CADERNO PEDAGÓGICO: FORMAÇÃO DE DOCENTES … · Programa de Pós graduação em Educação-...

127
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL CADERNO PEDAGÓGICO: FORMAÇÃO DE DOCENTES ÁREA: EDUCAÇÃO ESPECIAL NOME DO PROFESSOR PDE: STELLA MARIS NÁPOLIS NOME DO ORIENTADOR: PROFª DRª MARIA JULIA LEMES RIBEIRO 2007/2008

Transcript of CADERNO PEDAGÓGICO: FORMAÇÃO DE DOCENTES … · Programa de Pós graduação em Educação-...

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃOSUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁPROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

CADERNO PEDAGÓGICO: FORMAÇÃO DE DOCENTES

ÁREA: EDUCAÇÃO ESPECIAL

NOME DO PROFESSOR PDE: STELLA MARIS NÁPOLIS

NOME DO ORIENTADOR: PROFª DRª MARIA JULIA LEMES RIBEIRO

2007/2008

2

SUMÁRIO

Apresentação

1. O Processo de Integração e Inclusão Escolar......................................04

2. A Diferença na Escola- Muitas Perguntas, Algumas Respostas............18

3. Problemas na Escola – Uma História Sobre Dificuldades de

Aprendizagem........................................................................................33

4. Identificando as Necessidades Educacionais Especiais ........................51

5. Verificação ou Avaliação: O Que Pratica a Escola?...............................67

6. Processos de Aprendizagem – Metodologia – Adaptações

Curriculares.................................................................................................80

7. O Que Fazer Para Não Excluir Davi, Hilda, Diogo..............................104

Considerações Finais ...............................................................................125

3

APRESENTAÇÃO

Apesar de a integração de alunos com necessidades educacionais especiais no Ensino Regular ser um direito garantido pela Constituição Federa, isto não é suficiente para garantir a constituição e o desenvolvimento de um sistema educacional inclusivo. Para tanto, é necessário que a Comunidade Escolar se disponha a aceitar e a participar desse processo, que é mais complexo do que somente inserir o aluno com deficiência fisicamente numa sala de aula comum. O objetivo deste Caderno Pedagógico é de auxiliar na formação dos docentes do Ensino Regular e Especial, visando identificar caminhos para a construção de propostas curriculares, dentro de uma prática pedagógica de melhor preparo para o atendimento da diversidade num mesmo contexto educacional, contribuindo assim para a construção efetiva de uma Escola de Qualidade para Todos. No entanto, para que isso se torne uma realidade é fundamental que os educadores sintam-se apoiados e encorajados nessa desafiadora tarefa de promover as transformações necessárias nas práticas e políticas educacionais que possibilitam o acesso e a garantia da aprendizagem para todos. É com o intuito de auxiliá-los na execução dessa tarefa, que coloco à disposição dos educadores esse conjunto de textos variados. Alguns selecionados, outros elaborados e outros ainda sugeridos pelo meu Grupo de Trabalho em Rede ( GTR ) . Sem pretensões de dar conta da complexidade da questão da inclusão, ou mesmo dos aspectos técnico-pedagógicos e de adequação curricular, desejo que esse material possa lhe ser de valia no seu processo de formação e no trabalho junto aos seus alunos. Espero que através das idéias expostas os professores sejam alentados a refletir e discutir além dos temas, aliados ao esforço de todos, possamos de fato, garantir condições de acessibilidade a pessoas com necessidades educativas especiais em seu cotidiano escolar a uma educação de qualidade.

Stella Maris Nápolis – Professora PDE

4

Ribeiro, Maria Júlia Lemes. FORMAÇÃO DE PROFESSORES: CONHECENDO AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DAS ESPECIALIZAÇÕES E AS NECESSIDADES DO PROFESSOR PARA A PRÁTICA DE UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA. Tese de Doutoramento apresentada á Universidade de São Paulo-Programa de Pós graduação em Educação- 2005, p. 221. ( Texto extraído da referida Tese).

O Processo de Integração e Inclusão Escolar

Neste estudo, que faz parte de uma capítulo da tese de Doutoramento

apresentada pela autora, são apresentadas as investigações de estudiosos

sobre a questão da inclusão escolar, bem como as implicações decorrentes da

proposta que subjaz o fenômeno da inclusão, que é a de atender os alunos

com necessidades especiais, preferencialmente, na escola regular. Esta

proposta na verdade não aconteceu por acaso, e sobre esta questão,

Mazzota (1998) assinala que:

... as atitudes da escola frente a inclusão, à integração e à segregação do portador de deficiência e dos educandos com necessidades educacionais especiais dependem, essencialmente, da concepção de homem e de sociedade que seus membros concretizam nas relações que estabelecem dentro e fora do ambiente escolar.(p.7)

Mazzota (1998) ratifica então que a direção tomada nos encaminhamentos dos

trabalhos em educação especial, foi sendo determinada pela sociedade. Daí

decorre a idéia de que se torna pouco possível a existência de uma escola

inclusiva, se a sociedade como um todo, continuar sendo excludente. Como

bem coloca Bueno (1999), é preciso que se altere a forma de pensar a pessoa

com necessidades especiais, deslocando o olhar das características

individuais de impossibilidades, para as possibilidades pedagógicas de ensino

e desenvolvimento. Retoma-se a questão básica de que não basta que

atualmente a legislação e outros dispositivos recomendem a inclusão. Se não

5

houver crédito real nas possibilidades do outro, não haverá um investimento,

de fato, no educando com necessidades especiais.

Alguns fatos históricos, como as duas grandes guerras mundiais e as

conseqüências sociais, bem como a Declaração da Criança e dos Direitos do

Homem merecem destaque quando se discute o encaminhamento do processo

de atendimento às pessoas com necessidades educativas especiais, pois

trouxeram à tona a questão da segregação em nível educacional e social

( Vieira, 1984, apud Silva, 2000). Em decorrência disso é que começaram a

surgir as Associações de Pais e, paralelamente, mudanças filosóficas e

posturas atitudinais ocorreram, sendo enfatizada a necessidade de integração

que antecedeu o momento da inclusão. Na perspectiva da Integração encontra-

se subjacente, a proposta de igualdade de oportunidades educacionais, ou

seja, um atendimento educacional diferenciado e individualizado adequado às

possibilidades de cada criança. Salienta-se aí a adoção de métodos, técnicas

e recursos especiais de ensino para as crianças com necessidades educativas

especiais, respeitando-se as individualidades, sem perder de vista o

atendimento mais cedo possível, para que possa atingir metas de auto

realização. Ainda, o direito de participação na sociedade no sentido de que

não seja negada a possibilidade da criança de conviver num ambiente

estimulador e menos restritivo possível junto a comunidade em que vive.

Alguns pressupostos embasam este período ou também denominado como a

fase da integração, como assinala Sprintall & Sprintall (1993, apud Silva,2000,

p. 72).

As pessoas, embora apresentando quaisquer que sejam as dificuldades, têm a mesma seqüência no desenvolvimento;

6

São dependentes das mesmas necessidades para o seu desenvolvimento: ambiente rico em estimulação de aprendizagem e convivência sem restrição.

Estes princípios passaram a nortear as práticas educacionais inicialmente nos

países da Europa do Norte nos anos 50 e 60, e nos EUA, à partir de 1975,com

a publicação da Lei Federal – “Püblic Law”. Esta lei, também considerada a

Magna Carta da educação para todas as crianças que têm sido excluídas das

classes regulares em função da condição de deficiente, teve grande relevância

política por representar a possibilidade alternativa da colocação de alunos com

necessidades especiais em escola especializada. Daí a introdução do

“mainstreaming”, que de acordo com Sprintall & Sprintall ( apud Silva, 2000)

significa manter a criança na corrente principal do rio, conforme proposta que

norteia as ações no processo de integração. Um outro documento que deve ser

lembrado é a publicação na Inglaterra do Warnok Report Special Education

Needs, em 1978 que representou um grande avanço na efetivação da

integração da criança com necessidades especiais no ensino regular. Neste

documento, integração é definida como “o princípio que enuncia a educação

não segregada de pessoas deficientes e não deficientes.”( Bairrão,1981, apud

Silva, 2000, p.102 ), e se encontra organizada sob três formas, a saber:

integração de locais, que sugere a colocação de classes especiais dentro das

escolas regulares,ou ainda, uma escola especial e uma regular no mesmo

espaço físico; integração social que se refere às atividades/ convivência social

em geral ; e a integração funcional, que diz respeito a integração dos alunos

da educação especial em classes regulares com um atendimento próprio.

O mesmo documento também trouxe a primeira conceituação de necessidades

educativas especiais, as quais exigem: “o fornecimento de meios especiais de

7

acesso ao curriculum através de equipamentos, instalações ou recursos,

modificações no meio físico ou técnicas de ensino especial; acesso a um

curriculum adequado ou adaptado; uma especial atenção á estrutura social e

ao clima emocional nos quais se processa a educação” (Warnok Report

Special Education Needs ,1978: 3-40 apud Silva, 2000). De acordo com outros

estudiosos da época, de fato, necessidades educativas especiais sugerem que,

quando instalada uma dificuldade em nível físico, mental ou emocional que

pode trazer decorrências na dificuldade de aprendizagem no contexto comum,

com a mesma metodologia utilizada para as outras pessoas, devam ser

implementadas intervenções específicas e diferenciadas, podendo acontecer

num período temporário ou permanente .

No Brasil a partir da década de 60 houve o surgimento de centros de

reabilitação para atender os diversos tipos de necessidades especiais, sendo

caracterizado o Paradigma de Serviços, voltado para o objetivo de integração

da pessoa com necessidades especiais na sociedade. Este modelo de

atendimento educacional implicou em ofertar trabalho em situações/serviços

que facilitasse ao indivíduo com necessidades especiais, acesso e

permanência na escola.

No contexto da promoção da integração das pessoas com necessidades

especiais, um fato histórico marcante por impulsionar posturas, foi o “Ano

Internacional das Pessoas Deficientes “, em 1981, que teve como resultante o

Programa de Ação Mundial para estas pessoas, aprovado em 03/12/1982.

Neste, foram proclamados os direitos da pessoa com necessidades especiais

às mesmas oportunidades que os demais cidadãos, e, a desfrutar em pé de

8

igualdade com as condições de vida das outras pessoas, nos âmbitos social,

político e educacional. Ainda, a educação destas pessoas deve constituir-se

em parte integrante do plano nacional de ensino, de elaboração de planos de

estudo e da organização escolar. A integração em escolas regulares exige a

prestação de serviços de apoio apropriados, de forma a facilitar as condições

de acesso e permanência nas mesmas

A promulgação da Constituição de 1988, que define o atendimento educacional

do deficiente de preferência no ensino regular, bem como a Lei Federal

7.853/89 ratificam a implementação de ações para a efetivação de uma

educação integradora.

A análise desse momento sócio político e educacional mostra que a proposta

de atendimento educacional das pessoas com necessidades especiais

preferencialmente no ensino regular não é recente, há muito tempo já se

recomendava esta prática em documentos oficiais. Baumel (1998) assinala

que, no Brasil, esta idéia foi retomada no contexto educacional, sendo

amplamente discutida e divulgada a partir do Segundo Seminário Nacional de

Integração da Pessoa Portadora de Deficiências (1994) . Neste seminário que

reuniu representantes oficiais de 88 países e de 25 organizações

internacionais, foi debatido e reafirmado “... o compromisso para com a

Educação para Todos, face a urgência de encaminhamento das intervenções

junto a população que apresenta necessidades especiais no sistema de

Educação Geral, comum.” (Baumel,1998, p.34).

Com o entendimento de uma política educacional que intenciona promover a

interação e a inclusão de todas as pessoas, Baumel (1998, p.33) assinala a

9

necessidade de reformulações nas dimensões pedagógicas e,

conseqüentemente, no direcionamento das ações na escola, de tal sorte que

sejam contempladas as seguintes preocupações:

Condições favoráveis á aprendizagem em sala de aula;A organização dos recursos educativos;Enquadramento das ações, no contexto da concepção dessa escola;Perspectivas e respostas práticas e reais das escolas á diversidade dos alunos.

Mazzota (1998) também reconhece como fundamental que algumas questões

da escola sejam focalizadas no sentido de que se efetive, de fato, um processo

de inclusão escolar: no âmbito do sistema de ensino e da unidade escolar.

Com relação ao sistema de ensino, aponta a necessidade de que sejam

definidas diretrizes para uma organização mais ampla que inclua o atendimento

de alunos com deficiência nos serviços comuns, inclusive com a utilização, se

necessário, de recursos especiais e orientações pedagógicas e administrativas

às escolas. Além disso, recomenda que não se descarte a importância do

pessoal especializado em educação especial, mas que estes se configurem

como recursos indispensáveis de apoio a educação regular.

A questão do atendimento complementar, se necessário, é apresentado na

Declaração de Salamanca, em que são tratadas as Diretrizes de Ação no Plano

Nacional, no item Fatores Escolares

A alunos com necessidades Educativas Especiais deverá ser dispensado apoio contínuo, desde a ajuda mínima nas classes comuns até a aplicação de programas suplementares de apoio pedagógico na escola, ampliando-os quando necessário, para receber a ajuda de professores especializados e de pessoal de apoio externo. ( Declaração de Salamanca, 1994, p.34)

10

Reconhece-se, como necessários nesta pontuação, os serviços de apoio que

poderão beneficiar os alunos com deficiência, bem como os serviços de

pessoal especializado em educação especial no atendimento dessas crianças

no ensino regular. Significa então dizer que, em âmbito oficial, também são

reconhecidos como necessários os serviços de educação especial que, em

hipótese alguma, poderiam ser desconsiderados em um processo, cujas

informações, já existentes, só poderão contribuir para o sucesso do

encaminhamento educacional no modelo proposto.

Quanto à Unidade Escolar, Mazzota (1998) recomenda que esta se estruture

de forma a deter um conjunto de recursos que possibilite o atendimento

educacional das pessoas com deficiência. Entre os quais, está a organização

curricular para que atenda as reais necessidades de seu alunado, um currículo

que vise ao atendimento da diversidade e não privilegie um atendimento a

“alunos idealizados”.

Também com relação a escola, a própria Declaração de Salamanca pontua a

flexibilidade do programa de estudo

Os programas de estudo devem ser adaptados às necessidades da criança e não o contrário. As escolas deverão, por conseguinte, oferecer opções curriculares que se adaptem ás crianças com capacidades e interesses diferentes. (Declaração de Salamanca, 1994, p.33).

A flexibilidade curricular poderá gerar certas facilitações para o alunado, no

sentido de que aprenderá conteúdos que não estão distantes de sua

possibilidade cognitiva, o que pode significar a diminuição dos insucessos

vivenciados pelo aluno no processo de inclusão escolar.

11

De acordo com o Projeto Escola Viva ( MEC / SEED, 2000) para que

adaptações dos programas de estudo possam ser realizadas é necessário que

alguns mitos sejam revistos e desfeitos, como:

o surdo é agressivo e atrapalha o andamento da aulao deficiente mental não aprende e atrapalha o andamento da aula . o deficiente mental é chato, pegajoso, não respeita limiteso cego é meio “ por fora ” e “molão” de forma que nem aproveita muito das aulasa criança que tem paralisia cerebral é perigosa, agressiva, não dá para conviver com outras criançasa criança que tem paralisia cerebral é retardada, nunca vai aproveitar nada do ensino em classe regularas crianças com deficiências tem inúmeros problemas de comportamentoas crianças com deficiências tem problemas e necessitam de cuidados que só os educadores especiais são capazes de daras crianças com deficiências são dependentes e incapazes de fazer qualquer coisa sozinhas. (Projeto Escola Viva – Deficiência no Contexto Escolar, 2000, p.13))

A disponibilidade para neutralizar tais mitos exige um caminhar na direção de

desfocar o olhar apenas da impossibilidade, mas ampliar tal visão para prover

condições de desenvolvimento. Um outro aspecto a ser observado nestes

mitos, é a existência de ransos de uma generalização de condições para todas

as pessoas que possuem limitações na mesma área. Mesmo dentro de uma

deficiência denominada “surdez” ou “deficiência mental”, existem as

especificidades a serem observadas, o que justifica toda uma preocupação

com relação ao atendimento educacional que considere as características

próprias de cada educando, as quais estão em consonância com as propostas

contidas e oriundas da Declaração de Salamanca.

12

Cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprios, - os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados de modo que tenham em vista toda gama dessas diferentes características e necessidades. (Castro et al , 2003 p.140)

Avançando na direção de concretizar propostas neste sentido, o mesmo

Projeto assinala algumas diretrizes que poderão nortear o trabalho educacional

inclusivo, como: cada educando tem necessidades próprias; a identificação das

necessidades é papel do professor, que poderá contar com avaliações

profissionais complementares, caso se faça necessário; a identificação de

necessidades é primordial para nortear o planejamento de ensino e propiciar

um atendimento de qualidade.

Buscando atender aos princípios norteadores, a Secretaria de Educação

Fundamental e a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação,

uniformizaram no documento Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações

Curriculares (Brasil,1999), as estratégias para a educação de alunos com

necessidades educativas especiais. As adaptações curriculares se referem na

verdade a flexibilização dos programas de estudos que constam na

Declaração de Salamanca, bem como em outros documentos como o Parecer

CNE/CEB n.17 de 03/7/2001, relativo ás Diretrizes Nacionais para a Educação

Especial na Educação Básica, que, ao tratar dos Referenciais para a

Educação Especial, recomenda aos sistemas de ensino e educação, “orientar

acerca de flexibilizações/ adaptações dos currículos escolares” ( Castro et al,

2003, p.135 ).

13

Em documentos oficiais elaborados pela Secretaria de Estado da Educação e

Ministério da Educação e Cultura, como os Parâmetros Curriculares Nacionais

da Educação Básica (1999), o Projeto Escola Viva ( Brasil,2000; Fundamentos

Teóricos-Metodológicos para Educação Especial ) são definidos como

adaptações curriculares, os ajustes graduais que são propostos no

planejamento escolar e pedagógico, bem como nas ações educacionais em

resposta as necessidades especiais de alunos. Após identificar as

necessidades, estas revelam justamente que tipos de ajuda ou suporte

diferente dos usuais são necessários para cumprir as finalidades da educação.

Ainda de acordo com o documento estas respostas devem estar previstas e em

consonância com o projeto pedagógico da escola, não se constituindo em um

currículo novo, mas em uma adaptação progressiva do ensino regular,

garantindo assim a participação do aluno especial em uma programação tão

usual quanto possível, mas que considere as especificidades. Um

planejamento desta forma, comprometido com a inclusão e permanência do

aluno com necessidades especiais no ensino regular, exige um envolvimento

que vai além da relação direta professor-aluno, nela colaboram ainda os

setores administrativos e normativos ao nível de País, Estado e Município,

direção da unidade escolar, família e comunidade.

Com este breve estudo, que antecede á vários outros tratando desta temática,

espera-se que as idéias e acontecimentos fundamentais para as mudanças

tenham se prestado a nortear o percurso que será realizado para a preparação

da figura fundamental neste processo, que é o professor. Falar então de

inclusão escolar significa, adotar uma proposta político pedagógica, em que

seja contemplada a educação de qualidade para todas as pessoas, sem no

14

entanto, cair no equívoco de que é possível mudar sem informação, ainda que,

esta última por si só não garanta necessariamente mudanças. Trata-se de uma

tentativa de rever um processo de atendimento de caráter sócio político e

educacional, que não teve início na escola, mas através dela, e neste

momento, a preocupação é retomada, em âmbito mundial, e a escola tem sido

o principal foco das expectativas de mudanças, através do processo de

inclusão escolar.

BIBLIOGRAFIA

BAUMEL, Roseli. C. R. de C.; SEMEGHINI, I (orgs). Integrar/Incluir: desafio para a escola atual. São Paulo: FEUSP, 1998 .

BAUMEL, Roseli C. R .de C.(org.) Formação de professores: Algumas Reflexões. In: Castro, Adriano Monteiro de et al.. Educação Especial – Do querer ao Fazer. São Paulo: Avercamp , 2003, cap. II. p. 27 – 39 .

________________________. Formação de Professores e a Escola Inclusiva. Revista Integração. São Paulo, edição n º 24 / 2002. p. 6 - 11.BERTICELLI, I. A. Currículo: Tendências e Filosofia. In: COSTA, M.V. (org.) O currículo nos limiares do contemporâneo. 2. edição. Rio de Janeiro: DP&A, 1999, p. 159 – 175.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília, 1994.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96 de 20/12/96. Diário Oficial da União, Brasília (DF), n. 248, 23/dez/96.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares – estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília, MEC/SEF/SEESP, 1999.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Projeto Escola Viva. Brasília, 2002

15

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Básica – Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília, 2001.

.BUENO, José G. S. Crianças com Necessidades Educativas Especiais, Política Educacional e a Formação de Professores: Generalistas ou Especialistas? Revista Brasileira de Educação Especial. Piracicaba v.3, n.5 , setembro / 1999, p.7-25..

.GARCIA, C. M. Formação de Professores – Para uma Mudança Educativa.. In BAUMEL, Roseli C. R .de C. (org) Formação de professores: Algumas Reflexões. Educação Especial – Do querer ao Fazer. São Paulo: Avercamp , 2003, cap. II. p. 27 – 39 .

Hammersley. M. Reading ethnographic research. Second edition. New York: Longman,1998

IDE, S. M. Pessoas com necessidades educativas Especiais: currículo ao programa de Intervenção Educativa. Temas sobre desenvolvimento. São Paulo: Mennon. v. 7, n.. 42, janeiro/fevereiro p. 5-14, 1999.

JANUZZI, Gilberta. A luta pela educação do Deficiente Mental no Brasil. São Paulo:Autores Associados, 1992.

LÜDCKE, M. e ANDRÈ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação:Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MAZZOTTA, Marcos. J. S. Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1996.

_____________________. In CARVALHO, Rosita E. A nova LDB e a Educação Especial. Rio de Janeiro: WVA, 1997.

_____________________. Trabalho Docente e Formação de Professores de Educação Especial. São Paulo: EPU, 1993

16

MENDES, Enicéia. G. História da educação Especial para Portadores de Deficiência no Brasil. São Carlos: UFSCAR, 1997.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA (MEC)/ INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISA (INEP). Site netescola.pr.gov/netescola/escola/087045005/educação especial, 2003.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA (MEC/SEED) SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA Site www.mec.gov.br, 2004.

NÓVOA, Antonio. Relação escola – sociedade:¨novas respostas para um velho problema¨. In: SERBINO, Raquel Volpato et al.(orgs.) Formação de Professores . São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998, p.19 - 39.

______________.(Org.) Profissão Professor. Portugal: Porto, 2a. ed.,

1995,191p.

______________. Os professores e sua formação. Lisboa : Dom Quixote, 1992 .

SARAIVA, M. ; RIBEIRO, M. J. L. Cursos de Estudos Adicionais ao Magistério na Universidade Estadual de Maringá : avaliação e retroalimentação de conteúdos para atuação em Educação Especial. Projeto de Pesquisa/UEM, 1989.

SARAIVA, M. ; RIBEIRO, M. J. L. Cursos de Estudos Adicionais ao Magistério na Universidade Estadual de Maringá : avaliação e retroalimentação de conteúdos para atuação em Educação Especial. Projeto de Pesquisa/UEM, 1999.

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ / DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL. Fundamentos Teórico - Metodológicos para Educação Especial. Curitiba: DEE, 1994.

17

SILVA, Maria Odete E. da. A análise de necessidades de formação na formação contínua de professores: um caminho para a integração escolar. São Paulo, 2000. Tese ( Doutorado em Educação) Universidade de São Paulo. Faculdade de Educação da USP.

SPRINTALL, N. A.; SPRINTALL, R. C. Psicologia Educacional In SILVA, Maria Odete E. da. A análise de necessidades de formação na formação contínua de professores: um caminho para a integração escolar. São Paulo, 2000. Tese ( Doutorado em Educação) Universidade de São Paulo. Faculdade de Educação da USP.

UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília, CORDE, 1994.

VIEIRA, M. T.. Une Ètude de Líntégration Scolaire des Enfantes Handicapés au Portugal. In: SILVA, Maria Odete E. da. A análise de necessidades de formação na formação contínua de professores: um caminho para a integração escolar. São Paulo, 2000. Tese ( Doutorado em Educação) Universidade de São Paulo. Faculdade de Educação da USP.

____________. A Integração Escolar – Uma Prática Educativa. In: Educação, n.10, julho/1995, p. 16 – 21.

WARNOCK, H. M. Special Education Needs: report of the Committee of Enquire into the Education of Handicapped Children and Young People.In: In SILVA, Maria Odete E. da. A análise de necessidades de formação na formação contínua de professores: um caminho para a integração escolar. São Paulo, 2000. Tese ( Doutorado em Educação) Universidade de São Paulo. Faculdade de Educação da USP.

Questão:

Retire as idéias principais contidas no texto e fomente uma discussão a respeito das mesmas.

18

A diferença na escola – muitas perguntas, algumas respostas [1]

Anna Maria Lunardi Padilha §

Na escola tem lugar para quem é diferente? Uma pergunta como esta supõe análises complexas, sob diferentes mirantes. Primeiro, seria preciso que nós refletíssemos sobre o que é ‘lugar’. Depois, sobre o que seria ‘diferente’ e então. sobre o que é ‘escola’.

Cada uma destas palavras, que na verdade são conceitos, podem ser compreendidas sob diferentes concepções. O ponto de partida para se analisar as questões colocadas depende do nosso olhar sobre elas. Depende da nossa visão de sujeito, da nossa opção por qual seja o papel da escola; depende do que pensamos ser cultura, criança, educação...Quer saibamos ou não; quer tenhamos mais ou menos consciência, todas as nossas escolhas articulam-se com concepções teóricas que as explicam.

Escolher este ou aquele programa escolar; escolher esta ou aquela atividade; priorizar este ou aquele assunto, este ou aquele conteúdo; avaliar de uma certa forma ou de outra; apoiar-se em certos diagnósticos da deficiência; aplicar determinados testes; defender um projeto ou, pelo contrário, ser contra ele; aceitar certos modelos de ensino... enfim, qualquer opção está marcada por uma concepção. Parece-me importantíssimo que as concepções sejam explicitadas para que cada um de nós possa assumir posições de forma mais consciente e consistente.

Tomo a concepção de sujeito de Mikhail Bakhtin, ou seja, do sujeito em suas relações entre sujeitos: seu caráter concreto, sua totalidade, sua responsabilidade, seu caráter inesgotável, inconcluso, aberto” (1992:378). Concepção que está de acordo com a de Lev Semionovich Vigotski, cuja matriz é também marxista: somos as relações sociais internalizadas. Sujeitos históricos, encarnados na cultura, simbólicos. Somos constituídos nas relações concretas com outros sujeitos, durante toda a nossa vida. O desenvolvimento humano não acontece apenas por forças biológicas porque somos biologicamente culturais e culturalmente biológicos. E a escola? Faz parte das relações concretas de vida daqueles que a freqüentam, assim como faz parte (por que faltando), das relações sociais dos que não a freqüentam ou freqüentaram, quando tratamos de colocá-la em lugar de destaque nas sociedades chamadas de letradas.

A pergunta inicial começa a nos incomodar. Será que escola não é apenas escola e pronto? O que é diferente pode não ser assim? E lugar? Como conceituar este substantivo?

Segundo o novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, “lugar é o espaço próprio para determinado fim”. Bem, parece fácil, portanto, formular a questão: a escola é o espaço próprio para os diferentes? A resposta, no entanto não está facilitada porque a escola parece-me, é o espaço próprio para os que são

19

iguais.

Diferente, de acordo com este mesmo dicionário significa “o que não é igual; que não coincide; que diverge; variado; tem a ver com diversidade”.

A pergunta, então, ficaria assim: a escola é um espaço próprio para ensinar pessoas diversas, variadas, não coincidentes? A escola é espaço próprio para a diversidade?

Estamos cada vez mais distantes de uma resposta afirmativa: sim a escola é lugar também para os diferentes. Ela tem um mesmo programa para todos, que não é apropriado por todos; uma abordagem quase que única de avaliação - para os que são iguais e para os que são diferentes, mesmo sabendo que os que são iguais, não são tão iguais assim. Mas a escola fica procurando um jeito de se programar para os que são os mais “iguais” a ela. Como assim? Iguais à escola? Mas o que é a escola? Quem é a escola? (na verdade, não é nada fácil levar a sério as palavras que falamos).

No Novo Dicionário Aurélio há pelo menos duas dezenas de significados para esta palavra. No entanto, o primeiro deles diz que “escola é o estabelecimento público ou privado onde se ministra, sistematicamente, ensino coletivo”. Será que coletivo quer dizer igual para todos? Para todos ao mesmo tempo? Isto o dicionário não diz, mas a história nos conta... e a nossa pergunta inicial poderia ficar assim formulada: no estabelecimento onde se ministra sistematicamente ensino coletivo tem espaço próprio para o que é divergente, para o que é variado e não coincidente?

A escola, no Brasil, nunca esteve em lugar de destaque, nem na sua Carta Magna. Conforme as necessidades dos grupos que estão no poder, as leis vão se arrumando, se ajeitando para colocar a escola neste ou naquele lugar social. A escola não tem importância por si mesma, como possibilidade privilegiada de exercer o direito ao saber, ao conhecer. Não se costuma pensar politicamente em país escolarizado, letrado, que lê e escreve – que sabe o que significa o que lê e escreve, tanto para sua vida quanto para a vida da sociedade; que produz e não apenas reproduz; que adquire conhecimentos sobre seus direitos e deveres; que desenvolve o espírito crítico.

Se as indústrias estão no comando econômico e necessitam de mão de obra boa e barata, é preciso que o governo determine urgentemente que se instalem escolas profissionalizantes. E começam cursos e mais cursos para preparar professores e salas de aula – propagandas para os jovens, pré anunciando o sucesso profissional. Caso o que se precise é de dinheiro emprestado dos bancos dos países ricos para pagar as contas dos bancos dos países pobres e estes órgãos estrangeiros determinarem que só emprestam a tal quantia caso não haja analfabetos neste país, nem evasão escolar, nem repetência, então corre o governo a determinar que haja escola para todos e que todos sejam aprovados, mudando de série automaticamente. Ao mesmo tempo há uma avaliação oficial que é feita para todos. Esta avaliação pretende avaliar o quê?

20

E serve a quais interesses?

