C A D E R N O S do Arquivo...

157
CADERNOS Arquivo Municipal do 5 2001 Câmara Municipal de Lisboa Pelouro da Cultura/Departamento de Património Cultural/Arquivo Municipal de Lisboa

Transcript of C A D E R N O S do Arquivo...

C A D E R N O SA rqu i v o M un i c i pa l

do

5

2001Câmara Municipal de Lisboa

Pelouro da Cultura/Departamento de Património Cultural/Arquivo Municipal de Lisboa

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:29 Page 1

C A D E R N O SArquivo Muni c ipa l

do

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 1

2

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 2

Câmara Municipal de LisboaPelouro da Cultura / Departamento de Património Cultural / Arquivo Municipal de Lisboa

C A D E R N O SArquivo Muni c ipa l

do

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 3

C A D E R N O SAr qu i vo Mun i c i pa l

do

Nº5 - 2001

PropriedadeCâmara Municipal de Lisboa/Pelouro da Cultura

Departamento de Património CulturalArquivo Municipal de Lisboa

DirecçãoInês Morais Viegas

CoordenaçãoAna Caessa

RedacçãoAlexandre Arménio Tojal

Francisco MatosIsabel CordaLuís Pavão

Luísa Costa Dias Maria de Lurdes RibeiroMiguel Gomes Martins

Vasco Brito

Design GráficoMargarida Aires BarrosMarília Afonso Lopes

FotografiasDigilight

CapaEstruturas - Gare do Oriente na Expo 98 - 1998

A.F.M.L., Espólio de Artur Pastor

Pré-ImpressãoJacinto Guimarães, Lda

ImpressãoAntónio Coelho Dias, S.A.

Tiragem1500 exemplares

Depósito Legal:

ISSN:

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 4

ÍNDICE

ApresentaçãoMaria Calado

EditorialInês Morais Viegas

Estevão Vasques FilipeO Percurso de um guerreiro em finais de Trezentos

Miguel Gomes Martins

O Arquitecto José Luís Monteiro e as Artes Decorativas:o Mobiliário da Sala das Sessões

Alexandre Arménio Tojal

O Projecto da Avenida dos Anjos - algumasconsiderações gerais

Maria de Lurdes Ribeiro

A Bandeira Municipal de Lisboa: introdução àvexilologia autárquica olisiponense

Francisco Matos

Os Processos de Obra no Município de Lisboa: OrigemDocumental, Estrutura Tipológica e Classificação

PatrimonialVasco Brito

O Espólio de Artur PastorIsabel Corda

Luís PavãoLuísa Costa Dias

.......................................................... 7

.......................................................... 9

.......................................................... 10

.......................................................... 48

.......................................................... 64

......................................................... 108

......................................................... 128

......................................................... 144

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 5

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 6

7

APRESENTAÇÃO

O futuro das cidades depende, cada vez mais, da capacidade de promover uma acção estraté-gica com carácter multidisciplinar que permita, entre tantos outros aspectos, valorizar amemória e as identidades. O Património Cultural de Lisboa é uma herança, de tal modo ricae diversificada, que este sector tem vindo a afirmar-se como uma das áreas potenciais e cen-trais. Neste contexto, a definição e a implementação das políticas culturais urbanas mereceparticular acuidade e tem motivado empenho e envolvimento nas diversas frentes.

E se, todas as áreas do Património Cultural são importantes e todas as frentes de trabalho sãoigualmente contributivas para este esforço, a aquisição e incorporação de espólios deve serintensificada, já que permite, muitas vezes, dar sentido e até revelar temáticas da história quenos ajudam a compreender e a dar sentido ao presente. O conhecimento cientifico é decisivo,tanto no plano da investigação como em matérias técnicas de conservação e restauro. Tornareste valioso referencial da memória acessível aos cidadãos, mantendo criteriosamente ascondições de protecção e segurança é, sem dúvida, uma das tarefas mais árduas e complexas.O Arquivo Municipal tem um papel de destaque em todos estes campos, devido ao seuenquadramento a nível local e nacional. As colecções de documentação encontram-se em per-manente estudo e tratamento e a informatização do catálogo, agora terminada, permite a inves-tigadores e utentes, externos da administração municipal, uma utilização mais célere e um aces-so mais orientado às fontes. Dando sentido a uma política cultural que aposta na requalificaçãodos equipamentos culturais como forma de rentabilização dos recursos, o processo de con-strução de um edifício para acolher o novo Arquivo Municipal Central, em curso, virá darmaior expressão aos programas de salvaguarda e valorização do património documental.

A edição regular dos Cadernos do Arquivo Municipal procura dar aos investigadores e ao públi-co um suporte de comunicação e um espaço de conhecimento das múltiplas temáticas relativasà história de Lisboa. Os Cadernos cumprem a tarefa essencial de fazer a ponte entre a institu-ição e o cidadão, entre os técnicos municipais, os investigadores e a comunidade científica.

Por tudo isto, é sempre com agrado que percorremos as páginas de um novo número destapublicação que traduz bem a acção da autarquia nesta matéria. A qualidade dos conteúdos ea sua orientação e continuidade testemunham o valor da investigação na área da história local,onde os novos projectos de abordagem são surpreendentes e motivadores.

A todos os que quotidianamente mantêm a qualidade e a regularidade deste projecto que dácorpo e forma ao trabalho no Arquivo Municipal, o nosso reconhecimento. Esta é a claraexpressão de que a tecitura da história não é um, acto solitário.

Maria CaladoVereadora da Cultura

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 7

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 8

9

EDITORIAL

Os cadernos do Arquivo Municipal de Lisboa, agora no seu 5º número dão continuidade àdivulgação da História da cidade, através do seu Património Documental à guarda da Divisãode Arquivos.

Para além da divulgação, existe todo um trabalho por parte dos técnicos do Arquivo, que con-siste no tratamento, descrição, informatização e digitalização dos documentos, para que possaser do domínio público, académico ou não, que pretendem conhecer melhor a memória dacidade.

A informatização já iniciada, de toda a documentação do Arquivo através do Lis-Arq, a parda digitalização de algumas séries documentais, a elaboração do Manual do Arquivo, aconstrução do Plano de Classificação respeitando as ISAD-G, ISAR-CPF, a disponibilizaçãode Instrumentos de Descrição (guias, inventários e catálogos), constituem actividades assegu-radas por todos aqueles que aqui trabalham, nas mais diversas áreas.

A apresentação da documentação devidamente tratada faz parte das iniciativas do Arquivo,sendo uma das prioridades.

Assim é muito importante o contributo de todos para o conhecimento do passado através doestudo de inúmeros espólios à guarda do Arquivo Municipal de Lisboa.

Inês Morais Viegas

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 9

Estevão Vasques Filipe

O percurso de um guerreiro

em finais de TrezentosMiguel Gomes Mar t ins

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 10

11

Introdução: Apesar de possuirmos já uma imagem bastante nítida da nobreza portuguesa atémeados do século XIV1, os períodos seguintes encontram-se ainda envoltos em inúmeras

interrogações e dúvidas. Exceptuando algumas monografias sobre certas linhagens nobrescomo os Pimentéis e os Coutinhos2, os artigos de Maria José Pimenta3 Ferro, de José Mattoso4

e de Mafalda Soares da Cunha5, os estudos monográficos de Valentino Viegas6 e de FátimaRegina Fernandes7 dedicados, respectivamente, à nobreza do reinado de D. Pedro I e à de D.Fernando e o trabalho prosopográfico de Armando Luís de Carvalho Homem sobre os mem-bros do Desembargo Régio entre 1320 e 14338, não são muitos os estudos disponíveis sobreas figuras nobres dos reinados de D. Pedro I, de D. Fernando e de D. João I.

No tocante à nobreza do reinado de D. João I, a situação deve-se – além das dificuldadesimpostas pela escassez de estudos sobre os dois reinados anteriores –, em boa parte, a trêsordens de razões: em primeiro lugar, porque antes da subida do Mestre de Avis ao trono,muitas dessas figuras não passavam de personagens de segundo plano e, como tal, pratica-mente esquecidas pelas fontes narrativas; em segundo, porque a sua reduzida projecçãoeconómico-social faz com que também não sejam mencionados na documentação de arqui-vo e, por último, por pertencerem a linhagens, na maior parte dos casos, de pouco prestígioe de ascensão recente, portanto, afastadas dos nobiliários, o que impossibilita o conhecimen-to das suas origens. Nesse sentido, os elementos biográficos de que dispomos sobre a maiorparte desses indivíduos reportam-se, sobretudo, ao período posterior a 1383-1385, isto é,quando a sua visibilidade aumenta, em razão directamente proporcional à sua importânciapolítica, económica e social, passando, assim, a ser referidos tanto nas crónicas quanto nasfontes documentais. É a partir dessa altura que a reconstituição biográfica se torna mais fácile mais pormenorizada, porém, quase sempre incompleta, pela escassez de dados sobre operíodo anterior.

1 Veja-se os trabalhos de José Mattoso (Ricos-homens, Infanções e Cavaleiros, Lisboa, Guimarães Editores, 1985 (2ª edição) e ANobreza Medieval Portuguesa, Lisboa, Estampa, 1980), de António Resende de Oliveira (Depois do Espectáculo Trovadoresco – AEstrutura dos Cancioneiros Peninsulares e as Recolhas dos Séculos XIII e XIV, Lisboa, Colibri, 1994), de Leontina Ventura (A Nobrezade Corte de Afonso III, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1997, Dissertação de Doutoramento, poli-copiada) e de José Augusto de Sottomayor Pizarro (Linhagens Medievais Portuguesas: Genealogias e Estratégias (1279-1325), Porto,Centro de Estudos de Genealogia, Heráldica e História da Família da Universidade Moderna, 1999, 2. Vols), entre outros.2 Bernardo Vasconcelos e Sousa, Os Pimentéis: Percurso de uma Linhagem da Nobreza Medieval Portuguesa (Séculos XIII-XIV), Lisboa,Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2000) e Luís Filipe de Oliveira, A Casa dos Coutinhos: Linhagem, Espaço e Poder (1360-1452),Cascais, Patrimonia Historica, 1999.3 Maria José Pimenta Ferro, “A nobreza no reinado de D. Fernando e a sua actuação em 1383-1385, in Revista Portuguesa de História,nº 12, Coimbra, Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras - Instituto de História Económica e Social, 1983, pp. 45-89.4 José Mattoso, “A Nobreza e a Revolução de 1383”, in Fragmentos de uma Composição Medieval, Lisboa, Estampa, 1990, pp. 277-293.5 Mafalda Soares da Cunha, “A nobreza Portuguesa no início do século XV: Renovação e continuidade”, in Revista Portuguesa deHistória, Tomo XXXI, Vol. 2, Coimbra, Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras - Instituto de História Económica e Social,1996, pp. 219-252.6 Valentino Viegas, Relações de Vassalagem no Reinado de D. Pedro I, Lisboa, Colibri, 2001.7 Fátima Regina Gonçalves, O Reinado de D. Fernando no âmbito das Relações Régio-Nobiliárquicas, Porto, Faculdade de Letras daUniversidade do Porto, 1996 (Dissertação de Doutoramento, policopiada).8 Armando Luís de Carvalho Homem, O Desembargo Régio (1320-1433), Porto, INIC, 1990.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 11

12

Assim, ao debruçarmo-nos sobre a figura de Estêvão Vasques Filipe, muitas foram as difi-culdades sentidas, não só pela escassez de bibliografia, mas essencialmente, devido ao númeroreduzido de documentos disponíveis. Estes incidem maioritariamente sobre a sua vida pes-soal (património e descendência) no período posterior a 1383, deixando praticamente de foraos aspectos que se referem à sua faceta de guerreiro e de comandante militar.

Apesar disso, a projecção que adquiriu durante o reinado de D. Fernando, no períodorevolucionário de 1383-1385 e nos primeiros anos do reinado de D. João I, evidenciando-sedos seus pares, contribuiu para que se convertesse numa figura frequentemente mencionadanas crónicas, o que, de certa forma, facilitou a reconstituição da sua faceta pública e, porvezes, colmatou, embora não substituísse, a falta de outro tipo de documentos e de informações.

A recolha documental que efectuámos nos Arquivos Nacionais-Torre do Tombo (IAN-TT)e no Arquivo Municipal de Lisboa – Arquivo Histórico (AML-AH) cotejada com as infor-mações transmitidas pelas crónicas de Fernão Lopes permitiu-nos, assim, elaborar umaimagem relativamente completa da vida de Estêvão Vasques Filipe, nas suas mais diversasfacetas, embora com uma atenção especial para os aspectos militares da sua vida.

Porém, a análise levada a cabo neste estudo não se limitou à figura de Estêvão Vasques Filipe.Assim, optámos por recuar e avançar na análise da sua linhagem para, por um lado, com-preender um pouco melhor o processo que levou a que a sua família se destacasse na Lisboade finais do século XIV e, por outro, para conhecer os seus descendentes directos e tentaraveriguar qual o papel que lhes coube na sociedade portuguesa de inícios de Quatrocentos.

Aascendência: De acordo com a documentação disponível, o pai de Estêvão Vasques Filipeera Vasco Esteves Filipe. Não encontrámos qualquer menção relativa a esta filiação.

Porém, o apelido, os patronímicos e, mesmo, os seus nomes próprios, apontam nesse senti-do. A ligação a Lisboa e a projecção adquirida por ambos parecem, também, reforçar essahipótese.

Desconhecemos quase totalmente o seu percurso biográfico, embora alguns dados dispersosque pudemos coligir nos permitam elaborar uma imagem – embora ainda muito pouco níti-da, reconheça-se – desta personalidade e do seu “cursus honorum”.

Se bem que não exista qualquer menção explícita a uma relação familiar, parece-nos queVasco Esteves Filipe – pelo patronímico, pelo apelido e pela ligação a Lisboa – seria filho deEstêvão Domingues Filipe9, identificado em 1321 como mercador de Lisboa ao serviço de D.

9 Além disso, o facto de Vasco Esteves Filipe recuperar para o seu filho o nome próprio Estêvão pode afigurar-se como uma“homenagem” ao seu pai, Estêvão Domingues.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 12

Dinis e a quem este rei quitou o foro de uma casa na “capital”, a par da Sé, em 22 de Maiodesse ano10. Voltamos a encontrar Estêvão Domingues em 1336, entre as testemunhas daelaboração do termo de arrendamento da cobrança da sisa do vinho, lavrado em 25 de Junhono paço do concelho de Lisboa11. Trata-se das únicas referências a esse indivíduo.

Os documentos identificam Vasco Esteves Filipe, inequivocamente, como vizinho e moradorem Lisboa12, pelo que é muito possível que tenha as suas raízes nesta cidade, onde terá per-manecido a maior parte da sua vida. Aliás, a linhagem parece ter tido uma forte implantaçãoem Lisboa, onde encontramos outros indivíduos de apelido Filipe, muito provavelmente seusfamiliares, como é o caso de João Afonso Filipe, vereador e juiz do cível no início do séculoXV13. Porém, não nos foi possível descortinar qual o grau de parentesco entre estas figuras,na medida em que não encontrámos qualquer menção a Afonso Filipe, teoricamente, pai deJoão Afonso.

Sem que tenhamos quaisquer informações que nos possibilitem visualizar o seu percursoanterior a 1342, encontramos Vasques Esteves, pela primeira vez, registado entre o vastogrupo de indivíduos – composto maioritariamente de homens-bons do concelho – quepresenciaram, testemunhando-a, a elaboração, no dia 23 de Agosto, de uma postura regula-mentadora da actividade dos corretores em Lisboa14.

Após um lapso de tempo de 13 anos durante o qual nada é conhecido – relembre-se apenasque nesse período teve lugar a Peste Negra de 1348, facto que o pode ter levado a afastar-sede Lisboa –, voltamos a encontrá-lo em Junho de 1355 quando a documentação o registacomo almoxarife das ovenças em Lisboa15. É também nessa qualidade que o encontramos, nomesmo dia, a testemunhar a elaboração de uma procuração passada a Nuno Rodrigues paraque, em nome do concelho, pudesse negociar com os concelhos de Sacavém e de Frielas

13

10 IAN / TT, Chancelaria de D. Dinis, Livro 3, fl. 137v-138, de 22/Maio/1321. Talvez se tratem das mesmas casas que a viúvade Estêvão Vasques Filipe doa ao filho deste com Margarida Lourenço em 12 de Junho 1427 (IAN-TT, Leitura Nova, Livro 11da Estremadura, fl. 188v, de 12/Junho/1427).11 AML-AH, Chancelaria Régia, Livro I de Místicos, doc. 3, de 25/Junho/ 1336.12 AML-AH, Colecção por organizar, Livro I de Sentenças, doc. 11, de post. 16/Janeiro/1359.13 AML-AH, Casa de Santo António, Livro I do Alqueidão, doc. 22, de 28/Fevereiro/1417 a 2/Março/1417 e Livro I doHospital de D. Maria de Aboim, doc. 20, de 31/Março/1406.14 Esse grupo, além do alcaide Rui Fafes de Lanhoso e seu irmão Martim Fafes, incluía os alvazis Afonso Rodrigues e Rui Peres,o procurador do concelho Afonso Martins, o escrivão do concelho Afonso Soares, João Esteves Pão e Água, Pedro EanesPalhavã, Pedro Canelas, os almoxarife Vasco Eanes e Martim Pipas, Afonso Pais, mestre João das Leis, Lourenço MartinsBotelho, Afonso Eanes Carregueiro, Afonso Eanes de São Nuno, o escrivão da alfândega Martim Vaz, Pedro Afonso de Alfama,o ouvidor do rei Domingos Pais, João Rol, Pedro Eanes (filho de João de Benavente), João Gil (filho de João Gil do Picoto),Vicente Eanes da Portagem, os mercadores Domingos Afonso e João Sinal, os procuradores Gabriel Eanes e o seu filhohomónimo, entre outros (Livro das Posturas Antigas, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1974, p. 46).15 AML-AH, Chancelaria Régia, Livro I de Místicos, doc. 6, de 7/Junho/1355.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 13

sobre o fornecimento de géneros alimentares a Lisboa16. Por ser o almoxarife um cargo denomeação régia – pelo menos em teoria – depreende-se que Vasco Esteves tivesse boasrelações na corte ou no círculo dos privados do rei que, junto do monarca, teriam apontadoo seu nome para ocupar o lugar. Todavia, apesar de ser uma hipótese bem mais remota, nadainvalida que o seu relacionamento não fosse com o próprio D. Afonso IV17.

No ano seguinte a documentação menciona-o – de parceria e em plena igualdade de estatutocom João Afonso das Regras (também ele morador e vizinho de Lisboa e uma figura igual-mente destacada da oligarquia lisboeta18) – como representante do concelho de Lisboa na assi-natura das pazes entre Afonso IV e o infante D. Pedro, pazes essas firmadas em 135619. Anomeação para esta importante missão parece-nos um claro indicador tanto do prestígio quedetinha como da confiança de que era depositário por parte das elites dirigentes de Lisboa20.Além disso, acreditamos que o concelho terá procurado efectuar uma escolha que o dignifi-casse de modo a que se encontrasse representado ao mais alto nível, o que também é signi-ficativo da sua posição social no seio dessas mesmas elites. Todos estes atributos e qualidadespodem tê-lo projectado para lugares de destaque da governação da cidade. Contudo, não oencontramos nunca identificado como detentor de qualquer cargo concelhio, o que não é , demodo algum, garantia que tal não tivesse ocorrido.

As últimas referências a Vasco Esteves Filipe remontam à segunda metade de 1358. EmAgosto desse ano encontramos seu nome entre os muitos que compunham a lista de teste-munhas apresentadas pelo concelho de Lisboa ao juiz Pedro Tristão para que fossem inquiri-das sobre o conflito que opunha o município ao convento de S. Vicente de Fora relativamenteà jurisdição da aldeia do Tojal (termo de Lisboa). Entre essas testemunhas encontramosnomes bem sonantes como os de Afonso Colaço, Martim Alvernaz e seu filho AfonsoMartins Alvernaz21, João Eanes Palhavã, Afonso Eanes de Almada, João Afonso das Regras,

14

16 AML-AH, Colecção por organizar, Livro I de Sentenças, doc. 8, de 31/Abril/1356.17 A hipótese reforça-se se nos lembrarmos que o seu pai, Estêvão Domingues, havia servido D. Dinis como mercador, pelo quenão fica excluída a hipótese de um relacionamento deste tipo entre Vasco Esteves e D. Afonso IV.18 João Afonso das Regras, mercador (AML-AH, Colecção por organizar, Livro I de Sentenças, doc. 7, de 9/Maio/1357), natu-ral (AML-AH, Colecção por organizar, Livro I de Sentenças, doc. 11, de post. 16/Janeiro/1359) e vizinho de Lisboa (AML-AH,Colecção por organizar, Livro I de Sentenças, doc. 9, de 2/Dezembro/1357) encontra-se também ligado à gestão concelhia deLisboa. A documentação regista-o como representante do concelho na assinatura das pazes entre D. Afonso IV e o seu filho, oinfante D. Pedro, em 1356 (AML-AH, Chancelaria Régia, Livro II dos Reis D. Dinis, D. Afonso IV e D. Pedro I, doc. 30, depost. a 18/Janeiro/1356) e como alvazil do cível em 1361 (AML-AH, Casa de Santo António, Livro I do Hospital do Conde D.Pedro, doc. 24, de 20/Novembro/1361). João Afonso das Regras foi também, antes de 1358, vereador do concelho de Lisboa(AML-AH, Colecção por organizar, Livro I de Sentenças, doc. 11, de post. 16/Janeiro/1359). Assinale-se ainda que João Afonsodas Regras, de parceria com Lopo Afonso das Regras, foi rendeiro das sisas de Lisboa em 1357 (AML-AH, Chancelaria Régia,Livro I de Místicos, doc. 7, de 23/Setembro/1357). João Afonso das Regras era o pai do doutor João das Regras, membro doconselho de D. João I.19 AML-AH, Chancelaria Régia, Livro II dos Reis D. Dinis, D. Afonso IV e D. Pedro I, doc. 30, de post. 18/Janeiro/1356.20 O concelho, na altura da elaboração da procuração passada a Vasco Esteves Filipe e a João Afonso das Regras, era constituí-do por: João Eanes Palhavã, Afonso Martins e Álvaro Vasques (juizes), Lourenço Martins, Martim Mendes e Afonso Peres(vereadores), Nuno Rodrigues (procurador do concelho) e Vasco Eanes (tesoureiro do concelho). Entre as testemunhas do actoencontram-se ainda João Rol, João da Rochela, Antoninho Martins, João Simeão, Lourenço de Sousa e Lopo Afonso das Regras(AML-AH, Chancelaria Régia, Livro II dos Reis D. Dinis, D. Afonso IV e D. Pedro I, doc. 30, de post. 18/Janeiro/1356).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 14

Martim Afonso de Barbuda e Vasco Afonso Carregueiro22, todos eles indivíduos com pre-senças assíduas na administração concelhia de meados de Trezentos23. A inclusão de VascoEsteves entre estas figuras de topo da oligarquia concelhia vem, no nosso entender, reforçarainda mais a hipótese de, em dada altura que não nos é possível determinar, ter feito parte dos“quadros” dirigente do concelho. No dia 10 de Novembro desse mesmo ano, em pleno adroda Sé de Lisboa, foi finalmente inquirido24 – assinale-se que foi o primeiro de um rol de 30indivíduos a ser interrogado25 –, desaparecendo, a partir daí, por completo da documentação,sendo por isso de equacionar a hipótese de a sua morte ter ocorrido pouco tempo depois.

Pela íntima relação mantida com Lisboa é muito natural que tenha sido sepultado na cidade.Todavia a sondagem que efectuámos nos fundos arquivísticos referentes às instituições reli-giosas lisboetas (os que se encontram à guarda do IAN-TT) nada revelou que corrobore estahipótese que não deixa, porém, de ser viável, embora de difícil comprovação26.

Curioso é o facto de a maioria das escassas referências que possuímos sobre Vasco EstevesFilipe se reportar a um curto período de quatro anos (1355-1358), provavelmente aquele emque terá atingido uma maior projecção e notoriedade. Esta situação não invalida a suaimportância em momentos anteriores – como se verifica pela sua presença na assembleia de23 de Agosto de 1342 –, pois, acreditamos, não seria um prestígio recém-adquirido aquele queo levou a ser escolhido para representar o concelho de Lisboa num acto tão importante comoa assinatura das pazes entre D. Afonso IV e o infante D. Pedro, seu filho. Parece-nos sim queesses quatro anos se afiguram como o corolário de um percurso ascendente – do qual nãopossuímos mais do que um registo documental – que o elevou até aos lugares cimeiros dasociedade lisboeta. Terá sido nessa recta final da sua vida que consolidou todo o seu poder eprestígio pessoal transmitindo-o à sua linhagem, facto que facilmente se verifica quando nosdebruçamos sobre a figura de seu filho Estêvão Vasques Filipe27, afinal, o nosso principalobjecto de estudo.

15

21 Mais à frente neste estudo abordaremos de forma sucinta a ligação familiar entre os Filipes e os Alvernazes.22 AML-AH, Colecção por organizar, Livro I de Sentenças, doc. 11, de post. 16/Janeiro/1359.23 Cf. A Evolução Municipal de Lisboa: Pelouros e Vereações, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1996, pp. 39-43. Sobre VascoAfonso Carregueiro, veja-se alguns elementos biográficos em Miguel Gomes Martins, Lisboa e a Guerra (1367-1411), Lisboa,Livros Horizonte, 2001, pp. 29-30 e 65-66. Sobre João Eanes Palhavã, cf. Miguel Gomes Martins, “A família Palhavã (1253-1357):Elementos para o estudo das elites dirigentes da Lisboa medieval”, Separata da Revista Portuguesa de História, Tomo XXXII (1997-1998), Coimbra, Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras-Instituto de História Económica e Social, 1999, pp. 35-93.24 Assinale-se que, comparativamente com outros depoimentos, Vasco Esteves Filipe foi extremamente lacónico, quase noslevando a pensar num eventual receio em se comprometer com alguma afirmação menos ponderada e/ou em prejudicar qual-quer uma das partes envolvidas no conflito (AML-AH, Colecção por organizar, Livro I de Sentenças, doc. 11, de post.16/Janeiro/1359).25 Da inquirição nada transparece que nos possa levar a acreditar tratar-se de algo mais que uma mera coincidência, pois nãoparece ter existido qualquer critério hierárquico – ou outro – para a ordem com que foram interrogados.26 A consulta de diversas monografias sobre as instituições religiosas da cidade de Lisboa também nada indicou quanto a umpossível local de sepultura.27 Apesar da consulta de diversos conjuntos documentais não podemos com segurança afirmar tratar-se de um filho único.Todavia, o facto de não encontrarmos, para o mesmo período cronológico, qualquer outro indivíduo cujo patronímico indiquea filiação em Vasco Esteves Filipe, leva-nos a acreditar que Estêvão Vasques não teria irmãos, ou se os teve não atingiram nuncaa projecção suficiente para que a documentação ou as crónicas lhes façam qualquer alusão.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 15

Opercurso militar de Estêvão Vasques Filipe (1370-1383): O prestígio, já de si bastanteassinalável, granjeado por Vasco Esteves Filipe foi herdado e largamente ampliado pelo

seu filho Estêvão Vasques, a quem dois documentos emanados da chancelaria de D. João I sereferem de forma inequívoca como tendo prestado muitos serviços a D. Pedro I e a D.Fernando:

“muitos serviços que Stevam Vaasquez Filipe morador em a cidade de Lixboa fez a el rey dom Pedro nossopadre [de D. João I] e a el rey dom Fernando”28.

“muitos serviços e stremados que a nosso padre a que deus perdoe e outrossy a el rey Dom Fernando fezStevam Vaasquez Filipe”29.

Porém, estes excertos trazem-nos mais dúvidas que certezas. Se são claros quanto à suarelevância, não o são, de modo algum, relativamente à natureza dos serviços prestados a D.Pedro I. Nem mesmo uma pesquisa mais aturada nos registos da chancelaria deste monarcafez sobressair qualquer pista que nos possa indicar o que terá feito para granjear oreconhecimento d´O Justiceiro, já que nem uma menção lhe é feita30.

Se nada conhecemos do seu percurso durante aquele reinado, no de D. Fernando a situaçãomuda de figura. Os factos cronologicamente mais recuados da vida de Estêvão Vasques Filipesão veiculados por Fernão Lopes e reportam-se à sua acção militar durante a Primeira GuerraFernandina31. Aqui pode, portanto, residir a explicação para alguns dos “muitos serviços” presta-dos a D. Fernando e a que os dois acima citados diplomas joaninos fazem alusão. Terá sidojustamente a sua participação nesse conflito a destacá-lo dos seus pares, ao ponto de em 1372ser já mencionado na documentação como vassalo régio32.

Assim, de acordo com os dados disponíveis, o seu “baptismo de fogo” deu-se durante os doismeses e meio que durou a resistência de Ciudad Rodrigo (primeiro trimestre de 1370) face aocerco imposto pelas tropas castelhanas de D. Enrique II. Apesar das forças – muito superi-ores às portuguesas – e dos meios pirobalísticos e neurobalísticos que D. Enrique consigotrazia, os sitiados conseguiram resistir, em boa parte devido à escassez de mantimentos verificada noarraial dos sitiantes e que levou a que o cerco fosse levantado ao fim de pouco mais de dois meses33.

16

28 IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 17v, de 4/Março/1384.29 IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 60-60v, de 10/Setembro/1384.30 A pesquisa efectuada na “Crónica de D. Pedro I”, de Fernão Lopes, também se mostrou infrutífera, pois nada encontrámosque dissesse respeito a Estêvão Vasques Filipe.31 Fernão Lopes, Crónica de D. Fernando (Edição crítica por Giuliano Macchi), Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1975,cap. XXXIX a XLI, pp. 127-135. Daqui em diante referir-nos-emos a esta obra como: CDF.32 IAN / TT, Chancelaria de D. Fernando, Livro 1, fl. 90v-91, de 20/Janeiro/1372. Trata-se da referência documental mais recua-da.33 Fernão Lopes, CDF, cap. XXXIX a XL, pp. 127-135.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 16

Estêvão Vasques encontrava-se integrado na força destacada para a defesa daquela praça ecapitaneada pelo guarda-mor do rei Gomes Lourenço do Avelar que aí tinha sido colocadocomo fronteiro34. Por não ser conhecido qualquer tipo de relacionamento (parentesco, vas-salagem ou criação) entre ambos, o que, em princípio, poderia justificar a sua integração nocontingente, somos levados a colocar a hipótese de a ligação entre ambos ter ocorrido no seioda Guarda do Rei. Apesar de não estar ainda suficientemente estudada a constituição dessecorpo de elite e de não conhecermos os seus membros para períodos anteriores ao reinadode D. João II – a partir do qual passa a ser conhecida em pormenor a sua orgânica35 –, eembora nada seja dito a esse respeito, é provável que Estêvão Vasques fizesse parte dessaguarda36. De outra forma não encontramos qualquer motivo plausível que justifique a suainclusão na força enviada para Ciudad Rodrigo e capitaneada por Gomes Lourenço do Avelar.

Assim, a confirmar-se a sua presença na Guarda do Rei, ficaria identificado mais um motivo,por um lado, para a sua importância no seio da sociedade da capital e, por outro, para a suaaproximação às esferas da corte e ao próprio rei. Caso a sua integração na guarda remontasseao reinado anterior – o que, à falta de elementos que o desmintam, é igualmente possível –,podem, assim, estar encontrados os serviços prestados a D. Pedro I e aludidos nos acimamencionados documentos joaninos.

Quer tenha, ou não, feito parte da Guarda do Rei, terá sido a sua participação – que supomosdestacada – na defesa de Ciudad Rodrigo37 a valer-lhe o reconhecimento por parte de D.Fernando. O monarca, em 20 de Janeiro de 1372, agraciou-o com a doação de um quarto daQuinta de Vale de Freiras, herdades, possessões, pertenças e direitos dela, propriedades essasque já tinha – embora não se saiba desde quando – em regime de préstamo. Nessa alturaencontrava-se já casado com Beatriz Eanes, pois a carta régia de doação é dirigida a ambos.

...”nos querendo fazer graça e mercee a Stevam Vaasquez nosso vasallo e a Briatiz Anes sua molher filha deJoham Stevez por serviço que nos fizerom fazemos-lhe doaçam pura antre vivos do quarto e dereito que nosavemos na Quinta de Vale de Freiras e nas herdades e posisõoes e perteenças e direitos della”...38

17

34 Fernão Lopes, CDF, cap. XXXIX a XLI, pp. 127-135. Sobre as funções dos fronteiros e dos fronteiros-mores, cf. JoãoGouveia Monteiro, A Guerra em Portugal nos Finais da Idade Média, Lisboa, Notícias, 1998 p. 139.35 João Gouveia Monteiro, op. cit., pp. 28-31.36 São conhecidos, em Lisboa, alguns membros dessa guarda. Estão nessa situação: Afonso Sarrado (AML-AH, ChancelariaRégia, Livro II de D. Dinis, D. Afonso IV e D. Pedro I, doc. 30, de post. 18/Janeiro/1356), Pedro Afonso (AML-AH, Colecçãopor organizar, Livro I de Sentenças, doc 9, de 2/ Dezembro/ 1357) e João Eanes (AML-AH, Colecção por organizar, Livro Ide Sentenças, doc. 13, de 28/Novembro/1365).37 Contrariamente ao que faz com outros acontecimentos militares Fernão Lopes não narra detalhadamente o cerco de CiudadRodrigo e, como tal, não refere quaisquer episódios particulares pelo que nos limitamos a possuir uma imagem muito vaga dessecerco, não sendo possível, por isso visualizar qual o papel de Estêvão Vasques Filipe.38 IAN / TT, Chancelaria de D. Fernando, Livro 1, fl. 90v-91, de 20/Janeiro/1372. Em Outubro de 1386, D. João I confirmaessa doação (IAN / TT Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 183v-184, de 8/Outubro/1386). Registe-se que tanto a doaçãocomo a confirmação foram feitas a Estêvão Vasques Filipe e a sua mulher, Beatriz Eanes.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 17

Esta quinta situava-se no reguengo de Sacavém, propriedade que D. João I veio a doar a NunoÁlvares Pereira, o que fez com que entre este e Estêvão Vasques se desenrolasse um conflitoprovocado pelo facto de o condestável lhe exigir o pagamento dos direitos referentes a essaquinta. Transitando o pleito para a decisão régia, D. João I acabou por dar razão a EstêvãoVasques Filipe isentando-o de qualquer pagamento39.

Sendo Estêvão Vasques Filipe um indivíduo cujo destaque advinha em boa parte das suascapacidades militares é muito natural que estivesse, também, envolvido em algum dos episó-dios bélicos da Segunda Guerra Fernandina. Integrado, ou não, na Guarda do Rei é provávelque tenha sido um dos muitos cavaleiros que se juntou a D. Fernando em Santarém, em finaisde 1372 / inícios de 1373 para deter o avanço da hoste de D. Enrique II40.

Em alternativa, é igualmente possível que tenha acompanhado os contingentes de Lisboaconvocados por D. Fernando para engrossar a hoste régia, mas que, a meio caminho entre acapital e Santarém, foram enviados de volta para preparar a defesa da cidade face ao cercocastelhano41. Se assim foi, é natural que tenha feito parte das fileiras dos sitiados, em Fevereirode 1373. Por outro lado, não devemos esquecer que, a fazer parte da Guarda do Rei, poderiaencontrar-se com D. Fernando durante as semanas em que Lisboa esteve sitiada e em que omonarca permaneceu em Santarém. Porém, nada nos garante que qualquer uma destashipóteses tivesse efectivamente ocorrido, pois, mais uma vez, os dados disponíveis são omis-sos a esse respeito.

Onze anos depois do cerco de Ciudad Rodrigo – relembre-se que durante este período o seupercurso é apenas conjecturado –, em plena Terceira Guerra Fernandina, encontramo-lo naqualidade de patrão de uma das galés que partiram do Restelo em direcção a Saltes, ondedefrontaram, na principal operação naval da Terceira Guerra Fernandina, a armadacastelhana, em Julho de 1381. Esta posição de comando parece-nos indicadora de umareconhecida capacidade de liderança, pois ao patrão “competia ordenar os seus homens parao combate, quer este ocorresse no mar ou em terra”42. É provável que a nomeação para ocomando de uma galé tenha partido do almirante João Afonso Telo, líder da frota enviadapara Saltes, de quem era vassalo e com quem parece ter mantido uma relação bastantepróxima e à qual nos referiremos mais à frente neste estudo.

18

39 IAN / TT, Chancelaria D. João I, Livro 1, fl. 183v, de 8/Outubro/1386. Assinale-se que os conflitos com o condestável emtorno da jurisdição do reguengo de Sacavém foram inúmeros, envolveram também o concelho de Lisboa e arrastaram-se durantevários anos (AML-AH, Chancelaria Régia, Livro I de D. João I, doc. 40, de 13/Abril/1391).40 ..”el-rrei dom Fernamdo mandara a todos seus fidallgos, e vassallos, que estevessem prestes, que tanto que vissem seu rrecado se vehessem per´eelle”...(Fernão Lopes, CDF, cap. LXXII, p. 253).41 Miguel Gomes Martins, Lisboa e a Guerra (1367-1411), op. cit., p. 50-51.42 José de Vasconcelos e Menezes, Os Marinheiros e o Almirantado: Elementos para a História da Marinha (Século XII - Século XVI),Lisboa, Academia de Marinha, 1989, p. 113.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 18

A derrota dos navios portugueses, em boa parte motivada pela inépcia do almirante43, trouxea captura de inúmeros homens, entre os quais o próprio Estêvão Vasques aprisionado peloscastelhanos, vencedores da batalha44. Desconhecemos se em sequência foi feita alguma pro-posta de resgate ao rei ou aos seus familiares45 e se, em caso afirmativo, qual o motivo porquenão teve lugar a sua remissão. Facto é que Estêvão Vasques não regressou de imediato aPortugal, tendo permanecido aprisionado em Castela, provavelmente em Sevilha, local paraonde rumou a frota vencedora46.

O infante D. João (filho de D. Pedro I e de D. Inês de Castro), que na altura se encontravaexilado em Castela na sequência de desentendimentos com a rainha D. Leonor Teles47, tenta,então, utilizar a influência de Estêvão Vasques Filipe e a dos outros patrões aprisionados –muitos deles, também, figuras destacadas de Lisboa como Gonçalo Vasques de Melo48,Afonso Eanes Nogueira (das Leis)49 e Gil Esteves Fariseu50 – para obter a rendição da capital.Por isso, ainda durante o ano de 1381, todos eles foram forçados a acompanhar o infante nasua viagem até Lisboa. Não sabemos qual a posição de Estêvão Vasques face ao que lhe eraordenado, embora seja legítimo acreditar que teria sido obrigado – eventualmente pela forçadas armas – a acompanhar o infante, pois não estaria nos seus planos uma clara traição ao reique antes e por diversas ocasiões tinha denodadamente servido pelas armas. No entanto, aoperação naval planeada pelo infante D. João não teve qualquer sucesso, acabando a frotacastelhana por ser rechaçada pelo fogo de trons e por tiros de besta logo que se aproximouda cidade.

19

43 Saturnino Monteiro, Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa, Vol. I (1139-1521), Lisboa, Sá da Costa, p. 33.44 Fernão Lopes, CDF, cap. CXXVII, pp. 449-450. As crónicas não fazem referência a qualquer episódio digno de destaque porparte de Estêvão Vasques Filipe ou da galé por ele comandada e da qual não sabemos o nome.45 É, no mínimo, estranho que Estêvão Vasques, pelo seu prestígio, não tenha sido de imediato objecto de um pedido de resgatepor parte dos castelhanos, o que era comum acontecer com os prisioneiros mais destacados ou detentores de uma maior riqueza.46 Fernão Lopes, CDF, cap. CXXV, p. 445.47 Cf. Salvador Dias Arnaut, A Crise Nacional dos Fins do Século XIV, Primeira Parte, Biblos, Vol. XXXV, Coimbra, Faculdade deLetras da Universidade de Coimbra, 1960, p. 129 e ss.48 Voltamos a encontrá-lo na frota enviada para o Porto aquando do cerco de Lisboa de 1384 (Fernão Lopes, Chronica del ReiDom João I da Boa Memória. Parte Primeira (Reprodução facsimilada da Edição do Arquivo Histórico Português (1915) preparadapor Anselmo Braamcamp Freire, com prefácio de Luís Filipe Lindley Cintra), Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1972.,cap. CXXIV, p. 213). Daqui em diante referir-nos-emos a esta obra como: CDJ (I).49 Sobre Afonso Eanes Nogueira e a sua ascendência, atente-se nas palavras de Rita Costa Gomes: “Assim, Mestre João “das Leis”,importante personagem do Desembargo de D. Afonso IV e seu conselheiro (que talvez tenha sido, na sua juventude, um homem de igreja), é o maisrecuado ascendente dos Nogueiras que localizámos na sociedade palatina. Ainda o encontramos no início do reinado fernandino gozando de certo prestí-gio junto dos monarcas mas será, indubitavelmente, na geração seguinte, que a família parece afirmar na corte a sua condição nobre. Entre os seusdescendentes, contam-se duas filhas Branca, que casará com o Doutor Gil do Sem, e Constança, donzela em casa da rainha-mãe D. Beatriz em 1358.Afonso Anes Nogueira (ou “das Leis”), por sua vez, que fora “criado” por D. Fernando integrará, como tantos outros, o corpo de vassalos de D. JoãoAfonso Telo IV, conde de Barcelos, detendo a alcaidaria de Lisboa” (Rita Costa Gomes, A Corte dos Reis de Portugal no Final da Idade Média,Linda-a-Velha, 1995, p. 135). Acrescente-se que Afonso Eanes Nogueira foi nomeado alcaide-mor de Lisboa em 1400 (IAN /TT, Chancelaria de D. João I, Livro 5, fl. 89v, de 15/Outubro/1400) e teve, durante os primeiros momentos da Revolução de1383-1385, uma postura titubeante, à semelhança de Estêvão Vasques Filipe e de Afonso Furtado (Fernão Lopes, CDJ (I), cap.XLI, p. 70).50 Fernão Lopes, CDF, cap. CXXVII, p. 450. Trata-se, naturalmente, de Gonçalo Esteves Fariseu, registado como alvazil do crimede Lisboa, em parceria com Afonso Martins Alvernaz, em 1352 (IAN / TT, Livro II de Direitos Reais, fl. 272v, de9/Novembro/1352).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 19

Estêvão Vasques, bem como os restantes prisioneiros – excepção feita a Afonso EanesNogueira, que conseguiu subornar um dos guarda e fugir quando a frota se encontrava anco-rada junto de Almada51 –, foi de novo levado para Castela onde permaneceu ainda durantealgum tempo52. Como só voltamos a ter notícias suas em finais do ano de 1383, é possível quetenha sido um dos prisioneiros de guerra libertados em consequência do Tratado deSalvaterra, assinado entre D. Fernando e D. Juan I de Castela em inícios daquele ano.

