C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

download C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

of 220

Transcript of C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    1/220

    C. Robert Mesle

    Teologia doProcesso

    uma introdução básica

    Capítulo final por John B. Cobb, Jr.

    PAULUS

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    2/220

    Coleção NOVOS CAMINHOS DA TEOLOGIA

    Coordenação editorial: Jung Mo Sung 

    • Deus em nós - O reinado que acontece no amor solidário aos pobres, Hugo Assmann e Jung Mo Sung

    • A maldição que pesa sobre a lei -As raízes do pensamento crítico em 

    Paulo de Tarso, Franz Hinkelammert

    • Um Jesus popular - Para uma cristologia narrativa, Néstor Míguez• Teologia do processo - Uma introdução básica, C. Robert Mesle

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    3/220

    C. ROBERT MESLEJOHN B. COBB, JR. (último capítulo)

    TEOLOGIA DO PROCESSO

    Uma introdução básica

    PAULUS

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    4/220

    Título original: Process Theology: A Basic Introduction© 1993, Chalice Press, St. Louis, USAISBN-10: 0-827229-45-3ISBN-13: 978-0-827229-45-7

    Tradução: Luiz Alexandre Solano Rossi

    Diretor editorial: Claudiano Avelino dos Santos Assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes Revisão: Iranildo Bezerra Lopes 

    Tiago José Rísí Leme Renan Damaceno

    Diagramação:  Ana Lúcia Perfoncio Capa:  Anderson Daniel de Oliveira Impressão e acabamento: PAULUS

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Mesle, C. RobertTeologia do processo: uma introdução básica / C. Robert Mesle; [tradução BarbaraTheoto Lambert]. -1. ed. - São Paulo: Paulus, 2013.Título original: Process theology: a basic introduction.ISBN 978-85-349-3687-3

    1. Deus 2. Fé 3. Processo - Teologia 4. Vida cristã I. Título.

    13-06443 CDD-230.046

    (ndices para catálogo sistemático:1. Teologia do processo: Cristianismo 230.046

    1' edição, 2013

    © PAULUS - 2013Rua Francisco Cruz, 22904117-091 - São Paulo (Brasil)Tel.: (11) 5087-3700 - Fax: (11) 55793627 www.paulus.com.br [email protected] 

    ISBN 978-85-349-3687-3

    http://www.paulus.com.br/mailto:[email protected]:[email protected]://www.paulus.com.br/

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    5/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    DEDICATÓRIA

    A meus pais, que me ensinaram como fazer teolo-gia. Eles me ensinaram, querendo eles ou não,

    que a teologia deve ser sobre valores, e que a teologiacristã, especialmente, deve ser sobre o amor. Tenhotentado explorar a natureza do amor, perguntando:"Como deveria ser um Deus amoroso?". Esse é o as-sunto deste livro.

    Para Barbara, que acredita neste livro. E para Sa-rah e Mark. Eu os amo mais do que chocolate - atémais do que a nossa calda quente de "fudge" sobresorvete de baunilha e brownies,  com um pedaço dosagrado "fudge" ao lado.

    5

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    6/220

       T   e   o    l   o

       g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a    i   n   t   r   o

        d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    AGRADECIMENTOS

    Vários colegas dispuseram de seu valioso tempo,oferecendo comentários sobre este manuscrito,pelos quais sou muito agradecido. Roger Yarringtonfez com que tudo acontecesse, e respondeu aos meusdesvios no curso deste trabalho com mais paciênciae gentileza do que eu merecia. Estou em profundadívida para com ele de muitas maneiras. Jim Willcontinua a ser meu professor e amigo. Rod Downingmudou o curso deste manuscrito ao me desafiar so-bre preocupações ecológicas e de libertação. JeromeStone ajudou-me sem saber. Barry Whitney foi deenorme ajuda, especialmente por ser um amigo queeu não havia conhecido. E, naturalmente, John Cobbme inspirou desde o início, ajudando-me até o fim.

    Irene Shepherd merece reconhecimento especialcomo uma das minhas primeiras conselheiras sobreeste manuscrito. Obrigado, Rene.

    Howard Booth sempre me encorajou e apoiou,refreando meu naturalismo de maneira muito útil. Éagradável quando acreditam em você.

    Minha esposa, Barbara, merece agradecimento

    especial por me ajudar com o capítulo sobre o fe-minismo. Ela tem sido minha professora há muitos

    7

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    7/220

    anos e continuará sendo pelos anos que ainda estãopor vir.

    Muitos outros me ajudaram com sugestões, de-

    sa&os e paciência ao longo dos anos. Agradeço a to-dos eles.

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    8/220

       T   e   o    l   o

       g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    INTRODUÇÃO

    Deus é amor (1 João 4,16).

    O fundamento para este livro, pois, é a convicção de 

    que um magnífico conteúdo intelectual... está implícito 

    na fé religiosa, mais resumidamente expressa em três 

    palavras - Deus é amor -, palavras as quais eu creio 

    sinceramente são contraditas de modo tão verdadeiro quanto o fato de estarem incorporadas ao que melhor 

    se conhece das teologias antigas.1

    // npeologia do processo" é o nome do esforço feito JL para que a afirmação da fé cristã básica de que

    Deus é amor faça sentido no mundo moderno. Essanão é uma tarefa fácil. Ela requer que repensemos anatureza tanto de Deus quanto do mundo.

    Por que necessitaríamos de uma nova teologia?Por causa do mal, da ciência moderna, dos estudosmodernos da escritura e da revelação que nos con-frontam com suas origens históricas humanas; porcausa do aumento do contato com outras religiõesmundiais, do feminismo e da nossa habilidade em

    1. Charles Hartshorne, Man's Vision of  Cod (Archon Books, 1964), p. ix.Como a maioria dos teólogos do processo, Hartshorne agora evita a lingua-gem sexista - como Homem - neste título.

    9

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    9/220

    destruir o mundo através da poluição e de armas nu-cleares. Ao longo dos anos, tenho me convencido deque a teologia do processo confronta cada uma des-

    sas realidades com respostas que fazem muito maissentido do que muitas visões tradicionais de Deus.Embora os teólogos do processo com frequência vi-sem a problemas econômicos, políticos e sociais, pa-rece-me apropriado que esta introdução foque sobreo conceito de divindade que fundamenta e motiva taltrabalho.

    A maior parte deste livro discute o teísmo doprocesso - um modo de repensar o conceito de Deuscomo o Sujeito divino que ama, deseja, planeja e agena natureza e na história humana. Podemos dizerque esse Deus é um ser divino, mas provavelmenteisso causará mais confusão do que esclarecimentos.Teístas do processo relacionai partilham a insistên-cia de Paul Tillich de que devemos pensar em Deuscomo um ser divino (apesar de poderoso etc.) emmeio a outros, a quem podemos ou não encontrar.Mas os teístas do processo não partilham a visão dePaul Tillich de que Deus é um Ser em-si-mesmo (oumesmo a criação em si mesma).

    Preferencialmente, eles concebem Deus comoum ser no sentido de que Deus é o sujeito de sua pró-

    pria experiência como Deus, é consciente, ama, pia-neja e age. Mas como ficará mais claro no decorrerdeste livro, a experiência de Deus inclui a experiên-cia de cada criatura e a experiência que cada criaturanecessariamente incorpora, a cada momento; umaexperiência de Deus. Assim, a visão de como Deuse o mundo estão interligados não se encaixa perfei-

    tamente em qualquer dos caminhos tradicionais outillichianos de pensar. É para lembrar aos leitores so-

    10

       C .   R

       o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    10/220

       T   e   o    l   o

       g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a    i   n   t   r   o

        d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    bre esse fato que falarei do Deus do processo como oSujeito divino. Também, é importante falar de um te-ísmo do processo-relacional como sendo diferente de

    muitas teologias modernas e naturalismos religiososque falam de "Deus" em termos de amor humano,processos naturais e assim por diante.

    Naturalmente, nem todos os teístas do processopensam da mesma forma. Visando à simplicidade e àbrevidade, simplesmente ignorarei as discordânciastécnicas entre os teólogos do processo e focarei nas

    idéias mais amplamente aceitas. Esta visão apresen-tada aqui é meu próprio esforço em descrever a for-ma do teísmo do processo que faz mais sentido paramim. Minha meta, da Parte I até a Parte III é explicaro teísmo do processo do modo mais simples e claroque eu puder, de modo que você, leitor, possa con-siderar por si mesmo se isso faz ou não sentido para

    você.Também gostaria de reconhecer que este livro

    é escrito fundamentalmente para um público cris-tão. Isto é somente uma expressão de minha própriainadequação. Penso que não entendo outras comuni-dades religiosas bem o suficiente para ter confiançaem poder abordar estes pensamentos diretamentede acordo com as suas preocupações e perspectivas.Deve ser enfatizado, entretanto, que existem teístasdo processo judeus e teístas do processo unitaria-nos não cristãos, assim como budistas e outros queestão em sério diálogo com o pensamento processo--relacionai. E, certamente, nem todos os naturalistasdo processo pensariam em si mesmos como cristãos.Assim, se este livro chamar a atenção de leitores não

    cristãos, espero que eles vejam que o intento destaobra é abordar questões que são humanas, inter-re-

    11

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    11/220

    ligiosas e globais, e fazer isso com a maior abertu-ra possível aos valores das religiões e povos não

    cristãos.

    O significado de teologia “tradicional” ou “clássica”

    Do começo ao fim deste livro, serão feitas refe-rências às visões "tradicional" ou "clássica" de Deus.

