C N L F Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e ... · Laboratório de Idiomas do Instituto...

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ISSN: 1514-8782 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVII, Nº 02 LEXICOGRAFIA, LEXICOLOGIA, SEMÂNTICA E TERMINOLOGIA XVII CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 26 a 30 de agosto de 2013 RIO DE JANEIRO, 2013

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  • ISSN: 1514-8782

    CADERNOS DO CNLF, VOL. XVII, N 02

    LEXICOGRAFIA, LEXICOLOGIA, SEMNTICA E TERMINOLOGIA

    XVII CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

    Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Rio de Janeiro, 26 a 30 de agosto de 2013

    RIO DE JANEIRO, 2013

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    CENTRO DE EDUCAO E HUMANIDADES

    INSTITUTO DE LETRAS

    REITOR

    Ricardo Vieiralves de Castro

    VICE-REITOR

    Paulo Roberto Volpato Dias

    SUB-REITORA DE GRADUAO

    Len Medeiros de Menezes

    SUB-REITORA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    Monica da Costa Pereira Lavalle Heilbron

    SUB-REITORA DE EXTENSO E CULTURA

    Regina Lcia Monteiro Henriques

    DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAO E HUMANIDADES

    Glauber Almeida de Lemos

    DIRETORA INSTITUTO DE LETRAS

    Maria Alice Gonalves Antunes

    VICE-DIRETORA DO INSTITUTO DE LETRAS

    Tnia Mara Gasto Salis

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    Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos Boulevard 28 de Setembro, 397/603 Vila Isabel 20.551-030 Rio de Janeiro RJ

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    DIRETOR-PRESIDENTE

    Jos Pereira da Silva

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    PRIMEIRA SECRETRIA

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    XVII CONGRESSO NACIONAL

    DE LINGUSTICA E FILOLOGIA de 26 a 30 de agosto de 2013

    COORDENAO GERAL

    Jos Pereira da Silva

    Jos Mario Botelho

    Marilene Meira da Costa

    Adriano de Souza Dias

    COMISSO ORGANIZADORA E EXECUTIVA

    Ams Coelho da Silva

    Regina Celi Alves da Silva

    Anne Caroline de Morais Santos

    Antnio Elias Lima Freitas

    Eduardo Tuffani Monteiro

    Maria Lcia Mexias Simon

    Antnio Elias Lima Freitas

    Luiz Braga Benedito

    COORDENAO DA COMISSO DE APOIO

    Ilma Nogueira Motta

    Eliana da Cunha Lopes

    COMISSO DE APOIO ESTRATGICO

    Marilene Meira da Costa

    Jos Mario Botelho

    Laboratrio de Idiomas do Instituto de Letras (LIDIL)

    SECRETARIA GERAL

    Slvia Avelar Silva

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    SUMRIO

    0. Apresentao Jos Pereira da Silva ........................................... 08

    1. A derivao e seus subtipos: um estudo comparativo Vito Csar de Oliveira Manzolillo .................................................................. 10

    2. A no arbitrariedade entre forma e sentido Lucia Helena Lopes de Matos ............................................................................................ 25

    3. As diferentes acepes assumidas pelo antropnimo Andria Al-meida Mendes ............................................................................... 32

    4. As estruturas com o verbo-suporte dar uma x-ada e a prototipia: uma contribuio funcionalista Alzira da Penha Costa Davel ... 46

    5. Criao de vocabulrio de matemtica como recurso didtico Mis-leine Andrade Ferreira e Luiz Roberto Peel Furtado de Oliveira 60

    6. Do espao para o tempo: um estudo de caso concreto Zinda Vas-concellos ....................................................................................... 68

    7. Estudo do vocabulrio rural de Minas Novas Minas Gerais Maryelle Joelma Cordeiro ............................................................ 84

    8. Metforas, prottipos e esquemas imagticos: como a linguagem revela os caminhos da mente Naira de Almeida Velozo .......... 105

    9. O signo e o valor lingusticos em saussure: uma leitura reflexiva possvel Geraldo Jos da Silva ................................................ 123

    10. Por uma viso compreensiva do processo de recomposio Patr-cia Affonso de Oliveira e Carlos Alexandre Gonalves .............. 137

    11. Referenciao lexical em textos bblicos Mayra Machado Silva e Maria da Penha Pereira Lins .................................................... 155

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    12. Yl ay orum ubuntu: bebendo das fontes da africanidade Jose Geraldo da Rocha, Cristina Conceio da Silva e Gabriela Giro

    de Albuquerque ........................................................................... 167

    13. A terra prometida: uma metfora deslocada Jos Severino da Sil-va, Idemburgo Pereira Frazo Flix e Jacqueline de Cssia Pinhei-

    ro Lima ....................................................................................... 178

    14. Arte de Cozinha: estudo lxico-semntico de um documento por-tugus do sculo XVII Rita de Cssia Ribeiro de Queiroz ..... 186

    15. Coordenao, subordinao e correlao: trs processos distintos de formao do perodo composto Ana Ceclia dos Santos Santoro e

    Gabriela Barreto de Oliveira ..................................................... 196

    16. Do bombero ao merguiad: a nomeao das funes dos trabalha-dores no garimpo de diamantes Gabriela Guimares Jeronimo e

    Maria Helena de Paula .............................................................. 205

    17. Iconicidade em formas neolgicas substantivas Maria Nomi F. C. Freitas ................................................................................... 214

    18. Instrumentos lexicogrficos regionais: estudo de Amaral (1920),

    Teixeira (1944) e Ortncio (2009) Rayne Mesquita de Rezende e Maria Helena de Paula .............................................................. 227

    19. Letramento: um tema entre vrios autores lvaro Vincius de Mo-raes Barbosa Duarte .................................................................. 237

    20. Magro, esqulido, engelhado, vitorioso: um estudo do vocabulrio em textos dos sculos XIX e XX Maria da Conceio Reis Tei-

    xeira ........................................................................................... 251

    21. Metforas do Curso de Lingustica Geral, de Saussure Marlon Leal Rodrigues, Nataniel dos Santos Gomes e Adriana Lcia de Es-

    cobar Chaves de Barros ............................................................. 262

    22. O samba em So Paulo: omisses e esquecimentos Mario Santin Frugiuele .................................................................................... 271

    http://lattes.cnpq.br/0201552127514276http://lattes.cnpq.br/0201552127514276

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    23. O uso do dicionrio como recurso didtico Dayane Carneiro Ro-cha, Ana Beatriz Senna da Silva e Luiz Roberto Peel Furtado de

    Oliveira ...................................................................................... 288

    24. Para a aplicao da toponmia na escola Alexandre Melo de Sousa .......................................................................................... 294

    25. Para uma padronizao da terminologia morfossinttica do verbo rabe Paula da Costa Caffaro ................................................. 307

    26. Propriedades sinttico-semnticas de verbos adj-ecer Aucione Smarsaro e Larissa Picoli .......................................................... 335

    27. Sufixo -ivo / -ive: algumas consideraes sobre formao de pala-vras em portugus e em ingls Solange Peixe Pinheiro de Carva-

    lho .............................................................................................. 344

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    APRESENTAO

    O Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos tem o

    prazer de apresentar-lhe este nmero 02 do volume XVII dos Cadernos

    do CNLF, com 349 pginas, sobre LEXICOGRAFIA, LEXICOLOGIA, SE-

    MNTICA E TERMINOLOGIA, e vinte e sete artigos resultantes dos traba-

    lhos apresentados no XVII Congresso Nacional de Lingustica e Filolo-

    gia, realizado do dia 26 a 30 de agosto deste ano de 2013, no Instituto de

    Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, por Adriana Lcia

    de Escobar Chaves de Barros, Alexandre Melo de Sousa , lvaro Vin-

    cius de Moraes Barbosa Duarte, Alzira da Penha Costa Davel, Ana Bea-

    triz Senna da Silva, Ana Ceclia dos Santos Santoro, Andria Almeida

    Mendes, Aucione Smarsaro e Larissa Picoli, Carlos Alexandre Gonal-

    ves, Cristina Conceio da Silva, Dayane Carneiro Rocha, Gabriela Bar-

    reto de Oliveira, Gabriela Giro de Albuquerque, Gabriela Guimares Je-

    ronimo, Geraldo Jos da Silva, Idemburgo Pereira Frazo Flix, Jacque-

    line de Cssia Pinheiro Lima, Jose Geraldo da Rocha, Jos Severino da

    Silva, Lucia Helena Lopes de Matos, Luiz Roberto Peel Furtado de Oli-

    veira, Maria da Conceio Reis Teixeira, Maria da Penha Pereira Lins,

    Maria Helena de Paula, Maria Nomi F. C. Freitas, Mario Santin Frugiu-

    ele, Marlon Leal Rodrigues, Maryelle Joelma Cordeiro, Mayra Machado

    Silva, Misleine Andrade Ferreira, Naira de Almeida Velozo, Nataniel dos

    Santos Gomes, Patrcia Affonso de Oliveira, Paula da Costa Caffaro,

    Rayne Mesquita de Rezende, Rita de Cssia Ribeiro de Queiroz, Solange

    Peixe Pinheiro de Carvalho, Vito Csar de Oliveira Manzolillo e Zinda

    Vasconcellos.

    Sobre este mesmo tema ainda ficaram diversos outros trabalhos

    sem publicao do texto completo, cujos resumos se encontram em

    http://www.filologia.org.br/xvii_cnlf/resumos/_LIVRO_RESUMOS.pdf,

    porque os autores no conseguiram entreg-los de acordo com as regras e

    prazos estipulados.

    Fica a nossa sugesto a esses autores, que reelaborem seus textos

    e os submetam Revista Philologus ou os publiquem em outro lugar,

    porque sero importantes para o desenvolvimento das pesquisas em nos-

    sa especialidade.

    Os textos publicados aqui sero integrados tambm 2 edio do

    Almanaque CiFEFiL 2013 (em CD-ROM), que est sendo preparado e

    http://lattes.cnpq.br/0201552127514276http://lattes.cnpq.br/0201552127514276http://www.filologia.org.br/xvii_cnlf/resumos/_LIVRO_RESUMOS.pdf

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    ser enviado aos autores que no foram publicados na 1 edio, que saiu

    na poca do congresso.

    Aproveitamos a oportunidade tambm para lembrar que todas as

    publicaes do CiFEFiL so de livre acesso na Internet, e podem ser en-

    contradas facilmente, atravs da pgina de busca interna da pgina virtual

    http://www.filologia.org.br/buscainterna.html, seja pelo ttulo do traba-

    lho, pelo nome do autor ou por palavras-chaves do tema de interesse do

    pesquisador. Trata-se de uma excelente ferramenta de pesquisa, que voc

    deve aproveitar e indicar a seus colegas e amigos.

