O Humano insiste no amor à vida apesar da morte. 

A escrita insiste em marcar o Tempo, apesar da destruição da História. 

 

Caderno 2    Encontro no Escuro    antologia de sonhos 

Poeta Paulo Bp (pseudônimo Cuortox)                      Musa Adriana Aneli 

(pseudônimo Bambinix ou C.H.) 

De repente, engrena­se o par. Os que desistiram do jogo nomeiam as razões: falta                           

de tempo, compromissos, falta de afinidades com o tema da brincadeira,                     

desencanto. É possível mesmo que o motivo da fuga tenha sido a escuridão. No                           

escuro conversamos com nossos próprios desejos, fantasias, intolerâncias. O                 

escuro representa o que não se conhece e o novo aproveita­se do inesperado para                           

instalar­se, enquanto ainda não sabemos perceber direito o que é, de onde veio e o                             

que faz aqui e agora. 

O novo invade um terreno familiar, nomeado, delimitado, sem surpresas. E por ser                         

desconhecido, possibilita uma janela que permite a entrada da Imaginação.                   

Projeções de desejos de sucesso ou até boicotes, castigos que impomos a nós                         

mesmos. Pode chegar com bons ou maus ventos. Povoar­se de imagens                     

acolhedoras ou assustadoras. Se crescemos com um acúmulo de boas experiências                     

do novo desde a infância, imagens positivas predominam em nossos encontros com                       

o desconhecido. Por outro lado, se foram muitos os momentos frustrantes que                       

significaram perdas e tristezas em nossa vida, emoções negativas são acionadas,                     

sentimos ansiedades, medo. Até angústias avassaladoras, que Donald Winnicott                 

chamou de impensáveis. Impensáveis porque marcaram experiências ocorridas tão                 

cedo em nossas vidas que nem podíamos pensá­las com conceitos de linguagem,                       

apenas sentíamos a nossa própria vida ameaçada. A partir das mais diferentes                       

origens em nossa história pessoal, compusemos nosso arsenal de reações. A partir                       

daí, sempre tomamos decisões. Esse processo ocorre sempre com a participação                     

da nossa força, a mesma grande força que empenhamos para manter as nossas                         

vidas. 

A brincadeira inova quando traz o amigo secreto com trocas de bilhetes para o                           

campo virtual e entre um público fechado de artistas da palavra. Pessoas que                         

gostam e fazem poemas. Recuperando o par poeta­musa, a idéia implica a vivência                         

simultânea de dois papéis. Cada um tem dois amigos secretos. Experimenta ser                       

poeta para um e musa para o outro. 

 

Dentro de um grupo seleto de pessoas, cada um deve trocar mensagens por quase                           

um mês com uma musa e um poeta. 

 

Sim, uma brincadeira, mas o que pode fazer um estímulo como esse diante da                           

imaginação de pessoas inclinadas às fantasias da arte? Quais experiências                   

anteriores positivas ou negativas influenciariam a decisão de ficar ou desistir? 

O campo da linguagem é sempre um campo de mal entendidos. A compreensão                         

sofre perdas durante o caminho que leva a informação de um sujeito a outro                           

passando pelo social e, portando, levando consigo toda uma bagagem de                     

fragmentos de histórias vividas, ouvidas, imaginadas, percebidas. O planejamento                 

das ações de alguém, passa por algo como uma bricolagem, um aproveitamento de                         

percepções, lembranças, cicatrizes, conselhos, recomendações, uma gama de               

estímulos diferentes. A possibilidade de brincar com ou sem preocupações surge da                       

história de vida de cada um. Daí prevalecerá a coragem para ir em frente ou o medo                                 

e a decisão pelo afastamento. Nada do clichê que diz "apenas para os fortes". Há                             

força na coragem e no abandono. Motivos para seguir e para desistir. Conquistas e                           

lutos a serem vivenciados. 

Quem são as pessoas do grupo? O ambiente é conhecido? Age­se por impulso ao                           

aderir ao convite? Estamos dispostos a nos doar um pouco para conviver com o                           

diferente? Pensei nisso antes de propor uma atividade social entre poetas que, de                         

forma literária, cultuam a solidão, ocupam certa marginalidade no acompanhamento                   

das regras sociais. Um grupo que preza sua individualidade e vibra suas antenas                         

captando e emitindo sua voz muitas vezes entoando um lirismo revoltado contra                       

opressores. O poeta, como porta­voz de um grupo, pode receber louros assim como                         

ser esfolado como bode expiatório, graças à sua exposição na cena social. Dentre                         

os poetas, diferentes estilos. Os que brincam, os que não brincam, os que têm                           

vontade de brincar, os que têm vontade de observar, voyers, exibicionistas,                     

ingênuos, irônicos, gaiatos, caxias, mil poetas, mil rostos, mil máscaras. O                     

jogo­de­faz de conta, o tabuleiro bem real, cheio de impasses, passes livres, ou                         

quase­livres. Quem apostou na força da imaginação e na confiança nos parceiros,                       

ficou. Quem foi tocado pela realidade do tabuleiro, pode ter encontrado razões para                         

desistir. 

 

 

O par a seguir formou­se da dupla de poetas Paulo Bp e Adriane Aneli. 