    Obviamente, dois mil anos de teologia cristã produ-ziram uma vasta gama de compreensões de Deus.No entanto, penso que seja razoável apontar parauma tradição prevalecente, familiar à maioria doscristãos. Na visão tradicional ou clássica, Deus é oni-potente (possui todo o poder que existe, pode fazerqualquer coisa que queira, que não seja contradito-ria a Si mesmo), é onisciente e eterno (permanecefora do tempo, de modo a ver todo o tempo de umasó vez, e por isso conhece o "futuro" infalivelmente),e é absolutamente imutável em todo o aspecto. Tam-bém, muitos cristãos modernos diriam que Deus li-mita o poder do próprio Deus a fim de permitir espa-

    ço para a liberdade humana. Eu poderia dizer mais,mas isto seria bastante familiar. Assim, peço perdãoàqueles que têm plena consciência da diversidadeda teologia cristã, mas espero que minha abordagemseja vista como razoável para um livro introdutóriodeste tipo.

    A parte difícil: repensar os fundamentos filosóficos

    O apelo à experiência humana comum é básicoao pensamento do processo. A frase "experiência hu-mana comum" tem realmente dois significados. Ela

    12

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    12/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    parcialmente se refere a experiências "ordinárias",tais como sentir dor, tristeza ou alegria, saborear cho-

    colate, enxergar as cores ou ficar irritado. Mas elatambém se refere àquelas dimensões da experiênciaque são absolutamente universais, porque elas sãoelementos necessários para qualquer experiência. Ospensadores do processo trabalham duro para obtersuas crenças a partir dessas experiências. Nesse as-pecto, muitas pessoas percebem que partilham idéiasdo processo o tempo todo. Isso torna a explicaçãomais fácil. Ao mesmo tempo, no entanto, a teologiado processo repousa sobre algumas idéias a respeitoda natureza da realidade, que são fundamentalmen-te diferentes daquelas das teologias tradicionais. Seficássemos somente na superfície, poderiamos evitar

    falar a respeito dessas diferenças e manter as coisassimples. Mas isso seria uma má teologia.

    É um simples fato histórico que os antigos filó-sofos gregos como Platão e Aristóteles tiveram umimpacto profundo na teologia cristã - um impactoque talvez a Bíblia nunca tenha tido. Mas raramente

    estamos conscientes das hipóteses filosóficas sobre arealidade que fundamentam nossas teologias tradi-cionais. Entretanto, pessoas que nunca ouviram falarde Platão ou Aristóteles têm herdado as formas ru-des de suas idéias. E é impossível fazer revisões teo-lógicas verdadeiramente fundamentais sem desafiar

    essas origens gregas. Isso se tornará gradualmenteóbvio à medida que você ler este livro.

    Quando você pergunta: "Como Deus age? , amaioria das teologias tradicionais não tem respos-ta. "Ele apenas age!" Mas a teologia do processo éestimulante e intelectualmente responsável precisa-

    mente porque ela realmente tenta falar sobre como13

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    13/220

    Deus age no mundo. É estabelecendo a ideia de Deusdentro de uma visão abrangente da realidade que os

    teólogos do processo são capazes de abordar commaior clareza as questões difíceis que nos confron-tam atualmente. Para compreender essas respostas,entretanto, será gradualmente necessário ocupar-seda tarefa desafiadora de repensar nossas visões bá-sicas da realidade. Devemos examinar a natureza dotempo, do poder, da liberdade e do relacionamentoentre mentes e corpos.

    Minha estratégia é começar com uma visão ge-ral muito simples, que é essencialmente uma listade ideias-chave. Então, ainda evitando as questõesfilosóficas mais difíceis, quero pintar um retrato maisconectado daquilo que eu mais gosto na teologia doprocesso. Só então voltaremos nossa atenção ao exa-me cuidadoso de questões específicas.

    Meu motivo:teologia do processo como um modelo ético

    A teologia do processo é verdadeira? O Deus queela descreve realmente existe fora da nossa imagi-nação humana? Eu não sei. Na verdade, eu me vejocomo um naturalista do processo, e explorarei issobrevemente na Parte IV. Por que, então, defendo oteísmo do processo tão apaixonadamente nestas pá-ginas?

    Primeiro, a teologia do processo poderia ser ver-dadeira. Isso faz sentido. Ela envolve e trabalha comfatos confusos da vida, sofrimento, ambiguidade,discernimento científico, pluralismo religioso, femi-nismo e ecologia, enquanto as teologias tradicionais,

    14

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    14/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    a meu ver, veem essas questões como embaraços aserem acomodados ou explicados posteriormente. A

    teologia do processo me parece ser consistente emsi mesma e consistente com o mundo em que vivo.As teologias tradicionais, em minha visão, não o são.Dessa forma, a teologia do processo merece um es-tudo sério. Isso faz sentido. Isso pode ser verdadeiro.

    Segundo, mas simplesmente tão importante

    quanto, eu ensino o valor da teologia do processoporque ela tem uma boa ética. A teologia do proces-so tem me ensinado uma maneira melhor de refletirsobre o que a ideia de "Deus" significa. Francamen-te, eu acho a ética do Deus tradicional terrivelmen-te errática e frequentemente demoníaca. Na Bíblia,e em muito do pensamento cristão, Deus tem sidodescrito como diretamente disposto a causar grandesmales: guerra, escravidão, praga, fome e mesmo adureza dos corações humanos. Na melhor das hipó-teses, Deus tem sido retratado como alguém que ficade lado, permitindo o sofrimento desnecessário que"Ele" podería facilmente ter impedido. Para defender

    nossas idéias sobre Deus, somos impelidos a virar doavesso nossas idéias sobre o bem e o mal, a fim deexplicar por que é realmente bom para Deus permi-tir tão grande sofrimento.

    A teologia do processo tem me ensinado que nãoexiste uma razão simples para deixar nossas velhas

    idéias sobre o poder divino nos forçar para um cantoonde devemos persuadir a nós mesmos que malda-des brutais são realmente boas. Ela tem me apresen-tado um modelo de um Deus que é genuinamenteamoroso em um sentido direto e inteligível. O Deusda teologia do processo faz tudo dentro do poder di-

    vino para trabalhar para o bem.15

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    15/220

    Muitos teólogos modernos apontariam mui-to justamente que qualquer visão da divindade oumesmo da natureza que os humanos criam deve serentendida como um modelo ou mito. A teologia doprocesso, nesse sentido, é um mito completamentemoderno precisamente na extensão de que ela criati-vamente guia o caminho e se baseia em nossas lutasmodernas da melhor forma para visionar a naturezada realidade, o significado do amor e a profundidade

    do sagrado, da maneira como experimentamos hoje.Assim, mesmo que o Deus do teísmo do processodeva deixar de existir, ou mesmo que não exista ne-nhum ser divino, mesmo que achemos mais útil pen-sar em todo o empreendimento como sendo a criaçãode mitos ou modelos, estou convencido de que a teo-

    logia do processo merece nossa mais séria atenção. Omodelo ético que a teologia do processo nos mostrapode transformar toda a nossa forma de pensar sobrereligião, vida e valores. Eu estimulo você a refletirsobre isso com a mente e o coração abertos.

    O fato de eu ter tomado a decisão incomum de

    incluir um capítulo (capítulo 17) que genuinamentedesafia a teologia apresentada neste livro, é porqueme parece importante que a teologia do processo te-nha a última palavra da forma mais forte possível.Fiquei encantado quando John B. Cobb Jr., que euvejo como o preeminente teólogo do processo, con-

    cordou em escrever um capítulo conclusivo para olivro. Especificamente, ele concordou em refletirsobre três questões fundamentais: Por que necessi-tamos de Deus para que o mundo faça sentido navisão processo-relacional? Que diferença o Deus doprocesso faz no mundo de nossa experiência? Queoutras contribuições o pensamento do processo pode

    16

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    16/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    dar, além das discutidas neste livro? Dr. Cobb abordaessas questões com sua costumeira clareza, discerni-

    mento e sabedoria.Alfred North Whitehead, sobre cujos discerni-

    mentos muito do pensamento do processo é funda-mentado, oferece bons conselhos para a jornada naqual estamos prestes a embarcar.

    E permanece a reflexão final de quão superficiais,

    insignificantes e imperfeitos são os esforços para fa-zer soar as profundezas na natureza das coisas. Nadiscussão filosófica, a mera sugestão de uma certezadogmática quanto à finalização de uma afirmação éuma exibição de insensatez.2

    Whitehead concordou com Platão que qualquer

    esforço nos dá, na melhor das hipóteses, uma "estó-ria provável". Ademais, a própria questão merece erequer paixão, assim como a vida merece e requerconvicção e abertura semelhantes. Junte-se à jornadacomigo por um tempo, mesmo que eu mostre algu-ma insensatez.

    2. Alfred North Whitehead, Process and reality: As Essay in Cosmology,The

    Free Press, edição corrigida, Griffin and Sherburne (orgs.), 1978, p. xiv.

    17

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    17/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    PENSAMENTO DO PROCESSO: UMA VISÃO GERAL

    Δλ

    ntes de embarcar numa longa jornada, geral-mente é recomendado checar um mapa para

    uma previsão do lugar aonde você está indo. Quantomais território o mapa cobrir, menos ele lhe contasobre cada passo ao longo do caminho. Os detalhes

    das saídas da rodovia e as ruas de retorno e, espe-cialmente, a beleza do cenário são descobertos maistarde. Ainda assim, o grande mapa da rodovia é útilpara nos orientar.