A elaboração dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), como parte de uma política neoliberal para a educação, precisa de um mecanismo de controle para garantir o sucesso deste seu projeto e a avaliação nacional é uma das suas estratégias, como parte do plano de exclusão “dos que são rotulados de ‘incapazes’, utilizando para isso vários sinônimos, mais ou menos cínicos, mas que geralmente excluem os que fogem do ‘padrão’ esperado e delineado pelo capital, cuja ‘lógica’ pode ser buscada através das categorias de classe, gênero, raça, opção sexual, portador de deficiência (real ou fictícia)” – nos diz Corinta G. Geraldi (1999:125). Esta avaliação oficial tem sido defendida como se ela estivesse garantindo um ensino melhor preparando-nos uma “armadilha que [nos] impede de perceber e estudar os grandes problemas da educação” (Barriga, 1999: 83).

Maria Teresa Esteban, analisando a questão da avaliação no cotidiano escolar, afirma que freqüentemente a avaliação feita pelo professor se fundamenta na fragmentação do processo ensino/aprendizagem e na classificação das respostas de seus alunos e alunas, a partir de um padrão pré determinado, relacionando a diferença ao erro e a semelhança ao acerto (1999:14-15). A autora fala da avaliação miúda, aquela do dia-a-dia da sala de aula, mas que marca o erro como desconhecimento, revelador do não-saber e portanto, com toda valoração negativa. Desta forma a avaliação da escola e na escola, tem uma perspectiva excludente, “que silencia as pessoas, suas culturas e seus processos de construção de conhecimento” (idem:15).

Estas são questões que devem fazer parte de nossas reflexões, se o que se quer é discutir seriamente sobre educação, escola, formação de professores, diferença, inclusão...

Infelizmente, o Brasil está atrasado em relação ao cumprimento sério dos direitos humanos. Os deficientes, principalmente os pobres, não têm acesso aos bens culturais desenvolvidos pela humanidade. A ciência e a tecnologia avançam, sem, no entanto servir a todos. Não há escadas rolantes, rampas, ônibus com mecanismos especiais para todos os deficientes físicos... não há sequer escolas públicas aparelhadas para recebê-los, com as necessidades que têm... não há aparelhos auditivos disponíveis para todos os surdos da classe popular que deles precisam... não há Escolas Normais (salvo exceções que desconheço) que prepare seus futuros professores para a leitura da Língua Brasileira de Sinais, a Língua dos surdos, ou que ensine o Braille, indispensável para a cegos poderem ler e escrever... Não fazem parte dos programas a questão da terra (e dos sem ela), dos negros, das mulheres, das crianças que vivem na rua... Aliás, o que vai ser das nossas escolas Normais? E dos nossos cursos de Pedagogia? Como estamos definindo as Políticas Públicas de nossa educação?

E quanto aos deficientes mentais? Quem são eles? Quem determina que alguém é mais eficiente ou mais deficiente que os outros? Mas, a lei diz que todos têm direito à educação e ao acesso aos bens culturais (diz mesmo?). Há

21

uma legislação para a educação dos deficientes, cujo nome é Educação Especial. Mas, o que ela tem de especial? Especial por quê? Em quê? Ensina menos? Ensina mais devagar? Mas o que é ensinar mais depressa? O que é aprender mais depressa ou mais devagar?

Cabe aqui lembrar o que nos diz Michel Foucault, cujas obras falam da vida humana, ajudando-nos a compreender o papel das instituições na vida das sociedades. Em seu livro Vigiar e Punir (1997) ele conta o nascimento da prisão e do manicômio e compara com o da escola – instituições modernas nas quais o controle expressa-se na construção dos corpos dóceis através da disciplina. A escola incorpora, assim, as estratégias de controle institucional: “A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e controla todos os instantes das instituições disciplinares compara, diferencia, hierarquiza, homogeniza, exclui. Em uma palavra, ela normaliza (p.163).

Em outro momento de sua reflexão, o que ele nos diz parece mais grave: “O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar, punir (p.164).

A escola deve punir a ignorância com as provas, os exames, as avaliações, as correções, as repetições, as cópias dos modelos... alunos e professores devem permanecer em silêncio, cumprir as ordens, sentarem-se assim ou de outra forma, conforme a determinação “da mais moderna pedagogia”. Devem escrever mais neste material do que em outro, também conforme as mais atuais determinações de algumas autoridades que ninguém sabe muito bem quem são... Sentar perto dos amigos, nem pensar... Vai sair conversa e vão formar grupinhos, e conversa e grupinhos não são coisas boas para a escola, para os presídios, para os hospícios. O corpo deve ser dócil e obediente... silente. “Nada de ficar ocioso ou inútil. Um corpo bem disciplinado forma o contexto de realização do mínimo gesto” (p.138).

Os professores ficam, muitas vezes, à mercê dos manuais, das instruções, das resoluções, sem saber o que devem fazer, sem a coragem de juntos, formularem propostas e analisarem suas práticas. Há os que protestam contra essa situação perguntando quando é que vão falar o que devemos fazer? no lugar de terem sempre que assumir o mea culpa por estarem fazendo o que não devem. São manuais/guias de todo tipo. Antes, vindos de uma Secretaria daqui ou dali, agora, vindos em forma de parâmetros... Sempre vindos de algum lugar. E não nos esqueçamos que lugar é o espaço próprio para determinado fim.

É preciso perguntar, como fazem os filósofos ou como aqueles que, não aceitando passivamente o que lhes é imposto, questionam. É preciso parar um pouco a corrida contra o tempo para que as questões emerjam e nos provoquem: quem determina a finalidade do que se ensina? Quem determina o que é importante saber? Quem deve saber mais? Ou: quem deve saber apenas um pouquinho para não ficar um semi analfabeto? Ou se é analfabeto ou se é alfabetizado. Não há semi gravidez, semi pobreza, semi escola, semi

22

alfabetizado, semi politizado... As questões continuam as mesmas: quem deve saber? O quê? Por quê? Para quê?

Ter lugar na escola, não é apenas ter uma carteira, um uniforme, material escolar, merenda ou professor (mesmo que tudo isto faça parte da possibilidade de pertencer a uma escola). A questão é saber: quem tem lugar na escola, que lugar tem? Que tipo de relação vivencia?

São as relações entre as pessoas que determinam seus papéis sociais e estes, por sua vez, determinam a dimensão das relações – só há pai porque há o filho. Só há o professor porque há o aluno (aprendendo com o professor). Quem ensina, ensina para alguém que aprende. E quem é que aprende? Onde? Quando? Onde há ensino para aqueles que aprendem diferente do professor?

Muitos de nós, professores, nem ao menos sabemos como é que aprendemos o que sabemos ou porque será mesmo que não sabemos tantas outras coisas.

Quem aprende igual à escola? Não seriam aqueles que já sabem, independente da escola? Os iguais não seriam aqueles cujos pais já sabem e ensinam? Não seriam aqueles que já nasceram em um grupo social/econômico privilegiado? Não seriam aqueles que ganham livros, lápis de cor, aquarelas, lousas, computadores... como presentes, nas festas dos primeiros aniversários? E os diferentes... são diferentes por quê? Em quê?

Não adianta tanta lei, tanta imposição, tantas resoluções, tantas comparações, tantas oficinas pedagógicas...Mesmo que tudo isto componha o fazer pedagógico, é preciso uma tomada de posição mais grave. Mais consciente, mais competente, mais criativa, mais comprometida politicamente com a classe popular.

Uma reflexão aparentemente simples nos convida a mudanças radicais: a escola existe para ensinar aos que não sabem, o quê? Para ensinar os que sabem, o quê?

Problemas de aprendizagem dos alunos não seriam então problemas de ensinagem da escola? Mas, quem ensina o professor? Quem educa o educador?

O leitor deve estar se perguntando: a que veio este texto? Só para falar que as coisas estão ruins? Veio dizer o óbvio? Veio criticar? A crítica pela crítica só destrói. É preciso construir. Isso tudo nós já sabemos! Pessimismo não resolve.

E não resolve mesmo. Vejo caminhos de superação de tantos problemas: vejo professores pesquisando sua própria prática; vejo professores refletindo sobre a sua ação, junto com outros professores que também refletem sobre a própria ação. Vejo professores, uns poucos aqui, outros poucos ali, que estão modificando o próprio olhar sobre o que venha a ser ensinar, aprender, eficiência, deficiência, diferença, semelhança... Vejo alguns poucos programas

23

que elegem necessidades da comunidade como fio condutor das aulas. Vejo alguns professores mais autônomos, mais independentes, argumentado mais, porque estudando mais e conseqüentemente sabendo mais sobre o que fazem e dizem. Vejo professores que atuam em diferentes grupos sociais, levando a escola para construções sem paredes, para paredes sem lousa, porque assumem um papel revolucionário e corajoso junto àqueles a quem são negados os direitos à cidadania.

A questão colocada por mim no início continua presente, mesmo que, agora, com algumas indicações de que não é tão simples assim falar de inclusão. Não podemos nos esquecer de que o que se pretende não é apenas incluir na escola os excluídos, oferecendo vagas aos diferentes ou colocando-os junto com os chamados de iguais, como se, por um passe de mágica as diferenças se acabassem. É mais do que isto, no meu entender.

Para tratarmos da tão cantada inclusão, busco a inspiração em um dos poemas de Bertold Brecht, que nasceu em 1898, na Alemanha e passou a vida fugindo dos nazistas que o perseguiam. O nome deste que poema que escolho é ‘Elogio ao aprendizado’. Convido a todos nós a transportar estas palavras tão prenhes de sentidos múltiplos para nossos dias, para nossas vidas. Quem sabe, assim, conseguimos traçar algumas metas; possamos vislumbrar algumas possibilidades:

Elogio ao aprendizado

Aprenda o mais simples! Para aqueles/ Cuja hora chegou/Nunca é tarde demais!

Aprenda o ABC; não basta, mas /Aprenda! Não desanime!/Comece!

É preciso saber tudo!/ Você tem que assumir o comando!

Aprenda, homem do asilo!/ Aprenda, homem na prisão!/ Aprenda, mulher, na cozinha!

Aprenda, ancião!/ Você tem que assumir o comando!

Freqüente a escola, você que não tem casa!

Adquira conhecimento, você que sente frio!

Você que tem fome, agarre/ O livro: é uma arma./ Você tem que assumir o comando!

Não se envergonhe de perguntar, camarada!

Não se deixe convencer/ Veja com seus olhos!

24

O que não sabe por conta própria/ Não sabe.

Verifique a conta./ É você que vai pagar.

Ponha o dedo em cada item/ Pergunte: O que é isto?

Você tem que assumir o comando.

Fico então me perguntando como deveriam ser as aulas; como deveriam estar organizadas as salas de aula (ou as aulas sem sala), quais deveriam ser as prioridades e encontro algumas respostas: ler, ler muito. Ler o mundo. Ler o próprio mundo, a própria vida. Ler o que dizem os jornais. Ler o que eles deixam de dizer. Ler poemas. Ler teatro. Ler literatura. Ler nossos direitos. Ler os documentos. Ler o que dizem os estudos da ciência. Ler sobre drogas, sobre Aids, sobre vacinação... sobre saúde e sobre doença. Ler sobre as causas e possibilidades da saúde e da doença; as causas e possibilidades sobre a fome e a desnutrição. Ler sobre o que a ciência não responde. Ler histórias de vidas (é há tantas vidas para se ler...). Ler sobre as lutas de classe. Ler sobre as grandes amizades. Ler mapas; ler tabelas. Ler contos; crônicas; piadas. Ler cartas, ler bilhetes. Ler denúncias, ler argumentos, ler solicitações. Ler música, ler cinema. Ler o que se quer que os outros leiam. Ler o que escrevemos, o que falamos, o que pensamos, o que desejamos. Ler nossos sonhos desejados. Ler nossas angústias registradas... Ler para saber o que pensam os outros.

Ler para assumir o comando. Ler para concordar, para discordar, para saber, para tirar as dúvidas sobre o que nos falam as novelas, as propagandas na TV. Ler para assumir o comando da própria vida...

E se os alunos não sabem ler? E se não entendem o que lêem?

Lemos para eles, lemos por eles, lemos com eles. Escutar a leitura do outro também é ler. Falar de suas vidas, de suas experiências, também é ler. Se formos esperar que nossas crianças e jovens aprendam a ler com perfeição para que possam conhecer, pela leitura, o que acontece no mundo e na vida, então, por certo demorarão muito e a maioria deles jamais terá acesso a bons livros, a bons romances, a notícias, a histórias; enfim, a maioria dos cidadãos brasileiros continuará marginalizada, mesmo que a lei os inclua na escola - mesmo que ocupem lugar nos bancos escolares, não ocuparão os lugares sociais destinados aos privilegiados.

O que a escola tem fornecido aos seus alunos como opção de leitura? O que os professores têm lido para seus alunos, diariamente? O que os professores têm lido em suas casas, diariamente? E nas bibliotecas? Nos encontros, nas reuniões? Professor é leitor? De quê?

Quem foi que disse que criança precisa ler frases soltas e curtas? Quando elas conversam, dizem apenas frases curtas e soltas? Quando brigam, quando pedem, quando recordam, quando fantasiam, quando mentem... dizem apenas

25

frases curtas e simples? O que estou chamando de frases curtas não são aquelas que possuem poucas palavras, mas aquelas que não têm sentido.

Quanto a este aspecto, vale lembrar os estudos de Ângela Kleimam e colaboradores (1995). O que é denominado “letramento” extrapola o mundo da escrita presente na escola. A escola é a mais importante agência de letramento, mas não o tem considerado, via de regra, como prática social. Alfabetização é uma parte apenas do processo de letramento.. Letramento é um conjunto de práticas sociais e os seus modos específicos de funcionamento são constitutivos das relações de identidade e poder.

Produzir textos, portanto, é mais que escrever palavras ou frases e só se pode ser letrado junto com os outros, na relação entre pessoas. Seus múltiplos sentidos são possíveis devido as múltiplas possibilidades de atribuir sentido. O texto deve produzir tensão, diferentes interpretações (previstas ou não), pois “o confronto de pontos de vista fazem da sala de aula um lugar de produção de sentidos. E esta produção não pode estar totalmente prevista pela ‘parafernália da tecnologia didática” (Geraldi, 1991:112).

Que textos temos levado para as salas de aula que provocam múltiplos sentidos?

Só na escola as frases são curtas, as famílias são compostas por um pai, uma mãe e dois filhos sadios e brancos. Só na escola os problemas seguem a famigerada lógica do tipo “mamãe comprou 5 dúzias de ovos”; José comprou três centenas de figurinhas”... Só na escola se compra tanto. Se gasta tanto! Filhos de pais desempregados gastam horrores na escola, comprando, pagando, recebendo trocos... na ilusão de que assim deve ser porque a escola sabe o que diz... Mas a escola não sabe da vida deles... Não sabe com quantos pedaços de paus se faz uma casa na favela; não sabe quantos quilos de lixo são necessários para alimentar uma família... (e nem que no lixo tem mais comida que nas mesas deles). A escola não sabe que muitos pais chegam em casa tarde, a energia foi cortada por falta de pagamento, o salário não dá para o remédio que o posto de saúde não tinha para dar... Mas os professores sabem disso... E por que tudo isto não está nos programas escolares?

Que problemas propor? Que problemas da vida da comunidade devem ser transformados em problemas para serem discutidos e resolvidos? Que textos devem ser lidos e interpretados?

Que hipóteses são levantadas, em sala de aula, para resolver alguns dos muitos problemas do lixo do bairro? Da poluição? Da falta de esgoto? Do Posto de Saúde fechado? Da falta de emprego? Das mentirosas promessas que os políticos dizem? A escola sabe quem são os candidatos das próximas eleições? Conhece a vida de cada um deles? Discute com os alunos e seus pais sobre estas questões?

Na escola estão crianças que vieram de todos os cantos deste país. Faz parte

26

dos programas escolares conhecer a vida destas famílias? A escola explica porque eles vieram de tão longe e estão cada vez mais pobres? Ou porque alguns deles vieram de tão longe e ficaram tão ricos? Estas questões e muitas outras, fazem parte das aulas de Geografia? De História? Por que a escola insiste tanto em começar pela casa, pelo bairro, pela cidade, de uma forma quase mecânica, cópia dos livros didáticos?

Quanto temos estudado sobre como as crianças aprendem? Por que será que há quem diga que se aprende da parte para o todo? Quem foi que disse que a vida da gente é assim, toda dividida em partes, em seqüências tão lógicas, como quer a escola e as lições de classe e de casa?

Meu objetivo é o de ir desmontando e montando o que se pode entender sobre o lugar que os diferentes ocupam na escola. Não sei se estou conseguindo, mas estou tentando. Estou tentando dizer que é urgente (urgentíssimo) que os professores sejam sujeitos de sua prática. Que suas decisões pedagógicas sejam tomadas em vista das relações que se estabelecem entre os sujeitos que compõe o ato de ensinar, o ato de aprender e o contexto histórico-cultural destes atos. Estou tentando dizer que é preciso entender o mundo, as relações de poder, para poder compreender a escola, a sala de aula, os alunos...

Marx & Engels (1996) insistem em dizer que “a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular (...). É o conjunto das relações sociais” (p.13).

Tendo como matriz o pensamento de Marx, Vygotsky escreveu os postulados básicos de sua teoria histórico-cultural da mente humana. Para este autor (1929/2000), “a relação entre a funções psicológicas superiores foi outrora relação real entre pessoas” (p:25). “A natureza psicológica da pessoa é o conjunto das relações sociais transferidas para a personalidade. Sua composição, gênese, função (maneira de agir) – em uma palavra, sua natureza – são sociais (p:27). O que acontece na vida entre as pessoas, transforma-se no que é pessoal. Não há oposição entre individual e social, mas uma articulação e interdependência absolutamente necessárias. O cérebro é o cérebro de um homem; a mão é a mão de um homem, o pensamento é o de uma pessoa.

A escola faz parte destas relações concretas de vida. Estas relações concretas de vida não ficam do lado de fora da sala de aula: os conflitos não ficam em casa, trancados no armário; os sonhos, as esperanças, as ilusões, os desejos, os medos... não ficam guardados nas mochilas durante as aulas – nem dos alunos nem dos professores... Na ponta do giz tem mais emoção do que se reconhece...

Volto à questão a que me propus: na escola tem lugar para quem é diferente? quem é diferente? O professor é diferente daquele aluno que tem problema? Ou o aluno que tem problema é diferente daquele outro que tem outro problema? Quais os problemas que os alunos podem ter que não abalam as

27

estruturas sólidas dos programas e da organização das salas?

Que organização de programa é este? A escola deve ensinar a quem? Onde? Que lugar tem na escola para aqueles que sabem diferente? O que é que eles sabem que a escola não sabe?

Como aprende aquele deficiente mental? A escola sabe? A escola pensa que todos os deficientes mentais aprendem da mesma forma? Pensa que todas as deficiências são iguais?

Não há igualdade nem nas deficiências, nem no que se chama de normalidade ou eficiência. Qual é a norma? A norma é normatizada por quem? Quem é normal?

Tantas perguntas... Quantas respostas? Serão tantas respostas quantas forem as reflexões que fizermos, as observações que registrarmos, as ‘coragens’ que tivermos para transformar o que parece tão bom, certo e adequado... Respostas do tamanho do nosso compromisso. Soluções do tamanho da nossa coragem. Caminhos do tamanho do nosso envolvimento com as leituras e discussões. Saídas do tamanho da nossa interação com a comunidade e os problemas dela.

Mas a escola não é a salvadora da pátria como queriam alguns, tempos atrás. A escola faz parte da vida social mais ampla. A escola é parte e é todo. Compreender o alcance da escola é também condição para descobrir caminhos alternativos de fazer revolução.

Se diferente for o professor, a escola tem lugar para ele? Se diferente for o modo de vida daquelas pessoas que compõem o bairro da escola, a escola reserva lugar para este modo de vida? Se diferente for a visão do cego... Se diferente for a audição do surdo... se diferente for o dialeto e o modo de dizer a vida... se diferente for a crença na morte... se diferente for a religião... se diferente for a desesperança... têm lugar na escola? Se diferentes forem as esperanças... Se diferentes forem os salários dos professores... se diferentes forem as desgraças... se diferentes forem as doenças e os modos de curá-las... têm lugar na escola? Quantas vidas...quantas diferenças... Nós somos tão diferentes que se tivéssemos tempo para que estas diferenças emergissem, talvez não saíssemos de uma reunião ou encontro sem mágoas, sem brigas, sem grandes amizades... não sairíamos sem termos aprendido muito sobre a vida... sairíamos diferentes porque a diferença é condição de sobrevivência das espécies...

Penso que a pergunta que faço não mais poderá ser respondida sem antes suscitar em nós reflexões diversas, dúvidas e até certa angústia: na escola tem lugar para quem é diferente?

Diferente é o outro. E quem é o outro? O outro é a mulher para o homem. É o pobre para o rico, é o branco para o negro, é o homossexual para o

28

heterossexual. É o falante para quem é surdo. É o que vê, para quem é cego.

O que acontece na maioria das vezes é que queremos afastar o outro, não queremos vê-lo porque nos incomoda. Não escutamos a voz de quem nos incomoda. Não percebemos o silêncio de quem nos incomoda.

E o outro com dificuldades? Como é sua vida? Como foi sua infância? Como pensa sua família? Como foi tratado pelos profissionais que o avaliaram? Como foi avaliado pela escola? Qual foi o parâmetro de normalidade que esteve presente durante todo o tempo?

As limitações das vidas das crianças deficientes, os livros não contam. Os livros também não dizem como as vidas destas pessoas podem ser menos solitárias, menos enterradas em suas próprias dificuldades. Nós estamos mergulhados no mundo que chamamos de normal, mundo este que não sabe dar informações sobre a vida dos que são deficientes. Mas, nos achamos capazes de diagnosticar, de prescrever... nos achamos capazes de dizer o que eles sabem e o que não sabem; o que eles podem e o que eles não podem fazer... Com que direito?

Se formos nos orientar pelo que dizem os manuais médicos com suas descrições das doenças mentais, melhor seria a morte! Os deficientes querem viver e querem viver o melhor possível. Os diferentes querem espaço social para viver sem o sufoco da discriminação. Há uma ilusão de normalidade nos livros que estudamos na faculdade. A universidade está invadida pelos discursos patologizantes que não permitem que se conheça o outro como ele é. O outro vira doença, vira síndrome, vira distúrbio. O outro deixa de ser pessoa e passa a ser desatento, disléxico, hiperativo, imaturo, lento... Já não se sabe de que sujeito se fala; sabe-se apenas de que doença se fala: “na minha classe tem dois alunos disléxicos”; “tenho alunos hiperativos”... “o problema são os imaturos”...

Ao olhar este outro, meu aluno, a criança de rua, o deficiente mental, o cego, o surdo, o deficiente físico, a criança, a mulher, o negro, o homossexual, meu companheiro, meu amigo... preciso questionar o domínio da medicina sobre as questões da educação, com seus diagnósticos sobre os diferentes e deficientes. A medicina não pode mais ser o pai e a mãe da pedagogia e da psicologia. É preciso buscar o saber na reflexão sobre o cotidiano, olhando para os detalhes, ancorada no rigor teórico que nos ajuda a ultrapassar a visão preconceituosa de normalidade que a medicina nos impôs.

Há diversos modos de olhar para as pessoas: um deles é olhando o que lhes falta – olhar retrospectivo. Outro modo de olhar é prospectivo, olhar para frente, para depois... olhar para as possibilidades.

Quando eu fazia a pesquisa que resultou em minha dissertação de mestrado e depois na publicação de um livro [2] , passei um tempo numa sala de aula de uma escola pública e nas instituições de saúde, que recebem crianças encaminhadas para serem avaliadas porque não aprendem como as outras.

29

Pude ver, de perto, estes dois modos de olhar para a vida das pessoas.

Como resultado da avaliação de uma criança de nove anos pude ler o seguinte em seu relatório:

Testes psicológicos e pedagógicos aplicados: WISC, HAVEN, REVERSAL, Provas piagetianas, Teste Metropolitano de Prontidão, HTP.

Resultados das provas: escreve números até 3; reconhece numerais até 25; percebe quantidades até 3 (sem contar); nomeia partes do corpo; acerta no ditado somente as palavras da cartilha; levanta hipóteses para a escrita de outras palavras; leitura silabada; está no período operatório nas provas de classificação, seqüência, seriação e conservação de líquido.

Conclusão: idade mental entre 4 e 5 anos; médio inferior na prontidão para alfabetização; limítrofe (na classificação do Wisc); Q.I. Inferior; lento.

Em termos emocionais: criando fantasias com relação a sua esfera intelectual, pois pediria notas boas a uma fada; desejo de proteção; imediatista; sentimento de inferioridade; propõe-se a alvos inatingíveis.

Encaminhamento: vai para a classe especial, lá se sentirá igual aos outros. Perceberá que todos são lentos e ficará mais calmo.

Poderíamos fazer dezenas de perguntas a partir deste relatório. A primeira delas é esta: ficamos espantados, condoídos, escandalizados...mas será que se tem feito muita coisa diferente disso?

Ou então perguntar: quem sonha em ser melhor, é louco? Quem quer a aprovação dos outros é deficiente? Quem escreve o que aprendeu na cartilha é ignorante? Ser imediatista é privilégio de criança com dificuldade na escola? (ou é o que nos impõe o neo-liberalismo?) Desejar proteção é pecado? Para ser normal é preciso abdicar do direito de ser protegido?

Quem é médio inferior é o quê? É meio inferior ou meio superior? Em relação a quem? A partir de que visão de desenvolvimento e de aprendizagem? Ser operatório é ser o quê? O que é isto? Quem foi que disse que Jean Piaget fazia avaliações em crianças para saber se elas iriam para as classes especiais para deficientes mentais?

O que somos nós quando não sabemos lidar com as crianças que são diferentes da imagem que fazemos de criança inteligente e capaz? Operamos com a realidade de cada um de nossos alunos? Classificamos o mundo e compreendemos a crueldade do sistema capitalista? Então, não estamos ainda no período operatório?

Conseguimos mudanças radicais na escola? Conseguimos que os professores sejam mais valorizados? Então não sabemos seriar, incluir, comparar... Então

30

somos todos deficientes cívicos. Deficientes em nossa cidadania...

Bem, mas prometi dizer de modos de olhar. Um olhar retrospectivo e outro, prospectivo.

Nesta mesma pesquisa encontrei uma professora que acreditou nas possibilidades de um menino – o José – que depois de cinco reprovações no ciclo básico, estava sendo encaminhado para estes mesmos profissionais que avaliaram aquele garoto que pediria notas boas a uma fada... Esta professora aceitou o desafio de ensinar ao José o que ele não sabia. Teve coragem de descobrir o que José já sabia, mas que ninguém sabia que ele sabia. Esta professora teve coragem de romper com a tradição, com a discriminação e enfrentar a diferença que José representava – pobre, repetente, mais velho que seus colegas, desacreditado, com uma impossibilidade internalizada por fracassos sucessivos.

José aprendeu a ler e a escrever. Fez contas, resolveu problemas, experimentou a delícia e a dor de ser o que é. Teve amigos, foi ajudado por seu colega Marcos, que podia ficar sentado ao seu lado e ensinar o que sabia. Leu em voz alta para a sua classe, que com uma espontaneidade que só pode nascer de corações infantis, aplaudiu José...

José diferente, José contente, José com direitos e deveres. José cidadão.

Outra vez fico com receio que os meus leitores estejam perguntando, não mais a si mesmos, mas, agora, já cansados, perguntando uns aos outros: mas, e o que eu faço com as crianças que estão na minha classe?

Observe seus alunos, converse com eles, compreenda suas famílias, muitas vezes miseráveis, outras vezes já desanimadas de tanto ouvirem falar mal de seus filhos. Trabalhe junto com os pais e não contra eles. Traga para a sala de aula a relação cooperativa, a interação sincera entre os alunos, a ajuda mútua, tão necessária nestes tempos de guerra e de fome.

Traga a vida para a sala de aula, para a escola, para a instituição. Reflita sobre a própria vida, sobre as opções que nem sempre são opções (porque muitas vezes são imposições). Reflita sobre as condições que nos impõem as autoridades. Lembra a criança que foi, a companheira ou companheiro que foi, a aluna ou aluno que foi... Tudo isto é saber...Tudo isto é conhecimento. Tudo isto é método de ensino. É preciso lembrar que a miséria e a diferença têm cheiro, têm cor, têm endereço, têm nome... são os pobres, as mulheres, os negros, os deficientes, os diferentes...

Mas, a diferença faz a cultura. A diferença faz a arte. A diferença faz a democracia. Diferença é outra coisa, absolutamente diferente de desigualdade. Não queremos desiguais. As palavras de Maria Vitória Benevides (1998) são um convite à reflexão: “O contrário da igualdade não é a diferença, mas a desigualdade, que é socialmente construída, sobretudo numa sociedade tão marcada pela exploração classista. É preciso ter claro que igualdade convive

31

com diferenças – mas que não são reconhecidas como desigualdades, isto é, não pode existir uma valoração de inferior/superior nessa distinção. A diferença pode ser enriquecedora, mas a desigualdade pode ser um crime” (p:166).

Temos passado, presente e futuro, temos história. Cada pessoa tem uma história, cada povo tem uma história. Quando tudo se transforma em aqui e agora, nada faz mais sentido porque fica descartável. Vamos levar para a escola a vida das pessoas, as histórias, as lutas, as diferenças. Enquanto nossos programas não estiverem absolutamente preenchidos com estudos sobre o que importa de verdade, as diferenças não vão ter lugar na escola.

O que teria sido de Helen Keller, menina cega, surda e muda se não fosse sua professora Ane Sulivan? O que seria deste menino ou desta menina se não fosse você?

Referências:

BAKHTIN, M. (1992). Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes.

BARRIGA, A. D. (1999) Uma polêmica em relação ao exame, in ESTEBAN, M.T. (org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A Editora.

BENEVIDES, M. V. (1998) Educação para a cidadania e em direitos humanos. Anais do IX ENDIPE, V.1/1. Águas de Lindóia.

BRECHT, B. (1986) Poemas 1913-1956. São Paulo: Brasiliense.

ESTEBAN, M. T. (1999) Avaliação no cotidiano escolar, in ESTEBAN, M.T. (org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A Editora.

FOUCAULT, M. (1997) Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes.

GERALDI, C. M. G. (1999) A cartilha Caminho Suave não morreu: MEC lança sua edição revista e adaptada aos moldes neoliberais, in ESTEBAN, M.T (org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A Editora.

GERALDI, J. W. (1991) Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes.

KLEIMAN, Ângela B.(1995). Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras.

MARX, K & ENGELS, F. (1996) A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec.

PADILHA, A. M. L. (1997) Possibilidades de Histórias ao contrário ou como desencaminhar o aluno da classe especial. São Paulo: Plexus.

32

VIGOTSKI, L. S. (2000). O Manuscrito de 1929. In: Educação & Sociedade, n. 71, ano XXI, Julho de 2000, 2ª edição.

