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51 Cante lá que eu canto cá: poéticas populares dentro e fora da moldura Bruna Paiva de Lucena Gravador que estás gravando aqui no nosso ambiente? Tu gravas a minha voz, o meu verso e o meu repente, mas, gravador, tu não gravas a dor que o meu peito sente! Tu gravas em tua ta com a maior perfeição o timbre da minha voz e a minha fraca expressão. Mas não gravas a dor grave gravada em meu coração. Gravador, tu és feliz e, ai de mim, o que será? Bem só ser desgravado o que em tua ta está e a dor do meu coração jamais se desgravará! Patativa do Assaré O cordel e os seus suportes: do corpo ao papel Roberto Benjamin, em “Literatura de cordel: produção e edição no nordeste brasileiro”, provoca alguns pesquisadores da área com a seguinte armação: Um dos apelos da literatura de cordel tem sido certamente a possibilidade de ao mesmo tempo trabalhar sobre cultura popular e não sair dos gabinetes, sem renunciar às comodidades oferecidas pela moradia nas grandes cidades. A distância, que separa os gabinetes de Brasília, Rio ou São Paulo dos poetas populares, dos grácos que compõem e imprimem, do público consumidor tradicional, vem permitindo generalização e abstrações sobre os poetas e sua obra, seu público, como se essa manifestação da cultura popular se manifestasse uniforme e sem variações dignas de análise, sem dinâmica, dentro daquelas características gerais que

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Cordel Tradição oral historiografia

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    Cante l que eu canto c: poticas populares

    dentro e fora da molduraBruna Paiva de Lucena

    Gravador que ests gravandoaqui no nosso ambiente?Tu gravas a minha voz,

    o meu verso e o meu repente,mas, gravador, tu no gravas

    a dor que o meu peito sente!Tu gravas em tua fi tacom a maior perfeio

    o timbre da minha voze a minha fraca expresso.

    Mas no gravas a dor gravegravada em meu corao.

    Gravador, tu s felize, ai de mim, o que ser?

    Bem s ser desgravadoo que em tua fi ta est

    e a dor do meu coraojamais se desgravar!

    Patativa do Assar

    O cordel e os seus suportes: do corpo ao papel

    Roberto Benjamin, em Literatura de cordel: produo e edio no nordeste brasileiro, provoca alguns pesquisadores da rea com a seguinte afi rmao:

    Um dos apelos da literatura de cordel tem sido certamente a possibilidade de ao mesmo tempo trabalhar sobre cultura popular e no sair dos gabinetes, sem renunciar s comodidades oferecidas pela moradia nas grandes cidades. A distncia, que separa os gabinetes de Braslia, Rio ou So Paulo dos poetas populares, dos grfi cos que compem e imprimem, do pblico consumidor tradicional, vem permitindo generalizao e abstraes sobre os poetas e sua obra, seu pblico, como se essa manifestao da cultura popular se manifestasse uniforme e sem variaes dignas de anlise, sem dinmica, dentro daquelas caractersticas gerais que

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    lhe so inerentes e a tornam identifi cvel materialmente (Benjamin, 1980, p. 105).

    Dentro desses gabinetes que Roberto Benjamin critica, muitas pesquisas a respeito do cordel so empreendidas. Pela facilidade de acesso que os folhetos e livros possibilitam se comparado o acesso voz do poeta , alguns pesquisadores esto cada vez mais distantes da realidade sobre a qual se debruam. As vivas vozes esto trans(es)critas em folhetos expostos em bancadas, ou em livros, exibidos em estantes. E por meio dessas materialidades pelas quais as vozes de poetas se fi xam e se proliferam, que pesquisadores tiram suas concluses e teses. Como afi rma Paul Zumthor, a crtica literria ainda no dissocia da ideia de poesia a de escritura (Zumthor, 1993, p. 8).

    A voz, cantada ou declamada, que tem o corpo como nico suporte, no considerada, na historiografi a, um meio de produo de obras literrias. Eric Havelock, argumentando a respeito da subalternidade da voz enquanto suporte de literatura e do preconceito epistemolgico que a cultura da escritura instituiu, diz:

    [nos festivais], os versos de uma sociedade oral descobrem os seus meios de publicao, um termo exato para o processo, embora hoje se pense nela apenas em termos letrados, visto que a imprensa e a editora suplantam as situaes orais do passado, ao ocasionarem uma circulao documentada entre leitores. (Havelock, 1996, p. 96)

    A criao da imprensa e de editoras, por questes de mudanas dos tempos, mas tambm pela postulao de meios mais legtimos de publicao, apagou a existncia de outras formas de expresso os festivais como rituais de sociedades orais, por exemplo. Dessa forma, o surgimento de sistemas de editorao, como, no caso do Brasil, as grfi cas de folhetos, ao mesmo tempo em que ampliaram as formas de publicao, criaram a diviso, nem sempre condizente com a realidade, de prticas poticas orais e escritas (submetendo a primeira segunda). Esse fato pode ser visto na separao da cantoria e do folheto de cordel que, ao contrrio do postulado por muitos estudiosos, so poticas muitas vezes convergentes em suas prticas de criao.

    Essa convergncia pode ser vista de diferentes formas segundo Paul Zumthor (1993) na oralidade primria, em que a poesia ocorre somente a partir da voz, como com os cantadores, emboladores, entre outros, e na interseco da oralidade primria e da secundria, como ocorre com os produtores de folhetos de cordel que somam ao seu repertrio a cantoria

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    e a embolada, sendo a voz e a escrita os meios de produo1. E no s os produtores de cordel viveram a oralidade e a escritura como formas de acesso a essa potica, ouvintes/leitores participaram desse processo, visto que o folheto, antes de ser lido (no sentido estrito do termo) individualmente e silenciosamente por seu pblico, foi declamado e contado a um pblico coletivo (Galvo, 2001). Assim, houve um processo, uma transio (que permanente) da oralidade para a escritura, mediada, no Nordeste brasileiro, pelos folhetos de cordel2.

    Como afi rma Francisca Pereira dos Santos, os folhetos de cordel s se fi xaram como um sistema produtivo de editorao e consumo no Nordeste brasileiro por trs fatores:

    a) a existncia, j amadurecida, de uma potica cantada; b) a presena das mquinas tipogrfi cas no Nordeste, responsveis pelo impulso das condies concretas para o estabelecimento de focos de produo de folhetos populares; e c) a apropriao, por parte dos poetas cantadores emergentes poetas de cordel , dessas novas tecnologias de informao e comunicao. (Santos, 2009, p. 19)

    Os folhetos, dessa forma, emergem de um processo de evoluo (da oralidade para a escritura, nos termos de Eric Havelock), de apropriao (apoderamento pelos poetas das tecnologias, seja da escritura ou da tipografi a) e de criao (uma nova potica criada com bases na oralidade). Como defende Maurlio Antonio Dias de Sousa, a poesia oral e a poesia escrita, no campo esttico, se entrecruzam, de modo que a segunda se apresenta como continuidade da primeira. J no campo mercadolgico, h um distanciamento entre as duas prticas, de modo que a poesia de folhetos tem suas regras prprias de produo, circulao e comercializao, diferentes das da poesia oral (Sousa, 2009).

