Caderno Resumido I

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    O QUE A HISTRIA DO DIREITO?

    A Histria do Direito a cincia que estuda a origem e a transformao das normas jurdicas de um povo. (no apenas as normas jurdicas, mas tambm a evoluo dos sistemas jurdicos). A histria externa a histria das fontes, das normas que pautam a vida de uma determinada populao. Ser este o

    enfoque do nosso curso. A interna a histria das diversas instituies jurdicas, como contrato, propriedade, pena etc.

    METODOLOGIA

    Temos que procurar adquirir uma mentalidade histrica, que se define pela capacidade de nos depreendermos das circunstncias, preconceitos e modos de ver dos nossos dias; de modo a poder

    mergulhar no estudo de uma poca passada. No se pode julgar o passado com os olhos do presente. A

    neutralidade axiolgica faz-se necessria para que se produza um conhecimento cientfico. Nada nos

    impede de termos um juzo de valor sobre estes perodos, mas isso no seria um juzo histrico-

    cientfico. Conhecer a mentalidade, a cultura, a arte, a literatura de um povo nos ajuda na compreenso

    da razo da existncia das normas jurdicas daquela populao.

    As fontes de nossa pesquisa podem tanto ser obras jurdicas (que dizem respeito diretamente ao

    Direito, como os Cdigos e tantos outros textos jurdicos) quando no-jurdicas, podendo estas ltimas

    serem fontes literrias (comdias, dramas, tragdias), histricas (relatos de Tcito e Suetnio, e.g.) ou

    mesmo monumentais (como a coluna do Foro Trajano).

    DIREITO, JURISPRUDNCIA E JUSTIA NO PENSAMENTO CLSSICO

    O termo que os romanos utilizavam para identificar aquilo a que, atualmente, chamamos

    Direito a palavra jus. Assim como artista aquele que se dedica arte, o jurista aquele que se dedica ao jus. O jurista conhece o Direito, estuda-o mas tem, em ltima anlise, um conhecimento

    prtico (arte), e no um conhecimento especulativo. Por conhecimento especulativo devemos entender aquele que, tal qual um espelho, reflete a realidade, sem constru-la. Tal conhecimento no a

    atividade do jurista, mas um dos pressupostos de sua atuao.

    Como dissemos, o conhecimento do jurista prtico, uma arte, saber fazer alguma coisa. E

    essa alguma coisa saber descobrir o que justo nas relaes sociais concretas. Eis porque para os romanos o Direito a arte do bom e do justo, a cincia do justo de do injusto. Assim, para os romanos, a

    iurispridentia era a Cincia do Direito (diferentemente do significado que damos atualmente a essa

    palavra, que significa um conjunto de decises harmnicas dos tribunais).

    Desse modo, para os juristas clssicos, o justo = o Direito e o injusto = violao do Direito.

    O Direito nasce para satisfazer a necessidade de justia num caso concreto, nasce para resolver a

    controvrsia concreta. Espera-se de um juiz que diga o que corresponde a cada uma das partes litigantes.

    O juiz sentencia, ento sobre o seu, o suum. Assim, o Direito = o justo = o seu. Determinar o suum de cada um , desse modo, determinar o Direito. Para que a vida humana no seja catica, necessrio que

    nem tudo seja de todos, que as coisas estejam repartidas, atribudas a diferentes sujeitos. a que nasce

    o meu, o teu e o seu; e porque existe o seu (suum) existem os Direitos. Para os juristas clssicos, o direito objetivo a prpria coisa justa (devida), que no se confundia

    com o direito positivo. Vale acrescentar que o fazer as leis a arte do poltico, e no a do jurista. O Direito no era norma, mas sim aquilo que era devido a cada um, o suum. Afinal, se entendssemos que Direito igual a norma, somente teremos os direitos que a norma nos d. Mas h os direitos

    naturais.

    Quando falamos, pois, em Justia, falamos na virtude, na qualidade do homem justo. E, como

    somente poderei dar a cada um o que seu se houver o seu (= Direito), temos que a Justia depende do Direito. Mas isso no significa dizer que a Justia dependa das normas, pois direitos h que

    antecedem a prpria definio legal, como os direitos humanos/direitos fundamentais.

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    Faz, ento, sentido falar em lei injusta? Ora, lei injusta aquela que desrespeita as exigncias correntes da condio humana e que eram antigamente chamados direitos naturais e, atualmente, direitos fundamentais.

    A justia evoca a idia de igualdade, mas a igualdade da justia no de confunde com o igualitarismo poltico, que caracteriza-se por dar a todos o mesmo. A Justia trata igualmente porque d a todos aquilo que lhes corresponde (no d a todos as mesmas coisas, mas d a cada um aquilo que

    lhe devido).

    Tratar a todos igualmente naquilo que so iguais e desigualmente, mas de modo proporcional,

    naquilo que so desiguais: eis a chave corretiva das distores, das desigualdades trazidas pelo

    igualitarismo poltico. Uma sociedade ser tanto mais justa quanto mais proporcionais forem as suas

    relaes.

    Por fim, o direito em uma acepo subjetiva indica a faculdade de agir, de exigir de outrem um

    determinado comportamento.

    O DIREITO NA GRCIA

    No mbito do Direito, as contribuies gregas no foram to marcantes para a posteridade como o

    foram sua filosofia, arte etc. Dentre as contribuies gregas ao Direito ressaltam-se aquelas que so de

    Direito Pblico. As fontes pelas quais podemos saber algo do Direito grego so muito escassas e

    precrias. Podem ser fontes jurdicas, como as Leis de Gortina (Creta), os textos legislativos da Magna

    Grcia e a Constituio de Slon, que se encontra gravada no Prtico dos Arcontes, em Atenas. Podem

    ser, tambm, fontes no jurdicas, que tambm nos mostram como o Direito era praticado na Grcia, tais

    como obras filosficas (As Leis, de Plato; Poltica e tica a Nicmaco, de Aristteles), obras de retrica ou obras literrias. Eis alguns conceitos que se encontram na estrutura, na base do Direito

    Grego:

    1. A famlia o elemento constitutivo da cidade, indica um conjunto de indivduos que descendem de um ancestral (genos), e tem atuao poltica e religiosa. As frtrias so grupos de genoi que

    se renem em Assemblias Populares. O demos um termo que indica tanto territrio como a populao que nele habita. Por fim, h a polis, que era uma cidade-estado, dando conformao poltica e sentido de unidade.

    2. So princpios da Polis: a isonomia (igualdade de direitos perante a Lei), a isegora (possibilidade de exprimir livremente o pensamento) e a eleutria (desde que no se esteja

    impedido por normas, age-se livremente).