[1] Parte dessas discussões está publicada na revista RECRIAÇÃO. Revista do CREIA – Centro de Referência de Estudos da Infância e Adolescência. Corumbá, v.4, n.1, jan./jun., 1999, 76p.

§ Professora do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep.

[2] PADILHA, Anna M. L. Possibilidades de histórias ao contrário – ou como desencaminhar o aluno da classe especial. 3ª edição. São Paulo: Plexus/Summus, 2004.

Este texto foi sugerido pela Professora Sara Cristina Dakkache Livoratti – Participante do GTR ( Grupo de Trabalho em Rede desse PDE )

Leia, reflita , discuta e conclua:1. Como tem sido suas atitudes diante dos diferentes na sua prática

pedagógica? Você os têm encontrado no seu cotidiano? Comente.

2. O que posso fazer pelos diferentes para amenizar as desigualdades ?

3. O que mais posso concluir a partir do texto? Comente

33

34

Introdução

Está é a história da descoberta feita por minha família sobre as dificuldades de aprendizagem nas primeiras séries. Embora as dificuldades de aprendizagem sejam comuns, para cada criança e família elas são uma experiência pessoal e perturbadora. Depois que minha filha foi diagnosticada como apresentando dificuldades na aprendizagem, eu conversei com especialistas e procurei materiais. Procurei especialmente livros de nível primário que ajudassem minha filha a compreender esta situação, mas descobri que eles eram escassos.

Ao atravessar o processo de ajustamento ao diagnostico de nossa filha e suas implicações, ficamos zangados, tristes, confusos e, finalmente, aliviados por definir o problema e trabalhar em busca de uma solução. Os especialistas com os quais trabalhamos nos contaram que estas são reações comuns das famílias. Este livro é sobre a nossa experiência. Ao compartilhar nossa história, esperamos ajudar outras famílias, assim como fomos ajudados com o apoio e informações ao conversar com outros pais de crianças com dificuldades na aprendizagem. Esperamos que este livro proporcione compreensão e entendimento a outras pessoas que enfrentam circunstâncias semelhantes.

Allison conta a sua história com as próprias palavras. Minhas anotações oferecem uma perspectiva diferente. A parte final do livro contém um guia de recursos com informações sobre associações que consideramos úteis.

35

A História da Mãe de Allison

Por todas as indicações, Allison deveria ter sido uma aluna extraordinariamente bem-sucedida. Ela falou cedo, com frase completas antes dos dois anos de idade. Os amigos e a família ficavam espantados com seu vocabulário e entusiasmo pela vida.

Quando pequena, era difícil acompanhar seu ritmo, mas ela adorava ouvir histórias e todas as noites as escutavam avidamente. Ela entrou na pré-escola aos três anos e fez amizades facilmente, tanto com crianças mais velhas quanto com crianças mais jovens. Era expansiva e popular.

Ela adorava a pré-escola e estava ansiosa para entrar na primeira série, onde esperava aprender a ler como sua irmã mais velha. Mas quando ingressou na primeira série, não a apreciou. Ela não gostava do fato de não haver o cantinho da cozinha e não aprendeu a ler como esperava, mas imaginei que a maturidade resolveria o problema. Ela acabou a primeira série atrás dos outros alunos.

Na segunda série, os problemas se intensificaram.

A História de Allison

Eu estava passando por um período difícil na escola. Nada parecia dar certo. Quase todas as manhãs, antes da escola, havia uma cena terrível em casa.

Eu não queria levantar. Eu não queria me vestir. Eu não queria tomar café. Eu não queria ir para a escola

36

A História da Mãe de Allison

Eu lembro aquelas primeiras semanas de segunda série. Elas foram terríveis. Eu sabia que Allison teria dificuldade para se ajustar ao horário da escola. Ela não gostava de levantar cedo e adorava a liberdade e os divertimentos do verão.

As primeiras semanas da segunda série foram ainda piores do que o esperado. Por mais cedo que eu começasse, não conseguia tirá-la da cama. Ela chorava, não queria vestir a roupa, recusava-se a tomar café, brigava com quem quer que cruzasse seu caminho. Meu marido e eu tínhamos nossa parcela de brigas com ela também.

Quando Allison e eu chegávamos à escola estávamos ambas exaustas e chateadas. Ao voltar para casa, eu às vezes chorava, perguntando-me o que haveria de errado com Allison.

A História de Allison

Minha mãe, meu pai. Minha irmã e eu estávamos todos brigando. O barulho, a confusão e as discussões que aconteciam antes da escola eram simplesmente horríveis!

“Allison, eu não sei por que é tão terrivelmente difícil você levantar da cama pela manhã. Eu vou ter de colocá-la na cama mais cedo, para que você não fique tão devagar e tão rabugenta de manhã”, disse minha mãe.

“Allison, não sei por que você está fazendo tanta confusão esta manha. Isso está estragando o dia de todo mundo”, disse meu pai.

37

“Allison, fique fora do meu quarto e não mexa no meu armário. Você não pode pegar minhas roupas. Eu não quero você dentro do meu quarto!”, disse minha irmã.

Ninguém compreendia que eu não queria ir para a escola. Mas minha mãe e meu pai diziam que eu tinha de ir então eu ia. Eu realmente chegava atrasada.

A História da Mãe de Allison

Embora eu estivesse fazendo um mestrado em leitura, não sabia que as explosões emocionais de Allison em casa eram causadas por problemas na escola. Eu sabia que ela estava atrasada na leitura, mas pensava que era uma questão de imaturidade emocional.

Discuti o problema com minha supervisora na faculdade e ela me ressegurou que as crianças se desenvolvem em ritmos diferentes. Ela disse que ler para Allison era a melhor ajuda que eu poderia lhe dar. E então nós líamos montes de livros todas às noites.

Um dos meus projetos na faculdade envolvia pedir a uma criança para ler uma fábula e depois contá-la com suas próprias palavras. Eu usei Allison e uma outra criança da vizinhança. Não imaginava que ela ficaria envergonhada e preocupada em relação ao projeto.

A História de Allison

38

Na primeira série eu não conseguia ler os livros que todos os outros liam. Parecia que as frases se mexiam e eu me perdia. Então, eu ficava só olhando para as palavras e fingia que estava lendo. As crianças riam de mim porque eu não conseguia ler. Ninguém gostava de mim e as pessoas falavam sobre mim como se eu fosse burra. Eu tinha apenas um amigo.

Certa vez, quando minha mãe voltou a estudar na universidade, meu amigo e eu ajudamos com seu projeto de aula. Nós dois lemos uma história e depois a contamos com nossas próprias palavras. Eu fiquei muito envergonhada porque meu amigo sabia ler e eu não. Eu estava furiosa comigo por não saber ler, e ele era mais jovem do que eu.

A História da Mãe de Allison

A professora de Allison na segunda série percebeu seus problemas de aprendizagem nas primeiras semanas. Ela encaminhou Allison para um programa de reforço pedagógico e recomendou que fizéssemos alguns testes especiais.

O pai de Allison achou que a professora estava errada. Sua primeira reação foi: “Aquela professora não sabe nada. Qualquer pessoa que converse com Allison pode ver como ela é esperta”. Eu sabia que ele não acreditava que Allison tivesse algum problema, especialmente um problema de aprendizagem.

Eu estava na defensiva ao lhe contar sobre as recomendações da professora. Disse ela que as pesquisas mostram que as observações dos professores são muitas vezes a avaliação mais confiável dos problemas. Elas são quase tão válidas quanto os testes. Andy cedeu gentilmente e concordou que precisávamos descobrir mais sobre o que estava acontecendo com Allison.

A História de Allison

Na segunda série, todo mundo dizia: “Allison, por que você não está prestando atenção? Allison, por que você não escuta? Allison, quantas vezes tenho que repetir? Allison, você não está se esforçando!”.

39

Eu não compreendia por que minha mãe me fazia sofrer e ir à escola. Eu ficava zangada com ela. Por que nós não podíamos trocar de escola? Eu não gostava de mim. Eu me achava burra.

Minha professora sabia que eu estudava com problemas, de modo que me mandou para uma aula de reforço em leitura. Mas eu sabia que não era o lugar certo para mim. A professora perguntou aos meus pais se eles poderiam me aplicar alguns testes para descobrir mais sobre o problema.

A História da Mãe de Allison

Nós consultamos vários especialistas sobre os problemas de Allison, sua pediatra, dois oftalmologistas e uma psicóloga de crianças. A escola tinha sua equipe constituída pela psicóloga escolar, à psicopedagoga, a diretora e a professora de Allison.

Parte da testagem da escola incluía uma avaliação emocional. Nós preferimos escolher uma psicóloga independente para fazer isso. A escola colocou a nossa psicóloga particular na equipe. A escola fez testes para investigar dificuldades de aprendizagem, e depois nós esperamos. Foi terrível. A psicóloga da escola tinha quantidades de crianças para testar. Foi difícil esperar e, enquanto isso, os problemas não melhoravam nem um pouco.

40

A História de Allison

Quando eu descobri que seria testada, fiquei apavorada. Tinha medo de que os testes mostrassem que eu estava com um problema. Eu não queria ser testada, porque não queria ser diferente. Eu só queria ser como todas as outras crianças.

Mas meus pais queriam que eu fizesse os testes, de modo que fiz. Os testes eram estranhos. A psicóloga da escola me pediu para desenhar um triângulo e eu desenhei. Ele parecia diferente dos outros triângulos e eu não sabia por quê. Fiquei apavorada.

Para os testes físicos eu tive de subir e descer escadas. Depois, tive de me pendurar nas barras. Eu me saí muito bem naquele negócio e fiquei orgulhosa.

Mamãe me levou a uma série de outras pessoas. Eu fui ao médico e a dois médicos de olhos. Fui a uma psicóloga de crianças. Uma psicóloga de crianças é uma doutora, mas não do tipo que dá injeção ou remédios quando estamos doentes. Ela é uma doutora que nos ajuda com um problema especial, como quando você se sente bem consigo mesma.

Eu disse à minha mãe que estava cansada de toda essa testagem!

A História da Mãe de Allison

O pessoal da escola nos chamou para uma reunião de equipe para examinar os resultados da testagem de Allison. Eles disseram que os testes mostravam que Allison era realmente muito inteligente, mas que estava tendo dificuldade na leitura e na expressão escrita. A discrepância entre seus escores de testes e desempenho escolar revelava que ela tinha uma dificuldade de aprendizagem. Elas estavam satisfeitas por terem descoberto o problema e tinham certeza de que podiam ajudar.

Nós não ficamos tão satisfeitos. Nós queríamos ouvir que nossa filha tinha uma dificuldade de aprendizagem. Elas nos deram alguns papéis sobre nossos direitos como pais de uma criança com desvantagens. Eu não achava que ela tivesse desvantagens, e certamente nunca imaginara que uma dificuldade de aprendizagem era uma desvantagem! (Como eu estava enganada! Uma dificuldade de aprendizagem é verdadeiramente a desvantagem oculta.)

Nessa reunião, a psicopedagoga que tratava das dificuldades de aprendizagem explicou seu programa para Allison e examinou conosco o Programa de Educação Individualizada (PEI), sugerido pela escola para Allison.

41

Foram dadas tantas informações na reunião que eu não consegui nem falar. Era demais para assimilar numa sessão e nós nos sentimos esmagados. Por outro lado, ficamos aliviados por ter definido o problema e por saber que a escola estava desenvolvendo uma estratégia para ajudar Allison a aprender.

A História de Allison

Quando a testagem terminou, mamãe e papai foram a uma reunião na escola para descobrir o que os testes diziam. Havia muitas pessoas lá. Minha professora, a diretora, a psicóloga da escola, a psicopedagoga e a psicóloga de crianças. Todas essas pessoas estavam preocupadas comigo. Elas não queriam que eu tivesse tantos problemas na escola. Elas disseram que os testes revelavam que eu tinha uma dificuldade de aprendizagem.

A História da Mãe de Allison

42

Nós fomos para casa e conversamos com Allison sobre a reunião da equipe. Eu enfatizei para que ela não fosse burra. De fato, os testes mostraram que ela era mito inteligente. Eu contei a ela o que aprendera na minha aula de diagnostico: que muitas vezes, quando uma criança inteligente tem um desempenho fraco, isso é uma dificuldade de aprendizagem. No caso dela, este fora o diagnóstico feito.

No dia seguinte, a nossa psicóloga telefonou e revisou a testagem. Eu chorei e depois me desculpei por chorar. Ela disse: ”Quando você se sentir frustrada e chateada, multiplique isso por muito e vai compreender o que Allison está sentindo”.

A História de Allison

Eu perguntei à minha mãe e ao meu pai:

- O que é uma dificuldade de aprendizagem?

- Como você pega uma dificuldade de aprendizagem?

- Eu sou burra?

- O que tudo isso significa?

Minha mãe disse:Dificuldade de aprendizagem simplesmente acontecem. Ninguém sabe bem o que as causa e o porquê as pessoas as têm. Elas acontecem tanto para as meninas quanto para os meninos. Uma dificuldade de aprendizagem significa que é mais difícil para você aprender em algumas áreas, mesmo quando você se esforce ao máximo”.

Minha mãe disse: “Você vai começar a se encontrar com a psicopedagoga. Ela é tããão legal. Sei que você vai gostar dela”.

43

A História da Mãe de Allison

A psicopedagoga usa técnicas de ensino diferentes para cada criança, baseadas em suas necessidades específicas. Allison tinha problemas com sua expressão escrita e definitivamente não era uma aprendiz visual. Ela mal conseguia escrever duas frases sobre qualquer assunto!

Para ajudar Allison a colocar seus pensamentos no papel, a professora pedia-lhe que escrevesse frases sobre uma história, em pedaços de papel. Depois, Allison organizava esses pedaços de papel em seqüência. Desta maneira, escrever uma história não parecia algo tão esmagador. Três vezes por ano, a professora publicava as histórias e os poemas das crianças e os mandava para casa num livro. Allison sempre teve muito orgulho desse livro. Ela começou a trazer trabalhos da escola para compartilhá-los comigo. Ela parecia um pouco mais organizada e bem mais feliz. Mandá-la a escola não era mais tão doloroso para ela ou para mim.

A História de Allison

44

No dia seguinte eu fui me encontrar com a psicopedagoga. Eu estava um pouco nervosa, mas quando cheguei lá, descobri que não estava sozinha. As outras crianças foram amistosas e me fizeram sentir em casa.

Minha professora era legal e compreendia que algumas coisas eram difíceis para mim. Ela me deu coisas que eu consegui fazer e me ajudou com as coisas que não consegui fazer. E, se eu não entendia, ela explicava novamente de maneira diferente. Eu comecei a pensar que iria aprender ler, e que isso não seria tão difícil.

A História da Mãe de Allison

Quando a testagem se completou e as férias de Natal acabaram, meio ano tinha sido perdido. Embora Allison estivesse fazendo progressos, tudo era muito lento. Estava claro que ela estava atrás de sua turma e talvez tivesse de repetir a segunda série.

Nós nos preocupamos durante seis meses com essa decisão. Deveríamos empurrá-la para frente e ensiná-la, nós deveríamos deixá-la repetir? Sabíamos que as outras crianças zombariam dela se a fizéssemos

45

repetir, e nos reocupávamos com sua frágil auto-estima. Por outro lado, a professora disse que Allison não possuía todas as habilidades necessárias para a terceira série.

Nossa pediatra finalmente fez a pergunta certa: “Onde Allison terá mais sucesso?”.

Olhando as coisas deste ponto de vista, a resposta estava óbvia. Ela repetiu a segunda série.

A História de Allison

No final da segunda série, meus pais foram a uma reunião especial. Todo mundo estava lá novamente, e eles todos decidiram que eu deveria repetir a segunda série.

Eu fiquei chateada porque isso fez com que me sentisse burra. Fiquei furiosa com meu pai e minha mãe, porque eles disseram que a decisão final cabia a eles. Eu pensei que eles estavam contra mim. Por que eles não me deixavam ir para a terceira série?

Minha mãe e meu pai disseram que repetir a segunda série seria melhor para mim. Eles me disseram que eu podia escolher a professora que quisesse nessa outra segunda série. Eu fiquei feliz, mas tive de me apressar, porque não tinha muito tempo para decidir quem eu queria. Resolvi ficar novamente com minha professora da seguinte série.

46

A História da Mãe de Allison

A equipe de Allison nos avisara, quando nos encontrávamos no final do ano letivo, que mantê-la na segunda série seria difícil. Elas tentaram nos preparar, mas ninguém pode realmente nos preparar para o trauma da repetição escolar.

Allison foi humilhada naquelas primeiras semanas. Ela chorou todos os dias na primeira semana. Ela estava zangada, e sendo a criança verbal que é, não tinha nenhuma dificuldade para nos dizer o que pensava de nós e da nossa decisão. Era muito doloroso vê-la tão perturbada, e tanto meu marido quanto eu nos sentíamos infelizes.

A História de Allison

No início do ano seguinte, todo mundo na minha casa aula, com exceção de uma pessoa, disse que eu tinha rodado e que era burra. Todos os dias, durante uma semana, eu chegava da escola e chorava. Eu dizia: “Eu te odeio mamãe! Por que você e o papai me fizeram ficar para trás?”. Mamãe e papai me disseram que as coisas iriam melhorar.

47

A História da Mãe de Allison

Quando a equipe nos alertou sobre a crise, também nos disse que ela passaria rapidamente. Estavam certas. Depois das primeiras semanas, todos esqueceram aquilo e Allison se pôs a trabalhar, desenvolvendo as habilidades necessárias para a terceira série.

Uma vez que ela tinha repetido a segunda série e estava recebendo uma atenção especial, eu esperava que ela ficasse entre os melhores da classe e tivesse sucesso. Isso não aconteceu. Ela era mais forte em algumas áreas do que em outras, mas foi um ano de lento crescimento para Allison. A escola ficava um pouco melhor e um pouco mais fácil a cada dia. Eu estava começando a compreender que não existem soluções ou curas rápidas para uma criança com muita dificuldade de aprendizagem. Gradualmente, meus sentimentos ficavam mais fáceis de manejar e minhas expectativas tornavam-se mais realistas.

A História de Allison

Depois de um tempo, as coisas melhoraram. Eu fiz alguns novos amigos e ainda encontrava alguns dos meus antigos amigos.

A escola ficou mais fácil por causa da minha psicopedagoga. Com ela, eu trabalhava com quebra-cabeças e labirintos. Eu lia livros fáceis e nós publicávamos nossos próprios livros. Ganhávamos selos por vir e trazer nossos lápis.

A História da Mãe de Allison

Na terceira série, eu estava determinada a ajudar Allison a começar bem. No início do ano, conseguimos uma professora particular para lhe dar aulas depois da escola, duas tardes por semana. Eu queria que ela fizesse seus grandes projetos com essa professora, ao invés de sozinha.

Nossa pediatra disse: “Allison precisa de um lugar seguro, onde não tenha que

48

sofrer com suas dificuldades de aprendizagem”. Tentemos fazer da nossa casa esse lugar.

Isso não significa que ela não é responsável pelo tema de casa. Ela é. Mas, às vezes, é difícil conseguir que ela faça o tema. Depois da escola, ela está cansada e frustrada por ter-se concentrado na aula o dia todo. Eu normalmente lhe dou um lanche e a mando brincar lá fora, antes de começarmos o tema de casa.

A História de Allison

Na terceira série, eu fiquei realmente entusiasmada por pegar a professora que eu queria. Fiquei chateada porque a minha melhor amiga não estava na minha aula. Nós duas choramos por isso.

A terceira série é diferente porque há mais relatos sobre livros e projetos. Isso significa escrever mais e isto é difícil para mim. Não fazemos tantos passeios e temos de aprender a multiplicação e as tabelas de divisão. Minha professora da terceira série me ajudou a me organizar na escola.

História da Mãe de Allison

Mesmo que as coisas pareçam estar indo bem, nós ainda temos um longo caminho pela frente. Na verdade, eu já estou começando a organizar os livros da quarta série em fitas gravadas. Também estou procurando livros com exercícios de matemática para que Allison não tenha de copiar problemas. Nós organizaremos seus livros de estudo, destacando os pontos principais.

Com ajuda, Allison finalmente teve alguns sucessos na escola, mas ela não teria conseguido isso sem uma orientação especial e sem a ajuda de muitas pessoas e organizações.

Eu li, certa vez, que os pais desempenham o papel chave no sucesso da educação de seus filhos. Eu acredito que isso é verdade. Nós somos os melhores advogados de nossos filhos. Eu recomendo insistentemente que vocês se envolvam e trabalhem estreitamente ligados à escola de seu filho e ao pediatra. Busquem ajuda externa e aconselhamento profissional. Nós

49

sentimos que trabalhar com um psicólogo de crianças independente foi extremamente proveitoso.

As organizações também podem proporcionar informações e apoio. Veja a última página do livro para uma lista das organizações nacionais que podem ajudar. Entre em contato com elas e peça o endereço da filial local mais próxima de você.

A História de Allison

Eu me preocupo com as notas. Acho que as notas são realmente importantes. As frases ainda se mexem, às vezes, quando estou lendo, e escrever ainda é a coisa mais difícil para mim. Eu sei o que quero dizer e posso falar para as pessoas mas não consigo escrever.

Não acho mais que eu seja burra, mas ainda não entendo bem o que significa dificuldades de aprendizagem. Alguns dias tenho dificuldade na escola e certos dias não tenho vontade de ir à escola. Mas, na maior parte dos dias, eu me sinto muito melhor. Minhas notas são boas. Eu tenho muitos amigos e a melhor coisa este ano foi que eu fui eleita como líder da turma.

50

QUESTÃO:

Reflita sobre as condições da mãe da criança e o posicionamento da escola diante do problema de aprendizagem.

51

IDENTIFICANDO AS NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS

Com este texto, pretendemos apresentar os dispositivos legais que respaldam a prática de uma Educação Inclusiva, de tal sorte que os mesmos consistam em material de consulta e conhecimento necessário para entender quem são as pessoas com necessidades especiais.

Pode-se dizer que um dos primeiros documentos oficiais refere-se à Primeira Constituição do Brasil, que já tratava, além de outros, do direito de educação para todos os brasileiros. Esta lembrança longínqua tem a intenção apenas de clarear que não se trata de um “ novo direito” , mas um resgate de um antigo.

Dispensando um capítulo para tratar da Educação Especial, lembramos aqui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n° 9.394 de 20.12.1996, justamente por clarear os termos que possibilitam o entendimento e norteiam ainda, as ações na área da educação para a pessoa especial.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei no 9.394 de 20.12.1996, estabelece, em seu Art. 2o , que “A Educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Em seu Art. 4º, inciso III, estabelece que é dever do Estado garantir “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”.

No capítulo V, em seu Art. 58, diz que “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”.

Em seu parágrafo 1º, diz que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial”.

Já em seu Art. 59, estabelece que “os sistemas de ensino assegurarão, aos educandos com necessidades especiais:

52

I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades”.

Este aparato legal, é que vai dar condições, parta que possamos pensar

em quem são as pessoas com necessidades especiais, como são definidas em

termos de direitos de atendimento educacional, conhecimentos estes,

indispensáveis para o direcionamento das propostas, os quais serão

discorridos a seguir.

Quem são as Pessoas Portadoras de Deficiência?

“São aquelas que apresentam significativas diferenças físicas, sensoriais ou intelectuais, decorrentes de fatores inatos ou adquiridos, de caráter temporário ou permanente” (Plano Nacional de Educação Especial).

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 10% da população de todo país, em tempo de paz, é constituída por pessoas portadoras de algum tipo de deficiência.

Como as deficiências se distribuem?

Tipos de deficiências %

Mental 5,0

Física 2,0

Auditiva 1,5

Visual 0,5

Múltipla 1,0

53

A Questão da Deficiência

Você acha que as pessoas são todas iguais? Dificilmente podemos dizer que sim, não é? Todos temos peculiaridades que fazem com que, embora sejamos semelhantes a muitas outras pessoas, em muitos aspectos (idéias, posições, classe social, cor dos olhos e da pele, reações emocionais, formas de manifestar afetividade etc.), somos diferentes. É esse conjunto de características individuais e as diversas formas de pensar, sentir e agir que nos fazem únicos e singulares. Dessa forma, a sociedade é constituída por indivíduos diferentes entre si, que se identificam no anonimato do grupo.

Os alunos de uma sala de aula, membros da sociedade como qualquer um de nós, também guardam semelhanças entre si, quando olhados como grupo, mas apresentam muitas diferenças em suas peculiaridades individuais. Isso indica que, embora a seqüência das etapas do desenvolvimento seja a mesma para todos e o processo de construção do conhecimento envolva princípios e leis comuns a todos, o ritmo e a forma de vivência desse são peculiares a cada aluno. Sabemos, portanto, que somos diferentes uns dos outros, temos preferências diferentes e temos necessidades diferentes. Tais diferenças dependem e são produto da interação das características biológicas com que cada um de nós vem equipado (genéticas, hereditárias e adquiridas após o nascimento), do nível de desenvolvimento real em que cada um de nós se encontra e do significado que atribuímos às situações que vivemos em nosso cotidiano.

As características individuais

O resultado do histórico de vida e da tela de relações sociais que permeiam a existência de cada um de nós - é o responsável, então, pelas necessidades específicas e peculiares de cada pessoa. Ao olharmos para o grupo constituído por nossos alunos, constatamos que algumas diferenças destacam aquele aluno em relação aos demais, seja pela aparência física, seja pela forma e/ou pelo ritmo de desenvolvimento na sala de aula.

Embora já tenhamos apontado para o fato de que todos somos diferentes uns dos outros, a presença de tais diferenças tende – em virtude dos mitos e preconceitos existentes em nossa realidade social que incorporamos no nosso pensar acrítico – a nos levar a atribuir ao aluno “diferente” a posição de “inferior”, de “menor valia”, de “mais incapaz”, de cidadão se segunda categoria.

Desenvolvimento

54

Ora, todos podem se desenvolver, todos podem aprender, desde que ensinados e mediados nesse processo. Entretanto, para que isso ocorra, temos que garantir igualdade de condições. No caso da sala de aula, isso significa que é imprescindível que conheçamos as necessidades e as características do “funcionamento” de cada aluno para, a partir delas, fundamentar nossos pianos de ação e nossa ação propriamente dita. Caso contrário, estaremos favorecendo somente aqueles alunos que por acaso estejam “prontos” para ações que objetivamos para o grupo, pressupondo, irrealisticamente, uma homogeneidade absoluta.

Para que possamos melhor exercer nosso papel de educadores junto a esse aluno diferente, é fundamental conhecer, saber identificar e lidar com vários tipos de deficiências visando a tirar o máximo proveito de suas eficiências.

Em geral, quando a criança portadora de algum tipo de deficiência mais evidente, como cegueira, paralisia cerebral, surdez, etc., chega à idade escolar, ela já deve ter tido um atendimento especializado anterior, e a professora pode ser orientada sobre a sua evolução e como poderá auxiliá-la em seu desenvolvimento. Mas há muitos casos de deficiências leves, que passam despercebidos pelos familiares, mas que podem prejudicar o rendimento da criança em sala de aula. Por isso, é importante o professor conhecer algumas dicas que lhe permitam detectar, encaminhar e/ou auxiliar esse aluno em suas dificuldades.

DEFICIÊNCIA VISUAL

É a redução ou perda total da capacidade de ver com o melhor olho e após a melhor correção ótica. Manifesta-se como cegueira ou visão reduzida.

Decorre, então, que a deficiência visual é explicada em duas categorias no processo educativo:

1) cegueira - situação de impossibilidade de ver;

2) baixa visão ou visão subnormal – situação de dificuldades para ver; nas áreas clínica e pedagógica, é considerada a existência de um resíduo visual.

Alunos com Deficiência Visual

Geralmente, os alunos portadores de deficiência visual apresentam:

• irritação constante nos olhos;

• aproximação do papel junto ao rosto quando escrevem ou lêem;

• dificuldade para copiar bem da lousa à distância:

• olhos franzidos para ler o que está escrito na lousa;

55

• a cabeça entortada para ler ou escrever, como se procurassem um ângulo melhor para enxergar;

• dificuldade para encaixes ou atividades que exijam boa coordenação olho/mão;

• tropeços freqüentes por não enxergar pequenos obstáculos no chão.

Em caso de observação de alguma dessas atitudes, o professor deve:

• entrar em contato com os pais para uma troca de informações;

• posicionar melhor a criança em classe;

• aplicar o teste de acuidade visual na própria sala (Teste do E), e caso haja algum problema, encaminhar o aluno para algum serviço da comunidade que disponha de um oftalmologista, acompanhado de um relatório de observação.

• muitos de nossos alunos apresentam deficiências visuais, que podem vir a impor limitações funcionais cada vez maiores, bem como produzir atrasos no seu desenvolvimento mental. Essa condição desfavorável será mais prejudicial quanto maior for o grau de deficiência apresentada e quanto mais demorada ou inadequada for a atuação do professor, especialmente para que o aluno aprenda a usar os demais sentidos no desenvolvimento de sua capacidade perceptiva.

O prejuízo ou a perda da visão pode (se não substituída enquanto via de acesso ao conhecimento) impedir que o aluno portador de deficiência perceba e se relacione com o mundo de maneira adequada. Entretanto, podemos atender às suas necessidades proporcionando lhe os meios para que possam usar seus outros sentidos no processo ensino-aprendizagem.

Um primeiro ponto importante é a utilização do tato e da audição. Lembremos que, desde o nascimento, muito do aprendizado da criança se dá por meio da limitação. A criança com limitações visuais severas não disporá desse mecanismo para absorver informações. A exploração tátil do ambiente físico e social, orientada e acompanhada pela interação verbal, propiciará condições suficientes para que a criança apreenda conceitos e saiba como agir.

É importante identificar o nível de visão que a criança tem. Para isso, faz-se imprescindível que conversemos com a família e com o aluno, buscando identificar suas possibilidades e seus limites atuais, tanto de locomoção, como de manipulação e de utilização do espaço e dos objetos.

A melhor fonte de informação a respeito de suas necessidades é própria, entretanto, o próprio aluno algumas vezes, ela nem sabe o que, nem como

56

informar. Daí, a necessidade de olharmos o contexto e solicitarmos as informações que percebermos relevantes.