    As tipografi as e os seus folhetos

    A poesia oral, que circulava apenas por meio da voz de seus autores, pde ultrapassar os limites do corpo e mover-se atravs do folheto. Esta mudana de suporte da voz para o folheto s foi possvel a partir da

    1 Atualmente, por haver maior alfabetizao da populao, entre outros fatores, o cordel uma produo majoritariamente advinda da prtica escrita, apesar de a oralidade se apresentar em muitos poetas como um procedimento de composio. 2 importante fazer uma ressalva a respeito das produes manuscritas, que esto entre a voz e o folheto. Em Cantadores, repentistas e poetas populares, Jos Alves Sobrinho ressalta a existncia de uma grande produo manuscrita, em formato de folhas volantes que eram afi xadas em paredes de casas e espaos pblicos em geral e que continham glosas.

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    inveno da imprensa, que chegou ao Brasil com a Famlia Real e com a criao da Imprensa Rgia, em 1908. Antes disso, a publicao de documentos era censurada pela Corte portuguesa, que trazia os impressos de Portugal (Alves Filho, 1999).

    Dessa forma, logo os jornais da terra brasilis nasceram e, com eles, suas tipografi as. Nessas tipografi as, os primeiros folhetos foram impressos (Sodr, 2001). Sob encomenda dos autores de folhetos, as tipografi as dos jornais, ou mesmo as destinadas produo literria local, realizavam o servio, como era o caso da Imprensa Industrial e da Livraria Francesa, que publicaram folhetos de Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista.

    Nesse sentido, a inveno da tipografi a trouxe outra possibilidade de divulgao da poesia produzida por esses poetas. Como afi rma Lemaire,

    a folha de papel permitiu aos poetas da oralidade criar uma nova fonte de renda importante, que recebeu, tanto na Europa dos incios dos tempos modernos quanto no Brasil de fi nais do sculo XIX, o nome do prprio material: folheto, folha volante, pliego (folha dobrada) suelto, feuillet, vliegblad (folha que voa, em fl amengo), broad-sheet em ingls. (Lemaire, 2007)

    Os poetas, munidos de seus folhetos3 impressos, partiam pelas cidades vendendo seu trabalho. Quando fi ndados os exemplares, imprimiam-se outros nas tipografi as locais. Todavia, com o rpido desenvolvimento da imprensa no Brasil, as mquinas tipogrfi cas foram deixando os jornais e destinando-se a pequenos e autnomos editores, que iniciaram a impresso exclusiva e regular de folhetos em suas prprias tipografi as. Ruth Brito Lemos Terra afi rma que apenas em meados de 1909 ou 1913 que as tipografi as passaram s mos de editores e poetas populares e, em 1918, a atividade tipogrfi ca do cordel passou a ser feita quase exclusivamente por elas (Terra, 1983, p. 24).

    A produo de folhetos nessas tipografi as seguia, em sua maioria, um processo comum. Primeiramente, realizava-se a reviso dos originais, quase todos manuscritos, por meio da correo orogrfi ca e mtrica. Como afi rma Rosilene Alves de Melo,

    importante destacar que a maior parte dos poetas de bancada buscava, e ainda busca, a excelncia no que se refere ao uso da lngua portuguesa e quanto s regras de metrifi cao. Na poesia de bancada no h lugar para o improviso. (Melo, 2003, p. 83-4)

    3 Os folhetos eram feitos em pequenas brochuras e com papel barato para depois serem vendidos a preos populares.

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    Na maioria das tipografi as, quem revisava os originais era o proprie-trio, autor, editor, tipgrafo e administrador. Aps a reviso, h o cata-cata, processo pelo qual o tipgrafo seleciona os tipos4 para preparao das matrizes. Para isso, requeria-se do tipgrafo o conhecimento do alfabeto. Assim, os tipos eram dispostos no interior da matriz que era levada para a mquina de impresso; nela, os tipos so cobertos de tinta e impressos em papel. As mquinas mais antigas funcionavam manualmente. Aps impresso, o folheto passava pelo processo de acabamento, em que as folhas eram cortadas, ou por tesoura ou por cortador de papel, e, por fi m, dobradas (Sousa, 2009).

    Apoderando-se dessa tecnologia de impresso tipogrfi ca, os poetas ampliaram suas fontes de renda e suas manifestaes artsticas, que agora poderiam tanto ser cantadas e declamadas como vendidas impressas. Os poetas do mundo do folheto incluram-se no processo de desenvolvimento das tecnologias da comunicao e com isso erigiram um sistema editorial de folhetos com produo, divulgao e distribuio prprias, como fi zeram Leandro Gomes de Barros (Terra, s.d.), Francisco das Chagas Batista (Batista, 1997), Francisco Rodrigues Lopes (Salles, 1971), Jos Ber-nardo da Silva (Melo, 2003), entre outros.

    Contradizendo Adorno e todos os fatalistas frankfurtianos que postulam que o terreno no qual a tcnica conquista seu poder sobre a sociedade o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade, de modo que a racionalidade tcnica a racionalidade da prpria dominao (Adorno, 2002, p. 114), o apoderamento dessas tecnologias da comunicao, como a tipografi a, signifi ca que os ins-trumentos utilizados pelos poderes e pelas elites intelectuais e econmicas para fi rmar sua dominao podem ser tambm utilizados pelos poetas populares para manifestar sua existncia e afi rmar seus projetos e protestos. Em outras palavras, o que aparentemente dependncia e dominao pode tornar-se resistncia, refuncionalizao e redefi nio (Martn-Barbero, 2003).

    Alm dessas conquistas, o folheto de cordel tambm ampliou as formas de divulgao e de renda de poetas, bem como foi responsvel pela fi xao de

    normas e procedimentos at ento estranhos oralidade [...]; passou a propiciar, no suporte, estudos que envolvem determinados aspectos literrios, como a anlise tipolgica de gnero e as com-

    4 Tipos so peas de chumbo saliente com a forma de uma letra do alfabeto. So de variados tamanhos e estilos. No Brasil, o maior fornecedor de tipos era o Funtimod, do Recife.