Independentemente da altura em que se deu o seu regresso a Lisboa, 1383 marca o regressode Estêvão Vasques à actividade pública. Nesse ano o concelho escolhe-o como meirinho nacidade53 para, em conjunto com Afonso Furtado54, coordenar o policiamento da cidade emestreita articulação com o alcaide-pequeno e com os homens da alcaidaria55. Com estanomeação, confirmada pelo rei em Setembro desse mesmo ano, os órgãos municipaisreconheciam, por um lado, o prestígio e, por outro, a autoridade e competência de EstêvãoVasques Filipe colocando-o num plano que, grosso modo, podemos considerar intermédio entreo alcaide-mor da cidade e o alcaide-pequeno. O concelho pretendia, assim, colmatar a claraincompetência do alcaide-mor Martim Afonso Valente, no que toca à manutenção na segu-rança da cidade. Além disso, o facto de a escolha concelhia ter tido a confirmação régiareforçava ainda mais o poder, já de si vasto, que lhe estava atribuído:

...”era bem de poermos por meirinhos pera prender e apoderar os que mal fezessem e quisessem fazer a StevamVaasquez e Affomso Furtado scudeiros nossos vassalos e vossos vezinhos e que lhis mandassemos que dedia e de noite andassem com seus homeens per a dicta çidade e com elles o nosso alcaide pequeno e os nossoshomeens e se partissem per as partes da çidade e andassem per ella e oolhassem que se alghuum quisesse fazeralghuum alevantamento ou peleja ou outro alghuum malafiçyo que fosse logo per eles ou cada huum delespreso”...56

20

51 Fernão Lopes, CDF, cap. CXXVII, p. 450.52 Fernão Lopes, CDF, cap. CXXVII, p. 450.53 Os documentos de que dispomos não são claros a esse respeito, não sendo feita qualquer menção explícita ao facto de se tratarde Estêvão Filipe, mas apenas ao escudeiro Estêvão Vasques, vassalo do rei. Contudo, por se tratar de um vassalo do rei, por sernomeado em conjunto com Afonso Furtado – um indivíduo com um percurso muito semelhante ao seu –, por ressurgir, apósa assinatura das pazes com Castela, por ser escolhido pelo concelho, do mesmo modo que veio a ser para comandar a milícia deLisboa na campanha de 1386, por aquele lugar ter que ser entregue a uma figura com um prestígio e valor já confirmados ereconhecidos tanto pela coroa como pela administração municipal da cidade, não temos qualquer dúvida que se trata de EstêvãoVasques Filipe (AML-AH, Chancelaria Régia, Livro II de D. Fernando, doc. 25, de 12/Setembro/1383). Assinale-se que EstêvãoVasques Filipe nem sempre era chamado pelo seu apelido (como se confirma em IAN / TT, Chancelaria de D. Fernando, Livro1, fl. 90v-91, de 20/Janeiro/1372), o que reforça ainda mais a nossa convicção.54 Veja-se, mais à frente neste estudo alguns dados biográficos sobre esta personagem e a sua relação com Estêvão Vasques Filipe.55 O policiamento era, precisamente, a principal atribuição dos alcaides-menores (ou pequenos). A nomeação destes doismeirinhos e as tarefas de que estavam encarregues vem, assim, revelar a incapacidade por parte das estruturas da alcaidaria deLisboa – sobretudo do alcaide-mor enquanto principal responsável – para debelar a criminalidade na cidade que, tudo o pareceindicar, aumentava exponencialmente.56 AML-AH, Chancelaria Régia, Livro II de D. Fernando, doc. 25, de 12/Setembro/1383.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 20

No âmbito destas funções estava ainda incumbido de receber, através de uma rede de infor-madores espalhados pelas freguesias da cidade, semanalmente e em segredo, relatóriosdetalhados sobre os moradores suspeitos de cada uma dessas circunscrições de modo a pre-venir o surgimento de focos de criminalidade e de instabilidade social. Porém, face aostumultos que ocorreram em Lisboa após a morte de D. Fernando – falecido em Outubro de1383 – e ao período revolucionário que lhe sobreveio, cremos que muito poucas vezes teráexercido o cargo. Além disso, o envolvimento de Estêvão Vasques nesses acontecimentos –embora, inicialmente sem grande protagonismo – tê-lo-á impedido, tal como terá acontecidocom Afonso Furtado, de cumprir as funções de que fora incumbido.

Terá sido a lealdade para com D. Fernando – de quem era vassalo – e, por consequência paracom D. Leonor Teles e para com o seu irmão, João Afonso Telo – de quem também era vas-salo – que o colocou numa posição titubeante face aos acontecimentos revolucionários definais de 1383, de tal modo que a sua postura, num primeiro momento não foi, de modoalgum, clara. Parece-nos mesmo que talvez tivesse uma maior inclinação para o “partido” deLeonor Teles. Todavia, após a rendição do castelo de Lisboa – eventualmente desiludido como posicionamento político-militar quer da viúva de D. Fernando quer de João Afonso Telo57,cada vez mais próximos do rei de Castela –, rapidamente se decidiu por dar o seu apoio aoMestre de Avis.

Foi uma atitude semelhante à tomada por outras figuras de destaque da cidade e que possuíamlaços de vassalagem com o irmão da rainha como são os casos de Antão Vasques de Almada58,de Afonso Eanes Nogueira e de Afonso Furtado, entre outros59 e que acabou por marcar oseu percurso nos anos seguintes.

Opercurso militar de Estêvão Vasques Filipe (1383-1385): O regresso de EstêvãoVasques Filipe à actividade militar ocorre, justamente, em plena crise de 1383-1385, nos

momentos que sobrevieram à rendição do castelo de Lisboa, em Dezembro de 1383. Nessaaltura, tinha já decidido apoiar o partido de D. João60.

21

57Apesar de ser Martim Afonso Valente quem detinha o lugar de alcaide-mor de Lisboa (IAN / TT, Chancelaria de D. Fernando,Livro 2, fl. 2, de 21/Março/1377), era João Afonso Telo quem, na qualidade de donatário das rendas da alcaidaria (IAN / TT,Chancelaria de D. Fernando, Livro 2, fl. 41v, de 20/Março/1379) e para todos os efeitos comandava a alcaidaria lisboeta e quem,ao fim e ao cabo, acabou por entregar o castelo às mãos dos revoltosos. Além disso, a aliança que se tornava cada vez mais públi-ca entre D. Leonor Teles e D. Juan I de Castela pode também ter levado Estêvão Vasques a mudar de posicionamento político-militar.58 Sobre Antão Vasques, cf. Miguel Gomes Martins, Lisboa e a Guerra nos Finais da idade Média (1367-1411), op. cit., pp. 158-170.59 Fernão Lopes, CDJ (I), cap. XLI, p. 69-70. Assinale-se que todos estes se converterão em apoiantes indefectíveis do Mestrede Avis.60 Fernão Lopes, CDJ (I), cap. XLI, p. 70.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 21

É bem provável que, pelos motivos atrás aduzidos, o Mestre de Avis tivesse algumas dúvidasacerca da sua fidelidade. As indecisões iniciais e, sobretudo, o facto de ser um vassalo bastantepróximo de João Afonso Telo61 para isso terão contribuído. No entanto, pelo seu prestígio,poder e capacidades militares era uma figura que interessava aos revoltosos conservar do seulado. Talvez por isso o Mestre o tenha agraciado com a doação da terra e julgado de Paiva,em Riba Douro, como claro incentivo para os serviços que dele esperava vir a receber e comoforma de o manter do seu lado:

...”nos veendo e consirando muitos serviços que Stevam Vaasquez Filipe morador em a dicta cidade de Lixboafez a el rey dom Pedro nosso padre e a el rey dom Fernando nosso irmãao a que Deus perdoe e a nos e aodiante speramos que faça porem querendo-lhe fazer graça e mercee fazemos-lhe doaçom antre vivos pera todosempre da terra e julgado de Paiva que he em Riba de Doiro”...62

Apesar de não conhecermos as características da propriedade, a concessão acima referidaafigura-se-nos como sendo extremamente valiosa, na medida em que anteriormente, haviasido doada ao infante D. João – filho de D. Pedro e de Inês de Castro – e, posteriormente, aJoão Gonçalves de Teixeira63. Registe-se a curiosidade – não acreditamos que seja algo maisdo que isso – de, tanto João Gonçalves de Teixeira como Estêvão Vasques Filipe, possuíremem comum o facto de terem sido detentores do cargo de anadel-mor dos besteiros do contodo reino64, o primeiro durante o reinado de D. Fernando e o segundo durante o de D. João I.

Independentemente da influência que essa doação possa ter tido no seu posicionamentopolítico-militar, a partir daí encontramo-lo sempre e sem qualquer tipo de hesitação visível dolado do Mestre e – após as cortes de Coimbra de 1385 – do rei D. João I.

Porém, Estêvão Vasques não iria permanecer em Lisboa durante muito tempo, vindo a serdestacado para a cidade do Porto integrado na frota que tinha como missão angariar reforçospara a defesa de Lisboa face ao cerco castelhano que se avizinhava. Dois motivos de ordemcompletamente diversa podem estar na origem do seu envio para o Porto: de um lado adesconfiança que o Mestre podia ainda ter acerca da sua fidelidade e, do outro, a suaexperiência naval. Relembre-se que Estêvão Vasques foi um dos participantes na batalha deSaltes ao comando de uma das galés que compunham a armada portuguesa, facto que impor-tava capitalizar.

22

61 Encontramo-lo, por exemplo, com Afonso Furtado e Antão Vasques a acompanhar João Afonso Telo nos momentos que seseguiram ao assassinato do conde João Fernandes Andeiro (Fernão Lopes, CDJ (I), cap. XI, p. 23).62 IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 17v-18, de 4/Março/1384.63 IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 17v-18, de 4/Março/1384.64 Fernão Lopes, CDJ (I), cap. LXXXVI, cap. p. 144. Assinale-se que foi João Gonçalves de Teixeira, acompanhado por GonçaloVasques de Azevedo, quem recebeu D. Juan I de Castela, no dia 12 de Janeiro de 1384, num local situado a duas léguas deSantarém (Valentino Viegas, Cronologia da Revolução de 1383-1385, Lisboa, Estampa, 1984, p. 100). O Mestre de Avis, sentia-se, porisso, livre para doar, a seu bel-prazer, as suas propriedades, tal como as de todos os que não se encontravam do seu lado.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 22

Fosse como fosse, parece lícito aceitar que, independentemente da mais-valia que constituíaa experiência naval de Estêvão Vasques Filipe, D. João, cautelosamente, terá preferido vê-lo auma distância segura da cidade de Lisboa, onde a presença de indivíduos potencialmenteperigosos pela eventual ligação a membros do “partido” de D. Leonor Teles podia ser fatalpara os sitiantes65. Somos levados a acreditar que assim terá sido pelo facto de nessa frotatambém seguirem também figuras como Afonso Furtado e Antão Vaz, igualmente vassalosde João Afonso Telo e cujo posicionamento face aos acontecimentos revolucionários haviasido, inicialmente, de alguma hesitação66. Contudo, pouco tempo depois, todos eles tiveramoportunidade de demonstrar, de forma clara, de que lado da barricada se encontravam.

Integrado naquela frota Estêvão Vasques Filipe participou, segundo o relato de Fernão Lopes,no ataque às tropas que cercavam a cidade do Porto67:

“Os das galles isso meesmo como chegarom [ao Porto] e lhe disserom como os da çidade sahirom pera pelle-jar com aquellas gemtes, sem outra tardamça nem mais trespasso, poserom logo as prãchas fora e saltaromtodos em terra com a bamdeira do Meestre temdida amte elles, convem a saber: Gomçallo Rodriguez de Sousa,[Rui Pereira,] e Affomsso Furtado, e Estevam Vaasquez Philipe, e Gomçallo Vaasquez filho de VaascoMartiinz de Melloo, e seu irmaão, e Amtom Vaasquez, e Ayras Vaasquez dAllvallade, e outros fidalgos”...68

No âmbito da sua presença nessa frota, integrou ainda as operações navais lançadas contra acosta galega, na qualidade de patrão da galé Santa Clara69. Os ataques portugueses foram lança-dos contra Bayona, Mugia, la Coruña, Ferrol, Neda e Betanzos70. Apesar de não temos certezade Estêvão Vasques Filipe ter participado em todos eles, parece-nos natural que tal tenhaacontecido.

Regressado a Lisboa, integrado na frota de reforço para a cidade de Lisboa, que na altura seencontrava já cercada pelas tropas de D. Juan I de Castela, teve outra importante prova defogo, no dia 18 de Julho de 1384, na batalha do Tejo. As fontes narrativas nada adiantamquanto ao seu papel ou da galé por ele comandada nesse combate (eventualmente continuar-ia ao comando da Santa Clara)71, contudo, é inquestionável a sua participação na peleja.

23

65 Veja-se o que sucedeu com D. Pedro de Castro que, durante o cerco de Lisboa de 1384, havia combinado (a troco de umagrande quantidade de prata e de ouro) facilitar a entrada dos castelhanos através da quadrilha de muralha que tinha à sua guar-da (Fernão Lopes, CDJ (I), pp. 239-242).66 Registe-se que, qualquer uma destas figuras virá a ocupar cargos de destaque durante o reinado de D. João I. A Afonso Furtadoserão entregues os lugares de anadel-mor dos besteiros do conto e de capitão-mor da frota, enquanto que Antão Vaz receberáas alcaidarias de Lisboa e de Torres Vedras.67 Fernão Lopes, CDJ (I), cap. CXX, p. 205.68 Fernão Lopes, CDJ (I), cap. CXX, p. 205.69 Fernão Lopes, CDJ (I), cap. CXXIV, p. 213. Relembre-se que, já em 1381, aquando da batalha de Saltes, Estêvão Vasques tinhaassumido as funções de patrão de um navio, embora não saibamos de qual.70 Fernão Lopes, CDJ (I), cap. CXXIV, p. 214.71 Sobre a batalha naval de 18 de Julho de 1384, cf. Saturnino Monteiro, op. cit., pp. 37-41.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 23

Tendo sido um dos que conseguiu furar o bloqueio naval castelhano, integrou-se, então, nadefesa da cidade. Porém, mais uma vez, nada se sabe acerca da colaboração prestada aos siti-ados, embora seja de supor que, dadas as suas capacidades guerreiras, se tenha destacado dosdemais. Somos levados a acreditar que assim foi pelo facto de D. João lhe ter doado, com aconcordância dos membros do seu conselho, em Setembro de 1384 – isto é, imediatamenteapós o levantamento do cerco pelas tropas de Juan I –, todas as rendas da vila de Lagos e dosrespectivos tabelionados, rendas essas que tinham anteriormente pertencido ao almiranteLançarote Pessanha72:

...”o dicto Stevam Vaasquez Filipe como boo leal e verdadeiro natural destes regnos fez e faz muitos serviçosem esta guerra que avemos com el rey de Castella e por as quaaes cousas nos querendo fazer graça e merceeao sobredicto Stevam Vaasquez Filipe em remuneraçam dos dictos serviços avendo nosso conselho com boa lib-eraçam com os nobres e honrrados do nosso conselho damos-lhe e fazemos-lhe pura doaçam antre vivos peratodo sempre sem nenhua contradiçam pera elle e pera todos aquelles que delle descenderem per linha direta detodollos diretos e rendas que nos avemos e de direto devemos d´aver e as pensõoes dos tabaliados da nossa villade Lagos com todos seus termos foros e trabutos e peaaes e pesoaaes que de sempre foram pertencentes aa dictavilla”... 73

Os motivos alegados por D. João para essa concessão apontam, claramente para um papel derelevo nas operações militares em que esteve envolvido entre o fim de 1383 e Setembro de1384. O Mestre parece, nesta altura, ter já perdido todas as dúvidas que alguma vez possa tertido relativamente à sua fidelidade. O seu percurso e atitudes recentes eram claros quanto àsua opção político-militar.

Desconhecemos o seu itinerário imediatamente após a partida da hoste de D. Juan I(Setembro de 1384), porém, é possível que tenha participado no cerco imposto – emborainfrutífero – a Torres Vedras (finais de 1384-inícios de 1385) e onde participaram os contin-gentes concelhios lisboetas74. O cerco a essa vila tinha sido iniciado em Outubro de 1384 sobo comando de João Fernandes Pacheco. Todavia, D. João só chegou ao arraial em 19 deDezembro de 1384, aí permanecendo até 13 de Fevereiro de 138575. As dificuldades verifi-cadas pelos sitiantes, em boa parte por falta de tropas, muito concretamente de lanças danobreza76, levaram a que o Mestre apelasse, sem que com isso viesse a alterar a sua posição de

24

72 Chancelarias Portuguesas: D. Pedro I, (Edição preparada por A. H. de Oliveira Marques), Lisboa, I.N.I.C., 1984, doc. 6A, p. 5, de1357 ?.73 IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 60-60v, de 10/Setembro/1384.74 Sobre a participação das milícias concelhias no cerco de Torres Vedras de 1384-1385, cf. Miguel Gomes Martins, Lisboa e aGuerra (1367-1411), op. cit., p. 52.75 Humberto Baquero Moreno, Os Itinerários del rei Dom João I, Lisboa, I.C.A.L.P., 1988, p. 229.76 ..."pero estavedes sobre Torres [Vedras] e vos eram mester gentes na terras hu vivemos vimos ficar muytos fidalgos que dizem que teem vossa teençaem suas casas e castellos villas e pollas terras chaãs tomar e estragar o alheo e nom recodiam a vos taaes senhor"... (AML-AH, Chancelaria Régia,Livro dos Pregos, doc. 130, de 10/Abril/1385).

~

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 24

inferioridade, para o auxílio armado do concelho de Lisboa77. Em Fevereiro de 1385, face àresistência demonstrada pelos sitiados, comandados por João Duque, e à proximidade da datamarcada para a reunião das cortes, D. João acabou por levantar o cerco78 e partir em direcçãoa Coimbra, para onde estava convocada a assembleia que o iria acabar por escolher como reide Portugal.

A crescente proximidade do Mestre de Avis fez com que Estêvão Vasques Filipe estivessepresente nas cortes de Coimbra de 1385, embora não lhe seja conhecido qualquer papel dedestaque na assembleia. Porém, foi no contexto dessas cortes que foi nomeado anadel-mordos besteiros do conto do reino, um dos cargos mais importantes da hierarquia militar79.

De um modo geral podemos definir o anadel-mor como o comandante de todos os besteirosdo conto. Além de um número variável de oficiais com funções administrativas, tinha sob asua alçada cerca de 300 anadéis, cada um destes responsável por um número igualmentevariável de besteiros provenientes de uma determinada circunscrição (anadelaria)80. Emnúmeros gerais – e absolutamente teóricos, pois nem todas as circunscrições apresentariam onúmero de besteiros a que se encontravam obrigadas –, o anadel-mor exercia o comandosobre cerca de 5 000 besteiros81.

Por não subsistir mais que um reduzido número de diplomas referentes à acção de EstêvãoVasques Filipe enquanto anadel-mor, não é possível descortinar qualquer dado que nos per-mita elaborar uma imagem da sua actuação enquanto comandante da milícia dos besteiros doconto. É conhecida, por exemplo, uma carta régia, enviada ao coudel dos aquantiados deLisboa e referente aos besteiros do conto desta cidade. A missiva instruía, entre outros assun-tos e destinatários, o anadel mor Estêvão Vasques Filipe para que autorizasse os besteiros doconto que preferiam apresentar-se como aquantiados em cavalo – desde que fossem deten-tores de quantia suficiente –, a abandonar o conto e a ingressar na categoria desejada.Contudo, o anadel-mor teria que zelar no sentido de serem substituídos no conto, condiçãosem a qual a autorização régia perdia todo o efeito82.

25

77 ..."nos mandamos viir outra vez o dicto conçelho [de Lisboa] a Torres Vedras quando nos hi estavamos"... (AML-AH, Chancelaria Régia,Livro dos Pregos, doc. 144, de 23/Julho/1386).78 Sobre o cerco de Torres Vedras, cf. Ana Maria S. A. Rodrigues, "O cerco de Torres Vedras em 1384-1385: Uma releitura deFernão Lopes", in Actas do III Colóquio e Dia da História Militar, Lisboa, Comissão Portuguesa de História Militar, 1992, pp. 341-348.79 Fernão Lopes, CDJ (I), cap. I, p. 4. O facto de Afonso Furtado poder ter sido nomeado capitão-mor da frota antes dessascortes (Fernão Lopes, CDJ (I), cap. CLXXXII, p. 344) pode sugerir, também, que a nomeação de Estêvão Vasques possa ter tidolugar antes dessa assembleia, embora em data muito próxima.80 João Gouveia Monteiro, op. cit., p. 70.81 João Gouveia Monteiro, op. cit., p. 61.82 AML-AH, Chancelaria Régia, Livro dos Pregos, doc. 169, de 26/Fevereiro/1391.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 25

Apesar de nada apontar directamente nesse sentido, é muito provável que no âmbito das suasfunções de anadel-mor dos besteiros do conto tenha efectuado inúmeros périplos por todo oreino, de forma a coordenar, a nível local, a organização da milícia83. Veja-se, como exemplodessa constante itinerância, a acta da vereação portuense de 24 de Maio de 1391, que assinalaa presença de Estêvão Vasques Filipe. Este apresentava-se portador de uma carta de D. JoãoI que o mandatava para proceder ao apuramento dos besteiros do conto e dos homens dasvintenas do mar daquela cidade84.

Terá sido na qualidade de anadel-mor do reino que se encontrou no campo de batalha de S.Jorge, (Aljubarrota) em 14 de Agosto de 1385, embora não seja sabido qual o seu papel naestrutura de comando da hoste portuguesa e se, porventura, teria alguma ligação com aliderança dos corpos de besteiros presentes no terreno. Porém, sendo uma figura destacadado panorama social, político e militar, é muito natural que se tivesse apresentado ao coman-do de um mesnada própria arregimentada propositadamente para o efeito.

Porém, Aljubarrota teve para Estêvão Vasques e muitos outros dos que nela estiveram pre-sentes um outro significado. Antes da batalha o rei português decidiu armar cavaleiros umnúmero significativo de escudeiros dos que desde cedo haviam abraçado a sua causa e tinhamdefendido a independência do reino pela força das armas. Entre os agraciados com essa “pro-moção” encontravam-se João Vasques de Almada, Antão Vasques, Pedro Eanes Lobato,Estêvão Vasques de Góis, Rui Vasques de Castelo Branco e Estêvão Vasques Filipe85. Aovalor guerreiro, prestígio social e riqueza financeira vinha juntar-se a entrada no grupo restri-to da cavalaria.

Apesar de a batalha se tratar de um sucesso inequívoco para as hostes portuguesas, EstêvãoVasques Filipe desaparece completamente do relato de Fernão Lopes, o que não é, forçosa-mente, significativo de um papel de somenos importância. Contudo, para ele, esse confrontoencerrava mais um ciclo da sua vida e abria um novo em que, de uma forma cada vez maisvincada, o poder político e económico de que era detentor se aliavam ao prestígio social parafazer dele uma das mais importantes figuras do reinado joanino. Este novo ciclo seria marca-do pela presença em importantes papéis da hierarquia militar e pela afirmação – ao lado de

26

83 Veja-se as instruções dadas, tanto por D. João I como pelo infante D. Duarte a Vasco Fernandes de Távora, que desem-penhava o cargo no lugar de Afonso Furtado, e a João de Basto ou a Armand Boutin, escrivães da anadelaria-mor do reino, clarasquanto à necessidade dessa constante itinerância (Ordenações Afonsinas, Livro I, Título LXVIIII (Nota de apresentação de MárioJúlio de Almeida Costa e nota textológica de Eduardo Borges Nunes), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, pp. 422-473). Quem sabe mesmo se não terá sido a frequência com que ocorriam essas deslocações para fora de Lisboa que levou AfonsoFurtado, sucessor de Estêvão Vasques Filipe na anadelaria-mor, a delegar em Vasco Fernandes de Távora as competências quelhe cabiam por inerência do cargo.84 Documentos e Memórias para a História do Porto: Vereaçoens II. Anos de 1390-1395, Porto, Publicações da Câmara Municipal doPorto, s.d., pp. 74-75.85 Sobre as figuras que D. João I armou cavaleiros antes de Aljubarrota, cf. Fernão Lopes, Cronica del Rei Dom Joham I. ParteSegunda, (copiada por William James Entwistle), Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1968., cap. XXXIX, pp. 88-89.Daqui em diante referi-la-emos apenas como CDJ (II).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 26

figuras como Antão Vasques, João Vasques de Almada, Afonso Eanes Nogueira ou AfonsoFurtado, entre outros – como um dos paradigmas da nova nobreza saída da Revolução de1383-1385.

Oapogeu de uma carreira (1385-1394): Parece claro que o papel desempenhado porEstêvão Vasques Filipe durante o período de 1383-1385 foi decisivo na aproximação à

corte joanina. Contudo, os meios cortesãos não lhe eram estranhos, em parte graças ao rela-cionamento com um dos mais importantes magnates de finais do século XIV: o almirante eirmão da rainha D. Leonor Teles, João Afonso Telo.

Fernão Lopes refere que Estêvão Vasques Filipe foi feito vassalo de João Afonso Telo86

aquando da nomeação deste como alcaide-mor da cidade87, isto é, em data muito próxima dodia 22 Outubro de 137288. Nessa altura, a rainha fez vassalos do seu irmão algumas das maisimportantes figuras do panorama social lisboeta: Antão Vaz, Afonso Eanes Nogueira, AfonsoFurtado, Martim Afonso Valente e Pedro Eanes Lobato. O cronista, quando se refere à alturaem que tem início essa ligação vassálica, identifica Estêvão Vasques como sendo um dos“grandes e bõos” da cidade89, pelo que já era reconhecido como uma figura bastante prestigiada,imaginamos que, graças ao seu valor guerreiro comprovado no cerco de Ciudad Rodrigo, aopoder económico de que seria detentor e ao facto, bastante plausível embora não comprova-do, de ser membro da Guarda do Rei.

A participação neste corpo militar de elite pode também ter sido um vector decisivo para aaproximação de Estêvão Vasques à nobreza, através de Gomes Lourenço do Avelar, guarda--mor do Rei, e, eventualmente, do seu antecessor, João Lourenço Buval, registado no cargodesde 1357 e até pouco antes de 137090. Mas, acima de tudo, Estêvão Vasques Filipe era umvassalo régio próximo da corte desde o reinado de D. Pedro I.

Se bem que outros factores possam ter contribuído para que tal tenha acontecido, terá sido,acima de tudo, o seu valor guerreiro, demonstrado na participação em importantes cam-

27

86 Oliveira Marques chama a atenção para o facto de esse estatuto de vassalo, concedido a cavaleiros não nobres, ser um impor-tante factor de aproximação à nobreza (A. H. de Oliveira Marques, Nova História de Portugal. Vol. IV - Portugal na Crise dos SéculosXIV e XV, Lisboa, Presença, 1987, p. 265).87 Fernão Lopes, CDF, cap. LXV, p. 172.88 Foi nesta data que D. Fernando entregou a alcaidaria-mor de Lisboa a João Afonso Telo (IAN / TT, Chancelaria de D.Fernando, Livro 1, fl. 114, de 22/Outubro/1372).89 Fernão Lopes, CDF, cap. LXV, p. 228. Tal como no caso de Antão Vasques, Estêvão Vasques Filipe, no momento em que éfeito vassalo de João Afonso Telo, é identificado por Fernão Lopes como cavaleiro (Fernão Lopes, CDF, cap. LXV, p. 228).Contudo, trata-se, pelos mesmos motivos, de um anacronismo do autor da "Crónica de D. Fernando", pois, como vimos, só foiarmado cavaleiro em Aljubarrota, isto é, 13 anos depois.90 João Gouveia Monteiro, op. cit., p. 29. Assinale-se que João Lourenço Buval, à semelhança de seu pai, foi, também, alcaide-morde Lisboa (IAN / TT, Chancelaria de D. Fernando, Livro 1, fl. 14v, de 27/Fevereiro/1367).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 27

panhas militares, a abrir-lhe, em definitivo, as portas da corte régia.

Foi, assim, a acção militar durante as guerras com Castela _ tanto durante o reinado d´OFormoso como nas lutas do interregno _ que permitiu a Estêvão Vasques Filipe sobressair dosdemais, ao ponto de alcançar, como vimos, o lugar de anadel-mor dos besteiros do conto91,um dos mais importantes da hierarquia militar do reino, cargo que terá ocupado, pelo menos,até Junho de 139392.

Com a ascensão ao cargo de anadel-mor e ao contrário do que se poderia esperar, não severificou o abandono das armas que tanto prestígio lhe deram, o que vem confirmar umatendência visível desde, pelo menos, o reinado de D. Fernando, segundo a qual o serviço dacorte e o serviço das armas se misturavam cada vez mais93. Assim, apesar de ser uma dig-nidade que lhe conferia a possibilidade de se distanciar dos campos de batalha, tal não acon-teceu, pois encontramo-lo, quando menos seria de esperar, a liderar as milícias de Lisboadurante a campanha de 138694.

Embora nada seja dito a esse respeito, é muito provável que a decisão de o nomear para tãoimportante posto tenha partido do concelho, em princípio dos mesmos indivíduos quetomaram as providências necessárias para a preparação do contingente: ...” aquelles que doregimemto e guovernamça da çidade tinham carego e cuidado; saber, Joham da Veiga o velho e AfomssoGomçallvez e Joham Annes da Pedreira com Esteveannës e Vaasco Martinz com outros dos mesteres, seusparceiros e muytos honrrados cidadaãos que escusado he nomear”...95

A escolha do concelho vem revelar o prestígio de que Estêvão Vasques era detentor e a con-fiança de que era depositário por parte da administração municipal da cidade. Trata-se, tam-bém, de uma forma de reconhecimento das suas capacidades militares e de liderança. Se bemque muitos outros factores – nomeadamente a sua experiência marcial – possam ter influen-ciado a decisão concelhia, é muito natural que tenha sido tido em atenção, sobretudo, o factode se tratar de uma eminente figura da capital e, como tal, respeitada e obedecida incondi-cionalmente pelos membros dos contingentes lisboetas. Convém não esquecer que já emmeados de 1383, quando foi necessário apontar dois nomes para coordenar as novas formas

28

91 Sobre as competências do anadel-mor dos besteiros do conto, cf. Ordenações Afonsinas, op. cit., Livro I, tit. LXVIII, pp. 405-421.92 IAN / TT, Chancelaria D. João I, Livro 2, fl. 87, de 4/Junho/1393. Gouveia Monteiro havia detectado a sua presença no cargoapenas até 1391 (João Gouveia Monteiro, op. cit., p. 136).93 Esta tendência foi já assinalada por Rita Costa Gomes, A Corte dos Reis de Portugal no Final da Idade Média, Linda-a-Velha, Difel,1995, pp. 143-144.94 Cf. Miguel Gomes Martins, Lisboa e a Guerra (1367-1411), op. cit., p. 65.95Fernão Lopes, CDJ (II), cap. LXVI, p. 157. O cronista refere-se, naturalmente, aos membros do concelho de Lisboa. JoãoEanes da Pedreira tinha sido vereador em 1383, tal como Afonso Gonçalves que, nesse ano, tinha também acumulado a funçãode provedor do Hospital de D. Maria de Aboim. Quanto a Estêvão Eanes, nada sabemos, excepto que pode ser o mesmo indi-víduo que, em 1373, foi alvazil geral. Sobre Vasco Martins, as dúvidas são as mesmas (A Evolução Municipal de Lisboa: Pelouros eVereações, op. cit., pp. 44-50).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 28

de policiamento da cidade, uma das opções do concelho foi precisamente Estêvão VasquesFilipe (a outra foi Afonso Furtado)96.

Enquanto comandante desse contingente tinha como imediato no comando o alferesGonçalo Vasques Carregueiro, outra figura destacada da sociedade lisboeta e a quem cabia ahonra de transportar o estandarte da cidade97. Desconhecemos se a iniciativa de escolherGonçalo Vasques partiu igualmente do concelho, de Estêvão Vasques Filipe – isto apesar denão ser conhecido qualquer relacionamento anterior entre ambos ou entre as suas famílias –ou se, por outro lado, se tratou de uma decisão tomada conjuntamente, hipótese que, à par-tida, nos parece mais viável.

Durante o trajecto entre Lisboa e Chaves, na campanha de 1386, Estêvão Vasques Filipe tinhacerca de 700 homens sob as ordens: 210 lanças (10 das quais eram provenientes de Sintraembora outras pudessem ser oriundas de Alenquer, de Torres Vedras e de outras localidadesrecentemente integradas no termo de Lisboa e que, em teoria, estavam obrigadas a contribuircom homens para a composição dos contingentes da cidade98); 250 besteiros do conto dos300 que Lisboa deveria fornecer para a hoste régia99; 200 homens de pé, dois ferradores, doiscorreeiros, dois seleiros, dois alveitares, alguns trombetas, diversos tabeliães e um jogral. Ocontingente era ainda acompanhado por diversos carros e carroças onde seriam transporta-dos, sobretudo, mantimentos, armamento e munições100.

Na qualidade de capitão desse contingente, Estêvão Vasques Filipe tinha sobre todos os seussubordinados, além da jurisdição militar propriamente dita, vastos poderes civis e criminais.Desta forma, qualquer membro da milícia acusado da prática de um delito era imediatamenteentregue ao comandante para que fosse julgado. Para tal, Estêvão Vasques era auxiliado poralguns dos tabeliães de Lisboa que acompanhavam a milícia101.

Esta força de perto de sete centenas de homens requisitada por D. João I para os meses deMarço, Abril e Maio, terá partido de Lisboa nos finais de Fevereiro ou já nos primeiros dias

29

96AML-AH, Chancelaria Régia, Livro II de D. Fernando, doc. 25, de 12/Setembro/1383.97 Gonçalo Vasques Carregueiro era filho de Vasco Afonso Carregueiro, coudel de Lisboa em 1367, a quem sucedeu como figu-ra de proa da sociedade lisboeta. Foi uma presença assídua no concelho desde finais do século XIV até meados do século XVocupando o cargo de vereador em 1385, 1389, 1390, 1408, 1419, 1424, 1447, 1450 e 1457. Assumiu ainda as funções de procu-rador do concelho em 1386, 1394 e 1432. Encontramo-lo ainda registado como juiz do cível em 1408 (Miguel Gomes Martins,Lisboa e a Guerra (1367-1411), op. cit, pp. 65-66).98 Miguel Gomes Martins, Lisboa e a Guerra (1367-1411), op. cit., pp. 55-56.99 Como tivemos já oportunidade de demonstrar num outro estudo, dos 300 besteiros do conto que Lisboa se encontrava obri-gada a fornecer, nem todos eram oriundos da cidade, sendo que muitos eram provenientes de povoações do termo (MiguelGomes Martins, Lisboa e a Guerra (1367-1411), op. cit., pp. 37-38).100 Miguel Gomes Martins, Lisboa e a Guerra (1367-1411), op. cit., pp. 61-62.101 Miguel Gomes Martins, Lisboa e a Guerra (1367-1411), op. cit., p. 65.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 29

30

Os contingentes de Lisboa e a Campanha de 1386

1 - Lisboa2 - Chaves3 - Valariça

4 - Almeida5 - Coria6 - Penamacor

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 30

do mês seguinte e chegou a Chaves cerca de duas semanas depois. Ao juntar-se ao exércitodo rei passou a obedecer à cadeia de comando da hoste, pelo que Estêvão Vasques deve terperdido boa parte da autonomia e poderes de que até aí tinha gozado sobre os seus subordi-nados. Tomada a vila de Chaves a hoste seguiu por Torre de Moncorvo, Valariça – onde, entre7 e 9 de Maio102, o rei fez “o mais fremoso allardo que ata ally em Portugall fora visto”103 –, CasteloRodrigo e Almeida, onde se deu o segundo dos dois confrontos militares ocorridos em ter-ritório português durante toda esta campanha104.

Após a tomada de Almeida, a hoste dividiu-se em três corpos, um comandado pelo rei, outropelo condestável Nuno Álvares Pereira e outro por Martim Vasques da Cunha, sendo a milí-cia de Lisboa integrada neste último. O alvo seguinte era a vila de Coria, já em território inimi-go, local onde a hoste se voltou a reagrupar. Porém, durante o ataque à praça, a estrutura tri-partida voltou a ser recuperada.

O cerco não trouxe qualquer resultado prático para as forças sitiantes que acabaram por reti-rar para Penamacor, principal base de apoio durante o cerco e para onde eram enviados osferidos de maior gravidade cujo tratamento e recuperação não podiam ser feitos no arraial. Acampanha de 1386 chegava ao fim e, após alguns dias nesse local, os contingentes queconstituíam a hoste foram dispensados. Doze ou treze dias depois, no dia 15 de Julho,Estêvão Vasques Filipe, ao comando da milícia reentrava na capital que recebia os seus exérci-tos de forma festiva105:

...”e chegou o pendaõ de Lixboa [naturalmente pela mão de Gonçalo Vasques Carregueiro, alferesdo contingente] a esa çidade aos quinze dias de Julho, bem acompanhado daqueles que o levavão e doutrasmuitas que o sayraõ a reçeber com gramde festa e alegria”.106

O capitão encerrava, desta forma, a sua actividade guerreira. Apesar de continuar no cargo deanadel-mor dos besteiros do conto durante mais alguns anos e, por isso, em permanente con-tacto com actividades marciais, daí para a frente, não regressaria mais aos campos de batalhaque tanto prestígio lhe haviam dado107.

31

102 Humberto Baquero Moreno, op. cit., p. 237.103 Neste arraial o rei tinha 4 500 lanças de cavaleiros e escudeiros e um grande número de besteiros e homens de pé (Fernão Lopes, CDJ(II), cap. LXXI, p. 166).104 Sobre este assunto, cf. Fernão Lopes, CDJ (II), cap. LXXIII, pp. 170-171.105 Sobre a campanha de 1386 e a participação de Estêvão Vasques Filipe e dos contingentes concelhios de Lisboa, cf. MiguelGomes Martins, "As milícias de Lisboa na campanha de 1386", in IV Colóquio Temático: As Escalas de Lisboa, Lisboa, CâmaraMunicipal de Lisboa, no prelo.106 Fernão Lopes, CDJ (II), cap. LXXVIII, p. 180.107 Apesar de ainda se verificarem nos anos seguintes importantes campanhas militares, algumas delas que contaram com a par-ticipação das milícias lisboetas como as de 1387 (campanha anglo-portuguesa em Castela) e de 1389 (cerco de Tuy), as fontesnão voltam a mencionar Estêvão Vasques Filipe enquanto participante, pelo que é muito possível que tenha abandonado de veza actividade guerreira.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 31

Não são conhecidos quaisquer motivos especiais para este abandono. No entanto, não deveser descurada a possibilidade de se tratar de um afastamento voluntário motivado pela suaidade, talvez um pouco avançada para as exigências das lides guerreiras.

Oenriquecimento e a promoção social: Como se pode verificar através do caso de EstêvãoVasques Filipe – embora muitos outros possam ser apontados como exemplo108 –, as guer-

ras travadas entre Portugal e Castela, no final do século XIV e inícios do século XV apresen-tavam-se como uma excelente via de ascensão social e económica graças, sobretudo, às con-cessões régias, que podiam ir desde a nobilitação até à entrega de alcaidarias, passando peladoação de propriedades e pela nomeação para cargos palatinos e diplomáticos. Dessa forma,o monarca procurava, por um lado, atrair novos apoiantes e, por outro, garantir a manutençãoda posição político-militar de determinado grupo ou indivíduo, como parece ter sucedidocom o caso de Estêvão Vasques.

Compreensivelmente, estes benefícios eram concedidos, na grande maioria, após situações decombate em que os agraciados tivessem participado de forma destacada, pelo que se revesti-am, de certa maneira, de um carácter claramente compensatório e/ou remuneratório. Évisível e inegável a relação de proximidade cronológica entre importantes acontecimentosmilitares em que esses indivíduos se viram envolvidos e algumas das concessões régias.Estêvão Vasques Filipe não é uma excepção: em 20 de Janeiro de 1372 foi agraciado por D.Fernando com uma parcela da Quinta de Vale de Freiras109, muito provavelmente, como rec-ompensa pelo papel desempenhado durante a Primeira Guerra Fernandina e, muito concre-tamente, na defesa de Ciudad Rodrigo, em 1370, face ao assédio das tropas castelhanas de D.Enrique II; anos depois, em pleno período revolucionário de 1383-1385, recebeu a terra e jul-gado de Paiva, em Riba Douro110 e todos os direitos e rendas da vila de Lagos111, ambas asdoações feitas por D. João, Mestre de Avis, em 4 de Março e 10 de Setembro 1384, respecti-vamente, antes e depois do cerco de Lisboa de 1384. A primeira como incentivo para umatomada de posição a favor do Mestre de Avis e a segunda como retribuição pela acção mili-tar em prol do seu “partido”, muito concretamente pela sua participação na frota enviada parao Porto e nos episódios bélicos subsequentes, tais como os ataques à costa da Galiza, a batal-ha naval do Tejo e ainda pela sua prestação durante o cerco de Lisboa. Em Maio de 1386,

32

108 Veja-se, por exemplo, os casos de Antão Vasques e de João Vasques de Almada (Miguel Gomes Martins, Lisboa e a Guerra(1367-1411), op. cit., pp. 124-131).109 IAN / TT, Chancelaria de D. Fernando, Livro 1, fl. 90v-91, de 20/Janeiro/1372. Em Outubro de 1386, D. João I confirmaessa doação (IAN / TT Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 183v-184, de 8/Outubro/1386). Registe-se que tanto a doaçãocomo a confirmação foram feitas a Estêvão Vasques Filipe e a sua mulher, Beatriz Eanes. Esta situação de desfasamento entrea Primeira Guerra Fernandina e a data da concessão não é um caso isolado, pois foi nesse mesmo ano que D. Fernando fezdoação de diversas propriedades ao vedor da chancelaria, Álvaro Pais, em pagamento de soldos atrasados e relativos à PrimeiraGuerra (IAN / TT, Chancelaria de D. Fernando, Livro 1, fl. 98-98v, de 17/Fevereiro/1372).110 IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 17v, de 4/Março/1384.111 IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 60-60v, de 10/Setembro/1384.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 32

concluída a primeira fase da campanha militar desse ano, Estêvão Vasques recebeu do rei osdireitos da baleação de Lagos e os direitos sobre as mercadorias entradas nessa vila e prove-nientes de fora do reino112, o que equivaleria, certamente, a uma quantia bastante elevada aacrescentar aos direitos que já recebia daquela localidade desde Setembro de 1384.

Imaginam-se facilmente os avultados benefícios retirados por Estêvão Vasques Filipe daspropriedades atrás mencionadas. Além dessas, recebeu ainda do rei, em Junho de 1393, unspardieiros em Coimbra, localizados junto dos Banhos Secos113. A guerra trazia, para alguns,enormes benefícios e Estêvão Vasques era um deles.

Curioso será referir que as doações acima mencionadas se caracterizam pela dispersão e pelodistanciamento umas das outras (norte, centro e sul do reino). Não é descortinável qualquermotivo para este tipo de distribuição. Porém, somos levados a colocar duas hipóteses: emprimeiro lugar, a possibilidade de o rei procurar, dessa forma, evitar a formação de senhoriospoderosos numa única zona; em segundo, a confusão gerada em torno do confisco de pro-priedades aos apoiantes de D. Leonor / D. Juan I114 que fazia com que as mesmas fossementregues a mais que uma pessoa115, situação que levaria à impossibilidade de manter qualquertipo de lógica coerente na política régia de doações.

A guerra foi, assim, para alguns dos mais destacados cavaleiros de Lisboa _ à semelhança doque ocorria noutras localidades e com outros grupos sociais116 _ um excelente meio deenriquecimento e um trampolim para a promoção social e para a entrada no grupo restritodos cavaleiros e dos privados do rei. Contudo, este grupo, apesar de se constituir, sobretudo,como uma nobreza de serviço, não limitava a sua acção às actividades cortesãs. Muito pelocontrário. Paralelamente a uma presença assídua junto do monarca, prosseguiam a sua activi-dade guerreira, com grande probabilidade e segundo Carlos Guilherme Riley, para fundarem“pelas armas a honra que não lhe vinha do sangue”117.

33

112 Descobrimentos Portugueses: Documentos para a sua História (Edição de João Martins da Silva Marques), Suplemento ao Vol. I,Lisboa, I.N.I.C., (reprodução facsimilada) 1988, p. 68.113 IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 2, fl. 87, de 4/Junho/1393.114 Sobre esta questão, cf. Valentino Viegas, Uma Revolução pela Independência Nacional nos finais do Século XIV, Vol. I, Lisboa,Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras (Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidadede Lisboa, policopiada), 1996, pp. 157 e ss.115 Veja-se, como exemplo desta situação o caso de Estêvão Vasques Filipe a quem foi doada pelo rei uma propriedade que seencontrava integrada numa outra que D. João I havia dado a Nuno Álvares Pereira. Sobre esta questão, cf. Valentino Viegas, UmaRevolução pela Independência Nacional dos finais do Século XIV, op. cit., p. 158.116 Veja-se, por exemplo, os casos de Vasco Fernandes Coutinho durante a Segunda Guerra Fernandina ou de Gonçalo VasquesCoutinho durante o cerco de Lisboa de 1384 (Luís Filipe de Oliveira, op. cit., pp. 33-35 e 37, respectivamente).117 Carlos Guilherme Riley, "Aspectos da componente juvenil da fidalguia no contexto da crise de 1383-85", in 1383/1385 e aCrise Geral dos Séculos XIV e XV: Jornadas de História Medieval, Lisboa, História & Crítica, 1985, p. 304.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 33

Vida privada e descendência: Se até agora foi possível, embora com algumas dúvidas,reconstituir boa parte da vida “pública” de Estêvão Vasques Filipe, o mesmo não se passa

com a sua vida privada, que permanece envolta em incertezas e perguntas sem resposta. Ospoucos elementos de que dispomos referem-se sobretudo aos seus laços familiares.