    3. A organizao administrativa era fundada na soberania popular. A boul era um conselho formado por 500 ancios, que discutia questes religiosas, financeiras, militares etc. A ekklesia

    a Assemblia Popular, da qual participavam aqueles com plenos poderes polticos, e tratava de

    questes poltico-administrativas. O elieu era o tribunal de ltima instncia, e compunha um

    jri popular para as questes pblicas e privadas.

    Enfim, a grande contribuio da Grcia para a posteridade foi todo seu sistema de pensamento.

    Houve tambm expressiva contribuio no que tange aos fundamentos da poltica e do Direito Pblico

    (democracia, representao proporcional, mandato, tripartio das funes do Estado identificada por

    Aristteles). No podemos tambm negar a influncia grega nalgumas idias do Direito Romano (como

    na idia de equidade, nalgumas terminologias enfiteuse, hipoteca, e.g. e mesmo a Lei das XII Tbuas foi escrita por um decenvirato aps uma viagem de estudos para a Grcia). S que suas instituies eram

    acessveis s aos cidados, pequena parcela da populao.

    O DIREITO EM ROMA

    750 a.C.

    510 a.C.

    27 a.C.

    284 d.C.

    565 d.C.

    Costumes

    Leis Plebiscitos Editos do

    Pretor

    Senatusconsulta Jurisprudncia

    Constituies Imperiais

    HISTRIA EXTERNA

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    A fase da monarquia foi um perodo praticamente lendrio, com muitas poucas fontes. A forma

    de governo era monrquico-patriarcal, baseada em princpios tradicionais, de natureza

    proeminentemente religiosa (o Direito no se diferenciava da religio, ius = fas). O rei era o nico

    magistrado.

    Por sua vez, na repblica o governo exercido por representantes eleitos pelo povo. Na

    primitiva Roma republicana, o poder era exercido primordialmente por dois cnsules, de mandato anual,

    e que deveriam responder perante o povo por seus atos. Juntamente com as magistraturas maiores,

    surgem outras que auxiliam os cnsules no exerccio de suas funes: quaestores (finanas pblicas),

    praetores (administrao da Justia), censores (contagem dos cidados) e os aediles curules

    (fiscalizao dos mercados). tambm nessa fase que o Direito se torna laico, i.e., ius e fas se afastam.

    No surgimento do principado, o Senado gradativamente vai atribuindo ao nico Cnsul uma

    pluralidade de poderes, at que ele acaba por se encontrar na posio de princeps inter pares (primeiro

    dentre os pares). As magistraturas passam a ser exercidas por funcionrios nomeados pelo Prncipe

    (princeps) e que a ele respondem. essa a poca dos grandes juristas romanos.

    No dominato, h uma grande concentrao de poderes nas mos do Imperador, que governa

    como senhor, como dominus, bem ao estilo das monarquias orientais.

    Foi em 450 a.C. que surgiu a Lei das XII Tbuas, que era uma compilao escrita (positivada)

    do antigo direito consuetudinrio da poca monrquica. Tal lei foi a base, o ncleo de todo Direito

    Romano, mesmo em sua ulterior evoluo. Diversas outras leis foram tambm promulgadas, como a

    Lex Aebutia, datada de 130 a.C., que foi responsvel por uma grande transformao no sistema

    processual romano, especialmente no que tange atuao do praetor.

    Dividimos a histria interna do Direito Romano em trs demarcados perodos: pr-clssico,

    clssico e ps-clssico. No primeiro perodo temos a Lei das XII Tbuas, qual tinha acesso apenas

    aquele que tinha a cidadania romana (ius civile ou ius quiritum). Tal Direito foi corrigido, acrescentado

    e reformulado no perodo clssico pelo direito pretoriano (ius honorarium). E, verificando-se que em

    Roma havia o princpio da personalidade do Direito (o Direito se aplica em funo da condio pessoal

    do sujeito), surge a questo dos estrangeiros. Surge o ius gentium.

    EVOLUO DAS FONTES DO DIREITO ROMANO

    Na fase da monarquia, a principal fonte foi o costume, que so as leis no escritas. Mas o jurista romano no trabalhava apenas com uma fonte do Direito: quando estava diante de um caso, no

    procurava a soluo na letra da lei, mas nas diversas fontes, buscando uma soluo de justia. Na repblica, surge tambm como fonte de direito a lex (deliberao do povo nos comssios) e o

    plebiscito (deliberao da plebe quando se reunia separadamente). Havia tambm os editos dos

    pretores, que eram os textos pelos quais os candidatos pretura propunham a soluo das novas

    questes e, quando eleitos, os editos tornavam-se, tambm fonte de Direito.

    No perodo do principado, os comssios no so mais praticveis, dado o crescimento da

    populao romana. Surge, ento, a representao no Senado, que expressava suas deliberaes atravs

    dos senatusconsulta. Por jurisprudncia se entende o parecer dos juristas, e torna-se fonte do Direito

    apenas no Principado, quando o Prncipe concede a alguns juristas (jurisconsultos) o ius respondendi ex

    auctoritate principis, fazendo com que seus pareceres tivessem fora normativa.

    No Dominato, existiam as constituies imperiais, que eram documentos emitidos pelo

    imperador sobre os mais diversos assuntos e que, quando versavam sobre Direito, tinham carter de

    fonte do Direito. Foram as principais fontes do Direito do perodo. Passaram a ser denominadas lex: mas

    Monarquia Repblica Principado Dominato

    Perodo Pr-Clssico

    Perodo Clssico Perodo Ps-Clssico

    130 a.C.

    Lex Aebutia

    HISTRIA INTERNA

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    se, na Repblica, a lex era a expresso da soberania da vontade do povo, no Dominato passou a implicar

    a expresso da soberania da vontade do Imperador.

    EVOLUO DO DIREITO PROCESSUAL ROMANO

    Para os romanos, ao contrrio do que ocorre hodiernamente, o direito subjetivo se configurava

    no pelo seu contedo substancial, mas sim pela tica da ao, com a qual o titular poderia tutel-lo

    contra possveis ofensas. Os romanos no diziam eu tenho um direito, mas diziam simplesmente eu tenho uma ao.

    Atualmente, o Estado busca impedir que os particulares faam a justia com suas prprias mos. Nem sempre foi assim, contudo. Em certos perodos da histria romana o Estado no tinha qualquer participao no exerccio da Justia.

