Mudanças climáticas que teve lugar em copenhaga em dezembro de 2009. Quando Obama apareceu para falar, em desespero de causa, com o primeiro‑‑ministro chinês Wen Jiabao, encontrou ‑o sentado à mesa com lula, Manmohan Singh, da Índia, e Jacob Zuma, da áfrica do Sul. Obama sentou ‑se ao lado do «meu amigo lula»1. A união Europeia, para desgosto dos seus dirigentes, não esteve presente.

Na mesma cidade, semanas antes, lula fora o beneficiário de uma humilhação pública de Obama. O comité Olímpico inter‑nacional escolheu o Rio de Janeiro para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016. chicago, berço político de Obama, foi eliminada na primeira votação, apesar da visita de última hora do presidente americano a copenhaga para tentar reunir votos. A deci são pareceu harmonizar ‑se com uma boa vontade genuína em todo o mundo. coroava a atribuição ao Brasil da organização do campeonato do Mundo de Futebol em 2014. lula afirmou, em lágrimas, que isso mostrava que o Brasil era finalmente reconhecido como «um país de primeira classe».

O Brasil é sem dúvida um país de superlativos, em parte devido à sua enorme dimensão. Os seus 8,5 milhões de quilómetros qua‑drados formam o quinto maior país do mundo em área, o equi‑valente à área continental dos Estados unidos e a quase metade da América do Sul. Os 28 países da união Europeia caberiam à vontade no território brasileiro. Os seus 200 milhões de habi‑tantes fazem do Brasil a quarta democracia mais populosa do mundo. com um PiB de 2,4 mil milhões de dólares em 2012, era a sétima maior economia, a par da britânica, segundo as contas do FMi.* É o terceiro maior exportador de alimentos; irá ocupar

* Atrás dos Estados unidos, china, Japão, Alemanha, França e Reino unido, com o PiB calculado em função da taxa de câmbio. O Brasil também era o sétimo na lista das economias apresentada pelo FMi para o PiB calcu‑lado pelo método da paridade do poder de compra, mas neste caso a Índia e a Rússia ocupavam os lugares da França e do Reino unido.

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o primeiro lugar em 2025, destronando os Estados unidos, de acordo com uma previsão da Organização das Nações unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)*. Já autossuficiente em petróleo, o Brasil descobriu no fundo do Atlântico Sul algumas das maiores jazidas de petróleo do século xxi, que deverão transformá ‑lo num grande exportador desta matéria ‑prima em 2020. Mas o Brasil também é o maior produtor do mundo de combustíveis de origem vegetal: metade dos seus automóveis são movidos a álcool derivado de cana ‑de ‑açúcar. De acordo com um estudo da FAO, é mais rico em água doce per capita do que qualquer outro país. Abarca cerca de 70% da floresta tropical amazónica, pelo que é um interveniente fundamental nos debates internacionais acerca das formas de reduzir as emissões de carbono e moderar as alterações climáticas. Mas o Brasil não é apenas um produtor de matérias ‑primas: em 2010, foi ‑lhe atribuído o sexto lugar na lista das maiores potências industriais.

Quando a Goldman Sachs cunhou o rótulo BRic, em 2001, houve de início alguns comentários segundo os quais o Brasil não estava à altura de tais parceiros. A sua economia estava a crescer muito mais devagar do que as dos outros três, e até havia o receio de que pudesse não pagar a sua dívida externa em 2002. A china era claramente um caso à parte: graças às suas dimensões e ao seu rápido crescimento, estava a caminho de se tornar a única superpotência a rivalizar com os Estados unidos. A Índia era mais pobre do que os outros três, mas estava a crescer depressa (e assim continuou pelo menos até 2012) e era a democracia mais populosa do mundo. Quanto à Rússia, era o mais rico dos quatro, com um rendimento de 15 800 dólares per capita; tinha armas nucleares, assento permanente no conselho de Segurança das Nações unidas e tiques geopolíticos de antiga superpotência, com envolvimentos nos Balcãs e no Médio Oriente.

Na verdade, o Brasil beneficiava de algumas vantagens em relação aos outros BRic: o seu rendimento de 12 000 dólares per

* A sigla inglesa (FAO), correspondente a Food and Agriculture Organization, é mais conhecida do que a portuguesa (ONuAA). (NT)

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capita em 2012, calculado em termos de poder de compra, era cerca de um terço mais elevado do que o chinês (embora a china estivesse a recuperar depressa) e quase três vezes mais elevado do que o indiano. Em 2012, quase metade dos brasileiros usavam a internet, percentagem idêntica à da Rússia e superior à da china ou da Índia. Os Brasileiros são os utilizadores mais ávidos do Facebook a seguir aos Americanos.2 Em termos mais gerais, o Brasil era, em muitos aspetos, o país mais aberto e «ocidental» dos quatro BRic (embora em certos aspetos essa aparência possa ser enganadora). E não só era uma democracia como escapava às tensões religiosas e étnicas e à violência terrorista que afetam os outros três. O Brasil não tem disputas de fronteiras nem enfrenta quaisquer ameaças estratégicas visíveis. A ascensão da china à posição de superpotência parece inevitável — enquanto ponto de chegada. Mas seria de espantar que o seu vertiginoso crescimento económico não viesse mais cedo ou mais tarde a passar por sola‑vancos, o que poderia, por seu turno, desencadear instabilidade e tensões políticas com consequências imprevisíveis mas potencial‑mente importantes. Quanto à Índia, sofria de uma pobreza rural generalizada e dilaceravam ‑na fraturas étnicas, religiosas e de casta, de tal maneira que a sua ascensão parece realmente «estranha» e «contra a vontade dos deuses», para citar o título de um ensaio recente.3 E a Rússia, mais que em ascensão, poderia dizer ‑se que estava em declínio. A sua economia estava ainda mais dependente do que a brasileira da produção de matérias ‑primas (petróleo e gás natural, neste caso), e o seu sistema político minado pela intimida‑ção e pela corrupção.

Apesar das dúvidas iniciais, o Brasil parecia ter alcançado — em boa medida graças às reformas económicas que cardoso pusera em prática e que lula optara por prosseguir — a combina‑ção de um crescimento económico mais rápido com uma inflação baixa que havia tanto tempo lhe vinha fugindo. cada vez mais, empresários e políticos referiam o seu nome quando falavam da china e da Índia. «O Brasil é o lugar onde todos querem estar», declarou Paul volker, antigo diretor da Reserva Federal norte‑‑americana e conselheiro de Obama, numa visita ao país em 2010.4

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Quando lhe perguntaram qual era a maior mágoa que lhe ficava do seu mandato como ministro dos Negócios Estrangeiros britânico entre 2007 e 2010, David Miliband respondeu: «Não ter visitado o Brasil.»5 As sociedades de investimento acotovelavam ‑se para pôr à venda fundos brasileiros, enquanto outras empresas, de agências de publicidade a gigantes das telecomunicações, pagavam somas que pareciam delirantes para penetrarem no país comprando compa‑nhias rivais brasileiras.