    O Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    aguarda sua crtica e sugesto para melhorar suas publicaes, e fica ex-

    tremamente grato por qualquer crtica que for apresentada porque delas

    que extrairemos as lies para os prximos trabalhos, para o progressos

    dos estudos lingusticos e filolgicos brasileiros.

    Rio de Janeiro, dezembro de 2013.

    (Jos Pereira da Silva)

    http://www.filologia.org.br/buscainterna.html

  • 10 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    A DERIVAO E SEUS SUBTIPOS:

    UM ESTUDO COMPARATIVO

    Vito Csar de Oliveira Manzolillo (UERJ)

    [email protected]

    O processo de Derivao, dos mais profcuos

    da lngua portuguesa, apresenta, ainda, al-

    guns aspectos obscuros na sua formao.

    (FREITAS, 2007, p. 187)

    1. Consideraes iniciais

    Nossa experincia em sala de aula, ministrando cursos na rea da

    Morfologia, nos levou a perceber o fato de que, com demasiada frequn-

    cia, no mbito dos processos de formao de palavras, os autores costu-

    mam analisar de modo diferente os tpicos expostos. No que diz respeito

    especificamente derivao, tal afirmativa constitui verdade inconteste.

    Assim, o que se pretende com a pesquisa que ora se apresenta a

    realizao de estudo comparativo centrado na observao da derivao e

    de seus subtipos sob a perspectiva de autores diversos.

    2. A derivao e seu conceito

    Ao voltarmos nosso interesse para o estudo dos processos de for-

    mao de palavras, convm ter em conta as seguintes palavras de Basilio

    (1987, p. 16):

    (...) podemos observar que formao tem duas interpretaes: uma interpre-tao ativa, em que o termo se refere ao processo de formar palavras; e uma

    interpretao mais passiva, em que o termo se refere maneira como as pala-

    vras esto constitudas. As gramticas normativas seguem, via de regra, a se-gunda interpretao; em consequncia disso, procuram dar conta apenas das

    caractersticas das formas j construdas.

    Henriques (2011, p. 112) tambm observa que

    O estudo da formao de palavras tanto pode se referir a uma viso des-

    critiva do lxico j constitudo como pode dar conta das regras internas que

    propiciam a criao de novos vocbulos. Trata-se, pois, de duas vises, uma passadista, outra dinmica, diferentes e complementares.

    mailto:[email protected]

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 11

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    Assim, a derivao processo de formao de palavras herdado

    do latim que nos interessa analisar no momento tem sido utilizada des-

    de o incio da histria do portugus para a criao de novas palavras.

    De modo simples e direto, possvel definir derivao como o

    acrscimo de afixo(s) a uma base com o intuito de gerar um novo item

    lxico. Nas palavras de Freitas (2007, p. 157), o processo formador de

    novas palavras e pertence a uma relao aberta da lngua. Ainda para o

    mesmo autor (2007, p. 157), indispensvel, na derivao, que os ele-

    mentos tenham valor significativo no sistema; o sintagma que se forma

    apresenta um monema derivacional que constitui uma forma presa (afi-

    xo).

    Recorrendo mais uma vez a Basilio (1987, p. 26) descobrimos que

    em geral, a base de uma forma derivada uma forma livre isto , uma pala-

    vra comum; ou, mais tecnicamente, uma forma que possa por si s constituir

    um enunciado, como acontece com verbos, substantivos, adjetivos e advr-bios. Mas tambm temos casos de derivao a partir de bases presas.

    J Carone (1988, p. 38-9) considera que a derivao o proce-

    dimento gramatical mais produtivo para o enriquecimento do lxico. Re-

    aliza-se sobre apenas um radical, ao qual se articulam formas presas, os

    afixos, com o que concordam Correia & Almeida (2012, p. 38), para

    quem, a derivao aparentemente o processo mais disponvel para a

    construo de palavras, no apenas na lngua portuguesa, como nas ln-

    guas romnicas.

    Sandmann (1992, p. 34), por sua vez, explica que na derivao

    temos uma base e um afixo (...), cabendo a este expressar uma ideia geral

    e base uma ideia particular ou menos geral.

    Correia & Almeida (2012, p. 36) argumentam que na derivao

    afixal existe apenas uma unidade de significado lexical, a base de deriva-

    o, qual se junta um afixo (...), para formar uma nova unidade lexi-

    cal. As mesmas autoras (2012, p. 38) informam ainda que

    Na derivao, incluem-se processos de natureza um pouco distinta. Por um lado, temos a derivao afixal (...), que a mais tpica de todas, e, por ou-

    tro, temos a chamada derivao no afixal, a converso, em que no intervm

    quaisquer afixos, ocorrendo apenas uma mudana categorial (...) do radical

    que alvo de derivao.

    Souza-e-Silva & Kock (2011, p. 52) entendem que a derivao

    consiste na formao de palavras por meio de afixos agregados a um

    morfema lexical. Acrescentam ainda que, para que haja derivao, duas

  • 12 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    condies precisam ser satisfeitas: a possibilidade de depreenso sincr-

    nica dos morfemas envolvidos no processo e a possibilidade de o afixo se

    encontrar disposio dos falantes para a formao de novos derivados.

    O critrio sincrnico para a existncia de derivao igualmente

    salientado por Freitas (2007, p. 157), para quem,

    No haver derivao, se a palavra no constituir um sintagma formado sincronicamente, como sucede em submisso, sbito, conduzir, colegas, etc.,

    uma vez que no h uma forma livre funcionando como base na fase atual da

    lngua.

    Por fim, Kehdi (1997, p. 53) ressalta que

    Relativamente derivao, convm lembrar que, embora possa variar o

    nmero de afixos presos a uma determinada base, h uma regularidade subja-cente, revelada pela anlise em constituintes imediatos (C.I.); o vocbulo

    sempre constitudo de camadas binrias de mesma estrutura, ou seja, um ele-

    mento nuclear e um perifrico.1

    3. Derivao prefixal e derivao sufixal

    Segundo Cunha & Cintra (1985, p. 83-4),

    Os PREFIXOS so mais independentes que os SUFIXOS, pois se origi-nam, em geral, de advrbios ou de preposies que tm ou tiveram vida aut-

    noma na lngua. A rigor, poderamos at discernir as formaes em que en-

    tram prefixos que so meras partculas, sem existncia prpria no idioma (co-mo des- em desfazer, ou re- em repor), daquelas de que participam elementos

    prefixais que costumam funcionar tambm como palavras independentes (as-

    sim: contra- em contradizer, entre- em entreabrir). No primeiro caso haveria DERIVAO; no segundo, seria justo falar-se em COMPOSIO.

    Consoante Azeredo (2010, p. 451-2),

    No so claros os limites entre derivao prefixal e composio. Vrios

    prefixos so variantes de preposio (com, sem, entre), e muitos adjetivos e morfemas de significao numeral se antepem a bases lxicas com um com-

    portamento gramatical anlogo ao de prefixos (aeroespacial, bimotor, penta-

    campeo). Por isso existem bons argumentos a favor de incluir a prefixao nos processos gerais de composio, assim como tambm defensvel trat-la

    como um processo intermedirio entre a composio e a sufixao.

    1 Basilio (1987, p. 14) tambm esclarece que a palavra morfologicamente complexa, ou seja, a pa-lavra que contm mais de um elemento, estruturada basicamente como a combinao de uma ba-se com um afixo. Esta base pode, por sua vez, ser tambm complexa, isto , tambm estruturada em termos de base e afixo.

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 13

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    J de acordo com Freitas (2007, p. 158),

    Para alguns autores s os sufixos representam afixos derivacionais, por-

    quanto incluem os prefixos no processo de composio sob o argumento de

    que o prefixo uma espcie de semantema subsidirio. Relacionam os pre-fixos com as preposies com, entre, a etc., atribuindo-lhes, assim, existncia

    independente na lngua.

    Para ele (2007, p. 158), a relao entre esses prefixos e algumas

    preposies constitui um ponto de vista diacrnico. Numa descrio sin-

    crnica no h mais que uma coincidncia de formas.

    Dada a dificuldade de propor critrios rgidos capazes de estabe-

    lecer diferenas entre os dois casos, os autores anteriormente citados pre-

    ferem considerar a ocorrncia de derivao prefixal em ambas as situa-

    es.

    Sandmann (1997, p. 71) afirma tambm que no passado (...) mui-

    tos gramticos no distinguiam a prefixao da composio, enquanto

    Monteiro (2002, p. 139-40), em consulta a diversos estudiosos, chega

    concluso de que 60% deles incluem a prefixao entre os tipos de deri-

    vao, posio igualmente defendida por ele. O mesmo autor (2002, p.

    142) menciona a expresso derivao progressiva, usadas pelas gramti-

    cas nos casos em que h acrscimo de sufixos.

    De acordo com alguns estudiosos, os prefixos nunca mudam a

    classe da palavra a que se adicionam (BASILIO, 1987, p. 9).

    J para Azeredo (2010, p. 450),

    o afixo pode ser responsvel pela classe gramatical da palavra derivada: -dade forma substantivos, -oso forma adjetivos, -izar forma verbos, -mente

    forma advrbios, e assim por diante. Normalmente, s os sufixos tm esse pa-

    pel. Em alguns casos, porm, a construo preposio + substantivo deu ori-gem a adjetivos (cf. comida sem-sal, uma atitude sem-vergonha, um roteiro

    sem-par). Este modelo a base de algumas formaes recentes em que um

    prefixo semelhante a uma preposio forma adjetivos derivados de substanti-vos (cf. centro pr-melhoramentos, campanha antitxico, manifesto antia-

    borto, perodo ps-parto, casamento interespcies)2.

    2 Conforme se l em Sandmann (1997, p. 71), o prefixo (...) no muda a classe ou subclasse da ba-se (...). Tambm para Kehdi (1997, p. 9) (...) os prefixos no contribuem para a mudana da classe gramatical do radical a que se ligam (...). Henriques (2011, p. 19, nota 8), por sua vez, afirma que a possibilidade de um prefixo (...) alterar a classe gramatical da base se limita passagem de substan-tivos a adjetivos (exs.: sentido anti-horrio, atitude sem-nome, pomada multiuso, nibus monobloco), o que representa, a rigor, uma mudana mais funcional do que morfolgica. J Correia & Almeida

  • 14 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    Na viso de Sandmann (1997, p. 70),

    Prefixos e sufixos so considerados afixos, distinguindo-se da base a que

    se unem porque so normalmente elementos presos, isto , no tm curso livre

    na frase, expressando, alm do mais, ideias gerais e prestando-se, como tais, a formaes em srie. Alm do mais, como nos diz a semntica dos prefixos

    pre- e su(b) de prefixo e sufixo, naquela palavra o afixo precede a base e nes-

    ta o afixo vem abaixo ou depois.