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    paraes estilsticas. [...]; e permitiu tambm a formao de colees, acervos de obras impressas no passado. (Sousa, 2009, p. 38-9)

    O movimento da oralidade para a escrita, sendo permeado pelo folheto, , inegavelmente, uma grande abertura de portas, pois, como afi rma Martn-Barbero (2003, p. 265), dizer sim ou no s tecnologias dizer sim ou no ao desenvolvimento. Contudo, a sobreposio da oralidade pelo folheto, apesar de cumprir a tarefa de presentifi car essa potica por meio de tempos e espaos diversos e concomitantes, tambm originou, em quem a estudava, uma srie de limites compreenso dessa manifestao artstica. O desaparecimento da dimenso da oralidade nos estudos do cordel deu margem ao entendimento dessa potica como marginal, algo menor porque o folheto era (e muitas vezes ainda ) analisado com as lentes de uma cultura escrita5. Somados marginalizao6 da potica do cordel nos estudos literrios, tem-se a marginalizao de seus produtores, de seu suporte e de seu pblico.

    A marginalizao de seus produtores deve-se muito ao mito do poeta popular como um homem pobre, analfabeto ou semiescolarizado, que escreve versos simples7, em um suporte material simples, destinados a gente simples. A simplicidade, como o avesso da complexidade caracterstica da literatura , , de um modo geral, a palavra e o pensamento que traduz a posio de marginalizao do cordel no campo literrio. A valorao, na maioria das vezes pejorativa ou condescendente, atribuda materialidade (o suporte folheto, entendido como simples), potica (o cordel, como uma potica da oralidade, entendida como simples), aos autores (poetas simples) e ao pblico (gente simples) forma a concepo que a crtica literria tem a respeito do cordel.

    As generalizaes, e muitas vezes abstraes, sobre essa potica ocorrem no s por conta da distncia geogrfi ca entre poetas e pesquisadores, mas, e creio que principalmente, pela utilizao de bases crticas e tericas

    5 Vale ressaltar que importantes trabalhos foram realizados por meio da utilizao de uma teoria essencialmente scriptocentrica, como o da pesquisadora Vilma Mota Quintela, denominado O cordel no fogo cruzado da cultura (2005), em que a teoria de sistema literrio construda por Antonio Candido transposta para o estudo do cordel. 6 Arnaldo Saraiva, em seu livro Literatura marginalizada (1975), quem primeiro defi ne o cordel como uma literatura marginalizada, ou seja, posta a margem por um campo e um sistema literrios que a desprezam e apenas repetem a mesma histria literria dos cnones ofi ciais. 7 A pesquisadora Jerusa Pires Ferreira, ao propor aos seus alunos do curso de Comunicao Popular da USP que estudassem editoras populares do Brs, em So Paulo, defrontou-se com a seguinte concluso de um dos estudantes: Os produtos so simples para pessoas simples (Ferreira, 1997, p. 104).

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    construdas no passado e apenas repetidas reiteradas vezes sem se olhar para a realidade de produo dessa potica, e somente repisando o que j se escreveu sobre ela. Como afi rma Ana Maria Galvo a respeito de pesquisas sobre cordel, um estudo repete o outro, complexifi cando e aprofundando pouco as informaes exaustivamente repetidas (Galvo, 2001, p. 21). E assim se forma a histria e historiografi a do cordel.

    Como se escreve (e se inventa) uma histria: a construo de

    um cnoneSomente o rico na Terra

    tem o seu nome na histriaquando o pobre vence a guerra

    o rico alcana a vitria.

    Patativa do Assar

    Construir uma narrativa histrica e querer que ela seja defi nitiva e perptua o mote seguido pelos cnones ofi ciais, sejam eles da Histria (com h maisculo e no singular), ou da Literatura (com sua inicial tambm maiscula e o mesmo insistente singular). Construdos, em sua maioria, por intelectuais e suas instituies, os cnones historiogrfi cos carregam em sua constituio uma vontade de verdade e poder (Foucault, 2005), em termos foucaultianos, que se estabelece por meio de discursos sobre o que (e deve ser) parte constitutiva de uma determinada historiografi a.

    No folheto de cordel, como aponta Francisca Pereira dos Santos (Santos, 2009), o discurso historiogrfi co responsvel pela construo do cnone dessa potica foi construdo a partir de trs eixos: os estudos da Fundao Casa de Rui Barbosa, o trabalho do estudioso francs Raymond Cantel e as pesquisas de tila de Almeida e Jos Alves Sobrinho, que deram origem ao Dicionrio bio-bibliogrfi co de repentistas e poetas de bancada.

    importante ressaltar que, antes dessas trs investidas em meados de 1960, a legitimao de poetas era feita por vias exteriores ao mundo da intelectualidade erudita ofi cial, pelo reconhecimento dos poetas pelos prprios poetas. A esse respeito, Maurlio Antonio Dias de Sousa afi rma que:

    o reconhecimento do poeta (poeta de bancada), como exerccio profi ssional, inicia-se na publicao do folheto e legitima-se no reconhecimento por parte de um poeta reconhecido. Primeiro, o poeta escreve e publica os seus folhetos. E essa nova posio se fortalecer se vier coroada de reedies. Era a escrita do folheto que

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    traava a linha divisria de uma a outra funo. Em segundo lugar, como a escrita do folheto corresponde a um rito de passagem, por ela que o poeta ser reconhecido pelo outro. Mediante a confi rmao de um poeta j gabaritado, a categoria do novo poeta confi rmada e ele, enfi m, pode vir a ser canonizado, em gesto de reconhecimento que sero espontaneamente repassados a todos os nveis envolvidos. (Sousa, 2009, p. 168)

    Nesse momento, o campo do cordel e seu sistema eram independentes da crtica literria e da academia de uma forma geral o que transbordava para o distanciamento do folheto no ensino escolar e para a formao de acervos , que se encarregaram, a partir das iniciativas de formao e sedimentao de um cnone, de selecionar, avaliar e legitimar determinados cordis e autores em detrimento de outros.

    A centralidade da voz de uma intelectualidade dentro de diversas sociedades, nesse caso na brasileira, toma a palavra para si, sendo a responsvel pelos discursos ofi ciais e legtimos. E isso o que acontece no contexto do cordel, o poder de fi xao de sua historiografi a (no que a construda pelos poetas tambm no seja, em certos pontos, excludente) passa s mos dos trs eixos enumerados acima.

    A Fundao Casa de Rui Barbosa (FCRB), localizada no Rio de Janeiro e composta por um Centro de Pesquisa, um Centro de Estudos Histricos, um Centro de Documentao e um Arquivo Museu de Literatura, uma instituio vinculada ao Ministrio da Cultura, nascida em 1928, que tem por objetivo promover a preservao e a pesquisa da memria e da produo literria e humanstica, bem como congregar iniciativas de refl exo e debate acerca da cultura brasileira8.