Ao mesmo tempo, as empresas brasileiras começavam a tornar‑‑se conhecidas no mundo. A par da Petrobras, a petrolífera estatal, o grupo crescente de gigantescas multinacionais brasileiras incluía a vale, a segunda maior companhia de mineração do mundo; a Embraer, o terceiro maior fabricante de aviões civis a jato; dois grandes bancos privados, o itaú e o Bradesco, e o principal banco de investimento latino ‑americano, o BTG ‑Pactual; e a JBS ‑Friboi, um empreendimento familiar que em menos de 60 anos deixou de ser um pequeno negócio de carnes no estado de Goiás, no interior da região centro ‑Oeste, para se tornar a maior empresa de carnes do mundo. Além destas, a lista de multinacionais nascentes incluía «empresas brasileiras de que nunca se ouviu falar», como disse, na conferência de londres, Roger Agnelli, que então chefiava os destinos da vale, dando os exemplos da Brazil Foods, da Gerdau (siderurgia) e de duas empresas de engenharia, a Weg e a Embraco. Minutos depois, Emilio Botín — cujo banco, o Santander, acabava de vender 16% dos seus negócios brasileiros por oito mil milhões de dólares, na maior oferta pública inicial de 2009 em todo o mundo — subia à tribuna para declarar que São Paulo não tardaria a ser «um centro financeiro de importância mundial».

Primeiro a esperança, depois a desilusão

Toda esta euforia suscitou naturalmente a ideia cética de que poderia tratar ‑se de exagero. «Primeiro a esperança, depois a desilusão» é um padrão tipicamente brasileiro, como assinalou cardoso.6 há muito tempo que o potencial do país é evidente, tanto

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para os Brasileiros como para os estrangeiros. Em 1940, Stephan Zweig, um escritor austríaco que foi para o Rio de Janeiro para fugir aos nazis, escreveu um livro brilhante intitulado Brasil, País do Futuro*7. Mas rapidamente o humor popular brasileiro acrescentou o corolário «e sempre assim será», gracejo que se transformou num chavão amargo. O país tornava ‑se um epíteto das promessas que ficam incompreensivelmente por cumprir.

De facto, depois de o crescimento económico atingir um pico fabuloso de 7,5% em 2010, ano de eleições em que lula supervisio‑nou o triunfo da sucessora por si escolhida, Dilma Rousseff, o Brasil começou a sofrer desilusões e um certo obscurecimento da sua reputação. como escrevemos no nosso artigo de fundo de novem‑bro de 2009, «da mesma forma que seria um erro subestimar o novo Brasil, também o seria dourar as suas fragilidades»8. Muitos industriais brasileiros eram pouco competitivos, e o setor dos ser‑viços era pouco produtivo. Tal acontecia em parte devido ao mau desempenho do sistema educativo brasileiro; mas devia ‑se também a um sistema fiscal opressivo e a uma burocracia irracional. Num país ainda demograficamente jovem, as despesas com pensões esta‑vam a aumentar de forma alarmante. Entretanto, o investimento público em infraestruturas continuava irrisório: os portos, aeropor‑tos e estradas brasileiros estavam congestionados, e havia quem questionasse a capacidade do país para gerar eletricidade suficiente para alimentar o crescimento económico. Embora as desigualdades de rendimento e de poder começassem a diminuir, continuavam gritantes. Enquanto uma minoria rica gozava a vida em vastas propriedades ou nos magníficos apartamentos dos subúrbios a Sul do Rio de Janeiro, junto da praia, ou nos bairros luxuriantes de São Paulo, como Jardins, vila Nova da conceição ou Morumbi, os imigrantes pobres chegados do interior amontoavam ‑se aos milha‑

* A edição original em alemão intitulava ‑se simplesmente Brasilien, mas o frontispício citava uma carta escrita em 1868 por um diplomata austríaco, o conde Prokesch ‑Osten, que elogiava o país como sendo «um lugar novo, um porto magnífico, longe da Europa esfarrapada, um novo horizonte político, um país do futuro...».

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res em favelas muitas vezes imundas. O crime violento e, por vezes, a ação policial igualmente violenta continuavam a ser uma chaga na vida de muita gente, em especial dos jovens, dos negros e dos habitantes das favelas. Marcavam a vida política uma proliferação exagerada de partidos, a prática descarada do compadrio e do clientelismo, e o poder de veto exercido por interesses enraizados. O poder judiciário era pesado e lento. O Estado tinha dificuldade em fazer aplicar a lei. A corrupção continuava presente em todo o lado. Por todos estes motivos, a riqueza do petróleo tanto podia ser um benefício como uma maldição económica.

Temporariamente eclipsados durante o crescimento súbito dos mandatos de lula, estes problemas, bem enraizados, reapare‑ceram ampliados durante a presidência da sua sucessora, Dilma Rousseff. Embora a vitória de Dilma se devesse à extraordinária popularidade de lula e ao seu enérgico apadrinhamento, foi mais um marco importante para o Brasil, por ser a primeira mulher a governar o país. A sua primeira tarefa como presidente era lidar com as consequências das políticas económicas expansionistas que tinham contribuído para a eleger. Dilma, como lhe chamam os Brasileiros, tinha pela frente um exercício de delicado equilíbrio: a tentativa de apoiar o crescimento e, ao mesmo tempo, refrear a inflação e controlar as consequências de uma moeda muitíssimo sobrevalorizada (em parte como efeito dos esforços desesperados dos bancos centrais dos Estados unidos e da Europa para injetar dinheiro nas respetivas economias, mas também da redução da poupança e das altas taxas de juro no Brasil). O governo de Dilma não lidou bem com este desafio: oscilou entre uma política e outra, e a sua interferência constante gerou instabilidade. A inflação subiu até aos 6% ao ano, e o ritmo de crescimento dos salários reais abrandou. vários economistas brasileiros de renome aler‑taram para o facto de que o amplo consenso acerca das políticas económicas que estivera na base do progresso do país nas duas décadas anteriores começava a dar sinais de desgaste, e de que o governo estava a regressar a alguns dos hábitos intervencionistas do passado.9 Diziam que, sem uma nova vaga de reformas liberais, o Brasil não conseguiria crescer mais do que 2 a 3% ao ano sem

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fazer disparar a inflação. Também alguns comentadores estrangei‑ros começaram a concentrar ‑se de novo nas fragilidades do Brasil.*

Mesmo assim, a opinião generalizada no Brasil dava por seguro que Dilma rumava a um segundo mandato em 2014. Então, subi‑tamente, em junho de 2013, o país foi abalado por protestos de rua numa escala a que não se assistia há uma geração. No essencial, era um grito de frustração perante uma classe política que muitos brasileiros consideravam corrupta, não representativa e voltada para os seus próprios interesses, e perante a má qualidade dos serviços públicos — hospitais e cuidados de saúde, educação, e transportes públicos. Embora rapidamente se tenham esvaziado, estes protestos foram um grande choque para o sistema político. Encarados em conjunto com o abrandamento económico, suge‑riam que o notável ciclo de progresso das duas décadas anteriores tinha pelo menos estagnado.

Já no passado o Brasil dececionou. De 1930 a 1980, a econo‑mia brasileira esteve entre as que mais depressa cresceram em todo o mundo. Na década de 1950, o presidente eleito Juscelino Kubitscheck prometeu animadamente «cinquenta anos de desenvol‑vimento em cinco» e propôs ‑se transformar o Brasil numa potência industrial. como afirmação da modernidade do país e símbolo da sua ambição, construiu uma nova capital, Brasília, bem no interior do Planalto central. De modo semelhante, na década de 1970, os

* Resumiu este renascimento do ceticismo um artigo publicado na revista Foreign Affairs («Bearish on Brazil: The commodity Slowdown and the End of the Magic Moment», maio/junho de 2012) por Ruchir Sharma, economista no Morgan Stanley, um banco de investimentos de Wall Street. Sharma atribuía o crescimento mais rápido do Brasil unicamente ao aumento fulgurante do preço das matérias ‑primas estimulado pela industrialização da china e à elevada liquidez global. com o abrandamento económico da china e o fim iminente do dinheiro barato nos países ricos, dizia Sharma que o Brasil seria prejudicado pela sua habituação a taxas de juro elevadas e a um Estado ‑providência dispen‑dioso, fruto de uma busca obsessiva de estabilidade mais do que de crescimento. O artigo continha alguns erros [por exemplo, o programa de transferência de renda Bolsa Família (uma espécie de Rendimento Social de inserção) não era realmente um item pesado para o orçamento]. Mas também transmitia uma boa dose de verdade.