    Para Correia & Almeida (2012, p. 49-50),

    Os prefixos avaliativos colocam alguns problemas de classificao, dado

    que (...) esses prefixos equivalem frequentemente a adjetivos e, nesses casos,

    apresentam um significado que pode considerar-se de natureza lexical, por is-so podem ser tomados como elementos de composio. (...) As dificuldades

    em distinguir os dois processos de construo de palavras levou a que, em di-versas gramticas tradicionais, a prefixao fosse includa nos processos de

    composio.

    Essas autoras (2012, p. 46-7) definem derivao afixal como

    O processo de construo de palavras atravs do qual se obtm um deri-vado pela juno de um afixo a um radical. A derivao afixal basicamente

    um processo binrio (em cada processo derivacional intervm apenas uma ba-

    se e um afixo), por isso os principais tipos de derivao afixal em portugus so a sufixao e a prefixao.

    Kehdi (1997, p. 8), por seu turno, informa que os prefixos, ao

    contrrio dos sufixos, s se agregam a verbos e adjetivos, que so uma

    espcie de vocbulo associado ao verbo, o que se revela inexato quando

    se observam palavras como desgosto, descaso, desventura, desjejum, de-

    sgio, desrespeito, desfavor, desprazer e desamor, por exemplo3.

    Souza-e-Silva e Koch (2011, p. 52) preveem ainda a existncia de

    processo conhecido como derivao prefixal e sufixal, caso, segundo as

    (2012, p. 49) explicam que tradicionalmente, aceito que o prefixo no altera a categoria da base. Porm, vem sendo demonstrado que certos prefixos (...) so passveis de alterarem a categoria da base: (...) moral/amoral, rugas/antirrugas, independncia/pr-independncia. Por fim, Freitas (2007, p. 199) afirma que a prefixao tambm pode acarretar mudanas de classe na formao de nomes e verbos. Alguns dos exemplos fornecidos pelo autor so estes: puro (adjetivo) > apuro (substanti-vo) e apurar (verbo), novo (adjetivo) > renovo (substantivo) e renovar (verbo) e certo (adjetivo) > acerto (substantivo) e acertar (verbo).

    3 Mais adiante, o prprio autor (1997, p. 16) reconhece que, embora excepcionais, ocorrncias do prefixo des- ligado a substantivos so possveis em lngua portuguesa. Para Azeredo (2010, p. 451), na atual sincronia do portugus, a regra que originou esses substantivos no mais produtiva (isto , no constitui uma regra de formao de palavras), exemplificando um caso do que chama de regra de anlise estrutural.

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 15

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    autoras, de palavras como deslealdade e infelizmente, classificao pro-

    blemtica que despreza a existncia dos chamados constituintes imedia-

    tos. O que ocorre nessas situaes que palavras derivadas servem de

    base para o surgimento de uma nova palavra derivada.

    4. Derivao parassinttica

    Os estudiosos costumam definir parassntese como a adio si-

    multnea de prefixo e de sufixo a uma base para a criao de uma nova

    palavra, sendo este um processo especialmente produtivo na formao de

    verbos, e a principal funo dos prefixos vernculos a- e em (en-) a

    de participar desse tipo especial de derivao (CUNHA & CINTRA,

    1985, p. 101). Para Kehdi (1997, p. 18), essa primazia dos verbos ocorre

    porque geralmente, os prefixos que figuram nos parassintticos tm um

    sentido dinmico: embarcar (em-: movimento para dentro), desfolhar

    (des-: ato de separar).

    Sandmann (1992, p. 46) observa que

    Tambm adjetivos so formados por derivao parassinttica: achocola-tado, descadeirado, descamisado, [assim como] adjetivos em -vel mais o pre-

    fixo in podem ser parassintticos: inolvidvel, inesquecvel, intocvel, falan-

    do a favor dessa posio o fato de esses adjetivos serem muito mais frequentes no uso do que os sem prefixo in-. Diramos que o sistema permite formar olvi-

    dvel e depois inolvidvel, (...) descadeirar e depois o adjetivo descadeirado,

    mas o uso ou a norma mostram que a forma parassinttica privilegiada.

    No modo de ver de Henriques (2011, p. 115),

    As palavras dotadas de prefixo e sufixo, sejam as de derivao sucessiva

    (prefixao ou sufixao) ou as de derivao simultnea (parassntese), no

    deixam de ter seu processo de formao analisado circunstancialmente. Afi-nal, no h impedimento definitivo para que o vocbulo intermedirio virtu-

    almente inexistente seja tornado real pelo uso lingustico. Ou seja,

    *impublicar, *vacalhar, *tardecer, conquanto no possam ser consideradas formas primitivas reais de impublicvel, avacalhar e entardecer, so vocbu-

    los coerentes com os padres mrficos da lngua portuguesa.

    Basilio (1987, p. 44), por sua vez, salienta o fato de que

    O que caracteriza a derivao parassinttica no a presena ou ocorrn-

    cia simultnea de prefixo e sufixo junto base, mas a estrutura de formao,

    que exige utilizao simultnea de prefixo e sufixo no processo de formao.

  • 16 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    Assim, nem todas as palavras que apresentam prefixo e sufixo em sua forma-o devem ser consideradas como de formao parassinttica4.

    Correia & Almeida (2012, p. 50) explicitam a ideia de a paras-

    sntese contraria[r] o princpio da ramificao binria que rege a deriva-

    o afixal e, segundo o qual, em cada processo derivacional apenas inter-

    vm uma base e um afixo. Para Carone (1988, p. 41-2), parassntese

    entendida como a derivao simultaneamente prefixal e sufixal. Nesse

    caso, prefixo e sufixo teriam certa semelhana com significantes des-

    contnuos, que se articulam a uma base em um mesmo momento. Tam-

    bm Souza-e-Silva & Kock (2011, p. 53) consideram que, na derivao

    parassinttica, o prefixo e o sufixo so acrescentados a um s tempo ao

    morfema lexical, constituindo, portanto, um nico morfema gramatical,

    de carter descontnuo. Essa descontinuidade de que falam Carone e

    Souza-e-Silva & Kock pode, segundo se l em Rosa (2000: 53), levar al-

    guns autores (cf. MONTEIRO, 2002, p. 155) a postularem, em formas

    como amanhecer, a presena de um afixo descontnuo a...ec(e(r) chama-

    do circunfixo (e por essa razo a denominao circunfixao empre-

    gada em lugar de parassntese caso se leve em conta tal proposta)5.

    Carone (1988, p. 42) enxerga na parassntese algo que considera

    um problema no resolvido,

    pois seria necessrio estabelecer a duas subcategorias: os parassintticos que se formam com prefixo e sufixo (enternecer, esclarecer, amanhecer) e os que

    se formam apenas com prefixo e desinncias verbais (engavetar, esburacar,

    aclarar). Considerar a existncia de sufixo no segundo grupo exigiria uma re-definio de sufixo que englobasse os morfemas flexionais do verbo6.

    4 A autora (1987, p. 47) amplia o conceito de parassntese, ao considerar casos como o do adjetivo desdentado, o qual, segundo ela, apresenta duas formaes: uma parassinttica, em que temos a adio simultnea de des- e -ado ao substantivo dente, para expressar o sentido adjetivo sem den-te; e uma em dois nveis, em que temos o acrscimo de -do, caracterizador de particpio passado, base do verbo desdentar.

    5 Para alguns autores, a adeso a essa proposta se justifica pelo fato de a semntica dos prefixos envolvidos na parassntese ser, como menciona Sandmann (1997, p. 74), muitas vezes vaga ou im-precisa, seno inexistente. Henriques (2011, p. 115) considera esse tipo de derivao um caso sin-gular em que o prefixo pode no apresentar significado algum. De acordo com Monteiro (2002, p. 156), em geral, a primeira parte do morfe descontnuo que ocorre nos parassintticos, embora pare-a um prefixo, no apresenta qualquer significado, situao que cria o inconveniente de conferir a uma forma sem significado o status de morfe.

    6 outra a viso de Monteiro (2002, p. 155). Para ele, em formas como a clar ar, a flor ar, a larg ar e en terr ar, por exemplo, o segmento aps a base, embora presente, no apresenta configu-rao fnica. Freitas (2007, p. 196), no entanto, afirma: Embora o expediente lingustico do elemen-

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    As mesmas subcategorias de que fala Carone so levadas em

    conta por Freitas (2007, p. 200). O autor explica:

    Permanecendo o critrio tradicional, que determina o emprego simultneo de

    prefixo e sufixo na formao dos parassintticos, importante distinguirem-se

    dois tipos de parassintetismo: 1) Parassintticos com afixos derivacionais, constituindo o processo real derivativo, como a (prefixo) + noit(e) (base) +

    ec (sufixo) + (er), sendo a- e -ec sufixos derivacionais. 2) Parassintticos com

    um s afixo derivacional (o prefixo, acrescentando-se ao radical a terminao flexional -ar) constituem um processo parcial de derivao parassinttica.

    Correia & Almeida (2012, p. 50) limitam a ocorrncia de paras-

    sntese apenas s situaes em que, alm do prefixo, ocorre um sufixo

    derivacional claramente marcado, como nos casos (...) de anoitecer (com

    o sufixo -ec) e de esverdear (com o sufixo -e). J Henriques (2011, p.

    116) afirma que so formados

    por parassntese verbos que, alm de terem um prefixo vazio de sentido, po-

    dem ter apenas a terminao verbal (em+barc+ar, es+quent+ar), em vez de um sufixo formalizado que, quando existe, tem valor iterativo ou incoativo

    (em+brut+ec+er, a+noit+ec+er).

    Kehdi (1997, p. 16-7) julga no haver

    necessidade de distinguir formas como esclarecer e aclarar, com o argumento

    de que, na segunda, no figura um sufixo. Na realidade, as nicas flexes pos-

    sveis para o adjetivo claro, radical de aclarar, so: claro / clara / claros / cla-ras. A terminao -ar, de valor verbal, est contribuindo para que a palavra

    claro mude da classe dos adjetivos para a dos verbos, ou seja, est desempe-

    nhando um papel sufixal.