    I. FASES DO SISTEMA PROCESSUAL ROMANO

    Em sua fase mais primitiva, da vingana privada, os litgios eram resolvidos atravs da

    vingana. O agressor recebia sua pena diretamente por parte da vtima. Com o tempo, os costumes

    colocaram gradativamente alguns limites a essas penas colocadas por vingana, o que representou algum

    avano civilizatrio (ex.: lei de Talio).

    Numa segunda fase, denominada arbitramento facultativo, a vtima de alguma ofensa jurdica

    poderia trocar seu direito de vingana por uma indenizao pecuniria, coisa que ao menos traria alguma utilidade para a vtima.

    Numa terceira fase, intitulada arbitramento obrigatrio o Estado passa a obrigar as partes a se

    comporem, a alcanarem um acordo. Contudo, a Justia ainda algo privado, uma vez que alcanada

    pelos particulares.

    Na quarta fase, h a justia pblica, e o Estado passa a assumir a responsabilidade pela

    distribuio da Justia. A justia deixa de ser algo privado para se tornar algo pblico.

    II. PERODOS DO PROCESSO ROMANO

    So trs os perodos do processo romano: o das aes da lei, o do processo formular (os dois na

    justia privada) e o da cognitio extraordinem (justia pblica).

    Quando a justia ainda era privada, o processo romano se dava em duas instncias, o que refletia justamente a idia do arbitramento obrigatrio. A primeira fase ocorria in iure, perante o praetor,

    que representava o Estado e, assim, obrigava as partes a alcanarem um acordo para a controvrsia que

    apresentavam atravs da escolha de um rbitro. A segunda fase, portanto, ocorria perante o iudex, que

    era uma posio assumida por algum particular.

    Nas origens do Direito Romano, o poder de distribuir a Justia, de dizer o direito (iurisdictio)

    correspondia ao rei. Desde o advento da Repblica at o ano de 377 a.C. (ano da Lex Aebutia), a

    iurisdictio era exercida pelo Cnsul. Com a Lex Aebutia, a iurisdictio passa a ser atribuio do praetor.

    Modernamente, quando se fala em jurisdio (iurisdictio), se fala no poder de julgar, de dar uma

    sentena. Assim no era em Roma, onde a iusrisdictio era o poder de organizar o processo civil e

    declarar o direito aplicvel (no se trata de decidir a causa, de pronunciar a sentena). Aquele que

    efetivamente decidia a causa era o iudex, particular escolhido pelas partes em comum acordo, o que

    ressaltava uma idia de confiana mtua. As partes poderiam escolher o iudex com o auxlio do album,

    que era a lista dos cidados romanos que poderiam ser escolhidos para a funo de rbitro.

    Em relao ao tempo, dividiam-se os dias do calendrio entre fastos, que eram os propcios ao

    Direito, e nefastos, nos quais no se praticava o Direito. Os processos deveriam correr durante as horas

    do dia (s escuras no se faz justia), o que revela uma preocupao com a publicidade processual.

    Em relao ao lugar, os processos deveriam acontecer no Frum, sobre um estrado chamado

    tribunal, sobre o qual estava a cadeira do praetor, que simbolizava sua iurisdictio.

    Em relao forma: os processos inicialmente eram orais (portanto gratuitos), e depois passaram

    a ser escritos (o que gerou a necessidade de que fossem pagos, uma vez que envolviam gastos).

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    O perodo das aes da lei (leges actiones) assim se chamava por se basear nas aes previstas

    na Lei das XII Tbuas, e foi profundamente caracterizado pelo formalismo. As partes deveriam fazer

    uma srie de palavras e gestos sacramentais para que se instaurasse o processo, o que nos revela como o

    direito arcaico romano tinha um marcante carter religioso. O papel do praetor nesse perodo era o de

    mero fiscal desse ritual. Na fase apud iudicem, portanto diante do juiz privado, as partes (j sem formalidades) produziam as provas, com base nas quais o juiz decidiria a controvrsia.

    O perodo do processo formular se inicia com as alteraes nas atribuies do praetor trazidas

    pela Lex Aebutia. Iniciou-se um perodo de rpidas transformaes no Direito Romano, marcado por um

    menor formalismo. O praetor traduzia em linguagem jurdica os problemas e pretenses apresentadas

    pelas partes num documento escrito, denominado formula. Eis porque se diz que a iurisdictio romana

    implicava na montagem do processo civil. A formula era, ento, apresentada s partes para que dissessem se concordavam ou no com o que fora escrito, e se comprometiam com os termos da

    formula, atravs da litiscontestatio. O juiz particular decidia no mais de acordo com o que as partes

    dissessem, mas de acordo com a formula redigida pelo praetor. O processo formular surgiu decorrente

    de uma preocupao dos romanos em levar justia tambm aos estrangeiros, pois era do ius civile.

    No perodo do Dominato surge a cognitio extraordinem. Se caracterizou por desenvolver o

    processo numa s fase perante funcionrio do Estado. No h mais, portanto, rbitro particular. O

    processo ocorria extra (por fora) da ordem (referncia ao ordo privatorum iudiciorum), corria fora da

    ordem dos juzes particulares. O processo passa a assumir a forma escrita, o que garantiu uma maior

    rapidez processual, mas gerando uma menor publicidade (o processo se torna algo mais reservado). tal

    perodo do processo romano que influenciou marcantemente os atuais sistemas processuais, que seguem

    esse mesmo modelo de processo numa s fase, perante funcionrio do Estado, em forma escrita.

    CODIFICAES DO DIREITO ROMANO

    O perodo ps-clssico se caracterizou tambm por vrias tentativas de codificao do Direito

    Romano. A preponderante fonte de direito eram as constituies imperiais, revelando um fechamento

    do poder nas mos do imperador. Mas outras fontes jurdicas ainda eram aplicadas (ex: jurisprudncia).

    Conseguiu-se sistematizar apenas as obras completas de cinco juristas (Gaio, Paulo, Ulpiano,

    Modestino e Papiniano), o que resultou na obra intitulada Iura. A Lei das Citaes, determina que, de

    toda a jurisprudncia romana, apenas os pareceres daqueles cinco juristas teriam fora obrigatria.

    O juiz, ao deparar-se com um determinado problema jurdico, deveria analisar a opinio dada por

    cada um desses cinco juristas sobre a questo e, ento, considerar apenas a posio da maioria.No

    empate, seguia Papiniano. Foi, ento, a Lei das Citaes um mecanismo que buscava evitar abusos no

    uso das citaes num processo, trazendo maior seriedade ao seu uso.

    Em 438 d.C. surge a primeira compilao oficial das leges (constituies imperiais), que foi o

    Cdigo Teodosiano, que reunia as constituies editadas desde os tempos do imperador Constantino.