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generais que então governavam o país proclamaram um «milagre» económico, quando o crescimento atingiu taxas com dois algaris‑mos, e lançaram uma campanha de propaganda a que chamaram «Brasil, Grande Potência». Em ambas as ocasiões, os observadores externos foram contagiados pela vaga de otimismo, para depois verem o país perder ‑se pelo caminho. Só no futebol o Brasil se tor‑nou uma superpotência, tendo conquistado cinco campeonatos do mundo entre 1958 e 2002, mais do que qualquer outro país. Mas ainda nenhum brasileiro obteve um Prémio Nobel.

Quando vivi em São Paulo, de 1996 a 1999, na qualidade de primeiro correspondente da The Economist no Brasil, convenci ‑me de que o país tinha grandes capacidades, algumas escondidas, a par das suas fragilidades, mais evidentes. Acreditei que estava em curso um processo de reformas de grande alcance, capaz de fazer avançar o país nos anos seguintes. Daí para cá, visitei com frequência o Brasil, onde passei longas temporadas. continuo a acreditar que o seu progresso recente tem bases económicas e sociopolíticas mais sólidas do que no tempo de Kubitscheck ou na época do «milagre» económico dos generais. O progresso recente é analisado na segunda parte deste livro e constitui o seu núcleo mais volumoso. As capacidades do Brasil nos domínios da energia, da agricultura e, cada vez mais, da ciência e da investigação são reais e não vão desaparecer. A sociedade brasileira é vibrante e criativa (embora continue a ser injusta). No entanto, se não me parece que o país corra o risco de mais um colapso económico, receio, como muitos brasileiros, que, sem uma liderança política adequada, sem políticas adequadas e sem reformas políticas (e não só), o ritmo do progresso possa dececionar quer os Brasileiros quer quem os vê de fora. Na The Economist de setembro de 2013, tentando representar essas dúvidas, retomámos a nossa capa de quatro anos antes mas com a estátua do cristo Redentor prestes a cair de novo na terra e com a pergunta «O Brasil Falhou o lançamento?»* Na terceira parte, tento responder a esta pergunta e, também, perceber qual poderá ser o impacto do Brasil no mundo nos próximos anos.

* No original, «has Brazil blown it?». (NT)

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Os milhares de adeptos desportivos de todo o mundo que visitaram o Brasil para o campeonato do Mundo de Futebol, e que agora regressam para os Jogos Olímpicos, vão encontrar um país mais complexo do que parece à primeira vista. Se bem que o turismo tenha melhorado nos últimos anos, o Brasil continua sur‑preendentemente desconhecido para o mundo exterior, pelo menos para além dos lugares ‑comuns, e relativamente pouco estudado. Talvez isso se deva ao facto de o português ser falado no mundo por relativamente poucos não‑brasileiros. Mesmo a maior parte dos «latino ‑americanos» só fala espanhol.

O meu outro objetivo com este livro é dar uma interpretação e uma explicação do Brasil de hoje. Para isso, fui escavar o passado. Ao contrário da Índia e da china, com as suas histórias contínuas de civilização e cultura milenares, o Brasil é um país relativamente «novo». Noutros aspetos, porém, o Brasil não é assim tão novo. Mantém aproximadamente as mesmas fronteiras desde os tempos coloniais (ao contrário dos Estados unidos). É um Estado ‑nação estabelecido há mais tempo do que a Alemanha ou a itália. A história do Brasil marcou o país de várias maneiras cruciais, que ajudam a explicar os seus problemas e modus operandi atuais. É dessa história que falo na primeira parte do livro, que se centra em particular em diversos temas que continuam a projetar a sua sombra sobre o Brasil dos nossos dias. um deles é a dificuldade que teve Portugal, uma potência colonial relativamente fraca, em estabelecer e manter o controlo sobre a sua vastíssima colónia. Outro diz respeito às circunstâncias em que, em 1822, o país obteve a sua independência. A experiência do Brasil enquanto colónia e, depois, enquanto monarquia independente afetou os seus hábitos de governo, ainda que estes tenham vindo mais tarde, durante o século xx, a evoluir drasticamente, à medida que o país se esforçava por recuperar o atraso económico. O terceiro tema dominante é a forma como a prática da escravatura em larga escala e a imigração forçada de milhões de escravos africanos marcaram indelevelmente a sociedade brasileira e a sua política e constituem a explicação específica mais importante para a continuação das suas desigualdades sociais. Embora o Brasil nunca tenha exercido a

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segregação racial que ensombrou os Estados unidos e a áfrica do Sul, muitos dos brasileiros pobres de hoje têm a pele mais escura do que quem vive melhor.

Esta história também distingue o Brasil, que fala português, dos seus vizinhos, que falam espanhol. A distinção mais óbvia mostra que, ao obter a independência política, a América espanhola se fraturou em mais de uma dúzia de repúblicas separadas, ao passo que o Brasil se manteve indiviso. Em vários aspetos, o Brasil é comparável com os Estados unidos: ambos são vastos territórios continentais com diferenças profundas de clima, topografia e popu‑lação; ambos ficaram marcados pela existência de uma fronteira interna aberta e pela energia irrequieta que isso gerava; e ambos são amálgamas raciais, embora os pormenores de uma e de outra sejam muito distintos. como nos EuA, muitas coisas no Brasil tendem a ser grandes: as distâncias, as áreas de serviço para pesa‑dos, os restaurantes e as doses que servem, por exemplo. Para os Brasileiros, tal como para os Norte ‑Americanos, é banal conduzir durante vários dias para chegar a algum lado. O resultado é que os dois maiores países das Américas se parecem, embora muitas vezes como se refletidos num espelho que distorcesse a imagem. Talvez seja por isso que cada um deles se sente com frequência frustrado e desiludido com o comportamento do outro.

Em suma, o Brasil é um mundo à parte, e os Brasileiros, como os Norte ‑Americanos, possuem um forte sentimento de exceciona‑lidade. há muito tempo que têm a noção do potencial do seu país e que a incapacidade de o manifestar os frustra e desalenta. Em jeito de petisco* antes do prato principal do livro, o próximo capí‑tulo oferece um breve retrato desta terra excecional e do seu povo.

* Em português no original. (NT)

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cAPÍTulO 2

O MODO DE viDA BRASilEiRO

«O Brasil é um país imenso, um continente de alta comple‑xidade humana, ecológica e social», como disse lula no seu pri meiro discurso enquanto presidente, a 1 de janeiro de 2003. Geograficamente, a maior parte do Brasil fica na zona intertropi‑cal. O país contém muitos dos biomas do planeta, mas falta ‑lhe o meio alpino: a montanha mais alta do Brasil, o Pico da Neblina, não chega aos 3000 metros e eleva ‑se na fronteira venezuelana, no Planalto das Guianas, o núcleo geológico antigo da América do Sul. Dividem o país três grandes bacias hidrográficas: a do Amazonas, a do Paraná, no Sudoeste, e a do São Francisco, que nasce em Minas Gerais e corre para norte, paralelo à costa, antes de desaguar no mar entre o Recife e Salvador. Mesmo na sua condição já algo diminuída, a floresta tropical amazónica ainda cobre quase metade do país. A maior parte do restante território é «cerrado»*, a vasta savana ondulada que se estende num amplo crescente desde Mato Grosso até ao Piauí e ao Maranhão. A faixa costeira relativamente estreita e as terras adjacentes continuam a ser a parte mais densa‑mente povoada do país.