    Essa visão geral pretende cumprir tal função. Elalhe dá uma inspeção bastante condensada do terreno

    do pensamento do processo, porém sem as explica-ções detalhadas, os argumentos ou as lutas mais pro-fundas. Ao ler o livro, você pode desejar retornar aessa visão geral periodicamente, pois as amplas afxr-mações feitas aqui ganham profundidade e significa-do em sua mente. Ao final do livro, você deveria sercapaz de ver o mundo maior e mais bonito do queesse mapa resumidamente esboça para você.

    A visão do processo

    Todas as coisas fluem. A realidade é relacionai

    por completo. A realidade é um processo social.19

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    18/220

    A liberdade é inerente ao mundo. Ser um indiví-duo - seja uma mente humana ou uma partícula ele-mentar - é ser autocriativo. Mas cada indivíduo devecriar a si mesmo a partir de tudo o que aconteceuantes. Decisões passadas tanto alimentam quanto li-mitam as possibilidades do presente. Dentro desseslimites, o futuro está aberto.

    A experiência é rica e complexa. A clareza daexperiência do sentido está fundamentada em expe-riências mais profundas, porém mais vagas do nossorelacionamento com o processo do mundo. Adequa-ção a esta riqueza de experiência é o teste definitivode nossas idéias.

    O mundo é rico com vida. O universo não estácentrado ao redor dos seres humanos, e nós certa-

    mente não somos as únicas criaturas que experimen-tam dor e prazer. O "domínio" provou ser um modeloteológico trágico para compreender nosso relaciona-mento ético com este mundo. Ao invés disso, deve-mos ver a nós mesmos como participantes de umafrágil e complexa rede de relacionamentos na qual

    toda criatura tem algum valor.

    Teísmo do processo

    Deus é amor. Isto é, Deus é o único Sujeito cujoamor é o fundamento de toda realidade. E através doamor de Deus que todas as coisas vivem, se moveme têm seu ser. Deus é o supremamente relacionado,partilhando a experiência de toda criatura e sendoexperimentado por toda criatura.

    O poder de Deus no mundo é necessariamen-te persuasivo, não coercitivo. Deus age pela autor-

    20

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    19/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    -revelação. Deus, que é a fonte de nossa liberdade,não pode coagir o mundo.

     Jesus, também, tinha liberdade. Ele escolheu sercompletamente responsável ao chamado e ao amorde Deus. Desse modo, sua vida e morte revelam ocaráter do amor de Deus e o chamado de Deus a cadaum de nós.

    Porque Deus ama perfeitamente, Deus sofre com

    o mundo, chamando-nos a cada momento atravésda divina autorrevelação, partilhando uma visão dobem e do belo. Deus não pode  anular nossa liberda-de, mas espera nossa livre resposta, constantementee com infinita paciência, procurando criar o melhorque pode ser obtido de cada escolha que fazemos.

    Deus é onisciente, conhecendo tudo o que existepara ser conhecido perfeitamente. Mas isso significaconhecer o futuro como aberto, como uma gama depossibilidades e probabilidades, não fixas ou estabe-lecidas.

    Deus é coeterno com o mundo e partilha a aven-

    tura do tempo conosco. Sempre existiu um mundode algum tipo no qual Deus tem sido criativamenteativo.

    Deus é onipresente. Cada pessoa (na verdade,cada criatura) a cada momento está experimentandoDeus como o fundamento, tanto da ordem quanto

    da liberdade. Deus, imediatamente, torna a liberda-de possível e nos chama para escolher o bem, paraescolher a visão de Deus para o mundo. Assim, Deustrabalha no mundo através de uma autorrevelaçãocontínua e universal.

    Mas nossa experiência de Deus está inerente-

    mente entrelaçada com a nossa experiência do mun-21

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    20/220

    do, de modo que elas moldam uma à outra. Deusluta para nos alcançar através do vidro escuro queobscurece nossa visão. Assim, a revelação é onipre-sente e contínua, mas sempre ambígua.

    Similarmente, Deus é o fundamento do vir a ser  do mundo. Tanto na natureza quanto na história,Deus age no mundo pela autorrevelação. Mas aqui,também, o poder de Deus está inerentemente entre-laçado com o poder do mundo.

    Cada evento reflete tanto o poder de Deus quan-to o poder do mundo. O mundo pode ser mais oumenos responsivo para com Deus, mas não existemeventos separados em nosso mundo que permaneçamfora das leis da natureza e da história para os quaispodemos apontar e dizer: "Deus fez isso sozinho".

    22

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    21/220

    PARTE I

    UMDEUS DIGNO DE ADORAÇÃO 

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    22/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    Capítulo 1

    AMOR, PODER E ADORAÇÃO

    Importa se alguém nos ama. Não há experiênciahumana mais fundamental para a fé e a tradiçãocristãs do que a transformação maravilhosa de seramado quando menos o merecemos. Ela é o própriocoração do evangelho do Novo Testamento, no qual

    a vida e a morte de Jesus revelam o amor incondi-cional e gratuito de Deus. "Por isso, o amor de Deusé manifesto entre nós...", "Enquanto éramos aindapecadores....", "Amados, se Deus nos amou de talmaneira...", "Nós amamos porque ele nos amou pri-meiro".

    Na teologia do processo, Deus está constante-mente, a todo o momento e em todo lugar, fazendotudo dentro do poder dele a fim de trazer o bem. Opoder divino, no entanto, é persuasivo e não coerci-tivo. Deus não pode  (realmente não pode) forçar aspessoas ou o mundo a obedecer à sua vontade. Ao

    contrário, Deus trabalha ao partilhar conosco umavisão do melhor caminho, do bem e do belo. O poderde Deus se fundamenta na paciência e no amor, nãona força.

    Isso não significa dizer que Deus é "fraco" ou fi-nito. Teólogos do processo argumentam que simples-

    mente compreendemos de maneira errada a nature-25

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    23/220

    za do poder divino. Uma pessoa pode levantar umapequena pedra. Dessa forma, pensamos que Deus,

    com infinito poder, deve ser capaz de levantar pe-dras infinitamente grandes. Um pai pode puxar umacriança descuidada da frente de um carro; da mesmaforma Deus deve ser capaz de abrir o Mar Vermelhoe salvar os israelitas.

    Mas nós temos mãos, e Deus não. Ou melhor,

    quando mãos são necessárias, Deus deve contar comas mãos das criaturas para fazer esse trabalho. Nossopoder é de um tipo que surge de nossa existência empequenos corpos orgânicos com olhos, orelhas, mãose um sistema nervoso. Assim, enquanto levantamosrochas e puxamos braços, nosso poder é severamentelimitado no tempo e no espaço. Deus não tem um

    corpo como o nosso (embora possamos pensar nouniverso inteiro como sendo o corpo de Deus). Deusnão tem mãos próprias, com as quais possa levantare puxar. Assim, Deus não pode fazer algumas dascoisas que nós podemos. O poder de Deus é de umtipo radicalmente diferente do nosso de muitas ma-

    neiras - mas não sem alguns pontos de contato. Opoder de Deus é infinito, eterno e universal. O poderde Deus é o poder que permite que toda a realidadecontinue seu avanço criativo, que torna as criaturaslivres, que partilha a experiência de toda criatura e éexperimentado por toda criatura. O poder criativo de

    Deus sustenta o universo. Dessa forma, o poder deDeus é infinitamente maior do que o nosso, e muitodiferente. Porém, é somente por meio das criaturasdo mundo que Deus tem mãos.

    Muitas pessoas, no entanto, respondem inicial-mente à teologia do processo dizendo que um Deus

    que não tem o poder de controlar o mundo não é26

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    24/220

       T

       e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    realmente Deus. Talvez esta seja uma reação com-preensível, dada a nossa tradição, mas eu o estimulo

    a deixar para trás essa ideia. É o poder de levantarrochas que garante a adoração? Fundamentalmente,é o  poder  ou o amor  de Deus que leva você ao amorde Deus, a adorá-lo, a desejar comprometer sua vidaa serviço dele?

    O que significa para Deus ser adorado? Obvia-

    mente, existem muitas maneiras de adoração. Pes-soas têm adorado deuses por medo, oferecendo sacri-fícios para aplacar a ira divina. Pessoas têm lançadovirgens de penhascos, arrancado fora os corações deescravos, e mesmo assassinado seus próprios filhospor medo da ira de deus (tais deuses, naturalmente,estão sempre entre nós em forma de guerra, ganân-cia, pobreza e ignorância). Não posso falar por você,mas, apesar de um poder absoluto cheio de ira poderforçar minha obediência, ele não pode vencer minhaadoração amorosa.

    Além do medo, pessoas podem também adorarno sentido de experimentar temor. Isso pode ser mais

    saudável. Certamente, a maioria de nós fica impres-sionada diante da beleza dos céus, da majestade dasmontanhas e da delicada arte das borboletas. Lem-bre-se, no entanto, de que os tornados também sãoimpressionantes. Explosões nucleares são impressio-nantes. Um grande mal pode ser impressionante.

    Para mim, o único tipo de temor que é adoraçãoautêntica é o temor inspirado pela grande bondadeou valor. Minha razão é simples. Adorar apropriada-mente é centralizar nossas vidas ao redor de algumacoisa, a ver isto como o foco próprio do nosso com-promisso fundamental. Força bruta pode evocar meu

    medo e mesmo meu temor, mas não minha adoração.27

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    25/220

    Minha adoração espera alguma coisa, ou alguém, aquem valha a pena eu dar minha vida.