Nessa dupla o papel de poeta foi vivido por Paulo Bp com o pseudônimo Cuortox, 

inspirado no idioma italiano. A palavra Cuore significa coração. 

Adriana Aneli vive a musa com o pseudônimo "Bambinix"            ( ou C. H.) 

 

                                                         Seguem os poemas trocados 

Bambinix ( Adriana Aneli)  escreve para seu poeta 

"para que a voz adormecida 

saia 

pela minha noite 

em roupas de dormir" 

O Poeta (Paulo Bp) Cuortox responde : 

"de saltar varandas e correr pelas fendas da noite 

mais que sei andei, voei e deitei por fim 

diante da tenue luz de quarto de dormir 

uma sombra quente me chamou a dançar 

um estranho compasso banhado 

em desordem de sustos, sangue e uivos 

um correr de dentes brilhou­me nas faces 

e desaparecei assim como vim 

pelas galhos 

pelas folhas 

pelo orvalho da manhã" 

Bambinix diz 

Roxane advinha Cyrano 

traços escondidos na noite 

a mesma asa que te traz 

sopra o vento: 

te carrega para longe 

 

Cuortox 

Embora distante do teu corpo 

As noites solitárias 

em bordeis do fim mundo, 

meu corpo cansado teima 

em sentir o teu perfume 

e perder­se 

em devaneios de sonhos 

febris 

 

Bambinix 

em noites 

sussurro ao ouvido 

febre não é 

mais que o hálito quente 

sobre a pele insone. 

Cuortox 

Então é isso 

É desse hálito que sinto a brisa forte 

Carregada de sabores e insondáveis 

desenhos de corpos 

em posições de amar 

Bambinix 

sugere desejos possíveis 

desperta o seu melhor 

não compete com sonhos 

sussurra poemas. 

Cuortox 

Te mato 

te mato 

te mato 

te amo 

te amo 

te a­mo 

te a­m­o 

te­mo 

te temo 

Morte 

Bambinix 

Tomate 

ou mate 

nas coisas simples 

e nas raízes 

a resposta espera 

amar até que viver 

seja desnecessário 

 

 

Cuortox 

de guerras voltei 

marcado a fogo de Marte 

mãos crispadas e hijas 

mas nunca no amor atracarei 

ali na pedra do porto 

na tua flor de embriagues me tomei 

nunca 

nunca 

nunca mais pude voltar 

nunca tua pele olvidei 

Bambinix 

momentos finais de uma caminhada 

os pés perguntam 

quem será o poeta que o coração carregava? 

 

 

Cuortox 

Do fim 

Fujo até 

ninguem saberá de mim 

deixo um cheiro 

de jasmim. 

 

 

Bambinix 

Descobre em mim 

a maneira de ser eterna 

Perfume de memória 

Evocação do tempo 

Nunca chega ao fim 

A palavra lida. 

 

 

 

Cuortox 

 

Da lida não mais sei 

Torno­me sol 

E lua 

Disforme moldarei o vaso 

que conterá cinzas e som 

e se espalhará ao terral que sopra 

ao mar crespo 

seus cabelos de espuma a 

lamber o céu 

o sol 

a lua 

a lua 

as ruas" 

 

 

Bambinix 

 

poeta 

sabe o dom da transmutação 

e é sol 

é lua 

é rua 

sob os pés cansados 

de musa que não descansa 

sopro cabelos 

as horas 

sons 

as cinzas 

sobre seu mar. 

 

 

Cuortox 

Há um odor perene nas ruas da cidade 

de mar 

como uma suave melodia 

que a identifica 

nao me engano 

conheço teus planos 

impregnas assim o ar 

pra me dar a pista do seu lar 

onde estás agora 

sereia no mar 

Bambinix 

deixo meu rastro no vento 

vibro na nota 

a música alcança seus ouvidos 

poesia reverbera 

em seus planos. 

 

Cuortox 

 

Às vezes 

acho que te invento 

que me chegas 

com esse vento 

que sopras 

em meu ouvido 

de sonhos... 

 

Bambinix 

E se me inventa 

nesta última noite juntos 

o que dirá o vento ao ouvido 

com que arrepio de pele 

gravará meu nome? 

Cuortox 

Vento que me acaricia a pele 

que me vem de leve 

como um sopro doce de verão 

invade varandas vazias 

de casas enviezadas 

todas as madrugadas 

como arrastão 

tira­me o chão 

Refresca meus olhos 

agita meus sentidos 

dispões de meus ouvidos 

para num zunido 

desenhando um vazio 

que o sol da manhã 

vem anunciar 

 

Bambinix 

o sol de amanhã anuncia a saudade 

amanhece mais pálido 

bailou por toda a madrugada 

ele e a lua 

dois astros escondidos 

máscaras de carnaval 

 

Cuortox 

Anjos nao voam 

flutuam atrás da lua 

brincando com a vida 

esperando o sol acordar 

pra então dormirem nos sonhos 

da gente 

 

 

Bambinix 

sonhos, que graça, 

recomeçam 

e sempre 

cabeça em travesseiro de penas 

corpo flutua 

escrever a dois 

é voar .