Os Brasileiros dividem o país em cinco regiões (ver mapa na página 13). A região Sul é uma zona temperada que atraiu muita imigração europeia (da Alemanha, itália e Europa de leste) nos dois últimos séculos. É terra de agricultura familiar e de muitos

* Em português no original. (NT)

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brasileiros louros, que baralham os estereótipos do país feitos pelos estrangeiros, e tem nomes de lugares como Novo hamburgo e Blumenau (onde se realiza uma Oktoberfest muito concorrida). com 26 milhões de habitantes, a região Sul ocupa apenas 7% do território nacional; é a segunda região mais rica em rendimento per capita, logo a seguir à região Sudeste, mas tem os níveis de desenvolvimento humano mais elevados. Os estados do Paraná e de Santa catarina têm muitas unidades industriais modernas. O Rio Grande do Sul, cujos habitantes são conhecidos como gaúchos, é um estado de fronteira que desempenhou um papel importante na história do Brasil. Algumas das suas indústrias tradicionais, como o calçado, a metalurgia ou a produção de vinho, têm tido dificuldade em manter ‑se competitivas nas últimas décadas.

A região Sudeste é o coração e o núcleo económico do Brasil, com 77 milhões de habitantes, e inclui as duas maiores cidades do país. O Rio de Janeiro é uma cidade sobretudo portuguesa e africana, mas, tendo sido a capital entre 1763 e 1960 e o principal porto de mar até ao fim do século xix, é um lugar naturalmente cosmopolita. Abençoa a cidade um dos cenários urbanos mais belos e impressionantes do planeta, com os seus morros abruptos e florestas residuais erguidos sobre o Atlântico, o jogo constante entre terra e água nas lagoas costeiras, e a baía da Guanabara, guarnecida de ilhotas. A cidade dá corpo à mistura tipicamente brasileira entre o deslumbrante, o pitoresco e o miserável. A par das suas muitas favelas, o Rio possui dois dos bairros urbanos mais famosos do mundo, copacabana e ipanema, que se desenvolve‑ram na década de 1890, depois de, à força de dinamite, se terem aberto túneis através do relevo granítico que os separa do centro da cidade. Os cariocas, nome dado aos habitantes do Rio, são vistos pelos outros brasileiros como gente mais dada a divertir ‑se do que a trabalhar. Deve ‑se isso em parte ao facto de, no Rio de Janeiro, uma das maiores cidades costeiras do mundo, a praia ser um espaço eminentemente social. É um lugar para fazer e encontrar amigos, jogar futebol e, por vezes, falar de negócios, como escreve Ruy castro, biógrafo da cidade: «No Rio, vai ‑se à praia, como se vai ao cinema, às compras ou ao banco — porque ela está ali

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24 horas por dia, o ano inteiro»10. Depois de o governo federal se mudar para Brasília, o Rio sofreu décadas de declínio económico, administração incompetente e corrupta, e introversão narcísica. Porém, nos últimos anos, gozou de um renascimento, graças ao crescimento da indústria petrolífera, sediada na cidade; a impor‑tantes investimentos industriais no território estadual em seu redor; e ao aumento do comércio eletrónico, que permitiu que boa parte do ramo financeiro de gestão de ativos se mudasse de São Paulo novamente para o bairro elegante do leblon, junto da praia. Os cariocas têm esperança de que os Jogos Olímpicos consolidem em definitivo este renascimento.

Originalmente um povoamento fronteiriço, o café e a industria‑lização fizeram de São Paulo uma das cidades com um crescimento mais rápido do mundo ao longo da maior parte do século xx: a sua população aumentou de apenas 65 000 pessoas em 1890 para 570 000 em 1920, transformando a cidade numa metrópole de 12 milhões de habitantes na década de 1970 e de cerca de 18 milhões atualmente. São Paulo tornou ‑se a capital económica e empresarial do Brasil e, na década de 1970, a maior cidade indus‑trial do hemisfério sul. claude lévi ‑Strauss, o antropólogo francês que na década de 1930 lecionou na universidade de São Paulo, que acabava de ser fundada, escreveu acerca da cidade do seu tempo: «Diante de prédios de cimento estendem ‑se campos onde pastam vacas; é toda uma área que poderia de súbito tornar ‑se uma miragem.» Notou lévi ‑Strauss que, no seu crescimento verti‑ginoso, a cidade era muitas vezes comparada com chicago; hoje, o termo de comparação seriam cidades chinesas como chongqing ou chengdu. Tal como o Sul do Brasil, também São Paulo atraiu imigrantes de itália e da Alemanha, mas também muitos sírios e libaneses, bem como japoneses e coreanos. Se o Rio vivia da pre‑sença do governo, São Paulo devia tudo aos negócios. A diferença entre as duas cidades, exprimiu ‑a victor civita, um imigrante italiano que fundou o Grupo Abril, o maior grupo editorial do Brasil. chegado ao Brasil em 1949, diziam ‑lhe os cariocas que São Paulo era provinciana e que lhe faltava a mão de obra criativa necessária para uma empresa de comunicação. Mas civita gostou

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de São Paulo, vendo nela uma cidade cheia de gente empreen‑dedora. Recordou ‑lhe a sua Milão natal, enquanto comparava os cariocas aos habitantes de Roma, bons para o ócio mas não para o trabalho.11 São Paulo passou por uma transição difícil com a abertura da economia na década de 1990. Perdeu muitas das suas indústrias mas veio à tona como a capital empresarial, financeira e cultural do Brasil, uma cidade mundial. A sua imagem sofreu uma metamorfose semelhante. Foi representada com frequência como uma distopia urbana. Os super ‑ricos esvoaçavam de helicóptero nos céus da cidade enquanto lá em baixo, nas ruas feias e engarrafadas, bandos de motoboys (estafetas montados em motorizadas) desafiavam a morte, e os paulistas corriam entre o emprego e as suas casas, empilhadas em incontáveis torres residenciais e protegidas por guardas e por altas vedações de aço. Nos anos mais recentes, São Paulo acabou por ser vista também como o suprassumo do estilo no Brasil, com os seus edifícios modernistas e a sua extraordinária energia criativa, o seu florescente mercado de arte contemporânea e os seus restaurantes gourmet. No entanto, fora do centro antigo e de meia dúzia de outros núcleos empresariais, conserva um ar estra‑nhamente suburbano, reflexo de uma cidade que cresceu muito depressa em vez de evoluir organicamente.

A economia da cidade é alimentada por uma vasta área rural periférica, que é o centro da agroindústria brasileira e alberga um cordão de cidades mais pequenas com indústrias modernas, de tecnologia de ponta, como campinas e São José dos campos. A maioria das cidades mais habitáveis e de crescimento mais rápido do Brasil é hoje de média dimensão, tanto no estado de São Paulo como no resto do país. Ao todo, o estado de São Paulo, com cerca de 40 milhões de habitantes, é responsável por um terço do PiB do Brasil; a sua economia, de mais de 350 mil milhões de dólares, é maior do que a soma das economias da Argentina, uruguai e Paraguai (cofundadores, com o Brasil, da área de comér‑cio Mercosul).