    Para consolidar a grandeza de Roma, Justiniano quis sistematizar todo o Direito Romano, o que

    dessa vez se conseguiu graas a um preparado corpo de juristas chefiado pelo sapiente Triboniano. Em

    529 d.C. publica-se o Codex, que era uma compilao das constituies imperiais (leges) at ento

    editadas. Em 533 d.C. fica pronto o Digesto (em grego, Pandectas), obra que sistematizou os frutos de

    toda a atividade jurisprudencial clssica romana. Tambm em 533 promulga-se um manual para o

    ensino de Direito, as Institutas de Justiniano, baseadas nas Institutas de Gaio, obra que foi o primeiro

    manual conhecido para o estudo do Direito. Em 534, Justiniano, dada sua grande atividade legislativa

    desde 529, atualiza seu Codex ao promulgar um Novo Cdigo. Ainda novas compilaes de

    constituies imperiais se seguiram, grande parte delas por iniciativas particulares, e receberam a

    denominao de Novellae. Quando nos referimos obra codificadora de Justiniano como um todo,

    usamos o nome Corpus Iuris Civilis, terminologia medieval que surge apenas no sculo XII. Com a

    morte de Justiniano considera-se encerrado o perodo de evoluo do Direito Romano.

    Depois da morte de Justiniano, no que corresponderia ao Imprio Romano do Ocidente temos a

    Idade Mdia e a formao dos Reinos Germnicos. No Imprio Romano do Oriente, por sua vez, temos

    o direito bizantino, que nada mais do que o Direito Romano com uma formulao posterior.

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    ALTA IDADE MDIA E OS DIREITOS GERMNICOS

    Tenhamos uma breve compreenso das movimentaes polticas do perodo. Os godos dividiam-

    se em dois grandes grupos: os ocidentais (visigodos), que ocupavam inicialmente a Glia; e os orientais

    (ostrogodos), que povoavam a Itlia. Ao norte da Itlia tambm estavam os Lombardos; ao norte da

    Frana assentavam-se os Burgndios. A Burgundia logo dominada pelos Francos, que tambm

    colonizam a Lombardia e empurram os visigodos para a Pennsula Ibrica.

    No era inteno do povos germnicos arrancar dos povos romanos seu direito e impor um novo

    por duas grandes razes. Primeiramente, nutriam eles grande respeito pela cultura romana. Em segundo

    lugar, vigorava entre os brbaros o Princpio da Personalidade do Direito, que reza que o Direito a ser

    aplicado depende da nacionalidade da pessoa. Assim, verificou-se nesse perodo uma dualidade de

    sistemas jurdicos: um aplicvel s populaes germnicas, outro aplicvel s populaes romanas.

    Desse modo, na Alta Idade Mdia vigoravam dois grandes sistemas jurdicos: o Direito

    Germnico (leges barbarorum), essencialmente costumeiro, aplicado s populaes de etnia germnica

    e que foi compilado a partir do fim do sculo V; e o Direito Romano-Germnico (leges romanae),

    compilao de normas pelos conquistadores germnicos para servirem s populaes romanas.

    Dentre as principais obras de compilao do Direito Germnico encontramos o Cdigo de

    Eurico (476 d.C), que compilava o direito consuetudinrio visigtico e foi proposto pelo rei Eurico;

    bem como a Lex Burgundiorum (500 d.C.), que reunia o direito costumeiro burgndio, e mesmo a Lei

    Slica (sculo V), compilao do direito costumeiro Franco, que haviam se fixado no norte da Glia.

    O Direito Germnico era passado adiante atravs da tradio oral, ao menos at suas

    compilaes, iniciadas pelos clrigos germnicos a partir do sculo V. Vale acrescentar que esse

    movimento de compilao do Direito Germnico veio para atender a duas preocupaes. Em primeiro

    lugar os povos germnicos queriam evitar a perda das tradies. Em segundo lugar, as compilaes

    buscavam estabelecer um melhor relacionamento entre conquistadores (germnicos) e conquistados

    (romanos), sendo inclusive redigidas em latim vulgar permeado de expresses germnicas.

    O Direito Germnico envolvia principalmente normas de Direito Pblico, dentre as quais se

    encontrava o j referido princpio da personalidade do Direito e, principalmente, normas penais, que caracterizavam-se por serem extremamente severas.

    Dentre alguns institutos do Direito Germnico encontramos a regra da primogenitura, que

    estabelece que herdeiro apenas o filho mais velho (diferentemente do que ocorria no Direito Romano,

    onde todos os herdeiros sui iuris herdavam igualmente). Havia, tambm, vrias normas que regulavam o

    relacionamento entre o rei e seus acompanhantes nas campanhas militares, que marcavam-se pelo

    instituto da concesso de privilgios (terras). Associados, os princpios da primogenitura e concesso de terras deram base ao sistema feudalista. ************************************************************************************

    Os mais expressivos monumentos do Direito Romano-Germnico foram o Brevirio de Alarico (506

    d.C.), a Lex Romanae Burgundiorum (516 d.C.) e o Edito de Teodorico (500 d.C.,

    aproximadamente). Eram normas de Direito Romano a serem utilizadas pelas populaes romanas em

    grande parte reproduzidas do Cdigo Teodosiano, primeira compilao oficial das constituies

    imperiais, dado que o Corpus Iuris Civilis ainda no tivera sido feito. O Direito Justinianeu, portanto,

    nunca foi vigente na Europa Ocidental, simplesmente porque sua poca inexistia um Imprio Romano

    do Ocidente.

    Dentre as obras de Direito Romano-Germnico acima referidas, o Brevirio de Alarico teve uma

    maior importncia, sendo adotado como Direito vigente para as populaes romanas que viviam sob o

    reinado dos francos. Desse modo, o Brevirio de Alarico alou dimenso continental, chegando

    rapidamente Pennsula Ibrica, influenciando o futuro Direito Portugus e, desse modo, tambm o

    nosso.

    J o Edito de Teodorico foi aplicado s populaes romanas que viviam sob o reinado dos

    ostrogodos. Contudo, com o tempo passou tambm a ser aplicado s prprias populaes ostrogodas, o

    que mostra que, dentro desse povo, o Princpio da Personalidade do Direito acabou perdendo sua fora

    perante o Princpio da Territorialidade do Direito.

    ************************************************************************************

  • 7

    REINO VISIGTICO

    O Reino Visigtico constituiu a mais rica civilizao germnica, formando uma forte cultura na

    pennsula ibrica. Contudo, teve uma existncia muito curta, por logo foram vtimas das invases rabes.