    A fi m de consolidar essa misso, a FCRB, a partir da dcada de 1960, comeou um projeto editorial voltado para a publicao de estudos sobre o folheto de cordel brasileiro, denominado Literatura popular em verso. Esse projeto foi coordenado por Thiers Martins Moreira e contou com os estudiosos M. Cavalcanti Proena, Orgenes Lessa, Manuel Diegues Jr. e Antnio Houaiss, alm da participao de Sebastio Nunes Batista (fi lho do poeta e editor Francisco das Chagas Batista), com o objetivo de desenvolver

    um conjunto de medidas para a promoo da literatura de cordel, que compreendem desde levantamentos bibliogrfi cos e organizao de colees preservao de documentos preciosos na iminncia

    8 Disponvel em: www.casaruibarbosa.gov.br/template_01/default.asp?VID_Secao=10.

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    de se perderem e publicao de uma extensa bibliografi a, composta por catlogos, antologias e estudos especializados.9

    O projeto foi iniciado com a publicao de um Catlogo, seguido de Antologias e outros Estudos10. Em todas essas publicaes, e subjacente aos objetivos evidenciados explicitamente pela FCRB, o norte de construo desse discurso historiogrfi co foi o folheto enquanto uma narrativa da nao, como defende Francisca Pereira dos Santos. Dessa forma, a historiografi a do cordel obedece aos mesmos preceitos de construo que a historiografi a literria brasileira hegemnica11 obedeceu, e, por vezes, ainda parece obedecer. A preponderncia da nao na base desses cnones, seja da literatura hegemnica, seja do cordel, passa a estabelecer os parmetros tericos, o conceito e os limites dessas manifestaes artsticas, bem como seus autores e seus meios legtimos de publicao, entre outros tantos aspectos.

    Nessa direo, assim como a FCRB tentou estabelecer uma his-toriografi a e um cnone do cordel, o repentista e pesquisador Jos Alves Sobrinho, sob a coordenao do professor tila de Almeida, da Universidade Federal da Paraba, o fez com as pesquisas que culminaram com a publicao do Dicionrio bio-bibliogrfi co de repentistas e poetas de bancada e tambm com a de outros estudos (Almeida e Sobrinho, 1981; Sobrinho, 1975, 1982, 1994, 2003). Com o objetivo de resgatar e reabilitar essas poticas da oralidade, Jos Alves Sobrinho d visibilidade a muitos repentistas e poetas apagados, at ento, da historiografi a. Como homem de dentro dessas poticas, sendo um dos mais conhecidos cantadores de repente no Estado da Paraba, Sobrinho coletou no mundo e nos livros sobre poesia popular mais de trs mil folhetos, entre tantas outras referncias.

    A presena de Jos Alves Sobrinho e sua relao com o professor tila de Almeida outra questo interessante na construo desse cnone. O ganho maior do Dicionrio , com certeza, a presena de Sobrinho, com todo seu conhecimento sobre o universo da potica das vozes em territrio nordestino. O prprio professor da Universidade da Paraba

    9 Disponvel em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/template_01/default.asp?VID_Secao=99.10 As referncias s obras publicadas pela Fundao Casa de Rui Barbosa constam das referncias bibliogrfi cas.11 O Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contempornea, da UnB, do qual fao parte, est desenvolvendo uma pesquisa, intitulada O space-off na literatura brasileira contempornea, ou o que no cabe na alegoria nacional, em que o discurso sobre as bases de formao da literatura brasileira ou seja, a centralidade da nao como elemento norteador da formao de nossa histria literria est sendo questionado e colocado em xeque, uma vez que foi responsvel pela excluso de inmeras outros manifestaes literrias.

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    reconhece a importncia de Sobrinho, que, em suas palavras, fazia ombro preu trepar e l de cima escrever em parceria com ele um dicionrio (Sobrinho, 1982).

    Joseilda de Sousa Diniz, uma das mais importantes pesquisadoras da obra de Jos Alves Sobrinho, disse-me certa vez que seu Jos, como ela chama o poeta, falando a respeito da amizade compartilhada entre ele e tila de Almeida, disse-lhe que havia

    uma relao de respeito e, de certo modo, de igualdade. O tila era muito irnico e brincalho, dizia ao Sobrinho o que achava. Nem sempre estavam de acordo, prova que tiveram muitos desentendimentos no fi nal, como me deixou entender o poeta. Igualdade? O nome do tila saiu na frente do de Sobrinho. Uma das razes era o fato de o tila ser um intelectual, como me disse o Sobrinho, no fi cava bem o meu nome sair primeiro.

    Essa relao entre poetas e intelectuais, sempre presente no contexto de poticas no hegemnicas, como o cordel, evidencia o outro lado da moeda a qual tila de Almeida declara em seu agradecimento a Sobrinho: o pensamento de que os poetas necessitam de ajuda de intelectuais que so os responsveis, em primeiro lugar, pela preservao da cultura. O que, de alguma forma, calca essa concepo o signifi cado que os intelectuais do a poticas que julgam inferiores e que, por isso, precisam de ajuda para sua permanncia e preservao.

    Os olhares intelectuais sobre o cordel vieram no s de dentro de nosso pas, mas tambm de fora. Entre os pesquisadores do exterior12, o que teve maior infl uncia nos estudos sobre o cordel foi o professor Raymond Cantel, da Universidade de Poitiers e da Sorbonne, em Paris, que, a partir de 1959, iniciou suas pesquisas sobre o cordel brasileiro. Essas pesquisas hoje podem ser lidas numa coletnea das publicaes de Cantel, Raymond Cantel: la littrature populaire brsilienne (Clment e Lemaire, 2005), e no grande acervo de folhetos, correspondncias, gravaes e outros materiais que compem o Fonds Raymond Cantel, na Universidade de Poitiers.

    Se a FCRB deu o pontap inicial para a defi nio do que o cordel e o que, nesse sentido, deve ser preservado para que a histria seja construda, Raymond Cantel, com sua posio de intelectual francs renomado de uma importante universidade europeia, foi o responsvel, em grande medida, pela mudana de perspectiva de parte da intelectualidade sobre o cordel. Mas, vale ressaltar, essa mudana de perspectiva no originou

    12 Mark Curran, Ronald Dauss, Candance Slater, entre outros, tambm promoveram o cordel no exterior.

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    uma mudana de paradigma para o estudo dessa potica. O cordel poderia at ser digno de estudos, entretanto, apenas um tipo de cordel.

    Essas iniciativas de preservao e valorizao do cordel foram vias de mo dupla, pois, na demarcao de fronteiras, deixou-se muito de fora e prescreveu-se uma cartilha para o controle de uma arte potica que sempre fez parte da vida do povo de vrias partes do Nordeste e at mesmo do Brasil. A tentativa de controle dessa produo por instituies intelectuais e por intelectuais propriamente ditos, revelam uma antiga e to recente vontade de controle dos saberes e artes do povo por parte das elites.