Minas Gerais, o segundo estado mais populoso, com 20 milhões de habitantes, tem uma enorme diversidade. No Sudoeste do estado, predominam colinas suaves com plantações de café, pontuadas por

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cidades de indústria ligeira; a zona do Sudeste, antes florestada, é em muitos aspetos uma extensão do Rio de Janeiro; no centro do estado, há montanhas, minas e indústria pesada; o recanto do Nordeste é pobre e rural; e, no Oeste, a área conhecida como o Triângulo Mineiro possui uma florescente agricultura moderna e empresas de logística. João Guimarães Rosa, um escritor por vezes conhecido como «o James Joyce do Brasil», descreveu o seu estado natal como «a montanha, montanhas, o espaço erguido, a constante emergência, a verticalidade esconsa, o esforço estático», mas acres‑centou: «Minas Gerais é muitas. São, pelo menos, várias Minas.» E é, escreveu ainda, «muito Brasil, em ponto de dentro, Brasil con‑teúdo, a raiz do assunto.»12 Minas Gerais tem uma tradição política poderosa, que mistura rebelião liberal com conservadorismo agrário. Os Mineiros são vistos pelos outros brasileiros como reservados, astutos e manhosos.

há muito que a região Nordeste é a mais pobre do Brasil. Na sua faixa costeira, cultiva ‑se açúcar e algodão; no interior, estende ‑se o árido sertão, terra de pecuária extensiva e agricultura de subsistência. Os 53 milhões de habitantes do Nordeste têm um rendimento per capita de apenas cerca de dois terços da média nacional. Dos nove estados da região, os três mais importantes são a Bahia, Pernambuco e o ceará, com as respetivas capitais esta‑duais, Salvador, Recife e Fortaleza. A sorte de cada um deles tem oscilado. Pernambuco, um estado com uma forte tradição liberal e rebelde, decaiu durante a maior parte do século xx mas conheceu um crescimento intenso neste século sob uma liderança política vigorosa. A Bahia beneficiou do investimento em indústria pesada por parte dos governos militares entre 1964 e 1985. Nos últimos anos, o seu vasto planalto ocidental tem desenvolvido agricultura moderna, assemelhando ‑se à região centro ‑Oeste. Salvador, capi‑tal do Brasil colonial até 1763, é a cidade mais africana do país e um importante centro de cultura e música negras. O ceará, que já foi um dos estados mais pobres, começou a fazer reformas pio‑neiras no final da década de 1980, investindo na saúde pública e na educação; com mão de obra mais barata do que o Rio Grande do Sul, tornou ‑se um centro da indústria do calçado. O Piauí e

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o Maranhão competem hoje pela triste distinção de estado mais pobre do Brasil. O Maranhão vem sendo governado desde a década de 1980 por José Sarney, um antigo presidente, e pela sua família.

O centro ‑Oeste é uma região em rápido crescimento, econó‑mico e demográfico. É a fronteira agrícola do Brasil, ocupando a maior parte do cerrado. Recebeu um primeiro impulso com a criação de Brasília como capital federal, e a «revolução verde» da década de 1970 transformou em terra cultivada o vasto deserto que antes era. É de lá que vem a maior parte da soja brasileira, bem como do açúcar e do algodão. Tem vindo a atrair indústria, nomeadamente de transformação de produtos alimentares, produ‑ção de açúcar e álcool, e até automóveis. vista do ar, boa parte da região é uma paisagem aparentemente vazia, de extensos campos, grandes retângulos e círculos castanhos e verdes: as pradarias bra‑sileiras.

A região Norte compreende seis estados e representa dois quintos da superfície total do Brasil. Rivaliza com o Nordeste na pobreza dos habitantes e com o centro ‑Oeste na rapidez do cres‑cimento demográfico. Acrescente ‑se ‑lhe Mato Grosso, Tocantins e a metade ocidental do Maranhão, como faz o governo brasileiro, e ter ‑se ‑á a «Amazónia legal», a unidade territorial a que se apli‑cam várias políticas de desenvolvimento e, mais recentemente, de conservação. Esta vasta área representa 60% da superfície do país. Não só contém a maior floresta tropical do planeta como abriga 24 milhões de pessoas, a maioria a viver em cidades. cada uma das duas maiores, Manaus e Belém, tem cerca de dois milhões de habitantes. Belém é um grande porto junto da foz do Amazonas. Manaus, no coração da floresta, na confluência do rio Solimões com o rio Negro, alberga uma famosa ópera construída no apogeu da febre da borracha do final do século xix, mas os Brasileiros conhecem ‑na sobretudo como local de montagem da maior parte dos bens eletrónicos de consumo do país, efeito bizarro de uma zona franca instituída por um governo militar na década de 1960.

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O futebol, a família e outras religiões

Se o Brasil é realmente «a nação mais empolgante do mundo», como afirmou há pouco tempo o Financial Times, não é só graças à sua geografia mas também à sua gente, à sua cultura e à sua democracia cada vez mais vibrante. O que define os Brasileiros? Na caricatura, as respostas começariam com futebol, carnaval e sexo, e com uma exuberância tropical simbolizada por carmen Miranda, uma cantora nascida em Portugal que conquistou fama em hollywood em parte por usar autênticas fruteiras a fazer de chapéu. Os Brasileiros, naturalmente, não gostam de se ver reduzi‑dos a tais estereótipos, ainda que estes forneçam, de facto, algumas pistas para compreender a alma e a cultura nacionais.

comecemos pelo futebol. chegou ao Brasil em 1894, levado por charles Miller, filho de um engenheiro ferroviário escocês. Miller é desconhecido na Grã ‑Bretanha mas celebérrimo no Brasil, onde o homenageiam com estátuas e nomes de ruas. Depressa os Brasileiros se afeiçoaram àquele desporto, no qual vieram a tornar‑‑se melhores do que ninguém. No seu melhor — com as seleções nacionais das décadas de 1950 a 1980 —, jogavam futebol como forma de arte, a que chamavam o «jogo bonito». Gilberto Freyre, antropólogo e escritor, achava que os Brasileiros jogavam futebol como «um bailado mirífico», qualidade que atribuía à influência africana no Brasil13. Na verdade, o futebol brasileiro mistura muitas vezes uma criatividade mágica com uma dimensão física rigorosa (a que deu corpo a seleção que venceu o campeonato do Mundo de 1994). O futebol é talvez o melhor exemplo da mestria dos Brasileiros no trabalho de equipa, já assinalado por teóricos da área da gestão.14 Mais do que isso, porém, o futebol tornou ‑se também um fator poderoso de identidade nacional. O êxito em campo proporcionou «uma confiança em nós mesmos que nenhuma outra instituição chegou a dar ao país na mesma proporção», escreveu o antropólogo Roberto DaMatta15. E a lealdade para com um determinado clube de futebol é uma forma de estabelecer uma identidade social. «De que clube você é?», eis uma das primeiras perguntas que dois desconhecidos farão um ao outro. O futebol é,

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das muitas religiões do Brasil, uma das mais poderosas. O país fecha por completo nos dias em que o Brasil joga no campeonato do Mundo, com as ruas de São Paulo e de outras cidades a mer‑gulharem num silêncio fantasmagórico. Antes do campeonato de 2010, os trabalhadores da construtora de aviões Embraer optaram por trabalhar mais sete minutos todos os dias durante várias sema‑nas para poderem ver os jogos do Brasil.16 É o único país do mundo onde se esperava que a seleção nacional ganhasse o campeonato do Mundo por direito e por dever — o que colocou a equipa sob uma enorme pressão quando o campeonato se disputou no Brasil, em 2014. O fator casa deveria ter ajudado: não há no mundo adeptos mais ruidosos e apaixonados do que os brasileiros, sejam homens ou mulheres. Embora alguns brasileiros não se interessem por este desporto, são uma minoria silenciosa.