    Em 414 ocorre a invaso visigtica, que l firmam seu reino, que perduraria at 711 d.C. Leovigildo

    unificou a pennsula ibrica sob sua coroa. Seu sucessor, Recaredo adotou o cristianismo como religio

    oficial. O reino visigtico terminou em 711, quando o rei Rodrigo foi vencido pelos invasores rabes.

    Dentre os principais marcos jurdicos do reino visigtico, podemos citar o Cdigo de Eurico

    que, como j dissemos, era uma compilao das normas consuetudinrias do reino, sendo portanto

    aplicado apenas s populaes visigticas (no-romanas). Era tambm chamado lex visigotorum. Para

    as populaes hispnico-romanas vigorava, ento, o Brevirio de Alarico.

    No ano de 654 d.C., processou-se uma unificao do Direito que vigorava no reino, i.e., criou-se

    um conjunto de normas que abrangeria tanto as populaes visigticas quanto romanas, acabando com a

    dualidade de sistemas jurdicos. O rei promulga, ento, o Cdigo Visigtico ou Cdigo dos Juzes

    (Fuero Jusgo), que tornou-se base do Direito que vigorou na pennsula durante muitos sculos (654-

    1260 d.C). Foi, ento, o responsvel pela presena de traos comuns nos diversos Direitos que surgiram

    na pennsula aps a Reconquista.

    Por fim, vale acrescentar que, a partir da adoo do cristianismo como religio oficial, o reino

    visigtico passou a se valer da estrutura da Igreja para tomar decises polticas, ou mesmo jurdicas (nos

    conclios apareceram, assim, idias jurdicas importantssimas, como o princpio da legalidade, o habeas

    corpus, a inviolabilidade da pessoa).

    ENSINO DO DIREITO NA ALTA IDADE MDIA: AS SCHOLAE

    Em Roma, havia dois meios de entender o Direito: enquanto leges (comandos de poder) ou

    enquanto iura (Jurispridncia, Cincia do Direito). Todos os povos da humanidade tiveram leis, logo

    todos eles experimentaram o fenmeno do Direito enquanto leges. A verdadeira inovao romana, que

    foi uma de suas contribuies para a posterioridade, foi a percepo do Direito como iura, i.e., o Direito

    como uma criao intelectual, como uma Cincia especializada e autnoma.

    Na Alta Idade Mdia, o Direito voltou a ser entendido apenas na sua dimenso de leges. Por esse

    motivo no se tinha, nesse perodo, um ensino especfico para o Direito, como ocorrera na Roma

    clssica. O ensino se tornou um privilgio para poucos e, de modo geral, restrito ao mbito eclesistico.

    No Imprio do Oriente, por sua vez, onde permanecera a apreciao do Direito tambm como iura,

    formaram-se escolas para o ensino do Direito, como as de Constantinopla e Beirute.

    ************************************************************************************

    Na Europa Ocidental durante a Alta Idade Mdia, a instituio tpica para a difuso da cultura

    eram as escolas (scholae), que podiam ser de trs tipos:

    1. Monacais: criadas nos monastrios por iniciativa de ordens religiosas. Havia uma escola interna, na qual se educavam os monges, e uma escola externa, dedicada ao ensino dos leigos.

    2. Catedrais: por ctedra se entende o lugar onde se assenta a autoridade para o exerccio de sua jurisdio. Assim, as escolas catedrais eram aquelas criadas pelos bispos junto s suas sedes.

    3. Palatinas: eram aquelas criadas por iniciativa dos reis junto a seus palcios. O mais famoso exemplo de escola palatina foi a Escola de Paris, fundada por Carlos Magno, e que muito mais

    tarde acabou por se tornar a Universidade de Paris.

    Na Alta Idade Mdia, o ensino (em qualquer uma dos tipos de escola acima referidos) se dividia em

    dois ciclos. O primeiro, denominado Trivium, era o ciclo elementar (da nossa palavra trivial), e nele se ensinavam trs matrias: gramtica, retrica, que a arte do discurso bem ordenado e a dialtica,

    que a arte da discusso, da argumentao. No havendo, na Alta Idade Mdia, uma formao

    especfica para o jurista, era com base nos conhecimentos transmitidos no Trivium que se dava alguma

    formao para aqueles que se dedicariam ao estudo do fenmeno do Direito. O segundo ciclo de

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    estudos, denominado Quadrivium, englobava estudos avanados. Nele se ministravam as seguintes

    matrias: Aritmtica, Geometria, Msica e Astronomia.

    ************************************************************************************

    ENSINO DO DIREITO NA BAIXA IDADE MDIA: AS UNIVERSIDADES

    Convencionou-se que iniciou em 1066, ano da ltima grande invaso da Europa: aquela feita

    liderada por Guilherme da Normandia Gr-Bretanha. Desse modo, foi a Baixa Idade Mdia um

    perodo de relativa paz na Europa Ocidental. Forma-se, perante a constante ameaa rabe Europa, uma

    unidade crist europia, sem prejuzo das nacionalidades e dos interesses dos reinos, surgindo a

    Cristandade, na qual se fundamentaram as Cruzadas.

    Graas s aes dos Cruzados e das Ordens de Cavalaria, muitos textos e documentos da

    Antiguidade Clssica, de indizvel importncia, so resgatados e trazidos de volta para a Europa.

    Juntamente com o fortalecimento das cidades (burgos), tem-se ento, graas a esse sbito afluxo de

    conhecimento clssico, um Renascimento Cultural (fase ainda anterior ao grande Renascimento). Ganham impulso as cincias prticas, como a fsica, a qumica, a medicina e a anatomia.

    Nascem, desse modo, centros de estudos em Bologna (1080), em Modena (1182), em Salamanca (1215),

    em Oxford (sculo XIII), em Coimbra (1298) e tambm em Paris.

    DIREITO CANNICO

    Os fundamentos histricos dos modernos Direitos Ocidentais encontram-se em trs distintas

    experincias jurdicas: o Direito Germnico, o Direito Cannico e o Direito Justinianeu. Foi esse o trip

    que mais influenciou o processo de formao dos chamados Direitos Nacionais.

    Por Direito Cannico devemos entender o Direito da Igreja Catlica, promulgado pela sua

    autoridade e que abrangia no apenas matrias eclesisticas, mas tambm matrias de Direito Privado

    no-religiosas. A prpria palavra cnon significa regra. A sua influncia e importncia deveram-se a trs fatores. Em primeiro lugar, a cristandade, que

    representava o universalismo cristo sem prejudicar o individualismo de cada um dos Estados. Em

    segundo lugar, o papel da Igreja Catlica como bero da cultura na Idade Mdia, pois os clrigos

    eram os que detinham algum grau de instruo. Em terceiro lugar, a influncia do Direito Cannico se

    fez notar tambm graas s competncias exclusivas dos Tribunais Eclesisticos.