    O mesmo autor (1997, p. 18-9) prossegue, informando que

    H exemplos curiosos de verbos cujo radical um adjetivo que exprime

    cor, e que, aparentemente, no seriam parassintticos: amarelar, azular. To-

    davia, se considerarmos o subsistema dos verbos formados por esses adjeti-vos, verificaremos que so, na maioria, parassintticos: acinzentar, alaranjar,

    arroxear, avermelhar etc. Ora, nesses verbos mencionados ocorre o prefixo a-.

    Como os adjetivos amarelo e azul comeam pela vogal a-, podemos admitir que houve a crase desse a inicial do radical com o prefixo a-.

    No que respeita s funes exercidas por prefixos e sufixos no

    mbito da parassntese, Sandmann (1992, p. 47) diz que

    to (zero) seja vlido, no concordamos com sua aplicao neste caso dos parassintticos, uma vez que o maior nmero de palavras o que apresenta inexistncia de sufixo derivacional, no cons-tituindo, assim, a exceo, mas a regra geral, o que comprova a deficincia do critrio.

  • 18 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    Nos parassintticos o prefixo exerce (...) funo semntica (encaixar: en para dentro, expatriar: ex para fora, repatriar: re de volta, desossar,

    des afastamento ), cabendo ao sufixo funo sinttica muda, nos exem-

    plos dados, substantivo em verbo , a que pode acrescer funo semntica: en-tardecer, amanhaecer, em que a -ecer cabe ideia incoativa, e apedrejar, es-

    bravejar, com sufixo -ejar frequentativo.

    Por fim, necessrio considerar ainda a posio de Bechara

    (2009, p. 343), bastante singular se comparada aos demais autores at o

    momento referidos. Para ele,

    Pode-se (...) entender que, a rigor, no existe parassntese, se partirmos do

    fato de que, numa cadeia de novas formaes, no poucas vezes ocorre o pulo de etapa do processo, de modo que s virtualmente no sistema exista a forma

    primitiva. (...) Deste modo, em aclarar, entardecer, amanhecer se poder pen-

    sar em partir dos virtuais *clarar, *tardecer, *manhecer ou *aclaro, *entarde e *amanh.

    5. Derivao regressiva

    A importncia deste processo reside no fato de ele possibilitar a

    criao dos chamados substantivos deverbais ou ps-verbais7, aqueles

    formados pela juno de uma das vogais -o, -a ou -e ao radical do ver-

    bo (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 102)8.

    Para Silva-e-Souza e Koch (2011, p. 53), a derivao regressiva

    ocorre na formao de palavras como caa (de caar), corte (de cortar) e

    descanso (de descansar), em que a desinncia verbal do infinitivo e a

    vogal temtica do verbo so substitudas pelas vogais temticas nominais

    -a, -e, -o, formando (...) nomes abstratos de ao, denominados dever-

    bais.

    Segundo Basilio (1987, p. 37), o que caracteriza basicamente a

    derivao regressiva o fato de que uma nova palavra formada pela

    supresso de um elemento, ao invs de por acrscimo. Observando os

    7 Azeredo (2010, p. 465) assinala que de alguns verbos originam-se tambm adjetivos derivados re-gressivamente. Entre os exemplos citados por ele, aparecem aceito (de aceitar), entregue (de en-tregar), enxuto (de enxugar), expulso (de expulsar), ganho (de ganhar), isento (de isentar), salvo (de salvar), aceso (de acender), bento (de benzer), eleito (de eleger), preso (de prender), suspenso (de suspender), aflito (de afligir), correto (de corrigir), expresso (de exprimir), impresso (de imprimir) etc.

    8Como oportunamente afirma Henriques (2011, p. 125, nota 67), os casos de regresso a partir de substantivos (sarampo sarampo; gajo gajo) s tm pertinncia diacrnica, razo pela qual no sero tratados aqui.

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 19

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    pares apertar/aperto, ameaar/ameaa e cortar/corte, a mesma autora

    (1987, p. 39) informa que

    A vogal pela qual termina o nome pode ser -a, -e ou -o. Assim, se consi-

    derarmos que esses casos so de derivao regressiva, pelo menos teremos

    que considerar que se trata de um caso misto, pois tambm ocorre o acrscimo das vogais.

    Azeredo (2010, p. 464) define derivao regressiva como o pro-

    cesso que consiste em criar uma palavra mediante a supresso de um

    elemento final de outra palavra, enquanto Sandmann (1997, p. 74) julga

    no haver

    derivao regressiva nos substantivos do tipo poda (de podar), transplante

    (de transplantar) e sustento (de sustentar). Concordando embora que em es-fola, encalhe e manejo no h sufixos to encorpados como em esfola-

    dura, encalhao e remanejamento, gostaria de dizer que tambm a h

    um morfema sufixal aditivo, respectivamente, -a, -e e -o.

    O autor (1997, p. 75) apoia seu ponto de vista em dois argumen-

    tos: a vogal final do substantivo nem sempre igual vogal temtica do

    verbo e tambm no acrescentada apenas nos casos em que sua ausn-

    cia originaria uma forma em desacordo com o padro silbico do portu-

    gus.

    Em Monteiro, a chamada derivao regressiva ilustra um dos ca-

    sos do que denomina derivao por sufixo zero. Conforme as palavras do

    autor (2002, p. 144-5),

    Nos deverbais (...), a forma derivada apresenta um encurtamento em rela-

    o primitiva. Este, o motivo por que se qualifica a derivao de regressiva. O encurtamento da forma primitiva no consiste na subtrao de algum sufi-

    xo, mas na adaptao de uma terminao verbal a um tema nominal. (...) Co-

    mo a marca derivacional sempre um sufixo, no h razo para deixar de se postular entre o radical e o ndice temtico do deverbal a existncia de um su-

    fixo zero: abater abat + + e, pescar pesc + + a, tocar toqu + + e,

    rodear rodei + + o (...)9.

    Para Correia & Almeida (2012, p. 45-6), relativamente chamada

    derivao regressiva,

    O que acontece, de fato, que o radical verbal (fug, atac ou us) assume a

    categoria de substantivo, adquirindo, apenas, uma vogal, que a sua desinn-cia nominal ou vogal temtica nominal (-a em fuga; -e em ataque; o- em uso).

    9 A existncia de um sufixo igualmente prevista por Kehdi (1997, p. 27) no substantivo destacado na expresso a pesca do bacalhau.

  • 20 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    Por isso, abordagens mais recentes desse fenmeno defendem que, em rigor, a derivao regressiva no se verifica, mas que estamos, sim, perante casos de

    converso.

    Freitas (2007, p. 193) salienta o fato de

    a terminao verbal em pescar, combater, resumir, ou em apelidar, fuzilar,

    armazenar, para citarmos exemplos quer da chamada derivao regressiva,

    quer da derivao progressiva, no constitui[r] derivao, mas apenas fle-xo. No h elemento derivacional. A terminao verbal possui os elementos

    vogal temtica (a, e, i) e desinncia ou sufixo flexional (r).

    Assim, o autor (Ibidem, p. 194) conclui que

    Nome e verbo coexistem no uso lingustico pesca / pescar; almoo / almoar no importando se a precedncia do nome ou do verbo, isto , se

    se trata de derivao (denominao imprpria, conforme explicao acima) progressiva ou regressiva. Em nossa viso sincrnica, a relao entre pesca

    (tema nominal) e pescar (tema verbal + sufixo flexional r) , apenas, de or-

    dem semntica, visto que no se processa adio ou subtrao de sufixo deri-vacional, no cabendo, portanto, falar-se de derivao.

    Bechara (2009, p. 370) no considera o processo em anlise como

    um tipo de derivao, nomeando-o como formao regressiva. So suas

    estas palavras:

    A formao regressiva ou deverbal (...) consiste em criar palavras por analogia, pela subtrao de algum sufixo, dando a falsa impresso de serem

    vocbulos derivantes: de atrasar tiramos atraso, de embarcar, embarque; de

    pescar, pesca; de gritar, grito.

    Henriques (2011, p. 125) analisa o assunto em pauta dentro de ca-

    ptulo intitulado Processos especiais. O autor designa o fenmeno em

    estudo como regresso10, a qual se caracteriza pela formao de um

    substantivo abstrato de ao a partir de verbo. Por isso, tais substantivos

    so chamados de deverbais. Ainda de acordo com Henriques (2011, p.

    125), alguns autores chamam a regresso de derivao regressiva, pro-

    cedimento correto do ponto de vista da formao, mas causador de con-

    flito na anlise de abstratos de ao dotados de sufixo (...). Continuando

    sua exposio, o autor (2011, p. 125) opina que

    A regresso se caracteriza pela ausncia de sufixo e assim se denomina por contrariar, na relao entre verbos e substantivos, o processo (de progres-

    so) que consiste em o nome ser o vocbulo primitivo e dele se formar o ver-

    bo aplicvel sistematicamente aos adjetivos (...) e aos substantivos concretos

    (...).

    10 Kehdi (1997, p. 22) considera sinnimos os termos derivao regressiva e regresso.

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 21

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    Finalizando, Henriques (2011, p. 126) afirma que

    H casos ainda de substantivos regressivos neolgicos tirados de verbos

    hipotticos: o braseio (neologismo que significa o ato de fazer brasa) de-

    riva de um potencial verbo brasear. E h ainda os casos em que, rigorosamen-te, os substantivos deverbais no denotam uma ao. o que temos (...) em

    custo (que no o ato de custar, mas o preo ou esforo que deve ser dis-

    pendido [sic] para se obter algo) ou em demora (que no o ato de demo-rar, mas a situao gerada por uma determinada expectativa).

    Concluindo esta parte, recorremos a Kehdi e a Basilio (2009, p.

    44). O primeiro explica que

    Os deverbais regressivos so extrados da primeira ou da terceira pessoa do singular do presente do indicativo; da, serem nomes de tema em -o (quan-

    do procedem da primeira pessoa) ou de tema em -a ou -e (quando procedem

    da terceira pessoa) (...). Os deverbais de tema em -o adquirem, no portugus moderno, grande vitalidade: o agito, o chego, o sufoco (KEHDI, 1997, p. 23-

    4).