O carnaval é outra expressão do jeito dos Brasileiros para o trabalho de equipa, bem como para a fusão cultural. As suas origens remontam ao carnaval ao estilo italiano levado pela corte portuguesa durante a sua breve permanência no Brasil no tempo das guerras napoleónicas, mas, no final do século xix, já este se fundira com um carnaval negro, autóctone, comemorado ao nível do bairro. O samba, a música do carnaval, também data do século xix. O caráter espontâneo e local do carnaval enquanto gigantesca festa de rua ainda hoje sobrevive em alguns lugares. Em Salvador, inclui sistemas de som ensurdecedores montados em camiões. No Rio, foi suplantado pela competição organizada entre «escolas» de samba. Estas tornaram ‑se instituições sociais influen‑tes, que gerem projetos comunitários e passam meses a preparar os festejos. O carnaval é um espetáculo multimédia fabuloso, de elaborada coreografia, com músicos, cantores e bailarinos mas‑carados, «uma ópera ao ar livre», como escreveu Ruy castro.17 É uma ópera incrivelmente democrática — porque o carnaval também representa o mundo virado do avesso durante alguns dias. O fato de carnaval, significativamente chamado uma fantasia, «per‑mite e ajuda o livre trânsito das pessoas por dentro de um espaço social que o mundo cotidiano torna proibitivo com as repressões da hierarquia e dos preconceitos estabelecidos», como diz DaMatta.18

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Tal como o futebol, e em vivo contraste com boa parte da vida quotidiana e da política, o carnaval obedece a regras severas que se aplicam por igual a todos os participantes. E, tal como os clubes de futebol, as escolas de samba são constituídas maioritariamente por gente vinda dos setores mais pobres da sociedade. Em ambos os casos, trata ‑se de arenas em que se misturam, em termos iguais, ricos e pobres, negros e brancos.

O caráter orgíaco do carnaval deve ‑se muito ao clima — nin‑guém quer dançar com muita roupa no corpo sob um calor de muitos graus acima dos 30o centígrados — e à atitude geralmente descontraída dos Brasileiros em relação à nudez e ao sexo. É um traço notado por muitos observadores ao longo dos séculos. As suas origens parecem achar ‑se nas culturas dos três povos fundadores do Brasil: Ameríndios, Portugueses e Africanos (ver o capítulo 3). Já no século xvi, garantia um ditado popular que «não há pecado do lado de baixo do equador», para horror da igreja católica.* José Bonifácio de Andrada e Silva, um estadista que lutou pela indepen‑dência do Brasil, disse a propósito do seu povo que eram «apaixona‑dos por sexo por causa do clima, vida e educação»**. Os Brasileiros são em geral sexualmente tolerantes. O maior desfile de Orgulho Gay decorre em São Paulo, embora tenha havido recentemente no país um aumento preocupante dos assassínios por homofobia.

O clima também significa que a praia desempenha um papel central na cultura brasileira; não foi por acaso que o Brasil inven‑tou a tanga, esses calções curtíssimos e justos para homem. E tal‑vez seja por isso que os Brasileiros se preocupam tanto com a sua apresentação pessoal. De acordo com a Euromonitor, uma empresa de estudos de mercado, dedicam a produtos de beleza e a cuidados com a aparência uma parte maior do seu rendimento disponível do

* Este ditado foi registado pela primeira vez por caspar van Baerle, um historiador holandês que participou na expedição do príncipe Maurício de Nassau a Pernambuco no século xvii; mais recentemente, deu nome a uma canção conhecida de chico Buarque.

** Manuscrito sem data, consultado em outubro de 2014 em http://faceao vento.com/2008/12/08/transcricao ‑paleografica ‑carater ‑geral ‑dos ‑brasileiros. (NT)

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que qualquer outro povo. Em 2013, esperava ‑se que gastassem com o próprio corpo cerca de 29 mil milhões de dólares, arrebatando ao Japão o segundo lugar na lista dos maiores mercados nesse ramo de negócios, logo a seguir aos Estados unidos.19 O Brasil também pode mais ou menos reivindicar a honra de ter inventado a cirurgia plástica enquanto indústria. À medida que o rendimento crescia na última década, também cresceu o número de operações plásticas, que atingiu as 900 000 em 2012, ultrapassado apenas pelas opera‑ções realizadas nos Estados unidos, segundo Richard lapper, edi‑tor da newsletter Brazil Confidential. E não é um fenómeno exclusivo dos ricos. ivo Pitanguy, o cirurgião plástico mais conhecido do país, montou um serviço da especialidade num hospital público do Rio, argumentando que «a cirurgia estética não é um luxo [...] e deve estar acessível a toda a gente»20.

Mas enganam ‑se os estrangeiros que supõem que os Brasileiros são libertinos, como assinala larry Rother, um jornalista americano que conhece bem a cultura brasileira. A liberdade sexual anda de braço dado com uma forte corrente de moralismo, numa sociedade que é, em certos aspetos, conservadora.21 Nelson Rodrigues, jorna‑lista e dramaturgo que fundou praticamente sozinho o teatro bra‑sileiro nas décadas de 1940 e 1950, viu muitas vezes as suas peças serem proibidas pela censura oficial porque falavam de assuntos como o adultério, o aborto ou o incesto.22 Este conservadorismo ainda hoje ressurge pontualmente, como quando, em 2009, uma jovem foi expulsa de uma universidade privada de São Paulo por usar um vestido que se considerou deixar à mostra uma porção excessiva das coxas (depois houve protestos e foi readmitida).23

Este moralismo recorda ‑nos que o Brasil é um país profunda‑mente religioso. Não é por acaso que o seu símbolo mais conhecido é a estátua gigantesca do cristo Redentor, no cimo do corcovado, erigida em 1931. O Brasil era o maior produtor de bíblias do mundo, até ser destronado, recentemente, pela china. A música de caráter religioso, de vários tipos, é muitíssimo popular. É fre‑quente o brasileiro comum terminar uma conversa dizendo «vá com Deus». Mas que deus? há muito que o catolicismo coexiste com versões brasileiras de religiões africanas, como o candomblé e a

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macumba. Muitos brasileiros rezam tanto a um santo católico como a um orixá, uma divindade africana. Outro ingrediente deste cocktail de fé é o espiritismo, culto fundado por Alain Kardec, um francês que cria na possibilidade de comunicar com os mortos através de médiuns, e cujas ideias se misturaram com a macumba na umbanda, outro culto desenvolvido no Brasil.24