    A idia de competncia exclusiva para os Tribunais Eclesisticos se inicia j mesmo nos primeiros tempos do cristianismo, dada a orientao de So Pedro para que os cristos no levassem

    seus litgios aos tribunais pagos, mas buscassem resolver suas controvrsias atravs da fraternidade e

    perante um rbitro (que, no mor das vezes, era o bispo).

    O Imperador Constantino, em seu Edito de Milo (313) pe fim perseguio oficial dos

    romanos aos cristos. Reconhece tambm a jurisdio dos tribunais dos bispos, cuja jurisdio agora no

    meramente de fato, mas passa a ser uma jurisdio oficial. Tm, desse modo, os Tribunais Episcopais

    competncias exclusivas ratione personae e ratione materiae. Estavam sujeitos aos Tribunais

    Eclesisticos: os clrigos e outras pessoas que, embora no eclesisticas, estavam em situao

    especial, tais como os cruzados, os membros das Universidades (dado que elas surgem como

    instituies eclesisticas) e as pessoas necessitadas (miserabilae personae).

    O primeiro perodo (que vai do surgimento do cristianismo at o sculo XII) contou com

    variadas fontes, como declaraes dogmticas, decretos de e decretos dos papas. Tratam tanto de

    assuntos doutrinrios da f quanto de questes propriamente jurdicas. Havendo essa multido catica

    de fontes, como aplicar de forma coerente e harmoniosa esse conjunto de regras???

    Ento, num paralelo com o que aconteceu com o Direito Romano, o segundo perodo do Direito

    Cannico (entre os sculos XII e XIV) caracterizou-se pelo surgimento das primeiras compilaes

    dessas normas, compilaes essas que formaram o Corpus Iuris Canonici. Formava-se o Corpus Iuris

    Canonici por quatro grandes livros. O primeiro deles, de autoria de um professor de Bologna chamado

    Graciano, intitulava-se Decretum Gratiani, e buscava resolver as discordncias que havia entre as

    diversas regras (cnones) contidas nos textos sagrados, nos textos dos sbios como So Tomas de

  • 9

    Aquino e mesmo nos elementos de Direito Romano. O segundo livro do Corpus Iuris Canonoci

    chamava-se Decretas de Gregrio IX e atualizava as regras do Decreto de Graciano de acordo com a

    nova atividade legislativa da Igreja. Esse livro foi enviado s Universidades de Paris e Bologna para que

    nelas fosse estudado como Direito Cannico oficial. Por fim, duas outras compilaes tambm

    integravam o Corpus Iuris Canonici: o Lber Sextus Decretarum e as intituladas Clementinas, que

    eram as compilaes de autoria do Papa Clemente V.

    Aps essa fase de compilaes veio uma terceira, a que chamamos Post Corpus Iuris Canonici.

    nessa fase que encontraremos o Conclio de Trento, que foi a reao da Igreja Catlica ao movimento

    reformista luterano e emitiu uma srie de decretos que reafirmavam as regras da f catlica e tantos

    outros decretos disciplinares, num exemplo de que a produo legislativa da Igreja continuou aps suas

    compilaes.

    No ramo do Direito Processual, o Direito Cannico introduziu as idias de conciliao e de

    processo sumrio. No que tange ao Direito de Famlia, trouxe vrias normas que concernem adoo,

    filiao e ao casamento (seus impedimentos e suas exigncias). O Direito das Obrigaes guarda

    consigo duas grandes contribuies do Direito Cannico. A primeira delas a idia de boa-f. A

    segunda delas a noo da autonomia da vontade como elemento formador das obrigaes. Isso surge

    no Direito Cannico sob a viso de que a simples palavra dada gera necessidade de seu cumprimento, o

    simples acordo de vontades gera obrigao. Nasce o princpio do pacta sunt servanda.

    Outra grande relevncia do Direito Cannico est na sua constante afirmao da dignidade da

    pessoa humana e tambm a dignidade do trabalho humano.

    RECEPO DO DIREITO JUSTINIANEU

    O quadro de formao da Baixa Idade Mdia foi traado por profundas mudanas scio-polticas

    causadas pelo fim das grandes invases, pela reabertura das rotas comerciais, pelo contato com os povos

    do oriente, pelo fortalecimento dos burgos e pelo renascimento cultural.

    nesse panorama, como tambm j pudemos apontar, que surgem as Universidades medievais

    europias, que foram responsveis pela recepo do Direito Justinianeu e lanaram a semente para a

    formao de uma Cincia do Direito (voltava-se a enxergar o Direito tambm como iura).

    Essa Cincia do Direito, desenvolvida a partir dos estudos dos textos do Corpus Iuris Civilis,

    tornou-se, ento, a matriz comum dos Direitos Romansticos. Assim, podemos encontrar em quaisquer

    Direitos modernos que se orientem pelo modelo romanstico traos da presena dessa Cincia do Direito

    gerada nas Universidades europias da Baixa Idade Mdia.

    A essa anlise racional e sistemtica dos textos a partir do sculo XII na Europa e que deu

    margem ao surgimento da Cincia do Direito chamamos Recepo do Direito Romano. a partir dela

    que, atravs do incessante estudo dos pensadores medievais, surgiram sistemas jurdicos margem do

    Direito Costumeiro (que j era herana do Direito Germnico) que formavam uma espcie de Direito Comum ou, como era ento chamado, ius commune.

    Esse Direito oferecia vantagens em relao aos Direitos Costumeiros locais, principalmente por

    ser escrito. No nos referimos necessariamente a um Direito que esteja no papel, mas sim a um Direito

    sistematizado, posto em forma de cdigo. Tornou-se objeto mais propcio ao estudo, o que o

    potencializou a alar a posio de Direito Comum em toda a Europa Ocidental.

    Era, tambm, um Direito mais completo, mais rico que os Direitos Costumeiros locais. Isto

    porque refletia o Direito Justinianeu a sociedade altamente complexa que havia nos tempos imperiais

    romanos, sociedade esta que era notoriamente mais desenvolvida do que aquela que havia nos tempos da

    Europa feudal.