Ajudando o aluno

É importante, também, que ajudemos o aluno a se familiarizar com o espaço escolar em geral, e o da sala de aula em particular. Para tanto, precisamos percorrer com ele os ambientes de utilização mais constante, descrevendo-os e monitorando-a em sua exploração tátil. A classe que conta com algum aluno portador de deficiência visual precisa ser estável e confortável em sua configuração. Isto facilita para o aluno sua mobilidade e locomoção, como também evita o risco de acidentes. No caso de modificações estruturais serem decididas, é necessário que ele participe da modificação, sendo necessária novamente a exploração tátil, monitorada, da nova configuração. Pequenas alterações do espaço físico, que para o vidente passam despercebidas, podem se tornar grandes perigos para o deficiente visual. Além disso, deve-se sempre prever espaço suficiente para a movimentação de qualquer aluno, sem empecilhos ou detalhes físicos que possam prejudicar sua livre locomoção em sala de aula. Uma outra ação importante é discutir com a classe o procedimento mais adequado para guiar o deficiente visual severo. Oferecer-lhe o braço flexionado, de forma que possa segurar o guia pelo cotovelo, é a forma correta de conduzido com segurança. É também interessante buscar, no grupo, colegas que se disponham a ajudá-lo nos momentos de necessidade. A conversa clara e tranqüila sobre as peculiaridades de suas necessidades é sempre aconselhável para que a ajuda de fato seja útil e não um estorvo.

No que se refere ao material didático, faz-se necessário garantir o acesso às informações por outros meios que não o uso exclusivo da visão. Gravações em fita cassete, por exemplo, são de grande ajuda. A exploração tátil dos objetos de estudo, mediada verbalmente, deve ser viabilizada e enfatizada sempre que possível, de forma que o aluno possa construir os conceitos e incorporá-los ao conjunto de seus conhecimentos.

Tendência ao isolamento

Muitos dos alunos portadores de deficiência visuais tendem a se isolar por não se sentirem suficientemente confiantes para a locomoção e a participação em atividades de grupo, cuja configuração visual não dominam, ou mesmo por não encontrarem a acolhida que precisam para a integração no grupo.

Daí, a importância de se investir, primeiramente, na aquisição da autonomia da locomoção, seja buscando profissional especializado para efetivar o treino de locomoção independente, seja provendo guias dentre os seus próprios parceiros sociais. No caso de alunos que apresentam limitações visuais grandes, mas que não impedem totalmente a visão, a utilização de cores fortes e contrastantes para demarcar e sinalizar espaços, degraus e direção pode ser de grande utilidade para prevenir acidentes. Uma característica que prejudica a integração do deficiente visual no grupo é a

57

ausência de expressões faciais em sua comunicação. Estudos têm mostrado que os videntes – além de não estarem habitualmente expostos à convivência com diferenças mercantes e por isso não saberem lidar com elas – sentem-se ainda inseguros e incomodados quando seu interlocutor não emite uma sinalização não verbal que, para os que vêem, é parte integrante e muito importante para a decodificação das mensagens de toda comunicação.

Por isso é muito importante a estimulação precoce das crianças que nascem ou ficam cegas em tenra idade, para que aprendam a imitar as expressões faciais de alegria, tristeza, perplexidade, etc. Atividades de expressão corporal, além de serem agradáveis, favorecem um maior conhecimento e domínio do próprio corpo, dando-lhe maior confiança e facilidade para movimentar-se no espaço.

E, finalmente, estimule seu contato social, inicialmente monitorando o aluno portador de deficiência e dando-lhe acompanhamento integral, e retirando-se gradativamente do cenário, à medida que a integração vai se instalando e a criança portadora de deficiência vai adquirindo confiança.

DEFICIÊNCIA AUDITIVA

É a perda total ou parcial, congênita ou adquirida, da capacidade de compreender a fala através do ouvido. Manifesta-se como surdez leve/moderada, surdez severa/profunda.

A perda auditiva que uma criança pode sofrer é avaliada pela intensidade da mesma, em cada um dos ouvidos, em função de diversas freqüências. A intensidade do som é medida em decibéis (db).

Alunos com Deficiência Auditiva

Geralmente, o aluno portador de deficiência auditiva:

• não responde a um chamado em voz normal; quando de costas, não se volta para a pessoa que lhe dirige a palavra;

• às vezes, pode responder mais prontamente quando o chamam de um lado, o que demonstra maior perda no outro ouvido;

• entende melhor as ordens quando elas vêm acompanhadas de gestos;

• durante atividades em grupo, com muitos falando ao mesmo tempo, as informações basicamente, pode parecer perdido, desorientado;

• pode apresentar comportamento mais irritadiço devido ao excesso de esforço que faz para ouvir e entender situações do meio ambiente;

• às vezes, apresenta troca e omissões de fonemas na fala e na escrita.

58

Em caso de observação de alguma dessas atitudes, o professor deve:

• entrar em contato com os pais para troca de informações;

• encaminhar para um médico otorrinolaringologista e um fonoaudiólogo que poderão realizar testes mais específicos e dar seguimento ao caso.

O prejuízo auditivo permanente é um quadro que pode prejudicar em muito o aluno, caso as medidas necessárias para garantir o desenvolvimento desse aluno não sejam tomadas o mais brevemente possível. Sabemos que a audição é essencial para a aquisição da linguagem que, por sua vez, é essencial para a comunicação e a construção do conhecimento sobre a realidade.

Um aluno surdo ou hipoacústico necessita que alguns cuidados específicos sejam tomados para favorecer sua aprendizagem e seu desenvolvimento. Um aluno que não apresenta, ainda, a capacidade de comunicação necessita de ensino especializado para que possa se integrar à sala de aula regular. Dependendo de como adquiriu a deficiência e em que nível de capacidade de comunicação se encontra, decisões diferenciadas podem ser tomadas.

Caso sua deficiência tenha sido detectada, tenha havido uma intervenção precoce (ainda no primeiro ano de vida) e a criança já esteja sendo estimulada a se comunicar globalmente, é possível integrá-la em classe regular desde a pré-escola ou desde a alfabetização.

Cuidados específicos

Infelizmente, como esta não é uma situação freqüente em nossa realidade, de maneira geral tem-se recomendado que o portador de deficiência auditiva seja primeiramente encaminhado ao ensino especializado e, assim que adquirir condições mínimas de comunicação (por sinais, leitura labial, ou uma combinação de estratégias), passe também a freqüentar, no período alternado, a classe regular, até que possa nela permanecer.

O professor que tiver em sala de aula um aluno portador de deficiência auditiva, deve familiarizar-se com os aparelhos auditivos (próteses, ou outros meios auxiliares) que possam estar sendo usados por ele. É importante certificar-se de que os equipamentos estão funcionando apropriadamente na sala de aula, e saber detectar, com o aluno, quando eles apresentarem problemas. Para tanto, é importante manter contato com o professor da sala de recursos, ou mesmo solicitar orientação do médico que atende ou tenha atendido o aluno.

Na relação professor-aluno portador de deficiência auditiva, é essencial que sejamos verbais e visuais em nossas interações. Isto implica, primeiramente, em garantir que o aluno se sente em lugar de onde possa ver o

59

restante da classe, com facilidade. Se ele depende da leitura labial, faz-se essencial garantir-lhe a possibilidade de visão dos lábios do professor e dos colegas. Quando houver um residual auditivo é importante que o aluno se posicione o mais próximo possível do professor. E, claro, não adianta nada gritar.

Instruções curtas

Devemos nos assegurar de que esse aluno saiba o que está acontecendo o tempo todo. Para tanto, devemos apresentar, sempre, instruções curtas, claras, bem-pronunciadas, solicitando ao aluno que nos relate o que entendeu, antes de iniciar qualquer atividade. Obviamente que falar com a classe enquanto escreve na lousa, ou seja, de costas para ele, impede que o portador de deficiência perceba que alguma coisa está acontecendo. É interessante, portanto, contar com um colega que possa informar-lhe individualmente o que está acorrendo, quando o professor estiver ocupado com outra atividade.

Uma outra ação, que facilita o acesso do aluno ao que está acontecendo no ambiente da sala de aula, é escrever na lousa o que você disse. Isso ajuda a tirar qualquer dúvida que ele tenha.

Ao introduzirmos conceitos novos, é interessante usar representações gráficas, figuras, desenhos, etc., como meios auxiliares à comunicação verbal. Isto torna o conteúdo da informação mais acessível ao portador de deficiência auditiva. O atendimento individual também deve ser utilizado quando for preciso para atender às suas necessidades peculiares.

É importante também que, ao escrever, sejam usadas sempre frases completas, favorecendo-lhe a compreensão de como as palavras funcionam juntas. Outra ação importante é estipular a interação dos alunos ouvintes com o portador de deficiência auditiva, ensinando-os a estarem sempre no ângulo de visão do colega, antes de começar a falar. Deve-se evitar o contato físico para obter a atenção do aluno surdo, pois isto pode criar problemas de relacionamento. Além disso, não é bom para o aluno habituar-se a depender do toque, pois este nem sempre lhe estará disponível fora da escola.

A utilização da língua de sinais, da mímica, da dramatização facilita a compreensão do conteúdo curricular pelo aluno surdo. A presença de intérprete da língua de sinais/português é um recurso que já se faz presente em algumas instituições de ensino, no Estado do Paraná.

DEFICIÊNCIA FÍSICA

É a variedade de condições não sensoriais que afetam o indivíduo em termos de mobilidade, de coordenação motora geral ou da fala, como decorrência de lesões neurológicas, neuromusculares e ortopédicas, ou ainda, de más-formações congênitas ou adquiridas.

Para detectar deficiências físicas observe se o aluno:

60

• tem dificuldades para correr e costuma cair com freqüência (pé chato, genuvalgo, etc);

• não consegue pular obstáculos, chuta bola, etc; queixa-se de dores nas pernas e pés; não tem força ou direção quando arremessa uma bola para um colega;

• segura o lápis com muita força ou pouca força;

• não consegue fazer círculos ou letras redondas;

• tem dificuldade para realizar encaixes e atividades que exijam coordenação motora fina, tem grande dificuldade para andar, pular, correr ou mesmo não consegue realizar essas atividades;

• tem problemas motores que dificultam ou impedem as atividades em classe;

• apresentam amputações e/ou seqüelas de: poliomielite, paralisia cerebral, ou traumatismos que ocasionam monoplegia, diplegia, hemiplegia, paraplegia e quadriplegia.

Nesses casos o professor deve:• entrar em contato com os pais e verificar se essas dificuldade

também ocorrem no lar;

• se necessário, encaminhar para ortopedista em caso de problema no aparelho locomotor;

• em caso de problemas com a coordenação motora fina realizar, em sala de aula ou no lar, atividades que auxiliem o aluno a superar essas dificuldades.

A deficiência física é um quadro constituído por limitações funcionais da mobilidade e da locomoção do aluno. Dependendo de sua natureza e grau, pode significar também diminuição da capacidade de manipulação de objetos e mesmo de comunicação.

É importante ressaltar que mesmo nos casos de deficiência física onde há um comprometimento da fala não há necessariamente deficiência mental. Nos casos de paralisia cerebral por exemplo, a deficiência mental pode ou não estar associada.

Tendo origens diferentes, é necessário informar-se quais as limitações específicas que cada aluno apresenta e quais as implicações decorrentes desses impedimentos para a vida do aluno em casa e na escola.

Além das deficiências, há, ainda, aquelas doenças (como a Aids, a epilepsia, o diabetes, o enfisema pulmonar, etc.) que provocam limitações físicas não aparentes, mas que exigem cuidados específicos não só para a preservação da saúde e do bem-estar do aluno, mas também, para prevenir

61

complicações mais sérias. É preciso estar informado para adotar as medidas adequadas em proveito do aluno.

O próprio aluno é sempre a melhor fonte de informações sobre si mesmo. Não devemos subestimar a sua capacidade de saber o que é bom ou não para ele. Mas os pais também devem ser procurados para complementar essas informações. Caso há a necessidade, pode-se pedir um contato com o médico do aluno, para saber mais detalhes sobre as suas condições físicas e quais suas possibilidades e limitações, sempre visando a obter sua participação produtiva no processo ensino-aprendizagem.

O aluno e as informações

Basicamente, as informações que devemos buscar dizem respeito aos medicamentos que o aluno toma (caso o faça); quais os horários de medicação; se tem horário estabelecido para ir ao banheiro; que tipo de ajuda física necessita; quanto de autonomia tem para a locomoção; qual o seu nível de funcionamento físico para as diferentes atividades desenvolvidas na escola; se tem crises, quais os procedimentos recomendados para atendê-la nesses momentos; enfim, todas as informações que nos parecerem necessárias para que possamos planejar sua introdução na sala seguros quanto aos procedimentos adequados.

Mas o mais importante é ter sempre em mente que esse nosso cuidado em relação ao aluno com deficiência deve ter a finalidade de ajudá-lo a se sentir seguro e confortável. A superproteção é tão danosa para o aluno quanto o não-atendimento.

Um outro aspecto importante é o de estarmos atentos à postura do aluno. Tanto aqueles usuários de equipamentos auxiliares, como os que usam membros artificiais podem se utilizar das carteiras comuns que temos em nossa sala de aula.

Entretanto, é importante conversar com o aluno para saber se há alguma dificuldade e como ela pode ser sanada. Muitas vezes a utilização de carteiras que têm um braço alargado para servir de suporte para a escrita (carteiras universitárias) resolve facilmente a questão. Mas, pode acontecer de esse modelo não apresentar segurança suficiente para o aluno se apoiar nela ao levantar-se ou sentar-se. Pergunte e o aluno lhe dirá o que acha que é melhor.

A postura sentada também deve ser observada, para prevenir o agravamento de algumas limitações. Por isso é interessante informar-se sobre qual postura é mais adequada para cada aluno.

Os usuários de cadeira de rodas, geralmente, precisam mudar de posição regularmente, para evitar problemas de coluna, de circulação e renais. O cansaço e o desconforto causados por uma longa permanência na mesma posição precisam ser evitados. Pode ser que o aluno precise de ajuda para mudar sua postura. Pergunte a ele como ajudar.

62

Conversar com a turma sobre as necessidades de cada um e desse aluno em particular é um procedimento que promove a consciência e a cooperação. É importante que o grupo conheça as necessidades específicas desse aluno e como é importante colaborar para que ele se sinta bem em classe. Caso seja necessário, podemos sempre conseguir, no grupo, colegas amadurecidos e responsáveis, que podem nos auxiliar nos cuidados e assistência às peculiaridades do colega portador de deficiência física.

No que se refere à adaptação de objetos para a atividade escolar, existem muitos equipamentos que beneficiam o aluno portador de deficiência física em sala de aula. A observação das dificuldades e a discussão com o aluno sobre o que tornaria suas atividades confortáveis podem originar novas e criativas adaptações úteis. Connor (1982) oferece, dentre muitas, algumas sugestões para as atividades de leitura e de escrita:

• utilizar réguas ou marcadores de linha, para facilitar a leitura dos alunos que apresentam distúrbios motores e de equilíbrio;

• utilizar cartões com fendas, para deixar visível uma linha de cada vez, para os mesmos casos;

• utilizar quadros grandes, contendo os textos escritos com letras grandes, para os alunos que apresentam ataxia, o que freqüentemente lhes provoca náuseas e tonturas, quando da leitura de um livro colocado sob os olhos;

• fixar a folha ou caderno com uma moldura de fita adesiva, ou colar apenas os cantos, de forma a fixar a superfície sobre a qual o aluno vai escrever;

• dobrar a folha ao longo das linhas, ou de duas em duas linhas, de forma a permitir uma orientação pelo tato, para os que tiverem problemas de orientação espacial, ou de coordenação fina;

• permitir ao aluno que apresenta movimentos voluntários que escreva sobre uma fina camada de argila, o que certamente será mais fácil do que escrever no papel;

• permitir e viabilizar o uso de computador para os alunos que apresentam pouca força muscular.

Além destes exemplos, muitas outras coisas podem ser feitas, tais como engrossar a largura de um lápis enrolando-o com esparadrapo, para aumentar a superfície de contato com a mão e favorecer a coordenação. Para a proteção do material escolar, que muitas vezes é rasgado por movimentos involuntários ou manchado pela baba não controlada, faz-se interessante trabalhar com folhas soltas, ao invés de caderno, mantendo-as em saquinhos de plásticos individuais.

Muitos apresentam o comprometimento da fala, o que torna a manifestação em público difícil, tanto para quem fala, como para quem ouve. Isto também precisa ser discutido com a classe. É importante ouvir com

63

paciência o aluno que apresenta essa dificuldade, sem procurar “ajudá-lo”, terminando as frases para ele, por meio da adivinhação. Dizer “não entendi, tente falar de novo” quantas vezes for necessário (desde que com calma e sem recriminação) permite que a criança se sinta mais à vontade para exercitar a comunicação.

A participação consciente e responsável dos demais alunos é muito importante para a integração social do aluno portador de deficiência física. Para que isso ocorra, entretanto, precisamos dar-lhes as oportunidades para falar a respeito da deficiência, explicitar suas fantasias e mitos, confrontando tudo isto com as características peculiares da realidade do colega deficiente.

Dessa forma, estaremos atuando educacionalmente, pois já está mais do que demonstrado que a conveniência regular e saudável com portadores de deficiências resulta em benefícios mútuos para portadores e não portadores de deficiência.

DEFICIÊNCIA MENTAL

A deficiência mental na Política Nacional de Educação Especial do MEC é definida como: “... funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder adequadamente as demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação, cuidados pessoais, habilidades sociais, desempenho na família e comunidade, independência na locomoção, saúde e segurança, desempenho escolar, lazer e trabalho...”. É importante não confundir o portador de deficiência mental com o doente mental.

A deficiência mental é um quadro psicopatológico que diz respeito, especificamente, às funções cognitivas. Todavia, tanto os outros aspectos estruturais quanto os aspectos instrumentais também podem estar alterados. Porém, o que caracteriza a deficiência mental são defasagens e alterações nas estruturas mentais para o conhecimento.

É a incapacidade caracterizada por limitações significativas tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo expresso em habilidades conceituais, sociais e práticas.

Alunos com deficiência mental

O aluno portador de deficiência mental, geralmente apresenta algumas características. Observe se o aluno:

• consegue entender ordens simples, mas apresenta mais dificuldades quando se dão duas ou mais ordens complexas;

• possui pouca iniciativa, pouca criatividade e pouco espírito crítico;

64

• pode ter maior dificuldade para se expressar e para controlar emoções;

• apresenta ritmo de aprendizagem mais lento, necessitando de repetidas explicações;

• tem maior dificuldade em abstrair e generalizar;

• pode apresentar problemas para se adaptar a novas situações.

Nesses casos, o professor deve:

• entrar em contato com os pais e verificar se essas atitudes também ocorrem no lar;

• encaminhar a criança, caso julgue necessário, com relatório de observação, para um psicólogo que possa realizar um diagnóstico diferencial.

O aluno portador de deficiência mental é um aluno como qualquer outro, cujo processo de desenvolvimento se dá através das mesmas fases e da mesma seqüência. A maior diferença, em geral, reside no ritmo de aprendizagem. Pode exigir mais tempo de contato e maior diversidade de formas de apresentação dos conteúdos do que a maioria dos alunos. Na maioria das vezes, ele não aprende porque não respeitamos seu nível de desenvolvimento. Para que o aluno portador de deficiência mental aprenda, é fundamental fazer uma avaliação objetiva e segura do que ele já sabe, de que tipo de operações mentais ele já consegue se utilizar, de que conceitos (natureza e tipo de relações entre eles) ele já dispõe. Com base nisso podemos planejar nossas ações adequadamente. Caso contrário, o ensino será feito em bases artificiais e, conseqüentemente, este não terá sucesso. E nesses casos, é comum culpar a criança colocando-lhe um rótulo que será totalmente prejudicial.

O que fazer então?

Primeiro, devemos agir exatamente como fazemos com qualquer de nossos alunos, ou seja, identificarem que nível de desenvolvimento o aluno portador de deficiência se encontra, o que ele já sabe e como se utiliza daquilo que já sabe. A partir daí, devemos elaborar nosso planejamento.

Aprendendo e assimilando

Da mesma forma como fazemos com todas as crianças, no que diz respeito aos alunos com deficiência mental, é importante que iniciemos com conceitos e operações simples e concretas, construindo gradativamente a complexidade e a abstração. Sempre devemos nos assegurar de que nosso aluno realmente aprendeu e assimilou o conhecimento anterior. Trabalhe várias vezes com os mesmos conceitos, por períodos mais curtos de tempo, associando-os a diferentes instâncias da realidade.

65

Como o aluno portador de deficiência mental apresenta grande facilidade para se distrair com estímulos alheios à aprendizagem, é interessante que ele se sente em local onde esses estímulos sejam menores. É importante explicitar verbal e constantemente os conteúdos em questão, de forma que o aluno possa sempre estar exposta visual e auditivamente à situação de ensino.

Devemos sempre elogiar os sucessos do aluno e compreender afetuosamente as suas dificuldades, buscando minorá-las.

Como vemos, a aprendizagem do aluno deficiência mental não exige do bom educador ou nada de muito diferente daquilo que ele está habituado a fazer com todos os seus alunos, exceto, talvez, o uso mais freqüente da prática monitorada, da utilização de maior diversidade de material e de mais tempo que o comumente usado para a construção do conhecimento.

Atividades integradas

A participação do aluno portador de deficiência nas atividades extracurriculares de forma integrada com seus colegas é muito importante, pois beneficia a percepção mais ampla da realidade social e favorece o desenvolvimento geral do aluno. Essas atividades integradas devem ser incentivadas. Para evitar posturas inadequadas, devemos refletir com a classe, clara e respeitosamente, sobre as peculiaridades do colega com deficiência, para que compreendam que ele faz parte do grupo e será beneficiado com sua participação em todas as atividades.

DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

É a associação, no mesmo indivíduo, de duas ou mais deficiências primárias (mental/visual/auditiva/física), com comprometimentos que acarretam atrasos no desenvolvimento global e na capacidade adaptativa.

Considerações finais

Os assuntos que aqui compartilhamos são simplesmente uma rápida pincelada do muito que poderíamos e gostaríamos de conversar. Nossas sugestões sempre poderão ser complementadas pela criatividade do professor interessado e afetuoso, que deseja construir uma relação professor-aluno produtiva, construtiva e transformadora de nossa realidade.

Sempre é bom lembrar a importância da participação da família. Por mais simples que sejam, os parentes mais próximos, como pais e irmãos, podem, querem e devem participar. E os professores devem ajudá-los nessa tarefa, prestando-lhes informações, orientações, e fazendo-os sentirem-se partes integrantes e indispensáveis do processo. É importante saber que existem diversos profissionais de diferentes áreas do conhecimento que podem nos ajudar quando tivermos esgotado todos os nossos recursos e, mesmo assim, sentirmos que é preciso fazer mais para ajudar nosso aluno com

66

deficiência. Basta buscar na sua comunidade, e certamente você encontrará a assessoria de que precisa.

ATIVIDADES PARA DEBATE E REFLEXÃO

1. Na sua prática escolar você já vivenciou alguma experiência, em que detectou uma possível deficiência num(a) aluno(a)? Como procedeu?

2. Após a leitura do texto, é possível perceber que podemos ter alunos portadores de Necessidades Especiais em nossas classes comuns e o mesmo ajuda a proceder de maneira mais segura? Comente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL - Ministério da Educação - Secretaria de Educação Especial. Turma do Bairro – “A Integração do Aluno com Deficiência na Rede de Ensino”- Volume 3 Brasília - 2004.

COLL, Palacios J., Marchesi A. Desenvolvimento Psicológico e Educação Necessidades Educativas Especiais e Aprendizagem Escolar - Vol. 3 – Porto Alegre: Artmed Editora. 1995.

BRASIL - Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial, Brasília, 1994. BRASIL - Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Projeto Escola Viva, Brasília, 2000.

BRASIL - Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Educação Inclusiva Documento Subsidiário à Política de Inclusão, Brasília, 2005.

Ribeiro MLS, Baumel RCRC. Educação Especial Do Querer ao Fazer, São Paulo: Avercamp Editora, 2003.

BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96, Brasília, 1996.

67

Considerando os questionamentos levantados a partir dos estudiosos

apresentados nos textos anteriores, podemos incitarmo-nos para a grande

polêmica, que é avaliação. O texto a seguir nos dá esta condição, aproveite

cada linha do mesmo e bom estudo.

Cipriano Carlos Luckesi*Verificação ou Avaliação:O Que Pratica a Escola?

A avaliação da aprendizagem escolar adquire seu sentido na medida em que

se articula com um projeto pedagógico e com seu conseqüente projeto de

ensino. A avaliação, tanto no geral quanto no caso específico da

aprendizagem, não possui uma finalidade em si; ela subsidia um curso de ação

que visa construir um resultado previamente definido.

No caso que nos interessa, a avaliação subsidia decisões a respeito da

aprendizagem dos educandos, tendo em vista garantira qualidade do resultado

que estamos construindo. Por isso, não pode ser estudada, definida e

delineada sem um projeto que a articule.

Para os desvendamentos e proposições sobre a avaliação da aprendizagem,

que serão expostos neste texto, teremos sempre presente este fato, assumindo

que estamos trabalhando no contexto do projeto educativo, que prioriza o

desenvolvimento dos educandos – crianças, jovens e adultos – a partir de um

processo de assimilação ativa do legado cultural já produzido pela sociedade: a

filosofia, a ciência, a arte, a literatura, os modos de ser e de viver.

Deste modo, os encaminhamentos que estaremos fazendo para a prática da

avaliação da aprendizagem destinam-se a servir da base para tomadas de

decisões no sentido de construir com e nos educandos conhecimentos,

habilidades e hábitos que possibilitem o seu efetivo desenvolvimento, através

da assimilação ativa do legado cultural da sociedade.

68

Tendo por base a compreensão exposta neste texto, abordaremos a prática da

aferição do aproveitamento escolar, tendo como matriz de abordagem os

conceitos de verificação e avaliação, na perspectiva de, ao final, retirar

proveitos para a prática docente.

*Professor de filosofia da Educação, com mestrado em Educação pela

universidade Federal da Bahia.

Importa enfatizar que estaremos trabalhando com os conceitos de verificação

e avaliação, e não com os termos verificação e avaliação. Isso significa que

iremos trabalhar com esses conceitos a partir de suas “determinações” no

movimento real da prática escolar com a qual convivemos.

O conceito é uma formulação abstrata que configura no pensamento, as

determinações de um objeto ou fenômeno. No contexto do pensamento

marxista, o conceito a uma categoria explicativa, que ordena, compreende e

expressa uma realidade empírica concreta, como um “concreto pensando”,

“síntese de múltiplas determinações”.

O nosso esforço, ao longo deste texto, é expor os elementos do movimento

real na prática escolar, relativos ao tratamento dos resultados da aprendizagem

dos alunos, tentando responder à seguinte pergunta: a configuração formada

pelos dados da prática escolar, referentes aos resultados da aprendizagem dos

educandos, define-se como verificação ou como avaliação?

Da resposta que pudermos dar a esta questão, estaremos retirando

conseqüências para a prática docente, acreditando que o esforço científico visa

fundamentar a ação humana de forma adequada.

A ciência constitui um instrumento com o qual se trabalha no desenvolvimento

dos objetivos e, por isso, ela nos permite, com alguma segurança, escolher um

caminho de ação. No caso, deste texto, no limite do possível, a análise crítica

que pretendemos proceder da prática avaliativa, identificando-a com conceito

69

de verificação ou de avaliação, deixam-nos aberta a responsabilidade de

encaminhamentos, que cremos serem coerentes e consistentes.

Fenomenologia da Aferição dos Resultados da Aprendizagem Escolar

Na prática da aferição do aproveitamento escolar, os professores realizam, basicamente, três procedimentos sucessivos:

• Medida do aproveitamento escolar;

• Transformação da medida em nota ou conceito;

• Utilização dos resultados identificados

.

Indicaremos nossa análise pela descrição fenomenológica dessas três condutas dos professores. Tal descrição delimitada um quadro empírico, que nos permitirá, posteriormente, abstrair características que nos indicarão se os atos de afeição do aproveitamento escolar, praticamente pelos professores, são de verificação ou de avaliação.

OBTENÇÃO DA MEDIDA DOS RESULTADOS DA APRENDIZAGEM

Em nossa prática escolar, os resultados da aprendizagem são obtidos, de início, pela medida, variando a especificação e a qualidade dos mecanismos e dos instrumentos utilizados para obtê-la.

Medida é uma forma de comparar grandezas, tomando uma como padrão e outra como objeto a ser medido, tendo como resultado a quantidade de vezes que a medida padrão cabe dentro do objetivo medido.

Sobre a questão do que é um “conceito”, ver Karl MARX, “Método da Economia Política in: Contribuição ã Critica da Economia Política São Paulo, Livraria Martins Fontes.

70

O mais simples exemplo de medida dá-se com a utilização do metro (grandeza padrão) como marcador de extensão linear (grandeza a ser medida). A extensão do metro é comparada à do objeto a ser medido, possibilitando saber quantas vezes cabe a extensão do metro dentro da extensão do objeto. Por exemplo, depois de medida, pode-se dizer que a extensão linear de uma determinada rua da cidade é de 245 metros.

No caso dos resultados da aprendizagem, os professores utilizam como padrão de medida o “acerto:” de questão. E a medida dá-se com a contagem dos acertos do educando sobre um conteúdo, dentro de um limite de responsabilidades, equivalente à quantidade de questões que possui o teste, prova ou trabalho dissertativo. Num teste com dez questões, por exemplo, o padrão de medida é o acerto, e a extensão máxima possível de acertos é de dez. Em dez acertos possíveis, um aluno pode chegar ao limite máximo dos dez ou quantidades menores.

Usualmente, na prática escolar, os acertos nos testes, provas ou outros meios de coleta dos resultados da aprendizagem são transformados em “pontos”, o que não modifica o caráter de medida, desde que os acertos adquiram a forma de pontos. O padrão de medida, então, passa a ser os pontos. A cada acerto corresponderá um número de pontos, previamente estabelecido, que pode ser igual ou diferenciado para cada acerto.

Por exemplo, dez questões de um teste podem ser transformadas em cem pontos. Na forma equalizada, cada acerto equivale, indistintamente, a dez pontos. Na forma diferenciada, em decorrência de ênfases neste ou naquele aspecto, os cem pontos são distribuídos desigualmente pelas questões e, então, os acertos equivalem a quantidades variadas de pontos; assim, a primeira questão pode valer dez pontos, a segunda vinte, a terceira cinco, a quarta cinco, e assim, sucessivamente, até completar os cem pontos.

A atribuição de pontos às questões, e seus correspondentes acertos, não muda a qualidade da prática; ela continua sendo medida.

Para coletar os dados e proceder à medida da aprendizagem do educando, os professores, em sala de aula, utilizam-se de instrumentos que variam desde a simples e ingênua observação até sofisticados testes, produzidos segundo normas e critérios técnicos de elaboração e padronização.

71

Pode-se questionar, é claro, se o processo de medir, utilizando pelos professores em sala de aula, tem as qualidades de uma verdadeira medida, mas isto não vem ao caso aqui. Precária ou não, importa compreender que, na aferição da aprendizagem, a medida é um ato necessário e assim tem sido praticada na escola. Importa-nos ter clareza que, no movimento real da operação com resultados da aprendizagem, o primeiro ato do professor tem sido, e necessita ser, a medida, porque é a partir dela, como ponto de partida, que se pode dar os passos seguintes da aferição da aprendizagem.