    Que tipo de Deus, então, é digno de adoração?Se eu tivesse que adorar mesmo algum Deus, o fun-damento não seria meramente o da existência, mas oda bondade. Seria um Deus que me chame para sero melhor do que eu possa ser, a dar o melhor que eupossa dar, a partilhar em um grande e bom trabalho.

    E um Deus cristão deve certamente ser um Deus queestabelece o padrão com amor infinito.

    A teologia do processo não é exclusivamentecristã. Porém, não é por acidente que ela surgiu en-tre os teólogos cristãos. Por um lado, você encontraráneste livro muitas críticas à tradição cristã por ido-

    latrar o poder, mais do que o amor. Mas, ao mesmotempo, permanece verdadeiro que o cristianismo éuma religião construída ao redor do símbolo do amorsacrificial - não do poder coercitivo. Se Cristo é dig-no de adoração, certamente não é porque Jesus podiaerguer grandes pedras, mas porque ele podia tocar asvidas das pessoas e transformá-las na direção de umamor e alegria maiores.

    Seria um erro pensar que o Deus da teologia doprocesso é fraco. Mas a teologia do processo atraiu--me porque ela me forçou a compreender que é abondade, não o poder coercitivo, que é digna docompromisso fundamental - da adoração. Eticamen-te, Deus é digno de amor porque Deus é perfeita-mente amoroso.

    Como um amigo, mas de um modo que nenhumamigo pode, Deus partilha toda a nossa experiên-cia, nossas alegrias e tristezas, nossas esperanças emedos. Deus está conosco em nossos momentos de

    28

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    26/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    maior culpa e desespero. Ainda, o amor de Deuspor nós nunca vacila. A cada momento, Deus toma

    nossos sentimentos e decisões e responde a eles aochamar-nos a nos redimir daquelas experiências, nãoimporta o bem que possa ser obtido, e nos afastar-mos delas em direções que podem, no futuro, renderum bem muito maior.

    A diferença entre a visão tradicional do amor e

    do poder de Deus e a visão do processo pode serilustrada através de duas diferentes traduções deRomanos 8,28 (por favor, perdoe-me aqui por men-cionar esta passagem sem considerar seu contexto.Não estou afirmando que Paulo era um teólogo doprocesso).

    Nós sabemos que todas as coisas concorrem jun-tas para o bem daqueles que amam a Deus... KJV[King James Version).

    Nós sabemos que em tudo Deus trabalha para obem com aqueles que o amam... RSV (Revised Stan- dard Version).

     A  tradução familiar da KJV oferece claramenteuma garantia sobre o resultado. Todas as coisas tra-balharão para o bem, no mínimo para aqueles queamam a Deus. Mas a tradução da RSV é rica em ou-tras idéias. Deus trabalha para o bem. Isto não é umagarantia de que o bem sempre irá acontecer. É uma

    garantia sobre o caráter de Deus. Deus trabalha parao bem. Onde? Em tudo. Teólogos do processo pensamnisso com grande seriedade. Deus trabalha em tudopara trazer o bem. E especialmente Deus trabalhacom todo o povo (na verdade, todas as criaturas) queresponderão ao chamado divino. Poderiamos ir mais

    além e dizer que Deus trabalha com todo mundo e29

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    27/220

    todas as coisas, mas a passagem da RSV no mínimosugere que Deus convida à cooperação.

    Afinal de contas, se Deus estivesse no controletotal, que necessidade Ele teria do nosso serviço? Pa-rece óbvio que nossa religião humana quase sempreassume que existe trabalho para fazermos, que Deusestá nos chamando para trabalhar com Ele no mun-do. Certamente, judeus e muitos cristãos têm com-

    preendido que construir o reino é um esforço coope-rativo entre Deus e as pessoas.

    A batalha entre o bem e o mal é uma batalhareal. Deus não pode garantir o resultado dentro destemundo. O que pode ser garantido é o amor inabalá-vel e o constante trabalho de Deus para o bem. Deus

    estará conosco a cada momento, partilhando nossaslutas, partilhando nossas experiências de pecado e desofrimento e nos amando em meio a todos eles.

    30

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    28/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    Capítulo 2

    O AMOR DE DEUS E O NOSSO SOFRIMENTO

    Tentar evitar ou atenuar dor e sofrimento desne-cessários é lugar comum para todos nós. Se uma

    pessoa próxima a nós tropeça e começa a cair, auto-maticamente oferecemos uma mão firme para apoiá--la. Se alguém tem uma dor de cabeça, oferecemos

    aspirina. Pais levam seus filhos para serem imuni-zados contra doenças. Frequentemente, não temosreceio de interferir na liberdade dos outros a fim deevitar dor desnecessária. Se uma criança começar acorrer para a frente de um carro, nós a deteremos,se pudermos. Se virmos alguém tentando estuprar,

    assaltar ou roubar alguém, tentaremos impedi-lo, nomínimo chamando a polícia. Se não fizermos isso,nos sentiremos culpados.

    Todos sabem que eventos dolorosos algumas ve- zes  acontecem para o bem. Algumas vezes eles po-dem nos ajudar a crescer e a amadurecer, ensinando-

    -nos a evitar males piores e a lidar com o sofrimentoque a vida inevitavelmente nos trará. Dado o mundocruel em que vivemos, há necessidade de alguns ti-pos de aprendizado por meio da dor.

    Mas sabemos também que nem todo sofrimentoé necessário ou valioso. A maior parte do sofrimento

    31

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    29/220

    da vida produz mais danos do que bem. Se uma pes-soa tropeça e quebra um braço, ou mesmo só esfola

    o joelho, ela pode ser mais cuidadosa no futuro, masainda desejaríamos ter chegado a tempo. Se alguém éestuprado, abusado quando criança, ou tem câncer,essa pessoa, sem dúvida, aprenderá algo importantesobre a vida. Mas ninguém está feliz com a existên-cia desses males ou quer experimentá-los por razõeseducacionais. E, certamente, não pensamos que o

    valor da liberdade seja tão grande que justifique per-mitir que estupradores, assaltantes ou assassinos co-metam seus crimes à vontade. O estupro prejudicapermanentemente o estuprador, bem como a vítima,e ambos, definitivamente, perdem uma parte de sualiberdade. Na verdade, esses crimes violentos geram

    medo que assalta a liberdade de cada membro dasociedade.

    Algumas vezes, coisas más realmente se tornamboas. Eu concordo que isso seja verdadeiro. Na ver-dade, ninguém afirma mais ardentemente do que osfilósofos e teólogos do processo que a vida é comple-

    xa, inter-relacionada e ambígua, e que o significadoe o valor dos acontecimentos podem mudar drama-ticamente ao longo do tempo. Isso pode ser sugeridopor uma escala informal de cinco respostas que pes-soas podem dar quando olham para trás, num tempodistante, para acontecimentos que, na época, foramdolorosos.

    1. Estou feliz que isto tenha acontecido! Apesarde dolorosa na época, essa experiência me en-sinou bastante e me levou a explorar formasde vida completamente novas. As lições queaprendi com esse evento foram mais impor-tantes que os problemas.

    32

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    30/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    2. Foi uma experiência difícil, mas penso que elafoi para o bem.

    3. Bem, aprendi muito com essa experiência esou uma pessoa melhor, de alguma forma, porcausa dela.

    4. Foi uma experiência terrível. Aprendi a vivercom ela e tenho tentado usá-la como uma ex-periência de aprendizado, mas ela sempre será

    algo que eu lamento profundamente.5. Foi horrível! Nada pode compensar o sofri-mento que enfrentei e ainda enfrento.

    Essas respostas são meramente sugestivas a par-tir de uma série de respostas humanas para even-tos dolorosos. Algumas delas são bastante comuns,

    outras mais raras. Um excelente exemplo da 4a, outalvez mesmo da 5a, são encontrados no livro do ra-bino Kushner, Quando coisas ruins acontecem a pes- soas boas.  O livro surgiu a partir da experiência deKushner com seu filho, Aaron, que morreu de umarápida doença do envelhecimento. Penso que parte

    do poder do livro reside na recusa de Kushner em sealegrar com o que aconteceu com seu filho. No fimdo livro ele escreve:

    Sou uma pessoa mais sensível, um pastor mais eficiente 

    e um conselheiro mais compreensivo por causa da vida 

    e da morte de Aaron do que jamais teria sido sem elas. E eu renunciaria a todos esses ganhos em um segundo 

    se eu pudesse ter meu filho de volta. Se eu pudesse 

    escolher, abriria mão de todo crescimento e aprofun- 

    damento espiritual que me sobrevieram em função de 

    nossas experiências e seria o que eu era há 15 anos: um 

    rabino mediano, um conselheiro indiferente, ajudando

    33

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    31/220

    a uns e incapaz de ajudar a outros, e pai de um garoto brilhante e feliz. Porém, não posso escolher.1

    Apesar de ser difícil definir mal ou maldadecomo conceitos filosóficos, todos sabemos que coisasruins acontecem neste mundo. Não ousamos chamá--las de bem com receio de dizer que a luta contra elasé equivocada.

    Tudo isso é senso comum. Confirmamos isso comnossas ações e pensamentos várias vezes ao dia. E émuito raro que lamentemos o fato de termos evitadoque alguém se ferisse ou ferisse a outros, numa per-cepção tardia de que eles teriam ficado melhor pelador. É muito mais provável que nos sintamos culpa-dos por termos falhado em ajudar quando podíamos.