    J a segunda salienta que

    A derivao regressiva com apoio na vogal -a (luta, crtica, censura, pro-

    cura, escolha, venda, fuga) s ocorre em formaes tradicionais, ao contrrio

    da baseada em -o (badalo, agito, sufoco, apronto, adianto, aguardo), utilizada em formaes recentes de carter giritico. Formaes em -e so tambm pro-

    dutivas, sobretudo em verbos prefixados com re- e des-, nos quais a derivao

    regressiva relativamente comum (BASILIO, 2009, p. 44).

    6. Derivao imprpria (converso)

    Segundo Azeredo (2010, p. 466), nesse tipo de derivao no h

    qualquer alterao formal aparente11, da chamar-se imprpria, termo

    que, por si s, implica j um juzo de valor sobre a natureza do processo

    em anlise (CORREIA & ALMEIDA, 2012, p. 42).

    Ao tecer comentrios acerca da chamada derivao imprpria

    que classifica como um pseudoprocesso Henriques (2011, p. 127) diz

    que usualmente se inclui esta entre os processos de formao de palavras.

    No entanto, prossegue ele, trata-se de fenmeno de estilstica morfossin-

    ttica que se fundamenta no emprego de um vocbulo fora de sua classe

    11 Kehdi (1997, p. 34) observa que, em muitos casos, a derivao imprpria (ou converso) um processo tambm caracterizado por traos formais. No h dvida, contudo, de que os traos for-mais se situam no eixo sintagmtico, no contexto exterior ao vocbulo.

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    natural, o que em absoluto no forma vocbulo e, portanto, a rigor no se

    insere neste assunto12.

    Por fim, Silva-e-Souza e Kock (2011, p. 54) informam que este

    constitui um processo sinttico-semntico e no morfolgico, motivo

    pelo qual no o incluiremos entre os diferentes tipos de derivao.

    Sendo assim, recomendamos aos interessados no aprofundamento

    do estudo da converso uma consulta aos autores mencionados neste su-

    bitem de nosso trabalho13, os quais dedicam algumas linhas anlise do

    tema.

    7. Consideraes finais

    Como foi possvel perceber, diferenas por vezes significativas

    ligadas ao entendimento da derivao foram assinaladas entre os estudio-

    sos consultados.

    No que respeita derivao prefixal, alguns deles (cf. Azeredo,

    Cunha & Cintra, Freitas, Correia & Almeida e Monteiro, por exemplo),

    fizeram referncia ao fato de esse processo ser includo por alguns entre

    os casos de composio, apesar de no ter sido essa a posio de nenhum

    dos autores pesquisados.

    Relativamente parassntese, notamos que Carone e Freitas divi-

    dem os exemplos em dois grupos: os que apresentam prefixo e sufixo (os

    mais tpicos) e aqueles constitudos de prefixo e terminao verbal. Cor-

    reia & Almeida, no entanto, preferem no ver exemplos do processo em

    formas como aclarar, repatriar, engavetar e despetalar, as quais apre-

    sentam elementos de flexo verbal em lugar de sufixos propriamente di-

    tos. J Bechara, em funo da proposio de formas virtuais ou tericas,

    desconsidera a existncia de derivao parassinttica como processo de

    12 Observao de Cunha & Cintra (1985, p. 104) caminha na mesma direo: A rigor, a DERIVA-O IMPRPRIA (...) no deve ser includa entre os processos de formao de palavras (...), pois pertence rea da semntica, e no da morfologia. J Monteiro (2002, p. 146) afirma: Trata-se [a converso] de uma situao especial que a rigor no deveria entrar num esquema de descrio do mecanismo derivacional. Por fim, Bechara (2009, p. 372) explica: Os casos de converso recebiam o nome de derivao imprpria. Como a converso no repercute na estrutura do significante de ba-se, muitos estudiosos, com razo, no a incluem como processo especial de formao de palavras (...).

    13 Alm dos autores citados, ver tambm Basilio (1987 e 2004) e Sandmann (1992).

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 23

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    formao de palavras. Para Monteiro, o processo se realiza por meio do

    acrscimo de circunfixo a um radical, advindo dessa caracterstica a de-

    nominao de circunfixao, adotada por alguns a fim de nomear essa

    modalidade de derivao.

    Quanto derivao regressiva, esta vista como sufixal por

    Sandmann, enquanto, para Monteiro, ela se realiza por meio de sufixo .

    J Freitas no v nela um tipo de derivao. Correia & Almeida preferem

    incluir o processo entre os casos de converso, ao passo que Bechara no

    a considera uma modalidade de derivao, mas sim um processo parte,

    chamado formao regressiva. Por fim, Henriques tambm no fala em

    derivao regressiva; prefere o termo regresso, admitindo ainda a possi-

    bilidade de que certos substantivos sejam tirados de verbos hipotticos.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AZEREDO, Jos Carlos de. Gramtica Houaiss da lngua portuguesa. 3.

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    CARONE, Flvia de Barros. Morfossintaxe. 2. ed. So Paulo: tica,

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    CORREIA, Margarita; ALMEIDA, Gladis Maria de Barcellos. Neologia

    em portugus. So Paulo: Parbola, 2012.

    CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramtica do portugus con-

    temporneo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

    FREITAS, Horcio Rolim de. Princpios de morfologia: viso sincrni-

    ca. 5. ed. rev. e ampl. com exerccios e respostas. Rio de Janeiro: Lucer-

    na, 2007.

    HENRIQUES, Claudio Cezar. Morfologia: estudos lexicais em perspec-

    tiva sincrnica. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

  • 24 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    KEHDI, Valter. Formao de palavras em portugus. 2. ed. So Paulo:

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    SANDMANN, Antnio Jos. Morfologia geral. 3. ed. So Paulo: Con-

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    SOUZA-E-SILVA, Maria Ceclia P. de; KOCK, Ingedore Villaa. Lin-

    gustica aplicada ao portugus: morfologia. 18. ed. So Paulo: Cortez,

    2011.

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 25

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    A NO ARBITRARIEDADE ENTRE FORMA E SENTIDO

    Lucia Helena Lopes de Matos (UFRRJ)

    [email protected]

    Em nossos estudos, temos procurado nos alinhar aos fundamentos

    da lingustica cognitiva que aponta para o fato de que as representaes

    de nossas experincias no processam as propriedades e as entidades do

    mundo de forma direta, mas figurativamente e que os significados no

    esto agregados s formas lingusticas, mas so construes mentais pro-

    duzidas pelo sujeito em situaes pragmaticamente definidas por um

    contexto limitado por modelos de cenrios ou molduras comunicativas.

    A autonomia que faz o sujeito optar por uma determinada forma

    para atuar em determinado contexto vai, atravs de processos de inferen-

    ciao, determinar qual a interpretao pertinente que se deve dar quele

    enunciado, resolvendo, de certa forma, a ilimitao da semiose, de que

    nos fala Pierce (1977)

    Trocando em midos, as experincias e conhecimentos que acu-

    mulamos ao longo da nossa existncia ficam armazenados na memria

    em arquivos chamados de domnios que so definidos por reas de senti-

    dos. Entre esses domnios vo ocorrer as projees metafricas, as ativa-

    es de entidades ou subdomnios que selecionam, num processo de sali-

    ncia, a relao metonmica, os deslizamentos semnticos perfilados en-

    tre os membros prototpicos e os membros perifricos e a polissemia. Es-

    sas informaes armazenadas sero acessadas pelo usurio da lngua, or-

    ganizadas em pensamentos e estruturadas em linguagem que se atualiza

    em um determinado contexto, possibilitando que uma mesma forma pos-

    sa ter sentidos diferentes se a situao comunicativa assim o exigir.

    atravs dessas correspondncias entre domnios mentais sancio-

    nados pelos esquemas imagticos, os modelos cognitivos idealizados e os

    esquemas culturais que vai tomando forma a organizao da gramtica

    das lnguas naturais, totalmente contaminada pelos processos figurativos.

    Perfilo-me, dessa forma, com o que diz Chiavegatto (2002, p. 191)

    A faculdade da linguagem , assim, parte de um sistema cognitivo mais

    amplo, o que explica as similaridades que podem ser encontradas entre as ln-guas naturais. A integrao de aspectos das experincias socioculturais aos

    sistemas lingusticos, por seu turno, explica as particularidades que os caracte-

    rizam. Esta feio particularizante das lnguas humanas, fruto da amoldagem das estruturas lingusticas aos conceitos sociocomunicativos, torna, cada ln-

    mailto:[email protected]

  • 26 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    gua natural, fator de instaurao de identidades e referncias, tanto para seus usurios, quanto para a comunidade qual se insere.

    Da podemos concluir que as construes lingusticas, sejam lexi-

    cais, gramaticais ou discursivas so manifestaes do pensamento con-

    ceptual cuja transfigurao em linguagem, na maior parte das vezes,

    representada por processos figurativos.14 importante, porm, observar

    que, embora abrace essa posio, no nos engessamos rigidez de um

    aspecto mentalista que enforma todos os indivduos num mesmo esque-

    ma de competncia, pois isso seria, de certa forma, um retorno s premis-

    sas chomskianas. Precisa-se levar em conta, como alertam Gibbs & Steen

    (1997, p. 3) que, como armazenamos em domnios as experincias tanto

    sociais quanto individuais, possvel que nem todas as pessoas possuam

    um sistema conceptual metafrico com o mesmo grau de complexidade.

    Alm do mais, tambm possvel que partes dessas metforas concep-

    tuais tenham que ser (re)construdas de diferentes maneiras em diferentes

    ocasies (idem). Questes como essas continuaro a ser levantadas e ou-

    tras pesquisas aparecem para preencher lacunas e aperfeioar as j exis-

    tentes, em uma tentativa de dar conta dessas e outras limitaes que no

    abraam a totalidade de um assunto to complexo.

    Apesar de tantas variveis virem tona, o cenrio que se descorti-

    na de um novo paradigma para as questes do significado e consequen-

    temente para natureza da gramtica que cognitiva e semanticamente

    motivada. Segundo Fauconnier, no na forma que est o significado,

    mas ela o guia atravs de pistas produzidas/inferidas pelo produtor/recep-

    tor numa construo que se apoia no somente nas propriedades semnti-

    cas das categorias e suas associaes nos enunciados, mas tambm nas

    propriedades semnticas que no esto visveis, mas so apreensveis pe-

    las correspondncias que cada indivduo faz com as suas experincias,

    com seus modelos cognitivos idealizados (MCI), enfim, com seu conhe-

    cimento de mundo.