TRANSFORMAÇÃO DA MEDIDA EM NOTA OU CONCEITO

A segunda conduta do professor no processo de aferição do aproveitamento escolar tem sido a conversão da medida em nota ou conceito.

Com o processo de medida, o professor obtém o resultado – por suposto, objetivo – da aprendizagem do educando que, por sua vez, é transformado ou em nota, adquirindo conotação numérica, ou em conceito, ganhando conotação verba. Neste último caso, o resultado é expresso ou por símbolos alfabéticos, tais como SS = superior, MS = médio superior, ME = médio, MI = médio inferior, IN = inferior, SR = sem rendimento, ou por palavras denotativas de qualidade, tais como Excelente, Muito Bom, Regular, Inferior, Péssimo.

A transformação dos resultados medidos em nota ou conceito-dá-se através do estabelecimento de uma equivalência simples entre os acertos ou pontos obtidos pelo educando e uma escala, previamente definida, de notas ou conceitos.

Um exemplo é suficiente para compreender como se dá esse processo. Para um teste de dez questões, as correspondências entre acertos e notas são simples: cada questão equivale a um décimo da nota máxima, que seria dez. Assim, um aluno que acertou oito por uma escala como a que segue: SR (sem rendimento) = nenhum acerto; IN (inferior) = um ou dois acertos; MI (médio inferior) = três ou quatro acertos; ME (médio) = cinco ou seis acertos; MS (médio superior) = sete ou oito acertos; SS (superior) = nove ou dez acertos. As escalas de conversão poderão ser mais complexas que estas, mas sem nenhuma grande dificuldade.

72

Para proceder a essa transformação tem-se estabelecido variadas tabelas de conversão. Se não há uma tabela oficial na escola, cada professor cria a sua, em função do instrumento de coleta de dados que constrói ou utiliza.

Notas e conceitos, em principio, expressam a qualidade que se atribui à aprendizagem do educando, medida sob a forma de acerto ou pontos.

Caso o professor, por decisão pessoal ou por norma escolar, multiplique as situações e os momentos de aferição do aproveitamento escolar, para obter o resultado final de um bimestre ou ano letivo, ele se utiliza da média de notas ou conceitos.

No caso das notas, a média é facilitada pelo fato de se estar operando com números, que de símbolos qualitativos se transformam indevidamente em quantitativos; no caso dos conceitos, a média é obtida após a conversão dos conceitos em números.

Por exemplo, pode-se estabelecer a equivalência entre S e a nota dez, entre MS e anota oito, e assim sucessivamente. A partir daí, basta fazer uma média simples ou ponderada, conforme a decisão, obtendo-se o que seria a média da aprendizagem do educando no bimestre ou no semestre letivo. Aqui também ocorre a transposição indevida de qualidade para quantidade, de tal forma que se torna possível, ainda que impropriamente, obter uma média de conceitos qualitativos.

UTILIZAÇÃO DOS RESULTADOS

Com esse resultado em mãos, o professor tem diversas possibilidades de utiliza - lá, tais como:

• Registrá-lo, simplesmente, no Diário de Classe ou Caderneta de Aluno;

• Oferecer ao educando, caso ele tenho obtido uma nota ou conceito inferior, uma “oportunidade” de melhorar a nota ou conceito, permitindo que ele faça uma nova aferição;

73

• Atentar para as dificuldades e desvios da aprendizagem dos educandos e decidir trabalhar com eles para que, de fato, aprendam aquilo que deveriam aprender, construam efetivamente os resultados necessários da aprendizagem

Se os dados obtidos revelarem que o educando se encontra numa situação negativa de aprendizagem e, por isso, possui uma nota ou um conceito de aprovação, usualmente tem-se utilizado a primeira e, no máximo, a segunda opção; neste caso, no mínimo registram-se os dados em cadernetas e,no máximo, chama-se a atenção do aluno, pedindo-lhe que estude para fazer uma segunda aferição, tendo em vista a melhoria da nota e, nesta circunstância, deve-se observar que a orientação, no geral, não é para que o educando estude a fim de aprender melhor, mas para que estude “tendo em vista a melhoria da nota”.

A partir dessa observação, poder-se-a argüir: estudar para melhorar a nota não possibilita uma aprendizagem efetiva? É possível que sim; contudo, importa observar que o que está motivando e polarizando a ação não é a aprendizagem necessária, mas sim a nota. E isso, do ponto de vista do educativo, é um desvio, segundo nossa concepção.

A terceira opção possível de utilização dos resultados da aprendizagem é a mais rara na escola, pois exige que estejamos, em nossa ação docente, polarizados pela aprendizagem e desenvolvimento do educando; a efetiva aprendizagem seria o centro de todas as atividades do educador. Contudo, esta não tem sido a nossa conduta habitual de educadores escolares; usualmente, estamos preocupados coma aprovação ou reprovação do educando, e isso depende mais de uma nota que de uma aprendizagem ativa, inteligível, consistente.

Em síntese, as observações até aqui desenvolvidas demonstram que a aferição da aprendizagem escolar é utilizada, na quase totalidade das vezes, para classificar os alunos em aprovados ou reprovados. E nas ocasiões onde se possibilita uma revisão dos conteúdos, em si, não é para proceder a uma aprendizagem, mas sim para “melhorar” a nota do educando e, por isso, aprová-lo.

A Escola Opera Com Verificação e Não Com Avaliação da Aprendizagem

74

Iniciemos pelos conceitos de verificação e avaliação, para, a seguir, identificação se a fenomenologia da aferição do aproveitamento escolar, descrita no item anterior, se configura como verificação ou avaliação.

O termo verificar provém etimologicamente do latim – verum facere – e significa “fazer verdadeiro”.

Contudo, o conceito verificação emerge das determinações da conduta de, intencionalmente, buscar “ver se algo é isso mesmo...”, “investigar a verdade de alguma coisa...”. O processo de verificar configura-se pela observação, obtenção, análise e síntese dos dados ou informações que delimitam o objetivo ou ato com o qual se está trabalhando. A verificação encerra-se no momento em que o objeto ou ato de investigação chega a ser configurado, sinteticamente, no pensamento abstrato, isto é, no momento em que se chega à conclusão que tal objeto ou ato possui determinada configuração.

A dinâmica do ato de verificar encerra-se coma obtenção do dado ou informações que se busca, isto é, “vê-se” ou “não se vê” alguma coisa. E... pronto! Por si, a verificação não implica que o sujeito retire dela conseqüências novas e significativas.

O termo avaliar também tem sua origem no latim, provindo da composição a-valere, que quer dizer “dar valor a...”. Porém, o conceito “avaliação” é formulado a partir das determinações da conduta de ”atribuir um valor ou qualidade a alguma coisa, ato ou curo de ação...”, que, por si, implica um posicionamento positivo ou negativo em relação ao objeto, ato ou curso de ação avaliado. Isto quer dizer que o ato de avaliar não se encerra na configuração do valor ou qualidade atribuído ao objeto em questão, exigindo uma tomada de posição favorável ou desfavorável ao objeto de avaliação, com uma conseqüência decisão de ação.

O ato de avaliar importa coleta, análise e síntese dos dados que configuram o objeto da avaliação, acrescido de uma atribuição de valor ou qualidade, que se

75

processa a partir da comparação da configuração do objeto avaliado com um determinado padrão de qualidade atribuídos ao objeto conduzem a uma tomada de posição a seu favor ou contra ele. E, o posicionamento a favor ou contra o objeto, ato ou curso de ação, a partir do valor ou qualidade atribuídos, conduz a uma decisão nova, a uma ação nova: manter o objeto como está ou atuar sobre ele.

A avaliação, diferentemente da verificação, envolve um ato que ultrapassa a obtenção de configuração do objeto, exigindo decisão do que fazer ante ou com ele. A verificação é uma ação que “congela” o objeto; a avaliação, por sua vez, direciona o objeto numa trilha dinâmica de ação.

As entrelinhas do processo descrito no tópico anterior demonstram que, no geral, a escola brasileira opera com a verificação e não com a avaliação da aprendizagem.

Este fato fica patente ao observarmos que os resultados da aprendizagem usualmente têm a função de estabelecer uma classificação do educando, expressa em sua aprovação ou reprovação. O uso dos resultados encerra-se na obtenção e registro da configuração da aprendizagem do educando, nada decorrendo daí.

Raramente, só em situações reduzidas e especificas, encontramos professores que fogem a esse padrão usual, fazendo da aferição da aprendizagem um efetivo ato de avaliação. Para estes raros professores, a aferição da aprendizagem manifestá-se como um processo de compreensão dos avanços, limites e dificuldades que os educandos estão encontrando para atingir os objetivos do curso, disciplina ou atividade da qual estão praticando. A avaliação é, neste contexto, um excelente mecanismo subsidiário da condução da ação.

A partir dessas observações, podemos dizer que a prática educacional brasileira opera na quase totalidade das vezes, como verificação. Por isso, tem sido incapaz de retirar do processo de aferição as conseqüências mais significativas para a melhoria da qualidade e do nível de aprendizagem dos educandos. Ao contrário, sob a forma de verificação, tem- se utilizado o processo de aferição de aprendizagem de uma forma negativa, à medida que

76

tem servido para desenvolver o ciclo do medo nas crianças e jovens, através da constante “ameaça” da reprovação.

Em síntese, o atual processo de aferir a aprendizagem escolar, sob a forma de verificação, além de não obter as mais significativas conseqüências para a melhoria do ensino e da aprendizagem, ainda impõe aos educandos conseqüências negativas, como a de viver sob a égide do medo, através da ameaça de reprovação – situação que nenhum de nós, em sã consciência, pode desejar para si ou para outrem.

O modo de trabalhar com os resultados da aprendizagem escolar – sob a modalidade da verificação – reifica a aprendizagem, fazendo dela uma “coisa” e não um processo. O momento de aferição do aproveitamento escolar não é ponto definitivo de chegada, mas um momento de parar para observar se a caminhada está ocorrendo com a qualidade que deveria ter. Neste sentido, a verificação transforma o processo dinâmico da aprendizagem em passos estáticos e definitivos. A avaliação, ao contrário, manifesta-se com um ato dinâmico que qualifica e subsidia o reencaminhamento da ação, possibilitando conseqüências na direção da construção, dos resultados que se deseja.

Encaminhamentos

Diante do fato de que, no movimento real da aferição da aprendizagem escolar, nos deparamos com a prática escolar da verificação e não da avaliação, e tendo ciência de que o exercício efetivo da avaliação seria mais significativo para a construção dos resultados da aprendizagem do educando, propomos, neste segmento do texto, algumas indicações que poderão ser estudadas e discutidas na perspectiva de gerar encaminhamentos para a melhor forma de condução possível do ensino escolar.

USO DA AVALIAÇÃO

Em primeiro lugar, propomos que a avaliação do aproveitamento escolar seja praticada como uma atribuição de qualidade aos resultados da aprendizagem dos educandos, tendo por base seus aspectos essências e, como objetivo final, uma tomada de decisão que direcione o aprendizado e, conseqüentemente, o desenvolvimento do educando.

77

Com isso, fugiremos ao aspecto classificatório que, sob a forma de verificação, tem atravessado a aferição do aproveitamento escolar. Nesse sentido, ao avaliar, o professor devera:

• Coletar, analisar e sintetizar, da forma mais objetiva possível, as manifestações das condutas cognitivas, psicomotoras – dos educandos, produzindo uma configuração do efetivamente aprendido;

• Atribuir uma qualidade a essa configuração da aprendizagem, a partir de um padrão (nível de expectativa) preestabelecido e admitido como válido pela comunidade dos educadores e especialistas dos conteúdos que estejam sendo trabalhados;

• A partir dessa qualificação, tomar uma decisão sobre as condutas docentes e discentes a serem seguidas, tendo em vista:

- a reorientação imediata da aprendizagem, caso sua qualidade se mostre insatisfatória e o conteúdo, habilidade ou hábito, que esteja sendo ensinado e aprendido, seja efetivamente essencial para a formação do educando;

- o encaminhamento dos educandos para passos subseqüentes da aprendizagem, caso se considere que, qualitativamente, atingiram um nível da satisfatoriedade no que estava sendo trabalhado.

Assim, o objetivo primeiro da aferição do aproveitamento escolar não será a aprovação ou reprovação do educando, mas o direcionamento da aprendizagem e seu conseqüente desenvolvimento.

PADRÃO MÍNIMO DE CONDUTA

Para que se utilize corretamente a avaliação no processo ensino-aprendizagem, no contexto escolar, importa estabelecer um padrão mínimo de conhecimentos*, habilidades e hábitos que o educando deverá adquirir; um padrão mínimo de conhecimentos, habilidades e hábitos e não uma média mínima de notas, como ocorre hoje na prática escolar.

78

A média mínima de notas é enganosa do ponto de vista de ter ciência daquilo que o educando adquiriu. Ela opera no que diz respeito ao aproveitamento escolar, com pequena quantidade de elementos – dois, três ou quatro resultados; e a média, em número reduzido de casos, cria, como sabemos, uma forte distorção na expressão da realidade.

Um aluno, por exemplo, que no primeiro bimestre letivo obtenha nota 10 em Matemática, no conteúdo de adição; no segundo bimestre, nota 10, no conteúdo de subtração; no terceiro, nota 4, no conteúdo de multiplicação; e no quarto, zero, no conteúdo de divisão, terá como média nota 6.

A nota 6 engana quem a lê. Pode levar a crer que o educando chegou a um limiar de aprendizagem mínima necessária nas quatro operações matemáticas com números inteiros, cujo mínimo era 5. Todavia na verdade, ele só obteve aproveitamento satisfatório em adição e subtração; em multiplicação foi sofrível e em divisão, nulo. Esse aluno estaria carente de conhecimentos relativos a multiplicação e a divisão; no entanto, pela média, seria aprovado como se não tivesse essa carência.

De fato, o ideal seria a inexistência do sistema de notas. A aprovação ou reprovação do educando deveria dar-se pela efetiva aprendizagem dos conhecimentos mínimos necessários, com o conseqüente desenvolvimento de habilidades, hábitos e convicções. Entretanto, diante da intensa utilização de notas e conceitos na prática escolar e da própria legislação educacional que determina o uso de uma forma de registro dos resultados da aprendizagem, não há como, de imediato, eliminar as notas e conceitos da vida escolar.

Em função disso, é possível pedagogicamente (não administrativamente) sanar essa dificuldade pelo estabelecimento de conhecimentos, habilidades e hábitos mínimos a serem adquiridos pelo educandos e pelo encaminhamento do ensino a partir dessa definição.

Teríamos de trabalhar com o mínimo necessário de aprendizagem e a esse mínimo atribuiríamos uma qualidade “minimamente satisfatória”, que poderia ser expressa pela nota 7, por exemplo. Nessa perspectiva:

79

• Todo educando, em todos os conteúdos, deveria obter no mínimo 7; para isso, ter-se-ia de estabelecer uma definição no planejamento de quais conteúdos e aprendizagens seriam necessários para se obter a menção 7, sem que seria impossível fazer a atribuição;

• A aprendizagem abaixo desse nível seria considerada insatisfatória; para isso, o educando deveria ser reorientado, até atingir o mínimo necessário;

• O Educando que obtivesse rendimento acima desse nível mínimo necessário receberia notas superiores a 7, chegando ao máximo de 10.

Neste contexto, poder-se-ia utilizar a média desde que não distorcesse tanto o resultado final da aprendizagem do aluno. Neste caso, o resultado da média estaria sempre acima do mínimo necessário de conteúdos a serem aprendidos.Para exemplificar, retomemos o caso anteriormente citado do aluno de matemática, supondo, agora, que obteve as seguintes notas: 7, 8, 10 e 9. A média seria 8,5.

Observar que essa média seria feita com resultados sempre superiores ao mínimo necessário, ou seja, 7 em cada um dos conteúdos. A nota assim obtida, ainda que também tenha seu lado enganoso, por dar-se sobre pequena quantidade de casos, seria mais verdadeira do ponto de vista da aprendizagem, desde que expressasse que o aluno aprendeu o mínimo necessário em cada conteúdo.

Para que esta média possa ocorrer, o professor terá de planejar o que é o mínimo necessário e trabalhar com seus alunos para que todos atinjam esse mínimo.

A avaliação, no caso, seria um mecanismo subsidiário pelo qual o professor iria detectando os níveis de aprendizagem atingidos pelos alunos e trabalhando para que atingisse a qualidade ideal mínima necessária. Só passaria para um conteúdo novo, quando os alunos tivessem atingido esse patamar mínimo.

Alguns alunos, devido as diferenças individuais, culturais e sociais, ultrapassaram, facilmente ou com certa dose de trabalho o mínimo necessário; outros, porém, pelo menos chegarão ao mínimo.Isso garantiria uma equalização entre os alunos, ao menos nas condições mínimas de aprendizagem dos conteúdos escolares .

Esse seria um caminho para garantir a socialização do saber, no contexto da escola, pois todos adquiririam o mínimo necessário, e a avaliação estaria a serviço desse significativo processo social e político.

Ainda que pareça estar suficientemente claro o que estamos propondo ao falar em mínimo necessário, acrescentaremos uma observação: definir o mínimo necessário não significa ater-se a ele. O mínimo necessário deverá ser ensinado e aprendido por todos, porem não há razão para não ir além dele; ele representa o limite mais baixo a ser admitido em uma aprendizagem essencial. O que não podemos admitir é que muitos educandos fiquem aquém do mínimo

80

necessário de conhecimentos, habilidades e hábitos que delineiem as possibilidades do seu desenvolvimento.

Importa ainda observador que o mínimo necessário não é e nem pode ser definido pelo professores individualmente. Este mínimo é estabelecido pelo coletivo dos educadores que trabalham em um determinado programa escolar, em articulação com desenvolvimento da ciência, com a qual trabalham, no contexto da sociedade contemporânea em que vivemos. Caso contrário, cairemos num arbitrarismo sem tamanho, com conseqüências negativas para os educandos, que ficarão carentes de conteúdos, habilidades, hábitos e convicções.

Em termo de avaliação de aprendizagem, Norman GRONLUND, em seu livro Elaboração de Testes de Aproveitamento Escolar (São Paulo, Livraria Pioneira), fala de testes referenciados a critério, que trabalhariam a partir dos mínimos necessários, e testes referenciados a norma que trabalhariam a partir dos conteúdos “desenvolvimento”, que iriam para além dos mínimos necessários.

ESTAR INTERESSADO EM QUE O EDUCANDO APRENDA E SE DESENVOLVA

A prática da avaliação da aprendizagem, em seu sentido pleno, só será possível na medida em que se estiver efetivamente interessado na aprendizagem do educando, ou seja, há que se estar interessado em que o educando aprenda aquilo que esta sendo ensinado.

Parece um contra-senso essa afirmação, na medida em que podemos pensar que quem esta trabalhando no ensino esta interessado em que os educandos aprendam. Todavia, não é o que ocorre.

O sistema social não demonstra estar tão interessado em que o educando aprenda, a partir do momento que investe pouco na educação. Os dados estatísticos educacionais estão ai para demonstrar o pequeno investimento, tanto do ponto de vista financeiro quanto do pedagógico, na efetiva aprendizagem do educando.

No caso da avaliação da aprendizagem, vale lembrar o baixo investimento pedagógico. Nós, professores, assim como normalmente os alunos e seus pais, estão interessados na aprovação ou reprovação dos educandos nas séries escolares; porém, estamos poucos atentos ao seu efetivo desenvolvimento. A nossa prática educativa expressa-se mais ou menos da seguinte forma: “Ensinamos, mas os alunos não aprenderão; o que é que vamos fazer...?”.

De fato, se ensinamos, os alunos não aprenderão e estamos interessados que aprendam, há que se ensinar até que aprendam; há que se investir na construção dos resultados desejados.

81

A avaliação só pode funcionar efetivamente num trabalho educativo com essas características. Sem esta perspectiva dinâmica de aprendizagem para o desenvolvimento, a avaliação não terá espaço; terá espaço sim, a verificação, desde que ela só dimensione o fenômeno sem encaminhar decisões. A avaliação implica a retomada do curso de ação, se ela não tiver sido satisfatório, ou a sua reorientação, caso esteja se desviando.

A avaliação é um diagnóstico da qualidade dos resultados intermediários ou finais; a verificação é uma configuração dos resultados parciais ou finais. A primeira é a dinâmica a segunda, estática.

RIGOR CIENTÍFICO E METODOLÓGICO

Para que a avaliação se tome um instrumento subsidiário significativo da prática educativa, é importante que tanto a prática educativa como a avaliação sejam conduzidas com determinado rigor cientifico e técnico. A ciência pedagógica, hoje, esta suficientemente amadurecida para oferecer subsídios à condução de uma prática educativa capaz de levar à construção de resultados significativos de aprendizagem, que se manifestam em prol do desenvolvimento do educando.

Não caberia tratar desta questão neste texto; todavia, não poderíamos deixar de menciona – lá, pois sem ela a avaliação não alcançará seu papel significativo na produção de um ensino – aprendizagem satisfatória.

QUESTÕES:1 – Como tem sido sua realidade do que foi exposto sobre “verificação/avaliação”?

2 – Qual seria a melhor forma de condução possível da avaliação do ensino escolar?

82

PROCESSOS DE APRENDIZAGEM – METODOLOGIA – ADAPTAÇÕES CURRICULARES

Compreendendo o Contexto

É fundamental conhecer nossos alunos e refletir sempre sobre as relações interpessoais que ocorrem na classe ( professor x alunos e alunos x alunos ). É normal, em todo agrupamento humano, haver pessoas com quem conseguimos estabelecer laços de empatia e outras com as quais o relacionamento é mais difícil. É freqüente também que tentemos nos livrar de quem nos incomoda. As pessoas muito diferentes de nós ou que não correspondem às nossas expectativas são geralmente os alvos desse processo de exclusão.

As diferenças entre as crianças não são, em geral, respeitadas nem nas famílias, onde os pais costumam estabelecer comparações entre os filhos, nem no sistema educacional, onde os programas e estratégias são rígidamente preestabelecidos. Espera-se que o aluno seja capaz de aprender o que o professor lhe transmite, ao invés de receber instrumentos para construir o seu próprio conhecimento, de acordo com suas possibilidades de aprendizagem. As crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem acumulam repetências, não conseguem serem alfabetizadas, acabam abandonando a escola ou sendo rotuladas de deficientes e encaminhadas para classes especiais.

Já as crianças com alguma deficiência mais evidente (física/motora, sensorial e outras ) são segregadas em instituições especializadas, perdendo a chance de conviver e participar da sociedade em geral. Em ambos os casos as crianças recebem um rótulo do qual dificilmente conseguirão se livrar. Contudo, embora a tendência do sistema educacional seja excluir aqueles que não estão adequados às expectativas da escola, opera atualmente, em nível mundial, um grande movimento para mudar esta situação e, o professor é figura determinante nas ações dentro da sala de aula, no sentido de minimizar, com esse modelo de educação. O primeiro passo é deixar de classificar e rotular, negando-se a ordenar e explicar o mundo pela mera atribuição de nomes, “diagnósticos” que só servem para justificar “cientificamente” a exclusão realizada na escola. A simples atribuição de um “diagnóstico” não ajuda compreender a complexidade de um indivíduo, quer seja isoladamente ou em relação ao grupo. E isto é ainda mais verdadeiro se considerarmos que estamos falando de um grupo pertencente a uma instituição normatizada e normatizadora como é a escola. Para iniciar um processo de mudança de filosofia no sistema educacional precisamos:

83

• Ver antes o aluno e depois suas dificuldades, avaliar seus aspectos positivos, e não só os negativos. O aluno é muito mais do que aparenta ser na escola. Ele freqüenta outros ambientes e é sempre esclarecedor saber como ele é fora da classe.

• Verificar a origem do aluno, como é sua família e se ele apresenta problemas também no lar. É importante indagar sobre as vivências escolares dos pais e que valor dão à escola. Devemos tomar cuidado ao abordá-los, falar amistosamente, sem julgá-los nem culpá-los pelos problemas apresentados pelo aluno. É importante envolver-se e também envolvê-los para que participem desse processo.

• Observar as dificuldades e os comportamentos inadequados e descobrir como eles são desencadeados.

• Identificar as causas das dificuldades de nossos alunos, observando-os no cotidiano da sala de aula, ao longo do tempo. Conversar com familiares, trocar idéias com os demais colegas.

• Consultar outros profissionais, inclusive os da Educação Especial, que podem ajudar a compreender nossos dados de observação do cotidiano em classe e propor dicas de procedimento.

• Criar situações em classe.

• Considerar o comportamento do aluno em relação ao grupo maior ( aluno muito tímido, por exemplo, pode intimidar ainda mais num grupo muito ativo, por exemplo.)

• Refletir, nesse processo de investigação, se o incômodo que sentimos em relação às falhas do nosso aluno não é causado pelo fato de ele apresentar problemas que percebemos em nós mesmos e que não aceitamos. É preciso deixar claro que o diagnóstico de uma doença ou deficiência não deve nunca ser usado para impor um rótulo a um aluno. O diagnóstico serve para identificar as reais capacidades e dificuldades do aluno, para que o professor possa auxiliá-lo em sua adequação na escola. Esse processo diagnóstico tem início na própria sala de aula, com dados colhidos pelo professor. O encaminhamento a profissionais de outras áreas não nos isenta da responsabilidade de educadores desse aluno.

84

A família, primeiro núcleo do qual a criança faz parte, e a escola, extensão dessa família, constituem os espaços onde o aluno vive a maior parte do seu tempo. As pessoas com as quais os alunos convivem são aquelas que melhor os conhecem. Portanto, a opinião dessas pessoas é fundamental para compreender esse aluno.

APRENDENDO A CONVIVER COM AS DIFERENÇAS

A convivência torna-se insuportável quando somos obrigados a partilhar nosso cotidiano com alguém que nos irrita ou nos agride constantemente. O desconforto também existe quando somos nós que irritamos ou agredimos outra pessoa com freqüência. Também não é bom conviver com alguém que nos ignora, ou que fazemos sempre questão de ignorar.

É muito importante identificar o motivo da agressão ou da irritação. Os professores assumem, diante dos alunos, papel de modelos. As visões de homem e de sociedade que o aluno construirá, assim como suas vivências sociais, serão fortemente influenciadas pelos relacionamentos desenvolvidos na escola, na qual a figura do professor é sem dúvida a mais destacada.

Existem alunos cujas características nos afetam emocionalmente e, por isso, às vezes fica difícil lidar profissionalmente com esse problema. No entanto, por isso mesmo, é fundamental buscar a causa desses comportamentos e adotar os procedimentos mais apropriados para atender às necessidades de nosso aluno, quer seja intervindo diretamente ou solicitando ajuda de pessoas especializadas.

Há casos de alunos mais sensíveis que, para fugir de realidades duras e sofridas, refugiam-se no devaneio e na fantasia, dando a impressão de desligamento ou distração. Na verdade, trata-se de um mecanismo de defesa.

O que podemos fazer para auxiliar esses alunos? Se o problema for de origem orgânica, urge encaminhá-los para profissionais habilitados ( neurologistas, oftalmologistas, otorrinolaringologistas ) para uma avaliação e tratamento adequado. Se a dificuldade tiver fundo emocional, é importante ouvir o aluno, oferecer apoio e amizade e, se possível, contatar a família e encaminhá-lo a algum recurso da comunidade que possa atender às suas necessidades.

Algumas estratégias podem ser utilizadas em sala de aula para que o aluno esteja mais propenso a prestar atenção, tais como:

- Pedir-lhe que se sente em local onde possa enxergar melhor a lousa. Além de ver e ouvir bem o professor nesse local, é importante que os estímulos alheios à aprendizagem tenham menor interferência.

85

- Dar-lhe instruções de forma clara e passo-a passo, certificando-se de que as informações foram bem-compreendidas;

- Ter a certeza de que o nível de dificuldade da tarefa solicitada seja condizente com o nível de desenvolvimento e conhecimento do aluno.

Estas se referem á estratégias de âmbito geral, que pode dizer respeito á todos os alunos. No entanto, alguns deles apresentam características muito especiais, e, neste sentido apresentaremos a seguir algumas pistas de direcionamento e cuidados, que poderão facilitar o trabalho em sala de aula.

Por exemplo, alguns alunos se apresentam sempre apáticos, parecem não se interessar pelo que acontece no ambiente. A sensação que nos causam é a de cansaço, tristeza, depressão. Em geral são esses alunos que costumamos considerar, em classe, como “bonzinhos”, pois não incomodam. Mas, aí está um grande perigo: eles não incomodam, mas também não aprendem! Esta apatia pode ser fruto de fatores orgânicos como a desnutrição, a subnutrição, a verminose e a falta de estímulos na primeira infância. Daí a importância dos programas de suplementação alimentar ou de alimentação alternativa junto às populações mais carentes.

Se for transitória na vida da criança, a apatia pode ser causada por fatores orgânicos que se tratados podem ser minorados. Mas a apatia também pode ser resultado de fatores sócio-emocionais, como a falta de vínculos afetivos na primeira infância, que causaram prejuízo ao seu desenvolvimento biopsicossocial. Um dos estudos mais significativos sobre os efeitos danosos da carência afetiva é a experiência feita por Spltz com bebês institucionalizados. Por terem sido privados de vínculos afetivos, os bebês recusavam-se a comer e acabavam morrendo de inanição e apatia.

Pode, ainda, haver predisposição genética. Nesse caso, o comportamento de apatia aparece diante de um fator ambiental desagradável, como agressividade excessiva dos pais ou professores, disciplinas punitivas, discórdia marital e rejeição na família ou na escola.

É importante estarmos atentos a esses alunos, mantendo diálogo constante, chamando-os à participação e elogiando qualquer iniciativa, por menor que seja. Também podemos solicitar o auxílio de outros da classe, para que cheguem a ele e peçam a sua participação em jogos e brincadeiras. O tratamento das causas orgânicas e o estabelecimento de vínculos de afeto e confiança entre professor e aluno podem minorar bastante a dificuldade.

A criança que tende ao isolamento, que prefere se manter afastada de grupos, com dificuldades para se relacionar e parecendo temer a reação dos outros a sua presença, pode ser portadora de algum problema emocional. A criança muito reprimida e pouco estimulada desde o nascimento, ou até mesmo

86

rejeitada, pode se sentir insegura, com uma auto-desvalorização muito grande. Por isso prefere isolar-se quando em presença de um grupo maior.