Nas décadas mais recentes, o protestantismo evangélico ganhou muito terreno. Enquanto, em 1960, 93% dos brasileiros se diziam católicos, hoje serão apenas 65%, de acordo com o censo de 2010. Mesmo assim, o Brasil continua a ser o maior país católico do mundo. No entanto, são hoje 22% os brasileiros que se declaram evangélicos, repartidos por uma infinidade de igrejas, algumas sediadas nos Estados unidos, mas a maioria (e a maioria das mais importantes) nascida no próprio Brasil. com a sua mensagem de abstinência absoluta (de álcool), trabalho, e sucesso em resultado do esforço pessoal, as igrejas evangélicas têm sido especialmente bem ‑sucedidas no recrutamento de negros e dos brasileiros mais pobres.25 Oferecem uma estrutura a pessoas que com frequência sofrem de múltiplos problemas, incluindo rotura familiar. Alguns dos seus pastores tornaram ‑se empresários ricos e controversos. O império empresarial de Edir Macedo, o fundador da igreja universal do Reino de Deus, inclui a Tv Record, que ele elevou ao estatuto de segunda maior televisão brasileira. A revista Forbes calculou a sua fortuna pessoal em 1100 milhões de dólares em 2012; talvez por isso, a sua igreja começou a perder membros para igrejas rivais.26 As igrejas evangélicas colaboraram entre si para eleger membros do congresso, e algumas começaram a assumir um conservadorismo social ao estilo norte ‑americano. A principal resposta da igreja católica foi o Movimento carismático, que usa métodos semelhantes aos dos evangélicos. Os padres deste movi‑mento recorrem à televisão, à música rock e às redes sociais para atrair fiéis. O mais famoso desses padres, Marcelo Rossi, chegou ao topo das listas de vendas quer de livros quer de música pop.27

A par do futebol e do carnaval, outra instituição que une o Brasil e contribui para a conversa nacional é a telenovela. Em boa medida graças à sua mestria no género, a Tv Globo, a maior

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televisão brasileira, com 122 estações locais, detém um share de audiência de cerca de 50%, número com que as televisões norte‑‑americanas apenas podem sonhar. Sobretudo por causa da popu‑laridade das telenovelas, a televisão continuava a absorver, em 2010, 64% dos gastos totais de publicidade no Brasil, a maior fatia em todo o mundo. Propriedade da família Marinho, a Globo tem 10 000 funcionários e mais 20 000 colaboradores independentes; investe somas elevadas nas suas telenovelas, principalmente as que se destinam ao horário nobre. Frequentemente acusadas de darem uma imagem do Brasil idealizada, branca e plutocrática, as teleno‑velas abordam, na verdade, problemas sociais e políticos. hoje em dia, têm casais homossexuais, se bem que não se beijem no ecrã. As sondagens da Globo revelam que 70% da audiência vive fora das grandes cidades, é socialmente conservadora e vê as telenovelas tendencialmente em família. Se as mulheres aprovam que as teleno‑velas falem do orgasmo feminino ou da impotência masculina, não querem, segundo Octávio Florisbal, diretor ‑geral da Globo, sentir vergonha em frente dos filhos. «Espelhamos o comportamento social», disse Florisbal ao jornal brasileiro Valor Econômico, «em vez de tentarmos estar na vanguarda».28 Ainda assim, as telenovelas poderão ter contribuído para forjar tendências sociais: certas pes‑quisas indicam que a expansão da Globo por todo o país e a forma como as suas telenovelas representam famílias pequenas e felizes terão contribuído para o declínio da taxa de fertilidade e tido até um ligeiro impacto na subida das taxas de divórcio, na medida em que as mulheres se foram tornando mais independentes.29 Não há dúvida de que a Globo é uma observadora perspicaz das tendên‑cias sociais. Avenida Brasil, uma das telenovelas recentes mais vistas da Globo, que, em horário nobre, chegou a ter uma audiência de 80 milhões de espectadores durante seis meses, representava a classe média ‑baixa «emergente» dos subúrbios e foi encarada por muitos críticos como um marco na aceitação do Brasil por si mesmo (ver o capítulo 9).30

Em muitos outros aspetos, a família é a instituição central da sociedade brasileira. Se, nos Estados unidos, a identidade nacio‑nal assenta na sua revolução fundadora contra a autoridade e nos

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valores de individualismo anglo ‑protestante, um amplo consenso académico defende que a identidade nacional brasileira assenta na lealdade à família. Dadas a relativa fraqueza de Portugal enquanto potência colonial e a falta de uma tradição de organização social, a família «fornecia a ideia mais normal do poder, da respeitabi‑lidade, da obediência e da submissão», segundo Sérgio Buarque de holanda em Raízes do Brasil, um ensaio influente publicado em 1936. O resultado foi «uma invasão do público pelo privado, do Estado pela Família».31 Num país com poucos heróis públicos, nem a independência nem a democracia foram conseguidas por meio de uma revolução nacional. Não há um Bolívar nem um Zapata brasileiro.

uma sociedade baseada em laços de família e de amizade, defendeu Buarque, foi o principal obstáculo ao predomínio da lei. um desejo de personalizar todas as relações foi um meio de gerir o conflito inerente à escravatura. Os Brasileiros gostavam de se ver como «cordiais, hospitaleiros e generosos». De facto, para Buarque, «o traço mais específico do espírito brasileiro» é «esse horror às dis‑tâncias». E não só sociais como também físicas: não há povo tão tátil como os Brasileiros. Para os estrangeiros, é muitas vezes um choque (literalmente) o hábito brasileiro de permanecer muito mais perto do interlocutor do que é confortável para os outros. Os Brasileiros são extraordinariamente amigáveis e rápidos a estabelecer uma relação aparentemente íntima. um perfeito desconhecido é capaz de termi‑nar um email com «Abraços», comummente abreviado para «Abs.». Sob esta cordialidade, contudo, espreita a falta de confiança pessoal (pelo menos a crer em sondagens de opinião) e o cinismo.32

O horror às distâncias sociais também intervém na questão dos nomes, que desconcerta os estrangeiros. Os Brasileiros têm dos nomes mais compridos do mundo, mas tendem a usar apenas um. Assim, um político do século xix chamado Eusébio de Queirós coutinho Matoso da câmara era conhecido simplesmente como Eusébio. Tom Jobim, que escreveu a canção A Garota de Ipa nema, era de seu nome completo Antônio carlos Brasileiro de Almeida Jobim. Os Brasileiros adotam um nome, com frequência o nome próprio ou uma alcunha, para os seus presidentes, gostem muito

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deles ou não. Daí lula, Dilma e Fernando henrique, em vez de Silva, Rousseff ou cardoso. Regra geral, usam o apelido do pai, que é colocado à direita do da mãe (nos países hispanófonos a ordem é a inversa). Mas alguns, como o antigo presidente Fernando collor de Melo, preferem usar o apelido da mãe. Em vez de nomes completos, políticos e futebolistas são muitas vezes conhecidos por diminutivos, por alcunhas ou pela sua origem: o sindicalista e depu‑tado federal Paulo Pereira da Silva apresenta ‑se como Paulinho da Força (por causa do sindicato, Força Sindical); José Orcírio Miranda dos Santos fez carreira política sob o nome de Zeca do PT; Ronaldo de Assis Moreira era conhecido como Ronaldinho Gaúcho quando irrompeu na cena futebolística, por ter nascido no Rio Grande do Sul e para o distinguir de Ronaldo luís Nazário de lima, um futebolista um pouco mais velho, conhecido no Brasil como Ronaldinho antes de se tornar simplesmente Ronaldo. Os Brasileiros também gostam de inventar nomes. O antigo ministro da Fazenda* Maílson da Nóbrega, cujo pai era alfaiate numa aldeia rural do estado de Paraíba, escreveu que, no Nordeste, os pais «misturam nomes, inspiram ‑se em filmes, jogadores de futebol e músicas, para que os nomes dos filhos sejam diferentes, originais». O seu próprio nome é uma mistura de «Maria», o nome da mãe, com «Wilson», o do pai. Todos os seus irmãos tiveram nomes começados por «M»: Milton, Marisa, Marilene, Marizete, Marcos, Maria Madalena, Maurício e Milson.33 Por outro lado, «Silva» é um apelido muitíssimo comum, ao que parece por ter sido atri‑buído com grande frequência aos escravos, que, na travessia do Atlântico Sul, ao perderem a liberdade, também perdiam o nome.