    Porqu esse Direito Justinianeu, quando recebido pelas Universidades europias, tornou-se um

    ius commune? Como motivo de ordem poltica, importante ressaltar que o Direito Justinianeu era o

    Direito da Roma Imperial e, desse modo, caracterizava-se pela concentrao do poder poltico nas mais

    de um Imperador. Ou seja, a lei a expresso da vontade do soberano. Surgiam ento os Estados

    Nacionais, afirmando-se perante os senhores feudais e, como reflexo dessa situao o Direito do rei, que

    caracterizava-se pela centralizao e unificao, vai gradativamente ganhando mais espao, em

    detrimento do Direito dos senhores feudais, que era de cunho local e costumeiro. Isto , o Direito

  • 10

    Justinianeu vem justamente suprir essa necessidade poltica de um Direito central e uno. Como fator de

    ordem econmica, o Direito Justinianeu era mais adequado para a realidade econmica da poca, uma

    vez que era ele reflexo de uma sociedade mais complexa e desenvolvida. Eis como se entende que o

    Direito Justinianeu (ou mesmo a soma entre os Direitos Justinianeu e Cannico) formou um ius

    commune em toda Europa ocidental j durante a Baixa Idade Mdia.

    ESCOLA DOS GLOSADORES

    Surge na Universidade de Bologna, a partir do sculo XII, graas descoberta de manuscritos do

    Corpus Iuris Civilis na cidade de Pisa. Tais manuscritos eram cpias dos primeiros 24 livros do Digesto.

    A partir de ento passaram a serem desenvolvidas diversas glosas aos textos do Digesto. Tais

    explicaes muitas vezes se faziam necessrias ou porque se desconhecia o prprio latim clssico no

    qual o Digesto fora escrito, ou mesmo pelo desconhecimento de muitos dos institutos dos quais aqueles

    textos tratavam. E, para o desenvolvimento dessas comentrios, os glosadores destrincharam os textos

    das fontes valendo-se de seu mtodo analtico de exegese textual. Assim, as glosas eram os

    comentrios que se colocavam junto aos textos das fontes e que eram fruto de uma anlise que buscava

    apenas compreender o significado daqueles textos do Corpus Iuris Civilis. Faziam, pois, anlises

    meramente textuais das palavras, frases e pargrafos dos textos das fontes romanas.

    Vale acrescentar que as glosas mais curtas eram redigidas entre as linhas dos manuscritos

    (interlineares), enquanto que as mais longas tinham de ser escritas nas bordas das pginas (marginais).

    E, para que se soubesse quem tivera sido o autor daquela glosa, colocava-se a inicial de cada jurista ao

    final do texto. Assim, por exemplo, o glosador de maior importncia, chamado Accio, era identificado

    pela sigla Ac. Outro relevante jurista dessa escola foi Azo, cujos textos eram identificados pelas iniciais Az.

    Accio, mais notvel dentre os glosadores, foi professor na Universidade de Bologna num

    perodo em que a Escola dos Glosadores j tinha um sculo de existncia. Efetuou uma compilao das

    principais glosas feitas aos textos das fontes por todos aqueles que o antecederam e por si prprio,

    reunindo numa s obra os comentrios que julgou mais inovadores e originais (Magna Glosa).

    Paradoxalmente, a Magna Glosa de Accio representou o pice da Escola dos Glosadores, e foi o

    incio de sua decadncia. Uma vez publicada a Magna Glosa, os juristas deixaram de ler os textos

    clssicos para dedicarem-se apenas leitura das as glosas at ento feitas. E, abandonando-se o estudo

    das fontes, as glosas entraram em decadncia. Os juristas passam a glosar a prpria glosa.

    ESCOLA DE ORLANS

    Com a decadncia da Escola dos Glosadores, o epicentro dos estudos jurdicos se desloca para a

    Frana. Assim surge nos sculo XIII a Escola de Orlans, como reao aos glosadores, criticando o

    mtodo de estudo repetitivo adotado pelos italianos. Sustentavam que os textos das fontes j haviam sido

    suficientemente destrinchados pelos glosadores, o que faltava agora era a compreenso dos institutos

    romanos no contexto da obra como um todo.

    Tendo em vista esses objetivos, abandona o mtodo de anlise meramente textual e adota o

    mtodo dialtico escolstico que operava atravs da contraposio de textos diversos, de orientaes

    diferentes sobre o mesmo assunto, buscando alcanar uma concluso satisfatria. (mtodo mais racional)

    ESCOLA DOS COMENTADORES / ESCOLA DOS PS-GLOSADORES

    Entre os sculos XIII e XIV o centro dos estudos jurdicos retorna para a Itlia. Houve tambm

    uma reao ao mtodo excessivamente analtico dos glosadores. Reconhecia-se que, no passado, tal

    mtodo tivera sua utilidade e relevncia, pois era necessrio conhecer o que diziam as fontes romanas.

    Contudo, agora que j se conhecia o contedo dos textos clssicos, estudos de carter mais pragmtico

    deveriam ser realizados. Ao Direito Romano se queria dar um interesse prtico. Assim, a partir da

    anlise do Corpus Iuris Civilis como um todo buscou-se extrair os institutos, os princpios.

  • 11

    Metodologicamente, os comentadores se valiam da dialtica escolstica. Baseavam-se na

    discusso e no raciocnio lgico. Partiam os juristas de premissas para chegarem a concluses; as

    concluses eram ento submetidas a severa crtica pelo exame de casos particulares; em seguida

    levantavam-se novas objees que eram combatidas com novos argumentos.

    A Escola dos Comentadores em muito contribuiu para o progresso da Cincia do Direito atravs

    da criao de regras e aplicaes jurdicas importantes. O principal jurista desse perodo foi Bartolo de

    Saxoferrato, que viveu entre 1313 e 1357, e, dentre tantas outras inovaes que trouxe ao Direito com

    base nas fontes romanas, se encontra a teoria dos ttulos de crdito. Tamanha foi sua importncia nesta

    Escola que chegou-se a dizer que ningum jurista se no for bartolista. Criticavam muito o excessivo respeito que os comentadores tinham s obras deixadas por seus

    predecessores e tambm utilizao dos textos romanos fora do contexto social e poltico no qual fora

    escrito. Vemos que a Escola dos Comentadores ignorava a histria romana, isto , no se preocupava

    com os aspectos histricos, mas sim com o aproveitamento do ferramental trazido pelo Corpus Iuris

    Civilis para a criao de uma Cincia do Direito mais adequada soluo dos problemas do seu tempo.

    Ao mtodo dos comentadores (ou ps-glosadores), caracterizado no mais pela preocupao em

    esmiuar os textos das fontes romanas, mas sim por efetuar um estudo com preocupao prtica chama-

    se comumente mos italicus. O processo de repetio ao qual esse mtodo esteve submetido levou ao seu

    esgotamento.