Além de nos dar a conhecer o seu avô paterno – Estêvão Domingues Filipe – e o seu pai –Vasco Esteves Filipe _ a documentação informa-nos da existência de uma prima, ConstançaAfonso Alvernaz, de quem Estêvão Vasques foi procurador antes e depois da entrada destapara o mosteiro de Chelas118. Esta senhora, filha de Afonso Martins Alvernaz, era casada, emsegundas núpcias, com o mercador Lopo Martins “da Portagem”, almoxarife de D. Fernandona portagem de Lisboa. Após a separação do seu marido ingressa naquele cenóbio, atingindoo cargo de sub-prioresa em 1410119. O parentesco com Constança Afonso faz de EstêvãoVasques sobrinho (por afinidade ou por sangue?)120 de Afonso Martinz Alvernaz, figura cujoprestígio junto da administração municipal de Lisboa e do oficialato régio dos reinados de D.Pedro I, D. Fernando e D. João I poderá, também, ter contribuído para a ascensão social deEstêvão Vasques Filipe121.

Conhecemos-lhe apenas um casamento, com Beatriz Eanes, de quem nada mais sabemosexcepto que era filha de um indivíduo de nome João Esteves122. O casamento terá durado atéà data da morte de Estêvão Vasques, ocorrida entre inícios de 1394 e Junho de 1395. A suaviúva terá vivido ainda mais alguns anos, pelo menos, até 1399, última referência documentalque a menciona como estando viva123.

34

118 IAN-TT, Convento de Chelas, M 33, doc. 643, de 10/Maio/1388 e M45, doc. 896, de 18/Janeiro/1394.119 Maria de Lurdes Rosa, O Morgadio em Portugal, Lisboa, Estampa, 1995, pp. 186-187. Sobre Constança Afonso Alvernaz, veja-se, Maria Filomena Andrade, O Mosteiro de Chelas: Uma Comunidade Feminina na Baixa Idade Média. Património e Gestão, Cascais,Patrimonia, 1996, p. 125.120 Já Maria de Lurdes Rosa havia também sido confrontada com esta dúvida, sem que a conseguisse resolver. A mesma autoranão pôde, do mesmo modo, identificar qual o grau de parentesco entre os dois primos (Maria de Lurdes Rosa, op. cit., pp. 186-187, n. 369). Porém, a tratar-se de primos em primeiro grau, o parentesco devia vir por via da mãe de Estêvão Vasques Filipe.121Armando Luís de Carvalho Homem identifica-o como juiz de Coimbra entre 1374 e 1376, conservador do Estudo Geral em1377, ouvidor régio e corregedor em Entre-Douro e Minho em 1383 e corregedor de Lisboa entre 1391 e 1401 (Armando Luísde Carvalho Homem, op. cit., p. 272). A nossa pesquisa identificou um indivíduo de nome Afonso Martins Alvernaz quedesconhecemos se se trata da mesma figura ou de seu pai: procurador do concelho de Lisboa em 1340 (AML-AH, ChancelariaRégia, Livro dos Pregos, doc. 99, de 7/Abril/1340 e Livro das Posturas Antigas, op. cit., p. 138); alvazil geral do concelho deLisboa em 1342 (AML-AH, Colecção por organizar, Livro I de Sentenças, doc. 3, de 5/Julho/1342); alvazil do crime em 1345(AML-AH, Chancelaria Régia, Livro dos Pregos, doc. 49, de 5/Outubro/1345) e em 1352 (IAN / TT, Leitura Nova, Livro IIde Direitos Reais, fl. 272v, de 9/Novembro/1352); alvazil em 1355 (AML-AH, Chancelaria Régia, Livro I de Místicos, doc. 6, de7/Junho/1355) e alvazil do crime em 1365 (AML-AH, Colecção por organizar, Livro I de Sentenças, doc. 15, de post.28/Setembro/1365).122 João Esteves é um nome tão comum que não podemos sequer aventar uma hipótese acerca de quem terá sido, todavia, énatural que se tratasse de uma figura sobejamente conhecida na altura pois a documentação, ao referir-se a Beatriz Eanes, insisteem assinalar a sua filiação em João Esteves (IAN / TT, Chancelaria de D. Fernando, Livro 1, fl. 90v-91, de 20/Janeiro/1372 eIAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 183v-184, de 8/Outubro/1386.) 123IAN / TT, Convento de Chelas, M 55, doc. 1087, de 20/Junho/1399.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 34

É provável que o consórcio entre ambos tenha tido o patrocínio de D. Leonor Teles e de JoãoAfonso Telo, irmão da rainha, pois foi apanágio da mulher de D. Fernando casar muitos dosque a ela e aos seus familiares se encontravam ligados. Assim, sendo Estêvão Vasques um dosmuitos vassalos que João Afonso Telo tinha em Lisboa é possível que também tenha sidoabrangido por essa política de ligações matrimoniais. Além disso, o facto de a primeirareferência ao seu casamento datar de 1372124, altura em que foi feito vassalo de João AfonsoTelo e em que a rainha casou muitos dos que lhe eram próximos125 parece reforçar esta hipótese.

A pesquisa que efectuámos para a elaboração deste estudo mostrou-nos que Estêvão VasquesFilipe teve, pelo menos, três filhos: Lourenço Filipe, Martim Vasques Filipe e Vasco Filipe. Oprimeiro, por nada ser dito relativamente a uma eventual ilegitimidade, deve ter nascido noseio do casamento com Beatriz Eanes. Porém, o segundo e o terceiro resultaram de relaçõesamorosas – documentalmente comprovadas –, ambas com mulheres solteiras.

De um desses relacionamentos, o que manteve – já depois de estar casado com Beatriz Eanese por isso posterior a 1372 – com uma mulher de nome Leonor Gonçalves, sobre quem nadase sabe excepto que era solteira, resultou o nascimento de Martim Vasques. A legitimaçãodeste foi concedida por D. João I em 21 de Abril de 1395126.

...”nos querendo fazer graça e mercee a Martim Vasques filho de Stevam Vaasquez Filipe cavalleiro nossovasallo ... consirando como ao tempo de sua nacença o dito seu padre era casado e o ouve de Lionor Gonçallvezmolher solteyra porem de nosso proprio movimento e certa scientia e poder absoluto que avemos despensamos comel e legitimamo-llo perfectamente”...127

Além daquele, encontramos referência a um segundo filho bastardo, de nome Vasco Filipe,legitimado igualmente por D. João I, embora só em Julho de 1427. O facto de a carta delegitimação ser 32 anos posterior à que legitima o seu meio-irmão Martim Vasques podeindiciar ser o mais novo dos dois.

Tal como acontece com Martim Vasques, pouco se conhece acerca da sua mãe. Sabemos ape-nas que também era solteira, que morava em Lisboa e que se chamava Margarida Lourenço:

...”Vasco Filipe nosso criado [do rei] filho de Stevam Vaasquez Filipe e de Margarida Lourenço molhersolteira ao tempo da nacença do dicto Vaasco Filipe moradores em Lisboa”128...

35

124 IAN / TT, Chancelaria de D. Fernando, Livro 1, fl. 90v-91, de 20/Janeiro/1372.125 Fernão Lopes, CDF, cap. LXV, p. 229.126 Valentino Viegas, Legitimações Joaninas (1383-1412), Lisboa, Europress, 1984, p. 59. IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro2, fl. 100v, de 21/Abril/1395.127 IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 2, fl. 100v, de 21/Abril/1395.128 IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 4, fl. 107, de 11/Julho/1427.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 35

Dos três filhos, é precisamente sobre este Vasco [Esteves] Filipe – que ficava, assinale-se acuriosidade, com o mesmo nome que o avô paterno –, que possuímos mais dados biográfi-cos. Encontramo-lo identificado em 1426 como criado de D. João I e escudeiro da sua casaaquando da sua nomeação por este rei – com prévio juramento na chancelaria régia –, emMaio desse ano, como juiz dos órfãos e dos judeus de Lisboa129. Teria, então, quase 40 anos130.

...”nos [o rei] fyando da bondade de Vaasco Felipe escudeiro nosso criado porque somos çerto que he per-teençente pera ello e aveendo-o por prol e bem do povoo damo-lo por juiz dos horfoos e judeus da dicta çidadee termho”...131

Porém, esta nomeação não foi bem aceite pelo município que argumentava que o cargo emquestão havia sempre sido dado pelo concelho. A atitude do rei afigurava-se, aos olhos dosórgãos concelhios, como um autêntico abuso de autoridade e de poder em detrimento dasprerrogativas da cidade. D. João I, face à argumentação apresentada respondeu relembrandoque necessitava de “agasalhar”132 os escudeiros da sua casa. Estes, segundo o monarca, eramem grande número, sendo por isso difícil de lhes providenciar aposentadoria durante asconstantes deambulações da corte, pelo que não havia outra saída que não fosse a nomeaçãopara cargos municipais, fixando-os numa determinada localidade e dando-lhes uma fonte derendimento própria. Ou, como o próprio monarca afirmava: ...”aseentavamos ora a moor partedeles per os lugares honde andavamos”... No entanto, comprometia-se a devolver o cargo ao con-celho logo que pudesse nomear Vasco Filipe para “milhor coussa”133. De qualquer modo, con-sciente da fraqueza da sua argumentação, o rei apontou um outro motivo, que esperava quefosse mais convincente para o concelho:

...”e mais por ser filho de Estevam Vaasquez Filipe que foy natural dessa çidade e huum dos boos dela”...

Talvez tenha sido a acima referida precaridade dos seus rendimentos que levou a que BeatrizEanes, viúva de Estêvão Vasques Filipe –, em data que desconhecemos, mas muito provavel-mente, próxima da morte de seu marido –, num gesto de grande magnanimidade, dotasse oseu enteado Vasco Filipe, de um considerável conjunto de bens, em recompensa do “muyto

36

129 AML-AH, Chancelaria Régia, Livro II de D. João I, doc, 37, de 27/Maio/1426.130 Se Estêvão Vasques Filipe morreu entre 1394 e 1395, o seu filho teria forçosamente perto de 40 anos.131 AML-AH, Chancelaria Régia, Livro II de D. João I, doc. 37, de 27/Maio/1426.132 A expressão não é do documento em causa, mas, de um outro que veicula a mesma argumentação, relativamente a umasituação em tudo semelhante (AML-AH, Chancelaria Régia, Livro dos Pregos, doc. 311, de 2/Dezembro/?).133 AML-AH, Chancelaria Régia, Livro dos Pregos, doc. 310, de 28/Agosto/1426. Estes argumentos voltam a ser utilizados parajustificar a nomeação de Vicente Domingues para o mesmo cargo (AML-AH, Chancelaria Régia, Livro dos Pregos, doc. 311, de2/Dezembro/?).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 36

serviço e homrra que reçebia e reçebe e emtendia de reçeber ao diamte de Vaasco Fellipe ... e pollo do dito seupadre [Estêvão Vasques Filipe]”. A doação era constituída por umas casas em Lisboa, junto daSé134, um quarto de vinhas e herdades de Vale de Freiras – a mesma propriedade doada aEstêvão Vasques e a Beatriz Eanes por D. Fernando, em 1372 –, o casal da Abóboda e oscasais e hortas que Beatriz Eanes tinha na Pimenteira, acima de Alcântara. A viúva de seu painomeava-o ainda como terceira pessoa no emprazamento da Quinta Velha, na Azóia, pro-priedade que trazia emprazada do convento de S. Vicente de Fora135. Esta doação foi confir-mada por D. João I em 12 de Julho de 1427, precisamente no mês antes da sua legitimação –11 de Julho –, factos que não podem de modo algum ser dissociados.

Por ainda não se encontrar referido, em 1414, na lista dos membros da casa do rei136, ao con-trário dos seus dois irmãos, e por 12 anos depois fazer já parte dessa mesma casa, somoslevados a colocar a hipótese de ser o mais novo dos três, o que é reforçado pela acima referi-da escassez de rendimentos e pelas propriedades recebidas de sua madrasta.

Curioso é o facto de os três documentos relativos a Vasco Filipe (a nomeação para o cargode juiz dos órfãos, a sua legitimação e a confirmação da doação de bens feita pela sua madras-ta) remontarem a um curto período de dois anos (1426-1427), durante o qual algo de impor-tante deve ter tido ocorrido na sua vida – talvez o seu casamento? –, mas que, devido aomutismo da documentação, não conseguimos identificar.

Mas não era apenas o escudeiro Vasco Filipe a usufruir da protecção do monarca. Em 1414,Martim Vasques, o outro filho bastardo de Estêvão Vasques Filipe, surge-nos a receber, naqualidade de cavaleiro da casa do rei, uma tença anual de 2 500 libras137. Trata-se de uma situ-ação em tudo semelhante à que ocorria com o seu meio-irmão, Lourenço Filipe – fruto docasamento com Beatriz Eanes –, também ele cavaleiro da casa do rei. Este, apesar de umestatuto social equivalente recebia, por ano, 3 000 libras. Assinale-se que, em 1402, ainda nãofaziam parte da casa do rei – pelo menos não se encontram identificados –, como se verificaatravés da “Lista da redução do pessoal da casa de el-rei D. João I, da rainha D. Filipa e dos infantes seusfilhos, decretada pelo monarca com seu Conselho, para diminuição das despesas”138.

37

134 É possível que se tratem das mesmas casas cujo foro foi quitado por D. Dinis a Estêvão Domingues Filipe (IAN / TT,Chancelaria de D. Dinis, Livro 3, fl. 137v-138, de 22/Maio/1321), avô paterno de Estêvão Vasque Filipe.135 IAN / TT, Leitura Nova, Livro 11 da Estremadura, fl. 188v-189, de 12/Junho/1427. Erradamente, o diploma apresenta-sedatado da Era de 1427 (ano de 1389), o que não seria possível, pois nessa data Estêvão Vasques estaria ainda vivo. Cotejado odiploma com outros e com os itinerários régios, concluímos tratar-se do ano, e não da Era, de 1427.136 José Soares da Silva, Collecçam dos Documentos com que se Authorizam as Memorias para a vida del Rey D. João I, Tomo IV, Lisboa,Academia Real das Ciências, 1734, p. 222.137 José Soares da Silva, op. cit., p. 222.138 Monumenta Henricina, Vol. I, Coimbra, Comissão Executiva das Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D.Henrique, 1960, doc. 122, pp. 280-293.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 37

Estêvão Domingues Filipe(1321)

Vasco Esteves Filipe João Esteves(1342-1358)

Leonor Gonçalves + Margarida Lourenço + Estêvão Vasques Filipe Beatriz Eanes(1370-1394) (1372-1399)

Martim Vasques Vasco Filipe Lourenço Filipe(1395-1414) (1426-1427) (1414)

Verifica-se, assim, que a projecção adquirida por Vasco Esteves Filipe na primeira metade deTrezentos e engrandecida por seu filho Estêvão Vasques Filipe ao longo da segunda terá per-manecido na família, embora de forma muito mais tímida, na pessoa dos filhos deste: MartimVasques, Lourenço Filipe e Vasco Filipe.

Interessante é também a estreita ligação à casa do rei, através da criação de Vasco Filipe e daintegração de Lourenço Filipe, de Martim Vasques e de Vasco Filipe como cavaleiros eescudeiro, respectivamente, dessa mesma casa, o que é, também, um claro indicador daimportância da sua origem e de uma protecção régia conferida a um grupo restrito deescolhidos, situação que reforça ainda mais a imagem que já tínhamos da posição privilegia-da de Estêvão Vasques junto de D. João I.

Mas se possuímos alguns dados importantes relativos à ascendência e descendência deEstêvão Vasques Filipe, o mesmo não se passa relativamente à restante família. Conhecemos-lheapenas um primo, Diogo Alvernaz, e uma prima, Constança Afonso Alvernaz, irmã deste últi-mo, filhos de Afonso Martins Alvernaz, tio de Estêvão Vasques139. Pouco mais se conhece dorelacionamento entre Filipes e Alvernazes. Sabemos apenas – como já referimos – queEstêvão Vasques foi procurador de Constança Afonso aquando das partilhas dos bens como seu marido, Lopo Afonso “da Portagem”140. É justamente com Constança Afonso queBeatriz Eanes, viúva de Estêvão Vasques Filipe, irá manter uma contenda em torno da adminis-tração das herdades do morgado instituído por João Vicente, bisavô de Constança Afonso141.

38

oo

Genealog ia de Es têvão Vasques F i l ipe

139 Maria Filomena Andrade, op. cit., p. 125.140 IAN / TT, Convento de Chelas, M 33, doc. 643, de 10/Maio/1388. Veja-se, sobre este assunto, Maria de Lurdes Rosa, op. cit.,pp. 186-187.141 IAN / TT, Convento de Chelas, M 55, doc. 1087, de 20/Junho/1399.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 38

Mais complexo, devido à falta de informações, é, por outro lado, reconstituir a sua teia de rela-cionamentos. É conhecida a ligação de grande proximidade, muito provavelmente deamizade, com o capitão-mor da frota, Afonso Furtado142, que, aliás, tem um percurso políti-co-militar muito semelhante ao seu143, até mesmo no facto de assumir, sucedendo-lhe, o cargode anadel-mor dos besteiros do conto, embora, na prática, o lugar fosse ocupado pelo seusobrinho e substituto Vasco Fernandes de Távora144. Além de muitos outros pontos de con-tacto, relembre-se ainda que foram ambos nomeados em 1383 como meirinhos para coor-denarem o policiamento de Lisboa.

Entre as suas relações e além de Afonso Furtado, conhecemos a existência, atestada em 7 deJulho de 1408, de João Delgado, seu criado, testemunha em Lisboa do aforamento perpétuode uma courela de herdade, “que ora jaz em mato”, situada em Vale de Figueira, na Azóia, termode Lisboa e pertencente ao Hospital do Conde D. Pedro, em Lisboa145.

A documentação dá-nos ainda a conhecer, em inícios de Quatrocentos, o nome de MartimAfonso, também criado de Estêvão Vasques Filipe e de Beatriz Eanes146, documentado como

39

142 Segundo Fernão Lopes, Afonso Furtado, aquando das cortes de Coimbra de 1385, detinha já o cargo de capitão-mor da frota(Fernão Lopes, CDJ (I), cap. CLXXXII, p. 344). Porém, mais tarde, identifica a nomeação como tendo ocorrido pouco depoisdessas cortes (Fernão Lopes, CDJ (II), cap. I, p. 4), o que nos deixa grandes dúvidas quanto ao momento em que teve, efectiva-mente, lugar.143 São inúmeros os pontos de contacto entre Estêvão Vasques Filipe e Afonso Furtado: além de serem ambos lisboetas e deterem – pela semelhança e paralelismo dos percursos de ambos – uma idade bastante próxima, encontramo-los juntos, pelaprimeira vez quando, integrados no contingente de Gomes Lourenço do Avelar, foram enviados para Ciudad Rodrigo, ondesuportaram o cerco imposto pelas tropas castelhanas, em 1370 (Fernão Lopes, CDF, cap. XXXIX a XLI, pp. 112-135); tal comoEstêvão Vasques Filipe, foi feito vassalo de João Afonso Telo (Fernão Lopes, CDF, op. cit., cap. LXV, p. 228); são ambos nomea-dos pelo concelho de Lisboa e confirmados pelo rei em Setembro de 1383 como meirinhos para coordenarem o policiamentoda cidade (AML-AH, Chancelaria Régia, Livro II de D. Fernando, doc. 25, de 12/Setembro/1383); face aos acontecimentosrevolucionários de 1383, tomam ambos o partido do Mestre de Avis nos momentos subsequentes à queda do castelo de Lisboa(Fernão Lopes, CDJ (I), cap. XLI, p. 70); ambos integram, cada um ao comando de uma galé – Afonso Furtado capitaneava a"Bem Aventurada" –, a frota enviada para o Porto em busca de reforços pouco antes do cerco de Lisboa de 1384; participamno ataque às tropas que cercavam o Porto (Fernão Lopes, CDJ (I), op. cit., CXX, p. 205); fazem parte da coluna de navios quelança diversos ataques à costa da Galiza (Fernão Lopes, CDJ (I), cap. CXXIV, p. 213); tal como Estêvão Vasques Filipe, está pre-sente na batalha naval do Tejo, ferida a 18 de Julho de 1384 (Fernão Lopes, CDJ (I), cap. CXXXIX, p. 244) e encontram-se ambospresentes nas cortes de Coimbra de 1385 (Fernão Lopes, CDJ (I), cap. CLXXXII, p. 344). A partir desta altura os seus destinostomam rumos distintos, embora paralelos, pois enquanto Estêvão Vasques Filipe assume o cargo de anadel-mor dos besteirosdo conto, Afonso Furtado recebe o igualmente prestigiante cargo de capitão-mor da frota, cargo que, segundo Fernão Lopesterá mantido até à sua morte (Fernão Lopes, CDJ (II), cap. LXV, p. 157), acumulando, após a morte de Estêvão Vasques Filipe,com o de anadel-mor. Todos estas coincidências no percurso de ambos levam-nos a acreditar na existência de uma relação bas-tante próxima entre ambos, talvez mesmo de amizade.144Gouveia Monteiro, op. cit., p. 61. Assinale-se o facto de nos finais do reinado de D. Fernando encontrarmos um indivíduo,escudeiro, de nome Afonso Furtado a ocupar o cargo de anadel-mor dos besteiros do conto, registado em 1381, quando nomeiaJoão Esteves "Mosca" para o lugar de porteiro dos besteiros do conto de Lisboa (IAN-TT, Convento de Chelas, Maço 33, doc.649, de 7/Junho/1381). A existência de um Afonso Furtado, anadel-mor nos últimos anos do reinado d´O Formoso havia jásido assinalada por Fernão Lopes que, todavia, nada adiantou a esse respeito (Fernão Lopes, CDF, cap. CXLII, p. 499).Tratar-se-á do mesmo Afonso Furtado ou de um homónimo? Se bem que não estejamos na posse de quaisquer outros dadosque o confirmem, inclinamo-nos para que se trate da mesma pessoa que, pela experiência anterior teria sido de novo chamado,em 1395, a ocupar o lugar, ainda que nominalmente – pois, na prática, é o seu sobrinho Vasco Fernandes de Távora quem assumeessas funções – e em regime de acumulação com o lugar de capitão-mor da frota.145 AML-AH, Casa de Santo António, Livro I do Hospital do Conde D. Pedro, doc. 21, de 7/Julho/1408.146 IAN / TT, Convento de Chelas, M 55, doc. 1087, de 20/Junho/1399.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 39

procurador geral do mosteiro de Chelas, em Lisboa147. A posse deste cargo é reveladora doprestígio de que era detentor e da confiança que tanto o cenóbio quanto a prioresa AldonçaPereira148 – irmã do condestável Nuno Álvares – nele depositavam. Todavia, é muito provávelque a sua ligação a esse mosteiro tenha surgido através da atrás mencionada ConstançaAfonso Alvernaz, professa desde 1393-1394 e subprioresa entre 1410 e 1416149 e que, comojá referimos, era prima de Estêvão Vasques Filipe.

Não sabemos com precisão a data da morte de Estêvão Vasques. Porém, a carta de legiti-mação do seu filho Martim Vasques, datada de 21 de Abril de 1395, dá-o já como morto150,levando-nos a acreditar que terá morrido entre esse ano e os inícios de 1394, última referên-cia que o dá como estando vivo151.

Da mesma forma que já o afirmámos relativamente a Vasco Esteves Filipe, seu pai, é muitonatural que, pela íntima e permanente relação com a cidade tivesse sido sepultado numa dasinstituições religiosas de Lisboa. Porém, as nossas pesquisas nos fundos do IAN-TT nadarevelaram, pelo que, mais uma vez, as dúvidas persistem.

Conclusão: Tal como se verificou com outras figuras por nós anteriormente estudadas152,constatou-se que o prestígio adquirido por Estêvão Vasques Filipe advinha, em boa parte

da importância económica e social que a família havia adquirido nas gerações) anteriores e emque actividade comercial teve um papel preponderante153. Porém, neste caso, foi uma conjun-tura política e social muito particular – a das Guerras Fernandinas, Revolução de 1383-1385e Guerras Joaninas contra Castela – que definiu o percurso ascendente de Estêvão VasquesFilipe.

Foi precisamente o seu papel guerreiro nesses acontecimentos (cerco de Ciudad Rodrigo,Batalha de Saltes, cerco do Porto, operações navais contra a Galiza, batalha Naval do Tejo,cerco de Lisboa, Batalha de Aljubarrota, campanha de 1386) que o revelaram como umimportante chefe militar, não só enquanto patrão de galés, mas, também ao comando dos

40

147 IAN / TT, Convento de Chelas, M 39, doc. 776, de 11/Novembro/1403.148 Sobre Aldonça Pereira, cf. Maria Filomena Andrade, op. cit., p. 122.149 Maria Filomena Andrade, op. cit., p. 125.150 IAN / TT, Chancelaria de D. João I, Livro 2, fl. 100v, de 21/Abril/1395.151 IAN / TT, Convento de Chelas, M 75, doc. 1493, de 18/Janeiro/1394.152 Assinalem-se os casos de Estêvão Cibrães e João Esteves Pão e Água (Miguel Gomes Martins, "Estêvão Cibrães e JoãoEsteves: A família Pão e Água em Lisboa (1269-1342)", Actas do II Colóquio de Estudos Olisiponenses, Lisboa, Associação dosArquólogos Portugueses, no prelo), de João Eanes Palhavã I e João Eanes Palhavã II (Miguel Gomes Martins, "A família Palhavã(1253-1357): Elementos para o estudo das elites dirigentes da Lisboa medieval", op. cit.) e de Vasco Lourenço de Almada e JoãoVasques e Antão Vasques (Miguel Gomes Martins, Lisboa e a Guerra (1367-1411), op. cit., pp.125-131).153 Importa aqui relembrar que o seu avô foi mercador de Lisboa e que, nessa qualidade serviu D. Dinis.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 40

contingentes de Lisboa na campanha de 1386 e como anadel-mor dos besteiros do conto doreino. Terão sido ainda as suas qualidades marciais a ditar a sua nomeação como meirinhopara coordenar o policiamento de Lisboa em finais de 1383 e a aproximá-lo dos círculoscortesãos (muito provavelmente através da Guarda do Rei, onde terá ingressado durante oreinado de D. Pedro I) e das esferas de influência de algumas das figuras mais poderosas danobreza como é o caso de João Afonso Telo. É igualmente provável que a aproximação àcorte régia se tenha iniciado ainda nas gerações anteriores com Estêvão Domingues Filipe,mercador ao serviço do rei, e com seu filho Vasco Esteves Filipe, almoxarife régio em Lisboa.

Toda a relevância militar teve a sua equivalência no plano social e económico, em primeirolugar, através da passagem de Estêvão Vasques Filipe para a ordem da cavalaria e, em segun-do, mercê do enriquecimento trazido pelas doações de importantes bens fundiários de que foidonatário por parte de D. Fernando e de D. João I.

Porém, apesar de todo esse prestígio crescente não terá nunca deixado os vínculos que oligavam a Lisboa e que se já verificavam com o seu avô e pai e que se viriam a verificar como seu filho Vasco Filipe, todos os quatro com uma grande proximidade dos órgãos que geri-am os destinos da cidade e dos seus habitantes.

Apesar da existência das inevitáveis “zonas cinzentas”, os dados que pudemos coligir – graçasa um percurso relativamente bem documentado, reflexo da sua visibilidade e importância –permitiram-nos analisar e conhecer esta personagem, de tal modo que, praticamente, con-seguimos distinguir alguns dos traços da sua forte personalidade, tais como um grande senti-do de lealdade, um profundo gosto pela aventura e uma indesmentível bravura e versatilidadeem combate, tanto no mar como em terra.

A figura de Estêvão Vasques Filipe é, portanto, uma das mais interessantes de todas as queformam a “nova nobreza” surgida na sequência do período revolucionário de 1383-1385 e umexemplo paradigmático do chefe guerreiro dos finais da centúria de Trezentos, dos muitosforjados nas lutas contra Castela.

41

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 41

DD OO CC UU MM EE NN TT OO SS

Este apêndice documental não pretende, de modo algum, abranger toda a documentaçãocompulsada e analisada para a elaboração deste estudo. Foi sim nosso objectivo ilustrar docu-mentalmente algumas das questões abordadas neste estudo.

Para a transcrição foram seguidas, as normas propostas por Avelino de Jesus da Costa154:

11

1372 Janeiro 20, Santiago de Beduído – D. Fernando doa a Estêvão Vasques Filipe e a sua mulherBeatriz Eanes um quarto da Quinta de Vale de Freiras, situada no reguengo de Sacavém.

B) IAN-TT, Chancelaria de D. Fernando, Livro 1, fl. 90v.

Dom Fernando e cetera. A quantos esta carta virem fazemos saber que nos querendo fazergraça e mercee a Stevam Vaasquez nosso vasallo e a Briatiz Anes sua molher filha de JohamStevez por serviço que nos fizerom fazemos-lhe doaçam pura antre vivos do quarto e direitoque nos avemos na quintaa de Val de Freiras e nas herdades e posisõoes e perteenças edireitos della ... o qual quarto e direitos o dicto Stevam Vaasquez de nos ora tragia em pres-timo ... [fl. 91] ... Santiago de Bedoydo XX dias de Janeiro ... Era de mil IIIIc e dez anos.

22

1384 Março 4, Lisboa – D. João, Mestre de Avis, doa a Estêvão Vasques Filipe a terra e julgado dePaiva, em Riba Douro, em recompensa pelos serviços anteriormente prestados e como incentivo para serviçosfuturos.

B) IAN-TT, Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 17v.

Dom Joham e cetera. A quantos esta carta virem fazemos saber que nos veendo e consiran-do muitos serviços que Stevam Vaasquez Fillipe morador em a cidade de Lixboa fez a el reydom Pedro [fl. 18] nosso padre e a el rey dom Fernando nosso irmãao a que Deus perdoe ea nos e ao diante speramos que faça porem querendo-lhe fazer graça e mercee fazemos-lhedoaçom155 antre vivos pera todo sempre da terra e julgado de Paiva que he em Riba de Doiro

42154 Avelino de Jesus da Costa, Normas Gerais de Transcrição e Publicação de Documentos e Textos Medievais, Coimbra, Faculdade de Letrasda Universidade de Coimbra – Instituto de Paleografia e Diplomática, 1993 (3ª edição).155 Segue-se riscado: pura.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 42

o qual tragia Joham Gonçallvez da Teixeira do dicto nosso irmãao. ¶ A qual doaçam lhe faze-mos que elle e todos seus herdeiros e sucessores ajam a dicta terra e logrem com todas suasemtradas saidas direitos e perteenças e pella guisa que avia e tragia o iffante dom Joham nossoirmãao ... Dante na cidade de Lixboa quatro dias de Março [el rei] o mandou. Afomso ... a fezEra de mil IIIIc XXII anos.

33

1384 Setembro 10, Lisboa - D. João, Mestre de Avis, doa a Estêvão Vasques Filipe e a toda a sua lin-hagem os direitos e rendas da vila de Lagos.

B) IAN-TT, Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl.60.

Dom Joham e cetera. A quantos esta carta virem fazemos saber que nos lembrando-nos dosmuitos serviços e stremados que a nosso padre a que Deus perdoe e outrossy a el rey domFernando fez Stevam Vaasquez Filipe e toda sua linhagem e outrossy consirando nos emcomo o dicto Stevam Vaasquez Filipe como boo leal e verdadeiro natural destes regnos fez efaz muitos serviços em esta guerra que avemos com el rey de Castella e por as quaaes cousasnos querendo fazer graça e mercee ao sobredicto Stevam Vaasquez Filipe em remuneraçamdos dictos serviços avendo nosso conselho com boa liberaçam com os nobres e honrradosdo nosso conselho damos-lhe e fazemos-lhe pura doaçam antre vivos pera todo sempre semnenhua contradiçam pera elle e pera todos aquelles que delle descenderem per linha direta detodollos diretos e rendas que nos avemos e de direto devemos d´aver e as pensõoes dos tabali-ados da nossa villa de Lagos com todos seus termos, foros e trabutos e peaaes e pesoaaes quede sempre foram pertencentes aa dicta villa. [fl. 60v] Dante na mui nobre cidade de Lixboadez dias de Setembro em conselho o mandou. Vaasco Vicente a fez Era de mil IIIIc XXII anos.

44

1386 Outubro 8, Ponte da Barca – D. João I emite sentença favorável a Estêvão Vasques Filipe e suamulher Beatriz Eanes numa contenda que os opunha ao condestável Nuno Álvares Pereira a propósito dosdireitos da Quinta de Vale de Freiras, situada no reguengo de Sacavém.

B) IAN-TT, Chancelaria de D. João I, Livro 1, fl. 183v.

Dom Joham pella ... fazemos saber que Stevam Vaasquez Filipe nosso vasalo e anadel moore Briatiz Anes sua molher nos diseram que el rey dom Fernando nosso irmãao a que Deusperdoe [fl. 184] lhes fez mercee e doaçom pera sempre por jur d´erdade do quarto e direito

43

~

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 43

que elle e os reis que depos el viesem aviam e deviam d´aver na quintaa de Val de Freiras quehe no reguengo de Sacavem da par da cidade de Lixboa e nas herdades e posiçõoes e per-teenças e direitos della segundo milhor e mais compridamente he contheudo em hua cartaque do dicto rey nosso irmãao sobre esto ouvera e que des o tempo que assy ouvera a dictacarta ataa ora nunca pagara nenhua cousa do dicto quarto e que ora nom embargando todoesto o procurador do condestabre a que nos demos as rendas e direitos do dicto reguengo deSacavem e de Freellas os constrangem que lhe paguem o quarto que assy ouverom da dictaquintaa des aquel tempo que assy ouverom a carta do dicto rey noso irmãao ataa ora no quedizem que recebem grande agravo e perda e dapno e que nos pediam por mercee que lhemandasemos guardar a carta que assy sobre esto ouverom do dicto rey nosso irmãao. E nosveendo o que nos pediam e querendo-lhes fazer graça e mercee que assy he como dizemteemos por bem e mandamos-vos que vejades a carta da doaçam que assy os sobredictosStevam Vaasquez e sua molher sobre esto ouveram e lha comprades e guardedes e façadescomprir e guardar em todo ... Dante na Ponte da Barca VIII dias d´Outubro el rey o mandouper Gonçalo Periz seu vasallo e veedor da sua fazenda. Gonçallo Caldeira a fez Era de milIIIIc XXIIII anos.

55

1390 Fevereiro 26, Coimbra156 - D. João I, em carta enviada ao coudel de Lisboa, autoriza a passagemde alguns besteiros do conto para o grupo dos aquantiados em cavalo desde que sejam substituídos no conto.

B) AML-AH, Chancelaria Régia, Livro dos Pregos, fl. 154v.

Dom Joham pella graça de Deus rey de Purtugal e do Algarve. A vos nosso coudell doscavaleiros e pioons e beesteiros que ora sodes na çidade de Lixboa a outros quallquer [sic] queao deamte for a que esta carta for mostrada saude. Sabede que os beesteiros do conto dessaçidade nos emvyarom dizer que vos os costrangedes ora que tevesem beestas de garuchas esolhas e gorgemeliis pella guissa que os fazedes teer aos outros que nos157 ora novamente man-damos fazer que teverem comtias de seis mill libras porque lhes achades a dicta contia em oque dizem que reçebem grande agravo averem agora de teer outras beestas senom pella guis-sa que as de senpre teverom e pediam-nos por merçee que lhes ouvessemos a ello remedio.E nos veendo o que nos dizer e pedir emviarom teemos por bem e mandamos que posto

44156 O documento encontra-se erradamente datado de Coimbra, 26 de Fevereiro de 1391. Confrontado com os itinerários régios,verifica-se que D. João I se encontrava em Coimbra no dia 26 de Fevereiro, mas do ano de 1390 (Moreno, 1988, p. 251), enquan-to que em 26 de Fevereiro de 1391 estava em Évora (Moreno, 1988, p. 256). Como nos parece mais provável a existência de umerro na data do que no local de elaboração da carta, acreditamos que esta terá sido emanada de Coimbra, no dia 26 de Fevereirode 1390.157 Segue-se palavra repetida: nos.

~

~

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 44

que elles tenham contia das dictas seis mill libras que os nom costrangades nem mandedescostranger que tenham outras bestas nem outras armas senom pella guissa que as tiinham emantes come beesteiros de conto e se alguuns por esta razom som pressos ou lhes teendestomados alguuns beens soltedes logo e lhes mandedes entregar seus beens [fl. 155] e sealguuns desses besteiros amte quiserem teer cavallos que essas beestas mandamos-vos que lhoreçebades e nom sejam costrangudos pera teer as dictas beestas e teendo elles os dictoscavallos que sejam taaes com que nos posam servir e ajudar a defender a terra e hirem acorrerquando conprir a nosso serviço e mandamos a Estevam Vaasquez Filipe nosso anadall moore a outro quallquer que depois dell for anadall que os nom costranga que teenham as dictasbeestas nem os ajam por beesteiros do conto e os aja por escusados dello e os tire do seu livroe ponham outros em seu logar e teendo elles asi os dictos cavallos pella guissa que dicto hemandamos que elles sejam escusados de pagar jugadas e que ajam aquellas honrras e priville-gios que de senpre ouverom e ham aquelles que eram acontiados e som pera teerem cavallose os teem, unde all nom façades. Dante na çidade d´Evora vinte e seis dias de Fevereiro el reyo mandou per Ruy Lourenço daiam de Coinbra liçençeado em degredos de seu desenbargo.Gonçalo Anes a fez era de mill e IIIIc e vinte e nove anos.

66

1426 Agosto 28, Sintra – D. João I solicita ao concelho de Lisboa que não coloque quaisquer entraves àescolha de Vasco Filipe, nomeado pelo rei para o cargo de juiz dos órfãos de Lisboa.

B) AML-AH, Livro dos Pregos, doc. 310, fl. 196v

Comçelho e homens boons da nosa muy nobre e leall çidade de Lixboa vos emviamos muytosaudar. Bem sabees como a nos emviastes Vasco Viçente de Melo morador em essa çidade eJoham Estevez da Veiga hi morador sobre o ofiçio do julgado dos horfoons dessa çidade quedemos a Vasco Filipe nosso escudeiro os quaaes nos em nome desse comçelho diserom quereçebia em esto agravo porquamto este ofiçio senpre fora dado per os homees boos dessaçidade e que asy tiinhees delo nossas cartas per que desees este ofiçio a outros semelhantesdesse comçelho e outrem nom. As quaees cartas nos mostrarom e per elas se mostrou queasi era e nos lhe dissemos que este ofiçio que assi davamos a este nosso158 escudeiro era porneçessidade que nos aviinha porquamto nos traziamos em nossa cassa grande soma d´escudeirose nos lugares honde chegavamos nom podiam seer apousentados nem achar o que lhes eramester e que aseentavamos ora a moor parte deles per os lugares159 honde andavamos e quevos deviees de comsentir seer ele ofiçial por estas razoes e mais por ser filho de EstevamVaasquez Filipe que foy natural dessa çidade e huum dos boos dela e que pois hi avia d´aver 45

158 Segue-se repetido: este nos.159 Segue-se, aproximadamente, uma linha inteira apagada propositadamente. Segue-se, repetido: per os lugares.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 45

juiz dos dictos horfoons que fosse natural da çidade e hi morador que o devia seer este polloque dicto he e posto que nos eles recontasem todas estas razõoes que vo-las screpvemos erogamos-vos que vos praza por esta vez consentirdes que este Vasco Filipe seja juiz ca pernosso prazimento queremos que o seja e nom por hirmos contra vossas cartas que de nosteendes nem vo-las quebrarmos e se a Deus prazendo lhe nos dermos outra milhor coussaper que el leixe este ofiçio entom fique a vos de o dardes segundo amte ataa qui fezestes. Eem testemunho desto siinamos esta carta de nosa mãao e vos fazee-a guardar pera se vos emalguum tempo aconteencer em esto semelhante duveda seerdes per ela fora dela. Dante emSintra XXVIII dias d´Agosto. Paay Rodriguez a fez 1426.

77

1427160 Junho 12, Almeirim – D. João I confirma e outorga uma carta de Beatriz Eanes, viúva de EstêvãoVasques Filipe, através da qual esta senhora fazia doação de diversos bens a Vasco Filipe, filho ilegítimo deEstêvão Vasques Filipe.

B) IAN-TT, Leitura Nova, Livro 11 da Estremadura, fl. 188v

Dom Joham e cetera. A quantos esta carta virem fazemos saber que peramte nos pareçeohuum estormento de doaçam escprito em pergaminho feito e assignado per Fellipe Affomssotaballiãao prubico por nos em todo nosso senhorio segundo em el pareçia em o qual faziamemçam amtre as outras cousas que Breatiz Eanes molher que foi de Estevam VaasquezFellipe vemdo e consiirando o muyto serviço e homrra que reçebia e reçebe e emtendia dereçeber ao diamte de Vaasco Fellipe filho do dito Stevam161 Vaasquis Fellipe e pollo do ditoseu padre e querendo-lhe todo com boas obras remunerar de sua propria livre voontade semoutro conluyo nem emduzimento que lhe pera ello fosse feito lhe fez pura doaçam amtre osvivos valledoyra deste dia pera todo sempre que numca por esse per nhuua razam de fectonem de dereito seer per ella nem per outrem revogada ao dito Vaasco Fellipe destes beens quese adiamte seguem: scilicet de huuas casas que ora della traz de prazo Fernamd´Alvarez ouvi-dor do iffante que som na dita çidade açerca da crasta da see que parte com casas de JohamPirez Bodete e com ruas prubicas e do quarto das vinhas e herdades de Val de Freyras quehe açerca da Charneca e mais do Casal da Abobeda que he termo de Lixbooa aalleemd´Oeyras e mais de todollos casaaes e herdades e ortas que ella ha na Piminteira termo dadicta çidade açima da pomte162 d´Alcantara dos quaes beens todos e cada huum delles lhe fezdoaçom como dicto he com todos seus dereitos e direturas remdas fruitos e novos que aja ho

46 160 O documento está datado da Era de 1427 (ano de 1389). Confrontados os itinerários régios verificou-se que o documentofoi elaborado no ano de 1427 (Humberto Baquero Moreno, op. cit., p. 369).161 No documento: Fernam.162 No documento: Fomte.

~

~

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 46

dito Vaasco Fellipe livremente e sem nhuua comtemda pera sy e pera todos seus herdeirosdeste dia pera todo sempre pella guisa que os ella avya e a ella de dereito perteemçiamguardando ell dito Vaasco Fellipe e seus soçessores alguns contrautos que ella a alguuas pes-soas outorguados avya que se com dereito devessem guardar. E outrossy lhe fazia doaçam enomeava por terçeira pessoa a Quimtãa Velha que he n´Azoya a qual parte com huua outraquintãa della dita Breatiz Eannes a qual traz emprazada em sua vida e d´outra pessoa domoesteiro de Sam Viçemte de Fora da dita çidade por Rtª libras [fl. 189] amtiiguas cada huumanno que pagara o dito Vaasco Felipe e seraa theudo de paguar ao dicto moesteiro segundoque o ella era segundo todo esto e outras cousas em o dito estormento de doaçam melhor emais compriidamente era comtheudo e que porem nos pedia por merçee que lhe confir-massemos a dita doaçam. ¶ E nos visto o dito estormento de doaçam e o que ell dizer e pediremvyou queremdo-lhe fazer graça e merçee teemos por beem e comfirmamos-lhe eoutorguamos-lhe e aprovamos e retificamos a dita doaçam pella guisa que feita he e a avemospor booa. E porem mandamos a todollos juizes e justiças dos nossos reinos que assy lhocumpram e guardem e façam comprir e guardar beem e compridamente pella guisa que feitohe e lhe nom vam nem comssemtam hyr comtra ella em nhuua maneira que seja que nossamerçee e voontade he de lhe ser beem comprida e guardada pella guisa que feita he e no ditoestormento he comtheudo nom embarguando quaaesquer dereitos e custumes e lex que estopossam embarguar com emtemdimento que esto nom faça nhuum perjuizo a alguas pessoasque alguum dereito ajam em as ditas cousas. ¶ E em testemunho desto lhe mandamos dar estacarta. Dante em Almeirim XII dias de Junho el rei o mamdou per o doutor Gil Martiinzcavaleiro e do seu desembarguo. Fernam Vieira a fez. Era de IIII XXVII anos. ¶ E esto lhefazemos sem embarguo que sobre esto nom fosse tirada inquiriçam porquanto he nossamerçee de se assy fazer.