    O pensamento de Roger Chartier sobre o processo de mediao editorial na Europa nos incios das atividades editoriais aplica-se ao posicionamento dos intelectuais e suas instituies no processo de construo do cnone do cordel. Entre o receio da perda e o medo do excesso, esses discursos construtores do cnone do cordel foram responsveis pela salvaguarda do patrimnio, com a coleta de textos e com a organizao dessas bibliotecas sem paredes que so os catlogos, e tambm pelas aes de dominao do excesso, com seus instrumentos de seleo, classifi cao e hierarquizao dessa potica (Chartier, 2002, p. 75-6). Esse fenmeno de mediao editorial tambm, pode ser visto na publicao de poticas populares por editoras hegemnicas, em contrapartida s tipografi as de folhetos.

    Dentro e fora da moldura

    Depois os meus colegas viram aquilo [publicao de Inspirao nordestina, em 1956], tambm comearam a fazer livro, viu?

    Livreto, livro, viu? Parece que eles achavam que o cantador de viola no podia fazer... publicar assim um livro e tal.

    Patativa do Assar

    Patativa do Assar (1909-2002), um dos mais conhecidos e aclamados poetas do universo das poticas das vozes, foi reconhecido desde muito cedo por um grande pblico, composto por gente de c e de l pobres e ricos, alfabetizados e analfabetos, intelectuais da academia e intelectuais do povo , metaforizando as palavras do prprio poeta. Sua primeira obra publicada, Inspirao nordestina, de 1956, teve, em sua primeira edio, o prefcio escrito pelo latinista Jos Arraes de Alencar, que, em visita cidade do Crato, no Cariri cearense, conheceu Patativa. O prefaciador tambm foi o responsvel por apresentar a obra de Patativa editora

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    Borsoi. Jos Arraes de Alencar diz, no prefcio, que ele entrega uma preciosa obra que iria fatalmente desaparecer com seu autor. Nessa declarao do prefaciador, pode-se perceber sua perspectiva sobre essa potica, que, para permanecer, precisaria de um meio de preservao, que no poderia ser conseguido pelo prprio poeta.

    A publicao da obra de Patativa foi marcada pela mediao de intelectuais e de suas instituies. E, como um dos smbolos da presena da intelectualidade, o suporte livro se fez presente. Mantedor da palavra expressa, com toda sua fora legitimadora, o livro, com status de produto erudito e portador de prestgio e distino cultural, para os poetas da oralidade signifi cou, muitas vezes, uma forma de legitimao e valorizao de sua obra. Nos termos de Pierre Bourdieu, esse suporte atribui ao que carrega uma srie de valores: capital cultural (conhecimentos legtimos), social (representa relaes sociais valorizadas) e simblico (smbolo de prestigio social) (Bourdieu, 2006).

    Apoderando-se de todos esses capitais, os poetas que publicaram suas obras em editoras hegemnicas tiveram outro tipo de insero nesse campo potico, uma vez que o folheto suporte por excelncia do cordel no chegou a ter status cultural de obra literria pelo sistema e pelo campo literrios brasileiros. Como ironicamente afi rma Martn-Barbero, o folheto no fi ca de p, no dispe de uma bela encadernao, sua materialidade no poder ser exibida como expoente cultural (Martn-Barbero, 2003, p. 188). Por esse e outros motivos, no vemos folhetos em livrarias. Eles esto em ruas, feiras, bancas e hoje na internet. Possuem outros meios de circulao e divulgao.

    Dentro da moldura que so os livros, Patativa inscreveu sua obra nas estantes. Recusando-se a ser conhecido como poeta de bancada, teve, em toda sua vida, poucos cordis publicados. clara a distino feita pelo poeta de quem publica livros e quem publica cordis em seus folhetos. Mas vale ressaltar que, imbuda na legitimao e na valorizao positivas que o livro concede ao que carrega, ele signifi ca, ao mesmo tempo, o acesso ao conhecimento e a sua interdio. Barreiras econmicas e sociais, que andam juntas, muitas vezes do origem a esses dois movimentos.

    Ao mesmo tempo em que o folheto possibilita o consumo e a publicao de pblicos e produtores de vrias classes econmicas e sociais, o livro os restringe a uma pequena parcela, uma vez que mantm, e mesmo refora, alguma segregao cultural. Se o folheto de cordel no um suporte que dado ao povo, mas que o prprio povo se d, o livro um suporte feito por meios hegemnicos de produo e divulgao para quem tm acesso a eles.

    Dentro ou fora da moldura, o cordel nos mostra que o apoderamento

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    dos poetas pela feitura de seus folhetos em tipografi as e/ou pela publica-o de sua potica em editoras hegemnicas (como acontece com Patativa) so diferentes estratgias de insero. Todavia, no se pode perder de vista as implicaes que os diversos suportes desencadeiam. Como afi rma Chartier,

    os textos no existem fora dos suportes materiais (sejam eles quais forem) de que so veculos. Contra a abstrao dos textos, preciso lembrar que as formas que permitem sua leitura, sua audio ou sua viso participam profundamente da construo de seus signifi cados. (Chartier, 2002, p. 61-2)

    Os diferentes suportes, no caso o folheto e o livro, constituem tanto o objeto quanto o que eles tm dentro de si como contedo. Um cordel estar escrito em um folheto ou estar escrito em um livro tm signifi caes distintas, e sua materialidade marca uma distino: enquanto o livro se atrela a uma esttica erudita, socialmente valorada e legtima, o folheto, por sua vez, parece possuir uma representao negativa, partindo-se do ponto de vista hegemnico. A imagem social (Bourdieu, 2007, p. 24), como conceitua Bourdieu, marca uma distino entre o cordel sob o suporte livro e sob o suporte folheto.

    Nesse sentido, a Coleo Biblioteca de Cordel da editora Hedra exemplar para a discusso. Em 2000, a editora Hedra, localizada em So Paulo, lanou a Coleo Biblioteca de Cordel, idealizada e dirigida pelo professor e pesquisador holands Joseph Luyten (1941-2006). O projeto editorial previa 50 livros, sendo cada um destes dedicado a um poeta e prefaciado por um estudioso da rea. At o presente momento, dos 50 livros previstos, foram lanados apenas 22, sendo as ltimas publicaes do ano de 200713. A tabela abaixo apresenta alguns dados da coleo.

    13 Com o falecimento do idealizador da coleo, Joseph Luyten, as publicaes pararam. Em entrevista, a editora Hedra afi rmou que a coleo, como um todo, tambm no teve o sucesso editorial esperado, apesar de s o livro de Patativa do Assar ter vendido 80 mil exemplares. Todavia, esses dados devem ser relativizados, pois o livro de Patativa fez parte da lista de livros do vestibular da Universidade Federal do Cear (UFC) em 2005 e do vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2006. Das seis publicaes do ano de 2007, cinco tiveram o apoio do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC), da Secretaria de Estado de Cultura do Governo do Estado de So Paulo.