    Dentre os processos figurativos que emanam em linguagem, no

    h dvida que a metfora tem sido a mais estudada e, numa hierarquia

    14 Em Metforas da Vida Cotidiana (2002, p. 21), Lakoff & Johnson mostram que a linguagem cotidi-ana densamente metafrica e apenas parcialmente literal (...) Exemplificando: uma frase como o balo subiu no metafrica e tampouco o gato est sobre o tapete (...). Mas to logo nos distan-ciemos da experincia concreta e comecemos falar de abstraes e emoes, a compreenso meta-frica norma.

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 27

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    tropolgica, no h dvidas sobre a primazia da metfora, ainda que essa

    posio no faa justia metonmia.

    No h limites para a metfora segundo explicam Jos Antonio

    Milln e Susana Narotzky na introduo da verso em espanhol de We li-

    ve by porque ela pode manifestar-se em todos os tipos de elementos

    gramaticais, inclusive nas preposies, quase todas espaciais, nas per-

    frases verbais de aspecto (ir, andar, vir, estar, seguir, chegar, etc.), nos

    adjetivos que denotam dimenses fsicas, enfim, muito do sistema lin-

    gustico estruturado em cima de conceitos ou sistemas metafricos an-

    corados na prxis social.

    De fato, a espacialidade, a situao dos objetos em um mundo fsico ori-entado pela gravidade uma importante fonte de metforas em muitas lnguas

    (Acima bom). No entanto, no se pode generalizar; ao que parece, no h

    nenhum universal desse tipo a que se atenham todas as lnguas. As metfo-ras so basicamente culturais e, alm disso, em grande medida prprias de ca-da lngua determinada. (Traduo nossa.)15

    Lakoff & Jonhson demonstram, ainda, que, como existe a metfo-

    ra conceptualizada em termos de espao, ela vai estar presente tambm

    no eixo sintagmtico das frases para produzir efeitos de sentido, j que as

    palavras so dispostas de forma linear umas aps as outras repetindo o

    mesmo esquema conceptual que direcionam nossa compreenso para o

    que seja prximo, distante, longo, curto, primeira posio, mais, menos

    etc., influindo, assim, no contedo que assume um carter motivado pe-

    las nossas experincias cognitivas.

    Eles partem de algumas metforas espaciais (orientacionais) para

    provar de que forma elas vo se manifestar linguisticamente para atuar

    no sentido. Faremos um quadro para melhor visualizar aquilo que eles

    expem:

    METFORA: Manifestao lingustica baseada na metfora conceptual

    Mais forma mais contedo: Ele correu e correu e correu e correu.

    (maior efeito do que Ele correu)

    15 De hecho, la espacilidad, la situacin de los objetos en un mundo fsico orientado por la gravedad es una importante fuente de metforas en muchas lenguas (Arriba, Erguido es Bueno). Sin embargo, no se puede generalizar; a lo que parece, no hay ningn universal de este tipo al que se atengan todas las lenguas. Las metforas son bsicamente culturales, y adems en gran medida propias de cada lengua determinada. (MILLN & NAROTZKY, apud LAKOFF & JONSON, 2001, p. 24)

  • 28 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    Ele muito muito muito alto. (maior efeito do que Ele muito alto). Ele gra-a-a-a-ande! (maior efeito do que Ele grande). Muitos idiomas, em to-

    do o mundo, recorrem ao recurso morfolgico da reduplicao, isto , da repe-

    tio de uma ou duas slabas da palavra, ou de toda palavra. Pelo que sabe-mos, todos os casos de reduplicao, nos diferentes idiomas do mundo, so

    exemplos em que MAIS FORMA indica MAIS CONTEDO.

    Maior proximidade, maior efeito semntico: Quais so os homens mais prximos a Khomein? (maior efeito que: Quais so os homens que exercem

    maior influncia sobre Khomein?)

    Ento quanto MAIS PRXIMA a forma A estiver da forma B, mais forte ser o efeito de sentido de A sobre o sentido de B:

    1) Maria no acha que ele partir amanh e Maria acha que ele no

    partir amanh. Na segunda frase o no nega mais o partir do que o achar, a fora da negativa est mais prxima do predicado mais relevante. 2) Ensinei

    grego para Harry. e Ensinei ao Harry grego. Na segunda frase, em que en-sinar e Harry esto prximos, a sugesto de que Harry realmente aprendeu o

    que lhe foi ensinado maior isto , o ato de ensinar teve um efeito sobre ele.

    Resumindo, em todos esses casos uma diferena de forma indica uma di-ferena sutil de sentido. A natureza dessas diferenas dada pela metfora

    QUANTO MAIOR A PROXIMIDADE, MAIOR O EFEITO, em que a

    PROXIMIDADE se aplica aos elementos da sintaxe da frase, enquanto o EFEITO se aplica ao sentido da frase. 16

    Lakoff & Johnson chamam ateno, ainda, para a coerncia me-

    tafrica na gramtica (2002, p. 229), levando-se em conta a metfora

    conceitual UM INSTRUMENTO UM COMPANHEIRO que pode

    manifestar-se em proferimentos lingusticos como Com esta caneta via-

    jo o mundo e produzo meus textos. Fica claro perceber o porqu de a

    mesma preposio com, que serve ao adjunto adverbial de instrumento,

    servir tambm ao adjunto adverbial de companhia, derrubando, assim, o

    aspecto arbitrrio de determinados signos.

    , tambm, interessante a percepo, segundo eles, de que a met-

    fora orientacional DESCONHECIDO PARA CIMA e CONHECIDO

    PARA BAIXO (Sua sugesto ficou no ar; Assentei minhas propos-

    tas) vai marcar a entonao para cima nas perguntas e a entonao para

    baixo nas afirmaes.

    Observam eles que certas duplas sintagmticas como: Para cima

    e para baixo; Para frente e para trs; Ativo e passivo; Bom e mau; Aqui e

    16 Os exemplos e as explicaes inseridos no quadro foram retirados integralmente de (LAKOFF & JOHNSON, 2002, p. 228)

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 29

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    l; Agora e ento, so mais comuns do que os seus contrrios: Para bai-

    xo e para cima; Para trs e para frente; Passivo e ativo; Mau e bom; L e

    aqui; Ento e agora. Explicam que isso se deve ao fato de guiarmo-nos

    conceptualmente por uma pessoa cannica e termos uma imagem que

    reverte para ns de que somos mais altos do que baixos, estamos mais

    para frente do que para trs, somos mais ativos do que passivos, so-

    mos mais bons do que maus, e, por vivermos no presente, no lugar em

    que estamos, que nos vemos mais aqui do que l, e agora mais do que

    ento (naquele tempo). Esse fato cultural marca nossas experincias que

    se refletiro no nosso modo de dizer (2002, p. 227).

    Em outras palavras, a sintaxe no independente do sentido, especial-mente dos aspectos metafricos do sentido. A lgica de uma lngua baseia-

    se nas coerncias entre sua forma espacializada e seu sistema conceptual, e

    principalmente os aspectos metafricos do sistema conceptual. (2002, p. 234)

    Segundo a concepo aqui levada em conta, a gramtica extre-

    mamente motivada e o significado passa por um processo de pragmatiza-

    o. Visto isso, o sistema lingustico, em seus diferentes nveis de anli-

    se, bastante dinmico e, segundo os linguistas cognitivos, esse fato vai

    pr em questo a dicotomia sincronia/diacronia, j que a funo discursi-

    va est permanentemente atuando na estrutura sinttica das lnguas.

    Dentro da lgica cognitivista, os domnios, por albergarem expe-

    rincias e conhecimentos de mundo, no podem naturalmente ser rgidos

    e inflexveis. Suas categorias, dependendo do contexto (fator de dinami-

    zao das formas/significados e estruturaes sintticas), vo ativar

    membros prototpicos ou perifricos de uma categoria, projet-los em ou-

    tros domnios em processos figurativos, ou acionar seja o valor poliss-

    mico de um item lexical, seja os processos neolgicos que vo dar vitali-

    dade a uma estrutura que, por esse motivo, no se pode olhar pela tica

    da rigidez.

    Na medida em que qualquer enunciao est carregada de valores,

    experincias e at mesmo ideologias, logicamente compartilhados por

    um mesmo grupo social e referendados por um contexto que emoldura-

    do por modelos cognitivos idealizados, esquemas imagticos e modelos

    culturais, h uma implicao do emissor no seu enunciado e um certo

    grau de subjetividade que vai demandar no uso expressivo da linguagem

    e no enriquecimento pragmtico da mesma. Da a hiptese da gramtica

    emergente de Hopper ao assegurar que a gramtica sempre emergen-

    te, nunca presente [...] sempre est se fazendo. Em outras palavras, no

  • 30 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    h gramtica, mas sim gramaticalizao movimentos em estruturas

    que frequentemente se podem caracterizar de maneira tpica.

    As modificaes que as funes discursivas impem estrutura

    fonolgica, lxica e morfossinttica das lnguas marcam, alm dos pro-

    cessos de gramaticalizao, a evidncia da importncia do sujeito na atri-

    buio dos sentidos. Levam-se em conta, assim, a situao comunicativa

    e o texto para as fundamentaes da contextualizao, dificultando traar

    os limites entre os aspectos lgicos e sociais do significado (CUENCA &

    HILFRETY, 1999, p. 186)

    Esta concepo enciclopdica do significado se relaciona com a ideia de

    que no existe uma diferena categrica entre o significado literal e o figurado (donde se incluem as expresses idiomticas, as metforas e metonmias e as

    extenses semnticas como a polissemia). Por outro lado, justifica que a estru-

    tura semntica no se considere universal, porm, at um certo ponto, depen-dente de uma lngua determinada. As habilidades cognitivas e a experincia

    so comparveis entre culturas, mas a maneira como se constri um significa-

    do concreto est sujeito a variveis interlingusticas e culturais. (Idem)

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    CHIAVEGATTO, Valria Coelho Gramtica: uma perspectiva socio-

    cognitiva. In: CHIAVEGATTO, Valria Coelho (Org.). Pistas e traves-

    sias II. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002.

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    Natural Language. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

    GIBBS, Raymond W. Jr.; STEEN, Gerard J. Metaphor in Cognitive Lin-

    guistics. Amsterdam: General Editor E. F. Konrad Koerner (University

    of Ottawa), 1997.

    HOPPER, Paul J. Emergent grammar. In: 13th Annual meeting. Berkeley:

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    LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metforas da vida cotidiana.

    Trad.: Mara Sophia Zanotto. Campinas: Mercado das Letras; So Paulo:

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    ______. Metaforas de la vida cotidiana. Trad.: Carmen Gonzlez Marn.