88

1427163 Julho 11, Almeirim – D. João I legitima Vasco Filipe, filho de Estêvão Vasques Filipe e deMargarida Lourenço.

B) IAN-TT, Chancelaria de D. João 4, Livro 1, fl.107.

Carta de legitimaçom de Vasco Filipe nosso criado filho de Stevam Vaasquez Filipe e deMargarida Lourenço molher solteira ao tempo da nacença do dicto Vaasco Filipe moradoresem Lixboa. Dada em Almeirim XI dias de Julho de mil IIIIc XXVII anos.

47163 O facto de a datação do documento não referir se se trata da Era de 1427 (ano de 1389) ou do ano suscitou-nos algumasdúvidas quanto à sua data. Porém, confrontado o documento com os itinerários régios concluímos tratar-se do ano de 1427(Humberto Baquero Moreno, op. cit., p. 369).

~

~

~

~

~~

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 47

O Arquitecto

José Luís Monteiro e as Artes

Decorativas: o Mobiliário da

Sala das SessõesAlexandre A rménio To ja l

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 48

49

Vários estudos sobre a obra do Arquitecto José Luís Monteiro (1848-1942) foram já publica-dos1, quer enquanto técnico camarário, quer como profissional liberal. Parece-nos, no entan-to, que no domínio das artes decorativas muito pouco foi ainda dito e, especificamente, noque respeita às suas incursões pelo mobiliário. Para além da sua vasta actividade em matériaurbanística, a versatilidade deste Arquitecto revelou-se também enquanto autor de desenhosde mobiliário, tendo contribuído de forma relevante para o agenciamento dos espaços deserviço camarários.

A destruição quase total dos Paços do Concelho, pelo incêndio de Novembro de 1863, paraalém de ter exigido a sua reconstrução, tornou indespensável a execução de novos móveis paraas diferentes salas ocupadas pela Presidência e Vereação, assim como para os diversos serviçosda administração municipal.

As datas de execução dos projectos de mobiliário conhecidos sugerem-nos que os serviçoscamarários, após a reconstrução terminada, terão funcionado com equipamentos provisórios,na expectativa de, gradualmente, se mobilarem de novo, de forma condigna e completa.

Neste contexto, José Luís Monteiro, na qualidade de Arquitecto-Chefe da 1ª Secção2, integra-da organicamente na Repartição Técnica, chefiada pelo Engenheiro Ressano Garcia (act.1874-1909), foi chamado a conceber um conjunto de projectos de mobiliário. Desde o gabi-

1 V. por exemplo, José-Augusto-França, A Arte em Portugal no século XIX, Lisboa, 3ª ed., Livraria Bertrand, 1990, vol. II, pp. 11-22; Fátima G. Cordeiro Ferreira e Maria Augusta Adrêgo Maia, Mestre José Luís Monteiro na arquitectura da transição do século, Lisboa,Associação dos Arquitectos Portugueses, 1990; Pedro Bebiano Braga, “José Luís Monteiro – os coretos e Lisboa”, in Olisipo,Grupo Amigos de Lisboa, Lisboa, nº 3, 1996; José Luís Monteiro: marcos de um percurso [catálogo], Lisboa, CML/Divisão deArquivos, Out/Nov 1998.2 Iniciou a sua actividade na Câmara Municipal de Lisboa em 1880 no lugar de Arquitecto-Chefe da 1ª Secção da RepartiçãoTécnica. Atingiu a idade da reforma 29 anos mais tarde.

Desenho do mobiliário para o Gabinete do Chefe da Contadoria, 1886 (AML-AC, Repartição Técnica, Orçamentose Projectos, Orçamento nº 263, Caixa 5 A/OP).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 49

50

nete da Presidência, em 1884, passando pelo gabinete do Chefe da Contadoria, em 1886, atéaos serviços de Arquivo, Fazenda Municipal, Beneficência e Obras, em 1890, todos recebe-ram mobília desenhada pelo Arquitecto.

Elegemos, no entanto, para objecto de estudo neste artigo, o mobiliário da sala que se desta-ca pela sua simbologia política e institucional, a Sala das Sessões, excluindo, nesta sede, qual-quer intenção de uma leitura mais global de todo o agenciamento dos Paços do Concelho.

Na Sala das Sessões3 realizavam-se as reuniões da Presidência e Vereação; nelas se discutia edecidia sobre as variadas questões ligadas à administração do município, e o público interes-sado delas podia tomar parte, como assistente, sentado na área especificamente reservada.

Sabemos que o incêndio de Novembro de 1863 não destruiu a mobília existente nesta sala; oresultado do rescaldo publicado nos jornais de 1 de Dezembro do mesmo ano disso dáconta4. No entanto, apesar de ter sobrevivido à catástrofe, não houve intenção de a conservarna referida sala.

Parece-nos compreensível que o executivo camarário, renovado no seu habitat arquitectónico,tenha querido equipá-lo com mobiliário novo, mais coerente com a nova linguagem formal eestética do edifício. Mais nos parece legítimo, tratando-se de uma sala emblemática do podere dignidade municipais.

A primeira notícia documentada do empenho dos serviços camarários na construção de umnovo mobiliário data de 3 de Outubro de 18855. Trata-se de um orçamento e memória apre-sentados – sob a forma de ofício - pelo Arquitecto José Luís Monteiro – na qualidade deresponsável pela condução dos trabalhos da 1ª Secção – ao Engenheiro Chefe da RepartiçãoTécnica, Ressano Garcia6: Tenho a honra de enviar a V. Exª o projecto de carteiras duplas e suas respec-tivas cadeiras destinadas a servirem aos vereadores na nova Sala das Sessões7.

No mesmo documento informa não haver realizado ainda o desenho para a carteira da pres-idencia por não ter recebido orientações conclusivas, pedindo decisão sobre a posição desti-

3 O projecto de Domingos Parente da Silva (1836-1901) assim designa esta sala; actualmente é designada Salão Nobre.4 Esta informação foi colhida em Salette Simões Salvado, Paços do Concelho: Elementos para a sua História, Lisboa, Trabalho poli-copiado apresentado ao concurso de promoção a Assessor, 1989, p. 20.5 Decorrerão dez anos até à arrematação do projecto por Victor de Alcântara Knotz, seu executor, como confirmaremos maisadiante neste trabalho.6 Não detectámos documentação anterior que abordasse o assunto, no entanto, o conhecimento dos procedimentos camaráriossugere-nos que terá havido uma decisão prévia, em reunião de Câmara, no sentido do Vereador do Pelouro das Obras tratar doassunto. Este, muito provavelmente em Ordem de Serviço, terá notificado o responsável do Serviço das Obras, EngenheiroRessano Garcia, para proceder conforme decisão supra, que, por sua vez terá delegado no seu subalterno, Arquitecto José LuísMonteiro, cuja Secção que chefiava se incumbia, no âmbito das funções atribuídas, destes assuntos.7 AML-AC, Repartição Técnica, Orçamentos e Projectos, Orçamento nº 263, cx. 5-A/OP.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 50

51

nada ao escrivão, se na mesma mesa, ao lado do presidente (...) como se pratica em algumas assembleias,ou se em carteira separada à esquerda da presidencia; refere o destaque ornamental a considerar nacadeira do Presidente, que deverá ser mais decorada e de maiores dimensões; aponta o tamanho dasala a agenciar - que não se coíbe de qualificar como exíguo - como factor a ter em conta nadisposição do mobiliário da Sala das Sessões; sugere a distribuição dos bancos para o públi-co, dispostos em amphiteatro, acusando critérios de harmonia e funcionalidade.

A madeira escolhida é o carvalho do norte, e orça a despesa em 3.061$000 réis; o anfiteatro eos bancos para o público, tambem de carvalho em grande parte, poderão custar 2.200$000 reis aproxi-madamente; total a despender pela Câmara: 5.261$000 réis.

A finalizar o ofício sugere que o projecto seja encomendado particularmente e não arrematadoem praça a quem por menos o fiser, systema este condemnado pela experiencia, sugestão que nos parececonfirmar a qualidade pretendida para a obra.

Junto da memória e orçamento referidos não existem, em arquivo, quaisquer outros docu-mentos. No entanto, consultado um conjunto de desenhos avulsos8 relacionado com os Paços

Desenho da cadeira de braços dos Vereadores para a Sala das Sessões [1885], (AML-AC, Repartição Técnica,Desenhos para os Paços do Concelho, gaveta nº 61).

8 AML-AC, Repartição Técnica, Desenhos para os Paços do Concelho, Gav. 30 (mf. Nº 021/96).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:22 Page 51

52

do Concelho, que incluem peças de mobiliário para a Sala das Sessões, não datados e assina-dos pelo Condutor na 1ª Secção José Carneiro da Silva Fernandes, somos levados a pensar que terãoacompanhado a memória e orçamento de Outubro de 1885 e a atribuir a sua concepção aoArquitecto José Luís Monteiro, Chefe da referida Secção, que terá incumbido o Condutor dasua execução, no seguimento de outras concepções de mobiliário já referidas.

Os desenhos apresentados – alçados anteriores, laterais e posteriores, quer de uma carteiradupla, quer de uma cadeira de braços – se estão assinados pelo já nomeado José Carneiro daSilva Fernandes, não estão datados. Um olhar mais atento sobre a estrutura orgânicacamarária sugere-nos uma data anterior a 1890, pois a partir deste ano a referida 1ª Secção,fruto de uma reestruturação orgânica dos serviços, passa a denominar-se 1ª Repartição.

Desenho da carteira dos Vereadores para a Sala das Sessões [1885], (AML-AC, Repartição Técnica, Desenhos paraos Paços do Concelho, gaveta nº 61).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 52

53

Pela memória e orçamento assinados por José Luís Monteiro é enviado o projecto de carteirasduplas e suas respectivas cadeiras destinadas a servirem aos vereadores, afirmando o mesmo Arquitectonão estar, ainda, concebida a carteira destinada ao Presidente da Câmara, pelas razões atrásindicadas e limitando-se a tecer considerações sobre a cadeira – a desenhar, acrescentamosnós – que deverá ser mais decorada e de maiores dimensões9. De facto, os referidos desenhos avulsos,não contemplam, nem a cadeira do Presidente, nem a sua carteira.

Combinadas estas duas constatações apontamos para 1885 a data dos desenhos avulsos queterão acompanhado a memória e orçamento de Outubro do mesmo ano.

Sabendo que terão que decorrer dez anos para que o projecto do mobiliário seja levado pordiante e que não corresponderá exactamente aos desenhos das carteiras duplas e da cadeira,desenhados por José Carneiro da Silva Fernandes, pareceu-nos importante a atribuição da suadata de execução assim como as considerações mais precisas sobre a sua concepção; adianteperceberemos melhor porquê.

Segue-se um hiato documental - durante o qual não há notícia do desenrolar deste processo– que nos indicia desinteresse das hierarquias camarárias na construção de uma nova mobília,quem sabe, empenhada noutros projectos considerados mais importantes, já que à RepartiçãoTécnica – posterior Direcção-Geral de Obras Públicas - cabiam funções de gestão e contro-lo urbanístico da capital.

Coincidência ou não, é neste período - 1885-1895 - que se definem e rasgam as grandesartérias como a Avenida da Liberdade, a actual Avenida da República e todas as avenidas novasenvolventes, que significaram um enorme esforço humano e material da administraçãocamarária e cujo grande mentor foi o Engenheiro Ressano Garcia10, apoiado pela sua equipa.É natural, portanto, que os interesses e preocupações para aí convergissem.

Só em 1894 o assunto volta à tona. A Comissão Municipal, em sessão de 21 de Maio, sob pro-posta do Vereador Corrêa Guedes, resolveu que a chefia da Repartição Técnica, redesignadaDirecção-Geral de Obras Públicas, fornecesse à mesma Comissão, num curto prazo dequarenta dias, os desenhos da mobilia para a sala nobre do edificio dos Paços do Concelho11.A 1ª Repartição – chefiada por José Luís Monteiro – respondeu, sob a forma de ofício, de 17de Julho do mesmo ano, enviando o projecto e orçamento da despesa a fazer com a aquisição da mobil-ia necessaria para a sala nobre dos Paços do Concelho e bem assim a planta da disposição a adoptar para a

9 A utilização do verbo no tempo futuro confirma, parece-nos, a nossa hipótese.10 Sobre este assunto, v. Lisboa de Ressano Garcia 1874-1909 [catálogo], dir. Raquel Henriques da Silva, Lisboa, CML/FundaçãoCalouste Gulbenkian, Abr/Mai 1989.11 AML-AC, Repartição Técnica, Livros dos Processos, Processo nº 9510, cota nº 1608.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 53

54

Sessão de Câmara , disposição de mobiliário, 1903-1910 (AML-AF, A4186).

collocação da mesma mobilia12. Três dias mais tarde o Director-Geral, Engenheiro Ressano Garcia,aprovou a proposta.

A Comissão Municipal, entidade máxima a quem cabia tomar a decisão final, no dia 23 deJulho do mesmo ano, anuiu, não sugerindo qualquer alteração, e decidiu pela elaboração – acargo da 1ª Secção da Repartição Técnica - do programma com que deve ser posto em praça o fornec-imento da mobilia a que o referido orçamento respeita.

Poucos dias mais tarde O Século13 divulgou a intenção da edilidade em agenciar a Sala dasSessões conforme o projecto elaborado pela Repartição Técnica, dando notícia do orçamento calcula-do – 3.414$000 réis – e da abertura de concurso para arrematação.

Posta em praça a empreitada em Dezembro de 1894, apenas uma proposta surgiu como can-didata, assinada pelo reputado marceneiro Victor de Alcântara Knotz, orçando o trabalho naquantia de dois contos e quinhentos mil reis14. A 1ª Repartição informou, considerando vantajosa a

12 O projecto e orçamento referidos ter-se-ão, entretanto, extraviado, pois não foram detectados no Arquivo Municipal. Tendoem conta a mobília que foi efectivamente construída, somos levados a concluir que os desenhos agora apresentados difeririamnalguns detalhes dos realizados nove anos antes, que datámos - neste trabalho - de Outubro de 1885, concebidos sob a tutela daentão 1ª Secção da Repartição Técnica.13 De 27 de Julho de 1894.14 Valor mais baixo que todos os outros indicados anteriormente.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 54

55

proposta. Em sessão de 17 de Janeiro de 1895 a Comissão Municipal deu o assentimento final,resolvendo adjudicar o fornecimento do mobiliário ao único candidato.

Apercebemo-nos que, desta vez, o processo foi conduzido com grande celeridade, pois logoem 25 de Janeiro de 1895 a Câmara Municipal de Lisboa celebrou um contrato15 com Victor deAlcântara Knotz16 para execução por empreitada da mobília destinada à sala nobre dos Paços do Concelho17.

Em Março ou Abril seguintes a mobília foi fornecida à Câmara Municipal de Lisboa. Registao livro da contabilidade municipal18, na rubrica das despesas do dia 20 de Maio, o pagamen-to a Victor d’Alcântara Knotz da importância de 17 secretárias e 19 cadeiras, tudo de carvalho, torneadase entalhadas, para a sala das sessões fornecidas em Março último:1ª prestação conforme o contrato feito em17 [sic] de Janeiro pp.1.250$000. De acordo com um segundo registo da contabilidade, a dívidada mobilia para a sala das sessões da Câmara fornecida em Abril último [sic] foi saldada em Julhoseguinte, com o pagamento da 2ª prestação19.

Sessão de Câmara, disposição do mobiliário (Ilustração Portugueza,nº 412, 1914, p. 63).

15 AML-AC, Notariado, Livro de Escrituras nº 11, fl. 23 v.16 Com marcenaria na Rua do Arco a Jesus, nº 19.17 A Sala das Sessões públicas começou a ser também designada por Salão Nobre.18 AML-AC, Serviços Financeiros, Livros de Caixa, nº 71, fl. 71.19 AML-AC, Serviços Financeiros, Livros de Caixa, nº 72, fl. 33.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 55

Descrito todo o processo técnico e administrativo de concepção e execução do projecto, quese arrastou, como vimos, por cerca de dez anos, passemos à apresentação do mobiliário,objecto de estudo deste trabalho20.

Antes de definir tipologias interessará recensear quantitativamente as peças, propósito quenão é totalmente pacífico. De facto, a única referência de que dispomos, quanto ao númerode carteiras21 e cadeiras, resulta do primeiro registo contabilístico atrás referido. Somos leva-dos a pensar que, com o pagamento da 2ª prestação, tenham sido entregues, entretanto, maispeças em Abril último, como é registado. Mais se confirma esta hipótese, se observarmos, querfotografias da sala dos primeiros anos de Novecentos, quer um Inventario Geral de 192322 exis-tente no Arquivo Municipal de Lisboa – Arco do Cego.

A fotografia de Joshua Benoliel (1873-1932), publicada na Ilustração Portugueza23, indica-nosvinte e sete lugares sentados (contando com o Presidente) em carteiras iguais, ainda que nãoseja perceptível quais são duplas e quais são individuais.

O referido Inventario, dá conta de 26 secretarias em carvalho com obras de talha para dois lugares, 4 sec-retarias em carvalho do mesmo modelo das antecedentes (para um logar), 1 secretaria em carvalho, igual mod-elo, para um logar com estrado com alçado atraz (a carteira do Presidente).

Parece-nos haver sido feito um registo menos claro no que respeita às 26 secretarias; tratar-se-á, quanto a nós, de lugares sentados e não do número de carteiras duplas, por duas razões queadiantamos: por um lado, a Vereação estava muito longe de ser constituída por cinquenta edois elementos24, por outro, para uma sala que também tinha um espaço reservado ao públi-co, a área jamais permitiria tão elevado número de carteiras25.

56

20 Actualmente as secretárias ou carteiras e respectivas cadeiras já não mobilam a sala destinada às sessões públicas. Após o novoincêndio no edifício dos Paços do Concelho de 1996, a ocupação das áreas foi redefinida tendo-se concebido, sob a direcção deDaciano Costa, uma nova Sala de Sessões, que recebeu mobiliário novo. As referidas secretárias encontram-se, hoje, na sala desessões privadas da Presidência e Vereação. Quanto às cadeiras, três encontram-se junto das secretárias, as restantes num depósi-to camarário.21 Optamos por esta designação em detrimento de secretária, por nos parecer metodologicamente mais fiel ao espírito do seuautor, o Arquitecto José Luís Monteiro, que assim as adjectiva; por outro lado, conceptualmente, o termo carteira afigura-se-nosmais correcto tendo em conta a forma e a função desta peça de mobiliário.22 AML-AC, Administração Geral, Inventario Geral – Palacio dos Paços do Concelho, Gav. 30.23 Nº 412, de 1914.24 Em 1884, no ano anterior à primeira proposta de agenciamento, de José Luís Monteiro, Presidente e Vereação somavamcatorze membros; em 1896, no ano seguinte ao fornecimento da mobília, o mesmo grupo tinha aumentado para dezasseis (V.Arquivo Municipal, A Evolução Municipal de Lisboa: Pelouros e Vereações, Lisboa, CML, 1996, pp. 109, 114).25 Lembramos que já José Luís Monteiro, na sua memória e orçamento de Outubro de 1885, atrás mencionado, referia as dimen-sões exiguas da sala, como factor a considerar na colocação da carteira para o Escrivão da Câmara.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 56

57

Propomos, portanto, como número possível, treze carteiras duplas, quatro carteiras individu-ais e uma secretária para o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

Quanto ao número de cadeiras, e continuando no pressuposto de que o registo contabilísti-co de Julho de 1895 omitiu a quantidade de uma segunda entrega de peças, apontamos paraos 28 fauteils em carvalho, estofados, em veludo encarnado e um fauteil da mesma madeira e modelo dosantecedentes, tendo a mais a corôa mural, que serve ao presidente, tal como refere o Inventario de 1923.

Da quantidade de peças apresentadas – da mobília para a Sala das Sessões – conseguimosinventariar, hoje, vinte e quatro fauteils (que designaremos por cadeiras de braços), uma cadeirade braços para o Presidente, uma secretária mais nobre, também para o Presidente26, setecarteiras duplas e três carteiras individuais27; constatamos, portanto, que, no decurso dotempo, algumas peças foram, lamentavelmente, desaparecendo.Descreveremos, de seguida, o mobiliário sobrevivente, que tipologicamente se divide em:secretária, carteiras e cadeiras de braços, executado em madeira de carvalho.

A secretária destinada ao Presidente dasessão, assim como as carteiras, obedecemà mesma estrutura e programa decorativo.No entanto, aquela, atendendo à singulari-dade e evidência do cargo a que se destina-va, foi concebida de forma a destacar-sedos restantes móveis de trabalho. Umolhar imediato, hoje, fá-la salientar-se pelamaior dimensão que apresenta e pelotampo plano, característica que nos leva arejeitar a designação de carteira. No entan-to, cremos que ao tempo da sua estreia, oestrado e o alçado então existentes, intensifi-cariam a diferença.

Uma observação mais atenta faz-nos detectar outras particularidades. Toda a secretária assen-ta num pedestal. O alçado principal organiza-se em três panos, simetricamente delimitadospor quatro colunas adossadas, iniciadas em bolacha, sendo as dos extremos angulares. O panocentral, de maiores dimensões, é preenchido por um medalhão circular, decorado com uma

Secretária do Presidente para a Sala das Sessões. Desenhode José Luís Monteiro e execução de Victor Knotz em1895 (foto do autor).

26 Esta secretária encontra-se, hoje, no edifício dos Paços do Concelho (tal como as carteiras ainda existentes), na mencionadasala das sessões privadas e é ocupada pelo secretário da sessão, o correspondente ao Escrivão da Câmara. Foram-lhe retirados oestrado e o alçado, que acompanhavam inicialmente a secretária, e que não conseguimos localizar.27 Do número considerado, uma carteira dupla e uma individual estão, ainda, em fase de restauro, segundo informação de umtécnico camarário.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 57

barca portuguesa que transporta consigo símbolos de Lisboa: uma bandeira, dois corvos e ocorpo jacente de S. Vicente, padroeiro da cidade. Circundam este medalhão, quatro aponta-mentos de talha de inspiração vegetalista, em reserva, simetricamente dispostos. Os doispanos laterais opõem-se gramaticamente ao central, na sua nudez decorativa, apenas pontua-da com um friso rectangular, à maneira de reserva por preencher. O entablamento, seguindoa linguagem tripla dos panos, apresenta um programa poliédrico, a sugerir distorcidas pontasde diamante e é rematado por um friso denticulado que contorna o tampo recortado dasecretária.

Os alçados laterais continuam a mesma lin-guagem dos panos laterais do alçado princi-pal. O alçado posterior apresenta uma gave-ta central que se esconde sob o tampo, comcaixa aberta recuada, apresentando, ao cen-tro, um friso circular, despido de qualqueroutro motivo decorativo.

As carteiras destinadas à Vereação apre-sentam, como dissemos já, uma linguagemmuito próxima da secretária descrita.

Importa distinguir, desde logo, os dois tipos de carteiras concebidas: duplas e individuais. Asprimeiras resultam da junção física de dois módulos, concebidos de raiz, exactamente iguais,que simulam o adossamento de carteiras individuais, destinadas a dois utilizadores; o segun-do tipo, a ser ocupado por uma única pessoa, não apresenta qualquer dissemelhança com ascarteiras duplas, apenas se trata de um módulo individual, a permitir o seu adossamento arti-ficial a qualquer uma outra carteira, iludindo continuidade.

Entre as carteiras duplas há que distinguir três formas: numa o adossamento é completamenterectilíneo, como se de duas peças paralelamente justapostas se tratasse; noutra a junção dascarteiras produz um efeito ligeiramente curvilíneo; uma terceira solução acentua estearredondamento. Desta forma tornava-se possível desenhar, a partir da disposição domobiliário, um hemiciclo.

O programa decorativo é igual, quer para as carteiras duplas, quer para as individuais, recor-rendo-se a um padrão-tipo. O alçado principal apresenta apenas um pano limitado por duascolunas angulares. O medalhão repete exactamente a decoração da secretária do Presidente,o mesmo não se verificando com os pequenos retábulos que o circundam que se fizeram demenores dimensões e com outro figurino, ainda que, também, de inspiração vegetalista.Quando se trata de carteiras duplas, as colunas angulares – à esquerda e à direita de cada

58

Carteira dupla dos Vereadores para a Sala das Sessões.Desenho de José Luís Monteiro e execução de VictorKnotz em 1895 (foto do autor).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 58

módulo virtual – deixam de o ser, para se disporem lado a lado.

Como carteiras que são, apresentam tampo inclinado, levadiço, sob o qual se criou um espaçode arrumação de papéis ou documentos, à maneira de gaveta. Tudo o resto segue o modeloda secretária concebida para o Presidente.

Para os móveis de assento seguiu-se o mesmo critério: destacar a cadeira de braços doPresidente do conjunto das restantes cadeiras a ocupar pela Vereação.

O modelo tipo das cadeiras de braços apresenta: assento, espaldar e costas estofados a velu-do carmesim28. As pernas, de pequena dimensão, têm uma configuração cónica, ritmada porcolarinhos de diferentes dimensões; o aro do assento é arredondado à frente e rectilíneo doslados e atrás, com os ângulos marcados por pontas de diamante, seguindo a linguagem doentablamento das carteiras e secretária. Os braços recua-dos, apoiados numa voluta decorada, rematam em enro-lamento, com uma elegante folha em talha de vulto. Oespaldar - contornado lateralmente por prumadas comum friso saliente preenchido por um festão pendente nafrente e lado - remata com dois mascarões encimadospor dois bolbos gomados. O cachaço, que o recortado doestofo acentua, evolui em tensão ondulante para umacornija angulada, sugerindo frontão a coroar a cadeira.Sob este, e ao centro do cachaço, um elegante monogra-ma entrelaçado - CML - perpetua as iniciais da CâmaraMunicipal de Lisboa, enleando-se numa folhagem sus-pensa, à maneira de festão.

A cadeira de braços do Presidente apresenta maiordimensão, ainda que não muito acentuada e distingue-seapenas no cachaço: o monograma é, neste móvel deassento, substituído pelas armas, em vulto, do Município,que se fazem acompanhar por uma cascata de folhagense enrolamentos, ligeiramente diferentes das restantescadeiras.

Apresentado o mobiliário efectivamente construído para a Sala das Sessões, e que chegou aténós, podemo-nos agora aperceber das diferenças introduzidas entre as peças criadas e osprimeiros desenhos de José Luís Monteiro, concebidos em 1885. 59

Secretária do Presidente para a Sala dasSessões. Desenho de José LuísMonteiro e execução de Victor Knotzem 1895 (foto do autor).

28 As três cadeiras que se encontram hoje nos Paços do Concelho são estofadas a veludo verde, assim como mais onze - incluin-do a do Presidente - que se encontram num depósito já aludido; pensamos que a necessidade de substituição, devido aoenvelhecimento do veludo original, terá levado à opção desta cor, no entanto, ainda se mantêm dez com a cor original.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 59

60

Estruturalmente há uma grande semelhança, querno modelo da cadeira de braços, quer no figurino dacarteira dupla. O tempo decorrido até ao retomardo projecto, em 1894, traduziu-se, apenas, na intro-dução de pequenas alterações decorativas e de apu-ramentos ligados à funcionalidade com a criação decarteiras individuais.

As armas com a coroa mural, no medalhão do panocentral, foram substituídas pelo episódio vicentino;as colunas foram simplificadas, reduzindo-lhes onúmero de colarinhos, e foi acentuada – nascarteiras duplas - a ilusão de justaposição de doiscorpos com a execução de duas colunas ao centro,em vez de uma, como constava no desenho de 1885.

Nas cadeiras de braços reparamos que a grande alteração se fez no cachaço. O brasão dearmas com a coroa mural foi substituído pelo monograma CML – excepto na cadeira doPresidente - que se inscreveu no centro do cachaço e não no vértice da cornija angulada,como previa o desenho inicial para o brasão. Registamos, também, mínimas alterações no tipode motivos vegetalistas.

Do mobiliário conhecido, desenhado por José Luís Monteiro para os serviços camarários, esteé, sem dúvida, o mais requintado do ponto de vista ornamental, mas a função nobre da Saladas Sessões assim o impunha.

Preteridos os receituários neogótico ou neomanuelino, ou todos os exotismos que osimpérios fizeram próximos, tantas vezes mais exuberantes e inflamados, Mestre Monteiro foibuscar os elementos do classicismo puro, da renascença ou do neoclássico – que tinhaassimilado desde a sua formação, em Paris, com o seu professor J. L. Pascal - no laboratóriodo ecletismo, à maneira do II Empire napoleónico, para enformar as cadeiras e as carteiras queacompanhariam as decisões e as polémicas da instituição municipal.

Os elegantes festões vegetalistas ou os mascarões, a geometria do entablamento ou dopedestal, o denticulado ou o sugerido frontão, a majestade das cadeiras ou a angulosidade dascarteiras não são mais do que uma miscelânea de elementos clássicos, que encontramosrepetidos - alguns deles – na obra de José Luís Monteiro, constituindo-se, assim, imagens demarca de um estilo pessoal.

Pormenor da cadeira de braços do Presidente.Desenho de José Luís Monteiro e execução deVictor Knotz em 1895 (foto do autor).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 60

Esta concepção estilística não impediu, no entanto, o Arquitecto, de dotar estas peças, assimcomo, em geral, os móveis que dele conhecemos para a Câmara Municipal de Lisboa, de umacaracterística que a modernidade começava a impor: funcionalidade, isto é, conceber a peçade mobiliário, casando forma e função, estilo e desempenho, aliança de um design hojeconhecido. É verdade que o mobiliário de serviços29 - destinado a constituir meio de tra-balho - mais facilmente exigia esta característica, daí que tal orientação deva ter estado pre-sente na mente do Arquitecto, sempre que o risco criador se definia.

Esta funcionalidade evidencia-se, para nós, em três aspectos. O primeiro resulta da amovi-bilidade de todo o mobiliário desenhado para a Sala das Sessões: secretária, estrado e alçado,carteiras e cadeiras, tudo era amovível, podendo-se instalar as peças, em caso de necessidade,onde fosse necessário, na sala disponível. O segundo, constatamo-lo nas três tipologias decarteiras duplas, atrás mencionadas: rectilíneas, semi-anguladas ou acentuadamente anguladas,permitindo dar forma a um hemiciclo, maior ou menor, de acordo com o número deVereadores que a lei ia alterando. Por último, as carteiras individuais: se uma ou outra, colo-cadas próximo do Presidente, poderiam servir para o Escrivão tomar as notas devidas, quan-do necessário, encostadas a uma qualquer carteira dupla, simulavam a continuidade – man-tendo uma harmonia estilística – na disposição do colégio.

Autoridade, colegialidade institucional, legitimidade histórico-cultural e dignidade parecem-nos ser as características que ressaltam de uma leitura meta-formal do mobiliário adoptado,inspirado na lição dos revivalismos classicizantes tão à maneira de Oitocentos.

Se a autoridade se quis plasmar no monograma inscrito no alto espaldar das cadeiras daVereação, coroa de cada cabeça legitimada no poder municipal, quis-se também gravar, e maisvisivelmente, no lugar do Presidente, entronizado na sua cadeira, único móvel de assento aostentar as armas do município e a coroa mural, no estrado que o elevava ou no alçado queo encenava.

A colegialidade institucional, receita do ideário demo-liberal, transmitiu-se, acima de tudo, naconfiguração da sala que os próprios móveis criavam. A sua ductibilidade permitia criar umespaço semi-circular, mais ou menos prolongado, que a secretária do Presidente encerrava. Ocolégio dos Vereadores, sentava-se, assim, num frente a frente, mais ou menos exacerbado,que a convergência ou divergência de ideias temperava.

A lição de uma cidade multi-secular, que busca na sua História e nos seus valores cristãosenraizados a legitimidade do presente, inscreveu-se em todos os padrões-tipo dos medalhões

6129 Acusamos alguma dificuldade em, conceptualmente, referir esta área do mobiliário; pretendemos englobar todos os móveisque agenciam espaços exclusivamente dedicados a um qualquer desempenho profissional. Parece-nos ser, esta área, um filãoespecífico da História do Mobiliário a merecer mais atenção.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 61

centrais, repetidos em cada móvel de trabalho, verdadeiros emblemas da cultura municipal: S.Vicente, padroeiro da cidade instituído pelo primeiro monarca português, com o corpojacente na barca que o transportou, faz-se acompanhar por dois corvos, um à esquerda, outroà direita, como se de dois soldados - fiéis e vigilantes - se tratasse e que nenhuma história pos-itivista fez afastar do imaginário de Oitocentos.

A dignidade foi o resultado da soma das parcelas enumeradas e às quais acrescentamos aintencionalidade estética, característica concorrente para a criação do objecto artístico e queo Arquitecto José Luís Monteiro, no mobiliário, como noutros domínios da arte, revelandoum casamento feliz entre versatilidade e qualidade, soube imprimir nos seus trabalhos.

62

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 62

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 63

O Projecto da Avenida dos

Anjos – Algumas considerações geraisLurdes R ibe i ro

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 64

65

Introdução: A Memória descritiva e o Mapa de expropriações do plano urbanístico da Avenida dosAnjos, constituem as peças nucleares, que exprimem de uma forma particular, quer o pen-

samento urbanístico do período final da monarquia constitucional, quer o contexto económi-co-social em que o mesmo foi gerado. Assim, a partir da Memória descritiva, são colhidas pre-ciosas indicações com vista a percepcionarem-se as linhas estruturadoras que ajudaram acimentar uma dada ideia de cidade pensada para esta zona.

Da leitura desta última, ficamos na posse dos dados mais importantes no que respeita à arqui-tectura formal do plano – os seus alcances físicos; limites urbanos; implantação e perfil doequipamento; tipologias arquitectónicas a considerar. O mesmo se poderá dizer sobre osdados relativos à estética urbana – arborização e concepção de praças e rotundas.

A partir da Memória descritiva do projecto da Avenida dos Anjos, salientamos como dadosrelevantes e aferidores de uma nova ideia de cidade que se pretende editar para esta área, oscasos emblemáticos da construção da nova Igreja dos Anjos e jardim público adjacente; novapraça em substituição do velho Largo do Intendente; alteração da antiga Bica dos Anjos naRua dos Anjos; tipo de arborização considerada.

Do Mapa de expropriações, podemos reter os dados indispensáveis que desta forma, projec-tam o quadro económico da época e respectivas conotações sociais em que o processo deexpropriações emerge.

Deste modo, e atendendo às premissas colocadas atrás, considerou-se pertinente a transcriçãointegral das duas peças operatórias deste projecto.

Cingimo-nos à cópia do projecto elaborado em 17 de Fevereiro de 1892 pelo Serviço Geralde Obras Públicas da Repartição Técnica da Câmara de Lisboa, (por se ter tornado inviávelaté agora, a localização do projecto original após uma persistente tarefa de procura domesmo). Antecedendo a transcrição das referidas peças, dá-se primeiramente a conhecer ametodologia do referido projecto.

1 - Estrutura Metodológica e Peças Operatórias do Projecto1.1 - Es t ru tu ra do P lano

Iª Parte: Peças escritas:

- Mapa das medições das canalizações que se torna necessário fazer em diversas ruas para desague das do pro-jecto.- Orçamento das canalizações que se torna necessário fazer em diversas ruas para desague das do projecto.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 65

66

- Notas sobre as expropriações a efectuar.- Série de preços

I) Preços simples

II) Materiais e mão de obra- Vários mapas

I) Mapa das expropriações para a faixa a ocupar pela AvenidaII) Mapa das superfícies a ocupar temporariamente com os taludes dos aterros e das

trincheiras e respectivas indemnizaçõesIII) Mapa das terraplanagensIV) Mapa da distribuição de terrasV) Mapa do esgotoVI) Mapa do pavimentoVII) Mapa das obras acessóriasVIII) Mapa do orçamento

- Descrição e orçamento geral do projecto e diferentes mapas elucidativos

I) Memória descritivaII) Mapa das importâncias a deduzir ao orçamento geral do projectoIII) Mapa indicativo dos terrenos a vender aos proprietários confinantes ou em

praça.IV) Medição geral do pavimento dos esgotos e das obras acessórias das diversas ruas

do projecto.V) Volumes de escavação e aterro e quantidades de alvenaria e cantaria a empregar n a s

diversas ruas do projectoVI) Orçamento geral do projecto

IIª Parte: Peças desenhadas:

1. Planta das ruas, dos canos de esgoto, e dos colectores de sargetas 2. Perfil longitudinal da Avenida dos Anjos 3. Planta das expropriações 4. Planta do pavimento e dos esgotos 5. Planta geral 6. Perfis transversais da Avenida dos Anjos

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 66

1.2 - Memória Descritiva

Avenida dos AnjosMemória descritiva

- Considerações gerais -

-Ante-projecto – Por ofício da Exma. Câmara Municipal datado de 20 de Dezembro de 1881, foi pedi-do ao Ministério das Obras Públicas Comércio e Indústria, o Ante-projecto da Avenida dos Anjos, elabora-do pela Comissão do plano geral dos melhoramentos da Capital, pedido que foi satisfeito pelo Ministério emofício de 28 do mesmo mês e ano, remetendo o Ante-projecto datado de 9 de Março de 1877.

Em secção de 5 de Janeiro de 1882, foi enviado à Comissão de Obras e Melhoramentos (actualmente extin-ta) sendo remetido à Repartição Técnica.

O estudo do Ante-projecto tem por base o prolongamento da Rua Nova da Palma, entre os largos do Socorroe Intendente, e refere-se só à parte compreendida entre o largo dos Anjos, e a estrada da Circumvalação nocomprimento de 1:226,48.

Este estudo consta de três ruas longitudinais, separadas entre si de eixo a eixo por 80.50 m,tendo a central 25,0 m de largura, e as laterais 16.00 m, e oito ruas transversais de 16.00 mde largo que se ligam pelo lado oriental com a calçada do Forno do Tijolo e Monte da Penhade França, e pelo lado ocidental com a rua direita dos Anjos, Largo de Santa Bárbara, ruadireita de Arroios e estrada de Sacavém.

O comprimento destas três ruas são: Central 1:226,48 m, oriental 1:227.00, ocidental 55,50.

Os traineis da rua Central são formados por uma rampa de 0.037678 em 777,95 m e por um patamar de448,55 m.

As inclinações das ruas laterais não são superiores à Avenida Central, e as das ruas transversais excedem nasua maior parte a oito r dez por cento, com grandes movimentos de terras devido ao prolongamento da rua ori-ental, que do cruzamento da Calçada do Forno do Tijolo em diante torna difícil a sua ligação com a rua cen-tral, pela grande diferença de nível entre elas.

O cubo das escavações em todas as ruas é de 127:001,85 e dos aterros de 107:860,68, mantendo-se o vol-ume de Alvenaria em muro de 23:011,81 que para a construção das ruas se torna desnecessário.

O orçamento total dos trabalhos a executar, incluindo a expropriação para edificações é de 617:637$052 que67

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 67

deduzido aos terrenos para vender ao preço médio de 2$00 fica reduzido a 361:634$000.

Este orçamento é demasiadamente baixo devido à época em que foi feito, pois comparando os preços de entãocom o presente vem a uma grande diferença no valor da propriedade urbana, materiais e mão de obra, ten-dendo a aumentar a primeira apesar do grande desenvolvimento de edificações que se tem feito há 12 anos aesta parte.

-Projecto definitivo - O alinhamento da Avenida é o mesmo do Ante-projecto, tendo por base o ladooriental da rua Nova da Palma, compreendido entre a rua Fernandes da Fonseca e travessa do Bemformoso,medindo a extensão de 1:811.60 m até à estrada da Circumvalação, podendo ser prolongado em 665.0 mcom uma rampa uniforme de 0.02 a encontrar o trajecto da estrada de Sacavem ao Areeiro dando o compri-mento total de 2:466.60 m.

- Largura da Avenida dos Anjos – No ante-projecto a largura da Avenida é de 25.00 m devidotalvez ao lado económico, e foi este o tipo adoptado para o projecto definitivo que parece não ser o melhor aten-dendo ao movimento que deve ter de futuro.

- Nova praça em substituição do Largo do Intendente - A avenida deixa do lado oriental oLargo do Intendente transformando-se este, em uma praça regular medindo 2:926.0 e contornada por duasruas de 15.0 m de largo e outra de 12.00 m ficando ao centro o chafariz.

-Ligação da rua Direita dos Anjos e a Avenida – A ligação da rua dos Anjos com a Avenidaé feita por uma rampa de 0,135 em 38,82 m no perfil 16, ficando nesta parte interrompida para se ligar denovo adiante do perfil 19 com outra rampa de 0,136 em 10.00 m.

-Bairro Andrade – Novo Bairro ao ocidente da Avenida entre esta e a Calçada Fornodo Tijolo – Entre perfis 17 e 23 comunica a Avenida por meio de três ruas pelo lado oriental com o BairroAndrade. Estas ruas não entram no projecto, por fazerem parte do complemento do novo bairro.

-Ruas transversais à Avenida e rua António Pedro – No perfil 24 deriva a rua Nº 4 que tema largura de 16.00 m e o comprimento de 72.00 m por ligar com a rua dos Anjos. O Largo de SantaBárbara é ligado por meio da rua Nº 5 no comprimento de 111.5 m e com a largura de 18.00 m. Nesta ruaa partir do eixo da Avenida 75.50 m começa a rua António Pedro que corre paralela à Avenida no com-primento de 770.00 m até à estrada da Circumvalação, sendo cortada por três ruas de 16.00 m de largo, euma de 20.00 m para comunicar a Avenida com a rua Pascoal de Melo.

68

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 68

-Viaduto sobre a rua direita de Arroios – A passagem desta rua sobre a de Arroios é feita pormeio de um viaduto metálico de 10.70 m de altura com a largura de 20.00 m e a cota de 8.33 da faixa derodagem uma à outra.

-Parte da Avenida dos Anjos que não entra neste projecto – No projecto definitivo não entraa parte compreendida entre a rua Fernandes da Fonseca e a travessa do Bemformoso na extensão de 301.00m que tornava mais caro o orçamento atendendo ao elevado preço porque se podem obter actualmente os edifí-cios e terrenos do lado ocidental pois ainda se tem de fazer o alargamento que não dará uma despeza inferiora 180:000$000.

-Urgência da abertura da Avenida dos Anjos para substituir a parte compreendidaentre o Largo do Intendente e a calçada dos Anjos – peões – Torna-se urgente substituir quan-to antes a Calçada e rua dos Anjos por uma Avenida e rua de fácil tracção para dar serventia aos populososbairros de Estefânia, Santa Bárbara e ultimamente o de Andrade em construção, além das comunicações aonorte que tendem a aumentar o movimento tanto de peões como de veículos, o que se torna quase impossívelactualmente, dando motivo a interrupções contínuas ao mais pequeno veículo (?).

Dois obstáculos se apresentam para resolver este problema sendo o primeiro o valor de expropriações a fazerno Largo do Intendente aonde se encontram prédios de um grande rendimento, uma fábrica de louças impor-tante, além dos anexos do hospital do Desterro cujas expropriações se elevam à quantia de 95:000$00.

O segundo é a expropriação total da Igreja dos Anjos.

-Serventia provisória entre o Largo do Intendente e a Avenida dos Anjos – Para asresolver atendendo à parte económica, adiantou-se para o primeiro caso deixar para mais tarde esta expro-priação partindo com a Avenida da propriedade dos herdeiros Ribeiro da Cunha perfil 10 (em terrenos jáincluídos na expropriação) ligando-se com o Largo do Intendente por meio de uma serventia provisória de14.00 m de largo com o comprimento de 124.85 e a inclinação de 0.05.

- Igreja dos Anjos sua reconstrução e jardim público – O que diz respeito à Igreja dos Anjos,achou-se o terreno gratuito e preciso para a construção de uma nova Igreja no talhão compreendido entre aAvenida central e o bairro Andrade marcado na planta com a letra – A – podendo aproveitar-se todo o mate-rial existente da antiga Igreja, e a indemnização de 20:000$00 para a nova construção. No caso da Igrejanão ocupar a superfície do terreno marcado na planta este reverterá a favor do Município, para aumentar ojardim público que a contorna.

69

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 69

Para o local da nova Igreja tinha sido escolhi-do em princípio o talhão que ficava ao meio dobairro Andrade comunicando com a Avenidamas reconheceu-se mais tarde que este poucoabrangeria o terreno Municipal dominado,Quinta da Romeira.