Mas esse comportamento também pode surgir quando o aluno não escuta normalmente e por isso apresenta dificuldades para falar e se desenvolver bem. Também uma alteração do desenvolvimento, como o distúrbio autista ( no qual o isolamento aparece como apenas um dos sinais), pode ser a causa do distanciamento do aluno. Nesses casos, é preciso observar se ele tem preferência por algum colega de classe com quem consiga estabelecer laços de confiança e amizade. Esse amigo pode servir de intermediário entre ele e os outros. É importante fazer o aluno sentir-se aceito para que desenvolva segurança e confiança. As tarefas propostas a ele devem ser sempre adequadas ao seu nível de conhecimento e de realização, para que não se sinta ainda mais frustrado. As instruções devem ser dadas de forma clara e simples, passo a passo, dando a ele tempo para refletir e absorver o que está sendo dito. Também é preciso observar as condutas mais positivas do aluno, ou seja, os momentos em que ele se encontra mais disponível para ouvir, ser ouvido e ajudado, aproveitando-os para estimular a participação.

A fala é uma das formas pelas quais o ser humano se expressa e estabelece relações com aqueles que o cercam. É muito freqüente encontrarmos crianças em idade escolar com distúrbios de fala prejudiciais ao seu rendimento. Alterações como trocas de letras, gagueira, mudez, entre outras, podem ter causas variadas e, em muitos casos,estas se apresentam de forma inter-relacionada. A maioria dos casos( cerca de setenta e cinco por cento) pode ser devido a fatores orgânicos como deficiência auditiva, mental ( por Síndrome de Down e outras ) e alterações neurológicas ( provocadas por meningites; encefalites; problemas durante o período de gestação, como a rubéola; traumas de parto e outros ). A criança convulsiva também pode vir a apresentar distúrbios da linguagem.

Com relação ao ambiente, a interação da criança com as pessoas que a cercam, principalmente a mãe ou pessoa que cuida dela, é de extrema importância para o desenvolvimento da linguagem. É muito freqüente o adulto não falar com a criança, porque acha que ela não entende. É comum adultos falarem de forma infantilizada, inadequada e errada, trazendo com isso prejuízos à criança, também podemos receber em classe alunos vindos de outros locais, utilizando uma linguagem diferente da nossa ( regionalismos).Dificuldades na fala podem aparecer em crianças não desejadas; em crianças que não correspondem às expectativas dos pais; e em crianças mais sensíveis, que se sentem rejeitadas após a vinda de um irmão ou a separação dos pais. Esses distúrbios são freqüentes em crianças que vêm de lares muito rígidos, nos quais têm seus sentimentos recalcados etc. A gagueira, por exemplo, pode ser produto dessas situações citadas.

Em caso de perda auditiva, alguns sinais dessa limitação deveriam ter sido percebidos anteriormente, principalmente na fase em que a criança deveria ter começado a falar. E esta informação deve ser obtida junto aos pais ou responsáveis. Se for o caso, recomenda-se o encaminhamento para exames

87

especializados que permitirão verificar o grau de surdez e se o aluno se beneficiará ou não de um aparelho de amplificação sonora.

Quando a criança apresenta na leitura ou escrita, trocas e omissões de letras, é recomendável uma avaliação fonoaudiológica. Além disso, em sala de aula ou em casa, é importante não repetir a fala errada da criança, mas, falar sempre de forma correta. É interessante incentivar o aluno a falar frases simples para descrever suas atividades e sentimentos.

Demonstre satisfação quando ele tentar lhe comunicar algo e nunca faça exigências ou imponha castigos quando falar errado. Deve-se estimular a verbalização do aluno, por meio de dramatizações e brincadeiras verbais que propiciarão maiores oportunidades de perceber e adquirir o significado da linguagem.

Em sala de aula, é importante que o professor tente estabelecer uma relação verdadeira com o aluno, falando claramente o que pensa e sente em relação às suas atitudes. O professor deve dizer-lhe porque considera aquele comportamento “inconveniente” e prejudicial a ele.

É preciso observar e refletir sobre as dificuldades do aluno, e descobrir formas de aproximação. Pode ser útil verificar se o aluno tem preferência por alguém da classe e solicitar a essa criança que sirva de intermediária entre o colega e o mundo que o cerca. É importante traçar os limites de forma bem clara, para que o aluno saiba exatamente o que pode, o que não pode às vezes, e o que não pode nunca fazer.

Aproveitar os momentos ( em geral de curta duração) em que o aluno está mais disponível a ouvir. Então é interessante propor tarefas simples e de execução rápida. Quando apresentar comportamentos repetitivos, o melhor é tirá-lo da situação, oferecendo-lhe algum tipo de atividade. Elogiar sempre que o aluno apresentar atitudes adequadas.

Aluno agressivo é aquele que vivencia sentimentos de raiva, que ele dirige contra pessoas, coisas ( heteroagressividade) e, às vezes, contra si mesma ( auto- agressividade). Ele pode expressar esses sentimentos através de comportamentos como morder, cuspir, chutar, bater, destruir, etc.

A agressividade é um dos componentes do desenvolvimento afetivo humano, e pode ser uma forma de defesa. A pessoa que não possui agressividade também sofre por não saber se defender quando necessário. A agressividade só deve ser considerada patológica quando constituir-se uma única de comportamento do aluno. Quando a agressividade é causada por fatores orgânicos, um tratamento medicamentoso pode minorar os sintomas, mas nem sempre soluciona o problema.

Mas a agressividade pode ter sua origem em causas ambientais, isto é, em famílias muito rígidas e controladoras, nas quais a criança ou jovem nada pode, ou então em famílias muito permissivas, nas quais tudo é permitido. Quando os pais têm pouca afetividade e mantêm um relacionamento agressivo entre si

88

e/ou com os filhos, esse comportamento acaba servindo como um exemplo inadequado.

O ambiente social de onde a criança provém também pode apresentar um grau de agressividade maior do que aquele sentido como normal pelo professor e pelos outros alunos.

Em sala de aula, geralmente os alunos agressivos tornam-se líderes negativos ou são temidos e evitados. É importante que o professor observe como e quando surgem as situações agressivas e procure, por meio do diálogo e, em particular, descobrir suas finalidades. Se o objetivo for chamar a atenção do professor, esse deve dar-lhe uma responsabilidade que o aluno julgue importante. Nos momentos de agressão, é preciso contê-lo fisicamente, falando em voz baixa e tentando acalmá-lo, chamando-o à razão. Converse sempre com os colegas agredidos, procurando saber o motivo da briga ou discussão, mostrando a co-responsabilidade na situação (ação x reação ). Solicite a presença de familiares para verificar se o aluno apresenta este tipo de conduta no lar e, de comum acordo, pode-se estabelecer uma estratégia única de ação.

A criança pode ter dificuldades para aprender por vários motivos. Às vezes, a dificuldade pode ter origem orgânica e estudos em neurologia infantil têm sugerido alterações em regiões do cérebro. Também pode acontecer de a criança ter uma dislexia ( problema de coordenação entre pensamento e ação gerando problemas na alfabetização) ou um leve déficit sensorial, que passe despercebido. A causa pode ser de fundo emocional, quando a criança provém de família problemática, apresentando carências afetivas e de estimulação. Essas crianças, além das dificuldades de aprendizagem, podem também necessitar de maior tempo para se adaptar ao novo ambiente.

É preciso que o professor esteja atento, ainda, às diferenças culturais, regionais e de classe social, que muitas vezes implicam em vivência e valores diferentes daqueles apresentados por ele mesmo e pelos outros alunos. A pessoa do professor, a forma pela qual ele se relaciona com seus alunos, pode auxiliar ou prejudicar o processo de aprendizagem, ou seja, caso não haja compreensão e empatia entre o professor e aluno, o aprendizado pode se tornar mais difícil. É mais fácil aprender quando o afeto permeia o processo.

Outro fator causal da dificuldade de aprendizagem são os procedimentos pedagógicos, que nem sempre atendem às necessidades individuais dos alunos. O professor, em nossa realidade, acostuma-se a repassar informações prontas aos alunos. Segundo Rogers (in Vayer), o adulto não confia na capacidade da criança de aprender por si; o mestre é o detentor do saber, o aluno é o receptáculo, aquele que obedece.

Um recurso rico em termos de promoção da aprendizagem é o professor funcionar como mediador, ensinando os alunos a pensar, colher dados e construir o seu próprio conhecimento. Nesse papel, o professor deve se permitir a liberdade de criar e experimentar várias estratégias, de acordo com cada criança, independentemente das teorias ou normas que lhe tenham sido impostas.

89

É importante que o professor detecte as áreas de maior dificuldade do aluno e que lance mão de várias estratégias, partindo de aspectos mais simples que ele já domina. Permitir que traga suas dúvidas, incentivando-o a encontrar as respostas adequadas, sem resolvê-las pelo aluno. Falar em linguagem simples, com frases curtas e poucas ordens de cada vez; dividir tarefas mais complicadas em etapas; incentivar trabalhos em grupo nos quais os alunos com maior facilidade de compreensão auxiliam o colega. Ás vezes, os alunos não aprenderam a se organizar para o trabalho, o que resulta em perda de tempo, prejuízo para a construção dos conhecimentos propostos, frustração e desmotivação. É importante que o professor converse com os alunos sobre as estratégias que pensa adotar. É essencial explicar e demonstrar ao aluno o que é pré-requisito, e como isso é importante para a realização de tarefas ou para a compreensão de informações. Crie um clima de compreensão e aceitação na classe para que o aluno com maior dificuldade para aprender possa evoluir dentro de suas possibilidades.

A hiperatividade, muitas vezes, nos provoca intensa irritação, especialmente se não sabemos como intervir porque desconhecemos suas causas.

Existem alunos que se movimentam constantemente. Mexem em tudo e com todos, perturbam o ambiente, não aceitam interferências e, para eles, parece que não existem limites. Não têm noção de perigo, e quando sofrem agressões, não as interpretam como tal. Tornam-se agressivos quando provocados ou quando são contidos à força. Seu comportamento é impulsivo e a sensação que se tem diante dessas crianças é a de que elas teriam perdido o controle sobre si mesmas. Elas podem, ainda, aparentar uma inabilidade motora, sendo consideradas pelos pais como desastradas ou desajeitadas. A fala pode aparecer tardia e lentamente, com trocas, omissões e distorções fonêmicas que, se não tratadas precocemente, podem acarretar dificuldades ou alterações no processo de alfabetização da criança.

Em geral, essas crianças têm mal aproveitamento escolar devido à falta de concentração. É importante verificar se ela tem o mesmo comportamento em casa, como é o comportamento dos outros elementos da família em relação a ela, se há punição, rejeição, rótulos, apelidos, etc.

Esse comportamento está mais ligado a fatores constitucionais e orgânicos.

Geralmente a inteligência está preservada, não raro, está acima da média. A hiperatividade não é uma doença, mas um estado ou condição.

Algumas síndromes e alterações metabólicas e neurológicas podem causar hiperatividade e, nesses casos, pode haver um comprometimento da inteligência. Quando houver suspeita de causa neurológica, é interessante contatar a família e solicitar uma consulta com neurologista. Na maioria dos casos, entretanto, a excessiva atividade não produtiva do aluno é resultado das condições existentes no próprio contexto escolar. É atenção o que ele busca? Que tal, então, dar-lhe atenção sistematicamente, nos poucos momentos em que ele se envolve produtivamente com a atividade esperada? Já conversou

90

com ele sobre isso? Por que não fazê-lo? (É claro que nunca aos berros, em frente à classe. Mas, talvez, em um bate-papo individual, com calma, atenciosa e firmemente). Já experimentou dar-lhe alguma responsabilidade especial que ele considere importante?

Além disso, mudar seu lugar na sala para limitar a influência de estímulos alheios à aprendizagem pode ser uma providência auxiliar, de grande importância. A utilização de exercícios de relaxamento, no início de cada período, também pode ser útil, principalmente para diminuir a excitação após as brincadeiras do recreio. Outras providências ainda podem ser tentadas. O importante é observar o contexto e buscar sempre formas criativas e viáveis para a situação em que nos encontramos.

Ao contrário de crianças isoladas e apáticas, a criança que gosta de aparecer dificilmente passa despercebida, pois desde os primeiros dias do ano letivo está sempre fazendo algo para chamar a atenção do professor e dos colegas. Suas atitudes, em geral inoportunas, tanto podem ser positivas como negativas, pois o que lhe interessa é ser o centro das atenções. Essa criança solicita constantemente a ajuda do professor para a realização de qualquer tarefa, e às vezes pode apresentar comportamento de aproximação com os outros de forma viscosa, pegajosa, que causa irritação nos que o cercam. Este tipo de comportamento pode surgir também devido as causas afetivo-ambientais, como no caso de crianças com carência afetiva e/ou rejeitadas desde o nascimento; ou então em crianças muito mimadas e superprotegida, que não receberam limites em casa

É preciso conhecer as possíveis razões desse comportamento para uma intervenção bem- sucedida.Na eventualidade de ser o caso de necessidade de atenção, converse sobre isso com a criança, proponha outras formas socialmente mais aceitas para a obtenção dessa atenção. É possível, também, que essa criança não tenha segurança e coragem para realizar tarefas sem a participação de alguém que ela considere mais capaz. Nesse caso, devemos começar com atividades que ela já domine, auxiliando-a a perceber o que está sendo solicitado em os passos que deve percorrer para atingir os objetivos propostos. Caso se mostre insegura, podemos oferecer-lhe ajuda total de início, de forma a garantir êxito na execução da tarefa. A retirada da ajuda deve ser gradativa, sempre assegurando-se de que o aluno percebe e se veja reconhecido em sua autonomia e independência. Dessa forma, estaremos ajudando a criança a construir novos conceitos e a alcançar a independência desejada.

As sugestões de intervenção aqui mencionadas representam quase nada diante da multiplicidade de possibilidades que se abre quando pararmos , observamos nosso contexto de atuação e percebemos as peculiaridades que o caracterizam. São essas peculiaridades que devem nortear nossa ação. É importante, além da observação e da reflexão, buscar soluções criativas. Não importa se ninguém ainda usou determinada estratégia. O importante é que planejemos como agir em função daquilo que encontramos em nossa realidade. O melhor parâmetro para avaliação da eficácia de nossa ação,

91

então, é analisar os seus efeitos, em função dos objetivos a que nos propusemos alcançar.

Muitos dos problemas que se observam entre alunos que se destacam por um potencial superior têm a ver com o desestímulo e a frustração sentidos por eles diante de um programa acadêmico que prima pela repetição e monotonia e também por um clima psicológico em sala de aula pouco favorável à expressão do potencial superior. A escola não responde de forma adequada aos alunos que apresentam habilidades intelectuais superiores, o que ajuda a explicar a apatia e ressentimento apresentados freqüentemente por estes alunos.

A super dotação, por si só, não garante sucesso educacional ou produtividade criativa, e que são as condições relacionadas aos ambientes familiar e escolar.Os alunos que apresentam uma substancial discrepância entre o desempenho acadêmico e suas reais habilidades são diagnosticados como portadores de Distúrbios de Aprendizagem.

Os professores tendem a avaliar de forma negativa os portadores de DA e a ter baixas expectativas quanto ao seu futuro, afetando não só o rendimento escolar do aluno, como também suas relações sociais. Assim, teremos um aluno mais agressivo, dispersivo, menos atento às tarefas escolares, com menos habilidades para compreender e participar das conversações em aula, menos responsável, menos discreto, com menos tato social, com menos habilidades para enfrentar situações novas, mais frustrado e mais rejeitado socialmente.

Isso sugere que as dificuldades se originam não apenas na inabilidade do aluno em prestar atenção, mas também em um ambiente insensível às reais necessidades e pontos fortes destes alunos.

Assim, estes alunos necessitam ser corretamente identificados, devendo ser planejadas atividades que venham satisfazer tanto suas necessidades educacionais quanto suas áreas de interesse e produção criativa. Esta proposta de atendimento não deve ocorrer em um ambiente de remediação, e sim em um programa que ofereça o desafio necessário para que esses alunos suplantem suas próprias dificuldades e possam trabalhar utilizando seus pontos fortes como apoio. O domínio do afetivo utilizando seus pontos fortes como apoio. O domínio do afetivo é o aspecto mais importante de toda a intervenção devido às implicações que acarreta nas outras esferas do funcionamento do indivíduo. O currículo deve enfocar tópicos como habilidades de comunicação, conceitos relativos à mudança comportamental, auto-estima, autoconsciência, aceitação de si e dos outros.

92

ADAPTAÇÕES CURRICULARES E DE ACESSO AO CURRÍCULO

Adaptações Curriculares e de Acesso ao Currículo são ajustes graduais que se promovem no planejamento escolar e pedagógico, bem como nas ações educacionais, em resposta às necessidades educacionais especiais de alunos.

Um dos aspectos essenciais desse processo de ajuste é exatamente esse: o da interação contínua entre as necessidades do aluno e as respostas educacionais efetivadas.

“Devem ser destinadas aos que necessitam de serviços e/ou situações especiais de educação, realizado, preferencialmente no ambiente menos restritivo possível e pelo menor período de tempo(...) As necessidades revelam que tipos de ajuda(suporte ), diferentes das usuais, são requeridas, de modo a cumprir as finalidades da educação. As respostas a essas necessidades devem estar previstas e respaldadas no projeto político pedagógico da escola, não por meio de um currículo novo, mas da adaptação progressiva do regular, buscando garantir que os alunos com necessidades especiais participem de uma programação tão normal quanto possível, mas considere as especificidades que as suas necessidades possam requerer”. ( PCN- Parâmetros Curriculares – Brasil, 1999, p.34)

Adaptações Curriculares, portanto, são respostas educativas que devem ser

dadas pelo sistema educacional, de forma a favorecer a todos os alunos e,

dentre estes, os que apresentam necessidades educacionais especiais:

- o acesso ao Currículo;

- a participação integral, efetiva e bem- sucedida em uma programação escolar tão comum quanto possível;

-A consideração e o atendimento de suas peculiaridades e necessidades especiais, no processo de elaboração do Projeto Político Pedagógico da Escola e do planejamento do professor.

As necessidades especiais revelam que tipos de estratégias, diferentes das usuais, são necessárias para permitir que todos os alunos, inclusive as pessoas com deficiência, participem integralmente das oportunidades educacionais, com resultados favoráveis, dentro de uma programação tão normal quanto possível.

93

Algumas dessas estratégias compreendem ações que são da competência e atribuição das instâncias político-administrativas superiores, já que exigem modificações que envolvem ações de natureza política, administrativa, financeira, burocrática, etc. A essas, denomina-se Adaptações Curriculares de Grande Porte.

Outras, compreendem modificações menores, de competência específica do professor. Elas constituem pequenos ajustes nas ações planejadas a serem desenvolvidas no contexto da sala de aula. A essas, então, se denomina Adaptações Curriculares de Pequeno Porte.

As Adaptações Curriculares no âmbito do Projeto Político Pedagógico devem focalizar principalmente a organização escolar e a disponibilização de serviços de apoio. Elas devem propiciar as condições para que as demais adaptações que se façam necessárias para atender às necessidades especiais de alunos possam também ser implantadas. São elas:

- a abertura, por parte das instâncias administrativas, para a flexibilização curricular (de objetivos, de método de ensino, de estratégias de avaliação, de temporalidade, de organização), em função do conhecimento da diversidade de seus alunos;

- conseqüentemente, definição de objetivos gerais que levem em conta a diversidade do alunado na escola;

- planejamento da realização de análise institucional , sistemática, do contexto escolar, de forma a identificar os elementos que interferem na instituição de um ambiente escolar inclusivo.

De maneira geral, as adaptações curriculares de grande porte serão úteis para atender à necessidade especial do aluno quando houver discrepância entre suas necessidades e as exigências do currículo regular, à medida que se amplia a complexidade das atividades acadêmicas, no avanço da escolarização.

Não se trata aqui de “abrir mão“ da qualidade do ensino, ou de empobrecer as expectativas educacionais para os alunos, mas de permitir a alunos com deficiência que apresentam necessidades educacionais especiais o alcance de objetivos educacionais que lhe sejam viáveis e significativos, em ambiente inclusivo, na convivência com seus pares.

Competências e Atribuições

No âmbito das atribuições formais, cabe à Secretaria de Educação, juntamente com a Direção da Escola, a responsabilidade de:

94

1. mapear a população que será atendida pela rede escolar;

2. identificar as necessidades especiais presentes nessa população;

3. identificar quais são as adaptações curriculares de grande porte que devem ser providenciadas, de forma a permitir o acesso e a participação de todos os alunos no cotidiano escolar;

4. planejar a implementação dessas adaptações, incluindo providências a serem tomadas a curto, a médio e a longo prazos;

5. implementar as adaptações de acesso ao currículo e as curriculares de grande porte que lhe são de atribuição e responsabilidade.

Cabe à Direção da Escola, a responsabilidade de:

1. permitir e promover suporte administrativo, técnico e científico para a flexibilização do processo de ensino, de modo a atender à diversidade;

2. Adotar propostas curriculares diversificadas e abertas, em vez de adotar concepções rígidas e homogeneizadoras do currículo;

3. Flexibilizar a organização e o funcionamento da escola, de forma a atender à demanda diversificada dos alunos;

4. Viabilizar a atuação de professores especializados e de serviços de apoio para favorecer o processo educacional.

Adaptações de Acesso ao Currículo

De responsabilidade da instância político – administrativa, tem-se as adaptações d acesso ao currículo:

- a criação de condições físicas, ambientais e materiais para o aluno em sua escola;

- a adaptação do ambiente físico escolar;

- a aquisição do mobiliário específico necessário;

- a aquisição dos equipamentos e recursos materiais específicos;

- a adaptação de materiais de uso comum em sala de aula;

95

- a capacitação continuada dos professores e demais profissionais da educação;

- a efetivação de ações que garantam a inter-disciplinaridade e a trans-setorialidade.

Adaptação de Objetivos

A Adaptação de Objetivos se refere à possibilidade de se eliminarem objetivos básicos, ou de se introduzirem objetivos específicos, complementares e/ou alternativos, como forma de favorecer que alunos com deficiência possam conviver regularmente, em sua vida escolar, com seus pares, beneficiando-se o máximo possível das possibilidades educacionais disponíveis

Uma criança com deficiência mental geralmente apresenta dificuldades para operar no nível abstrato. Isso, entretanto, não pode ser justificativa para que se limite a trabalhar com ela conteúdos básicos, do tipo ensino da discriminação de cores, por anos e anos a fio, mantendo-os como objetivos praticamente permanentes no planejamento para o aluno.

Sabemos que há em cada linguagem científica ( matemática, ciências, geografia, história, etc.) conteúdos que serão importantes para esse aluno no seu processo de desenvolvimento do maior nível possível de autonomia na administração de sua própria vida.

Não podemos esquecer que a decisão de se ajustar objetivos de ensino para um determinado aluno não pode jamais ser provocada por já termos nos cansado de tentar ensinar para alguém que apresenta dificuldades.Jamais, também, ela pode ser determinada pelos interesses do professor, ou da escola, ou da burocracia, etc.

Essa decisão deve ser sempre determinada pela análise crítica de como a escola poderá melhor cumprir com os objetivos educacionais a que se propõe, aliado ao que for de maior benefício para o aluno em questão.

Adaptação de Conteúdos

96

A terceira Adaptação de Grande Porte é a constituída de adaptação de conteúdos específicos, complementares e/ou alternativos, e da eliminação de conteúdos básicos do currículo, determinadas pelas adaptações de objetivos já realizadas.

Assim, se determinado objetivo for eliminado do planejamento, o conteúdo a ele correspondente será também eliminado do processo de ensino e aprendizagem. Da mesma forma, se novos objetivos forem introduzidos no plano de ensino para um determinado aluno, os conteúdos a eles correspondentes passarão também a fazer parte do processo de ensino e aprendizagem.

Dessa forma, o professor de uma classe poderá ter de trabalhar com um planejamento básico para a classe, e versões um pouco modificadas desse planejamento, destinadas a atender a necessidades especiais de um outro aluno, conforme orientação da equipe de apoio ( da qual ele , professor , também faz parte).

Adaptações do Método de Ensino e da Organização Didática

Haverá casos de alunos cujas necessidades especiais exigirão, para sua satisfação, a adoção de métodos bastante específicos de ensino. Esses alunos deverão ser orientados por profissionais especializados.

Ainda nessa categoria encontra-se a organização diferenciada da sala de aula, necessária para garantir o atendimento das necessidades especiais de um determinado aluno, o que demanda decisão política, ações executivas e gastos da parte de instâncias administrativas superiores.

Uma outra Adaptação de Grande Porte importante, nessa categoria, é a decisão político –administrativa sobre o número de alunos que uma sala de aula deve comportar. Levantamentos informais em nossa realidade têm mostrado que o número de n25 crianças(sendo destes, um máximo de 2 alunos com deficiência) é o ideal, em termos de viabilizar uma administração competente da classe inclusiva. Entretanto, um número de até 30 crianças permite um bom trabalho de ensino, respeitando o número máximo de 2 (dois ) alunos com deficiência,na sala. Mais do que isso inviabiliza o acompanhamento individual que o ensino responsável requer.

Outra adaptação de grande importância é a definição da sistemática de trabalho cooperativo entre os professores da educação regular e especial.

No que se refere ao momento de atuação, os professores do ensino regular e especial devem atuar cooperativamente durante todo o processo educacional de um aluno com deficiência, desde a fase do planejamento à execução do

97

ensino, ao processo de avaliação e ao encaminhamento do aluno para níveis posteriores de escolaridade. Assim, ambos devem participar desde a constituição da equipe de apoio ao processo de inclusão, no qual cada caso deve ser estudado e onde se deve decidir as adaptações de grande porte que devem ser implementadas para atender as necessidades especiais nele detectadas.

Quanto ao como atuar, diversos têm sido os modelos adotados:

1. Professor de educação especial apoiando o aluno com deficiência na sala comum;

2. Educador “itinerante” na escola, permanecendo disponível para assessorar os professores nas dificuldades encontradas para a administração do ensino, na diversidade: estabelecimento de pequenos ajustes nos objetivos de ensino, na didática, nos processos e procedimentos de avaliação, na garantia do sucesso do aluno cm necessidades educacionais especiais ao ensino na sala regular;

3. Aluno com deficiência recebendo ensino individualizado em sala de recursos, no horário inverso. A decisão de qual seria o momento mais adequado deve ser tomada em conjunto pelo professor e a equipe técnica da escola;

4. Aluno com necessidades educacionais especiais freqüenta, no período contrário, sala de recursos;

5. O professor intérprete da Língua Brasileira de Sinais/Língua Portuguesa dará apoio ao professor da classe comum e aos alunos surdos nela matriculados.

As possibilidades são inúmeras, e encontram-se abertas para a criatividade local. O essencial, entretanto, é que, seja qual for o modelo implementado, que ele sirva para proporcionar aos alunos uma convivência comum, saudável, respeitosa, e de boa qualidade em todos os aspectos: humano, moral, social, e técnico-científico.

Adaptação de Sistema de Avaliação

“As adaptações significativas na avaliação estão vinculadas às alterações nos objetivos e conteúdos que foram acrescentados no Planejamento ou dele eliminados. Desse modo, influenciam os resultados que

98

levam, ou não, à promoção do aluno e evitam a “cobrança” de conteúdos e habilidades que possam estar além de suas atuais possibilidades de aprendizagem e aquisição.” ( PCN, Brasil, 1999, p.40)

Essa categoria de modificação no sistema regular mente utilizado tem de ser entendida no contexto da função da avaliação. Devemos nos lembrar que o principal papel de um processo de avaliação não é identificar quem é “o melhor” da classe, ou quem é “o pior”como nos habituamos na história de nossa prática educacional...Em vez disso, o principal papel da avaliação é dar indicação de conteúdos ou processos ainda não apreendidos pelo aluno que devem ser retomados em nosso processo de ensinar. Tais informações, esclarecidas por meio de um processo responsável de avaliação contínua, permitem que reajustemos constantemente nosso plano e nossas ações de ensino de forma a atender às necessidades dos alunos em seu processo de aprender.

Há que se contar com a determinação e a responsabilidade político administrativa para que o processo seja efetivado com seriedade, com critérios claros, bem fundamentados sob a responsabilidade formal do sistema.

Fazer adaptações no sistema de avaliação não pode ser tomado como “brecha “ para aprovação indiscriminada e inconseqüente de alunos, nem para “empurrar” o aluno com necessidades especiais para as séries mais avançadas, até que ele “saia” do sistema. Pelo contrário, abrir a possibilidade de se adaptar o sistema de avaliação para determinado aluno em função de suas necessidades educacionais especiais é uma das principais vias para conseguir avaliar a aprendizagem desse aluno com responsabilidade e profissionalismo, e poder, então, promover os ajustes que se tornam necessários no processo de ensino para garantir seu desenvolvimento educacional.

Adaptações de Temporalidade

Os alunos com necessidades educacionais especiais devem ter um Plano Individualizado de Ensino, quando se fizer necessário , podendo ser elaborado com apoio do ensino especial no início de sua vida escolar, e por ela atualizado continuamente, em função de seu desenvolvimento e aprendizagem. Esse Plano é o ponto fundamental se sua vida escolar, norteador de ações de ensino do professor e das atividades escolares do aluno. O Plano deverá, também, ser seqüencialmente seguido, independentemente da série em que o aluno se encontre, já que o critério de inserção do aluno na sala de aula regular é a faixa etária do grupo.

99

Em síntese, é importante que o aluno com necessidades educacionais especiais vivencie sua escolaridade juntamente com seus pares.

O aluno com deficiência ou com altas habilidades, cujas necessidades educacionais especiais requerem a efetivação de adaptações no Currículo proposto para o ensino regular, deverá contar com um Planejamento individualizado, elaborado por equipe de apoio multiprofissional envolvida no atendimento educacional.Esse Plano será o norteador das ações pedagógicas dos professores, seja qual for a série na qual ele estiver formalmente matriculado.

Tais providências depende, obviamente, de decisões superiores, o que exige que as instâncias da administração educacional se movimentem na direção de regulamentá-las. Já que são respostas educacionais primordiais para o sucesso das ações dos professores nas salas de aula.

As Adaptações Curriculares de Pequeno Porte (Adaptações Não Significativas) são modificações promovidas no currículo, pelo professor, de forma a permitir e promover a participação produtiva dos alunos que apresentam necessidades especiais no processo de ensino e aprendizagem, na escola regular, juntamente com seus parceiros da mesma faixa etária. São denominadas de Pequeno Porte ( Não Significativas) porque sua implementação encontra-se no âmbito de responsabilidade e de ação exclusivos do professor, não exigindo autorização, nem dependendo de ação de qualquer outra instância superior, nas áreas política, administrativa, e/ou técnica.

A primeira instância na qual o professor deve promover as adaptações que favorecerão a experiência produtiva da escolaridade para todos os seus alunos é na elaboração do Planejamento. Ao fazer isso, o professor deve estar aberto para a constatação da diversidade presente no seu grupo de alunos e para a ela responder no âmbito da sua ação pedagógica.