    E claro que às vezes devemos permitir que pes-soas assumam riscos. Crianças aprendendo a andarde bicicleta devem finalmente obter permissão desair do alcance de proteção de seus pais. Porém, vocêcertamente compreenderá e aprovará quando eu lhecontar que, quando nossos filhos estavam aprenden-

    do a andar de bicicleta, eu corri bastante. Sempreque possível, eu impedia que caíssem. E mesmo ago-ra, eu os advirto a serem cuidadosos. Permitir que osfilhos caiam no cimento e no cascalho não os ajudaa aprender a andar de bicicleta. Isso apenas cria dore medo e retarda o processo de aprendizagem. Se eu

    pudesse, anexaria um aparelho mágico nas bicicletasde nossos filhos que tornasse impossível que eles an-dassem na frente de carros e caminhões. Mas eu nãoposso, nem Deus pode.

    1. Harold Kushner, Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas, SãoPaulo, Nobel, 2002, p. 133.

    34

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    32/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a

        i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    Na verdade, se você e eu pudéssemos, torna-

    ríamos o mundo muito diferente. Você sabia que amedicina moderna eliminou a varíola, uma doençaque matou milhões de pessoas no passado? É verda-de. E pelo menos na maioria dos países desenvolví-dos, é raro alguém contrair doenças como sarampo,febre tifoide, tifo, tétano, malária, difteria ou pólio.Se você e eu puséssemos, alegremente estalaríamosnossos dedos e eliminaríamos o câncer, a Aids, a es-clerose múltipla e todas as outras doenças em quepudéssemos pensar - até mesmo o mais comum res-friado. Não estalaríamos?

    A grande questão então é: Por que Deus não fazisso?

    Certamente é verdade que os valores de Deusnão são exatamente os mesmos que os meus. Eu souegoísta, autocentrado e míope de um jeito de queDeus não seria. Pois nenhuma pessoa ponderadaconfinaria Deus a uma perspectiva meramente hu-mana. Do mesmo modo, parece bem óbvio que, se

    palavras como bom  ou amoroso  se aplicam a Deus,mesmo remotamente, do mesmo modo que se apli-cam às pessoas, então Deus deve querer evitar bra-ços quebrados, câncer e estupro da mesma formaque nós queremos - na verdade, muito mais, porqueo amor de Deus é maior.

    Considerando as qualificações apropriadas queacabamos de mencionar, os teólogos do processo ad-mitem que o amor de Deus é muito parecido como nosso, só que infinitamente maior. Deus partilhacompletamente a dor da pessoa com o joelho esfola-do. De fato, Deus partilha até mesmo a experiência

    das próprias células danificadas, assim como a dormais complexa e consciente da pessoa. Deus sofre

    35

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    33/220

    conosco. Portanto, Deus possui mais motivos do quenós para evitar ou suavizar o sofrimento no mundo.

    Mesmo permitindo que essa porção da dor do mun-do possa fmalmente produzir um bem maior, existeainda um mundo inteiro cheio de sofrimento desne-cessário e terrível que Deus desejaria evitar.

    Por que então Deus não evita o sofrimento? Ateologia do processo responde que Deus quer, mas

    não pode. Pelo menos, Deus não pode fazê-lo sim-plesmente desejando isso. Embora, como veremosposteriormente, possa haver algum papel direto queDeus possa representar. O papel fundamental deDeus é nos conduzir a ser mais ativos ao evitarmoso sofrimento. Deus não tem mãos além das nossas.

    Nós ainda não discutimos simplesmente como Deus age no mundo, exceto para dizer que o papelde Deus é persuasivo, ao invés de coercitivo. Umesclarecimento pendente (Parte II): podemos aindadizer alguma coisa muito importante sobre o amor ea ação de Deus no mundo. Deus está constantemente 

     fazendo tudo dentro do poder divino para evitar e ameni- zar o sofrimento desnecessário e destrutivo.  Isso, afinal,é o que poderiamos esperar de alguém que é perfei-tamente amoroso.

    Em um momento quero que você compare issocom o teísmo tradicional. Mas primeiro, devemos

    abordar outro problema.

    Compreendendo as “consequências lógicas 

    As pessoas frequentemente possuem crençascontraditórias. Imagine que alguém lhe diga que tem

    exatamente duas maçãs em uma das mãos e duas

    36

       C .

       R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    34/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a

        i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    na outra. Você podería dizer: "Então você tem qua-

    tro maçãs". Imagine como você se sentiría se a pes-soa respondesse: "Eu nunca disse que tinha quatromaçãs!". Ela poderia dizer: "Eu creio que tenho duasmaçãs e duas maçãs, mas é completamente injustode sua parte dizer que eu alguma vez tenha afirmadopossuir quatro maçãs. Eu simplesmente não acredito

    nisso". Você se sentiría frustrado pelo fracasso dessapessoa ao ver as óbvias implicações de suas própriaspalavras.

    Do mesmo modo, muitas pessoas ficam frustra-das quando cristãos tradicionais parecem não reco-nhecer as implicações óbvias de suas crenças sobreDeus. As vezes ouvimos testemunhos de como (aspessoas acreditam) Deus salva a vida de uma pessoaem um acidente de avião. Eles, então, cantam louvo-res ao poder e bondade divinos. Mas por que Deusnão salvou as outras 104 pessoas que morreram quei-madas? Não somos forçados a dizer que, visto queDeus amou a todas elas, ele poderia ter salvado a

    todas; a permissão de Deus para que 104 pessoasmorressem nas chamas não seria também um ato deamor divino tanto quanto foi salvando apenas umapessoa? Assim, deve ter sido bom, do ponto de vistadivino, deixar as pessoas morrerem ou, caso contrá-rio, Deus poderia tê-las salvado também. As pessoas

    raramente dizem isso, mas isso faz sentido.Imagine também um estupro. Se qualquer ser

    humano estava lá e em uma posição de evitá-lo, po-deríamos chamar essa atitude de um ato de amorao evitar o estupro. Evitar o estupro seria uma coi-sa boa. Porém, se Deus é todo-poderoso, Ele poderia

    ter evitado o estupro de milhares de formas. Talvezo Espírito Santo pudesse apenas tocar o coração do

    37 

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    35/220

    estuprador com uma pequena dose de compaixãoque o levasse para longe do crime e o colocasse numdiferente caminho da vida, salvando a vítima e suafamília de uma vida de angústia. Ou Deus poderiafazer algo mais dramático, um pouco como a experi-ência de conversão do apóstolo Paulo. Deus, aparen-temente, escolhe não fazer isso. Por que não? Deusnão ama a mulher e o estuprador? Com certeza sim,

    dizemos. Assim, a escolha de Deus deve ser motiva-da pelo amor por eles. Mas se, na infinita sabedoriade Deus, permitir o estupro é um ato de amor, deveser (a partir do ponto de vista divino) uma coisa boapara Deus simplesmente ficar parado e permitir quea mulher seja estuprada. O que é amoroso e moral-

    mente exigido dos seres humanos é o oposto paraDeus. Mais uma vez, as pessoas raramente dizemisso desse modo, mas isso faz sentido.

    Se acreditamos que Deus é todo-poderoso, es-tamos caminhando contra nossos melhores valorese senso comum (querendo admitir ou não) para ar-

    gumentar que estupro, fome, praga, abuso infantil ecâncer definitivamente devem ser bons aos olhos deDeus, senão Deus poderia tê-los evitado. Na melhordas hipóteses, somos levados a dizer que é bom paraDeus  permitir   que soframos estupro, fome, abuso,doenças, escravidão, drogas, e destruamos a nós

    mesmos e uns aos outros em nome da liberdade.Somos forçados, pela antiga ideia do poder de Deus,a dizer que o que é moralmente correto  para nós (proteger o inocente, curar o doente) é moralmenteerrado  para Deus (exceto uma vez em dez milhõesquando Deus graciosamente realiza um milagre).Ou, tradicionalmente, visões de Deus nos forçam adizer que o que é amoroso para Deus (permitir tortu-

    38

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    36/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m   a

        i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    ra, doença, guerra e desastres naturais que Deus po-

    deria evitar) para nós ê sem amor. Não posso lhe di-zer quão fortemente eu rejeito toda essa forma de pen-sarnento, e acredito que todas elas são implicaçõeslógicas da teologia tradicional - as pessoas afirman-do-as ou não.

    Você consegue imaginar que Jesus tivesse sim-

    plesmente ficado parado e não tivesse feito nada en-quanto uma mulher era estuprada? Penso que Jesusteria feito tudo dentro de seu poder para socorrer avítima (não duvide de que ele também teria se preo-cupado em socorrer o estuprador potencial, para pro-vocar nele o "siga seu caminho e não peque mais").Se você pensa que Jesus teria ajudado, e que Jesus re-velou amor divino, então certamente você pode verpor que não faz muito sentido dizer que Deus podería interromper o ato, mas fica parado e não faz nada,porque, de alguma maneira, isso é algo amoroso ase fazer. Se essa atitude não é amorosa para você oupara mim, ou para Jesus, por que seria algo amoroso

    para Deus?Uma resposta comum é que Deus limita sua di-

    vindade a fim de preservar a livre vontade humana.Isto é, Deus podería evitar o mal, mas o permite comoparte necessária à salvação humana. Moralmente,acredito que apenas essa resposta não responde à

    pergunta. Ela pode servir para alguns poucos casos,mas não para muitos. Permitir o mal que podemosevitar é quase tão pecaminoso como diretamenteprovocá-lo, conforme nossas leis e consciências nosdizem. Existe algo chamado negligência criminosa.Se um pai permitiu que um filho se queimasse horri-

    velmente ou bebesse veneno ou fosse atropelado porum carro, dizendo: "É a melhor maneira de apren-

    39

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    37/220

    der", ficaríamos horrorizados. Acho que é igualmenteterrível que as pessoas atribuam tal comportamento

    e valores a Deus.Crianças pequenas são inclinadas a acreditar

    que seus pais podem fazer qualquer coisa. É dolo-roso para elas aprender o contrário. Mas como umpai, costumo temer o pensamento de que meus filhospossam imaginar que eu  permiti que eles se machu-

    cassem ou adoecessem, quando na verdade eu estavafazendo tudo o que podia para evitá-lo. Deus não po-deria sentir o mesmo? Deus não pode estar profun-damente ferido pelas nossas constantes proclama-ções de que os males terríveis são "desejos de Deus"ou são "permitidos por Deus para um bem maior"?