A escolha do talhão – A – reduz aexpropriação a fazer a 2:502,5 m2, aprovei-tando-se do terreno municipal 1:983,75 m2,ficando deste ao oriente e ocidente a superfíciede 3:379,25 m2 para edificações.

-Projecto já estudado do prolonga-mento da rua da Palma compreen-dido entre o Largo da Guia e a ruaNova da Princeza (lado oriental doMercado da Praça da Figueira) –Resolvidas as duas questões mais importantespara a execução imediata da Avenida dosAnjos, um outro obstáculo se apresenta nãomenos difícil, e que tem ligação com a mesmaAvenida. É o troço da rua da Palma com-prendido entre o largo da Guia e a rua Novada Princeza (lado oriental) do Mercado daPraça da Figueira.

Como é sabido para atenuar em parte asinterrupções que se davam neste troço da rua

da Palma, devido ao grande movimento de veículos, foi determinado por uma postura municipal que as queseguem na direcção norte-sul, no largo da Guia, derivam em direcção da rua do Arco do Marquez do Alegretea não ser os Carros Americanos que devem trilhar sobre os rails.

Satisfaz este expediente, o único que se poderia adaptar, nas condições em que se encontra esta parte daCidade? Decerto que não, sem que seja aberto o prolongamento da rua da Palma a partir do largo do Socorro,à rua Nova da Princeza e já projectado.70

Planta não assinada, datada de 29 de Março de 1895, relativa à expro-priação de uma parcela de terreno de 1.596 m2 na Rua Palmira, numdos talhões destinados à nova Igreja Paroquial dos Anjos. AML-AC,Caixa nº 83-DSU.

Planta, não assinada, datada de 18 de Abril de 1895, mostrando o ter-reno municipal da Horta Romeira dos Arcos no Regueirão dos Anjos,onde se insere um dos talhões destinados à nova Igreja Anjos. AML-AC, Caixa nº83-DSU.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 70

Para resolver esta última dificuldade parece que seria de uma grande vantagem não prolongar por enquanto aAvenida além do Largo do Intendente que tendo o seu término numa praça, o movimento derivará para asruas do Bemformoso, Desterro, etc., e aplicar a verba a despender com as expropriações entre o largo doIntendente e Socorro no alargamento do Largo da Guia a rua Nova da Princeza.

- Valor das expropriações da Avenida dos Anjos e ruas adjacentes – O valor total dasexpropriações para a construção da Avenida dos Anjos e ruas adjacentes é de 218:619$372. Para facilitara construção terá de se abater as expropriações do Largo do Intendente, Quinta da Romeira (já paga) e ter-renos a vender aos proprietários confinantes, e em praça.

Esta redacção é demonstrada da seguinte forma:

Valor total das expropriações 218:619$372Expropriação para a serventiaprovisória do Largo do Intendente à Avenida 2:000$000

220:619$372A deduzir

Expropriação do L. do Intendente 95:000$000000100:774$3899

Terrenos da Quinta da Romeira 5:774$389389

Total das expropriações a fazer 119:844$9833

Importância provável dos terrenos a vender 37:266$1500Total a despender em expropriações 80:578$8333

Conclui-se, que para a construção da parte projectada, a despeza a fazer com expropriações é de 80:578$833,e esta será ainda reduzida a menos logo que os proprietários se convençam da vantagem de cederem a parte rús-tica para a abertura da Avenida e ruas, tomando o exemplo da quinta da Imagem que pela simples aberturaem parte da rua António Pedro já vendeu lotes a 9000 o metro quadrado.

- Movimento de terras – O cubo total das excavações para a execução de todo o projecto é de152:255,56 m3 incluindo 86:681,31 m3 de terras de empréstimo, e dos aterros de 138:465,99 m3.

A despeza a fazer com estes movimentos de terras é de 51:969$812.

71

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 71

- Deduzir – Deduzindo o movimento entre perfis 6 a 13, e incluindo a serventia provisória fica o volumedas escavações reduzida de 143:238,86 e dos aterros em 134.647,31 e a despeza de 51:069$508.

- Canos de esgoto – O desenvolvimento dos canos de esgoto na Avenida e ruas adjacentes para todo o pro-jecto é de 3:350,40 m2.

O tipo adoptado para todas as ruas é o oval de 1,80 m x 1,20 m.

A despeza a fazer com a construção dos canos é de 42:426$689, e para seu complemento será preciso con-struir mais 425,0 m na importância de 8:085$000 S e do mesmo tipo; na rua direita dos Anjos e Largode Santa Bárbara, entre as ruas Nº 4 e 3 na extensão de 235,0 m, e rua direita de Arroios entre as ruas5 e 6 no comprimento de 190,0 m.

O total pois a despender com a canalização de esgoto da Avenida, ruas e seu complemento, é de 50:511$691S.

Descontando a parte projectada entre perfis 6 a 13 o seu comprimento é de 3:506,4 m e a despeza de47:652$634.

- Cano da rua de Arroios – Além da canalização projectada torna-se conveniente mais tarde a recon-strução de um cano de tipo oval de 1,80 X 1,20 na rua direita de Arroios entre o encontro oriental do viadu-to e a rua Nº 6 na extensão de 375,0 m; porque o existente não tem secção suficiente, e desta forma ficará aAvenida e ruas adjacentes ligadas por canos resistentes (?) e de tipo regular com o bairro de Santa Bárbarae Avenida Estefânia.

- Muros de suporte adoptou-se – Para o projecto definitivo da Avenida e mais ruas, adoptou-se a con-strução de muros de suporte só nos casos excepcionais onde os taludes naturais dos aterros e escavações nãopuderem ser empregados (?).

No Mapa das expropriações há duas medições, uma que indica a expropriação a fazer para a faixa daAvenida e ruas, e outra a ocupar pelos taludes.

A primeira é paga ao proprietário como a verdadeira parte a expropriar; e a segunda, a ocupada pelos taludes,é só a título de indemnização temporária, podendo o proprietário tomar conta deles quando queira construirnos alinhamentos marcados.

Os muros a construir para a execução total do projecto, são na Avenida entre perfis 9,10,14 a 16 e 18 e20, e rua Nº 3 perfis 1 a 3, rua Nº 5 entre perfis 1 e 1, e rua António Pedro em perfis 0 a 2; 19 a 22 e23 a 24.

72

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 72

Nos primeiros são destinados à serventia do Largo do Intendente, e ligação da rua direita dos Anjos com aAvenida, e os últimos para resolver as construções existentes.

O valor total destes muros é de 3:005.78 que juntando às acessórias (?) de revestimento de cantarias, rebouco,etc. perfaz a importância de 12:515$013.

Deduzindo a parte que supomos não construída neste projecto entre perfis 6 a 13 fica a sua despeza em11:053$659.

- Orçamento total dos trabalhos a executar na Avenida e ruas adjacentes – O orçamentototal dos trabalhos a executar na Avenida e ruas Adjacentes é de 415:889$000 o que reduzindo a verbadas expropriações, movimentos de terras, regularização etc., do Largo do Intendente até ao perfil 13, terrenoda Quinta da Romeira, e grilhagem de ferro para as concluir fica em 298:879$621 rS, e contando com avenda do terreno para edificações que supomos de 39:266$115 e a despeza efectiva a fazer da parte a con-struir é de 259:613$471.- Avenida dos Anjos – Descrição da Avenida e ruas adjacentes.

De todas as ruas compreendidas neste projecto, a mais importante é sem dúvida a Avenida dos Anjos, quepartindo do Largo do Socorro, segue até à estrada da Circumvalação.

Esta rua é formada de um só alinhamento recto de 1:811.60 m com os seguintes traineis:

Rampa de 0.00094 em 96.00 m“ “ 0.0264 “ 236.50“ “ 0.0250 “ 690.45“ “ 0.0260 “ 424.81“ “ 0.00841 “ 363.84

O seu custo é de 263:848$000 incluindo 175:218$4 para expropriações o que para o cumprimento efectivode que trata este projecto de 1:510$60 e que vale a 17.4$664,37 por metro corrente.

Deduzindo as verbas acima descritas e incluindo a serventia provisória entre o Largo do Intendente e aAvenida, o seu custo é de 107:572$470 ou de 85$470 por metro corrente.

- Nova praça em substituição do Largo do Intendente e ruas Nºs. 1 e 2 – O Largo doIntendente é transformado em uma praça medindo 2,926,0 metros quadrados ficando ao centro com um cha-fariz, em substituição do que actualmente existe, e liga pelo lado sul com a Avenida por meio da rua Nº 1com a largura de 15.00 m, e o declive de 0,0291 no comprimento de 33,11 m; e pelo norte a ligação é feita

73

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 73

por uma escada de 8,0 m de largo, e 5,95 m de comprido, e a rua Nº 2 com o declive de 0,019 em 30,6 mde extensão com a largura de 15,00 m.

O custo total destas obras é de 4:561$00 que dá a despesa de 1$178,23 por metro quadrado.

- Rua Nº 3 – A rua Nº 3 consta em parte da rua dos Anjos comprendida entre o Largo do Intendente ea interrupção desta pela Avenida, e é formada pelo alargamento do lado ocidental ficando com a largura de12.00 m na extensão de 100.00 m e o trainel de 0.01; inclinação actual para não alterar os níveis do ladooriental.

A ligação desta parte com a Avenida é feita por uma rampa de 0.135 em 38,82 com a largura de 8.0 m,sendo o comprimento deduzido em duas partes, uma em recta de 15,0 m, e a outra em curva de 18,2 m deraio com o desenvolvimento de 23.82.

As expropriações desta rua estão incluídas na Avenida dos Anjos por fazerem parte das parcelas para a suaconstrução e serventia provisória. Quando esta serventia for eliminada, pelo prolongamento da Avenidaatravés dos prédios do Intendente, o Município ficará com uma superfície de 2:550,0 m que poderá ser ven-dida nas melhores condições por ter frente para a Avenida, Praça e rua Nº 3.

A bica existente nesta rua é recuada ao novo alinhamento, e em meia laranja como a actual.

O orçamento total dos trabalhos a executar é de 5:258$000 o que dá por metro corrente o preço de 38$774,6.

- Rua Nº 4 – A rua Nº 4 com a largura de 16.00 m parte em frente do perfil 24 da Avenida, e liga estapelo lado ocidental com a rua direita dos Anjos próximo da Ermida do Resgate, e é formada por um alin-hamento recto de 72,0 m de comprido e uma rampa de 0,0278.

O orçamento desta rua é de 6:899$000 incluindo 1:348$928 para expropriações que para o seu cumpri-mento equivale a 95$819.40 por metro corrente.

- Rua Nº 5 – Do perfil 31 da Avenida parte a rua Nº 5 ligando-a por meio de um alinhamentorecto de 111,5 com o Largo de Santa Bárbara em frente da rua Joaquim Bonifácio, e com o declive de0,00861.

A sua largura é de 18.00 m, e para resguardar as construções recentemente construídas entre a Avenida erua António Pedro foi projectado entre perfis 1 e 1’ do lado norte um muro de suporte para o talude de cotamédia de 4,16 m não aterrando a referida construção, e deixar uma passagem inferior de 5,0 de largo.

74

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 74

Esta rua está orçada em 24:490$000 entrando nesta verba as expropriações no valor de 15:898$000 sendoo custo por metro corrente de 219$634.

- Rua António Pedro – Depois da Avenida dos Anjos, é a Rua António Pedro a mais importante, etem a sua origem na rua Nº 5 a 75,50 do eixo da Avenida e paralelo a esta na extensão de 770,0 m até àestrada da Circumvalação, e é cortada pela rua Nº 6 nos perfis 3’ e 4’, Caracol da Penha perfis 14’ e 16’Pascoal de Melo 21’ e 22’ e rua Nº 7 no perfil 27.

A largura desta rua é de 16.00 m com os traineis seguintes:

Rampa de 0,01461 em 161.50Horizontal “ 160.0 R. Nº 5Rampa de 0,0482 “ 165.50Horizontal 16.000 Rua do Caracol da PenhaRampa de 0,01614 “ 234.00

Entre perfis 1 e 1’ é projectado um muro de suporte do lado oriental nas mesmas condições da rua Nº 5, parareforçar as construções existentes deste lado, e dar a passagem livre de 5,0 m ao longo das edificações.

Próximo do perfil 1’ existe uma praça donde é extraída a água para as máquinas das oficinas que funcionamnas edificações acima referidas, e para a não inutilizar, é construída uma galeria em abóbada na extensão de4,0 m para baixo do pavimento da rua, e fixada por uma porta, de modo que possa ser visitada todas asvezes que haja transtorno nos aparelhos para elevação das águas.

Esta obra vai pervista no orçamento.

Entre perfis 20 e 21 lado ocidental é forçoso construir um outro muro de suporte para resguardar umas con-struções existentes e um poço, devido à cota média de aterro neste ponto ser de 4.35 m, que com o seu taludecentral das terras obrigaria a uma expropriação cara.

O orçamento desta rua é de 55:702$00 incluindo a verba a despender com expropriações 16:676$085 quedá o custo por metro corrente de 71$504.50.

- Rua Nº 6 – Em frente do perfil 38 da Avenida lado ocidental parte a rua Nº 6 cortando a de AntónioPedro no perfil 3’ e ligando estas com a rua de Arroios na junção da Calçada do Forno do Tijolo e Regueirãodos Anjos.

A rua nº 6 é formada por um alinhamento recto de 109.50 m com a largura de 16.00 m, e com os seguintestraineis: 75

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 75

Declive de 0,0522 em 55.00Horizontal em 16.00 R. A. Pedro

Declive de 0,040 em 38.50

O seu orçamento é de 8:782$00 estando incluído as expropriações 4:820$80 dando o preço por metro cor-rente de 93$925.

- Rua do Caracol da Penha – A rua Caracol da Penha consta da ampliação da travessa do mesmonome, e que liga esta com a Avenida, rua António Pedro e a rua direita de Arroios no mesmo ponto em quefaz junção a travessa com a rua.

Esta rua é formada por dois alinhamentos rectos, um de 167,5 m e outro de 65.00 m.

A sua largura é de 16.00 m e os seus traineis os seguintes:

Declive de 0.149 em 94.00

Horizontal em 25.00 Avenida dos Anjos

Declive de 0.0773 em 55.00

Horizontal em 16.00 R. António Pedro

Declive de 0.0743 em 48.00

O orçamento é de 11:120$000 estando incluído as expropriações a fazer de 690$200 dando o valor pormetro corrente efectivo de 56446.70.

Nesta rua e bem assim na Avenida e rua António Pedro não entram as expropriações a fazer na quinta daImagem, por existir um contrato feito com o Município e o proprietário em data de 18 de Outubro de 1890em que este cede os terrenos precisos para a construção da Avenida e ruas adjacentes, obrigando-se a Câmaraa reconstruir um muro e assentamento de portão em frente da quinta para a rua António Pedro, e parte deum muro da rua do Caracol da Penha, despeza que foi orçada em 480$000.

- Rua Pascoal de Melo – A rua Pascoal de Melo em parte construída entre a rua D. Estefânia e JardimConstantino, deve ser prolongada segundo o projecto dos Melhoramentos da Capital até à Avenida dos Anjospassando sob a rua de Arroios em Viaduto.

No projecto definitivo trata-se só da parte que liga a Avenida com a rua António Pedro ao encontro orientaldo viaduto até à rua de Arroios.76

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 76

Como apêndice a esta rua é apresentado o projecto do viaduto e seu orçamento em separado.

A rua Pascoal de Melo tem a sua origem em frente do perfil 56’ lado ocidental da Avenida, e corta a ruaAntónio Pedro no perfil 22, e segue até à rua de Arroios com a cota de aterro sobre esta de 8,33 onde prin-cipia o viaduto.

A largura desta rua é do mesmo tipo da parte já construída, isto é de 20.00 m, e formada por um alin-hamento recto de 151,0 m com os seguintes traineis:

Rampa de 0,00727 em 55.00Horizontal “ 16.00 R. A. PedroRampa 0,00420 “ 80.00

O orçamento desta rua é de 21:588$000 incluindo as expropriações de 5:058$900 sendo o preço por metrocorrente de 157$003.

- Rua Nº 7 – A rua Nº 7 última transversal de que faz parte este projecto, parte em frente do perfil 59’da Avenida, e corta a rua António Pedro no perfil 27 ligando-as com a estrada de Sacavem.

É formada por um alinhamento recto de 105,50 m com a largura de 16.00 m.

Os seus traineis são os seguintes:

Rampa de 0,0307 em 55.00Horizontal “ 16.00 R. A. PedroRampa 0,0527 “ 34.50

O seu orçamento é de 5:506$000 incluindo as expropriações no valor de 908$00 o que dá o custo por metrocorrente de 62$078.

- Serventias provisórias – A Avenida dos Anjos e ruas adjacentes corta temporariamente algumas ser-ventias que bastante as prejudica enquanto não forem mais tarde regularizados os talhões formados por estaconstrução e as antigas ruas; e são estas as seguintes:

77

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 77

||Avenida entre pp. 22 e 23 Serventia em rampa

Regueirão dos Anjos ||Rua Nº 4 perfil “ em escada

||Rua Nº 5 “ “ “ “

||Avenida entre pp. 33 e 34 Serventia em rampaL. do Forno do Tijolo

||Rua Nº 6 entre pp. 2 a 3 “ “ “

R. do Forno do Tijolo ||Avenida entre pp. 40 e 41 S. em rampa

A verba destinada a estas serventias será tirada das despezas previstas (?) no orçamento geral.

- Arborização – A arborização a fazer tem relação simplesmente com a Avenida e nova Praça, porqueas outras ruas são inferiores à largura de 20.00 m.

O número de árvores destinadas à Avenida é de 436, e para a nova Praça em substituição do Largo doIntendente de 48, perfazendo o total de 484 árvores.

- Vedações – As propriedades tanto urbanas como rústicas, cortadas pela Avenida e ruas (adjacentes) sãovedadas ao longo do limite de seus alinhamentos por tapumes de madeira em tosco sendo estes colocados nosaterros na aresta superior, e nas escavações na inferior.

O comprimento total de vedações a fazer é de 4:764 metros correntes.

- Desenvolvimento, superfície ocupada pela Avenida dos Anjos e ruas adjacentes – Odesenvolvimento da Avenida dos Anjos e mais ruas, partindo do perfil 6 tal como foi projectado é de 3.218,27m, e a superfície ocupada pelo pavimento e passeios, de 65:51716 m2.

Reduzindo a parte entre perfis 6 a 13 que tem por base o presente orçamento o seu desenvolvimento é de2:949.7 m e a sua superfície de 58:792,16 m2.

78

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 78

Des ignação Tota l da despesa Preço por :Metro corrente Metro quadrado de rua de rua

Avenida dos AnjosNova PraçaRua Nº 3Rua Nº 4Rua NºRua António Pedro5Rua Nº 6Rua Caracol da PenhaRua Pascoal de MeloRua Nº 7

- Custo médio por metro corrente e quadrado da Avenida e ruas adjacentes – Peladescrição geral dos trabalhos a executar na construção da Avenida dos Anjos e ruas adjacentes, sabe-se quala importância não só no todo como na especialidade, resta achar a média do custo por unidade de metro cor-rente e quadrado nos três casos seguintes:

1º Dado o caso de ser (a) construção tal como foi projectado

2º Eliminando a despeza a fazer com as expropriações do Largo do Intendente e construção entre perfis 6 a 13, eentrando com a serventia provisória entre o mesmo largoe a Avenida, que serve de base para este orçamento.

3º Nas mesmas condições do Antecedente e entrandocom a verba de venda de terrenos aos proprietáriosconfinantes e em praça, que se supõe ser de 39:266$15

No primeiro termo: m = 126$715.2m2 = 6$224.2

No segundo m = 98$598.8m2 = 4$946.2

No terceiro m = 85$285m2 = 4$278.3

79

263:848$004:561$00

5:258$0006:899$000

524:490$0005:702$0008:782$000

11:120$00021:588$0005:556$000

174$664,37

38$774,6095$819,40

219$63471$50493$92556$446

157$00362$078

6$981$1787$0975$988

12$2024$4725$8703$5007$8503$879

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 79

Finalmente as peças escritas, que fazem parte do presente projecto, elucidam não só por meio de Mapas espe-ciais todas as medições de trabalho a executar, como o seu custo por artigos e capítulos, além de uma descriçãodo modo por que foi avaliada cada parcela a expropriar e bases de indemnização; que servirá sempre paraconsultar quando se trata de qualquer expropriação a fazer na Avenida dos Anjos e ruas adjacentes.

Lisboa, 30 de Setembro de 1891

J. A. Monteiro

11. 33 - MMaappaa ddaass EExxpprroopprr iiaaççõõeess ppaarraa aa FFaa ii xxaa aa OOccuuppaarr ppee llaa AAvveenniiddaa .

Notas sobre as expropriações a efectuar

Parcela nº 1 – D. Maria dos Remédios Vilela Botelho. Rua Nova da Palma 199 a 215 e Calçada doDesterro nº 2 a 6. Prédio composto de lojas, 1º e 2º andar para as duas ruas, tendo nas traseiras armazensde abóbada com barracas sobre estas. A entrada para estas é pelo portão que tem o Nº 219 e pertence ao pré-dio imediato para o qual dá também serventia.

A expropriação é feita na totalidade pela quantia de 26.000$00 reis, fazendo a Câmara a demolição reser-vando para si todos os materiais provenientes da mesma demolição bem como as sobras de terreno que nãoforem ocupadas pela Avenida.

Este prédio rende 1.604$000 reis, e por este rendimento a sua avaliação deveria ser superior se não se tivessetido em vista a construção do prédio que é muito ligeira e pouco cuidada.

Parcela nº 2 – D. Maria da Conceição Seabra. Rua Nova da Palma nº 217 a 225. Prédio composto delojas, 1º e 2º andar, dando entrada pelo portão nº 219 para umas barracas e armazens do prédio anterior.Entrada que é comum a dependências deste prédio.

O valor da expropriação é de 14.200$000 reis, sendo o prédio expropriado na totalidade, ficando a Câmaracom o terreno que não for ocupado pela Avenida e bem assim com todos os materiais provenientes da demoliçãoque será feita pela Câmara.

Parcela nº 3 – D. Maria dos Remédios Vilela Botelho. Rua Nova da Palma nº 227 a 235. Prédio com-posto de lojas, 1º e 2º andar.

80

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 80

O valor da expropriação é de 13.000$000 reis, sendo o prédio expropriado na totalidade, fazendo a Câmaraa demolição e ficando com todos os materiais provenientes desta.

Parcela nº 4 – D. Maria dos Remédios Vilela Botelho. Largo do Intendente nº 1, pátio e barracões, eLargo do Intendente nºs. 2 a 4 B, casa abarracada.

O valor da expropriação é de 8.000$000 reis, sendo os prédios expropriados na totalidade, fazendo aCâmara a demolição e ficando com todos os materiais provenientes desta.

Deu-se este valor em atenção não só ao rendimento como à área e ao local.

Parcela nº 5 – João Garcia. Largo do Intendente nº 5. Prédio composto de loja e 1º andar e nº 12 a 15A, prédio composto de loja e 1º andar. Nestes prédios acha-se além de casa de residência, estabelecida umafábrica de louça.

O valor da expropriação da parte urbana é de 12.800$000 sendo a expropriação na totalidade das edifi-cações. A Câmara faz a demolição das propriedades e reserva para si todos os materiais de construção prove-nientes desta.

Pela expropriação da fábrica propriamente dita, isto é, pela deslocação da indústria dará a Câmara ao pro-prietário da fábrica a importância de 6.000$000 reis, podendo este retirar todas as máquinas, ferramentas eutensílos da fábrica.

Parcela nº 6 – Hospital do Desterro. Edifício composto de pavimento térreo e 1º andar, com uma área aexpropriar de 975,87 m2. Terreno lavradio a expropriar 175,0 m2. No 1º andar acham-se estabelecidas enfer-marias e no pavimento baia (e) diversas dependências do hospital.

O valor da expropriação é de 15.000$000 reis, sendo 14.930$000 reis pelas edificações, e 70$000 reis peloterreno lavradio, ficando para a Câmara os materiais provenientes da demolição que ela fará. Esta obriga-seainda a fazer uma vedação ligeira de madeira no terreno lavradio, enquanto o Hospital não edificar naqueleponto. Esta vedação é colocada na aresta superior dos aterros da Avenida ou na base dos taludes dastrincheiras.

Como indemnização pela parte do terreno a ocupar provisoriamente com a base dos taludes dos aterros,enquanto o proprietário não construir, paga a Câmara por uma só vez a quantia de 35$000 reis.

A Câmara não se obriga a mais do que o exposto ficando a cargo do Hospital todas as despezas provenientes

81

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 81

do corte como são, vedação da frente para a Avenida, telhados, etc..

Parcela nº 7 – Herdeiros de José Ribeiro da Cunha. Rua Direita dos Anjos nº 7 a 13. Prédio compos-to de loja, 1º andar, pátio e jardim e terreno lavradio, tem dentro barraca e prédio abarracado com loja eandar.

O valor da expropriação é de 14.200$000 reis sendo 12$000 reis pela parte urbana e 2.200$000 pela parterústica. A Câmara faz a demolição das propriedades e guarda para si todos os materiais provenientes desta.Obriga-se ainda a fazer uma vedação ao terreno com ripas de madeira, género ligeiro.

Como indemnização pelo terreno a ocupar provisoriamente pelos taludes dos aterros ou das trincheiras, eenquanto o proprietário não constrói paga a Câmara por uma só vez, a quantia de 239$000 reis.

Parcela nº 8 – Maria Inocência da Conceição e Silva. Rua Direita dos Anjos nº 1 a 5. Prédio compos-to de lojas 1º e 2º andar e águas furtadas, pátio e jardim. Tem também uma barraca com entrada pelo nº 5A que é comum no prédio contíguo.

82

Planta não assinada, não datada, indicando a parte a expropriar do prédio nº 7 a 13 da Rua dos Anjos, pertencenteaos herdeiros de José Ribeiro da Cunha, expropriação decisiva para aconclusão da avenida dos Anjos. AML-AC,Caixa nº 21-SGO.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 82

O valor da expropriação dos dois prédios é de 10.000$000 reis. A Câmara faz a demolição e reserva parasi todos os materiais provenientes da demolição.

Parcela nº 9 – Conde de Tomar. Rua Direita dos Anjos nº 35 a 45. Prédio queimado tendo apenas asparedes e 2 lojas abobadadas com pequenos estabelecimentos.

A expropriação da parte cortada pela Avenida é do valor de 1.000$000 reis, fazendo a Câmara a demoliçãodas paredes, e dando ao proprietário os materiais provenientes desta demolição. Ao proprietário fica a obri-gação de fazer a vedação da parte, digo, da frente para a Avenida.

Parcela nº 10 – Igreja paroquial dos Anjos. Rua Direita dos Anjos.

A expropriação é total, dando a Câmara a quantia de 20.000$000 reis e o terreno junto à Avenida, quena planta se acha indicado a vermelho, tendo uma área de 990 metros quadrados, com a condição daCorporação a quem pertencer o edifício, de demolir a igreja actual, aproveitando todos os materiais que julgaraproveitáveis desta demolição. Se o terreno que a Câmara destinar para a nova paróquia não for todoaproveitado as sobras reverterão à posse da Câmara.

Parcela nº 11 – José Maria Urseira. Rua Direita dos Anjos nº 54. Prédio composto de lojas, 1º, 2º 3º e4º andar. Este prédio precisa de obras.

Parecendo baixo o valor dado pela matriz avaliou-se a expropriação em 4.100$000. A expropriação é feitana totalidade do prédio, fazendo a Câmara a demolição e aproveitando todos os materiais provenientes desta.

Parcela nº 12 – Francisco Palma. Rua Direita dos Anjos 56. Prédio composto de lojas, 1º e 2º andar eáguas furtadas.

É expropriado na totalidade pela quantia de 1.700$000 reis, fazendo a Câmara a demolição e reservandopara si todos os materiais provenientes desta denolição.

A entrada para o 1º e 2º andar é pela escada do prédio imediato, cuja porta tem o nº 58.

83

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 83

Parcela nº 13 – Maria Joaquina Saturnio. Rua Direita dos Anjos 58 a 60. Prédio composto de lojas 1ºe 2º andar, sendo a escada destes andares comum aos do prédio nº 56.

É expropriado na totalidade por 2.300$000 reis fazendo a Câmara a demolição e reservando para si todosos materiais provenientes da demolição.

Parcela nº 14 – Hilário Pereira. Rua Direita dos Anjos nº 44 a 48 D. Prédio composto de lojas, 1ºandar e pátio.

Como este prédio tem de ser cortado em parte pela Avenida dos Anjos e em parte pela Rua nº 4 do BairroAndrade por isso pareceu conveniente tratar-se aqui da expropriação de dois pedaços.

O valor desta expropriação é de 7.000$000 reis, incluindo-se nesta verba não só a expropriação da parte acortar como a indemnização por diferença de nível da parte restante.

Além desta verba a Câmara dá também ao proprietário o terreno que fica formando o cunhal da Avenidapara a Rua nº 4 do bairro Andrade, com a área aproximada de 33.0 m2.

A parte correspondente ao terreno a ocupar pela Avenida é de 1.500$000 reis; e a parte correspondente aoterreno a ocupar pela Rua nº 4 do bairro Andrade é de 5.500$000.

Parcela nº 15 – Manuel G. Pereira de Andrade, nº 48 E a 48 F. Rua Direita dos Anjos. Prédio com-posto de loja e 1º andar.

Este prédio é cortado parcialmente pela Avenida. A Câmara dá ao proprietário a importância de 1.300$00pela expropriação do terreno a ocupar e como indemnização dos prejuízos causados pelo corte no prédio. Fazo corte e cede ao proprietário os materiais provenientes das demolições.

(a) Pátio – Rua Direita dos Anjos nº 48 F. A parte deste pátio cortada pela Avenida é expro-priada pela Câmara pela quantia de 10$000 reis.

(b) Barracão de madeira em mau estado. A parte deste barracão cortada pela Avenida, é expro-priada pela Câmara por 155$000 reis, fazendo esta a demolição, ficando porém os materiais para o propri-etário. Na importância mencionada inclui-se a exproppriação do terreno e indemnização dos prejuízos causa-dos pelo corte.

(c) Terreno lavradio contíguo ao pátio e barracão. A expropriação da parte do terreno necessáriopara a Avenida importa em 161$400 reis; sendo a 300 (reis) o metro quadrado.

(d) Rua direita dos Anjos 36 a 38. Prédio composto de lojas 1º, 2º, 3º, 4º andar e pátio.84

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 84

Este prédio se se atendesse apenas à abertura da Avenida, teria somente a sofrer uma depreciação por alter-ação de nivelamento, tendo por isso de inutilizar-se as lojas, porém como também tem de ser cortado parcial-mente pela rua nº4 do bairro Andrade, pareceu conveniente incluir-se aqui as duas expropriações.

A Câmara faz o corte da propriedade, dando ao proprietário os materiais provenientes desta demolição e aquantia de 4:750$000 reis pelo terreno que lhe ocupa e por todos os prejuízos que lhe causa, devendo o pro-prietário vedar a sua frente.

(e) Rua Direita dos Anjos nº 40 a 42. Prédio composto de lojas, 1º, 2º e 3º andar.

Este prédio é expropriado na totalidade pela quantia de 4.000$000 reis. Além disto a Câmara faz ademolição mas fica com os materiais provenientes desta demolição.

(f) Terreno lavradio destinado pelo proprietário para construções.

Este terreno pela sua posição foi escolhido para edificação da nova paróquia dos Anjos sendo o excedente apli-cado a jardim.

Em vista do fim a que o seu proprietário o aplica, avaliou-se em 1$000 reis o metro quadrado, ou seja1.909$500 reis pela parcela (f).

Além do que fica exposto a Câmara obriga-se ainda a fazer na frente do terreno para a Avenida ou ruas,uma vedação ligeira de madeira, ou na aresta superior dos aterros ou na base dos taludes das trincheiras, con-forme as ruas forem em aterro ou em escavação.

O valor total destas expropriações é de 12.285$900 reis sendo a parte a levar à conta do orçamento do bair-ro Andrade de 5.150$000 reis.

A parte dos terrenos, entre o Regueirão e a Avenida dos Anjos, que sobram da abertura da Avenida, reser-va-os a Câmara para si.

Parcela nº 16 – Junta de Paróquia da freguesia dos Anjos. Antigo Cemitério.

Este terreno é expropriado na totalidade pela quantia de 424$050, ficando a Câmara com o que sobrar dopreciso para a abertura da Avenida.

Parcela nº 17 – Câmara Municipal de Lisboa. Depósito de materiais na antiga quinta da Romeira.85

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 85

Medindo esta propriedade a área aproximada de 9.373,00 m2 na sua totalidade, e tendo custado à Câmaraa importância de 9.870$000 reis, o preço por metro quadrado foi de 1$053 reis.

Sendo a área a ocupar nesta propriedade pela Avenida de 3.500,0 m2, e a área destinada ao local da novaparóquia dos Anjos e o jardim de 1.983,75 a importância a lançar no orçamento da Avenida será de5.774$38 reis, soma daquelas duas quantidades pelo preço de 1$053 reis.

Ao orçamento da rua nº 3 do bairro Andrade se lançará a importância de 240$084 reis, e ao orçamento darua ligando a Avenida com a rua nº 1 do bairro Andrade, pelas terras de Manuel de Castro Guimarães, selançará a importância de 296$946 reis, respectivos à mesma propriedade.

Restam pois, desta propriedade, dois grandes talhões de terreno, sendo um a Ocidente da Avenida com a áreade 2.604,07 m2 de terreno, e outro a Oriente com a área de 775,25 m2 os quais vendidos para edificações,mesmo pelo diminuto preço de 2$000 reis o metro quadrado produzirão a importância de 6.758$500 reis.

86

Parcela nº 16 - Junta de Paróquia da Freguesia dos Anjos. Antigo Cemitério. Planta datada de 25 de Maio de 1897,assinada por António Maria Avellar, relativa à expropriação da parcela nº16 - antigo cemitério da Junta da Paróquiade Freguesia dos Anjos. AML-AC, Caixa nº 83-DSU.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 86

Parcela nº 17 A – Manuel de Castro Guimarães. Terreno lavradio destinado pelo proprietário para servendido para edificações particulares.

Este terreno situado entre as ruas nº 1 e nº 3 do bairro Andrade e rua ligando a Avenida dos Anjos com arua nº 1 do dito bairro Andrade, pelas terras de Manuel de Castro Guimarães, é expropriado a 1$000 reiso metro quadrado, na importância de 611$000 reis. Destina-se à edificação da nova paróquia dos Anjos ea jardim.

Parcela nº 18 – Francisco António Jorge Belo, Regueirão dos Anjos nº 10.

(a) Terreno de horta.

São expropriados 936,000 m2 de terreno por 468$000 reis, a 500 reis o metro quadrado.

b) Casa abarracada, tendo loja e 1º andar.

Esta expropriação é parcial. A Câmara dá ao proprietário pelo terreno a ocupar com a Avenida e pelos pre-juízos causados pelo corte na propriedade, a quantia de 1.800$000 reis, e materiais provenientes dasdemolições que a Câmara fará da parte a cortar da propriedade, devendo o proprietário fazer a vedação daparte cortada para a Avenida.

(c) Barracão.

Como a licença para a edificação deste barracão foi dada condicionalmente (Veja-se a informação de 28 deJaneiro de 1888), há apenas a expropriar o terreno que se avaliou em 300 reis o metro quadrado, naimportância de 12$000 reis.A Câmara reserva para si o terreno que sobra das obras da Avenida à direita, e que se acha incluído nestasexpropriações.

Para a rua nº 4 são também expropriados 840,0 m2 na importância de 420$000 reis, a 500 reis o metroquadrado.

A Câmara obriga-se também a fazer uma vedação provisória e ligeira de madeira nas frentes dos terrenos,onde não haja edificação e na aresta superior dos aterros ou na base dos taludes das trincheiras, conforme asruas passem em aterro ou em escavação.

As expropriações acima importam em 2.700$000 reis.

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente com os taludes das trincheiras ou dos aterros,

87

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 87

enquanto o proprietário não constrói, dá à Câmara por uma só vez, para a parte a ocupar com a Avenida150$170 reis, e para a parte a ocupar com a rua nº 4, 128$928 reis.

Parcela nº 19 – Francisco Lourenço da Silva Almeida

(a) Terreno lavradio.Expropriam-se 963,40 m2 por 279$020 reis a 300 reis o metro quadrado.

(b) Prédio abarracado com lojas e 1º andar.

A expropriação é total sendo o seu custode 200$000 reis por se achar em mau estado de conservação o pré-dio.

A Câmara faz a demolição ficando com os materiais.

(c) Terreno de horta.Expropriam-se 4.061,0 m2 de terreno por 1.624$400 reis, a 400 reis o metro quadrado.

(d) Terra.

Expropriam-se para a Rua nº 5, 1.350,0 m2 de terreno por 270$000 reis a 200 reis, e para a RuaAntónio Pedro, 1.399,5 m2 por 279$900 reis, também a 200 reis o metro quadrado.

(e) Regueirão dos Anjos nº 49. Casa abarracada com loja e 1º andar.

A expropriação é total e destinada à Rua António Pedro. Por se achar em mau estado de conservação o pré-dio, avaliou-se a sua expropriação apenas em 200$000, fazendo a Câmara a sua demolição, mas ficandocom os materiais provenientes da demolição.Todo o terreno entre o Regueirão e a Rua António Pedro que entra nesta expropriação, reserva-o a Câmarapara si.

A Câmara em vista da diferença de nível em que se acha o pavimento térreo da fábrica, pelo alinhamento ecotas de nível que a Repartição Técnica em tempo forneceu ao proprietário, faz na Rua António Pedro e naRua nº 5, muros de suporte aos aterros das ditas ruas, e sobre eles um parapeito de alvenaria com 1,4 m dealto por 0,5 m de grosso.

No extremo oriental do muro da rua nº 5 faz também uma serventia em rampa com 0,15 m de declive e naextensão de 27 metros, tendo 4 ditos de largo, as bermas calçadas e a faixa central macadamisada. Esta ser-ventia é praticada toda em aterro.

88

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 88

Para dar acesso ao poço da propriedade, sobre o qual passa a Rua António Pedro, a Câmara faz uma con-duta com abertura no muro de suporte, tendo de altura máxima 1,60 m e a largura de 0,8 m ficando por-tanto sob o leito da nova rua.Na parte não murada, a Câmara faz a vedação do terreno confinante com as ruas por meio de uma vedaçãoprovisória e ligeira de madeira na aresta superior dos aterros.

A expropriação total importa em 2.863$320.

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente com os taludes dos aterros ou das trincheiras,enquanto o proprietário não edifica, paga a Câmara por uma só vez, para o terreno a ocupar com a Avenida151$200 reis e para o terreno a ocupar com a rua nº 5, 88$000 reis.

Parcela nº 20 – Dr. José António Barbosa de Araujo Simões. Terreno de horta.

É expropriada a área de 3.018,70 metros quadrados de terreno por 1.207$000 reis a 400 reis o metroquadrado de terreno por 1.207$000 reis a 400 reis o metro quadrado.

A Câmara obriga-se também a fazer a vedação dos terrenos como aos proprietários anteriores, enquanto oproprietário não edificar.

Para a rua nº6 são expropriados 598,0 m2 de terreno de horta pela quantia de 239$200, pelo mesmo preçode 400 reis o metro quadrado.

A expropriação total destes talhões importa em 1.446$700 reis.

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente pelos taludes dos aterros ou das trincheiras, enquan-to o proprietário não constrói dá a Câmara por uma só vez, para os aterros a ocupar com a Avenida 118$850reis, e para os terrenos a ocupar com a rua nº 6, 18$600 reis.

Parcela nº 21 – Conde dos Arcos. Lavradio de inferior qualidade.

São expropriados 3.300,0 m2 de terreno pela quantia de 990$000 reis, para abertura da Avenida dosAnjos.

(a) Palácio em mau estado, constando de lojas, 1º andar com grandes salas, e sotão tendo à frente do palácio um grande telheiro também em mau estado.

Rua Direita dos Anjos 48 a 50 e Beco do Forno do Tijolo 30.

89

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 89

É nesta parte do palácio, que é cortada pela Rua António Pedro, onde se acham estabelecidos os depósitos,celeiros e casa de embotijar da fábrica de cerveja Leão.

A importância da expropriação é de 6.000$000 reis, fazendo a Câmara a demolição da parte cortada, masficando com os materiais provenientes desta.

Para esta Rua António Pedro ainda se cortam à parcela 21, 862,0 m2 de terreno lavradio, cuja expropri-ação é no valor de 258$600 reis, a 300 reis o metro quadrado.

(b) Horta.São expropriados 1.979,58 m2 por 243$750 a 500 reis o metro quadrado.Na parte onde não houverem edificações a Câmara obriga-se a fazer uma vedação ligeira e provisória demadeira na aresta superior dos aterros ou na base dos taludes das trincheiras, conforme a rua for em aterroou em escavação.

A importância total da expropriação é de 7.492$350 reis.

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente pelos taludes dos aterros ou das trincheiras enquan-to o proprietário não constrói, dá a Câmara por uma só vez a quantia de 199$150 reis para o terreno a ocu-par com a Avenida, e 77$920 para os terrenos a ocupar com a Rua António Pedro.

Parcela nº 22 – António José Jorge. Olival.

São expropriados para a Avenida 493,0 m2 por 295$700 reis a 600 reis o metro quadrado, e para a R.Caracol da Penha 737,0 m2 por 442$200 reis a 600 reis o metro quadrado.

Para a Rua António Pedro são expropriados 297,00 m2 de olival por 178$200 reis a 600 reis o metroquadrado.

(a) Terreno de horta.

São expropriados 152,0 m2 de terreno de horta para a Rua António Pedro na importância de 76$000 reiso metro quadrado.

A importância total das expropriações é de 550$000 reis.

A Câmara obriga-se a fazer uma vedação provisória e ligeira, de madeira, enquanto o proprietário não con-strói na aresta superior dos aterros ou na base inferior dos taludes das trincheiras, conforme as ruas forem ematerro ou em escavação.

90

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 90

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente com os taludes dos aterros ou das trincheiras,enquanto o proprietário não edifica paga a Câmara por uma só vez para os terrenos a ocupar com a Avenida,a quantia de 9$900 reis; com os terrenos a ocupar com a rua António Pedro a quantia de 37$300 reis, ecom os terrenos a ocupar pela Rua Caracol da Penha a quantia de 42$200 reis.

O terreno que sobra da rua Caracol da Penha e da Avenida dos Anjos, situado a oriente desta e à esquerdadaquela, tendo entrado na expropriação, reserva-o a Câmara para siParcela nº 23 – João da Silva Marques. Travessa do Caracol da Penha.

Vinha.

Para a Avenida são necessários 1.006,24 m2 de terreno de vinha, e para a Rua Caracol da Penha 97,0m2.

(a) Jardim.

Para a Rua António Pedro são necessários 552,0 m2 de terreno de jardim e para a Rua Caracol da Penha930,0 m.

Todos estes terrenos foram cedidos à Câmara por escritura de 1º de Outubro de 1890.

A Câmara obriga-se também aqui a fazer uma vedação pelo género e nas condições das parcelas anteriores.

Parcela nº 24 – Luis Augusto Mancelos. Terras - Lavradio.

São expropriados 2.958,87 m2 de terreno lavradio por 887$660 reis, a 300 reis o metro quadrado para aAvenida, e 40,5 m por 12$150 reis, também a 300 reis o metro quadrado para a Rua António Pedro.

(a) Horta.

São expropriados 606,5 m2 de terreno de horta por 303$250 reis, a 500 reis para a Rua António Pedro,e 848,00 por 424$000 reis para a Rua António Pedro, e 848,00 m2 por 424$000 reis, a 500 reis paraa Avenida.

(b) Quintal (e) Prédio composto de rés do chão e 1º andar e (d) Pátio.

91

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 91

É expropriada não só a parte necessária para a Rua António Pedro e Pascoal de Melo, com o resto do ter-reno à direita desta última rua.

O valor desta expropriação é de 4.000$000 reis.

A Câmara faz a demolição do prédio reservando para si os materiais provenientes da demolição e uma vedaçãoprovisória e ligeira de madeira, nos termos e pela forma que se obriga para as parcelas anteriores.O valor total das expropriações é de 5.627$000 reis.