    5. ed. Madrid: Catedra, 2001. (Coleccin Teorema)

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 31

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    PEIRCE, Charles. Semitica. Trad.: Jos Teixeira Coelho. So Paulo:

    Perspectiva, 1977; Pontes, 2001.

  • 32 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    AS DIFERENTES ACEPES

    ASSUMIDAS PELO ANTROPNIMO

    Andria Almeida Mendes (UFMG/DOCTUM)

    [email protected]

    1. Introduo

    O antropnimo estudado pela antroponmia, abrangendo os no-

    mes prprios. Optou-se por analisar nesse trabalho a primeira proposta de

    subdiviso dos nomes prprios, criada por Leite de Vasconcellos, em

    1887, na Revista Lusitana, I, 45; segundo ele, essa classe de nomes a

    mais importante e prxima do homem tanto no sentido moral como no

    sentido social.

    Para Leite de Vasconcellos, a palavra nome, quando aplicada a

    uma pessoa, tem quatro acepes:

    1) o nome prprio, designao que uma pessoa recebe no batismo,

    no registro;

    2) nome completo, conjunto formado pela designao individual

    propriamente dita, acompanhada de outras designaes que se

    juntam;

    3) nome, qualquer dos elementos do nome, pois a um apelido, ou a

    um sobrenome, pode tambm, em linguagem menos precisa e

    usual ter essa denominao;

    4) alcunha, designao acrescentada ao nome par a ressaltar uma

    particularidade ou uma qualidade fsica ou moral. (VASCON-

    CELLOS, 1928, p. 8-9).

    Trata-se, portanto, de um artigo de reviso bibliogrfica que se

    pautar em analisar a proposta de Vasconcellos (1928), fazendo meno

    tambm ao que dizem outros autores a este respeito.

    2. Antroponmia

    A antroponmia tem como objeto de estudo o antropnimo no-

    mes prprios individuais, nomes parentais ou sobrenomes e alcunhas ou

    apelidos. Essa designao foi proposta pela primeira vez por Leite de

    Vasconcellos, em 1887, na Revista Lusitana, I, 45. Para ele, de todas as

    mailto:[email protected]

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 33

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    classes de nomes, a que est mais prxima do homem tanto no campo

    moral quanto no campo social essa, uma vez que lhe pertence intima-

    mente. (VASCONCELLOS, 1928, p. 3)

    Cmara Jnior (1984) afirma que:

    Geralmente o indivduo se identifica por dois ou mais vocbulos antropo-

    nmicos que formam uma locuo. A, se destaca o prenome, que o nome prprio individual, e o sobrenome, que situa melhor o indivduo em funo da

    sua procedncia geogrfica, da sua profisso, da sua filiao, de uma qualida-

    de fsica ou moral de uma circunstncia de nascimento. (CMARA JNIOR, 1968, p. 53-54).

    Guimares (2002), ao falar sobre o funcionamento da designao

    dos nomes prprios de pessoa, relata que ao pensar a respeito deles, fica-

    se diante da relao nome/coisa, estando diante dos casos em que se tem

    um nome nico para um objeto nico; desse modo, esse nome nico est

    relacionado com aqueles que falam que so sujeitos no dizer. Isto por

    si s ressignifica a questo da relao nome/coisa, na medida em que a

    relao nome/pessoa, nome/falante, nome/sujeito (GUIMARES,

    2002, p. 33).

    Essa relao nome nico para uma pessoa nica, leva-nos a pen-

    sar, segundo o autor, na unicidade do nome sendo, na verdade, uma cons-

    truo em que um sobrenome determina um nome. Essa unicidade efei-

    to do funcionamento do nome prprio como processo de identificao

    social do que se nomeia. Conclui-se que h uma constituio morfossin-

    ttica do nome prprio de pessoa e ela se d como relaes de determina-

    o que especificam algo como sobre o que se nomeia (GUIMARES,

    2002, p. 34). Desse modo, no nome prprio Joo Belchior Marques Gou-

    lart, Marques e Goulart determinam Joo Belchior, informando que esse

    Joo Belchior da famlia Marques Goulart; percebe-se ento que a po-

    sio de um nome ou sobrenome a outro faz com que surja uma relao

    de determinao interna.

    Para o autor, h ainda nomes chamados por ele de terceira classe

    Jnior, Filho, Neto, Sobrinho que tambm possuem um valor determi-

    nativo. No nome Joaquim Mattoso Cmara Jnior, percebe-se que o

    Joaquim Mattoso Cmara, que parente (filho, neto, sobrinho etc.) de

    um outro Joaquim Mattoso Cmara.

    Representado pela doao de um nome, a criana v-se obrigada a

    familiarizar-se com a expresso sonora que a representa.

  • 34 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    O nome doado e conhecido coloca o receptor no centro de convergncias positivas e negativas, ou de vetores de foras que definiro personalidades e

    comportamentos, condutas e estilos de vida, tornando nome e indivduo uma

    s entidade (DICK, 1990, p. 18).

    Resta lembrar que o nome nem sempre era imposto no momento

    do batismo, pois, muitas vezes, o indivduo era batizado j adulto e j

    possua obviamente um nome.

    Foi depois do sc. III, ou por esse tempo, que o nome comeou a dar-se

    no batismo. Vid.: Giry, p. 358; La Grande Encyclop., v, 312; e Duffaut, p.181.

    Na Roma antiga era no oitavo dia, contado do do nascimento, que as crian-

    as do sexo masculino, e no nono as do sexo feminino, recebiam o praeno-men: este dia chamava-se lustricus, por causa da purificao (lustratio) que

    ento se fazia das crianas, com a celebrao de um sacrifcio. Quinto Acvo-

    la, porm, diz que o praenomen nos rapazes s tinha validade pblica depois da imposio da toga viril, e nas raparigas depois do casamento. Vid. Hubner,

    Rmische Epigraphik, 21. (VASCONCELLOS, 1928, p. 29)

    Atualmente, em nossa sociedade, o ato de dar nome a uma pessoa

    obrigao dos pais. A lei estabelece que os pais devem registrar o re-

    cm-nascido atravs da certido, solicitada ao cartrio, que , na verdade,

    Um texto sustentado pela lei, que nomeia e inclui o nomeado no Estado,

    com as obrigaes e direitos advindos desta incluso. Dar nome a uma pessoa se faz, ento, do lugar da paternidade (locutor-pai) que se configura como um

    lugar social bem caracterizado. No a paternidade biolgica que interessa no

    processo, embora o direito coloque a relao biolgica como elemento do lu-gar da paternidade. Mas os pais nomeiam como aqueles que escolhem, segun-

    do querem, um nome. Temos, ento, um enunciador-individual. A representa-

    o desse enunciador apaga a constituio do locutor pela rede jurdica que o instala como pais, no espao enunciativo da Lngua Portuguesa, com certas

    obrigaes de dizer (dar nomes aos filhos, por exemplo). (GUIMARES,

    2002, p. 36)

    Desse modo, para o autor, ao dar o nome aos filhos, os pais to-

    mam-lhes como sujeito; identificando um indivduo biolgico como um

    indivduo para o Estado e a sociedade. Ao nomear Antnio Cndido de

    Melo e Souza, o pai est o colocando na relao social como portador

    desse nome, identificando-o entre os demais.

    Para Leite de Vasconcellos, a palavra nome, quando aplicada a

    uma pessoa, tem quatro acepes:

    1) o nome prprio, designao que uma pessoa recebe no batismo,

    no registro;

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 35

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    2) nome completo, conjunto formado pela designao individual

    propriamente dita, acompanhada de outras designaes que se

    juntam;

    3) nome, qualquer dos elementos do nome, pois a um apelido, ou a

    um sobrenome, pode tambm, em linguagem menos precisa e

    usual ter essa denominao;

    4) alcunha, designao acrescentada ao nome para ressaltar uma

    particularidade ou uma qualidade fsica ou moral. (VASCON-

    CELLOS, 1928, p. 8-9)

    3. O nome prprio de pessoa

    Vasconcellos (1928) observa que os nomes prprios

    nascem, em regra, de expresses da lingua comum, isto , ou de palavra sim-

    ples, de derivados e de compostos, ou de frases ; e referem-se em seus pri-

    mordios, conforme as lnguas, a cousas e fenomenos da Natureza, ao tempo

    (como durao), geografia, a qualidades fisicas e morais dos individuos, a

    circunstancias, necessidades e ocupaes da vida ordinria, religio, ou

    magia, guerra, a domnio (em todo o sentido) a estados sociais, etc. (VAS-CONCELLOS, 1928, p. 23)

    Os nomes nascem, quase sempre, de substantivos conhecidos da

    lngua comum, de adjetivos e particpios e so anlogos ou iguais a ou-

    tros inscritos nas catacumbas romanas, encontrados como usuais prae-

    nomina, nomina, cognomina.

    Quer num caso, quer no outro, os fiis da Lusitnia adaptaram-nos ma-

    nifestao de sentimentos religiosos, de f, humildade, esperana, afecto, por

    exemplo: Amanda, Donata, Felix, Optatus, Servanda, Simplicius. Plausivel-mente tambm a Abundantis, Exuperius, Faustinus e Hilarinus se ligava a

    ideia do contentamento que resultava de entrarem no seio da Igreja os respec-

    tivos individuos. Por outro lado a mr parte dos nomes eram-no de santos, e por consequncia reputados de bom agouro, o que principalmente os devia

    adoptar. De Marturius = Martyrius, diz P.e Delehaye que foi mui frequente do

    sc. IV em diante, como testemunho de honra prestada aos mrtires cristos, considerados no conjunto: Origenes du culte des martyres, Bruxelas 1912,

    p.167. Paulus (= Paullus = paulus ou paullus pequeno) sabidamente cog-

    nome latino; aqui porm teve-se de certo em mente S. Paulo.

    Como efeito do natural esqucimento das origens dos nomes, quando es-

    tes se transmitem de grao em grao, acontece que alguns dos menciona-

    dos, postoque aplicados a Cristos, so o mais pagos possvel: Tiberius, por exemplo, relaciona-se etimologicamente com Tiber, como deus fluvial (vid:

    Usener, p.357; Schulze, p. 470). Por outro lado, Armiger indica originaria-

    mente profisso: o que leva armas de outrem, escudeiro. Glandarius vem

  • 36 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    nos dicionarios apenas como adjectivo de glans-, -dis, lande ou bolota, o que curioso notar, por ser o Alentejo, onde a inscrio apareceu, regio de

    landes e boletas; mas aqui pde.