Seu planejamento, assim, deverá considerar a diversidade, estando alerta para as características individuais, o que envolve:

- a organização do espaço e dos aspectos físicos da sala de aula;

- a seleção, a adaptação e a utilização de equipamentos e mobiliários de forma a favorecer a aprendizagem de todos os alunos;

100

- o planejamento das estratégias de ensino que pretende adotar em função dos objetivos pedagógicos e conseqüentes conteúdos a serem abordados;

- a pluralidade metodológica tanto para o ensino como para a avaliação;

- a flexibilização da temporalidade.

De maneira geral, as Adaptações de Pequeno Porte podem ocorrer nas mesmas categorias que as de Grande Porte, diferenciando-se principalmente no que se refere à instância que por elas é responsável.

Em síntese, às adaptações deverão ser implementadas, garantindo a cada aluno as respostas educacionais de que necessita, sejam elas quais forem, bem como de qual natureza e complexidade o forem.

Ajustes que Cabem ao Professor Realizar

No que se refere aos ajustes que cabem ao professor desenvolver e implementar para garantir o acesso do aluno com necessidades especiais a todas as instâncis do currículo escolar, encontram-se, de maneira geral:

- criar condições físicas, ambientais e materiais para a participação do aluno com necessidades especiais na sala de aula;

- favorecer os melhores níveis de comunicação e de interação do aluno com as pessoas com as quais convive na comunidade escolar;

- atuar para a aquisição dos equipamentos e recursos materiais específicos necessários;

- adaptar materiais de uso comum em sala de aula;

- adotar sistemas alternativos de comunicação, para os alunos impedidos de comunicação oral, tanto no processo de ensino e aprendizagem como no processo de avaliação;

- favorecer a eliminação de sentimentos de inferioridade, de menos valia, ou de fracasso.

Adaptação de Objetivos

101

O professor pode priorizar determinados objetivos para um aluno, caso essa seja a forma de atender às suas necessidades educacionais. Assim, o professor pode investir mais tempo, ou utilizar maior variedade de estratégias pedagógicas na busca de alcançar determinados objetivos, em detrimento de outros menos necessários, numa escala de prioridade estabelecida a partir da análise do conhecimento já aprendido pelo aluno, e do grau de importância do referido objetivo para o seu desenvolvimento e a aprendizagem significativa do aluno.

Adaptação de Conteúdos

Os tipos de adaptação de conteúdo podem ser a priorização de tipos de conteúdos, a priorização de áreas ou unidades de conteúdos, a reformulação da seqüencia de conteúdos, ou ainda, a eliminação de conteúdos secundários, acompanhando as adaptações propostas para os objetivos educacionais.

Assim, o conteúdo a ser trabalhado com o aluno será sempre delineado pelos objetivos postos no planejamento. Entretanto, a ordem em que o conteúdo e suas subdivisões são apresentados, a prioridade que o professor dará às diferentes unidades, áreas, itens e subitens do planejamento, bem como a ênfase que dará a um item do conteúdo, em detrimento de outro, é de sua competência decidir, sempre em função das necessidades especiais presentes.

Adaptações do Método de Ensino e da Organização Didática

Adaptar o método de ensino às necessidades de cada aluno é, na realidade, um procedimento fundamental na atuação profissional de todo educador, já que o ensino não ocorrerá, de fato , se o professor não atender ao jeito que cada um tem para aprender . Faz parte da tarefa de ensinar procurar as estratégias que melhor respondam às características e as necessidades peculiares a cada aluno.

Muitas vezes, para responder efetivamente às necessidades educacionais especiais de alunos, faz-se necessário modificar nossos procedimentos de ensino, tanto introduzindo atividades alternativas às previstas, como introduzindo atividades complementares àquelas que havíamos originalmente planejado.

O professor deve manter uma postura de atenção às peculiaridades que cada aluno de necessidade especial apresenta em seu processo de aprendizagem.

102

Outros ajustes que também podem se mostrar adequados para responder a necessidades educacionais especiais de alunos são: uso de tipos variados de atividades, tais como desenvolvimento de pesquisa, elaboração e desenvolvimento de projeto, oficinas, visitas, esclarecimentos do significado de palavras que lhe sejam desconhecidas,etc.

Uma outra adaptação no método de ensino é a modificação do nível de complexidade das atividades. Nem todos os alunos conseguem apreender um determinado conteúdo se ele não lhe for apresentado passo a passo, mesmo que o “tamanho” dos passos precise ser diferente se um aluno para outro. Assim tanto pode precisar eliminar componentes da cadeia que constitui a atividade, como dar nova seqüencia à tarefa , dividindo a cadeia em passos menores, com menor dificuldade entre um e outro, etc.

Outra categoria de adaptação no método de ensino encontra-se representada pela adaptação de materiais utilizados. São vários os recursos materiais que podem ser úteis para atender às necessidades especiais de vários tipos de deficiência, seja ela permanente, ou temporária.

O professor poderá também ter de fazer modificações na seleção de materiais que havia inicialmente previsto em função dos resultados que esteja observando no processo d aprendizagem do aluno. O ajuste de suas ações pedagógicas tem sempre de estar atrelando ao processo de aprendizagem do aluno.

Adaptação do Processo de Avaliação

Alguns exemplos desses ajustes:

_ utilizar diferentes procedimentos de avaliação, adaptando-os aos diferentes estilos e possibilidades de expressão dos alunos;

- possibilitar que o aluno com severo comprometimento dos movimentos de braços e mãos se utilize do livro de signos para se comunicar, em vez de exigir dele que escreva com lápis, ou caneta, em papel;

-possibilitar que o aluno cego realize suas avaliações na escrita braile, lendo-as então oralmente, ao professor;

- nas provas escritas do aluno surdo, levar em consideração o momento do percurso em que ele se encontra, no processo de aquisição de uma 2ª língua, no caso, a língua portuguesa. Nas etapas iniciais de sua aprendizagem, ela provavelmente estará muito mais marcada pelas características da língua de sinais, enquanto que nas etapas finais, estará mais próxima do português, ainda que com peculiaridades.

103

Adaptação na Temporalidade do processo de Ensino e Aprendizagem

O último tipo de adaptação que se sugere é a adaptação na temporalidade do processo de ensino e aprendizagem, tanto aumentando, como diminuindo o tempo previsto para o trato de determinados objetivos e os conseqüentes conteúdos. O professor pode organizar o tempo das atividades propostas, levando-se em conta que atividades exclusivamente verbais tomarão mais tempo de alunos surdos. Por outro lado, atividades exclusivamente escritas é que tomarão mais tempo para os alunos cegos. Atividades que exigem abstração, como por exemplo, unidades no estudo da matemática, demandarão não somente mais tempo, como também maior freqüência de suporte para os alunos com deficiência mental.

O essencial é:

1. Que o professor esteja constantemente atento a eu aluno, para identificar de que conhecimento ele já dispõe e que necessidades educacionais apresenta;

2. Que o professor use de sua criatividade para criar formas alternativas de ensinar, que respondam às necessidades identificadas;

3. Que o professor use continuamente da avaliação para identificar o que precisa ser ajustado no processo de ensinar.

104

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL - Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Projeto Escola Viva, Brasília, 2000.

BRASIL - Ministério da Educação - Secretaria de Educação Especial. Turma do Bairro – “A Integração do Aluno com Deficiência na Rede de Ensino”- Volume 3 Brasília - 2004.

BRASIL- Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais ,Brasília, 1999.

Sobrinho,FPNI, Cunha , ACB (orgs). Dos Problemas Disciplinares aos Direitos de Conduta- Práticas e Reflexões. Rio de Janeiro: Dunya,1999.

105

Questões;

1. “Leva-se em consideração, o fato de que dificilmente as adaptações que se fazem necessárias para a construção de um sistema educacional inclusivo sejam possíveis de serem realizadas todas, de imediato. Sabe-se não seria realista supor que todas as modificações físicas e estruturais, a aquisição de equipamentos e recursos diversos, bem como promover a capa citação continuada de todos os professores, pudessem, de um dia para outro, estar disponíveis. Por outro lado, não seria ético estender o processo a perder de vista no tempo, terminando em um nada... ou seja, na manutenção de um sistema educacional segregatório e ineficiente. È para isso que o planejamento estratégico, tanto da parte do Estado, como da parte das escolas , se faz essencial. Tudo se torna possível se metas objetivas e realistas forem estabelecidas e ações consistentes forem planejadas e realizadas. Assim, pode-se levar um ano, dois três, cinco, mas deve-se caminhar firme e decididamente na construção do sistema que a população brasileira deseja e merece. “ ( Escola Viva, 2000)

O que tem sido feito, dentro de um contexto inclusivo, nos diferentes âmbitos para avançarmos nesse processo:

a) Pelo Governo?

b) Pela sua Escola?

c) Por você Professor(a)?

2. O que mais é possível ser realizado?

106

Neste estudo, pretendemos uma reflexão sobre aquelas crianças que inicialmente chocam pela dificuldade e até, fazem-nos sentirmos incompetentes, no entanto, apresentamos uma outra forma de enxergar, pensar a questão e redirecionarmos nossas propostas.

O que fazer para não excluir Davi, Hilda, Diogo...

Anna Maria Lunardi Padilha

Introdução

Cumpre-nos agora demonstrar que nas escolas é preciso ensinar tudo a todos (...) para que ninguém no mundo jamais depare com alguma coisa que lhe seja tão desconhecida que não consiga sobre ela emitir um juízo moderado ou dela fazer um uso adequado (p. 95). Nem deve ser obstáculo que alguns pareçam por natureza imbecis ou estúpidos: isso mostra ainda mais a urgência e a importância de educar o espírito de todos. Quanto mais retardada e infeliz for a natureza de alguém, maior é sua necessidade de ajuda, para poder libertar-se, na medida do possível, de sua estupidez e obtusidade animalesca (p.90).

Propositadamente não coloco, neste momento, como mandam as regras do bem escrever acadêmico, o nome do autor e o ano de sua obra. Penso que mataria, em um tempo muito breve, a curiosidade de alguns leitores por saber quem foi que, de forma tão dura e com palavras tão distantes de nossos dizeres atuais, como quem dissesse palavras de ordem, ou estivesse elaborando leis ou resoluções, expressou-se sobre o direito que têm nossas crianças, nossos jovens e adultos, de freqüentarem escola.

Vejamos mais...

O dever do Estado com educação escolar pública deverá ser efetivado mediante a garantia de: I. ensino fundamental obrigatório e gratuito(...); II. progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III. atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino. (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 9.394/96, Título III, artigo 4º).

Esta voz que assim discursa, neste segundo trecho, parece mais conhecida. Discurso que, segundo Júlio Romero Ferreira (1998), ocorre em um tempo e um espaço marcados pela exclusão social ampliada e dessa forma, aumentando os desafios dos que estão lutando pelos direitos das pessoas com necessidades especiais. Aliás, quem são elas? Onde estão? O que fazem? Que necessidades têm?

O primeiro fragmento, com palavras tão estranhas, que causam até um certo sentimento de repulsa, fala de uma forma clara e precisa que é dever da escola ensinar tudo. Bem, aí já temos um problema: o que cabe à escola ensinar e o que é este tudo? De acordo com o autor do primeiro trecho “se há algo a ser

107

sabido, que seja aprendido” (p. 73). Mas, o autor diz que na escola é preciso ensinar tudo a todos. E outro problema nos aflige – quem são esses todos que devem aprender tudo?

Os dois textos referem-se ao papel da escola, à função da instituição encarregada do ensino e ambos imprimem a marca da democratização do acesso e da permanência nesta instituição. Enquanto o primeiro, tentando calar os opositores, alerta para que não sejam dadas desculpas e que os deficientes exercitem seu direito de aprender tudo, o segundo estabelece, em forma de lei, a garantia de acesso dos deficientes ao sistema educacional brasileiro, público e gratuito.

O primeiro autor, nasceu em 1592, morreu em 1670 e chama-se Comenius. Sua obra “Didática Magna” é considerada o primeiro tratado sistemático de pedagogia e didática. Interessante lembrar que quando Comenius pediu um parecer do amigo e historiador Hübner sobre a possibilidade de publicação de sua obra, recebeu um parecer negativo e uma das longas justificativas era que tal obra estava muito distante de ensinar a ‘arte de ensinar a todos’, não mostrando com clareza ‘de que modo se pode ensinar algo a alguém’. O amigo e historiador ainda diz que Comenius deixa de dizer ‘como seriam consolidadas suas propostas de construção da escola para ensinar tudo a todos’. Diz também que não são levadas em consideração, pelo autor, as ‘péssimas leis da escola” da época...

Mas, e se Comenius estivesse conosco, no Brasil, neste começo do século XXI? Teria como responder ao seu ‘parecerista’ que hoje as leis não são péssimas, mas que, pelo contrário, existe até uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação que entende a Educação Especial como uma modalidade de educação escolar – mesmo que não explicite quais seriam as políticas que efetivamente fariam ocorrer as mudanças no atendimento às pessoas com as necessidades educativas especiais. Comenius poderia dizer a Hübner que, no Brasil, avança a concepção inclusiva de Educação Especial. Será? Há importantes discussões que ainda estão por acontecer. Há práticas, ações efetivas que ainda estão por serem realizadas. Há tomadas de posição pessoal, de grupo, institucional e governamental que ainda estão por ser gestadas...

Tomo um certo dizer da Proposta da Sociedade Brasileira ao Plano Nacional de Educação em relação à Educação Especial, registrada no texto de César Augusto Minto (1998):

A política inclusiva, proposta neste Plano Nacional de Educação, não consiste apenas na permanência física dos portadores de necessidades educativas especiais junto aos demais alunos. Representa, sim, a ousadia de rever concepções e paradigmas, nos quais o importante é desenvolver o potencial dessas pessoas, respeitando suas diferenças e atendendo suas necessidades (1997).

Rever concepções não é uma atitude isolada ou individual. É tomada de posição política. A dificuldade consiste, diz Gilberto Velho, “numa visão

108

estanque e fracionada do comportamento humano que transforma a realidade individual em algo, em princípio, independente da sociedade e da cultura (grifo do autor, 1985, p.19). Gilberto Velho aconselha que não percamos de vista a inter-relação complexa e permanente entre indivíduo, sociedade e cultura.

Portanto, conceitos como os de inclusão e exclusão não podem ser banalizados, simplificados, porque corre-se o risco de banalizarmos e simplificarmos necessidades fundamentais do ser humano, em cada época e em determinados espaços, sob determinadas condições.

De qualquer forma, dito desta ou daquela maneira, neste ou naquele tempo, uma das questões fundamentais me parece ser a seguinte: o direito de todos saberem tudo e o dever da escola ensinar tudo o que deve, a todos, significa encontrar formas, maneiras, estratégias para que este direito seja exercido de fato. Estas formas não estão prescritas e nem poderiam estar porque não são únicas, não são unilaterais, não são iguais para todos, em todos os lugares.

Colocar todas as crianças juntas, em um mesmo lugar, em um mesmo tempo para aprender tudo não significa que todas aprenderão o que, realmente, precisam aprender. Juntar crianças em uma sala de aula, não lhes garante ensino, não lhes garante escola cumprindo seu papel; não lhes garante aprendizagem e portanto não lhes garante desenvolvimento. Deixar crianças e jovens deficientes ou pobres sem escola, sem ensino, sem aprendizagem e abandonados à própria sorte é impedir, de forma violenta, o exercício do direito que todos têm de participar dos bens culturais produzidos pela humanidade. Tão violento é deixar crianças e jovens sem escola quanto o é deixá-los sem comida, sem casa, sem roupa, sem lazer, sem saúde, sem afeto, sem perspectiva de trabalho, sem segurança, sem orientação, sem cuidados. Igualmente violento é deixá-los na escola, matriculados, com lugar marcado na sala de aula, mas sem aprender, sem o acesso a todos os instrumentos e estratégias que respondam às suas necessidades peculiares: professores que saibam do que realmente estas crianças e jovens necessitam; equipe de profissionais que saiba orientar professores e familiares, acompanhando-os no processo de aprendizagem de seus alunos e filhos; número suficiente de pessoas para cuidar destes alunos na escola; número menor de alunos por sala de aula; salas de recurso em pleno funcionamento; estrutura física adequada dos prédios; possibilidades de locomoção garantidas; projeto pedagógico coletivo; estrutura e funcionamento administrativos compatíveis com o projeto pedagógico e com as singularidades dos diferentes grupos de crianças e jovens...

Davi é um garoto que está agora com doze anos de idade, quase treze. [1] O Conselho Tutelar de sua cidade foi solicitado a intervir junto à família e à escola, no início do ano 2000. Davi estava regularmente matriculado na 4ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública, gratuita, da Rede Estadual de Ensino. Suas professoras não conseguiam ensiná-lo: Davi batia em todo mundo, agredia as professoras, a diretora e a quem se aproximasse dele. Dava chutes e gritava. Ainda não alfabetizado, nem sequer sabia escrever seu nome. Foi assim na primeira, na segunda, na terceira e na quarta séries...

109

Sua mãe “não estava em condições de educá-lo” porque, segundo relatórios do Conselho Tutelar e depoimentos dos vizinhos, andava sempre alheia, abandonava a casa e era vista quase todos os dias, com os homens da redondeza, em atitudes denominadas por eles de “imorais”. Davi, único filho, ficava pelas ruas e preferia juntar-se aos desempregados que freqüentavam um bar ali por perto de sua casa, quando não estava brincando com outros garotos e cuidando dos cachorros da rua. Seu pai precisava trabalhar e bebia “além da conta”.

Quando conversei com ele sobre o filho, a pedido do Conselho Tutelar, perguntei-lhe: “o que mais lhe aborrece? O que mais lhe deixa preocupado?” Ao que me respondeu, na ocasião: “Não ter um carro novo, melhorzinho... os pintores que têm carro melhor pegam mais serviço, dona.” Mas, e o seu filho? “Ah, criança é assim mesmo, a mãe não olha e eu tenho que cuidar de tudo, até fazer comida e lavar roupa depois que chego do serviço”.

Davi ia para a escola todos os dias. “Engraçado, ele não falta... mas não aprende”, escutei da professora. Pedi ajuda à professora Regina – que realiza um trabalho pedagógico junto a crianças que são vítimas do fracasso escolar, para que orientasse Davi, junto com o Conselho Tutelar, fora do horário regular da escola. A partir de então, algumas alterações foram acontecendo: mudou de escola, voltou para a terceira série, depois voltou para a segunda e agora está em uma classe equivalente à 1ª série, com poucos alunos para que a professora possa dedicar-se mais a ele e a outras crianças que estão ‘atrasadas’. Isto tudo depois de muitas reuniões, muitos papéis e documentos, de muitas solicitações e idas e vindas de justificativas para os órgãos públicos responsáveis pela educação no estado; depois de pedidos e pedidos para esta ou aquela autoridade, depois de tentarmos de todas as formas possíveis convencer os órgãos oficiais de que seria melhor para Davi que ele aprendesse, que a escola fizesse sentido para ele. Depois de argumentar que o papel da escola é ensinar...

Segundo as normas estabelecidas, nenhum aluno pode voltar para uma série anterior. Davi, na verdade, é um “ouvinte” na classe onde está. Sua efetiva matrícula é na 4ª série. Como nesta série é permitido ser reprovado uma vez, seu nome consta da lista de chamada por mais este ano de 2001, mas em 2002 deverá estar na 5ª série.

Durante este tempo, mais sobressaltos e mudanças: sua casa incendiou-se. Precisou mudar-se e a escola ficou longe... Sua mãe morreu afogada no Natal de 2000. Seus tios que moram em outro bairro o adotaram. Seu pai vai visitá-lo vez ou outra. Cresceu. Penteia-se e passa desodorante porque quer agradar as professoras e as assistentes sociais do Conselho Tutelar. Suas roupas estão limpas e tem material escolar. Ganhou um tênis e agora deixa o chinelo para quando está em casa ou brincando na rua. Sorri, brinca, joga... “Vou ao banheiro, depois eu lavo as mãos viu?” Ganhou um porta-retrato com uma foto sua, escrevendo – novidade em sua vida: a foto e a escrita. “Vou guardar esta fotografia pra toda vida!”

110

Davi está na primeira série como “ouvinte”? Não. Está em uma classe onde estão ensinando a ele o que deve ensinar a escola e o que deve este garoto aprender. Fora do tempo, é verdade, mas... que tempo foi esse de sua vida? Que tempo é o tempo da escola? Está incluído na 4ª série? Oficialmente, sim e precisa, segundo as ‘autoridades’ e as ‘resoluções’, ir para a 5ª série no próximo ano.

Davi está incluído? Agora, que está aprendendo, não está incluído: é “ouvinte” de uma sala que freqüenta e está matriculado em uma sala que não consegue acompanhar. Davi está aprendendo? Sim, e muito. Gosta da escola, brinca, estuda, faz tarefas...”Não deu mais nenhum trabalho, está uma gracinha, nem parece aquela criança de antes!” falou a coordenadora da escola, em Novembro de 2001. Ela havia ligado para pedir ajuda: “O que vamos fazer com a matrícula dele na 5ª série? Como vamos justificar? Toda aquela papelada? É bom a gente providenciar uns relatórios? Ele está tão bem, vai para a segunda série com uma professora bem jóia, mas, e se formos obrigados a colocá-lo na 5ª série? Agora este negócio de inclusão e progressão continuada é lei. A gente tem que cumprir”.

O leitor poderia estar pensando – “mas então é pra gente ficar voltando aluno pra trás? Isto é o que a gente deve fazer quando um aluno não aprende na série onde está?” A questão, o problema e a solução é que crianças, jovens e adultos têm direito de aprender e que para tanto haja quem ensine, em lugar próprio para isso. Que lugar é este? Próprio para quem? Organizado como?

A professora Marília Pinto de Carvalho (2001), em seu artigo “Estatísticas de Desempenho escolar: o lado avesso” conta sua pesquisa sobre as políticas de “correção do fluxo escolar” e as diversas práticas da chamada “aceleração” e nos alerta:

Nossa experiência de pesquisa na escola L. reforça a importância de nos posicionarmos a favor da permanência de crianças e jovens na escola, mas contra a maquiagem estatística da ignorância e do fracasso do sistema de ensinar. Para que o saber seja efetivamente democratizado e os números de aprovação representem avanços reais na aprendizagem é preciso não apenas mudar uma suposta ‘cultura da repetência’ e implantar novas concepções de avaliação, mas oferecer recursos para as escolas, desde turmas pequenas, espaços adequados e materiais pedagógicos até um efetivo trabalho de recuperação escolar e condições para a constante formação dos profissionais do ensino (...) (p.250)

Quando contei um pouco da história de Davi, relatei um fragmento de uma vida concreta, de uma criança concreta que ficou à margem da aprendizagem e de grande parte das condições dignas de vida social, durante alguns anos. Relatei um caso extremo? Uma exceção? Penso que não.

Uma coisa é o direito de aprender, adquirir conhecimentos científicos, apropriar-se da cultura, ter acesso aos bens materiais e simbólicos por ela produzidos, significar o mundo, alfabetizar-se, ser leitor, conhecer seus deveres e direitos e lutar por eles, participar da vida política, ter voz e voto, poder votar

111

e ser votado. Outra coisa é, de maneira irresponsável, colocar nossos alunos - crianças e jovens, que tanto necessitam de uma boa escola – diante de uma expectativa enganosa do que tem sido denominado de ‘inclusão escolar’.

O que, na verdade, se quer dizer com inclusão, e em oposição, com exclusão? Que binômio fantástico é este? Será que há mesmo oposição entre estes dois conceitos?

Bader Sawaia (2001) faz uma análise que me parece muito pertinente. Para ela, o fundamento para analisar a exclusão e á injustiça social.

Diz ela:

A sociedade exclui para incluir e esta transmutação é condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico (p.08).

Dito de outra maneira, o povo é privado de seus direitos, mas propõe-se a ele que estude (mesmo que a escola pública ensine pouco); que se qualifique para o trabalho (mesmo sem ter trabalho digno); que seja cidadão (desde que reconheça o seu lugar de inferioridade por não fazer parte do grupo dos proprietários dos meios e dos bens de produção).

Há um movimento constante, ininterrupto, complexo, simultâneo e contraditório das várias dimensões do humano: a dimensão econômica, histórica, cultural, subjetiva, afetiva...

E a exclusão/inclusão na escola? A escola está mergulhada nas contradições sociais; totalmente imersa nas diferentes formas de violência e de injustiça que se fazem presentes na sociedade; tem um discurso carregado de certezas mas um profundo silêncio diante da violência e da injustiça que se manifestam no cotidiano... Há vítimas do fracasso escolar que são condenadas, como se fossem culpadas pelos seus “não saberes”. Há quem efetivamente “ainda não sabe” o que a escola quer que saiba. Há escolas que “ainda não sabem” o que é que devem ensinar, como, quando e onde. Há pobreza, há miséria, há fome, há promessas de ‘bem estar-social’.

Ao mesmo tempo, em espaços tão próximos, há quem freqüente a escola e aprenda e há quem não freqüente a escola, mas aprenda; há quem freqüente escola e não aprenda... há quem quer aprender e não tenha escola para freqüentar. Há a escola da rua, da prisão, do asilo, da doença, do abandono, do medo...

Bertold Brecht faz um alerta e nos convoca a tomar uma posição radical, quando diz em seu poema Elogio ao aprendizado:

112

Aprenda o mais simples!

Para aqueles

Cuja hora chegou

Nunca é tarde demais!

Aprenda o ABC; não basta, mas

Aprenda! Não desanime!

Comece! É preciso saber tudo!

Você tem que assumir o comando!

Aprenda, homem do asilo!

Aprenda, homem na prisão!

Aprenda, mulher, na cozinha!

Aprenda, ancião!

Você tem que assumir o comando!

Freqüente a escola, você que não tem casa!

Adquira conhecimento, você que sente frio!

Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma.

Você tem que assumir o comando!

Não se envergonhe de perguntar, camarada!

Não se deixe convencer

Veja com seus olhos!

O que não sabe por conta própria

Não sabe.

Verifique a conta.

É você que vai pagar.

Ponha o dedo em cada item

113

Pergunte: O que é isto?

Você tem que assumir o comando.

Hilda já é uma senhora e está com seus 50 anos de idade. Resolveu que queria voltar para a escola, pois quando criança e jovem precisou trabalhar e não pode concluir seus estudos. Na verdade, mal pode começá-los – “fiz a primeira série. Foi só o que deu”. Procurou um “curso supletivo” e matriculou-se. Encontrou uma professora muito disposta a ensinar e interagir com seus alunos jovens e adultos. Encontrou companheiros e companheiras, lancham juntos, conversam, trocam idéias e sonhos. Chegou um dia desses em minha casa com sua tarefa e orgulhosa me disse: “Preciso decorar todos os pronomes do caso reto e do caso o...bli...oblico...oblíquo, acho que é assim que se fala”. A conversa continua e eu vou perguntando mais sobre a escola, as lições, o que saber, o que fazer. “A gente está descobrindo como fala errado!” “Estamos copiando bastante da lousa para aprender a escrever mais rápido”. “Ih! Copiei tudo errado, acho que escrevi depressa e não prestei atenção”. “Tem gente que está fazendo o supletivo da segunda série há cinco anos, coitados. Não vai... Não decoram os pronomes e aquelas contas de colocar colchete e parênteses, chama ex..expressão, né?” “Eu quero ir para a quinta série... se Deus quiser...

Passadas três ou quatro semanas, chega ela novamente:” Já estou indo às aulas há um mês e a professora não sai da mesma coisa... Está tão devagar! Esperava aprender mais coisas, não tenho tempo a perder. Um dia é só para copiar o texto da lousa, o outro é só para copiar a lista de perguntas sobre o texto, o outro é só para responder, o outro para corrigir. Demora tanto! A professora sempre solta os alunos meia hora antes porque ela trabalha em outra escola que fica muito longe, coitada.. e ganha pouco.”

Tem alguém excluído? Só aparentemente, não. Há escola, professora, alunos, matrícula feita, cadernos entregues, passe escolar, calendário, lousa, giz, contas, gramática, textos, perguntas...

Examinando com mais cuidado o relato de Hilda vamos encontrando algumas contradições: ela foi excluída da escola quando criança, mas foi incluída no mundo do trabalho, da mão de obra barata; aprisionou seus sonhos, guardou-os. Aprendeu a cozinhar, lavar, passar... Casou-se, criou filhos. Trabalha como doméstica – participa do mundo do trabalho. Sonha poder estudar, mesmo que a escola ande tão devagar... Segundo Sawaia, citada acima, parece que Hilda precisou estar excluída para poder ser incluída. Muitas crianças e jovens não freqüentam escola e, alguns deles irão, mais tarde, buscar, na promessa da educação de adultos, a escola que não tiveram. Muitas crianças e jovens que hoje estão na escola e aparentemente incluídas, freqüentando às aulas, tendo lugar na sala de aula, mas sem aprender, serão os adultos que irão procurar novamente a escola para, quem sabe, serem alfabetizados...

Será que Hilda está incluída agora? E a escola? Cumpre o seu papel? É assim que se ensina aos que foram excluídos quando crianças? Não há mais crianças fora da escola como esteve a pequena Hilda quarenta e poucos anos

114

atrás? Por que estamos abrindo nossas portas para a Educação de Jovens e Adultos (EJA)? Como estamos nos saindo no cumprimento deste dever? Que acesso tem a professora da Hilda aos conhecimentos sobre o ensino da leitura e da escrita, que vêm se desenvolvendo e resultando em tantas publicações, nestes últimos anos? Estaria a professora excluída de tais conhecimentos? De que é que a Hilda mais precisa que a escola lhe forneça, neste momento de sua vida, que resolve não perder mais tempo? O que estamos fazendo do ensino da Língua nas escolas? E do ensino das Ciências? E do desenvolvimento do espírito crítico para sair da ingenuidade, como queria Paulo Freire? E como fica o conhecimento sobre as Artes? O que estão lendo? Como estão compreendendo o mundo que se apresenta por meio das mais diferentes linguagens?

Se o relato sobre Davi aponta para o fato de que a promoção automática – do modo como está estruturada, não faz avançar a inclusão, o relato sobre Hilda revela que há necessidade de transformações mais profundas: rever políticas de formação de professores, de condições de trabalho, reflexão crítica sobre o currículo... Parece não ser possível incluir, dentro desse modelo, mesmo que muito já se venha tentando fazer.

Não há dúvidas de que há um número significativo de pesquisadores e pensadores que vêm discutindo questões importantes relacionadas à inclusão/exclusão social. Seria ingenuidade pensar tal questão sem uma análise do contexto histórico-cultural.