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    Relao de cordelistas, prefaciadores e ano de lanamento da coleo

    AUTOR PREFACIADOR ANO

    Cuca do Santo Amaro Mark J. Curran 2000

    Expedito Sebastio da Silva Martine Kunz 2000

    Francisco das Chagas Batista Altimar de Alencar Pimentel 2007

    Franklin MaxadoAntnio Amaury Corra de Arajo

    2007

    J. Borges Jeov Franklin 2007

    Joo Martins de Athayde Mrio Souto Maior 2000

    Jos Soares Mark Dinneen 2007

    Klvisson Viana Jos Neumanne 2007

    Manoel Caboclo Gilmar de Carvalho 2000

    Minelvino Francisco da Silva Edilene Matos 2000

    Neco Martins Gilmar de Carvalho 2002

    Oliveira de Panelas Maurice Van Woensel 2001

    Patativa do Assar Sylvie Debs 2000

    Paulo Nunes BatistaMaria do Socorro Gomes Barbosa

    2005

    Raimundo Santa Helena Brulio Tavares 2003

    Rodolfo Coelho Cavalcante Eno Theodoro Wanke 2003

    Rouxinol do Rinar Ribamar Lopes 2007

    Severino Jos Luiz de Assis Monteiro 2001

    To Azevedo Sebastio Geraldo Breguez 2003

    Z Melancia Martine Kunz 2005

    Z Saldanha Gutenberg Costa 2001

    Z Vicente Vicente Salles 2000

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    Os livros da coleo tm extenso varivel de 70 a 234 pginas, das quais os prefcios ocupam de 14 a 77 pginas. Como se pode ver, a coleo tem um cuidadoso projeto grfi co.

    Capa aberta e orelhas do livro Franklin Maxado, Coleo Biblioteca de Cordel.

    Nas capas h uma xilogravura sob cores vivas, com o nome do cordelista e o ttulo cordel. Na contracapa, uma parte da xilogravura ampliada em cores tambm vivas e o trecho de um cordel. Nas orelhas, h mais xilogravuras e uma pequena apresentao do poeta.

    Essa coleo, com um seguimento editorial, grfi co e ideolgico, identifi ca a potica (o cordel) antes de seus autores, que tambm so autores pertencentes ao cnone historiogrfi co construdo pela FCRB, pelo Dicionrio de Sobrinho e pelos estudos de Cantel. O que parece importar, desde o projeto grfi co, o cordel como tradio nica e homognea. A inovao de seu suporte e editorao tanto constri um novo status para essa potica como a afi rmam como uma obra que, antes de qualquer coisa, narra uma tradio coletiva.

    No toa que os cordis publicados nessa coleo esto sob o formato de livro, pois, ao mesmo tempo em que alude ao suporte do folheto em seu projeto grfi co, tambm dele se distancia o sufi ciente para fazer-se diferente. Sua proposta grfi ca e editorial compreende um conjunto de livros destinado ao pblico leitor acadmico e universitrio, de uma forma geral. Exatamente por ser dirigido a esse pblico, o cordel publicado nesse formato. Pelos processos de distino, esse projeto editorial supre o gosto cultivado de leitores que reconhecem nessas publicaes um claro marcador de classe que torna o livro diferente do folheto.

    Portanto, assim como os poetas se apoderaram do livro como estratgia de legitimao de seu trabalho, tambm as editoras e os pesquisadores, com seus valores e concepes, utilizaram o suporte livro como forma de introduo dessa potica no mercado editorial hegemnico e no campo

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    acadmico. Luyten, o idealizador da coleo, em sua apresentao, argumenta:

    ao contrrio de outros pases, como o Mxico e a Argentina, onde esse tipo de produo literria normalmente aceita e includa nos estudos ofi ciais de literatura [...], as vertentes brasileiras passaram por um longo perodo de desconhecimento e desprezo, devido a problemas histricos locais, como a introduo tardia da imprensa no Brasil (o ltimo pas das Amricas a dispor de uma imprensa) e a excessiva imitao de modelos estrangeiros pela intelectualidade. Apesar da macia bibliografi a crtica e da vasta produo de folhetos (mais de 30 mil folhetos de 2 mil autores classifi cados), a literatura de cordel cujo incio remonta ao fi m do sculo XIX continua ainda em boa parte desconhecida do grande pblico, principalmente por causa da distribuio efmera dos folhetos. E por isso que a editora Hedra se props a selecionar cinquenta estudiosos do Brasil e do exterior que, por sua vez, escolheram cinquenta poetas populares de destaque e prepararam um estudo introdutrio para cada um, seguido por uma antologia dos poemas mais representativos. (apresentao da Coleo Biblioteca de Cordel)

    Os argumentos levantados pelo idealizador da Coleo dizem muito a respeito das posies do campo literrio acadmico em relao ao cordel. A construo de uma viso sobre o cordel e, consequentemente, de sua historiografi a e cnone, nos mostram o papel que os intelectuais e suas instituies exerceram nesse contexto. A FCRB, o pesquisador Raymond Cantel e o Dicionrio de Jos Alves Sobrinho e tila de Almeida, como visto, construram uma histria defi nindo no apenas o que o folheto, mas quais so os que o escreveram e merecem ser lembrados. Como esses construtores de uma histria sobre o folheto, a Coleo Biblioteca de Cordel tem o objetivo de preservao, manuteno, salvaguarda e valorizao dessa potica.

    As palavras de Luyten, afi rmando a chegada tardia da imprensa, a cpia de modelos estrangeiros pela intelectualidade brasileira e a importncia de haver estudiosos que apresentem e legitimem essa potica, constroem tambm uma histria (um tanto quanto oportuna) sobre o cordel.

    As grandes tipografi as nas regies Norte, Nordeste e Sudeste do Brasil so a primeira contraprova ao argumento levantado por Luyten de que a imprensa chegou tardiamente ao Brasil. Levando-se em conta a histria europeia, pode-se at dizer que essa afi rmao carrega alguma verdade, mas a existncia de folhetos e de sua distribuio, que nada tem

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    de efmera em nosso pas, ocorreu concomitantemente popularizao (que um tanto questionvel) de livros. Se a imprensa chegou atrasada, chegou assim para pobres e ricos que habitavam solo tupiniquim, de modo que o argumento de ter havido uma imprensa tardia apresenta-se como forma de colocar o cordel como uma potica que precisa de ajuda para sua perpetuao. O que Luyten est chamando de introduo tardia da imprensa no Brasil pode ter outro nome: a distncia entre intelectuais e poticas que tm uma forma de publicao independente da hegemnica, ou seja, a presena do folheto, e no do livro, como suporte.