Como indemnização pelo terreno a ocupar provisoriamente pelos taludes dos aterros ou das trincheiras,enquanto o proprietário não edificar dá à Câmara por uma só vez, para os terrenos a ocupar pela Avenida,a quantia de 74$670, para os terrenos a ocupar com a Rua António Pedro a quantia de 143$600 reis, epara os terrenos a ocupar com a Rua Pascoal de Melo a quantia de 159$400 reis.

Parcela nº 25 – António Carlos Dias. Terreno lavradio.

Expropriam-se 2.362,5 m2 de terreno lavradio por 708$750 reis, a 300 reis para a Avenida; 1.969,0 m2a 300 reis para a Rua António Pedro, por 590,700 reis e 1.479,0 m2 por 443$700 reis, também a 300reis para a Rua Pascoal de Melo.

(a) Casa abarracada.

Expropriam-se 15,75 m2 de barraca de frontal por 78$750 reis, a 5$000 reis o metro quadrado, tambémpara a Rua António Pedro.

A Câmara faz a demolição, revertendo os materiais para o proprietário; e bem assim um muro de suporte aoaterro da rua, na extensão de 20,0 m, para resguardo das edificações; e as vedações de madeira necessáriaspara o terreno ficar resguardado como nas parcelas anteriores.

Todos os reparos necessários na barraca provenientes do corte serão feitos por conta e pelo proprietário.

A importância total das expropriações é de 1.821$900 reis.

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente pelos taludes dos aterros ou das trincheiras enquan-to o proprietário não edifica, dá à Câmara por uma só vez, para os terrenos a ocupar pela Rua AntónioPedro, a quantia de 26$040, reis para os terrenos a ocupar pela Rua Pascoal de Melo, a quantia de140$000 reis.92

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 92

Parcela nº 26 – D. Irina A. Fonseca Amorim.

(a) Terreno lavradio.

Expropriam-se 1.437,50 m2 de terreno lavradio por 431$250 reis a 300 reis o metro quadrado.

(b) Terreno de horta.

Expropriam-se 2.625,0 m2 de terreno de horta para a Avenida por 1.312$500 reis o metro quadrado; paraa Rua António Pedro, 1.984,75 m2 por 992$375 reis, pelo mesmo preço, e para a rua nº 7, 1.432,0 m2e bem assim um poço na importância total de 900$000 reis.

A Câmara obriga-se também a fazer uma vedação provisória e ligeira, de madeira, pela forma e condições quese tem obrigado para com os proprietários das parcelas anteriores.

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente com os taludes dos aterros ou das trincheiras,enquanto o proprietário não edifica, paga a Câmara por uma só vez, para os terrenos a ocupar com aAvenida, a quantia de 140$800 reis; para os terrenos a ocupar com a Rua António Pedro a quantia de148$200 reis e para os terrenos a ocupar com a Rua nº 7 a quantia de 148$200 reis.

Parcela nº 27 – Francisco Leite de Oliveira -Terreno de horta.

Expropriam-se 75,0 m2 de terreno de horta por 37$500 reis, a 500 reis, para a Avenida.

A Câmara obriga-se a fazer uma vedação de madeira provisória e ligeira como nas parcelas anteriores.

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente pelos taludes dos aterros ou das trincheiras, enquan-to o proprietário não constrói, dá a Câmara por uma só vez, a quantia de 6$400 reis.

Parcela nº 28 – Viscondessa de Paiva Manso

(a) Horta e jardim.

São expropriados 1.216,0 m2 de terreno de horta e jardim por 486$000 reis, para a Rua António Pedro.

93

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 93

(b) Casa abarracada, (c) Pátio, (d) Prédio composto de rés do chão, 1º e 2º andar tendo o nº 48para o Regueirão dos Anjos e o nº 29 a 37 para o Caminho do Forno do Tijolo.Este prédio é expropriado na totalidade, porém como também é cortado pela Rua nº 6, a importância da suaexpropriação é subdividida pelos orçamentos destas duas ruas, isto é, pelo da Rua António Pedro e pelo daRua nº 6, sendo a importância relativa ao da Rua António Pedro de 3.100$000 reis e a relativa à Rua nº6, de 4.500$000 reis.

A Câmara faz a demolição reservando para si os materiais provenientes da dita demolição.

Obriga-se também a fazer uma vedação pela forma e condições já acima mencionado para outros proprietários.

O terreno compreendido pela Rua António Pedro e pelo Regueirão reserva-o a Câmara para si (A expro-priação deste está incluída na verba de 3.100$000 reis).

Na importância de 4.500$000 reis, inclui-se não só a expropriação das construções como também a dos seusanexos, pátio, poço, com novo tanque, etc..

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente pelos taludes dos aterros ou trincheiras, enquanto oproprietário não constrói dá à Câmara por uma só vez, para os terrenos a ocupar com a Rua António Pedro,146$750 reis e para os terrenos a ocupar com a Rua nº 6 63$000 reis.

Parcela nº 29 – Henrique José Chaves. Quintal.

Expropriam-se 304,0 m de terreno por 152$000 reis, a 500 reis o metro quadrado, para a Rua AntónioPedro.

A Câmara obriga-se a fazer uma vedação pelo género e nas condições a que se refere nas parcelas acimadescritas.

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente pelos taludes dos aterros ou das trincheiras enquan-to o proprietário não edifica, dá a Câmara, por uma só vez, a quantia de 30$240.

Parcela nº 30 – Augusto Cesar Manaças. Terreno lavradio.

Expropriam-se 670,0 m2 de terreno para a Rua António Pedro, por 201$000 reis, a 300 reis o metroquadrado.

94

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 94

A porção de terreno compreendido entre o lado direito da rua e a extrema da propriedade que se acha incluí-do na expropriação, reserva-o a Câmara para si.A Câmara obriga-se a fazer uma vedação pela forma e condições a que se obrigou para com os proprietáriosdas parcelas anteriormente descritas.

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente pelos taludes dos aterros ou das trincheiras, enquan-to o proprietário não edifica, dá à Câmara por uma só vez a quantia de 37$400 reis.

Parcela nº 31 – D. Maria Emilia Assumção Esteves. Rua Direita de Arroios nº 106. Casa abarraca-da, pátio, quintal, telheiros, poço com tanque.

Expropriam-se para a Rua António Pedro 7,0 m2 de barraca de frontal por 35$000, 660,0 m2 de quin-tal por 330$000 reis, e 56,0 m2 de telheiro na importância de 168$000 reis, o que dá o valor total da expro-priação de 533$000 reis.

A Câmara faz a demolição da barraca dando os materiais provenientes da demolição à proprietária. Obriga-se ainda a construir um muro de suporte aos aterros em toda a extensão da propriedade, do lado esquerdo darua. E sobre este muro um parapeito de alvenaria com 1,4 m de alto e 0,50 de grosso.

O terreno compreendido pela rua e a extrema ocidental da propriedade, que entrou na expropriação, reserva-o a Câmara para si.

Parcela nº 32 – Manuel António T. Barbosa. Regueirão dos Anjos nº 21 e Rua direita dos Anjos nº210 a 212. Prédio composto de lojas, 1º e 2º andar.

Em consequência do nível em que vem a passar a Rua nº 4, as lojas e sobre-lojas que este prédio tem para oRegueirão, ficam inutilizadas e por isso dá a Câmara ao proprietário a indemnização de 800$000 reis peloprejuízo que sofre e pelas obras que tem a fazer para o aterro poder encostar à casa.

Parcela nº 33 – Eduardo A. N. da Maia. Rua Direita dos Anjos nº 240 a 244. Prédio composto deloja, 1º e 2º andar para esta rua, e de loja, 1º, 2º e 3º andar para o Regueirão dos Anjos.

Pela parte a cortar para a Rua nº 5 a Câmara dá como indemnização do terreno a ocupar e das obras queo proprietário tem a fazer para levantar a frente e fazer as ligações, a quantia de 800$000 reis. A demoliçãoé feita pela Câmara, sendo os materiais provenientes desta para o proprietário.

95

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 95

Parcela nº 34 – António Dias Sousa Carvalhal. Largo de Santa Bárbara nº 59 a 60 e Regueirão dos

Anjos nº 56 a 58. Prédio composto de loja, 1º e 2º andar para o Largo de Santa Bárbara e bem assim para

o Regueirão.

Este prédio é expropriado na totalidade por 4.300$000 reis, para a abertura da Rua nº 5, fazendo a

Câmara a demolição do prédio e ficando com todos os materiais provenientes desta demolição.

Parcela nº 35 – Marie Berteiul. Largo de Santa Bárbara nº 53 e Regueirão dos Anjos nº 54 a 55. Prédio

composto de rés do chão, 1º e 2º andar e águas furtadas para o Largo de Santa Bárbara e de lojas, 1º, 2º e

3º andar e águas furtadas para o Regueirão.

É expropriado na totalidade pela quantia de 9.140$000 reis, para a abertura da Rua nº 5.

A Câmara faz a demolição do prédio reservando para si os materiais de construção provenientes da dita

demolição e bem assim as sobras de terreno necessário para a Rua.

Parcela nº 36 – D. José Clemente dos Santos. Largo de Santa Bárbara nº 49 a 52. Prédio composto de

lojas, 1º, 2º andar e águas furtadas, em mau estado.

Este prédio é cortado em parte pela Rua nº 5.

A Câmara dá pelo terreno a ocupar e como indemnização dos prejuízos causados e para o proprietário vedar

a sua propriedade e faça as reparações precisas, a quantia de 1.300$000 reis. Faz também a demolição dando

ao proprietário os materiais provenientes desta demolição.

Parcela nº 37 – José Gregório da Rosa Araujo. Travessa do Caracol da Penha.

Barraca e terreno de horta. São expropriados 12,0 m2 de barraca por 60$000 reis e 5,0 m2 de terreno de

horta por 2$500 reis a 500 reis o metro quadrado, para a Rua Caracol da Penha.

A Câmara faz a demolição da barraca reservando para si os materiais provenientes desta demolição.

96

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 96

Obriga-se também a fazer uma vedação provisória e ligeira de madeira, pela forma e nas condições em que seobrigou para os proprietários das parcelas anteriores. Esta expropriação é para a Rua Caracol da Penha comojá se disse.

Parcela nº 38 – João Evangelista Ferreira. Travessa do Caracol da Penha. Terreno à frente do seu pré-dio recentemente construído.

São expropriados 358,0 m2 de terreno para a abertura da Rua Caracol da Penha, pela quantia de 107$400reis (vidé informação nº 758 de 5-5-91).

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente pelos taludes dos aterros ou das trincheiras, enquan-to o proprietário não constrói, dá à Câmara por uma só vez a quantia de 15$200 reis.

Parcela nº 39 – António Lopes. Travessa Caracol da Penha. Terreno situado à frente da sua nova edi-ficação.

São expropriados para alargamento da Rua Caracol da Penha 35,0 m2 de terreno pela quantia de 10$500reis a 300 reis o metro quadrado (Vidé informação nº 758 de 5-5-91).

Como indemnização do terreno a ocupar provisoriamente com os taludes dos aterros ou das trincheiras,enquanto o proprietário não constrói paga a Câmara por uma só vez a quantia de 9$000 reis.

Parcela nº 40 – Henrique da Fonseca. Travessa do Caracol da Penha.Para os taludes das trincheiras da Rua Caracol da Penha são necessários 6,0 m2 de terreno que se ocuparãoprovisoriamente. O valor da indemnização é de 1$200 reis por uma só vez.

CÂMARA MUNICPAL DE LISBOA

Direcção geral de obras públicas

3ª Repartição, 17 de Fevereiro de 1892

O Chefe

(sem assinatura)97

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 97

2 - As Ra ízes e a Economia do Pro jec to

Tal como se pode inferir a partir das considerações gerais expressas na Memória descritiva doprojecto da Avenida dos Anjos e ruas adjacentes, as mesmas começam por dar conta da apre-sentação do Ante-projecto. Refere-se neste preâmbulo, que o mesmo, tendo sido elaboradopela Comissão do plano geral dos melhoramentos da Capital, remonta a 9 de Março de 1877.

Na nota introdutória da Memória descritiva, elucida-se sobre as origens do estudo do ante-projecto. Efectivamente, o mesmo teve por base o prolongamento da Rua Nova da Palma,entre os largos do Socorro e Intendente, desenvolvendo-se entre o Largo dos Anjos e aEstrada da Circumvalação, na extensão de 1.226, 48 Km

A alusão ao ante-projecto, elaborado à época pela aludida Comissão do plano geral dosmelhoramentos da capital, (extinta entretanto quando da elaboração do projecto definitivo,tal como refere a sua Memória descritiva ), pode também ser colhida na Sessão camarária de5 de Janeiro de 1882.

Nas décadas de setenta e oitenta, podemos relacionar o âmbito e natureza dos trabalhos daComissão do plano geral dos melhoramentos com projectos urbanísticos de vária índole.Assim, tanto é citado o Plano Geral dos melhoramentos da capital a propósito de acções sec-toriais de melhoramentos1 em diversas zonas carenciadas da Cidade, como é ainda este instru-mento urbanístico responsável pela arquitectura de projectos grandiosos – Decreto-lei de 2de Setembro de 1901 - que constitui o suporte jurídico do Plano apresentado à Câmara em1904, resultado de um Plano elaborado em 1903 por Ressano Garcia para o desenvolvimen-to e expansão ao norte de Lisboa.

Se recuarmos à origem dos conceitos, a ideia de um Plano geral dos melhoramentos dacapital, aparece já formulada teoricamente, na redacção do Decreto de 31 de Dezembro de1864, que define um novo conceito de espaço público e organização territorial, atendendo a:“condições de higiene, decoração, cómodo alojamento e livre trânsito do público”2. Apesarde se conferir liberdade à iniciativa privada, fica reservado ao Estado, através das CâmarasMunicipais, o direito de intervenção no plano de edificação e melhoramentos da Cidade.

Da dimensão utópica do Plano Geral de Melhoramentos (1901-1904), arrojado tanto na con-cepção, como economicamente inviável, atendendo às possibilidades financeiras doMunicípio à época, não se poderá obviamente estabelecer um paralelismo linear entre a con-

981 No ano de 1879, o Plano Geral dos melhoramentos da Capital é convocado para uma intervenção urgente no Bairro de Alfama- Sessão camarária do referido ano, p. 480.2 Medidas e obrigações estatais no que respeita a um Plano de edificações e reedificações em Lisboa - Dec. Lei de 31 deDezembro de 1864 (Título III, Secção I, artº 34º) in Colecção da Legislação Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1865, p. 1041.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 98

cepção e dimensão territorial do referido Plano, com as limitações urbanísticas subjacentes àfilosofia do Plano da Avenida dos Anjos e ruas adjacentes. Todavia, há aspectos confron-táveis, apesar da clara dicotomia entre os dois projectos.

Desta forma, das doze plantas que compõem a Memória descritiva elaborada por RessanoGarcia em 1903, e da delineada arquitectura de avenidas e radiais que se haveriam deconstruir, ligando a zona norte da Cidade (Campo Grande) com as povoações limítrofes,anexadas pela lei de 1885 – Benfica; Luz; Carnide; Lumiar – justamente na 12ª planta, já seprevê uma articulação entre uma destas zonas limítrofes – a Portela – que deveria comunicarcom a Avenida D. Amélia, devendo por isso esta última ser prolongada até esta povoação.

Este ambicioso plano de 1903, de uma planificada articulação viária, entre as diferentesfreguesias limítrofes da Cidade, não é devido à sua exigente extensão territorial, naturalmentecomparável ao projecto definitivo da Avenida dos Anjos, (que se confina aos limites reais efiscais da cidade à época) tanto no que toca a uma filosofia de acção no espaço urbano, comono que respeita a uma considerável dilatação dos limites urbanos.

Como se pode depreender a partir da leitura da sua Memória descritiva, o alcance do projec-to de 1892, da Avenida dos Anjos, chega somente à Estrada da Circunvalação, admitindo-secondicionalmente o prolongamento da Avenida até “encontrar a Estrada de Sacavem aoAreeiro dando o comprimento total de 2.466,60 m.”3.

Esta já vislumbrada concepção desenvolvimentista de alargamento do espaço urbano expres-sa nos planos urbanísticos de finais do século dezanove para a Cidade de Lisboa, constitui umdos eixos do ideário fontista que entroncam sobretudo, num vasto programa de fomento eprogresso material, ao qual se ligam tópicos higienistas e de embelezamento da Cidade, aspec-tos recorrentes no imaginário urbanístico tardo oitocentista e que continuarão a emergir naspropostas e projectos urbanísticos das décadas seguintes do novo século. Na década de vinte,algumas destas propostas viriam a ser retomadas4.

De facto, medidas implementadoras de novas funcionalidades só serão levadas a cabo comose sabe, nos anos trinta e quarenta sob a égide de Duarte Pacheco na presidência da Câmarade Lisboa, e concretamente através do famoso Plano de Urbanização da autoria de E. deGroer (1938-1940).

993 Esta hipótese de prolongamento da Avenida dos Anjos encontra-se expressa na Memória descritiva no tópico designado:Projecto definitivo.4 Para a Lisboa oriental, esta questão mostra-se bastante pertinente. Em 1922, o escoamento das saídas da cidade coloca-se aoMunicípio com alguma premência. Nesse mesmo ano é elaborado um ante-projecto de melhoramentos de saídas da cidade, nosprolongamentos da Avenida do Parque e Avenida Almirante Reis para a Portela e Sacavém – Vidé a este propósito: AMAC – 3ªRepartição – DSU – Caixa 1 – Planta 14396.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 99

O projecto das Avenidas Novas, constituíu o contraponto contemporâneo do Plano daAvenida dos Anjos. Para um melhor entendimento deste último, impõe-se necessariamente aconfrontação dos dois projectos.

Ambos, foram forjados na mesma ordem económica e ideologia burguesa do capitalismoliberal da década de oitenta, mas distinguindo-se o primeiro, pela matriz “reguladora” queconseguiu articular a racionalidade da malha urbana com a realidade da herança histórica eempírica do tecido urbano da Capital.

Designado o primeiro também, por Projecto de Expropriações por Zonas, encontra-se sustentadopela Carta de Lei de 9 de Agosto de 1888, aprovada pelo Gabinete progressista de JoséLuciano de Castro. Contudo, os dois projectos contemporâneos, definem distintos vectores,tanto no que respeita à filosofia das expropriações, como no que toca aos próprios limitesterrotoriais. De maneira distinta, se articula a componente residencial, pensada diferente-mente num e noutro Plano.

Possuem em comum, o facto de ambos os projectos, terem sido elaborados sob a orientaçãode Ressano Garcia ao serviço da Repartição Técnica da Câmara de Lisboa (1874-1911).

Notórias diferenças são patentes num e outro projecto. Enquanto que o Plano das AvenidasNovas, para além da importância da expansão urbana e desenvolvimento do esquema deviação para a zona norte da Cidade, se explica em grande parte pela vertente da criação deuma área residencial sociologicamente diferenciada (à escala nacional, este Plano, é mesmo oque melhor traduz o conceito oitocentista de “zoning” ).

No Plano da Avenida dos Anjos e ruas adjacentes, a ênfase do referido projecto, vai para avertente da criação de novos arruamentos no tecido urbano. Trata-se sobretudo, da urgênciade criar uma nova via axial – a Avenida dos Anjos - que pretende desta forma aproximar a Baixado Largo de Arroios, ou como se diz no espírito e letra da Memória descritiva deste projec-to: “torna-se urgente substituir quanto antes a Calçada e rua dos Anjos por uma Avenida erua de fácil tracção para dar serventia aos populosos bairros de Estefânia, Santa Bárbara eultimamente o de Andrade …”5.

Concretamente, as expropriações previstas no projecto da Avenida dos Anjos e ruas adja-centes, referem-se basicamente à faixa de terreno a ocupar pela Avenida e ruas adjacentes,bem como, com os taludes dos aterros e trincheiras.

100

5 Memória descritiva do Projecto da Avenida dos Anjos e Ruas Adjacentes (duplicado) datado de 17 de Fevereiro de 1892. Vidé:AMAC – 3ª Repartição – PA – Caixa 5 (Plantas 246-251).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 100

No caso das Avenidas Novas, o projecto dispunha em 1889 de legislação aprovada para oefeito – Lei de expropriações por zonas, permitindo esse corpo legal específico, expropriar, paraalém do terreno necessário para o leito das Ruas, também faixas laterais até cinquenta metros,que sendo posteriormente vendidas, deveriam custear todas as obras e deixar ainda uma mais-valia para o Município.

Esta situação de privilégio legal não aconteceu no projecto da Avenida dos Anjos. De facto,neste último processo, por não se dispor de um corpo normativo específico, as expropriaçõesnem sempre amigáveis, conduziram em alguns casos a soluções que terminaram em arrasta-dos contenciosos.

Como exemplo ilustrativo dessas situações conflituais, cita-se o caso entre outros, de umanotificação camarária para procedimento judicial em 1897, que ocorre na sequência doexagerado preço solicitado pelos proprietários de terrenos no Regueirão dos Anjos. Nãotransigindo a Câmara com estas pressões e considerando o Município a urgência da aberturada Avenida dos Anjos, decide encaminhar estes casos para decisão judicial6.

A ausência de legislação específica para se dar início a um processo coerente e sequenciadode expropriações, reflectiu-se no empirismo e improvisação na solução de algumas dúvidasrelativas à fixação definitiva dos alinhamentos das propriedades.

A metodologia utilizada, é baseada em acordos pontuais entre as partes, diferindo o tipo deacordo de caso para caso. Como exemplo desses acertos pontuais entre proprietários e omunicípio, refere-se entre outras, a Sessão de 11 de Março de 1909, em que o pedido de umdos moradores da zona para se nivelarem as ruas que haveriam de passar pela sua pro-priedade, passa por uma concordância na cedência gratuita de todos os terrenos a expropri-ar e simultânea aquisição gratuita de terrenos municipais.

Um dos casos paradigmáticos que podem ser citados como pré-existências de forte cargahistórica, retardadoras da conclusão das obras da Avenida Dona Amélia, (porque acusarama carência de um corpo legal que pudesse acelerar as questões ligadas à sua expropriação), foijustamente, o caso da desanexação das dependências do Hospital do Desterro, que em 1909,ainda aguardava por parte do governo apoio jurídico e material no sentido de se poder apres-sar a conclusão da Avenida Dona Amélia nesse sítio7 .

101

6 Sessão de 22 de Abril de 1897.7 Sessão de 14 de Outubro de 1909.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 101

A economia deste projecto, define-se grosso modo pelo tipo de vicissitudes descritas atrás,assumindo essa ausência de regras jurídicas, por vezes, a forma de veementes protestos pelavoz da própria vereação à época. Em sessão camarária de 14 de Outubro de 1909, o vereadorAfonso de Lemos, irá traduzir o descontentamento dos moradores e lojistas da Avenida DonaAmélia, manifestando-se nomeadamente, contra a falta de higiene, iluminação e policiamen-to, sublinhando que não existe uma lei especial de expropriações para os prédios degradadosda Avenida. Em 19118, ainda se discute a conclusão da agora já designada Avenida AlmiranteReis e sua ligação com a Rua dos Anjos.

A leitura atenta do Mapa das expropriações, permite-nos intuir as principais directrizes queesboçam a arquitectura da economia deste projecto e a metodologia utilizada na generalidadede todo este processo. São descritas as parcelas e os valores das quantias a indemnizar.Faz-se referência ao destino dos materiais demolidos e aos terrenos a ocupar provisoriamentepelos taludes dos aterros.

Raras vezes, se especifica a superfície reservada para edificações. Uma das excepções à regra,surge na Memória descritiva deste projecto, designando-se a superfície de 3.379,25 m2 parahabitação nos limites do talhão escolhido para a nova Igreja dos Anjos.

102

Desanexação das dependências do Hospital do Desterro. Planta datada de 30 de Junho de 1896, relativa à desanex-ação de parte das dependências do Hospital do Desterro - AML-AC, Caixa nº 83-DSU.

8 Sessão camarária de 8 de Junho de 1911.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 102

Nesta Relação, as maiores omissões respeitam à ausência sobre uma precisa indicação querquanto ao destino dos terrenos camarários, quer dos particulares.

Como seria de esperar neste projecto essencialmente viário, as indicações mais objectivas,referem-se às superfícies e respectivas indemnizações, quer das propriedades cortadas pelaAvenida, quer para as sete ruas transversais.

As informações suplementares que melhor poderão explicar a globalidade deste processo deexpropriações, e assim caracterizar a identidade urbanística e sociológica deste eixo e zona daCidade terão que ser investigadas caso a caso nos inúmeros e arrastados processos individu-ais de cada proprietário.

Assim, com vista a apurar a ansiada identidade deste eixo e zona da Cidade, ter-se-á que entrarem linha de conta com a realidade histórica dos anos seguintes, que comporta obviamente,desvios e sucessivas alterações ao primitivo plano, transcendendo naturalmente o formato emetodolgia iniciais.

A concepção deste importante projecto viário, prevê a construção de sete ruas transversais,em articulação com a regularização e ampliação de antigas travessas e calçadas. Muitas destasantigas serventias, serão articuladas na sua ligação com a Avenida dos Anjos através de ser-ventias provisórias como nos casos do Regueirão dos Anjos e no Largo e Rua Forno doTijolo, que verão asseguradas as suas ligações com a Avenida através de rampas.

Contextualizando as primitivas raízes do projecto, verificamos que as mesmas mergulhamnum quadro de ainda relativa estabilidade política e económica, definido pelas décadas desetenta e oitenta, em que se descortinam tímidos arranques industriais; intensificação capi-talista dada por um modelo de crescimento económico que assentou num aumento rápido dealguns sectores exportadores primários9 .

A matriz do ante-projecto, situa-se historicamente no segundo período do grande ciclo daRegeneração (1870-1888) o que equivale a uma fase positiva em termos de crescimentoeconómico do período liberal, ciclo familiarmente classificado pela historiografia contem-porânea, como o nome português do capitalismo, tal como Oliveira Martins o ilustrou à época10.A Regeneração, constituíu como se sabe a época das grandes obras públicas.

A data do projecto definitivo elaborado pela 3ª Repartição Técnica, 1892, situa-se já em plenacrise do capitalismo liberal, na última fase do rotativismo.

103

9 Vidé a este propósito: Manuel Villaverde Cabral, Portugal na Alvorada do Século XX , Lisboa, Editorial A Regra do Jogo, 1979, p. 27.10Idem, p. 24.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 103

Planta da parcela a expropriar a Francisco Lourenço da SilvaAlmeida, no Regueirão dos Anjos, para a construção da novaIgreja dos Anjos e Avenida Com o mesmo nome e para abertu-ra das Ruas Nº4 e Nº5, de acordo com o Decreto de 13 deSetembro de 1857. AML-AC, Caixa nº18-SGO.

Assim, os anos de 1877 e 1892 – definem dois pólos cronológicos, que balizam a consoli-dação deste Plano, e em que se alicerçam as suas linhas programáticas. À fase de fomento eprogresso material e febre de obras públicas que se tinha apoderado particularmente deLisboa, sucedem-se crises agrícolas, greves operárias, como consequência da crise despoleta-da pelo Ultimato de 1890. Este último, vai desencadear uma série de reacções de carácternacionalista e autoritário expressas sobretudo por alguns sectores monárquicos e também poralgumas facções republicanistas.

Apesar da manifesta e crescente fractura do regime político e institucional, é neste mesmocontexto de alargada crise que se podem apreender algumas medidas de apoio à indústria.Não obstante, é nesta mesma conjuntura que se encomendam algumas obras rodoviárias,entre as quais se cita a importância da Estrada da Circunvalação em 1852.

O crescimento urbano, de que a industrialização se ia acompanhando, particularmente emLisboa, abria um campo bastante largo às actividades da construção civil e ramos afins11.

Por último, gostaríamos de salientar, que é justamente no ano de 1892, no auge da crise finan-ceira, com declaração de bancarrota, em que o país assiste a sucessivas falências de empresas,ao aumento do desemprego, e à contenção rígida das despesas públicas, que emerge este sig-nificativo plano de desenvolvimento da Cidade oriental. Talvez, também devido a essa situ-ação de crise, o projecto da Avenida dos Anjos, acuse as suas próprias limitações estruturaise formais. Essa conjuntura adversa, manifestou-se particularmente na economia deste pro-jecto, tendo-se recorrido pontualmente, a expropriações por utilidade pública, como no casoemblemático das expropriações que envolveram os terrenos adjacentes à nova Igreja dosAnjos e para abertura da Rua nº 4(Decreto de 13 de Setembro de 1897).

11 Manuel Villaverde Cabral, op. cit., p. 152, cita o exemplo do Decreto de 30 de Setembro de 1892, que passa a beneficiar ascimenteiras de um monopólio de dez anos, tendo sido ao abrigo desse mesmo diploma que se desenvolveram os cimentos Tejoe por conseguinte a construção civil.

Planta da parcela a expropriar a Francisco António Jorge Bello, noRegueirão dos Anjos, com vista à construção da nova Igreja dosAnjos de acordo com o Decreto de 13 de Setembro de 1897.AML-AC, Caixa nº18-SGO.

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 104

Planta assinada por Ressano Garcia, datada de 8 deJulho de 1895, com a localização dos terrenosmunicipais cedidos ao Asilo de Santo António eCozinha Económica. AML-AC Caixa nº 16-SGO.

Conclusão: Linhas estruturadoras de um dado conceito de cidade tardo-oitocentista, e quetêm conferido à Rua da Palma e Avenida Almirante Reis actuais, uma identidade urbana e

sociológica próprias, perpassam pelos parâmetros mentais que se encontram subjacentes naconcepção e redacção da Memória Descritiva e Mapa das expropriações do projecto daAvenida dos Anjos.

O manifesto ecletismo patrimonial que observamos ao longo desta Avenida-Boulevard, maisnão é que o resultado de uma acção de resistência da paisagem urbana, à sedimentação enecessária fragmentação que o tempo histórico exerce inexoravelmente, na sua passagemsobre os objectos e símbolos de um dado período.

Desta forma, os mais importantes marcos, ícones e símbolos deste velho caminho, e queconstituem ainda a essência deste lócus, encontram-se simultaneamente perto, mas também jádistantes, do primitivo plano e ideia de cidade, pensados em finais de oitocentos para definira burguesa e romântica Avenida oriental, por se cruzarem e alinharem agora, com outrosmarcos, produto de outras contemporaneidades.

Deve-se também sublinhar, que o perfil do equipamento patrimonial de características assis-tenciais, que marca substancialmente a especificidade da imagem desta Avenida, resulta sobre-tudo, de uma filosofia de cedência gratuita de terrenos municipais (com presença notórianesta área da Cidade) a instituições beneméritas tais como, a Cozinha Económica e o Asilode Santo António.

Como tónica conclusiva, gostaríamos deenfatizar, por um lado, que a localizaçãoneste eixo viário de algum significativopatrimónio de cariz caritativo, se explicanuma linha de continuidade que surgecomo herança histórica de fixação e con-centração nesta área da Cidade, de umimportante pólo hospitalar (Hospital doDesterro; Hospital de S. José e S. Lázaro;Hospital da Estefânia; Hospital de Arroios– antigo Sanatório de Tuberculosos notempo da Rainha Dona Amélia).

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 105

Outro segmento conclusivo a considerar, refere-se à génese a partir da qual é construída aideia de modernidade para este sítio. Das pistas apontadas pela Memória descritiva e posteri-or investigação, afigura-se-nos credível que esta ideia de modernidade, assenta sobretudo narecuperação de velhos símbolos deste antigo trajecto, que foram deslocalizados para pontosnevrálgicos da nova Avenida, com vista a uma nobiltação patrimonial da mesma.

Figuram neste caso, os exemplos emblemáticos da deslocalização da velha Igreja dos Anjosdo sítio do Regueirão dos Anjos para o seu novo alinhamento paralelo e fronteiro à novaartéria, nobilitando assim o contemporâneo e adjacente Bairro Andrade. O mesmo é válidopara o velho chafariz do Intendente que sai do Largo do Intendente para embelezar e marcaro términus da Rua da Palma e assinalar o início da Avenida Almirante Reis.

106

Cadernos5-1“parte.qxd 24-02-2011 10:23 Page 106

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 107

A Bandeira Municipal

de Lisboa:

introdução à vexilologia

autárquica olisiponenseFranc i sco Matos

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 108

109

Introdução. O objectivo desta investigação reflexiva consiste em perspectivar uma análisesistematizante e integral no âmbito temático da problemática da génese e desenvolvimento

dos símbolos e das cores municipais de Lisboa e numa óptica exclusivamente vexilológica,alicerçada numa evolução diacrónica e inserida numa contextualização documental.

Convirá, então, definirmos preliminarmente alguns aspectos conceptuais, uma vez que aVexilologia é um sector científico em estreita correlação com a Heráldica. De facto, se aHeráldica é uma ciência auxiliar da História e um ramo epistemológico da Emblemática e daSimbólica que estuda e interpreta a origem e evolução, assunção e concessão, validade e objec-tivo, significado e função, aquisição e manutenção, alteração e extinção dos brasões de armasou objectos bélicos decorados figurativa, significativa e identificadamente e das regras quedeterminam a sua representação plástica, compositiva e iconográfica, bem como das relaçõesnormativas entre estes e os sujeitos jurídicos individuais, colectivos ou territoriais que pre-tendem legitimamente simbolizar, a Vexilologia aplica de forma plena esta característica fun-cional às bandeiras, estandartes, pendões e flâmulas.

Por outro lado, além de se pretender aqui realizar um ensaio exaustivo da evoluçãovexilológica representativa da emblemática oficial do município lisboeta, procurar-se-á aindarastrear sinteticamente a sua génese histórico-simbólica e a sua remota plasticidade pictóricaidentificativa, subjacente e intrínseca.

ABandeira de Lisboa: da génese medieval à cristalização setecentista.Concomitantementeà génese medieval da Heráldica autárquica portuguesa, verificamos também o surgimento

de diversas tipologias de insígnias vexilológicas municipais, em estreita relação com aquela. Defacto, na transição dos sécs. XII-XIII, processa-se uma diversificação da origem sócio-profis-sional dos titulares armigerados que assumiam armas identificativas, em que a nobreza eraequiparada ao clero e às circunscrições e instituições canónicas, aos mesteirais e às corpo-rações, aos burgueses e às Ordens militares, às irmandades e às confrarias, bem como àsautarquias.

Esta situação patenteava-se na produção sigilográfica pendente armoriada de cera e chumbo,utilitariamente importante em função da necessidade de autenticação documental identifica-tiva (colmatante da analfabetização lacunar preponderante), contudo atenuada com o desen-volvimento do tabelionato no final da centúria, em que a legitimação notarial de contratos eescrituras se efectuava mediante a aposição gráfica artisticamente desenhada de “sinais rasos”geometrizantes, previamente registados no Desembargo do Paço.

Assim, a sigilografia medieval portuguesa constitui o mais remoto reduto da Heráldicaautárquica nacional, apesar da adopção errónea dos sinais rodados régios ou outros proto-

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 109

110

heráldicos autenticantes dos forais municipais então concedidos como brasões de armasautárquicas, bem como de outros símbolos representados - como afirmações de autonomialegal face aos poderes real e senhorial. De facto, o mais antigo exemplar sigilográfico actual-mente conhecido é o do extinto concelho de Castelo Mendo, datado de 1202, ocupando arepresentatividade armorial intencional a clara maioria percentual da totalidade quantitativados espécimes esfragísticos conhecidos.

Morfologicamente, verifica-se um predomínio - inicialmente insipiente - dos selos circularesentre os quadrangulares, mandorliformes, escutiformes, losangulares, amendoados, trape-zoidais e quadrilobulados, ao passo que, iconograficamente, nos surgem diversos motivossimbólicos arquitectónico-militares, orográficos, zoomórficos, fitomórficos, quiméricos,hagiográfico-antropomórficos, astronómicos, tecnológicos e heráldicos, cuja complexidade erepetitividade fixante depende casuisticamente da respectiva relevância local e eventualrepresentatividade toponímico-municipal 1.

Além das figurações sigilográficas, quando representadas fora de escudos, os brasõesautárquicos começam igualmente a surgir, em meados do séc. XIV, delimitados por moldurasquadrangulares e rectangulares em pedras-de-armas apostas nas muralhas, pontes e chafarizes,entre outras quaisquer obras de arquitectura civil de iniciativa municipal. Estas são viáveis denos sugerir uma incomprovada origem vexilológica da utilidade funcional da Heráldicamedieval portuguesa, apresentando - apesar da existência anterior conhecida de bandeiras,pendões, flâmulas e estandartes - uma morfologia plástica distinta e uma estrutura iconográ-fico-compositiva muito mais simplificada 2.

Efectivamente, a génese medieval da Bandeira da Cidade de Lisboa remete-nos em princípiopara uma figuração heráldica reflectindo a constituição das suas armas, conhecida e mantidaquase inalterada desde a primeira metade do séc. XIII, apesar de não existirem quaisquerreferências conhecidas quanto à sua composição plástico-cromática ou estético-compositiva,tipo de suporte e dimensões.

Concretamente, a primeira referência documentada à bandeira da capital portuguesa surge-nos nas três Cartas Régias de 7 a 8 de Setembro de 1385 (algumas das primeiras mercêslegislativas do Mestre de Avis a Lisboa, após a sua eleição dinástica nas Cortes de Coimbra

1 Ver Jorge de Matos, A Heráldica autárquica do extinto Município de Belém, Hugin Editores, Lisboa, 1998, pp. 35-37, 45, notas 1 e 2;D. Luís de Távora (Marquês de Abrantes), O estudo da sigilografia medieval portuguesa, Ministério da Educação - Instituto de Culturae Língua Portuguesa, Lisboa, 1983;Sérgio Luís de Carvalho, Iniciação à Heráldica Portuguesa, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemoraçõesdos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1996, pp. 144-148.2 Ver Pedro Sameiro, “A Heráldica Autárquica em Portugal”, in Almansor, Associação de Municípios do Distrito de Beja,Montemor-o-Novo, nº 4, 1986, pp. 83-91.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 110

de 6 de Abril do mesmo ano), através das quais D. João I incorpora as Vilas de Torres Vedras,Alenquer, Colares, Ericeira, Mafra e Vila Verde (bem como todas as restantes e os lugares ealdeias entre os termos de Lisboa, Alenquer, Torres Vedras e Sintra) na circunscriçãoadministrativo-fiscal do Termo de Lisboa (manifestando assim a sua gratidão penhorada peloapoio territorial demonstrado à sua eleição soberana).

Nestas fontes documentais, apenas é mencionada a sua presença nos regimentos militares oucontingentes de cavaleiros, peões e besteiros daquelas vilas, integrados na jurisdição militar deLisboa e encarregues da sua defesa bélica - defendendo o pendão lisboeta mais que o seupróprio (quando existente) e a serviço do monarca, face às invasões castelhanas reivindicantesda sucessão dinástica da soberania política portuguesa (e por eventual punição de adopçãopartidária da causa estrangeira) 3.

Contudo e posteriormente, o cronista régio Gomes Eanes de Zurara refere-nos, na suaCrónica da Tomada de Ceuta, escrita c. 1436 e impressa apenas em 1644, o hasteamento daBandeira dita “de São Vicente” de Lisboa por João Vaz ou Vasques de Almada na torre demenagem do castelo do entreposto magrebino conquistado pelos Portugueses em 21 deAgosto de 1415 4. Apesar de também aqui não se mencionarem quaisquer características des-critivas, afigura-se-nos lógica a presença iconográfica da heráldica da metrópole portuguesa,aqui explicitamente mencionada e vigente desde o último quartel do séc. XII, ainda que sóconhecida na esfragística municipal da primeira metade do seguinte.

Mais tarde, o Alvará de 3 de Agosto de 1508, endereçado por D. Manuel I à Câmara Municipalde Lisboa, determina a confecção de decoração sumptuária para celebrações protocolares.Este diploma legislativo surge-nos perfeitamente inserido numa evidente conjuntura de refun-dação jurídica reformante do Estado moderno português e da progressiva centralização abso-luta do Poder Real, em que ressalta, sob o patrocínio régio de D. Manuel I, a divulgação artís-tica de iconografia simbólica num contexto liturgicamente messiânico-imperial, com a acen-tuação da utilização instrumentalizante de insígnias simbólico-funcionais identificativas dodesempenho protocolar de altos cargos públicos, denotante da sua evidente importância legal,

111

3 Ver Livro 1º de D. João I, fólio 14, documento nº 9 (cota: Arquivo Municipal de Lisboa - Arquivo Histórico - Chancelaria Régia,Livro nº 10);Livro 1º de D. João I (cópia), fls. 17v-19, doc. nº 9 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 12);Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a História do Município de Lisboa, Typographia Universal, Lisboa, 1882, 1ª Parte, vol. I,pp. 85-86, nota 1;Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa - Livros de Reis II, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1958, p. 13;Miguel Gomes Martins, Lisboa e a Guerra (1367-1411), Colecção ‘Cidade de Lisboa’ nº 35, Livros Horizonte, Lisboa, 2001, pp. 55-56.4 Ver Gomes Eanes de Zurara, Crónica da Tomada de Ceuta, Colecção ‘A Aventura Portuguesa’ nº 12, Publicações Europa-América,Mem Martins, 1992, p. 252;José Soares da Silva, Memorias para a Historia de Portugal que comprehendem o governo d’El-Rey D. João I, do anno de mil e trezentos e oiten-ta e três até mil e quatrocentos e trinta e três dedicadas a El Rey D. João V Nosso Senhor approvadas pela Academia Real da Historia Portugueza,Oficina de José António da Silva, Lisboa Ocidental, 1732, Tomo III, Livro III, Cap. CCCV, § 1672, pp. 1491-1492.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 111

patente no Regimento da Câmara Municipal de Lisboa de 30 de Agosto de 1502 5.

Aquele documento estatui assim a confecção de seis bandeiras quadradas esquarteladas (istoé, divididas em quatro superfícies quadrangulares idênticas) carmesins e brancas, douradas ericas, franjadas de retrós (fio torcido de seda ou algodão) ou de cadarço (fita estreita de sedagrossa, linho ou algodão), medindo entre oito e dez palmos de lado e contendo a heráldicaautárquica de Lisboa. Determinava ainda a confecção de um estandarte de seda e uma cober-ta de popa em veludo carmesim para o batel da Câmara com um pano e meio de largura igual-mente carregado com o escudo de Lisboa.

Segundo o mesmo Regimento municipal de 1502, o batel destinava-se ao transporte doPresidente, Vereadores e Oficiais do Senado, em escolta oficial ao Bergantim Real navegandono Tejo para desembarcar cerimonialmente no Terreiro do Paço antes da recepção protoco-lar ao monarca com a competente entrega das Chaves da Cidade 6.

Enquanto insígnia comprovante de autonomia geo-administrativa eivada de profundosentido simbólico-protocolar, a bandeira deveria ser sempre hasteada na torre demenagem do Castelo de S. Jorge, aquando das aclamações régias, conforme menciona-do nos Autos de aclamação de D. João II em 1 de Setembro de 1481 e de D. Manuel I

112

5 Ver Jorge de Matos, “A Câmara Municipal de Lisboa e a aclamação régia de D. Pedro V: reforma jurídica da indumentária pro-tocolar”, in Arqueologia e História, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, nº 52, 2000, pp. 21, 29, notas 1 e 2;Idem, “Ibidem”, in Cadernos do Arquivo Municipal, Câmara Municipal de Lisboa - Pelouro da Cultura / Departamento dePatrimónio Cultural / Arquivo Municipal de Lisboa, Lisboa, nº 4, 2000, pp. 59-60, notas 1 e 2;Ana Maria Alves, Iconografia do Poder Real no período manuelino - à procura de uma linguagem perdida, Colecção ‘Temas Portugueses’,Imprensa Nacional, Lisboa, 1985;Idem, As Entradas Régias Portuguesas - Uma Visão de Conjunto, Colecção ‘Horizonte Histórico’ nº 9, Livros Horizonte, Lisboa, s. d.;Paulo Pereira, A Obra Silvestre e a Esfera do Rei - Iconologia da Arquitectura Manuelina na Grande Estremadura, Colecção ‘Subsídios paraa História da Arte Portuguesa’ nº XXXII, Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,Coimbra, 1990;Manuel Cardoso Mendes Atanázio, A Arte do Manuelino - mecenas, influências, espaço, Colecção ‘Métodos’ nº 19, Editorial Presença,Lisboa, 1984;Jorge de Matos, “Heráldica, Arte, Poder e Mentalidade no Portugal Manuelino: notas introdutórias”, in Armas & Troféus - Revistade História, Heráldica, Genealogia e Arte, Instituto Português de Heráldica, Lisboa, VI Série, Tomo VI, Janeiro-Dezembro de 1995,pp. 55-60;Regimento da Câmara Municipal de Lisboa (Livro Carmesim), fls. 17v-20, doc. nº 2 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 37);Miguel Gomes Martins, A Administração Municipal de Lisboa - Pelouros e Vereações, Divisão de Arquivos do Pelouro da Cultura daCâmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1996, pp. 156-159.6 Ver Livro 1º de Festas (1485-1632), fl. 19, doc. nº 18 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 78);Livro 1º de Festas (cópia), fls. 7v-8 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 79);Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 86, nota 3.Posteriormente, o Rei D. Filipe II outorga, sob requerimento prévio, ao Presidente do Senado da Cidade, Manuel de Vasconcelos,e seus sucessores, pelo Alvará régio de 2 de Maio de 1609, os mesmos privilégios e regalias usufruídos pelos Presidentes dosConselhos e pelo Regedor da Casa da Suplicação e dos Tribunais da Corte - utilizando também estes últimos a cor carmesim jáempregue pela autarquia havia mais de um século e que Eduardo Freire de Oliveira considera erradamente ter aqui sido conce-dida ao município;Livro 1º de D. Filipe II, fl. 38 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 60);Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 86, nota 1.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 112

em 28 de Outubro de 1495 7.