    Corresponder a um substantivo originario, que exprimisse tambm profis-so: o que negoceia nelas, idia paralela que se contm nos substantivos

    ficarius (negociante de figos), lactucarius (negociante de alface), vinarius (ta-

    verneiro), gallinarius (o que cuida de galinhas ou as vende), porcarius (o que cuida de porcos). Senatrex ou Senatrix, no obstante significar senadora

    (muher de senador), suponho que na nossa inscrio no passa do feminino do

    usual cognome Senator, que figura, por exemplo, no Corpus, II, 5629 (incri-

    o de Galiza), 1959 (inscrio de Cadiz). (VASCONCELLLOS, 1928, p. 26-

    27)

    A escolha por determinados nomes variam de acordo com a po-

    ca; por volta de 1128-1185, os nomes provindos de santos vigoram; o

    que mostra a importncia que a Igreja adquiriu como instituio nacional.

    Aos poucos, os notrios comearam a substituir nos documentos o portu-

    gus ao latim, e conexamente aparecem os nomes prprios com genuna

    nitidez morfolgica. Em documentos do sculo XV e primeiro quartel do

    sculo XVI, aparecem inmeros nomes relacionados com os romances

    cavaleirescos. Inicialmente, os nomes seguiam um princpio de significa-

    o rigorosa:

    quem pela primeira vez se chamou Manarius, que de facto era guerreiro.

    Com o tempo a significao apagou-se ou perdeu-se a quaisquer pessoas, ain-da quelas s quais a antiga significao no convinha de modo algum, ou era

    absolutamente desconhecida. J no sub-pargrafo a vimos um fenomeno ana-

    logo, e adiante, na parte respectivas aos apelidos, tambem veremos que outros se produzem muitas vezes em portugus. O obscurecimento, a que me refiro,

    da significao dos nomes germnicos fazia que por vezes se formassem ma-

    quinalmente nomes binrios cujos membros no se ligavam pelo sentido, e at

    se criassem nomes hbridos, isto , latino-germanicos. A seu tempo se nos de-

    pararo exemplos. Cf. tambm o que se l no Polyptique, p. 264 sgs., e em

    Bhnisch, p. 28-29. (VASCONCELLOS, 1928, p. 28)

    Com o tempo, medida que os nomes foram sendo repassados de

    gerao a gerao, a sua origem foi sendo esquecida e o seu significado

    foi se perdendo. Para Vasconcellos (1928), vrias so as razes para se

    escolher um nome prprio, assim temos: a razo religiosa, a devoo par-

    ticular, a razo de famlia ou de amizade, a razo poltica ou, muitas ve-

    zes, os nomes proveem de arbtrio, acaso, superstio, fantasia, moda,

    gosto, patriotismo local etc.

    Guimares (2002) coloca que a escolha do nome no uma es-

    colha, pois sua origem no est nem no lugar social (locutor-pai) nem

    no lugar de dizer (enunciador individual). Na realidade, ao escolher o

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos 37

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    nome Bruno nome predominante para os meninos cerca de quatro ou

    cinco anos antes do autor publicar o seu livro de acordo com uma repor-

    tagem de jornal o locutor apresenta-se como

    um enunciador-contemporneo, que se caracteriza por enunciar tal como se

    escolhe enunciar num certo momento. Ou seja, a escolha do nome se d segundo um agenciamento enunciativo especfico. Este acontecimento de no-

    mear recorta como memorveis os nomes disponveis como contemporneos,

    prprios de sua poca. Assim, se este enunciador apaga o lugar do pai, o signi-ficia, ao mesmo tempo, como moderno. (GUIMARES, 2002, p. 36-37).

    No caso do nome Bruno, o autor diz que o pai apenas cita a enun-

    ciao de tantos outros pais e de pessoas que se dizem modernos engaja-

    dos no presente. A posio do sujeito ao dar o nome de Bruno ao filho

    a jurdico-liberal nomeia-se por obrigao do estado ; j no caso do

    nome Donizete, tem-se duas posies: a jurdico-liberal e a de sujeito re-

    ligioso. Uma nomeao pode ento cruzar diferentes regies do interdis-

    curso e o agenciamento enunciativo especfico afetado pela memria

    do dizer, pelo interdiscurso. (GUIMARES, 2002, p. 37)

    Antigamente, o processo de nomeao era diferente, era comum o

    indivduo usar um nome avulso, ou seja, sem sobrenome ou apelido, se

    no usavo muyto as alcunhas e apelidos, que s os patronymicos ser-

    vio; e ainda s vezes se no punha mais que o nome prprio (BRAN-

    DO, 1690, p. 171 apud VASCONCELLOS, 1928, p. 85).

    Em geral os Gregos tambem tinham um s nome, acompanhado do do pai em genitivo: Demstenes, filho de outro (Salo-

    mon Reinach, pigr. Grecque, p.508). Nas aldeias ainda hoje se encontram

    pessoas, sobretudo mulheres, que no tm mais que um nome, seguido s ve-zes de um complemento que designa o pai ou o esposo: Maria do Bernardo

    (vid. infra, parte II: sobrenomes tirados de nomes de pessoas). As crianas na-

    turalmente s tm o nome prprio. (VASCONCELLOS, 1928, p. 95).

    Porm, o que se v atualmente que o nome individual vem sem-

    pre acompanhado de um sobrenome ou de um apelido, ou at de vrios.

    O uso de multiplicidade de nomes visto por Vasconcellos (1928, p.

    357) como prprio da dinastia de Bragana, s sendo encontrado por ele

    exemplos de Dona Maria I em diante; o que no significa que antes no

    houvesse. A rainha em questo chamava-se Maria Francisca Isabel Josefa

    Antonia Gertrudes Rita Joana; em que em Josefa poderemos ver aluso

    a seu pai D. Jos I, e em Joana aluso a seu av D. Joo V; quanto aos

    outros sobrenomes, nada certo posso informar. (VASCONCELLOS,

    1928, p. 357).

  • 38 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    4. Sobrenome

    O sobrenome um patronmico, ou seja, um nome representado

    por um genitivo derivado do nome do pai, o qual, na Idade Mdia, indi-

    cava a filiao; nome de pessoa; expresso religiosa ou outra; que se jun-

    ta imediatamente ao nome individual.

    Costume muito antigo, nos povos indo-europeus, e noutros, era o de, quando numa narrao se mencionava um indivduo, ou este assinava um do-

    cumento, indicar seguidamente ao nome dele o do pai. Circunscrevendo-nos

    nas inscries lusitano-romanas, como fonte mais directa do que adiante vai expor-se, a encontramos, por exemplo: Camalus Born f(ilius), no AP, II, 130;

    Avita Marci f(ilia), ib., XV, 322; ou sem f: M. Frontonius Frontoni, ib.,

    XXV, 10. A idade-mdia continuou o mesmo costume de pospor ao nome do individuo o nome paterno em genitivo. Os documentos do-nos muitos exem-

    plos, do sculo IX em diante, como veremos; e j de sculos anteriores devia

    haver outros.

    A filiao exprimia-se: 1) ou por um genitivo em -i, que era comum a ou-

    tras relaes, e bem assim em -e (e -ae), -is, -onis (e -oni), -anis (e -ani); 2) ou

    por um genitivo com sufixo proprio, isto , em -az, -oz, -uz, e em -iz (tornando depois, -ez, -es, etc), ainda que nem todos com igual frequncia. Aos nomes

    formados deste modo, e agregados aos nomes de batismo, como significati-

    vos de estirpe paterna, costumam os gramaticos chamar patronimicos. Cha-mam especialmente assim aos que tm sufixos prprios (...) (VASCONCEL-

    LOS, 1928, p. 101-102).

    Em meados do sculo XV, principia a decadncia desse sistema

    de nomeao atravs do patronmico, chegando esse sistema totalmente

    desorganizado no sc. XVI. Mas o que ocasionou a decadncia e o desa-

    parecimento do patronmico? Uma das principais causas a

    confuso que provinha de fazer de apelido um simples patronmico: Afonso

    Fernandez. Quantos Afonsos no havia cujos pais se chamassem Fernando? Como distinguir tantas pessoas umas das outras? Esta confuso existiu sem-

    pre, porm com o tempo aumentou. Seria importante verificar em que regio

    ou localidade a confuso era maior, e onde pois comeou a decadncia do sis-tema. Naturalmente comeou em Lisboa, como povoao cosmopolitica, tanto

    mais que do sc. XIV em diante a Extremadura a provncia onde a popula-

    o parece ter crescido mais: Gama Barros, Hist. da admin., II, 152. Em 1490 inculca-se acrscimo considervel no nmero dos habitantes de Entre-Douro-

    e-Minho e Trs-os-Montes: Gama Barros, ib., II, 298. A confuso a que acima se fez referencia obrigava adjuno de alcunhas ou apelidos geograficos, os

    quais como j em parte temos visto, iam substituindo e suplantando os patro-

    nimicos. (VASCONCELLOS, 1928, p. 117-118).

    O referido autor ainda coloca que a esse fator, deve-se somar o fa-

    to de, no sculo XV, Portugal comear a se relacionar com a frica e ou-

    tros pases; esse contato com forasteiros fez com que surgissem novos

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 02. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    apelidos, contribuindo tambm para modificar o sistema antigo de deno-

    minao, fazendo com que, com o tempo, as pessoas deixassem o antigo

    sistema de nomeao e substitussem-no por outro. Cabe lembrar que o

    patronmico no deixou de existir, continuou existindo, mas degenerado,

    perdendo o seu primitivo papel.

    Ana Maria Alves (1983), em seu livro Onomstica de Lisboa

    Quinhentista. Subsdios para um estudo de mentalidades na 2 metade do

    sculo XVI, coloca tambm como motivo a alta concentrao de certos

    nomes, tais como: Antnio, Joo, Pedro, Francisco, Manuel, Domingos;

    aliado extrema monotonia dos nomes de famlia. Segundo ela, isso pro-

    duziu o que se poderia chamar de um empastelamento da individuao

    e uma necessidade absoluta de recorrncia a outros dados para uma iden-

    tificao completa do indivduo. (ALVES, 1983, p.130-131 apud DICK,

    1990, p. 184)

    Muitas vezes, utilizava-se tambm o sobrenome igual ao nome

    prprio de pessoas ou sobrenomes propriamente ditos, isto , no decli-

    nados. As vezes, em lugar de patronimico, ou de genitivo, junta-se ao

    nome de um indivduo um nome simples, que, quando no vem acompa-

    nhado de cognomentum, ou expresses si