    O apego da intelectualidade a modelos estrangeiros como forma de subalternizar o cordel outro argumento enumerado por Luyten. A literatura brasileira, de fato, nos incios de sua formao, como o estudioso Antonio Candido nos mostra em toda sua obra, foi construda por meio de modelos da tradio europeia literria. Todavia, com a formao de um sistema literrio autnomo em relao Europa, artistas como Ariano Suassuna, que j faz parte da histria literria brasileira, dizem escrever amancebando formas e temas eruditos e populares. Mrio de Andrade, antes do dramaturgo Suassuna, utilizou-se dessa estratgia de composio, s para citar exemplos do uso, muitas vezes ingrato e autoritrio, de temticas e estruturas textuais no hegemnicas por intelectuais.

    O cnone do cordel tambm nos diz muito a esse respeito. A FCRB, imbuda de uma ideologia calcada na nao, utilizou-se do cordel para construir uma narrativa sobre a sociedade brasileira, seus costumes, conceitos, preconceitos, formao social e racial, entre outros aspectos. De modo que foram aspectos da nacionalidade, e no o apego a modelos estrangeiros, que participaram do processo de construo do cnone do cordel e, como contrapartida, de seu apartamento da historiografi a literria brasileira ofi cial e hegemnica, pois, sempre atrelado regio Nordeste, o cordel, na historiografi a brasileira, teve uma dupla excluso. Em sentido amplo, como uma manifestao artstica considerada regionalista e por isso marginalizada da grande Literatura Brasileira, uma vez que o adjetivo regionalista est a para marcar uma distino dessa literatura em relao sem adjetivo14. E em sentido estrito, o cordel, como uma manifestao daspoticas das vozes, em meio a uma tradio literria fi rmada pelo escrito e por regras, classifi caes e gneros, como a brasi-

    14 Vale lembrar a classifi cao atribuda por Antonio Candido a respeito de obras regionalistas. A obra de Guimares Rosa, por sua grande qualidade literria, para no se misturar com as demais obras regionalistas, foi classifi cada por Candido como super-regionalista (Candido, 2006).

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    leira, foi tambm, por isso, marginalizado. Dessa forma, seja por ser considerado regional (visto como o afunilamento do nacional e sua presena em abundancia), seja por ser de bases orais (a nao vista em suas diversas manifestaes culturais, oral e escrita), o cordel foi subalternizado. Foi justamente a mo pesada de intelectuais, esforados em classifi car, disciplinar, preservar e registrar essa potica movedia das vozes, tendo sempre com o pano fundo a constituio da nao, que a cerceou numa posio marginal dentro dos estudos literrios. E a Coleo Biblioteca de Cordel, ao contrrio do que Luyten diz, parece fazer o mesmo com todos os prefcios que afi rmam uma mesma histria ao cordel: uma narrativa esttica e que assim deve permanecer, como toda boa tradio e patrimnio popular.

    A tentativa anunciada por Luyten de inserir o cordel nos estudos ofi ciais de literatura e de faz-lo presente ao grande pblico o que uma falcia, pois o pblico leitor de cordel (Galvo, 2001) infi nitamente maior que o pblico leitor acadmico, por questes de acesso lingustico e econmico que intermedeiam o acesso a determinados bens simblicos ocorre por meio de vrias estratgias editoriais, como a utilizao de prefcios escritos por intelectuais que apresentam e legitimam o texto.

    A interveno de mediadores (a partir dos prefcios) exerce forte infl uncia na recepo de poticas no hegemnicas (Lucena, 2009), como o cordel, em meios hegemnicos (o suporte livro). Junto com isso, podemos perceber que os prefaciadores so os que tm o privilgio de defi nir (Bourdieu, 2007, p. 88) um discurso sobre o que o cordel, seus valores e limites.

    Acerca do prefcio como tipologia textual e de seus signifi cados na composio de obras, h poucos estudos. Um importante texto para a compreenso de seus signifi cados o de Ria Lemaire a respeito dos vrios prefcios Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre. Para Lemaire,

    todos esses relatos fora do texto [...] tm por objetivo, cada um a sua maneira, guiar ou manipular o leitor, a fi m de que ele leia bem a obra, quer dizer, que ele aceite ou faa sua a mensagem, a verdade que o autor quis transmitir a seus contemporneos e s geraes futuras. (Lemaire, 2002, p. 734)

    No caso da coleo da editora Hedra, esses relatos fora do texto, que no esto to fora do texto assim, tm o objetivo claro de guiar o leitor a uma determinada leitura da obra, bem como o de criar, com o conjunto de obras que formam a coleo, uma histria sobre o cordel. Para tornar familiar o no familiar (White, 2001, p. 102), uma vez que o cordel se aproxima de um leitor atrelado aos estudos ofi ciais de literatura

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    e ao grande pblico, nas palavras de Luyten, distantes (cultural e economicamente) da realidade da potica do folheto de cordel.

    Nesses livros, estudiosos do Brasil (15) e do exterior (5) apresentam os cordelistas e seus cordis como uma forma de atribuir-lhes validade e legitimidade, como afi rma o prprio diretor da coleo. Adentrando nas narrativas dos prefcios, muitas constantes so percebidas; a principal diz respeito crena dos prefaciadores em uma mesma e nica tradio do cordel como legtima. Essa crena , ao mesmo tempo, reforada, afi rmada e defi nida por esses estudiosos. Como podemos ver na citao abaixo, em que Raimundo Santa Helena nos conta sobre a advertncia que Raymond Cantel lhe fez um dia, h regras tradicionais que no devem ser infringidas, tanto segundo a viso do pesquisador Cantel como a do prefaciador Brulio Tavares.

    Cantel sugeriu que eu no descaracterizasse os estilos e as rimas, o que eu fi zera, tentando oferecer o cordel nas metrpoles ao sabor de novos leitores. Mudei e me submeti fora da tradio, a partir do folheto n. 13, de 21/12/1980, Discusso de So Pedro com Nelson Rodrigues. (Helena, 2003, p. 13)

    Por meio do que Cantel disse a Raimundo Santa Helena, podemos perceber que os prefcios so formas de dominao dessa potica que precisa ter sua produo controlada por mentes inteligentes e postas como superiores e detentoras do saber. Nos prefcios feitos pelos estudiosos do cordel, ao invs de se plantar uma viso viva do cordel, como uma tradio que se refaz com o girar do mundo, enterra-se a possibilidade de fl orescimento a cada estao dessa potica. As antigas e atacadas medidas discriminatrias que Luyten critica na apresentao da coleo, nos prefcios de sua mesma coleo tornam-se limites bem defi nidos de conteno. As mudanas so interditadas, sejam elas formais ou temticas, por especialistas autorizados.

    Assim, os prefcios funcionam como locais de perpetuao de uma histria que justifi cada e harmonizada pela coerncia das vozes que falam. Os discursos alinhados dos prefaciadores criam, contam e reforam uma s histria sobre o cordel e, ao mesmo tempo, abafam a polifonia das vozes que essa rica potica possui.