A escola brasileira, da rede estadual, municipal, particular ou federal, da zona rural ou da cidade, a escola dos índios ou das crianças do sertão - não é uma instituição autônoma, nem é possível analisar o que nela acontece sem que sejam consideradas as condições concretas de sua existência.

Poderia escolher dizer que os índices de escolarização aumentaram, que há melhoras significativas nas leis e resoluções sobre a educação do povo; que famílias empobrecidas recebem ajuda em dinheiro para que seus filhos freqüentem uma escola e saiam das ruas ou do trabalho infantil. Poderia optar por repetir os “indicadores nacionais e as tendências de longo prazo” sobre a redução do analfabetismo, no Brasil: “Entre 1980 e 1996, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais caiu de 25,4% para 14, 7%” (MEC/INEP, 1999) [2] . Não sem lembrar o que disse Milton Santos em uma entrevista ao Jornal Folha de São Paulo:

O que está havendo no Brasil é uma preocupação estatística de educação. Mas como o Brasil quer retardar a distribuição de renda, há um esforço para deixar os pobres como pobres. Aí tem um discurso de glorificação. Os números aparentemente são concretos, mas na verdade são abstratos. A estatística simplifica tudo (p.04 – Caderno Especial de 27 de Março de 2001).

Poderia, ainda, fazer eco às vozes que dizem que há ampliação dos investimentos dos governos em favor da ampliação das vagas para pessoas portadoras de deficiências, no ensino regular; que há investimentos e incentivos para a inserção de disciplinas da área de educação especial nas

115

universidades; que estão cuidando da formação competente de profissionais para atender às necessidades dos deficientes, dos carentes, dos que se atrasaram e perderam o bonde da história escolar; que está prevista a garantia de escolaridade para crianças que estão hospitalizadas por um tempo que as impeça de freqüentar a escola com regularidade...

Posso lembrar que há organizações da sociedade civil que estão investindo esforços para que mais crianças cheguem à escola e que a escola seja menos excludente, acolhendo crianças e jovens diferentes, deficientes, empobrecidos, doentes, usuários de drogas, abandonados...

Poderia elaborar uma lista enorme de iniciativas privadas e mesmo de órgãos públicos ou de algumas secretarias municipais ou estaduais que se organizam no sentido de estudar, pesquisar e promover ações integradoras e programas sérios de construção de uma sociedade mais justa e de uma escola que realmente seja para todos. Mesmo não querendo nem podendo negar as inúmeras iniciativas inclusivas já existentes - bem como as pesquisas e programas que vêm se desenvolvendo no Brasil em diversos níveis e nos mais diferentes grupos sociais – não é este meu objetivo neste texto e escolho outro caminho discursivo, neste momento.

De que lugar se fala sobre inclusão e exclusão?

Vive-se a exclusão e fala-se de inclusão em um mundo, cuja lógica é o capitalismo [3] , em uma configuração denominada de globalização e neoliberalismo – não há nações independentes, nem sistemas religiosos, nem escolas, nem indivíduos autônomos... O mundo sem fronteiras não ficou mais justo nem as riquezas ficaram melhor distribuídas. A globalização é uma realidade ideal para o projeto neoliberal [4] . A pobreza chegou a níveis insuportáveis, incontáveis... o desemprego deixou de ser fantasma para tornar-se uma doença incurável, um mal incontrolável – deixou de ser ameaça e se encarnou – tornou-se carne, pele, parte da vida, condição de morte, motivadora da violência e do desespero. Não há como amenizar, não há como dizer palavras mais brandas, mesmo acreditando que a esperança abre brechas, que a doença traz forças para vencê-la, que a solidariedade vai sendo constituída das mais diferentes formas, nos mais diferentes matizes...

Segundo Gilberto Dupas (2000), a percepção de que a exclusão social está se agravando com a dinâmica capitalista “começou a se configurar quando os índices de desemprego e marginalidade cresceram significativamente na França e na Alemanha” (p.09). Os conceitos de exclusão e de inclusão social não se configuram, porém, da mesma forma em todos os tempos e lugares – são de naturezas diferentes, mesmo que as origens possam estar no processo de globalização da economia. Diferentes também são as conseqüências da exclusão e as formas de combatê-la ou de ultrapassá-la. No caso do Brasil, continua Dupas, a dramática urbanização que vem acontecendo desde a segunda metade do século XX, gerou pobreza inclusive nas cidades médias e pequenas, deteriorando, precarizando a qualidade do trabalho e os esquemas

116

de proteção social. “O Estado contemporâneo não se sente mais responsável pelo pleno emprego. (...). Sem a proteção do Estado, o homem volta a sentir com toda força sua dimensão de desamparo” (p.223). É como se, numa luta livre, um gigante estivesse lutando com um anão e não houvesse ninguém que protegesse o anão, diz J.B. Libâneo no documentário Cultura da Solidariedade, uma realização do Centro Gaúcho de Audiovisuais/RS. O gigante defende-se por si – o capital e o capitalista. O anão, com certeza, morrerá – o povo, os desempregados, as crianças de rua, os empobrecidos, os deficientes, os não-escolarizados, os não-letrados...

O Brasil e nós brasileiros ficamos de 1964 até 1985 sob um regime militar e antidemocrático. A (re)construção da democracia vem, desde então, ora engatinhando, ora ensaiando alguns passos, mas com muitas dificuldades. Se conseguimos voltar a ter o direito de voto e de organização, falta-nos muito para sermos uma nação democrática – falta a participação popular que vai além do depósito dos votos na urna; participação que vai além do acesso às informações pelos meios de comunicação. Ainda não completamos duas décadas de retorno aos direitos que, à duras penas, vínhamos conquistando. Mas o mundo está em constante transformação e somos parte deste mundo, transformamos e somos transformados.

É deste lugar que se fala em exclusão ou inclusão social, em justiça ou injustiça social e em exclusão ou inclusão escolar – em escola para todos aprenderem tudo. Quando são lembradas as resoluções governamentais, tanto em documentos oficiais quanto em propagandas na mídia, parece que o Estado está gerindo, coordenando, assumindo, liderando, resolvendo, amparando, fiscalizando, promovendo... mas não está!

Gaudêncio Frigotto (2000) evidencia que

Buscar entender adequadamente os dilemas e impasses do campo educativo, hoje é, inicialmente, dispor-se a entender que a crise da educação somente é possível de ser compreendida no escopo mais amplo da crise do capitalismo real (...), no plano internacional e com especificidades no nosso país. Trata-se de uma crise que está marcada por uma especificidade que se explicita nos planos econômico-social, ideológico, ético-político e educacional, cuja análise fica mutilada pela crise teórica (grifo do autor, p.79).

O que materializa esta crise é a fome, o desemprego, a violência, o preconceito, a exclusão, a discriminação, a piedade e filantropia no lugar do exercício dos direitos e dos deveres.

Nunca se escreveu tanto sobre a escola, o ensino, a aprendizagem, a inclusão dos mais pobres nos sistemas de Saúde, Educação, Moradia, Alimentação. Há um infindável número de livros e artigos. Palestras são proferidas; Encontros, Seminários e Congressos são organizados com temáticas sobre a Inclusão/Exclusão Social. No campo da educação, fala-se mais de “inclusão”. Pouco se fala da exclusão, como se fosse possível incluir sem compreender porque alguém não está incluído. Não estar incluído, ou, estar excluído de quê? Quando? Onde? Como se os antônimos ou contrários –

117

exclusão/inclusão não pertencessem ao mesmo campo semântico e à mesma lógica do capital.

Vive-se a exclusão e fala-se de inclusão, também de um outro lugar - do interior da escola. Em quase todos os encontros que tenho com professores e professoras ou com estudantes que se preparam para o magistério, a pergunta chega logo: “O que a senhora acha da inclusão?” “A senhora tem algum programa de inclusão que deu certo para passar para a gente?”

Perguntas difíceis de terem respostas rápidas, argumentos prontos, soluções à disposição. Sinto que faltam discussões que aprofundem conceitos e se debrucem sobre condições concretas de vida social. Sinto a angústia dos professores e professoras (angústia que também é minha), que se sentem, ora obrigados a realizar uma proeza pedagógica sem sequer saberem como; ora culpados por não estarem sendo solidários, caridosos, pacientes com aqueles que aprendem diferente, em tempos diferentes, de modos diferentes; ora sentem-se incompetentes por não estarem conseguindo que todos os seus alunos aprendam o que programou para ser aprendido. Sentimos, todos nós, um misto de culpa, de compaixão, de medo... E temos, quase todos, um olhar ainda reduzido e ingênuo, a-histórico muitas vezes, a-político tantas outras, diante de situações tão complexas que afetam a vida de cada um e de todos – aqui e em todos os lugares deste planeta.

Diogo é um rapaz que completou 18 anos de idade no ano de 2001. Filho de pais desempregados (‘desempregado’ é hoje uma categoria e não mais apenas uma condição adversa passageira). “Com muito sacrifício conseguimos estudar ele. É lento, muito fraco das idéias, muito criança, não tem maldade. Não pode sair sozinho – a gente não deixa porque tem medo desse mundo como está. Repetiu a 3ª , a 4ª e ficou na 5ª série e não vai mais. Este ano já é a terceira vez. Ano que vem vai ficar na quinta outra vez... Mas se vocês puderem ajudar, a gente traz ele aqui para ver se ele aprende um pouco mais.” Assim chegaram seus pais, pedindo ajuda para professoras que trabalham junto a crianças e jovens que estão em situação de pouca aprendizagem na escola ou que estão sem escola porque são deficientes.

Diogo conta que está envergonhado – “sou muito grande, numa turma de pequenos, eles tiram sarro da gente. Às vezes saio da classe e fico chorando no pátio”. Diogo lê com muita dificuldade, tropeçando nas palavras; precisa de muita ajuda para escrever. Não falta às aulas mas não consegue responder corretamente a nenhuma pergunta das provas. “a gente tenta de tudo, sento do lado dele, tento explicar o conteúdo só para ele outra vez, mas é difícil, ele não entende mesmo – conta o professor de Geografia – “não sei o que ele vai ficar fazendo na quinta série outra vez no ano que vem”.

Este rapaz está na escola; tem seu nome na ‘lista de chamada’; não falta às aulas e tem professores que querem ajudá-lo mas que não conseguem porque na quinta série, os alunos já devem saber algumas coisas que Diogo não sabe. Qual seria o lugar para Diogo aprender? Quando? Por quanto tempo? Com que qualidade de interações?

118

Uma ex-aluna do ex-Curso Normal (porque acabaram com ele!!), tem ensinado Diogo duas horas por semana. Suas necessidades pedagógicas são muitas. Um rapaz, com esta idade e cursando a 5ª série pela terceira vez, já deveria saber resolver as quatro operações, já deveria ter escrito algumas cartas, mandado alguns recados, deveria estar se localizando no tempo de cada dia guiando-se pelas horas marcadas no relógio. Poderia estar andando de ônibus sem a companhia dos pais ou de algum outro adulto.

É possível vislumbrar caminhos?

Em um artigo que escrevi (Padilha, 1999) sobre o papel da escola e o lugar que nela havia para as diferenças nos modos de aprender, eu convidava o leitor a refletir comigo:

Quem determina a finalidade do que se ensina? Quem determina o que é importante saber? Quem deve saber mais? Ou: quem deve saber apenas um pouquinho para não ficar um semi analfabeto? Ou se é analfabeto ou se é alfabetizado. Não há semi gravidez, semi pobreza, semi escola, semi alfabetizado, semi politizado... As questões continuam as mesmas: quem deve saber, o quê, para quê? Ter lugar na escola, não é apenas ter uma carteira, um uniforme, material escolar, merenda ou professor (mesmo que tudo isto faça parte da possibilidade de pertencer a uma escola). A questão é saber: quem tem lugar na escola, que lugar tem? Que tipo de relação vivencia? (...) É preciso uma tomada de posição mais grave. Mais consciente, mais competente, mais criativa, mais comprometida politicamente com a classe popular (p.10).

Estas questões devem estar presentes quando se deseja discutir a escola para todos aprenderem tudo.

Aspiramos a certas finalidades, desejamos justiça social, pertencimento e acesso aos bens materiais e simbólicos da cultura. Proclamamos que todas as crianças e jovens devem estar na escola e que a escola deve ensinar tudo a todos. Defendemos a escola preparada para atender bem, de acordo com as suas necessidades, crianças e jovens surdos, cegos, deficientes físicos e mentais. Queremos os direitos garantidos para os empobrecidos, para os doentes, para os presos, para os velhos, para todos aqueles que, como um anão foram chamados à luta com o gigante... São nossas aspirações.

Agnes Heller (1970) explica que os homens têm aspirações mas esses fins aos quais os homens aspiram são determinados histórica e socialmente. As circunstâncias determinantes alteram, por sua vez, as aspirações, os desejos, as necessidades. Coerente com a matriz marxista, na época em que escreveu “O cotidiano e a História”, Heller lembra que para Marx, as componentes da essência humana são o trabalho, a socialidade, a universalidade, a consciência

119

e a liberdade (p.04). Continua explicando que a questão da essência humana tem relação com outra questão – do valor:

(...) pode-se considerar valor tudo aquilo que, em qualquer das esferas e em relação com a situação de cada momento, contribua para o enriquecimento daquelas componentes essenciais; e pode-se considerar desvalor tudo o que direta ou indiretamente rebaixe ou inverta o nível alcançado no desenvolvimento de uma determinada componente essencial” (p.05)

A vida em sociedade não começou hoje. A luta contra a exclusão não é nova. “Nem um só valor conquistado pela humanidade se perde de modo absoluto; tem havido, continua a haver e haverá sempre ressurreição (Heller, 1970:10). Não é de hoje que pessoas buscam caminhos para a superação da indiferença e da injustiça, da discriminação e do preconceito.

René Capriles (1989) descreve a Rússia do final do século XIX e início do século XX, apontando para dados desoladores: o analfabetismo atingia 98% da população e havia ausência total de direitos e a miséria era terrível. Na Rússia pré-revolucionária – antes de 1918 -, os reformatórios infantis eram do tipo correcional, verdadeiras prisões e os menores eram isolados do convívio social. Havia na época milhares de crianças criminosas, dos nove aos quinze anos de idade e entre elas, muitos assassinos. O primeiro passo dado pelo governo revolucionário foi transferir o sistema correcional, do âmbito da justiça para o da educação. Anton Makarenko aceitou o desafio de ensinar estas crianças e jovens na Colônia Górki. Não encontrava nos tratados pedagógicos nenhuma proposta adequada para estes casos tão difíceis dos alunos “delinqüentes”. Makarenko dimensionou a pedagogia da época e a escola, afirmando que um trabalho educativo tem que ser claramente político e a prática pedagógica somente alcançaria a educação da personalidade no coletivo e somente através dele. Foi um dos primeiros a introduzir a co-educação no ensino, contrariando as tendências da época que pregavam o ensino separado para meninos e meninas.

O que aconteceu com Helen Keller no final do século XIX e início do século XX mostra-nos possibilidades inimagináveis no campo da educação que pretende ensinar tudo a todos . Uma criança cega e surda que, porque teve acesso aos conhecimentos através da professora Anne Sullivan desenvolveu-se de forma admirável. Aos 20 anos de idade escreveu o livro ‘A história de minha vida’. Imaginemos as dificuldades daquela época e com certeza iremos refletir sobre nossa realidade de hoje:

Eu havia ganho a batalha para ser admitida no colégio. As portas da universidade estavam abertas para mim. Podia ingressar quando eu quisesse. Pediram-me, entretanto, que estudasse mais um ano, sob a orientação do Sr. Keith. Por isso, só no fim do ano de 1900 pude realizar meu sonho.

(...) Eu não poderia chegar às ciências pela estrada larga que toda gente trilha, mas haveria de chegar pelos atalhos estreitos e solitários que me eram peculiares (1939:121).

120

Lev Semionovich Vigotski já havia dito na década de vinte do século passado, que as descobertas e as pesquisas da clínica não davam conta de explicar a natureza do atraso mental e que, conseqüentemente, as práticas desta mesma clínica não eram suficientes porque selecionam os grupos com base nos aspectos negativos e não há quem não concorde que é indesejável a seleção das pessoas de acordo com as suas particularidades negativas.

Em sua época, diz Vygotsky, tinha força a idéia de que o desenvolvimento era um processo homogêneo e unitário e que as deficiências eram o mesmo que as suas complicações, de tal forma que o grau de pertencimento e inserção cultural estava condicionado ao grau de desenvolvimento biológico, orgânico. Criticando a visão de seu tempo e na tentativa de ultrapassá-la, afirmava que por uma influência de critérios pessimistas sobre o atraso mental produziram-se exigências menores, restrições e reduções nas práticas pedagógicas direcionadas para estes alunos. Surgiram tendências para se reduzir ao mínimo possível os objetivos educacionais. E categoricamente diz que a educação é mais necessária para a criança com atraso mental do que para a criança dita normal – “esta é a idéia fundamental de toda a pedagogia contemporânea” (1997:240-241).

A luta contra a exclusão, já antiga, está presentificada – fomos, somos e seremos responsáveis, na história da humanidade, pela opressão, pela libertação, pela formação da consciência crítica, pela antecipação e pela provocação de práticas sociais mais justas.

No Brasil, muito recentemente, Paulo Freire (2000) nos convoca, como fez por toda a sua vida e por toda a sua ação, a sermos indignados diante da injustiça e da opressão: “Não é na resignação mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos” (p.81). Sempre insistiu que “é a partir deste saber fundamental: ‘mudar é difícil, mas é possível’, que vamos programar nossa ação político pedagógica não importando qual seja o projeto com o qual nos comprometemos (p.81).

Um professor, homem comprometido com o ensino, que dedica sua vida aos alunos das escolas públicas e que defende a escola para todos aprenderem tudo, contou-me há poucos dias que assumindo classes em uma escola pública da rede estadual, iria dar aulas para alunos da 6ª série do Ensino Fundamental. Quando chegou na escola para assumir as aulas não encontrou alunos. Perguntou por eles aos colegas que lhe disseram para ir buscar os alunos na rua ou no pátio se quisesse dar aulas – eles já haviam desanimado e apenas esperavam a aposentadoria. Demonstravam estar sofrendo da ‘síndrome da desistência’ [5] de que fala Codo (1999). Este professor sai então pela rua e pelos corredores, chamando pelos alunos que constavam de seu diário de classe. Trouxe um a um para dentro da sala de aula – vocês são meus alunos, eu sou professor, eu dou aulas, vocês precisam aprender... Os alunos queixaram-se dizendo que não tinham aulas e que não queriam ficar ali na sala. Este professor insiste, conclama! Olha para a lousa da sala de aula e constata que ela está sem condições de ser utilizada. Traz de casa uma raspadeira e junto com os alunos deixa a lousa parcialmente utilizável. Pede

121

aos alunos que tragam um caderno – eles não costumam trazer cadernos porque não precisam, não usam...

A história continua, mas penso que posso parar por aqui. Já dá para se ter uma idéia do que é preciso fazer se queremos que a escola cumpra seu papel. Não é uma questão apenas de um desejo particular, pessoal, mas também é. Não é um problema de uma escola, de uma unidade escolar, mas também é.

Podemos falar como a canção de Zé Pinto, na voz de Leci Brandão ‘Pra soletrar a liberdade’ [6] :

Tem que estar fora de moda

Criança fora da escola, pois há tempo

Não vigora o direito de aprender.

Criança e adolescente numa educação

Decente pra um novo jeito de ser

Pra soletrar a liberdade na cartilha do ABC.

Ter uma escola em cada canto do Brasil

Com um novo jeito de educar pra ser feliz

Tem tanta gente sem direito de estudar

É o que nos mostra a realidade do país.

Juntar as forças, segurar de mão em mão,

Numa corrente em prol da educação

Se o aprendizado for além do Be A Bá,

Todo menino vai poder ser cidadão.

Alternativa pra empregar conhecimento

O Movimento já mostrou para a nação

Desafiando dentro dos assentamentos

Reforma Agrária também na Educação.

122

O que a senhora acha da inclusão, professora?

Acho que a educação é um direito e instrumento básico para o exercício da cidadania. Que sem uma organização da comunidade convocada pelos educadores comprometidos com a justiça social não adianta ter nenhuma lei, nenhuma resolução, nenhum discurso oficial sobre inclusão dos pobres, dos índios, dos adultos analfabetos e dos deficientes na escola. Acho que não podemos ser ingênuos porque “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” . Cada unidade escolar, cada instituição, cada grupo de professores, cada universidade, cada bairro, cada associação, cada sindicato, cada congresso, cada um de nós precisa conhecer para fazer a hora. Exigir, formar, denunciar, propor, refletir sobre as ações planejadas e sobre todas as contradições inerentes a estas ações. Discutir, dar voz aos pais, aos alunos, aos profissionais envolvidos. Criar modos de fazer... Falar sobre eles, revê-los.

Incluir é dar condições – pensar estas condições, planejá-las e replanejá-las.

Para incluir é preciso ter uma visão crítica de mundo - estudar o mundo, reconhecer-se parte dele – produto e produtor da cultura.

Incluir não é só colocar crianças na sala de aula – que crianças? Que sala? Que aula? – planejar a partir das necessidades locais.

Incluir é denunciar as mentiras e a ilusão – é ter utopias e fazê-las realidade.

Incluir é sentir-se incluído – é ter amor-próprio e saber valer seus direitos cumprindo seus deveres.

Incluir é ver mais de perto, reparar, olhar para os detalhes, imaginar possibilidades, juntar-se a outros...

Incluir é também excluir – incluir crianças na escola é excluir formas incompatíveis de tê-las na escola.

Incluir deficientes nos sistemas de ensino é excluir preconceitos de nossas vidas. É excluir de nossa agenda cultural a crença no sistema capitalista e neo-liberal.

Incluir alunos na escola e a escola no bairro, na cidade, no estado e no país é excluir o tempo de espera no qual muitos de nós estamos.

Incluir é saber-se capaz de entender que a história não acabou e ninguém deve fazer, por nós, a nossa história.

É perguntar e responder: quem são estas crianças e jovens de quem se diz com necessidades educativas especiais? Quem mais tem necessidades especiais? A escola? Os administradores? Os políticos? As políticas públicas? De que precisam estas crianças e jovens para aprender? Como aprendem? Como aprenderão melhor? De que precisamos para ensiná-los? Como virão á escola? Quem vai trazê-los? Quem virá buscá-los? Onde mais eles aprendem?

123

Quem são seus pais? Quem são os responsáveis por eles? O que pensam? O que sabem? O que desejam?

O que já sabem estes nossos alunos? Como sabem? O que ainda não sabem e é indispensável que saibam para continuar aprendendo? Como vivem? Como deveriam viver para que a vida deles fosse mais humana, mais digna? Quais seus problemas? De que ordem são seus problemas? O que podemos criar, na escola, no bairro, na comunidade para que algumas crianças e jovens possam se beneficiar do processo de ensino?

Onde vamos ensiná-los? Quando? Por quanto tempo? Quem?

Por que queremos que estas crianças, jovens e adultos tenham acesso aos bens materiais e culturais? Que concepção de homem, de mundo, de história, de escola, de aprendizagem, de desenvolvimento, de deficiência temos nós? Que escola queremos? Que inclusão queremos? Que exclusão queremos? Que exclusão não queremos? Por quê?

Decisões precisam ser tomadas. Concepções precisam ser explicitadas e é urgente que nos perguntemos pelas coisas. Precisamos nos organizar...

A história pode ser contada do ponto de vista do oprimido ou do opressor, sabemos disso. Sabemos também que a grande maioria das revoluções sociais que beneficiaram os mais pobres, os negros, as mulheres, os índios, os camponeses, os estudantes, os sem-terra, os homossexuais, os operários... não foram revoluções promovidas pela classe dominante, pelos poderosos. Foram movimentos populares. Sabemos que não basta termos leis que determinam o preconceito como sendo crime, a educação e saúde como direito de todos, que o salário mínimo seja salário digno... A luta pelo exercício dos direitos é luta popular. É luta de classe – queiramos ou não.

A luta pela inclusão dos deficientes no sistema de ensino público precisa ser popular. Precisa ser definida pela população que dela vai se beneficiar. Precisa de lideranças e de tomadas de posição. Supõe uma mudança radical (de raízes) nas políticas públicas.

O pequeno, o cotidiano, cada dia, cada aluno, cada aula, cada escola, cada professor, cada professora não estão sozinhos em suas ações e não podem estar. Somos seres planetários – parte de um planeta que é construído e destruído por ações de cada um de nós e por nós todos juntos. Somos agora, mas outros já foram e estão incorporados em nós. Outros virão para se apropriarem de nossas idéias e ações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRECHT, B. Poemas 1913-1956. São Paulo: Brasiliense, 1986.

124

BRZEZINSKI, I. (org.). LDB Interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez,1997.

CAPRILES, René. Makarenko – o nascimento da pedagogia socialista. São Paulo: Scipione, 1989.

CARVALHO, M.P. Estatística de Desempenho Escolar: o lado avesso. In: Educação&Sociedade, n. 77. Ano XXII – Dezembro de 2001. Campinas: Cedes (p 231-252).

CODO, W. (org.). Educação: carinho e trabalho – Burnout, a síndrome da desistência do educador, que pode levar à falência da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

COMENIUS, Didática Magna, São Paulo: Martins Fontes, 1997. 1ª ed.1657, trad. Ivone Castilho Benedetti

II CONED. Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira. Consolidado na Plenária de Encerramento do II Congresso Nacional de Educação. Belo Horizonte/MG, 9 de Novembro de 1997 (PL nº 4.155/98).

DUPAS, Gilberto. Economia Global e Exclusão Social – pobreza, emprego, estado e o futuro do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

FERREIRA, J. R. “A nova LDB e as necessidades educativas especiais”. In: Cadernos Cedes 46. A nova LDB e as necessidades educativas Especiais, Campinas: Cedes, 1998, pp. 7-15.

SANTOS, M. Jornal Folha de São Paulo, Caderno Especial, Folha Trainee. “A mancha do Analfabetismo”, 27 de Março de 2001.

FREIRE, P. Pedagogia da indignação – cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Unesp, 2000.

FRIGOTTO, G. “Os delírios da razão: crise do capitalismo e metamorfose conceitual no campo educacional”, In: GENTILI, P. (org.). Pedagogia da Exclusão – crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes, 2000.

KELLER. H. História de minha vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1939.

LIBÂNEO, J.B. Cultura da Solidariedade. Documentário realizado pelo Centro Gaúcho de Audiovisuais, Salesianos Dom Bosco, Rio Grande do Sul. Roteiro e Edição de Marco Rost. s/d.

MEC/INEP. Situação da Educação Básica no Brasil, Brasília, 1999

MINTO, C. A. “Educação Especial: da LDB aos planos nacionais de educação – do MEC e proposta da sociedade brasileira”, In: Revista Brasileira de Educação Especial, nº 6, Marília:Unesp, 2000, (pp.1-26).

125

PADILHA, A. M. L. Na escola tem lugar para quem é diferente? In: Recriação. Revista do Centro de Referência da Infância e Adolescência. Campo Grande, MS: UFMS, 1999, p. 7-18.

SAWAIA, Bader. “Exclusão ou inclusão perversa?” . In: SAWAIA, B. (org.) As artimanhas da exclusão – análise psicossocial e ética da desigualdade social. São Paulo: Vozes, 2001, p.7-13.

VELHO, G. Desvio e Divergência – uma crítica da patologia social. Rio de Janeiro: Zahar,1985.

VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas v. V- Fundamentos de Defectología, Madri:Visor, 1997.

[1] Os nomes das pessoas são fictícios, mas os fatos são reais, em todos os detalhes.

[2] Estes dados e outros sobre a situação da educação básica no Brasil estão na Revista do Ministério de Educação e Cultura e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Brasília, 1999

[3] Segundo Norberto Bobbio (1998) o capitalismo na análise marxista, baseia-se na relação entre trabalho assalariado e capital – na valorização do capital através da mais-valia extorquida do trabalhador, ou seja, o trabalhador é obrigado a vender “livremente” a sua força de trabalho a quem possui o dinheiro e os meios de produção. Trata-se de uma pressão exercida sobre homens que são juridicamente livres (p.142).

[4] O neoliberalismo quer fazer-nos crer que a crise do capitalismo é passageira e que a única forma de relações sociais historicamente possíveis são as relações capitalistas. Em uma sociedade de classes, a livre concorrência apregoada pelo capitalismo - que fundamenta o neoliberalismo - é uma falácia. A idéia-força do neoliberalismo é que só é possível eficiência e qualidade quando a sociedade for comandada pelo mercado e pelo privado. Advém daí que perdemos conquistas sociais importantes tais como o direito à saúde e educação públicas (Frigotto, G. 2000, p.83).

[5] Wanderley Codo (1999), na obra que organizou - Educação: Carinho e Trabalho, descreve e analisa seus estudos sobre o burnout, a síndrome da desistência do educador, que pode levar à falência da educação.

[6] Esta canção faz parte do CD Arte em Movimento – primeiro CD do Movimento dos Sem Terra – Discograf Gravações.

Este texto foi sugerido pela Professora Sara Cristina Dakkche Livoratti - Participante do GTR (Grupo de Trabalho em Rede deste Programa PDE).

126

Atividades:

1. Faça um paralelo entre inclusão /exclusão , tão bem abordadas no texto.

2. Que inclusão temos visto e que de fato queremos ? Quais são nossas angústias e incertezas ? O que fazer para superá-las ? Comente.

127

Considerações Finais

Chegamos ao final do cumprimento da proposta de contribuir com informações acerca do processo de aprendizagem. Para tanto, focamos nosso estudo em três pilares, os quais sustentam a estrutura de um processo, que almeja ser de fato inclusivo, que são: a criança com necessidades especiais, a formação do professor, o processo inclusivo e o ensino regular – especial com recomendações práticas para o contexto de sala de aula.Selecionamos textos que nos auxiliaram nesta tarefa, são de estudiosos/educadores preocupados e comprometidos com a causa da educação. Foi para nós também de extrema valia e crescimento estudá-los para optar por utilizá-los para este caderno pedagógico.Sabemos que o caminho para uma Educação de Qualidade para todos os alunos, tem ainda um grande percurso a ser empreendido em todos os âmbitos. Cremos que neste momento, com a oportunidade de estudo e trocas que serão realizadas também no estudo em rede, estaremos junto á outros colegas, dando passos para a aquisição de segurança e propriedade nas ações pedagógicas empreendidas em sala de aulas inclusivas.

Agradecemos a todos os colegas-professores que colaboraram para a organização deste material e reforçamos a importância destas relações para o crescimento igualitário e contínuo, que poderá contribuir com a construção de uma sociedade justa e democrática, em que todos tenham direito á educação de qualidade.

Um grande abraço,

Professora PDE – Stella Maris Nápolis

.