De facto, o Regimento da Câmara Municipal de Lisboa, de outorgação régia manuelina em 30 deAgosto de 1502 (e significativamente designado Livro Carmesim, - mesmo antes do Alvará de1508 - pela coloração da respectiva encadernação de pele, como tonalidade cromática daBandeira municipal e deste mesmo códice normativo da autarquia, desconhecendo-se o seufundamento), determinava expressamente a ostentação processional equestre da Bandeira daCidade pelos Vereadores e um Alferes pelas ruas da urbe velha até ao seu hastear solene evitorioso na torre de menagem do baluarte lisboeta, aquando dos levantamentos e faleci-mentos reais 8.

No entanto, num inventário patrimonial autárquico de objectos e tecidos de seda, brocado etela de 22 de Junho de 1553, menciona-se a presença das cores branca e negra como tonali-dades oficiais municipais (e cujo fundamento também se desconhece). Sendo esta a primeiraocorrência conhecida e documentada deste binómio cromático representativo da capital,devemos advertir que se tratam essencialmente de decorações festivas ou solenes da Cidade,distintas da sua Bandeira oficial, que era inteiramente diferente 9.

Na verdade, este mesmo binómio cromático surge-nos presente numa nota marginal doregisto de uma Carta Régia de 20 de Maio de 1619, consequente de uma Consulta do dia 1do mesmo mês e ano, aqui mencionada e transcrita em Assento do Senado lavrado no dia 8,endereçada ao Vice-Rei de Portugal - D. Diogo da Silva e Mendonça, Conde de Salinas deRibadeo, Duque de Francavila e primeiro e único Marquês de Alenquer -, quanto à indu-mentária oficial e solene dos Vereadores e Oficiais da Cidade na entrada solene de D. Filipe

113

7 Ver Livro 2º de D. João II, fl. 1 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 24);Livro 3º de D. Manuel I e Livro 2º de D. João II (cópia), fl. 2, doc. nº 1 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 28);Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, pp. 339-345, nota 1;Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa - Livros de Reis III, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1959, pp.171-173;Livro 1º Místico de Reis, doc. nº 18 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 1);Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, pp. 377-378, nota 1;Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa - Livros de Reis I, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1957, p. 25;Livro I de Místicos de Reis, Livro II dos Reis D. Dinis, D. Afonso IV, D. Pedro I - Documentos para a História da Cidade de Lisboa, CâmaraMunicipal de Lisboa, Lisboa, 1947, pp. 87-88.Segundo Eduardo Freire de Oliveira, esta seria a mesma bandeira mencionada na conquista de Ceuta, de acordo com José Soaresda Silva (nascido a 9 de Janeiro de 1672 e falecido a 26 de Agosto de 1739), Escrivão das Guardas Reais, Tesoureiro da Casa Reale sócio da Academia Portuguesa de História;José Soares da Silva, op. cit..

8 Ver Regimento da Câmara Municipal de Lisboa (Livro Carmesim), doc. nº 2, fl. 20v (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 37);Regimento da Câmara Municipal de Lisboa (Livro Carmesim) (cópia), doc. nº 2, fls. 14v-15 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 38);Miguel Gomes Martins, op. cit., p. 160;Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 87, nota 1.9 Ver Livro 3º da Vereação, fl. 151, doc. nº 377 (cota: AML-AH – Chancelaria da Cidade, Lv nº B-3);Livro 3º da Vereação (cópia), fls. 116v-117, doc. nº 377 (cota: AML-AH - Ch. C., Lv nº B-10);Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 82, notas 1 e 2;Luís Pastor de Macedo, Norberto de Araújo, Casas da Câmara de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1951, p. 184.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 113

II em Lisboa em 29 de Junho daquele ano 10, adequada para todas as entradas, levantamentose casamentos régios, nascimentos e juramentos de príncipes.

Adicionalmente, ocorre idêntica situação descrita no Auto do levantamento de D. João IV emLisboa, em 15 de Dezembro de 1640, bem como numa carta endereçada pelo Secretário deEstado, Mendo de Fóios Pereira, ao Presidente do Senado, D. Francisco de Sousa, em 22 deJunho de 1691, onde o bicromatismo oficial do Município é mencionado para figurar nasdecorações de uma tourada a realizar no Terreiro do Paço 11.

Contudo, nas aclamações régias de D. Filipe II em 23 de Setembro de 1598 e de D. Filipe IIIem 18 de Abril de 1621, o Estandarte da Cidade não ondulou sobre o Castelo, argumentan-do a autarquia com a eventual dispensabilidade desse acto solene face à clausura do espaçodisponível e o seu inerente armazenamento de artilharia militar, inviabilizando assim a sua uti-lização protocolar para a celebração de cerimónias abertas (como efectivamente nunca maisvoltará a ocorrer) 12.

Entretanto, na aclamação régia de D. Sebastião, celebrada em 20 de Janeiro de 1568 e descri-ta na sua Crónica (da autoria do Cronista-Mór do Reino D. Manuel de Menezes, cerca doprimeiro quartel do séc. XVI e impressa em 1730), surge-nos uma descrição heráldico-icono-gráfica da Bandeira Municipal, aludindo-se ainda à sua ostentação processional equestre comos Vereadores pelo Alferes da Cidade (especialmente convidado para esse momento solene),Sebastião de Góis, durante o recolhimento do Rei então genuflectido em introspecção devocional.

Cumprindo-se então contextualmente o disposto no já referido Regimento manuelino de 30 deAgosto de 1502, trata-se aqui de uma bandeira pintada nas duas faces (com as Armas Reaisnuma - que aqui passam a figurar - e as da Cidade noutra), confeccionada com damasco bran-

114

10 Ver Livro 5º de Registo de Provisões de Reis, fl. 133v (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 56);Livro 3º de Assentos, fls. 140-143, doc. nº 261 (cota: AML-AH - Ch. C., Lv nº B-14);Livro 3º de Assentos (cópia), fl. 129 (cota: AML-AH - Ch. C., Lv nº B-22);Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 82, notas 3 e 4;Luís Pastor de Macedo, Norberto de Araújo, op. cit., p. 184;Jorge de Matos, “art. cit.”, in Arqueologia e História, pp. 22, 29, notas 4 e 5;Idem, “Ibidem”, in Cadernos do Arquivo Municipal, p. 60, notas 4 e 5.11 Ver José Justino de Andrade e Silva, Collecção da Legislação Portugueza, Imprensa de F. X. de Souza, Lisboa, 1856, 2ª série (1640-1647), p. 6;Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 83, nota 1;Livro 6º de Registo de Consultas e Decretos de D. Pedro II, fl. 452, doc. nº 342 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 113);Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 81, nota 1;Luís Pastor de Macedo, Norberto de Araújo, op. cit., p. 184;Jorge de Matos, “art. cit.”, in Arqueologia e História, pp. 22, 29, nota 6;Idem, “Ibidem”, in Cadernos do Arquivo Municipal, p. 61, nota 6.12 Ver Livro I de D. Filipe II, fls. 1-1v, doc. nº 1, fls. 3-3v, doc. nº 2, fls. 4-10, doc. nº 3 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 60);Livro I de D. Filipe II (cópia), fls. 2-2v, doc. nº 1, fls. 2v-3, doc. nº 2, fls. 3-8v, doc. nº 3 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 61);Livro I de D. Filipe III, fls. 8-14, doc. nº 8 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 62);Livro I de D. Filipe III (cópia), fls. 4-11, doc. nº 6 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 63);Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 87, nota 1.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 114

co e guarnecida na orla de franja de ouro e uma barra do mesmo de cada lado, além de umahaste dourada 13.

No entanto e nesta mesma Crónica d’El-Rei D. Sebastião, descreve-se o aparato cerimonial docortejo náutico que acompanhava a Princesa D. Joana (filha do Imperador e Rei Carlos V daAlemanha e I de Espanha, e de D. Isabel de Portugal) a Lisboa em Janeiro de 1552 para entrarsolenemente na Capital (após ter casado com o Príncipe D. João e sendo depois progenitoresdo futuro Rei D. Sebastião), mencionando-se a presença do bicromatismo branco e negrocomo oficial da edilidade (acentuando a distinção já antes mencionada – e ainda anterior aoInventário de 1553), presente no batel toldado de seda com estas cores e as Armas munici-pais (transportando os Autarcas e os Oficiais do Senado, com remeiros trajando librés daque-les tons), bem como outros dois bateis, conduzindo um adiante o Meirinho da Cidade combatedores para afastar as outras embarcações, e outro atrás embandeirado e também ornadode sedas ricas e com uma orquestra tocando instrumentos musicais de percussão e sopro (tím-bales, trombetas e charamelas) 14.

Pouco posteriormente, a Câmara Municipal de Lisboa delibera, num Assento de Vereação de20 de Outubro de 1575, restaurar a celebração devocional de acção de graças da procissãocomemorativa da conquista da capital por D. Afonso Henriques aos mouros em 25 deOutubro de 1147. Incorporando-se nela os Vereadores com as suas insígnias representativas(conforme disposto no Regimento de 30 de Agosto de 1502), seguiria também a Bandeira deLisboa, conduzida por um dos Juizes da Cidade, segundo já também previamente preceitua-do na eventual ocorrência de outras procissões e cortejos solenes 15.

115

13 Ver D. Manuel de Menezes, Chronica d’El-Rei D. Sebastião, 1730, p. 55;cit. in Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, pp. 86-87;Luís Pastor de Macedo, Norberto de Araújo, op. cit., p. 184, nota 4;Anónimo, “Lisboa (Armas de)”, in Esteves Pereira, Guilherme Rodrigues, Portugal - Diccionario historico, chorographico, biographico,bibliographico, heraldico, numismatico e artistico abrangendo a minuciosa descripção historica e chorographica de todas as cidades, villas e outraspovoações do continente do reino, ilhas e ultramar, monumentos e edificios mais notaveis, tanto antigos como modernos; biographias dos portuguezesillustres antigos e contemporaneos, celebres por qualquer titulo, notaveis pelas suas acções ou pelos seus escriptos, pelas suas invenções ou descobertas;bibliographia antiga e moderna; indicação de todos os factos notaveis da historia portugueza, etc., etc.. Obra illustrada com centenares de photogravurase redigida segundo os trabalhos dos mais notaveis escriptores, João Romano & C.ª - Editores, Lisboa, 1911, vol. V, pp. 230-231.14 Ver D. Manuel de Menezes, op. cit., p. 12;cit. in Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, pp. 81-82;Luís Pastor de Macedo, Norberto de Araújo, op. cit., p. 184, nota 3.15 Ver Livro 3º de Registo de Ofícios, Regimentos e Alvarás dos Reis D. João III, D. Sebastião e D. Filipe I, fl. 85, doc. nº 101 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 52);Livro 3º de Registo de Ofícios, Regimentos e Alvarás dos Reis D. João III, D. Sebastião e D. Filipe I (cópia), fls. 74v-75 (cota: AML-AH - Ch.R., Lv nº 54);Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 87, nota 2;Jorge de Matos, “art. cit.”, in Arqueologia e História, pp. 21, 29, nota 2;Idem, “Ibidem”, in Cadernos do Arquivo Municipal, pp. 59-60, nota 2;Regimento da Câmara Municipal de Lisboa (Livro Carmesim), fls. 17v-20, doc. nº 2 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 37);Regimento da Câmara Municipal de Lisboa (Livro Carmesim) (cópia), fls. 14v-15, doc. nº 2 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 38);Miguel Gomes Martins, op. cit., pp. 156-159.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 115

Já no séc. XVIII, uma Consulta do Senado da Câmara de 17 de Dezembro de 1703 determi-nara que o Porta-Estandarte processional da Cidade seria doravante o funcionário subalternodesignado “homem das obras”, resolvendo-se, em Despacho régio de 8 de Janeiro do anoseguinte, que o então respectivo titular, João Baracho da Gama, e todos os seus sucessoresauferissem anualmente meio moio de trigo do Alqueidão e já não apenas o salário habitual de$370 (trezentos e setenta réis). Mais tarde ainda, o Artigo 3º do Capítulo 3º do Alvará régiode 23 de Março de 1754 eleva aquele vencimento anual para 24$000 (vinte e quatro mil réis) 16.

OEstandarte de Lisboa: da modernidade liberal à actualidade revivalista. Ao longo dasegunda metade do séc. XVIII e da primeira do seguinte, a Bandeira Municipal manter-

se-á, como anteriormente, com o mesmo padrão aparente, sobre fundo carmesim. Contudo,por inerência da libertação militar de Lisboa pelas tropas liberais em 24 de Julho de 1833 e aconsequente chegada da Rainha D. Maria II a Lisboa em Setembro daquele ano, a ComissãoMunicipal determina a confecção de um novo Estandarte Municipal (identificando-se o ante-rior com o Absolutismo monárquico).

O padrão cromático tradicional é substituído pelo bicromatismo nacional liberal oficial doazul e do branco instituído pela Carta de Lei constituinte de 23 de Agosto de 1821 (justifi-cadas então como cores genésicas da Heráldica nacional portuguesa, aqui salvaguardadas numcontexto de emergência liberal) – efemeramente revogada pela Carta de Lei absolutista de 18de Junho de 1823 (que restabeleceu o prévio bicromatismo azul e vermelho instituído pelaOrdem Régia de 17 de Janeiro de 1796) e restaurada pelo Decreto liberal de 18 de Outubrode 1830 (que institui a primeira Bandeira Nacional bicolor, azul e branca) 17.

O novo estandarte fora confeccionado com 18 côvados de damasco azul e branco e a suadespesa importou em 18$400 (dezoito mil e quatrocentos réis), dos quais 3$200 (três mil eduzentos réis) correspondem à mão-de-obra executante - segundo a factura apresentada por

116

16 Ver Livro 18º de Consultas e Decretos de D. Pedro II, fls. 178-178v, doc. nº 74 (cota: AML-AH - Ch. R., Lv nº 106);António Delgado da Silva, Collecção da Legislação Portugueza desde a ultima compilação das Ordenações (...) Legislação de 1750 a 1762,Typographia Maigrense, Lisboa, 1830, pp. 242, 245, 256;Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 88, notas 1 a 3.17 Ver Jorge de Matos, “art. cit.”, in Arqueologia e História, pp. 25-26, 30, notas 25-27;Idem, “Ibidem”, in Cadernos do Arquivo Municipal, pp. 68-69, notas 25-27;António Delgado da Silva, Collecção da Legislação Portugueza desde a ultima compilação das Ordenações – Legislação de 1791 a 1801,Typografia Maigrense, Lisboa, 1828, p. 258;Collecção da Legislação das Cortes de 1821 a 1823;António Maria Seabra de Albuquerque, O Laço da Nação Portugueza: estudo histórico, Imprensa Independência, Coimbra, 1890;António Delgado da Silva, Collecção da Legislação Portugueza desde a ultima compilação das Ordenações, Typografia Maigrense, Lisboa,1825, pp. 693-699;Collecção de Decretos e Regulamentos publicados durante o governo da Regência do Reino estabelecida na Ilha Terceira desde 15 de Junho de 1829até 28 de Fevereiro de 1832, Imprensa Nacional, Lisboa, 1836, 2ª edição, I Série, pp. 54, 78;Miriam Halpern Pereira (direcção), A crise do Antigo Regime e as Cortes Constitucionais de 1821-1822, Centro de Estudos de HistóriaContemporânea Portuguesa do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa / Edições João Sá da Costa, Lisboa,1991, vol. I (Benedita Maria Duque Vieira, “O problema político português no tempo das primeiras Cortes liberais”), pp. 77, 79-86;

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 116

António José dos Santos Miranda Filho, exprimindo ainda uma clara ambição municipalistade protagonismo nacional liberal 18.

Tendo-se nele colocado as mesmas armas do anterior, bordadas a ouro fino, este estandarteterá ardido no incêndio dos Paços do Concelho na noite de 19 de Novembro de 1863, figu-rando presente nas aclamações régias de D. Pedro V em 16 de Setembro de 1855 (segundo oArtigo 35º do respectivo Programa Oficial, do Ministério dos Negócios do Reino, de 7 deSetembro) – sendo então transportado pelo Vereador Francisco Manuel de Mendonça – e deD. Luís I em 22 de Dezembro de 1861 (segundo o ponto nº 27 do respectivo ProgramaOficial, da 2ª Repartição da Direcção Geral de Administração Política do Ministério dosNegócios do Reino, de 12 de Dezembro), ambas solenemente ocorridas na Praça do Comércio 19.

Concomitantemente, a Câmara Municipal de Lisboa delibera, na sua sessão de vereação de 13de Setembro de 1854, sob a presidência de Manuel Salustiano Damasceno Monteiro e atravésda proposta do Vereador Manuel Maria Ferreira da Silva Beirão, que um dos seus Vereadoresdesempenhasse as funções de Alferes da Cidade (que habitualmente era um contínuo, asubstituir por evidente impropriedade protocolar nas efemérides solenes), ou o Guarda-Morda edilidade, quando o número de Vereadores não fosse suficiente para sustentar as varas dopálio nas recepções e entradas régias 20.

Contudo e posteriormente, o Vereador Gregório Vaz Rans de Campos Barreto Fróis propõe àautarquia, em sessão de vereação de 23 de Janeiro de 1865, a imediata restauração preventiva doEstandarte Municipal (para qualquer iminente emergência protocolar ou cerimonial), requerendo-se autorização inerente e esclarecimento cromático por representação a endereçar ao Ministério dosNegócios do Reino, e mantendo-se o padrão coevo das Armas da Cidade. Apesar de a vereaçãodespachar a solução deste assunto para uma outra sessão futura e determinar a remissão de cópiaalusiva à Repartição Técnica municipal para execução do desenho do brasão e consequente regres-so deliberativo à ordem do dia, não são conhecidos quaisquer desenvolvimentos ulteriores 21.

117

18 Ver Maço nº 189, Documentos de Despesa de 1833, nº 32;cit. in Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 88, nota 4.19 Ver José Máximo de Castro Neto Leite e Vasconcellos, Collecção Official da Legislação Portugueza – Anno de 1855, ImprensaNacional, Lisboa, 1856, p. 318;José Máximo de Castro Neto Leite e Vasconcellos, Collecção Official da Legislação Portugueza – Anno de 1861, Imprensa Nacional,Lisboa, 1862, p. 465;Luís Pastor de Macedo, Norberto de Araújo, op. cit., p. 184;Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 88, notas 4-5.20 Ver Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa (minutas) - 1854, doc. nº 182 (cota: AML-AH – Ch. C., Lv B-47);Collecção de Providencias Municipaes da Camara de Lisboa, Typographia de Silva, Lisboa, s. d. [1853-1857], Tomo II, pp. 129, 130, nota A;Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, pp. 88-89, nota 1.21 Ver Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa – 1865, nº 36, fls. 71-72v (cota: AML-AH – Ch. C., Lv nº B-60);Archivo Municipal de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, nº 266, Sábado, 4 de Fevereiro de 1865, sessão de 23 de Janeirode 1865, p. 2126;Propostas, Requerimentos e Allocuções dos Vereadores (1865-1896), Pasta nº 5 “1869 – Correspondência dos Vereadores, Relatórios ePropostas – Allocuções”, doc. nº 19 (cota: AML-AH – Ch. C., Cx. D-6);Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 89, nota 2.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 117

Novamente, em 14 de Setembro de 1868, o Vereador Francisco Manuel de Mendonça (entãofuturo 1º Barão de Mendonça por Decreto régio de D. Luís I, de 26 de Novembro de 1873)apresenta uma proposta subscrita conjuntamente pelo seu colega já mencionado (entãoausente nessa sessão) que reitera a anterior. Propondo assim a restauração urgente doEstandarte Municipal (curiosamente inserida num contexto patriótico de representatividadenacional independentista face a posteriores suspeitas de iminente unionismo ibérico), enquan-to símbolo de integrismo autárquico, a vereação decide aprovar o requerimento, deliberandosobre o inerente grafismo apresentado pelo Vereador Gregório Vaz Rans de Campos BarretoFróis (e actualmente desaparecido) em reunião próxima 22.

É interessante verificar que, no rascunho desta proposta, os Vereadores proponentes sugeri-am que a edilidade incentivasse por ofício a Sociedade “1º de Dezembro” no seu desempenhopatriótico, bem como a Associação Nacional de Tiro, e se exigissem esclarecimentos aoGoverno sobre recentes divulgações públicas de proclamações ibéricas (face a cujo temortoda a proposta se insere contextualmente). De facto, a 19 do mesmo mês, é deposta, porrevolução militar ocorrida em Madrid, a Rainha Isabel II de Espanha, contudo mantendo-seentretanto indefinida a tipologia constitucional do regime político e sendo convidado, entreoutros, o Rei viúvo português D. Fernando II a assumir o Trono espanhol, que recusa pornão aceitar contribuir para uma eventual e futura restauração de uma união dualista nacional.

11822 Ver Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa – 1868, nº 41, fls. 151v-152v (cota: AML-AH – Ch. C., Lv nº B-65);Archivo Municipal de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, nº 457, Sábado, 3 de Outubro de 1868, pp. 3689-3690;Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 89, nota 3;Afonso Eduardo Martins Zúquete, Nobreza de Portugal e do Brasil, Editorial Enciclopédia, Lda., Lisboa, 1984, 2ª edição, vol. II, p. 733.

Fig. 1 - As Armas Nacionais e Municipais de Lisboa propostas para a sua Bandeira pelo Vereador Gregório Vaz Rans de CamposBarreto Fróis, em 24 de Agosto de 1869 (cota: AML-AH - Ch. C., Cx. D-6, Pt. 5, Doc. 19).

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 118

Entretanto, na sessão autárquica de 17 do mesmo mês, o Presidente Luís de Carvalho Daune Lorena considera, perante a vereação e quanto à proposta apresentada, a delicada importân-cia do assunto em causa (incompatível com eventuais decisões precipitadas) e incumbeaprovadamente o Oficial da Secretaria João Maria Alves Costa (cuja competência gráfico-heráldica já fora demonstrada na decoração armorial da Praça do Comércio para a aclamaçãorégia de D. Pedro V e na confecção dos novos uniformes autárquicos lisboetas em Julho de1855) de copiar o brasão de armas da Cidade, patente (como lhe constara) no códice Armariasito na Biblioteca Nacional de Lisboa 23.

Contudo, a questão terá continuado insolúvel, dado que o Vereador Gregório Vaz Rans deCampos Barreto Fróis propõe novamente, em sessão autárquica de 24 de Agosto de 1869, arestauração do estandarte destruído (aproveitando a polémica quanto ao grafismo heráldicodas Armas da Cidade a figurarem no frontão do novo edifício dos Paços do Concelho),solicitando para tal uma deliberação definitiva do assunto (mantendo ou alterando odesenho) e apresentando duas reproduções polícromas pintadas em aguarela sobre cartão dasarmas da insígnia destruída. Deliberou-se remeter a proposta ao parecer consultivo do juristamunicipal e posterior envio para parecer do Vereador Luís de Almeida Albuquerque 24.

Mais tarde, em sessão autárquica de 31 de Janeiro de 1870, o Vereador Luís Caetano daGuerra Santos solicita ao Presidente João de Saldanha Oliveira Jusarte Figueira de Sousa, 3ºConde de Rio Maior, esclarecimento sobre a possibilidade de a autarquia já possuir ou nãoum novo estandarte e, em caso negativo, propõe a sua confecção urgente para ostentaçãopública em efemérides protocolares – deliberando-se a sua discussão posterior 25.

Consequentemente, é por motivo da visita oficial do Imperador D. Pedro II do Brasil aPortugal, em 29 de Fevereiro a 13 de Março de 1872, que se determina confeccionar umanova bandeira em seda branca só em 1871, pintada por António Januário Correia e custandoentão 36$000 (trinta e seis mil réis) 26.

119

23 Ver Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa, nº 41, fl. 155v (cota: AML-AH – Ch. C., Lv nº B-65);Archivo Municipal de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, nº 457, Sábado, 3 de Outubro de 1868, pp. 3691-3692;Jorge de Matos, “art. cit.”, in Arqueologia e História, pp. 28, 31, nota 40, e p. 37, Documento nº 13;Idem, “Ibidem”, in Cadernos do Arquivo Municipal, p. 74, nota 40, e p. 86, Documento nº 13.24 Ver Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa, nº 42, fls. 219v-220 (cota: AML-AH - Ch. C., Lv B-66);Propostas, Requerimentos e Allocuções dos Vereadores (1865-1896), Pasta nº 5 “1869 - Correspondência dos Vereadores, Relatórios ePropostas - Allocuções”, doc. nº 19 (cota: AML-AH - Ch. C., Cx. D-6);Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 89, nota 4.25 Ver Propostas, Requerimentos e Allocuções dos Vereadores (1865-1896), Pasta nº 6, “1870 – Correspondência dos Vereadores,Relatórios e Propostas - Allocuções”, doc. nº 12 (cota: AML-AH – Ch. C., Cx. D-6);Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa, nº 43, fl. 141 (cota: AML-AH – Ch. C., Lv B-67);Archivo Municipal de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 2ª série, nº 14, Fevereiro de 1870, p. 443;Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 89.26 Ver Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, p. 89;Luís Pastor de Macedo, Norberto de Araújo, op. cit., p. 184;Anónimo, “Lisboa (Armas de)”, in Esteves Pereira, Guilherme Rodrigues, op. cit., vol. V, p. 231.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 119

Sequencialmente ainda, e por ocasião das grandes comemorações tricentenárias da morte dopoeta épico português Luís Vaz de Camões, em 8 a 10 de Junho de 1880, a vereação deter-mina a confecção de uma nova bandeira municipal para desfilar no respectivo cortejo cívico(já desprovida das Armas Reais). Esta fora realizada por D. Adelaide Júlia Tremoulait Torresem seda branca faille, medindo 1,39 m de comprimento por 1 m de largura, com três cordõesde seda e borlas de ouro, e as Armas da Cidade bordadas a ouro fino e prata encanastrada,além de uma cobertura com um talabarte de seda com as cores monárquico-constitucionaisazul e branca.

Custando 374$000 (trezentos e setenta e quatro mil réis), o estandarte tem ainda uma hastede madeira dourada de carvalho com uma maçaneta e ponteira cruzetada metálicas douradas(confeccionadas por Francisco Celestino Dias, contra o pagamento de 104$000 - cento e qua-tro mil réis), tendo sido ostentado no cortejo cívico de 1880 e no comemorativo do primeirocentenário da morte de Sebastião José de Carvalho e Melo, 1º Conde de Oeiras e Marquês dePombal, em 8 de Maio de 1882, pelo então mais jovem dos Vereadores da autarquia, AntónioInácio da Fonseca 27.

Não existindo celebrações cívicas das aclamações dos Reis D. Carlos I em 28 de Dezembrode 1889 e D. Manuel II em 6 de Maio de 1908, a utilização protocolar da Bandeira Municipalter-se-á restringido apenas à eventual ostentação cerimonial nas recepções da Praça doComércio às visitas oficiais dos Reis Eduardo VII de Inglaterra em Abril e Afonso XIII deEspanha em Dezembro de 1903, do Imperador Guilherme II da Alemanha em Março e doPresidente da República Francesa, Émile Loubet, em Outubro de 1905 - além de tambémnuma homenagem comemorativa do centenário do nascimento do historiador AlexandreHerculano de Carvalho Araújo nos Paços do Concelho, em Março de 1910.

Na sequência da implantação da República em 5 de Outubro de 1910, o novo regime políti-co vigente não determina logo qualquer alteração à configuração vexilológica da BandeiraMunicipal de Lisboa (sendo a sua autarquia a única do país já antes administrada pelo PartidoRepublicano), figurando esta presente nos funerais do médico psiquiatra Miguel Bombarda edo Vice-Almirante Cândido dos Reis, celebrados a 16 de Outubro 28.

120

27 Ver Livro Caixa nº 21 (Fevereiro a Outubro de 1880), Registos de Despesa nºs 1179 e 2156, 13 de Junho e 13 de Outubro de 1880(in AML – Arquivo do Arco do Cego);Jorge de Matos, op. cit., p. 73;Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., vol. I, pp. 89-90, nota 1;Luís Pastor de Macedo, Norberto de Araújo, op. cit., p. 184;Anónimo, “Lisboa (Armas de)”, in Esteves Pereira, Guilherme Rodrigues, op. cit., vol. V, p. 231;Jorge Borges de Macedo, “Camões em Portugal no Século XIX”, in Revista da Universidade de Coimbra, Universidade de Coimbra,Coimbra, vol. XXXIII, 1985, pp. 139-180 (principalmente p. 172);Nota 17.28 Ver Anónimo, “Commemoração do Centenario de Alexandre Herculano”, in Illustração Portugueza, Jornal ‘O Século’, Lisboa,nº 215, 4 de Abril de 1910, p. 424 (cota: Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, P5330 - N5160);Jorge de Matos, op. cit., p. 87, nota 32, p. 166, Figura nº 14;Anónimo, “Os funeraes nacionaes de Miguel Bombarda e Cândido dos Reis”, in Illustração Portugueza, Jornal ‘O Século’, Lisboa,nº 244, 24 de Outubro de 1910, p. 527.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 120

De facto e só mais tarde, AmaroJoaquim Maria de Barros, Vogalda Comissão Administrativa daCâmara Municipal de Lisboa,propõe, entre outras questões, nasessão de 29 de Maio de 1919,que a Bandeira Municipal passe aostentar o bicromatismo oficialpreto e branco (devendo igual-mente figurar na fita da medalhamunicipal), pela reminiscênciapseudo-revivalista das supostasbandeiras municipais pretas ebrancas presentes na conquista deCeuta em Agosto de 1415 29.

Provavelmente, tal poderá constituir uma reacção reflexiva de nacionalismo municipalistarepublicano face à bandeira então ainda em vigor (ostentando o brasão concedido pelo ReiD. Carlos à Cidade de Lisboa em 1896), mercê do armistício da Primeira Guerra Mundial em11 de Novembro de 1918, do assassinato do Presidente da República Sidónio Pais em 14 deDezembro do mesmo ano e da intentona realista da “Monarquia do Norte” no Porto em 19de Janeiro a 23 de Fevereiro de 1919.

No ano seguinte, o Governo condecora a Cidade com a Grã-Cruz da Ordem da Torre eEspada do Valor, Lealdade e Mérito pelo Decreto nº 6659, de 3 de Junho de 1920 (certamentepela solidariedade autárquica com a resistência militar e institucional à ameaça frustrada deinvasão monárquica a Lisboa em Janeiro do ano anterior), cujas insígnias serão doravanteostentadas pela sua Bandeira Municipal (que seria a então vigente desde 1880, confeccionadaem seda branca) 30. Pouco depois, pelo Edital Municipal nº 94, de 6 de Julho do mesmo ano,o Presidente Agostinho Inácio da Conceição Estrela deliberou a inclusão da discussão desteassunto da modificação das Armas e do Estandarte Municipais na ordem da noite de umapróxima sessão autárquica extraordinária 31.

121

29 Ver Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa – Comissão Administrativa, nº 126, fl. 240 (cota: AML-AH – Ch. C.,Lv. nº B-157);Câmara Municipal de Lisboa - Actas das Sessões da Comissão Administrativa – Ano de 1919, Imprensa Municipal, Lisboa, 1922, pp. 320-321.30 Ver J. Pinto Loureiro, Colecção de Legislação Portuguesa, França & Arménio Livreiros Editores, Coimbra, 1920, p. 362;Diário do Governo, Imprensa Nacional, Lisboa, I Série, nº 115, 3 de Junho de 1920.31 Ver Anúncios e Editais, nº 94, fl. 208, 6 de Julho de 1920 (cota: AML-AH – Ch. C., Lv. nº C-32).

Fig. 2 - A Bandeira Municipal de Lisboa numa homenagem comemorativa do cen-tenário do nascimento do historiador Alexandre Herculano nos Paços do Concelho,em Março de 1910 (in Anónimo “Commemoração do Centenario de AlexandreHerculano”, in Illustração Portugueza, Jornal ‘O Século’, Lisboa, nº 215, 4 de Abril de1910, p. 424; cota: AFML, P5330 - N5160).

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 121

Subsequentemente, o Vereador Eduardo Moreira apresenta, na sessão extraordinária devereação de 1 de Setembro, uma proposta de 21 de Junho sobre a modificação das Armas daCidade, referindo-se ainda, como complemento e no final, à Bandeira Municipal. Assim, aludeaqui injustificadamente à presença do padrão bicromático nos mastros dos navios da con-quista de Ceuta de 1415 (além de diversas e sucessivas alterações e surgindo então presenteem várias celebrações públicas) e propõe que o Estandarte se passe a confeccionar em sedadaquelas cores e com um padrão gironado (ou seja, composto de um grafismo heráldico alter-nado de oito triângulos intercalados e alternados quatro a quatro e formando assim o quadra-do ou rectângulo do campo) sobre o qual assentem as Armas autárquicas, distinto das ban-deiras para uso privado (confeccionadas em filele e sem os símbolos armoriais).

Adicionalmente, o mesmo subscritorda proposta, em conjunto com osVereadores Lino da Silva, JoaquimMaria Lopes Domingues, CarlosSimões Torres, Souza Coutinho,Artur Marques dos Santos, RodrigoGuerra Álvares Cabral, JerónimoBraga de Carvalho e Augusto Césarde Magalhães Peixoto, requer aoPresidente da Câmara e por adita-mento datado de 26 a inclusão destaproposta na ordem da noite das actu-ais sessões extraordinárias.Consequentemente, este é deferidopor despacho de 25, originando o jámencionado Edital Municipal de 6de Julho 32.

A posterior discussão entre osVereadores delibera uma abordagemdeste assunto na sessão extra-

12232 Ver Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa, nº 129, fls. 171-174, 217-218v (cota: AML-AH – Ch. C., Lv. nº B-160);D. Fernando Paes de Almeida e Silva, “Arquivo Geral da Câmara Municipal de Lisboa – Arquivos Portugueses”, in Olisipo –Boletim do Grupo ‘Amigos de Lisboa’, Grupo ‘Amigos de Lisboa’, Lisboa, Ano V, nº 19, Julho de 1942, pp. 182-183;Luís Pastor de Macedo, Norberto de Araújo, op. cit., p. 184;Nota anterior.

Fig. 3 - A Bandeira Municipal de Lisboa nos funerais cívicos dos militantes republicanos Dr. Miguel Bombarda e Vice-AlmiranteCândido dos Reis, em 16 de Outubro de 1910 (in Anónimo, “Os funeraes nacionaes de Miguel Bombarda e Cândido dos Reis”, inIllustração Portugueza, Jornal ‘O Século’, Lisboa, nº 424, 24 de Outubro de 1910, p. 527).

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 122

ordinária seguinte de 20 de Setembro, para reflexão atenta de toda a vereação antes de qual-quer decisão pronunciante, sendo a proposta do Vereador signatário distribuída por todos ecriando-se uma comissão para a estudar (composta pelos seus colegas Luís Salvador Marquesda Silva, José Lino da Silva, António de Almeida Rodrigues dos Santos, António Moreira eAgostinho César dos Santos).

Assim, na seguinte sessão extraordinária, lê-se de novo a proposta do Vereador EduardoMoreira e o respectivo parecer da Comissão nomeada, aprovando e louvando o trabalhodaquele e deliberando a confecção de um novo Estandarte e Armas segundo o estudo apre-sentado, vigentes desde 5 de Outubro de 1921 (com imediatas aclamação e ratificação pelavereação) 33.

De facto, quer na proposta original de Eduardo Moreira, apresentada em 21 de Junho de1921, quer no seu discurso pronunciado em 5 de Outubro do mesmo ano (na efeméride inau-gural do novo Estandarte e já então como Vice-Presidente da autarquia), estão expressos osargumentos ideológico-nacionalistas de republicanismo protagonizante e municipalismoautonomista da edilidade de Lisboa face ao virtual carácter realengo das Armas concedidas

12333 Ver Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa, nº 129, fls. 218-218v (cota: AML-AH – Ch. C., Lv nº B-160);D. Fernando Paes de Almeida e Silva, “art. cit.”, p. 183;Jaime Lopes Dias, “Brazão de Armas, Sêlo e Bandeira da Cidade e Município de Lisboa”, in Revista Municipal, Câmara Municipalde Lisboa, Lisboa, 1940, Ano I, nº 3, p. 36;Idem, Brasão da Cidade de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1968, 2ª edição, p. 11.

Fig. 4 - O novo figurino gráfico da Bandeira Municipal de Lisboa em 1922 (postal da colecção particular do autor).

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 123

em 1897 e à intentona monárquica lisboeta de Janeiro de 1919 em Monsanto (que então con-duzira depois à proclamação da “Monarquia do Norte” portuense) 34.

Novamente argumentando em defesa da virtual presença ancestral daquele padrão nos mas-tros dos navios portugueses da conquista de Ceuta, Eduardo Moreira justifica ainda a suacomposição cromática num claro contexto de miscigenação multi-étnica, factor gerador daidentidade antropológico-civilizacional portuguesa. Mais recentemente e ao resumir todo esteacidentado percurso cronológico, o heraldista Francisco de Simas Alves de Azevedoesclarece-nos quanto à eventual opção do padrão gironado em 1920-1921 como sendo orevivalismo heráldico de um modelo gráfico-vexilológico habitual dos sécs. XV e XVI paracombinação cromática em iluminuras, bandeiras e librés 35.

124

34 Ver Discurso proferido na Inauguração do novo Estandarte da Cidade de Lisboa no dia 5 de Outubro de 1921 perante S.[ua] Ex[celênci]ª oS[enho]r. Presidente da República pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal da mesma Cidade, Eduardo Moreira, Imprensa Municipal,Lisboa, 1921, pp. 3-5;Eduardo Moreira, "A Simbólica e o Estatuto Municipal", in Eloy do Amaral (dir.), Congresso Nacional Municipalista de 1922 - pre-liminares, teses, actas das sessões, congressos provinciais, documentos e apreciações da Imprensa, República Portuguesa, Lisboa, 1923, p. 199.35 Ver Afonso de Dornelas, “Heraldica de Dominio – organização oficial”, in Elucidario Nobiliarchico – Revista de Historia e de Arte,Afonso de Dornelas Editor, Lisboa, vol. II, nº 9, Setembro de 1929 (Junho de 1930), pp. 274, 275;Manuel de Novaes Cabral, “Do direito ao uso de brasão de armas, selo e bandeira pelas freguesias – Temas de Heráldica deDomínio”, in Armas & Troféus – Revista de História, Heráldica, Genealogia e Arte, Instituto Português de Heráldica, Lisboa, VI Série,Tomo I, nºs 1 a 3, Janeiro a Dezembro de 1987/1988, pp. 24-26;Pedro Sameiro, “art. cit.”, pp. 101-104;Francisco de Simas Alves de Azevedo, “Brasão, Selo e Bandeira do Concelho”, in Francisco Santana, Eduardo Sucena, Dicionário

Fig. 5 - O modelo vexilológico da Bandeira Municipal de Lisboa aprovado em 28 de Fevereiro de 1940 (in Jaime Lopes Dias, OBrasão da Cidade de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1968, 2ª edição, capa).

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 124

Na sequência destes precedentes, a Comissão de Heráldica da Associação dos ArqueólogosPortugueses inicia a emissão de pareceres sob solicitação das autarquias para regulamentar alacuna legislativa republicana existente quanto à normatividade gráfica das suas insígniasrepresentativas. Concomitantemente, José Martinho Simões, Director Geral deAdministração Política e Civil do Ministério do Interior, emite, em 14 de Abril de 1930, umDespacho-Circular regulamentante da Heráldica e da Vexilologia autárquica, dirigido a todosos Governadores Civis, solicitando às autarquias o envio de cópias de todos os documentosrelativos às respectivas armas, normalizando os novos vectores formais da Armaria dedomínio, classificando a bandeira, selo e brasão como únicas insígnias heráldicas dos municí-pios, e determinando a sua inerente aprovação mediante parecer da Secção de Heráldica daAssociação dos Arqueólogos Portugueses (face aos elementos recolhidos e audiência daautarquia requerente) – única logicamente autorizada a utilizar as próprias armas.

Particularmente no ponto 6º deste diploma, estabelece-se a partição das bandeiras autárquicas(confeccionadas em seda para solenidades ou efemérides processionais ou em filele parahasteamento em equipamentos públicos) em gironadas para cidades e esquarteladas ou lisaspara freguesias, figurando nelas as armas respectivas e sendo ainda orladas por cordõescoloridos do campo e eventualmente carregadas com condecorações e listeis onomásticos daslocalidades 36.

É neste contexto que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Eduardo Rodrigues deCarvalho, solicita oficialmente, em 22 de Agosto de 1938, ao Ministro do Interior, Mário Paisde Sousa, a autenticação legalizante das suas Armas, deliberando este em 31, por intermédioda sua Direcção Geral de Administração Política e Civil, o envio da incumbência à Associaçãodos Arqueólogos Portugueses (legalmente competente para o efeito, através do já referidoDespacho-Circular) nos termos do § 1 do Artigo 13º e do nº 14º do Artigo 48º do CódigoAdministrativo então vigente.

Consequentemente, este processo administrativo despoleta a emissão do respectivo Parecersubscrito pelo heraldista Afonso de Dornelas em Fevereiro de 1939, apresentado e aprovadoem sessão especial de 20 de Março, onde se propõe a manutenção legalizante do padrãogironado (aqui designado “quarteado”), acrescendo-lhe os cordões e borlas de prata e denegro, com haste e lança douradas. O seu teor é aprovado, referindo-se aqui apenas à anteri-or modalidade popular da bandeira, e então remetido ao Governo Civil e ratificado pelaPortaria nº 9468 da Direcção Geral de Administração Política e Civil do Ministério doInterior, de 28 de Fevereiro de 1940, desenhando então o novo figurino definitivo e até hoje

12536 Ver Processo de Armas da Cidade de Lisboa, in Arquivo da Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses;Afonso de Dornelas, “A Bandeira da Cidade de Lisboa”, in História e Genealogia, nº 8, p. 175;Jaime Lopes Dias, “art. cit.”, p. 41;Idem, op. cit., p. 18.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 125

vigente o insigne desenhador heráldico João Ricardo Silva, sob a coordenação de Afonso deDornelas 37.

Conclusão. Finalmente atingido o termo desta abordagem, cumpre-nos então sintetizar asgrandes linhas verificadas na evolução vexilológica autárquica de Lisboa, logo condi-

cionadas pela escassez das referências documentais mais antigas.

Assim, apesar de a epigrafia heráldica nos remeter para a existência da Bandeira Municipal deLisboa logo nos sécs. XII-XIII (representando o seu perene brasão náutico e vicentino, sem-pre até à actualidade), nenhumas das fontes subsistentes até ao início do séc. XVI (alusivas àconsolidação política nacional de 1385 e à conquista territorial africana de 1415) indicamquaisquer cromatismos oficiais ou oficiosos. O protocolo cerimonial manuelino menciona-nos desde 1502 e 1508 a combinação esquartelada do carmesim e branco em seda, linho ealgodão com orla de franja dourada, vigente até 1833 (excepto o damasco branco simples noreinado de D. Sebastião).