    Afastando a possibilidade de ruptura, como fez Cantel com Santa Helena, condena-se a potica estagnao e, consequentemente, a sua morte, visto que a vontade de permanncia que os prefaciadores defendem, destituda de mudana, acaba tirando do cordel sua fora de movncia e de transformao. O desejo do tradicional como espao de permanncia pode ser visto no seguinte trecho do prefcio de Martine

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    Kunz obra de Expedito Sebastio da Silva:A forma rgida, dogmtica, tambm resistente, mineral. Uma imensa rede de versos e palavras, de rimas e vozes que prende e protege na sua forma imvel, retm e exalta, ao mesmo tempo, uma arte ameaada. (Silva, 2001, p. 14)

    O prefaciador da obra de Rouxinol do Rinar, Ribamar Lopes, tambm defende a tradio como uma vontade de permanncia e fi xidez:

    consciente da verdadeira natureza da literatura de cordel, consolidada ao longo de tantas dcadas de ocorrncia, em sua forma e contedo, atravs do folheto popular, entende que essa forma de manifestao no comporta inovaes, quer na linguagem quer na feio do folheto, entendendo tambm, em seu conhecimento sobre o assunto, que tentativas de inovaes s descaracterizam o que j se acha consagrado na memria do povo. Na verdade, pretender-se fazer inovaes que violentam a natureza da literatura de cordel o mesmo que querer introduzir nmeros de rocknroll numa apresentao de pastoril ou reisado. Quanto a mudanas, no sentido de evoluo, estas podero ocorrer (que nada imutvel), mas calma, lenta e gradualmente, sem traumas, sem choques, certamente no por movimentos dirigidos nesse propsito, mas pela dinmica natural das coisas, atravs de sua manifestao espontnea. (Rinar, 2007, p. 24)

    O que no d para saber o que Ribamar Lopes entende como uma mudana natural e espontnea! Quer dizer, bem se pode imaginar que o que ele atribui a essa signifi cao seja o que as vozes e os discursos dos intelectuais atriburem como natural e espontneo: o velho e to novo discurso reiterado pelo cnone do qual o prprio pesquisador ecoa a voz.

    Essas e outras estratgias discursivas so utilizadas nos prefcios para se contar a histria responsvel pela fi xao de um discurso historio-grfi co e de um cnone do cordel. Esses discursos presentes nessa coleo parecem no querer olhar para o outro processo de excluso que produ-zem. Divulgar o que alguns entendem por cordel, em suporte livro e com a utilizao de mediaes como prefcios de intelectuais autorizados, nem sempre a melhor maneira de divulgar essa arte (selecionada previamente por intelectuais e por eles canonizadas e controladas). Ao mesmo tempo em que uma ao de divulgao, um procedimento para assegurar a distino entre os cabem e os que no cabem dentro dessa tradio controlada.

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    O suporte livro, o projeto grfi co da coleo e os prefcios que apresentam os cordelistas e seus cordis so espaos em que essa potica legitimada. Depois que Duchamp revelou o poder da instituio museu colocando um objeto destitudo de valor artstico como o mictrio dentro dele e, assim, consagrando-o como arte, clara a tentativa de consagrao do cordel no campo literrio e para um pblico de livrarias por meio da instituio livro. Tambm podemos perceber o feitio do nome do mestre, sobre o qual falava Walter Benjamin, atravs da colocao de prefcios de estudiosos que apresentam e legitimam uma potica no hegemnica como a do cordel.

    H muito se sabe que no possvel haver tradio sem a sua contraparte, a inovao, sendo as tenses entre essas duas instncias as responsveis por sua permanncia. O nascimento de novos cordelistas, com suas inovaes formais e temticas, ao contrrio do que postulam os prefaciadores, tem contribudo muito para que as obras do passado sejam reavivadas e revalorizadas. Quando, por exemplo, duas cordelistas mauditas15, Francisca Fanka Pereira da Silva e Salete Maria da Silva, escrevem Dimas, o bom ladro?, dando novo signifi cado ao cordel de Francisco das Chagas Batista, Dimas, o bom ladro (Santos e Silva, 2004), elas transformam uma narrativa de um homem injustiado pela maldade dos que matam seu pai por uma dvida tambm injusta, e que por isso se torna assassino em uma histria de desigualdade social e corrupo, desnaturalizando a violncia e seus resultados e politizando-a. Assim, as cordelistas no s esto fazendo girar a roda do cordel, como tambm esto lembrando que outros j a rodaram.

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    15 A Sociedade dos Cordelistas Mauditos um grupo composto por doze cordelistas, formado em Juazeiro no Norte, no ano 2000. Por meio do cordel, e conscientes das inevitveis e necessrias transformaes, inovam tanto em questes formais quanto ideolgicas. No que diz respeito questo formal, o mote a intertextualidade e o hibridismo entre linguagens. J no que tange ao contedo, o objetivo do grupo desconstruir as vises discriminadoras, como a perspectiva sobre as mulheres e sobre os negros, imbudas em grande parte do cordel do passado, e tambm em alguns do presente.

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    Recebido em abril de 2010.Aprovado para publicao em maio de 2010.

    Cante l que eu canto c

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    Resumo/Abstract

    Cante l que eu canto c: poticas populares dentro e fora da moldura

    Bruna Paiva de Lucena

    O artigo realiza uma investigao sobre a Coleo Biblioteca de Cordel da editora Hedra, passando pela discusso sobre a publicao do cordel no suporte de folheto e pela importncia das tipografi as nordestinas nesse processo. Analisa-se tambm a utilizao do suporte livro como meio de publicao dessa poesia, bem como os prefcios escritos por intelectuais como forma de legitimar essa produo, tendo em vista o estudo das relaes entre poticas populares e perspectiva intelectual.

    Palavras-chave: cordel, povo, intelectual, campo literrio, Coleo Biblioteca de Cordel

    Sing there that I sing here: popular poetics in and outside the frame

    Bruna Paiva de Lucena

    This article makes an investigation on the Biblioteca de Cordel Collection, from the publishing house Hedra, going through the discussion on the publishing of cordel as a leafl et, and the importance of typographical establishments in Northeast Brazil in this process. We analyze also the publishing of this kind of poetry as books, as well as the prefaces written by renowned intellectuals as a means of legitimizing this literary production, considering the study of the relations between popular poetics and the intellectual perspective.

    Key words: cordel, people, intellectual, literary fi eld, Biblioteca de Cordel Collection

    Bruna Paiva de Lucena Cante l que eu canto c: poticas populares dentro e fora das molduras. Estudos de Literatura Brasileira Contempornea, n. 35. Braslia, janeiro-junho de 2010, p. 51-76.

    Bruna Paiva de Lucena