    Certamente, se, como os teólogos do processo acredi-tam, Deus está fazendo tudo o que pode para evitaro sofrimento, e se Deus partilha nosso sofrimentoconosco, isso deve acrescentar insulto à injúria de fi-carmos constantemente "defendendo" Deus, ao pre-gar que Ele realmente permite tal horror a partir dasua vasta sabedoria e amor.

    Provavelmente seja uma boa coisa pensar quea maioria de nós realmente não age tanto assim deacordo com nossas teologias. Você pode imaginar al-guém decidindo seguir o exemplo de Deus (na visãotradicional) assumindo que, seja o que for que Deuspermita, deve ser fundamentalmente trabalhar para

    o melhor? Eles nunca tentariam evitar a dor, o erroou mesmo o pecado. Eles assumiram que joelhosmachucados e os campos de concentração funcio-nariam para o melhor. Eles poderíam não ver nadacomo fundamentalmente mau. Qualquer pessoa quena verdade agiu  sob essa crença, estaria certamentepresa como um criminoso insano.

    40

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    38/220

       T

       e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    Felizmente, a maioria de nós não deixa que as

    "soluções" tradicionais para o problema do mal diri- jam a nossa ética. Se pensássemos que, se Deus vêcomo sábio e amoroso permitir que crianças sejamatropeladas por caminhões, então nós também de-veriamos. Mas, afinal, nossas teologias têm algum impacto sobre as nossas vidas. Minha preocupaçãomais séria é justamente essa. Independentemente da

    extensão que as pessoas realmente permitem que asvelhas soluções para o problema do mal afetem suasvidas, essas idéias minam sua resolução de tornar omundo um lugar melhor.

    Exemplos flagrantes disso podem ser encontra-dos ao considerarmos a corrida de armas nucleares.

    Alguns pregadores fundamentalistas têm publica-mente declarado que a guerra nuclear apressará avinda do reino de Deus e o retorno de Jesus. Se assimfor, se a guerra nuclear for realmente uma coisa boa,por que não saímos correndo e apertamos o botão?

    Tal teologia, em minha visão, sofre da doençado desespero. Confrontados por males reais e poten-ciais, além de nossa compreensão emocional e inte-lectual, defendemos a nós mesmos ao dizer que Deustem esses males na mão, causando-os ou permitindo--os por alguma boa razão. Os céus nos socorram se olíder de uma nação com armas nucleares alguma vezagir a partir dessa teologia.

    A teologia do processo preserva os valores donosso senso comum óbvio. Ela reconhece a distinçãocrucial entre o bem e o mal (apesar de às vezes elapoder estar embaçada) e afirma que Deus trabalhacom todos os recursos dele para o bem e contra omal. Nosso amor, no seu melhor, realmente é pareci-

    do, ou no mínimo análogo ao amor de Deus.

    41

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    39/220

    Poderiamos não nos comportar como o Deus dateologia clássica. Poderiamos não ficar parados en-

    quanto as pessoas sofrem os males que poderiamosevitar. Ao contrário,  poderiamos agir como o Deus dateologia do processo, fazendo o que ao nosso alcancepara evitar o mal e amenizar o sofrimento. E, quandonão podemos evitar o sofrimento, na medida em quenossa fraqueza humana permita, poderiamos parti-

    lhá-lo com sensibilidade.

    42

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    40/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    Capítulo 3

    AMOR, PODER E RELACIONAMENTO

    Os teólogos do processo insistem que a realidadeé completamente relacionai.

    Pense em alguém que você ama muito. Comovocê se sentiría se essa pessoa quebrasse o braço? Ga-

    nhasse um importante prêmio? Quebrasse uma pro-messa? Salvasse a vida de alguém? Se você a amasseainda mais, você partilharia seus sentimentos aindamais, ou de maneira menos plena? Pense em alguémque o ama muito. Essa pessoa tem partilhado seussentimentos de alegria, tristeza, dor e triunfo? Ela

    tem expressado seu contínuo e inabalável amor dediferentes maneiras, em resposta às suas mudanças?

    Em nossa experiência humana comum, é indis-cutivelmente claro que o amor significa estar relacio-nado e afetado por aqueles a quem amamos. Teólo-gos do processo acreditam que essas experiências são

    importantes guias para compreender o amor divino.Deus ama perfeitamente. Assim, Deus deve ser O su-  premamente relacionado,  que partilha completamente a experiência de toda criatura, que é, ao mesmo tem-po, totalmente inabalável e totalmente responsivo.

    Curiosamente, essa óbvia característica do amor

    de Deus tem sido negada. Uma das primeiras idéias43

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    41/220

    a ser formalmente declarada uma heresia pelo cris-tianismo foi o "patripassianismo", a crença de que o

    Pai sofre. Considerando que o cristianismo é encon-trado na vida de alguém que "carregou nossas do-res e levou nossas tristezas", que "sofreu e morreu"na cruz, aquele que os cristãos declaram ser a maiscompleta revelação de Deus para nós, parece-me in-crível que teólogos cristãos possam negar, por quasevinte séculos, a crença de que Deus sofre. O que oslevou a isso?

    Os teólogos cristãos negavam que Deus sofre,principalmente por causa da maneira que compreen-diam o poder de Deus. Eles acreditavam que o poderperfeito de Deus o colocava completamente fora dequalquer relacionamento com o mundo, que pudesseafetar a Deus de alguma maneira. Compreender porque eles acreditavam nisso é crucial para entenderquase todo o problema que este livro vai abordar.

    Poder unilateral

    Pense em exemplos comuns de poder. Primeiro,pense em crianças em uma vizinhança violenta. Acriança mais forte (mais poderosa) pode bater em to-das as outras e não apanhar de ninguém. As criançasmais fracas apanham de todas as outras e não batemem ninguém. Entre elas, existe uma hierarquia des-

    cendente do mais poderoso para o menos poderoso.Pelo fato de esse mesmo tipo de hierarquia social servisto em galinhas, ele é frequentemente chamado de"ordem da bicada".

    Tente pensar em esportes. O mais poderoso timede futebol marca gols facilmente e raramente é go-

    44

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    42/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    leado. Pense em dinheiro. As poucas pessoas mais ri-cas têm o máximo de poder. Elas podem dizer às outraspessoas o que fazer, mas as outras não podem dizer aelas o que deve ser feito. As pessoas mais pobres, dasquais existem milhões, não podem dizer a ninguémo que fazer e estão em dependência daqueles quesão mais ricos. Exércitos fornecem os exemplos maisclaros. Generais dão ordens aos majores, os majores

    aos sargentos e os sargentos aos soldados, mas nãoo inverso. Tais hierarquias institucionais são organi-zadas mais pela eficiência do que pela criatividade,mas elas raramente fornecem uma coisa ou outra.

    Em resumo, nossa abordagem comum ao poderé esta:  poder é a habilidade de afetar outros, sem ser  

    afetado por eles. Podemos chamar isso de  poder unila- teral  porque ele corre somente em uma direção, dotopo da hierarquia até a base. Além disso, poder evalor social seguem juntos. Quanto mais poderosovocê é, melhor é tratado como um membro valiosoda gangue, do time, da empresa, da sociedade ou doexército.

    Igualmente importante, nossas concepções depoder se encaixam em nossas concepções de realida-de. Frequentemente, quanto mais poderosa uma coi-sa é - especialmente quanto mais poder ela tem pararesistir a ser afetada por qualquer coisa -, mais realela nos parece. Sombras e nuvens parecem menos

    reais para nós do que barras de ferro e montanhas.Para resistir à mudança, o poder capacita as coisasa resistir, e o poder de resistir faz com que as coisaspareçam mais reais.

    Parece-me que há uma conexão direta entre es-sas visões de poder, valor e realidade e nosso medo

    da dor e da morte. Pessoas que são torturadas es-45

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    43/220

    tão totalmente à mercê dos outros. Vítimas estão nabase da hierarquia. Dor e morte são os casos huma-

    nos determinantes para que nós sejamos afetados emudados. Agarramo-nos àquilo que, esperamos, nossalvará da dor e da morte - e de sermos afetados. Ad-miramos, com inveja, e queremos nos unir àquelesque parecem possuir tal poder.

    Pense no homem "macho" que é forte, está no

    controle, insensível à dor. Tradicionalmente, valori-zamos tais modelos e voltamo-nos a eles em buscade proteção e segurança. Torna-se, então, instantane-amente óbvio por que "homens reais" não choram.Chorar é admitir que alguém seja afetado, vulnerá-vel e relacionai. No modo tradicional de pensar, serrelacionai, vulnerável, afetado, emocional, sensível,

    cuidadoso, nutridor - em uma palavra, feminino! - éser fraco, não valorizado, algo mesmo irreal. Não éde se admirar que hebreus e cristãos pensassem emDeus como Pai.