A influência omnipresente das relações pessoais e familiares manifesta ‑se de muitas formas no Brasil contemporâneo. Por exem‑plo, uma peculiaridade do mercado de emprego é que só empre‑sas estrangeiras que procurem gestores de topo é que contactam agências de recrutamento. «O resto do recrutamento é feito por recomendação e, por isso, depende de redes pessoais», segundo o caçador de talentos luiz Antônio concistré.34 O nepotismo

* Equivalente ao ministro das Finanças em Portugal. (NT)

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rivaliza com a sangria de fundos públicos enquanto vício político brasileiro por excelência, sendo frequente descobrir ‑se que um legislador admitiu familiares ou empregados seus na sua equipa de trabalho. Mas os Brasileiros também têm uma noção de famí‑lia de uma flexibilidade refrescante, que não se esgota nos laços biológicos. Num caso amplamente divulgado, um juiz de Santa catarina obrigou um padrasto a pagar uma pensão à sua enteada de dezasseis anos, que ele já criava havia dez anos. O pai bioló‑gico dava à filha o equivalente a um salário mínimo por mês, mas o padrasto, que era engenheiro, tinha mais recursos. O tribunal determinou que pagasse uma pensão de 20% do seu rendimento. Esta decisão exprimiu uma conceção nova no direito da família, segundo a qual o pai é aquele que cria o menor.35 Num espírito semelhante, quando Dilma Rousseff tirou férias pela primeira vez como presidente, foi para uma praia no município de Natal não só com a filha, o genro, o neto, a mãe e uma tia mas também com o ex ‑marido, a nova mulher deste e os dois filhos do casal.36 Esta visão flexível da família poderá ter raízes antigas. No Brasil colo‑nial, era tradição a mulher aceitar em casa os filhos das amantes do marido.37 lévi ‑Strauss descobriu que alguns índios brasileiros compensavam perdas demográficas através da adoção forçada de crianças que raptavam em ataques a outras aldeias.38

DaMatta identifica a distinção, que ele considera fundamental para o modo de vida brasileiro, entre a casa e a rua.39 A casa é um mundo harmonioso, onde prevalecem um discurso conservador e valores morais tradicionais. A rua é um lugar de confronto, de vida económica moderna: embora os Brasileiros gostem de se ver como gente pacífica, há na sociedade uma tendência latente e permanente de violência. Ainda assim, o confronto interpessoal é uma norma cultural menos atuante no mundo dos negócios no Brasil do que nos Estados unidos, de acordo com David Neelman, um empre‑sário brasileiro ‑americano que fundou companhias aéreas low cost em ambos os países.40 E, enquanto a casa é o domínio da família e da amizade, a rua é o lugar onde os Brasileiros têm de se haver com as exigências de uma lei teoricamente impessoal e que sentem ser impossíveis de cumprir. Para conciliar as duas coisas, recorrem

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àquilo a que chamam «dar um jeito», o que significa mais ou menos encontrar uma solução. Na sua versão mais comum, é um suborno. Mais benignamente, pode ser apenas estabelecer algum tipo de rela‑ção com um funcionário para encontrar uma forma de contornar uma barreira burocrática. No seu pior, pode ser a recusa de acatar as regras, por parte de quem tem poder ou relações influentes, resu‑mida na pergunta admonitória «você sabe com quem está falando?».

uma interpretação plausível considera que «dar um jeito» é produto de uma sociedade hierárquica e que é hostil ao primado da lei. um dos tópicos dos capítulos seguintes é a observação de como tem sido longa e difícil a procura de uma sociedade de cida‑dãos iguais no Brasil. Mas «dar um jeito» também é um de muitos exemplos, se bem que um exemplo infeliz, da grande flexibilidade e pragmatismo dos Brasileiros. Tem ‑lhes permitido evitar extremis‑mos políticos e violência política. Neste ponto, diferem de muitos outros latino ‑americanos. É característico dos decisores políticos brasileiros, tal como dos franceses, com quem em alguns aspetos se parecem, lidar com qualquer problema começando por desen‑volver uma análise conceptual abstrata e definir uma lei teórica perfeita para o resolver, e só depois adotar uma solução prática. Deste modo, a aparente candura do país é por vezes enganadora; como notou Tom Jobim, «o Brasil não é para principiantes». É um país cheio de complexidades e surpresas. Num exemplo trivial, a música mais vendida no Brasil não é o samba nem são as obras de cantores internacionalmente famosos como caetano veloso, Gilberto Gil ou chico Buarque, mas sim o sertanejo, um tipo de música popular, logo seguido de música religiosa.

Talvez a característica mais óbvia e atraente dos Brasileiros seja a sua alegria, a sua joie de vivre, expressão positiva de uma cultura que dá grande valor à amizade e à família, e que acha consolo na religião, no carnaval e no futebol, e de um povo que beneficia de um país de grande beleza e clima quente. caetano veloso, músico da Bahia, falou disso mesmo nestes termos, na sua canção Alegria, Alegria:

Sem lenço, sem documento,Nada no bolso ou nas mãos,

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Eu quero seguir vivendo, amor,Eu vou,Por que não? Por que não?

De facto, porque não? Mas a alegria tem o seu contraponto na saudade, palavra portuguesa frequentemente traduzida como nostalgia mas que, como escreveu lévi ‑Strauss, corresponde mais rigorosamente ao sentimento de perda engendrado pela consciência da intensidade fugaz do presente.41 Os Brasileiros têm tendência, não há dúvida, para viver no presente e pensar pouco no longo prazo — como evidencia a secular incapacidade do país para investir o suficiente em capital, infraestruturas e educação e o seu sistema de pensões indefensavelmente generoso. historicamente, tal tendência tem ‑se manifestado a par de um certo desprezo pelo trabalho, em par‑ticular pelo trabalho manual, em consequência da escravatura. Tais características acham ‑se condensadas no conto «O Empréstimo», de Machado de Assis, escritor do final do século xix, considerado por muitos o maior romancista brasileiro. conta a história de custódio, um homem que não tinha um tostão, que combinava «um ar de pedinte e de general» e que foi pedir um grande empréstimo, para um negócio mal definido, a um tabelião que mal conhecia. Responde ‑lhe o tabelião que não possui tão vasta soma, mas que, se a possuísse, teria todo o gosto em ajudá ‑lo: «A alma de custódio empertigou ‑se; vivia do presente, nada queria saber do passado, nem saudades, nem temores, nem remorsos. O presente era tudo.» O tabelião acaba por lhe emprestar uma pequena fração da soma que ele lhe pedira; custódio recusa a oferta do homem para o aju‑dar a arranjar um emprego dando uma palavrinha ao ministro da Justiça, que era seu amigo. «Esse custódio nascera com a vocação da riqueza, sem a vocação do trabalho», escreve Machado de Assis.42

claro que muitos brasileiros sempre trabalharam com afinco. O Brasil é hoje uma democracia complexa e sofisticada. Porém, a par das suas muitas conquistas, erguem ‑se dificuldades que terá de superar se quiser realmente tornar ‑se o «país de primeira classe» proclamado por lula. Explorar tais conquistas e dificuldades, de onde vêm e aonde poderão conduzir, é o objetivo deste livro.

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