Entretanto, a Bandeira Municipal figura presente em todas as recepções e efemérides régias eprincipescas como as solenidades natalícias, inaugurais, matrimoniais e fúnebres, desde pelomenos a aclamação de D. João II em 1481 até à de D. Sebastião em 1568 - sendo então osten-tada numa procissão equestre pelo Alferes da Cidade e finalmente hasteada na torre demenagem do Castelo de S. Jorge. Além disso, só em 1854 é que o mais jovem Vereador ou oGuarda-Mor da autarquia substituirão (até às vésperas da República) o funcionário subalter-no responsável das edificações urbanas da edilidade como seu Alferes (desde pelo menos oinício do séc. XVIII).

Com a emergência política do Liberalismo, o estandarte carmesim lisboeta adopta as novascores nacionais em damasco em 1833, tornando-se completamente branco em 1871 e 1880em seda, mantendo sempre as Armas Reais (apenas entre 1568 e 1880) e as Armas Municipais– ardendo aquele primeiro no incêndio autárquico de 1863 e sendo subsequente e insistente-mente reivindicado o seu restauro entre 1865 e 1870. Figurarão estas bandeiras nas acla-mações régias de 1855 e de 1861, e também eventualmente nas visitas oficiais de 1872, 1903e 1905, bem como nas efemérides cívicas de 1880, 1882 e 1910.

Contudo, a sua última alteração fora estruturalmente marcante, ao instituir progressivamenteentre 1919 e 1940 um padrão gironado inédito na Bandeira de Lisboa. Simultaneamente, recu-pera-se – como falsa ressurgência – o antigo bicromatismo protocolar oficial das librés da

126

37 Ver Diário do Governo, Imprensa Nacional, Lisboa, I Série, nº 48, 28 de Fevereiro de 1940;Jaime Lopes Dias, “art. cit.”, p. 41;D. Fernando Paes de Almeida e Silva, “art. cit.”, in Olisipo – Boletim do Grupo dos Amigos de Lisboa, Ano V, nº 20, Outubro de 1942, p. 232.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 126

127

Cidade (mencionado pelo menos entre 1552 e 1691), sendo aplicado ao estandarte, sob oinverosímil pretexto da sua ancestralidade expansionista desde a conquista de Ceuta, agoralido na óptica ideológica do revolucionarismo republicano e popular, recuperante dos antigose negligenciados símbolos que representam a autêntica identidade histórica de Lisboa (face acromatismos de eventuais conotações regalistas, logo retrógradas), como capital do País con-frontado perante o seu próprio futuro.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 127

Os Processos de Obra

no Município de Lisboa:

Origem Documental,

Estrutura Tipológica e

Classificação PatrimonialV a s c o B r i t o

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 128

Introdução: O processo de obra é o tipo documental que constitui a percentagem mais sig-nificativa do acervo à guarda da dependência do Alto da Eira do Arquivo Municipal de

Lisboa e é também, aí, a documentação mais consultada 1.

O conjunto dos processos de obra de edifícios existentes ou demolidos, constitui uma massadocumental riquíssima e diversa em termos temporais e informativos. As preocupações tãocontemporâneas com o património que é preciso conhecer bem, para melhor se avaliar efinalmente proceder ao estabelecimento de políticas para a sua salvaguarda, aliadas ao valorinestimável das informações que os processos de obra podem fornecer, têm vindo a provo-car a necessidade de se procurar uma qualquer classificação desse conjunto documental, queleve em consideração o seu valor patrimonial.

É objectivo deste trabalho, expor as circunstâncias que originaram o aparecimento dosprocessos de obra, demonstrar a sua importância enquanto fonte documental administrativae histórica e propor-lhes uma classificação que, ao mesmo tempo leve em consideração o seuvalor patrimonial, e possa fazer uma amostragem, ainda que muito genérica, do conteúdoinformativo deste vasto conjunto documental.

Oaparecimento dos processos de obra: O primeiro processo de obra foi iniciado com umprojecto de construção datado de 12 de Novembro de 1943 2. Foi, portanto, na década de

40 do século XX, que a Direcção dos Serviços de Urbanização e Obras da Câmara Municipalde Lisboa, iniciou a constituição de processos de obra. Não é de surpreender, pois foi duranteessa década que se desenvolveu o Plano de Urbanização da Cidade de Lisboa 3. O urbanismoda Capital, que tinha crescido fruto de iniciativas pontuais ou incompletas, ao sabor dosinteresses da construção especulativa e da indústria, viria, desde então, a merecer a atenção daAdministração Central, nomeadamente pela iniciativa de Duarte Pacheco 4, e da própriaAutarquia.

129

1 Os processos de obra constituem cerca de 17 % do acervo à guarda do Arquivo Municipal de Lisboa e cerca de 40 % do espóliodepositado no polo do Alto da Eira.2 O processo de obra nº1 (que corresponde ao primeiro processo a ser constituído) diz respeito ao Cine-teatro Monumental,cujo projecto de construção data de 12 de novembro de 1943.3 O primeiro plano de urbanização de Lisboa data de 1938: Elementos para o Estudo do Plano de Urbanização de Lisboa revisto porEttiènne de Groer, e encontra-se disponível no Arquivo Municipal de Lisboa - Arco do Cego. Sobre a dinâmica urbanística lisboetaao longo do século XX, nomeadamente aquela que se relaciona com o Plano de Urbanização da Cidade de Lisboa de 1938, évastíssima e variada a bibliografia. Veja-se, por exemplo: Ferreira, Victor Matias – A Cidade de Lisboa: de Capital do Império a Centroda Metrópole. Lisboa: D. Quixote, 1987; Guia urbanístico e Arquitectónico de Lisboa. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses,1987; Moita, Irisalva (coord) - O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1994, pp.363 e ss..4 O Engenheiro Duarte Pacheco ocupava desde 1932, o cargo de Ministro das Obras Públicas (com uma breve interrupção entre1936 e 1938 para se dedicar ao ensino no Instituto Superior Técnico) e a partir de 1938 até à data da sua morte em 1943, acu-mulava o cargo de Ministro das Obras Públicas com o de Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Sobre este assunto ver porexemplo: Rosas, Fernando; Brito, J. M., Duarte Pacheco (1899-1943). Dicionário de História do Estado Novo, Lisboa, Círculo deLeitores, 1996, Vol. II, pp. 710-711.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 129

Geram-se grandes investimentos que vieram permitir a expansão e urbanização da cidadeglobalmente pensadas 5, o seu apetrechamento com equipamentos considerados indispen-sáveis 6 e a melhoria das suas acessibilidades 7.

A concretização do plano de urbanização da cidade de Lisboa, exigiu, compreensivelmente,um vasto programa de obras públicas que implicaram processos de expropriação, demolições,construções de raiz e reconstruções. Em paralelo, as obras de iniciativa privada, foram indi-rectamente, incentivadas pelo programa de urbanização traçado oficialmente: áreas anterior-mente pouco atraentes, tornaram-se centrais e estratégicas.

Assim, parece poder dizer-se que aquilo que é hoje conhecido por processo de obra, surgiuda conjugação de vários factores. Uma reforma administrativa experimentada desde 1936(oficializada com a publicação posterior do respectivo Código Administrativo) que fez surgirnas Câmaras Municipais as Direcções de Serviços que, substituindo os pelouros, não depen-diam de vereadores eleitos mas dos presidentes e vice-presidentes de nomeação governa-mental 8, da qual surgiu no município lisboeta a Direcção dos Serviços de Urbanização eObras 9. Esta direcção viria a concretizar o plano de urbanização de Lisboa de 1938, anteci-pando-se a obrigação legal prevista na Lei nº33/921 de 5 de Setembro de 1944 10. A novadinâmica urbanística lisboeta, levou à alteração de procedimentos administrativos, implican-do a necessidade de uma reformulação, por parte dos serviços camarários, da gestão dadocumentação relacionada com as obras em Lisboa.

Até à década de 40, para se consultar toda a documentação à guarda do município referentea um único edifício era necessária uma pesquisa morosa e paciente, uma vez que os docu-mentos recebidos e produzidos pelos serviços camarários responsáveis pelas obras, eramarquivados respeitando uma ordem cronológica e temática que não levava em consideração o

130

5 Foi durante a década de 1940 que a cidade de Lisboa se expandiu planificadamente para zonas anteriormente periféricas e comcaracterísticas marcadamente rurais como S. Sebastião da Pedreira, Arroios, Campo Grande, Lumiar, Alcântara, Belém, Ajuda,Benfica, Beato e Penha de França.6 Como o aeroporto, a cidade universitária e a biblioteca nacional, por exemplo.7 Nomeadamente: a saída norte-oriental, constituída sobretudo à volta do aeroporto e articulada com o eixo da Praça do Areeiro;a saída norte-interior a partir da reestruturação do Campo Grande; a saída a noroeste, a partir do Parque Eduardo VII e pro-longando-se até Benfica; a saída a poente através do Parque de Monsanto e a saída marginal.8 Veja-se, por exemplo: Lima, A. Pires- Código Administrativo: Actualizado e Anotado. Coimbra: Coimbra Editora, 1954-1956; e parao caso específico de Lisboa: Organização dos Serviços Municipais. Lisboa: CML, 1934; Organização dos Serviços da Câmara Municipal deLisboa. Lisboa: CML, 1942.9 A Direcção dos Serviços de Urbanização e Obras da Câmara Municipal de Lisboa foi criada por Portaria do Ministério doInterior publicada na II série do Diário do Governo de 28 de Novembro de 1940. Alguns pormenores foram introduzidos emsessão de câmara de 20 de Novembro de 1943. Esta direcção estava subdividida em 6 repartições, cujas designações demonstrambem as suas competências: 1ª Repartição – Urbanizações e Expropriações; 2ª Repartição – Arquitectura; 3ª Repartição –Arruamentos e Subsolo; 4ª Repartição – Edificações Urbanas; 5ª Repartição – Obras Municipais; 6ª Repartição – Viação eTrânsito.10 Publicada na IIª série do Diário do Governo de 28 de Novembro de 1940.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 130

edifício de per si 11. Esse facto talvez se possa relacionar com a história das atribuições legaisem matéria de construção concedidas às Câmaras Municipais: quanto maior é a responsabil-idade municipal, maior é a produção de documentação e maior é a necessidade de informaçãodo seu conteúdo. Até meados dos anos 30, pouco estava regulamentado sobre essa matéria 12

e provavelmente só na passagem dos anos 30 para os 40, dada a dinâmica de expansão eurbanização iniciada em Lisboa, foi sentida a necessidade de reunir toda a informação relati-va a cada edifício, nascendo assim aquilo que hoje é conhecido tecnicamente por processo deobra.

Estrutura Tipológica dos Processos de Obra: Um processo de obra é constituído por todaa documentação respeitante a um determinado edifício, desde a sua construção à sua

demolição. Assim, o processo de obra, inicia-se geralmente com um requerimento apresenta-do pelo proprietário do terreno a edificar acompanhado pela proposta de construção consti-tuída pelas plantas do terreno onde pretende construir o edifício, pelos desenhos de arqui-tectura de interiores, pelos desenhos das fachadas principal e posterior, (alçados), pelosdesenhos da cobertura do edifício e de outros pormenores da construção, pelos projectos deinstalação dos sistemas de abastecimento de água, electricidade, gás e de instalação telefónica, bem como pelos projectos de esgotos e drenagem de águas pluviais. Junto a estes docu-mentos, aparece a memória descritiva e justificativa de todo o projecto, englobando os méto-dos construtivos a aplicar, a justificação da volumetria e cércia, os cálculos de estabilidade eainda um termo de responsabilidade assinado pelo técnico que fará o acompanhamento daobra. Este conjunto de documentos é indispensável ao desenvolvimento das capacidades téc-nicas e legais dos serviços camarários que tratam do planeamento urbanístico e da construçãode edifícios. Àquela documentação inicial, seguem-se os documentos emanados pelosserviços municipais, que permitem a viabilização ou inviabilização dos trabalhos de construção.Caso o projecto mereça aprovação, será emitida a respectiva licença de construção. Qualqueralteração ao projecto aprovado, terá que ser apresentada em requerimento aos serviçosmunicipais para que estes a sujeitem a nova avaliação. As telas finais que reproduzem fiel-mente a arquitectura do edifício são entregues aos serviços municipais na fase final da obra.Uma vistoria técnica a que os serviços camarários procedem no final das obras, produz ochamado auto de vistoria, que é agregado ao processo e descreve os pisos do edifício, a quan-tidade de fogos e os fins a que se destinam (habitação, comércio, etc). Este documento e opedido de baixa de responsabilidade do técnico que acompanhou a construção marcam, noprocesso de obra, o momento em que o edifício foi concluído. A partir daí, o processo deobra vai crescendo ao ritmo das alterações que o edifício vai sofrendo ao longo da sua existên-cia 13. Todas as alterações, desde que ultrapassem a limpeza e pintura, exigem novo requeri-

13111 Segundo as informações de antigos funcionários do Arquivo Municipal de Lisboa que desempenhavam funções na época emque os processos de obra começaram a ser constituídos e que, inclusivamente, participaram nessa tarefa.12 É pelo menos o que se pode depreender através da consulta dos códigos administrativos em vigor ao longo do século XX.13 Assim, se existem processos de obra que ocupam apenas uma unidade de instalação (geralmente um dossier), existem outrosmuito mais volumosos como o que se refere ao Hotel Ritz (Processo nº 57.036 / 1954; Obra nº 27.777) que se distribui por 36 dossiers.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 131

mento, acompanhado de proposta recomeçando-se os procedimentos que levarão à arquiv-agem no processo de mais documentos. Aliás, mesmo as alterações que não exigem autoriza-ção camarária podem ser detectáveis, na maioria dos casos, através da consulta do processode obra respectivo desde que impliquem ocupação da via pública como é frequente no casoda colocação de andaimes ou de telas protectoras.

Quando se pretende demolir um edifício, é apresentado nos competentes serviços camaráriosum requerimento, acompanhado de um plano de demolição, descritivo dos métodos que sepretende utilizar, das normas de segurança a aplicar e dos prazos previstos para a demolição.Após uma vistoria efectuada pelos serviços camarários cujo objectivo é a avaliação do even-tual interesse histórico e arquitectónico do edifício (na sua totalidade, ou em alguns dos seuselementos) a demolir, resulta mais um documento o qual pretende discriminar as característi-cas do edifício14. De seguida, os serviços municipais emitirão a licença de demolição quepoderá ter condicionantes, encerrando o processo administrativo. Este será ingressado norespectivo processo de obra. O processo de obra perde, então, grande parte do seu valoradministrativo mas realça o seu valor histórico, continuando matéria de consulta, graças à suavalorização como fonte documental para a história da construção civil, da arquitectura e dourbanismo.

Idealmente, a cada edifício existente no município de Lisboa, corresponde um processo deobra, que faz a sua história desde a construção de raiz até à demolição, desde que esse edifí-cio tenha surgido a partir da década de 40 do século XX. Mas, na realidade, os técnicos munic-ipais não se limitaram a constituir processos de obra para os novos edifícios e tentaram criarprocessos de obra para edifícios já existentes muito anteriormente à década de 40, iniciando-os com os requerimentos que iam entrando nos serviços autárquicos e até pesquisando e rear-quivando documentação que lhe era relativa e que se encontrava arquivada de outro modo.Esta iniciativa tem os seus efeitos: nem todos os processos de obra fazem a história do edifí-cio respectivo desde a sua construção de raiz: alguns começam-na a meio da vida do edifício;existem nos processos de obra documentos com datas muito anteriores à década de 40, osmais antigos remontando aos finais do século XIX; os edifícios que possuem processo deobra não são necessariamente coevos ou posteriores à década de 40, chegando a existirprocessos de obra referentes a edifícios que resistiram ao terramoto de 1755; da análise daevolução da numeração arquivistica dos processos de obra, não se pode deduzir o grau deantiguidade dos edifícios respectivos 15.

13214 A vistoria dos serviços camarários que avaliará o interesse histórico e arquitectónico do edifício irá fazê-lo a partir das carac-terísticas do imóvel e da sua integração na zona construída, ou verde, envolvente e salientando, nomeadamente, a existência deazulejos, ou de placas toponímicas ou evocativas a ceder à Autarquia, de acordo com o despacho nº14/72. Dessa apreciaçãoresulta o preenchimento de uma ficha que também é anexada ao processo de obra do edifício.15 De facto, existem 128 processos de obra correspondentes a edifícios pré-pombalinos e o processo de obra nº 1 corresponde,como já vimos, ao Cine-Teatro Monumental (ver nota 2).

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 132

133

Proposta de Classificação Patrimonial dos Processos de Obra: A selecção num vasto ediverso conjunto documental daqueles processos de obra que merecem ser destacados é

uma tarefa que exige uma prévia definição de critérios claros, objectivos e fundamentados 16.

A Lei nº 13/85 de 6 de Julho de 1985 17, relativa ao Património Cultural serviu de ponto departida e ajudou à distinção de dois dos três tipos que ora se propõem para a classificaçãodos processos de obra.

Uma 1ª classificação que se poderá designar como a dos edifícios de classificaçãonacional, reúne os processos de obra que se referem a edifícios classificados pelo EstadoPortuguês, como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público 18.

Uma 2ª classificação que poderá designar-se como a dos edifícios de classificaçãomunicipal, reúne os processos de obra que se referem a edifícios classificados pela CâmaraMunicipal de Lisboa, como valores concelhios 19.

Uma 3ª classificação que se poderá designar como a dos edifícios não classificados de valorpatrimonial reconhecido, foi criada levando em consideração a idade, o tipo arquitectóni-co, a função e a notoriedade premiada dos edifícios. Neste caso, com vista a uma selecçãoobjectiva e isenta dos edifícios a distinguir, foram efectuadas consultas a entidades oficial-mente institucionalizadas que possuem, elas próprias, inventários e classificações 20. Assim,todos os processos de obra que se refiram a edifícios distinguidos por qualquer dessas enti-dades, bem como aqueles que foram alvo de estudos e tratados bibliograficamente, forammerecedores de integrar este grupo. O eclectismo e vastidão deste terceiro agrupamento,obriga à sua subdivisão, em sub-grupos ditada por critérios cronológicos, funcionais, ou devalor artístico. 21:

16 O levantamento que permitiu a realização deste artigo, efectuámo-lo ao longo do ano de 1999 e desse trabalho de selecçãoresultou a Proposta de Classificação Patrimonial dos Processos de Obra do Arquivo Municipal de Lisboa, cujas fichas que a fundamentam sedistribuem por 8 dossiers pertencentes ao arquivo corrente do Arquivo Municipal de Lisboa (dos quais, três dossiers contêm asfichas dos processos de obra referentes aos edifícios com classificação nacional, um dossier com as fichas dos processos de obrarelativos aos imóveis com classificação municipal e os restantes quatro dossiers com as fichas dos processos de obra de edifíciosde valor patrimonial reconhecido).17 Publicada na IIª série do Diário da República de 6 de Julho de 1985.18 Detectaram-se 922 processos de obra referentes a edifícios classificados como monumentos nacionais ou como imóveis deinteresse público.19 O levantamento preliminar permitiu a identificação de 512 processos de obra referentes a edifícios classificados como valoresconcelhios.20 São os casos do Instituto Português do Património Arquitectónico, do Instituto Português de Museus, do Centro de RelaçõesPúblicas do Ministério da Educação, da Direcção Geral de Turismo, da Direcção Geral dos Monumentos Nacionais, daAssociação Portuguesa de Arqueologia Industrial, da Ordem dos Arquitectos e do Patriarcado de Lisboa.21 Sobre os critérios que estão por trás da subdivisão operada convém especificar: o critério cronológico apenas foi utilizado paradestacar os edifícios pré-pombalinos não classificados; o valor artístico serviu para salientar edifícios premiados e edifícios nãoclassificados e não premiados claramente representativos de estilos artísticos; o critério funcional foi, sem dúvida, o mais uti-lizado e, nesse aspecto, foi levada em consideração a função para a qual o edifício foi originalmente destinado, independente-mente da sua posterior reutilização para outras funções, desde que não tenham descaracterizado totalmente o edifício (assim oCine-Teatro Éden entrará na categoria de cinemas e teatros, mesmo que actualmente sirva a função hoteleira).

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 133

134

- edifícios pré-pombalinos de habitação: neste grupo estão incluídos os processos de obraque se referem a edifícios que resistiram ao terramoto de 1755, tendo alguns conseguidosubsistir até à actualidade, embora com profundas alterações, especialmente ao nível dosinteriores 22.

- edifícios distinguidos com o Prémio Valmor: neste conjunto reúnem-se os processos deobra referentes aos edifícios que foram distinguidos com o Prémio Valmor 23. Os edifíciospremiados apresentam a evolução dos estilos artísticos na arquitectura portuguesa,demonstrando que o prémio Valmor tem cumprido o seu papel de incentivo à arquitectura ede desafio aos arquitectos.

- edifícios de interesse arquitectónico: este agrupamento compõe-se daqueles processosde obra correspondentes a edifícios nunca premiados ou classificados, com funções variadas,mas que são claramente representativos de estilos arquitectónicos como a Arte Nova, a ArtDeco, o Modernismo Radical, o Português Suave Monumental e o Pós-Modernismo. Incluem-

22 Foram identificados 128 processos de obra.23 Apesar do regulamento instituir a sua anualidade, o Prémio Valmor não tem sido atribuído todos os anos.

Fig. 1 - Alçado lateral do edifício, ao qual foi atribuído o prémio Valmor em 1914, da autoria do Arquitecto ManuelJoaquim Norte Júnior . Situa-se na Avenida Fontes Pereira de Melo nº 28, e presentemente pertence ao Concelhode Administração do Metropolitano de Lisboa . AML-AE, Obra nº 14.040, Processo nº 1255/ 1911 folha, nº 2.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 134

135

se também exemplos que testemunham os princípios declarados na Carta de Atenas,nomeadamente a harmonização entre a arquitectura e os espaços verdes 24

- mosteiros: o levantamento efectuado, apurou a existência de processos de obra relativos amosteiros anteriores ao século XIX que nunca mereceram qualquer classificação. A extinção

24 O levantamento permitiu a selecção de 970 processos de obra.

Fig. 2 - Exemplo de um edifício da fase arquitectónica modernista em Lisboa, que decorreu sensivelmente enter 1925–1940. Construído em 1936 é da autoria do arquitecto Cassiano Branco e situa-se na Rua Palmira nº 35 a 35 D.AML-AE, Obra nº 50699, 1º volume, Processo nº 7900/1936, folha nº 4.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 135

136

das ordens religiosas decretada em 1834 e as consequentes expropriações dos seus bens,muitos dos quais foram vendidos em hasta publica, levou a que a maioria destes locais derecolhimento religioso, fossem reutilizados para outras funções. É o caso dos edifícios a quese referem estes processos de obra que para servirem de museus, hospitais, quartéis, ou atéde apartamentos habitacionais, foram alvo de alterações estruturais que possibilitaram a con-stituição dos respectivos processos de obra. Noutros casos os edifícios encontram-se sim-plesmente desocupados e praticamente ao abandono 25.

Fig. 3 - Exemplo de Edifício característico do estilo “Português Suave “ imposto pelo Estado Novo, na AvenidaSidónio Pais nº 14. AML-AE, Obra nº 3403, 1º Volume, Processo nº 42570/1941, folha nº 55.

25 Foram detectados 15 processos de obra.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 136

- igrejas e capelas: existem processos de obra referentes aigrejas e capelas. Muitos destes edifícios são construções doséculo XVIII integradas no programa de reconstrução pom-balino e então o respectivo processo de obra quase nunca écompleto. O mesmo já não acontece no caso dos edifícios reli-giosos construídos a partir da década de 40 do século XX,cujos processos são mais ricos em informação26.

- estabelecimentos de ensino: neste grupo incluem-se osprocessos de obra de edifícios que servem a função escolar,pública ou privada, nos seus diferentes níveis, primário,secundário, técnico-profissional e superior. Foram classifica-dos apenas aqueles que se destacam como equipamentos estrutu-rantes da cidade de Lisboa, ignorando-se assim numerosos proces-sos de obra respeitantes a edifícios que cumprem as mesmasfunções mas que aparecem de uma forma indiferenciada napaisagem urbanística da cidade 27.

137

Fig. 4 - Alçado Principal da Igreja do Stº Condestável,inaugurada em 1951(e com projecto de construção de1948) na Rua Francisco Metrass, tornejando com a RuaSaraiva de Carvalho, em Campo de Ourique. AML-AE,Obra nº 14460, 1º volume, Processo nº 1107/1948, folha nº 80.

Fig. 5 - Alçado de uma escola primária construída pela C.M.L. em 1956 e integrada no grupo escolar da Calçadada Ajuda. AML-AE, Obra nº 29.100, Processo da D.S.U.O, folha nº 5.

26 Conseguiu-se apurar a existência de 72 processos de obra.27 Merecem este destaque 34 processos de obra.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 137

- edifícios industriais: neste conjunto contam-se os processos de obra pertencentes a out-ras tantas fábricas, hoje desaparecidas. Nem todos possuem a mesma riqueza documental,mas a partir da consulta de alguns pode conhecer-se ao pormenor todo o edificado fabrilsegundo uma perspectiva temporal e, por isso, acompanhar a história da instituição, a suaevolução tecnológica e, mesmo, detectar crescimentos e retrocessos de produção 28.

- teatros e cinemas: das inúmerascasas de espectáculo existentes emLisboa que possuem processo de obrano Arquivo do Alto da Eira, apenasalgumas mereceram ser destacadas ereferem-se a grandes edifícios con-struídos de raiz para o efeito, que nal-guns casos (sobretudo se eram desti-nados ao cinema) se encontram actual-mente desactivados, foram demolidos,ou reaproveitados para o cumprimen-to de outras funções29.

Fig. 6 - Alçado da Antiga Fábrica de Cerveja “Germania” construída em 1912 na Avenida Almirante Reis, nº 115a– 115b e que mais tarde dará origem à fábrica de cerveja “Portugália”. Destaque-se o pormenor escultórico dobusto da República Portuguesa por baixo da Palavra “Germania”. AML-AE, Obra nº 2476, Processo nº 1874/1912,folha nº 3.

138

Fig. 7 - Alçado do Music-hall e esplanada “Capitólio” construído no antigo lugar da esplanada egípcia do ParqueMayer. Foi adaptado a cine-teatro em 1935. Apesar de o alçado ainda referir o nome “ El Dourado”, desde a suainauguração o edifício adoptou a designação de “Capitólio”. AML –AE, Obra nº 41944, Processo nº 18091/1929,folha nº 24.

28 Seleccionou-se um conjunto de 69 processos de obra.29 Detectaram-se 19 processos de obra.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 138

139

- hospitais: dos numerosos hospitais existentes em Lisboa, muitos estão instalados em anti-gos mosteiros e palácios adaptados. Para integrar este grupo seleccionaram-se os processosde obra que se referem a edifícios construídos de raiz ou estruturalmente modificados paraservirem a função hospitalar, segundo as correntes da época em que se iniciaram as obras 30.

- hotéis: a maioria dos edifícios construídos de raiz, ou totalmente adaptados para servirema função hoteleira na cidade de Lisboa, surgiu a partir da segunda metade do século XX 31 eportanto possui processo de obra. Porém, nem todos os processos foram considerados dig-nos de classificação.

Fig. 8 - Detalhe da fachada do Cinema “Royal-Cine” construído em 1928, na Rua da Graça e aonde se estreou oprimeiro filma sonoro em Portugal ao qual assistiu o Marechal Carmona. AML-AE, Obra nº 33928, Processo nº9745/1928, Folha nº 2.[restaurado]

30 Encontraram-se 18 processos de obra.31 Foram identificados 50 processos de obra.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 139

140

Fig. 9 - Perspectiva do Hotel Ritz, (na Rua Castilho nº 77A – 77E, tornejando a Rua Rodrigo das Fonseca nº 88– 88A, a Rua Joaquim António Augusto de Aguiar nº2 e a Rua Marquês de Subserra, nº1 – 1A) visto do lado doparque Eduardo VII, da autoria do Arquitecto Pardal Monteiro. O projecto viria a sofrer alterações sacrificando-se os jardins, aonde viriam a ser construídas galerias para fins comerciais. AML-AE, Obra nº 27.777, 1º volume,Processo nº 57.036/1954, folha nº 73.

- pátios e vilas: foram detectados processos de obra de edifícios pertencentes a pátios e vilasda cidade de Lisboa, que representam a resposta encontrada nos finais do século XIX para anecessidade de alojar uma população operária que crescia rapidamente. Muitos destes espaçosque ainda não foram demolidos, dado o seu significado urbanístico, sociológico e históricoimporta preservar 32.

- museus: grande parte dos museus lisboetas estão instalados em antigos mosteiros ou palá-cios, alguns dos quais classificados. Neste grupo incluem-se apenas os processos de obra quese referem a edifícios especialmente criados para acolher colecções museológicas, quer se tratede edifícios de raiz ou de edifícios pré-existentes sem identidade própria radicalmente trans-formados para se adaptarem às suas novas funções 33.

32 Detectaram-se 131 processos de obra.33 Identificaram-se 61 processos de obra.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 140

- quiosques: embora não sejam imóveis e se incluamnaquilo que é corrente designar por mobiliáriourbano, existem no Arquivo do Alto da Eira proces-sos de obra de quiosques provando a diligência e origor dos serviços camarários da década de 1940 queconstituíram processos de obra para estas edificaçõesmóveis e efémeras (e actualmente desaparecidas), tãoem moda em Lisboa entre os finais do século XIX ea primeira metade do século XX 34.

Fig. 10 - Alçado principal da moradia mandada edificar por José Vital Branco Malhoa em 1904 (na Avenida 5 deOutubro nº6 e 8, tornejando a Rua Pinheiro Chagas nº1). O imóvel foi posteriormente vendido ao Dr. AnastácioGonçalves e é, presentemente, a Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves. AML-AE, Obra nº 45.778, Processo nº1464/1904, folha nº 3.

Fig. 11 - Projecto de alterações de um quiosque, datado de 1909construído na Avenida da Liberdade (frente à Rua BarataSalgueiro) e presentemente já demolido. AML-AE, Obra nº43.032, Processo nº 4762/1909, folha nº 4.

34 São 25 processos de obra.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 141

142

- chafarizes: apesar de serem muitos os chafarizes que serviram e ainda servem Lisboa deágua, raros são os que possuem processo de obra 35.

- equipamentos desportivos: neste grupo pretende-se reunir todos os processos de obraque digam respeito a edifícios unicamente vocacionados para a prática de actividadesdesportivas 36..

- grandes superfícies comerciais: no conjunto dos edifícios construídos de raiz, não clas-sificados, para albergar espaços comerciais, raros são os que possuem processo de obra noArquivo 37.

Desta proposta de classificação em três categorias resultam óbvios alguns factos: a mobilidadeascendente e descendente entre as categorias é uma realidade - a qualquer momento, um edifí-cio da 3ª categoria pode merecer uma classificação oficial, municipal ou nacional e, do mesmomodo, qualquer alteração estrutural nos edifícios classificados pode exigir a sua desclassifi-cação; no futuro, pode haver a necessidade de se criarem mais subcategorias dentro da 3ª cat-egoria, graças à dinâmica urbano-funcional da cidade, ou ao interesse dos serviços municipais,dos munícipes e dos investigadores; e, finalmente, o levantamento dos processos de obra paraintegrar cada uma das categorias ou subcategorias deve ser uma tarefa contínua, sujeita a umaavaliação regular e competente.

Conclusão: Presentemente existem na dependência do Alto da Eira do Arquivo Municipalde Lisboa cerca de 60.000 processos de obra de edifícios existentes e cerca de 6.150 de

edifícios demolidos 39. Esse conjunto documental essencial para a vida do município repre-senta também uma riqueza imensa de informação sobre a história da construção civil, daarquitectura, do urbanismo e das competências nessas matérias da Câmara Municipal deLisboa. Os processos de obra constituem então, eles próprios, um património que énecessário proteger e preservar, cabendo aos serviços que os têm sob sua tutela defendê-losdos danos que a necessária circulação interna poderá causar-lhes e ao mesmo tempo zelar pelasalvaguarda da sua acessibilidade - tarefa manifestamente difícil e, por vezes, ingrata.

35 Existem 4 processos de obra correspondentes aos chafarizes da Esperança, do Rato, d’ El Rei, e das Laranjeiras.36 Surpreende a existência de um único processo de obra, correspondente ao estádio do Sporting Clube de Portugal (Obra nº38493), quando se conhecem tantos edifícios desportivos marcantes na malha urbana de Lisboa.37 A integrar esta categoria apenas se detectaram dois processos de obra, nomeadamente os que correspondem ao CentroComercial das Amoreiras (Obra nº 60690) e ao Centro Comercial da Mouraria (Obra nº61340), quando muitos equipamentosda mesma natureza, estruturantes na paisagem urbana de Lisboa, ainda não têm processo de obra no Arquivo Municipal deLisboa.38 Correspondentes a cerca de 85.000 unidades de instalação e a cerca de 5.000 metros lineares, estando previsto um crescimentoanual de cerca de 70 metros por ano.39 Correspondentes a cerca de 10.800 unidades de instalação e a cerca de 185 metros lineares, estando previsto um crescimentode cerca de 15 metros por ano.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 142

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 143

O Espólio de Artur PastorI sabe l Corda

Luís PavãoLuísa Cos ta D ias

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 144

145

OArquivo Fotográfico Municipal de Lisboa enquanto veículo privilegiado de preservaçãoe difusão da memória iconográfica da cidade de Lisboa, tem procurado enriquecer e

diversificar a sua colecção com vista a uma crescente valorização do património fotográficoportuguês. A gestão do património fotográfico é uma realidade ainda complexa que conciliaa interacção de diferentes agentes envolvidos na produção, organização e utilização.Consciente desta responsabilidade, oArquivo Fotográfico Municipal temdesenvolvido ao longo dos últimosdez anos, uma política de detecção,avaliação e aquisição de novosespólios, adquirindo colecções defotografia com valor documental eartístico e de importância históricaímpar, como é o caso da colecção dofotógrafo Marques da Costa, compra-da em 1990, ou a colecção do fotó-grafo Eduardo Portugal, em 1991 emais recentemente a colecção do fotó-grafo António Passaporte, adquiridaem dois momentos, 1997 e 1998,respectivamente. O Arquivo tem igual-mente beneficiado de doações pontu-ais e realizado encomendas directamentea fotógrafos, sobre a Lisboa actual. Em2001, a família do fotógrafo Artur Pastor(Fig.1) propôs ao Arquivo Fotográfico aaquisição do arquivo de fotografia deArtur Pastor, a qual se concretizou emOutubro de 2001.

Trata-se de um conjunto de grandes dimensões que representa uma vida inteira de trabalho ededicação à fotografia e assenta numa investigação aturada dos temas preferidos do seu autor:Portugal, Cultura Portuguesa, Regiões de Portugal (Lisboa, Nazaré, Algarve, Minho, etc) agri-cultura portuguesa e outros (Fig.2).

Artur Pastor (1922-1999) 1 nasceu em Alter do Chão, no Alentejo a 1 de Maio de 1922 e fale-ceu em Lisboa a 17 de Setembro de 1999.

Fig. 1 - Casa de Artur Pastor. Dia do Transporte do Espólio para oArquivo Fotográfico em 25/10/2001. Nas fotos vêem-se Artur Pastor(filho), Rosalina Pastor e uma técnica do Arquivo Fotográfico. (2 fotos)

1 Biografia realizada por Artur Pastor (filho) e pela esposa, Rosalina Pastor, adaptada a partir de um texto original do fotógrafo.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 145

146

Artur Pastor iniciou a sua actividade comofotógrafo ainda enquanto estudante de agri-cultura. As primeiras imagens realizadasserviram para ilustrar a sua tese do curso degerente agricola. A partir desta data nuncamais abandonou a fotografia e quandoentrou para o Arquivo do Ministério daAgricultura foi destacado para a secção defotografia. Pertenceu aos quadros do Estadodurante cerca de trinta anos comoEngenheiro Técnico Agrário. Ao longodestes anos, foi responsável pela obtençãodas mais de 10 000 fotos que compõem afototeca da Direcção Geral dos ServiçosAgricolas, cuja organização foi da suaresponsabilidade. Foi-lhe atribuído o grau daOrdem de Mérito Agricola e Industrial(Classe do Mérito Agricola).

A par deste trabalho no Ministério, Artur Pastor desenvolveu incessantemente projectosfotográficos, levantamentos de ordem etnográfica e documental, realizou exposições,

Fig. 2 – Auto Retrato

Fig. 3 – Estruturas – gare do Oriente na Expo 98 – 1998

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 146

escreveu e editou livros, tudo com muito profissionalismo e êxito que levou a cabo até ao fimdos seus dias, com um último e exaustivo trabalho a cor, realizado sobre a Expo 98 (Fig.3).

No país realizou milhares de fotografias para organismos oficiais e grandes empresas, sobre-tudo no campo da agricultura e turismo. Participou em salões nacionais e internacionais defotografia. Nos salões nacionais, obteve, com regularidade, os primeiros prémios. Colaborou,com centenas de fotografias, em exposições oficiais e feiras, tanto no país como noestrangeiro(Fig. 4).

Individualmente realizou 13 exposições fotográficas, com destaque para a que teve lugar nopalácio Foz, em 1970, com 360 trabalhos e no Palácio Galveias, em 1986, com 136fotografias.

Ilustrou totalmente, com motivos originais da Nazaré, o álbum de fotografia oferecido à rain-ha Isabel II, por ocasião da sua visita a Portugal, em 1957 (Fig. 6). Em 1965 publicou doisálbuns de grande formato: “Nazaré”, e “Algarve” (Fig. 7), com textos, fotos e paginação sua.Ao longo das décadas de 50 e 60 escreveu e ilustrou, a separata “ A fotografia e a

147

Fig. 4 – O Banho Sagrado – S. bartolomeu do mar – 195

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 147

148

Agricultura”, as obras “ As mulheres do meu país “ de Maria Lamas”, “ A região a oeste da serra dos candeeiros” e o folheto “Alcobaça”. Em Portugal colaborou nas publicações“Panorama”, “Mundo Ilustrado”, “ Agricultura”, “Fotografia”, “ Revista Shell”, entre outras,incluindo boletins informativos, almanaques do Alentejo e do Algarve, livros como “Guia deBraga”, “Portugal”, “Lisboa”, “Romantic Portugal”, etc, e ainda desdobráveis de turismo,capas de livros e de discos, selos, inúmeros folhetos, agendas, boletins regionais, calendáriose cartazes. Em 1988 ilustrou o livro intitulado Évora - encontro com a cidade, uma edição daCâmara Municipal de Évora, com textos de Túlio Espanca.

Fig. 5 – Vidas difíceis – Póvoa do Varzim – 1953

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 148

Nos anos 60 coloborou também com a imprensaestrangeira fornecendo fotografias para o“National Geographic Magazine” e “PhotographyYear Book”.

Várias revistas e jornais estrangeiros dedicaramartigos relativos ao seu trabalho, tais como a “ ArtPhotography”, americana, o jornal “ Times” ( Fig.8) de Londres, ou incluiram diversas fotos, como asrevistas “Photography”, inglesa, a “RevueFrançaise”, as alemãs “ Merian” e “Architektur &Wohnen”, a “ Revue Fatis”, o “Photo GuideMagazine”, entre outras.

Foi o autor português que, a convite do editor,escreveu o artigo sobre Portugal, com inclusãoapenas de fotos suas, na “ The focal Encyclopediaof Photography”. Foi ainda membro do FotoClub 6x6.

Fig. 6 – Atitude característica – Nazaré - 1955

Fig. 7 – Livro sobre o Algarve Fig. 8 – The Times Saturday, 8 December, 1962

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 149

150

O seu arquivo fotográfico contêm largos milhares de fotografias, centenas com inestimávelvalor histórico, imagens de um país perdido ou alterado, a preto e branco, diapositivos enegativos a cores (Fig. 9 e Fig. 10).

Para além da cobertura de todas as regiões continentais e insulares do país, possuí colecçõesde várias províncias de Espanha e Itália, e das cidades de Paris e Londres.

No espólio podemos encontrar várias exposições preparadas pelo fotógrafo, sobre Portugal,com fotografias a preto e branco e a cores – uma visão histórica e etnográfica do país -Lisboa, Porto, Braga, Évora, Sintra, e muitas outras cidades. Há ainda diversas maquetas, comtextos para livros que o autor pretendia editar sobre algumas regiões e cidades do país.

Os dias da vida de Artur Pastor foram sempre passados no mundo da fotografia. Quando nãosaía para as inúmeras incursões fotográficas pelos mais diversos cantos do país, distribuía o

Fig. 9 - Festa de cor - Marquês de Pombal, Lisboa – 1970

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 150

151

seu tempo entre as visitas aos laboratórios para acompanhar de perto os trabalhos, o retoquedas provas e a organização meticulosa e exaustiva do arquivo. Negativos e provas, organiza-dos por temas e datas, foram, ao longo dos anos, invadindo todos os espaços da sua residência..

As máquinas fotográficas utilizadas por Artur Pastor, desde o início da sua actividade artísti-ca, foram sempre cuidadosa-mente manuseadas e tratadas,nunca dispensando umalimpeza profunda após cadaregresso a casa.

Fig. 10 - Jogo de luzes - Rua do Carmo, Lisboa – 1984

Fig. 11 – Rolleiflex e algunsrolos usados

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 151

152

Para além da Rolleiflex (Foto 11) Artur Pastor teve ainda as seguintes máquinas fotográficas:

1- Exacta – 35 mm2- Widelux 140º3- Mamiya – modelo C33 Professional4- Nikon – modelo F90 X5- Nikon 601M

Este espólio tem um interesse impar, pela qualidade técnica das fotografias, pela temática,pela sua dimensão e pelo prestígio do autor, vindo enriquecer a colecção do Arquivo, ao min-imizar lacunas temáticas e cronológicas existentes e contribuindo para o estudo de um perío-do da história da fotografia.

A colecção é assim constituída por negativos a preto e branco de médio formato, negativos ediapositivos a cor formato 35mm, e provas a preto e branco e cor. Estas provas foramrealizadas para exposições do autor e para seu prazer pessoal. Inicialmente impressas naFilmarte, pelo Sr. Paixão (anos 50, 60,70), mais tarde, com o advento da cor passaram a serrealizadas em laboratórios comerciais em impressoras automáticas.

Embora se situe em plena época do salonismo (fotografia de concurso e de salão em queArtur Pastor também participou), este autor ultrapassa facilmente as vicissitudes e limitaçõesdeste estilo para nos apresentar imagens imaginativas, arrojadas e que revelam uma grande

Fig. 12 – Arquivo de Artur Pastor.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 152

153

dedicação e interesse pela fotografia.Podemos classificar este conjunto nocampo artístico-documental, comincursões pontuais no retrato, naturezamorta, fotografia de acção, panorâmicae de pormenor.

Este conjunto documental encontra-seem muito bom estado de conservação emagnificamente organizado pelo autor,com identificação e datação precisa dasimagens, facilitando o seu tratamento noArquivo Fotográfico.

De acordo com os relatos da família ecom base na leitura de toda a documen-tação podemos afirmar que Artur Pastorpara além de excelente fotógrafo, era umexímio arquivista, que planeava o seutrabalho, e após execução das imagensprocedia de imediato ao registo da doc-umentação fotográfica. Através doscadernos de registo existentes podemosreconstituir todos os passos do seu trabalho: a fase de planeamento, de execução, classificaçãoda documentação escrita (correspondência, contabilidade, notas pessoais, esboços para mon-tagem de exposições ou rascunhos para redação de textos) e fotográfica (identificação deprocessos fotográficos, formatos, quantidades), descrição do conteúdo das imagens, avaliaçãoe selecção do seu trabalho ( recusando o que considerava mau, sem no entanto deitar para olixo) e ainda qual a utilização ou exploração económica das suas fotografias (publicações,exposições, arquivo pessoal). ( fotos 12 e 13)

No tratamento da colecção, o Arquivo Fotográfico conta ainda com a excelente colaboraçãoda família que se disponibilizou para acompanhar todas as estapas do processo com vista ásua disponibilização ao público e à realização de uma exposição monográfica sobre o autor. 2

Fig. 13 – Descrição das imagens e organização por con-juntos. (2 fotos)

2 O Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa agradece à família todo o apoio prestado no fornecimento de documentos efotografias para a realização deste artigo.

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 153

154

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 154

155

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 155

MIOLO2.qxd 24-02-2011 10:31 Page 156