    Na filosofia ocidental, esse conjunto completo deconcepções tem sido refletido na ideia de uma "subs-

    tância". Substâncias, nessa visão, são as coisas maisreais. Uma substância é aquilo que resiste e perma-nece inalterado através da mudança. E aquilo queexiste independentemente, que não precisa de nadaalém de si mesmo para existir (Isso não se parececom a segurança financeira? Não se parece com al-guém que nunca precisou ter medo? Você não querser assim?) Os dois casos principais de substância sãoDeus e a alma humana (divinamente criada).

    Estritamente falando, naturalmente, Deus foideclarado a única substância verdadeira. SomenteDeus tem poder unilateral perfeito. Deus tem o po-der absoluto para controlar tudo. Deus também tem

    46

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    44/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    o poder absoluto para resistir a ser afetado por qual-quer coisa. Na verdade, Deus é todo-poderoso, pos-suindo todo o poder que existe. Isto é central para avisão tradicional ou clássica - a noção da onipotênciadivina como poder unilateral perfeito.

    O conceito de poder unilateral pode, certamente,ser encontrado na Bíblia, mas foram os filósofos gre-gos que refinaram a ideia de perfeição. Embora suasidéias sobre divindade fossem muito diferentes dasnossas de muitas maneiras, eles ainda estabeleceramidéias fundamentais que posteriormente os teólogoscristãos aceitariam. Eles foram bons pensadores sis-temáticos e levaram a cabo, com honesta consistên-cia, essa ideia de poder unilateral perfeito. Se Deus

    tem poder unilateral perfeito, então Deus não é abso-lutamente afetado pelo mundo - perfeitamente imu-tável. Nada mesmo pode mudar o divino.

    Os modelos filosóficos gregos foram a arte e amatemática. Uma bela estátua pode afetar aqueleque a olha. Ela pode nos encher com o desejo de ser

    corajoso, mais misericordioso, mais nobre de espí-rito. Ela nos afeta. Porém, a estátua faz isso sem serafetada por nós. Ela não tem pena de nós, não nosama nem fica com raiva de nós. O mesmo vale para amatemática, mas de uma forma diferente. Esses filó-sofos viam a triangularidade, a perpendicularidade e2 + 2 = 4 como eternos, como verdades perfeitamen-

    te imutáveis que ordenam o mundo. Não podemosviolar sua ordem, mas elas não "dão ordens". Não la-mentam, riem ou gritam. Elas estão completamentealém de ser afetadas pelo mundo. Essas coisas estãoalém das paixões, além das mudanças do conheci-mento, das mudanças de humor ou das mudanças de

    intenção. Elas nunca agem. Elas estão além do amor.47 

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    45/220

    Os filósofos gregos compreenderam tudo isso, esuas idéias sobre Deus refletiram nisso. Eles viram

    que "Deus" podia ordenar o mundo, tanto na estrutu-ra quanto na moral, sem ser afetado por isso. Assim,eles imaginaram a realidade fundamental como sen-do eterna, imutável e sem paixão.

    Iahweh, o Deus da Bíblia, também foi descritocomo muito poderoso. E em muitos aspectos o po-

    der de Iahweh era unilateral. Mas Iahweh tambémera muito variável, tomado de paixões tais como ira,inveja, raiva, tristeza e até mesmo arrependimento.Iahweh foi frequentemente retratado como mudandode ideia em resposta aos apelos de Abraão, Moisés eoutros. Iahweh era especialmente cheio de amor; era

    profundamente afetado por sua criação e estava emconstante relacionamento com o mundo. Iahweh erafrequentemente retratado como sendo cruel, mesmoerrático, mas quase sempre como envolvido, relacio-nado e cuidadoso com a criação.

    O cristianismo judaico começou com Iahweh

    como seu modelo de Deus. Mas o cristianismo logose tornou uma religião de gentios. Os textos do NovoTestamento foram todos escritos em grego! Os cris-tãos gentios naturalmente começaram a pensar emDeus nas categorias gregas que lhes eram familia-res. E por essa razão que eles se sentiram forçados

    a negar, a declarar como heresia, a ideia de que "oPai sofre". Sofrer, eles acreditavam, é se tornar umapresa da pior das fraquezas mortais, acima da qualDeus deveria estar. Por quase dois mil anos, os teó-logos cristãos têm tentado fundir as idéias gregas ebíblicas sobre Deus. Acredito que eles nunca tiveramsucesso.

    48

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    46/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    Se Deus não pode sofrer, não pode ser afetado denenhuma maneira, então Deus não pode amar. Amaré ser afetado. Mas o poder unilateral perfeito é o po-der de não ser afetado. Amar é entrar em íntima rela-ção com os outros. Mas o poder unilateral perfeito é opoder de ser independente - não relacionado. Amar ésentir todas as paixões de alegria, tristeza, dor, medo,esperança e triunfo que nos unem uns aos outros, que

    tornam a vida tão dinâmica e variável. Mas o poderunilateral perfeito é o poder de não ser afetado portais paixões variáveis. Um Deus com poder unilateralperfeito não pode amar no sentido em que nós ama-mos.

    Os cristãos sempre afirmaram o amor de Deus -mas em que sentido? Parcialmente, claro, as pessoascomuns raramente pensam sobre isso e têm uma vi-são bíblica mais ingênua de Deus. Elas oram a Deusesperando que Deus responda, aja, sinta. Porém,mesmo as pessoas comuns, sem dúvida, apelam paraa eternidade absoluta e a imutabilidade de Deus,quando querem assegurar a si mesmas sua própria

    imortalidade ou explicar por que Deus falha ao agira favor delas.

    Mais teólogos sistemáticos fmalmente chegaramà conclusão de que Deus nos ama sem paixões. Deusé mais parecido com uma estátua. Podemos sentirque ela está olhando para nós de um modo amoroso,

    mas ela não sente amor. Mais intensamente, Deuspode, a partir de uma pura e transbordante bonda-de, fazer-nos coisas boas, mas não porque Deus sente tristeza, piedade ou compaixão.1

    1. Para uma excelente discussão a esse respeito, veja o capítulo 3 deProcess Theology: An Introductory Exposition, de John B. Cobb Jr. e David

    Ray Griffin, Westminster, John Knox Press, 1976.

    49

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    47/220

    Talvez os detalhes desses argumentos pareçamenigmáticos. Talvez você se espante porque alguém

    pensaria dessa maneira. Mas é verdade que a ideiado poder unilateral perfeito nos conduz diretamenteà conclusão de que Deus não pode sofrer, não podesentir pelo mundo, não pode amar no sentido huma-no de entrar em um relacionamento mútuo  genuínocom o mundo.

    Poder relacionai

    A teologia do processo opera a partir de um mo-delo completamente diferente de poder, realidade evalor. Relacionamento é fundamental.

    No pensamento do processo, o poder relacionaié a habilidade tanto de afetar quanto de ser afetado.Mas ser afetado não significa ser passivamente con-trolado pelos outros. Poder relacionai envolve trêsestágios.

    Primeiro: poder relacionai é a habilidade, o  poder  

    de ser aberto, ser sensível, de estar em relacionamen-to com o mundo ao nosso redor. Exemplos óbvios sãodaqueles cuja inteligência lhes permite rapidamentecompreender as idéias e eventos complexos ao redordeles: artistas que veem a riqueza das cores e ouvemsutis combinações de sons; poetas que fazem festacom a riqueza das palavras faladas; pais que são sen-síveis aos sentimentos, lutas, medos e esperanças deseus filhos.

    Segundo:  poder relacionai é a habilidade de serautocriativo. E a capacidade de acolher uma amplagama de idéias, sentimentos, influências e experiên-cias e de criar pensamentos próprios, sentimentos e

    50

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    48/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    decisões a partir deles. Autocriatividade é a habili-dade de integrar o mundo em uma pessoa unificada,rica em relacionamentos, mas única em resposta.

    Finalmente: poder relacionai é a habilidade de in-fluenciar outros, tendo sido primeiramente influen-ciado por eles. É o poder de pais amorosos quandoagem com seus filhos de um modo sensível, levandoem consideração as necessidades e desejos deles, ain-

    da olhando a partir da perspectiva infantil. É a habi-lidade do bom professor em compreender as ques-tões, percepções e limitações dos alunos para poderajudá-los a aprender através de passos apropriados ecriativos.

    Gandhi é um exemplo maravilhoso de poder re-

    lacional. Ao invés de se sentar em uma tenda com ospoucos ricos e poderosos, ele foi viver com a maio-ria, para partilhar seu trabalho e comer sua comida,para compreender seus medos, fome e sonhos, parti-cipando da vida deles. Ainda, ele possuía uma visãomaior do que os seus, uma sensibilidade que, paraos britânicos, era mais compassiva do que a deles.Especialmente, ele tinha a capacidade de sofrer, deser afetado por todos aqueles que estavam ao seu re-dor, sem perder-se de si mesmo. Ele não se fechouunilateralmente, deixando os outros de fora. Ao con-trário, ele relacionalmente tomou a todos para si ecriou uma visão que levou todos em consideração.

    É por essa razão que as pessoas escolheram segui-lo.Ele os guiou ao criar neles um sonho que refletia asesperanças deles, mas chamando-os para uma visãomaior.

    Obviamente, Jesus também viveu o poder rela-cional. O discernimento de Paulo foi crucial - que

    foi o Cristo crucificado, o Cristo que redimiu através51

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    49/220

    do sofrimento, quem revelou tanto a sabedoria quan-to o  poder   de Deus (1 Coríntios 1,18-24). Lamenta-

    velmente, penso, os cristãos têm pensado que essepoder não foi suficiente. Muitos têm sugerido que Jesus podia ter chamado por baixo doze legiões deanjos, se ele tivesse desejado. Mas doze legiões deanjos exercendo poder unilateral, apesar de fato ex-celente, não poderiam ter tornado uma única alma

    mais amorosa, não poderia ter redimido a mulherpega em adultério, não poderiam ter produzido osfrutos do espírito que são "amor, alegria, paz, pa-ciência, bondade, generosidade, fidelidade, docilida-de e autocontrole" (Gálatas 5,22b-23a). Às doze legi-ões de anjos, empunhando espadas, nunca teríamosdito: "Por suas feridas fomos curados".

    Resumo

    É importante fazer uma distinção entre dois dife-rentes significados da afirmação de que Deus é imutá-

    vel. Teólogos do processo certamente afirmam a tra-dição cristã que declara que Deus é  amor, que Deusnunca deveria parar de amar ou nos amar menos emum dia do que em outro. Na linguagem bíblica, oamor de Deus é inabalável, certo e fidedigno. Nessesentido, o amor de Deus é certamente imutável.

    Em outro sentido, no entanto, faria sentido dizerque o amor de Deus é perfeitamente mutável. Istoé, o amor de Deus é completamente responsivo aomundo. A cada momento, Deus partilha a experiên-cia de cada criatura e responde a essa criatura de ummodo apropriado. Assim, enquanto é provavelmen-te mais útil dizer que o amor de Deus é responsivo,

    52

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    50/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    poderiamos reconhecer que partimos muito de umatradição teológica cristã quando afirmamos isso. Tra-dicionalmente, há muito tem sido negado que Deuspoderia ser genuinamente responsivo, porque o atode ser responsivo é um tipo de mudança, e foi aceitoque Deus não poderia mudar em qualquer  aspecto.

    Provavelmente você sempre acreditou que Deusfoi afetado pelo mundo, que Deus foi responsivo e

    ativo e que se inter-relacionava conosco, partilhandonossas experiências e reagindo a elas. Provavelmen-te, a respeito do amor de Deus, você foi um teólogodo processo o tempo todo.

    Na Parte II, explicarei de que modo os teólogosdo processo acreditam que o amor de Deus é o fun-

    damento de toda a realidade.

    53

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    51/220

       T   e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U

       m   a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    Capítulo 4

    LIBERDADE, TEMPO E O PODER DE DEUS

    Deus passa pela experiência do tempo? Se sim,como? Estritamente falando, a maioria dos teó-

    logos diz que Deus não experimenta o passar do tem-po. Deus existe em uma eternidade atemporal. Em

    outras palavras, todo o tempo se estende diante deDeus como uma pintura. Assim, não há diferençaentre passado, presente e futuro. De onde veio essaideia e o que ela significa para a liberdade humana?

    Aristóteles, um filósofo grego, partilhou a ideiade que Deus tem o poder unilateral perfeito, e des-creveu Deus como o "motor imóvel". Deus criou omundo para mover-se e mudar, mas Deus era total-mente não afetado - imóvel - pelo mundo. Aristó-teles também viu uma importante implicação destavisão da imutabilidade divina. Ele considerou queDeus não tinha conhecimento do mundo.

    Conhecimento, experiência e atividade são ca-

    racterísticas fundamentais da identidade de qualquerum. Aristóteles reconheceu que o mundo está cons-tantemente mudando. Se Deus tem conhecimento domundo, então deve constantemente ter novas experi-ências e novo conhecimento. Na verdade, todo mo-mento trará um mundo completo de novas informa-

    ções - novas experiências - à consciência de Deus.55

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    52/220

    E se permitirmos que este mundo de novas experiên-cias inunde a vida de Deus a cada momento, pode-

    mos também nos sentir obrigados a imaginar Deuscomo ativamente respondendo a esse conhecimento.

    Lembre-se de que, no conceito grego de poderunilateral perfeito, Deus não era absolutamente afe-tado por coisa alguma. Obviamente, imaginavameles, Deus não poderia estar engajado em nenhum

    tipo de relacionamento dinâmico como o conhecí-mento de um mundo em mudança necessariamen-te envolvería. Aristóteles defendia, então, que Deusnão tinha conhecimento do mundo.

    Teólogos cristãos não poderíam seguir o cami-nho de Aristóteles, mas reconheceram seu problema.

    A solução que eles escolheram foi essencialmente ade negar que o mundo muda (nossas experiências demudança seriam, então, um tipo de ilusão). Isso per-mitiria a Deus ter o conhecimento do mundo sem terconhecimento da mudança e, assim, ser mudado.

    Pense novamente na tradicional imagem do tem-

    po com a qual começamos como uma grande pintu-ra estendida diante de Deus. Deus enxerga o tempocomo sendo totalmente presente, totalmente atual,totalmente estabelecido. A pintura, como uma tape-çaria, poderia contar uma estória com um começo eum fim. Mas o fim da estória já está lá, pintado deta-lhadamente, nunca para ser alterado.

    Uma imagem mais moderna poder ser a de um to-ca discos. Imagine um disco virgem colocado em umaprensa. O disco mestre é pressionado sobre o discovirgem e - pssst! - as ranhuras são impressas no disco.Toda a "música" é impressa em um só instante; a úl-tima faixa no mesmo momento que a primeira. Em

    56

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    53/220

       T

       e   o    l   o   g    i   a    d   o   p   r   o   c   e   s   s   o  -   U   m

       a    i   n   t   r   o    d   u   ç    ã   o    b    á   s    i   c   a

    alguns aspectos, essa é uma boa imagem de como

    os cristãos dizem que Deus criou o tempo - tudo deuma vez, num único instante.

    Quando o disco é colocado para tocar e a agulhatoca nas ranhuras, a música vem na sequência. Senos imaginarmos na ponta da agulha, podemos verpor que temos a impressão de que o tempo se movedo começo para o fim. Há um sentido no qual ele re-almente se move para nós. Notas de repente saltam eentão desaparecem ao serem substituídas por outras.O tempo parece passar para nós, mas do ponto devista de Deus, não.

    Com ambas as imagens sugeridas, a tradição clás-sica tem sido hábil em garantir a Deus total conheci-

    mento do mundo do "tempo" enquanto ainda protegeDeus de qualquer mudança, porque, fundamental-mente, o mundo não muda. Para sermos completamen-te consistentes, devemos também negar que houvealgum tempo antes que Deus decidisse criar o tempo,ou antes que Deus realmente o criasse, ou entre a de-

    cisão e a ação de Deus. Esses, também, são parte daeternidade atemporal de Deus. Deus tem eternamen-te decidido criar, e tem eternamente criado. Assim,podemos ver, que, na visão clássica, todo o tempotem, na verdade, existido para Deus em uma eter-nidade atemporal, absolutamente imutável. Somentedesse modo podemos reter o poder unilateral de Deus

    de permanecer totalmente não afetado pelo mundo.Deveria ser óbvio agora o porquê de muitos teó-

    logos cristãos defenderem uma doutrina de predesti-nação total. Embora essa não seja a única razão pelaqual essa doutrina foi ahrmada, ela é suficiente por sisó para ter levado teólogos consistentes e honestos a

    essa conclusão. Para Deus, o fim da estória é como ela

    57 

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - Teologia do Processo - Uma introdução básica.pdf

    54/220

    terminou; tão real e tão presente como o começo dela.Nada pode mudar. Nada pode ser diferente do que o

    fato de Deus tê-la criado como que a partir de toda aeternidade. Deus conhece eternamente com infalibili-dade absoluta e imutável o que você está fazendo ago-ra nesse pedaço de pintura. Tudo isso significa "agora"para Deus.

    Martinho Lutero pode estar entre os mais hones-

    tos dos teólogos cristãos ao considerar que, devido àclássica visão cristã de Deus, os seres humanos nãodevem ter liberdade. Mas muitos cristãos não com-preenderam isso ou têm sido relutantes em admiti-lo.Eles querem reivindicar que ainda temos liberdade.Como eles têm feito isso?

    Frequentemente pensamos que liberdade é sim-plesmente fazer o que queremos fazer. Esse é o senti-do no qual teólogos cristãos têm sido hábeis ao afirmarque temos liberdade, apesar da perfeita presciênciade Deus. Suponha que Deus tenha nos predestinadotanto para o pecado quanto para o desejo de pecar.Podemos, assim, afirmar que pecamos "livremente"

    (fizemos o que queríamos fazer), porém, não poderí-amos ter feito o contrário, porque Deus nos predes-tinou "tanto para o desejo quanto para a prática" dopecado.

    Obviamente, no entanto, esse não é o sentido noqual usualmente falamos de liberdade. No importan-

    te sentido moral, liberdade é a habilidade de esco-lher entre duas ou mais opções, tais como pecar ounão pecar. Mesmo que uma opção fosse uma possibi-lidade real e que realmente estivesse aberta para nós,diriamos que não somos livres para escolhê-la. Se asvisões do cristão tradicional sobre o poder e o tempode Deus estão corretas, não existe essa coisa de liber-

    58

       C .   R   o    b   e   r   t   M   e   s    l   e

  • 8/17/2019 C. Robert Mesle - T