    ESCOLA HUMANISTA

    como reao a esse mtodo de estudo que surge na Frana, j no sculo XVI, a Escola

    Humanista, que se preocupava em analisar o Direito Romano por ele mesmo, e no mais com qualquer

    interesse pragmtico. O fim desse estudo era, portanto, puramente cientfico, sem qualquer preocupao

    de aplicao ao Direito moderno. A esse mtodo nos referimos comumente como mos gallicus.

    Historicamente, estava inserida no auge do Renascimento. Assim, a Escola Humanista se prope

    a efetuar um resgate do Direito Romano, mas estudando-o como o Direito da Antiga Roma (e no como

    um Direito de aplicao moderna). Houve, pois, um estudo histrico do Direito Romano, ou seja,

    buscava-se conhecer os textos dos juristas tal qual foram por eles pensados.

    Assim, os humanistas basearam seus estudos nos textos romanos e bizantinos, sem glosas.

    Cultores da filologia, buscaram tambm uma recuperao da linguagem original dos textos das fontes.

    Ajudados por textos histricos e literrios da Roma Antiga, travaram um estudos dos textos do Corpus

    Iuris Civilis em seu contexto histrico, o que contribuiria para uma melhor compreenso dos institutos

    romanos. Enfim, buscava-se entender como funcionava a sociedade romana e seu Direito?. O principal jurista da Escola Humanista foi Jacques Cujas (na forma latina, Cujcio). So de

    sua autoria 28 livros de Observationes et Emendationes, obras que buscavam reconstruir os textos

    originais de cada jurista do Digesto, ou seja, que tentavam fazer o contrrio do que fizeram os

    compiladores de Justiniano.

    A grande crtica tecida Escola Humanista veio de um contemporneo chamado Douneau (na

    forma latina, Donellus), dizendo que se estava muito preso anlise dos textos e no se apresentava

    uma sntese do que seria o Direito Romano, tinha preocupaes mais filolgicas do que jurdicas.

    Donellus prope um sistematizao do Direito Romano por via daqueles que teriam sido seus

    princpios gerais. Isso porque os juristas romanos no tinham qualquer preocupao com a construo

    de elucubraes tericas. A proposta de Donellus foi, portanto, a primeira tentativa de extrair das regras

    jurdicas romanas alguns princpios gerais. Esse mtodo foi levado perfeio na Alemanha pela Escola

    Pandectista, j no sculo XIX. Podemos entender, pois, essa obra de Donellus como um acrscimo

    obra de Cujcio, ambos expoentes da Escola Humanista.

  • 12

    ESCOLA DO DIREITO NATURAL

    Intelectualmente, notava-se a presente influncia de trs grandes tendncias: o enciclopedismo, o

    racionalismo e o iluminismo.

    Por enciclopedismo devemos entender o movimento de reunio numa s obra das diversas

    descobertas cientficas. A idia de racionalismo encontra seu ponto central do pensamento de Descartes

    que a realidade na exata medida em que existe na minha razo. A razo passa, desse modo, a ser a

    origem de tudo. Por fim, foi tambm os tempos do iluminismo, das grandes e luminosas idias.

    Influenciaram a formao de uma Escola do Direito Natural. O Direito Natural no era uma

    idia nova, mas uma idia desenvolvida desde a Antiguidade.

    Assim, podemos falar em Direito Natural Clssico, que aquele que, na filosofia grega,

    entende-se que decorre da prpria natureza das coisas, a justia natural; e que, no Direito Romano, est presente na idia de ius gentium.

    Podemos, tambm, identificar um Direito Natural Cristo, que se desenvolve no medievo

    europeu e se caracteriza por acrescentar ao Clssico um carter transcendente, o entendimento de que,

    por detrs da realidade natural das coisas se enxerga o plano de Deus. Assim, a lei natural vista segundo So T. de Aquino como a participao racional na lei eterna, que a reflexo do plano divino.

    Enfim, enxergamos tambm o Direito Natural Racional, que expressaria o conjunto de regras

    de todas as relaes entre todo e qualquer homem. Esse Direito Natural era uma necessidade que surgiu

    aps a Reforma Protestante e a conseqente multiplicao de cultos e credos: no mais se aceitava uma

    explicao para leis universais que partisse de idias crists, dado que a Igreja j no mais era tida como

    o todo, mas sim como a parte. O Direito Natural tido, pois, como produto da razo. No campo jurdico, houve tambm grande influncia da racionalizao no sentido de dar

    explicaes e exposies mais coerentes s regras de Direito. Sistematiza-se o Direito, o que lhe

    conferiria mais clareza e coerncia. Diferentemente do que ocorreu em outros lugares, na Frana o

    Direito Romano no foi ainda sistematizado, j que at ento seu estudo (como vimos com a Escola

    Humanista) era tido como algo meramente histrico, filolgico. Eis porque na Frana que surgem os

    grandes mestres da Escola do Direito Natural, que buscam sistematizar o Direito atravs de mecanismos

    racionais.

    nesse sentido que Domat publica uma obra que busca dar uma ordenao racional esparsa

    legislao. Desse modo, constri um sistema racional e ordenado das regras jurdicas que regiam a

    Frana. Eis porque Domat tido como um precursor do Cdigo Civil Francs.

    Outro grande mestre da Escola do Direito Natural foi Pothier, que tambm buscou tratar de

    maneira sistemtica diversos aspectos do Direito Civil, dividindo-o em quatro grandes categorias:

    obrigaes, propriedade, posse e casamento. Embora sua sistematizao no fosse oficial, seu mrito

    fica por conta da escolha judiciosa das solues, no mtodo da exposio e na clareza da redao.

    Muitos de seus textos foram transformados em artigos do Cdigo Civil pelos codificadores, razo pela

    qual muitas vezes referimo-nos a ele como pai do Cdigo. Com a Revoluo Francesa, as idias que estavam em ebulio desde o Iluminismo finalmente

    se concretizaram na legislao promulgada pelos franceses aps a Revoluo. Assim, esse novo Direito

    Francs caracterizou-se por ser um Direito individualista, gozando o indivduo da mxima liberdade

    possvel tanto no domnio do Direito Pblico quanto no Direito Privado. reflexo do esforo iluminista

    em afirmar o indivduo perante o Estado, em exaltar a figura do cidado.

    Inicialmente, a Revoluo Francesa suprimiu o ensino especializado do Direito. A legislao era

    estudada nas escolas, dado que era tido como algo necessrio para formar um cidado. Napoleo reabriu

    as Faculdades de Direito, mas quando se volta ao ensino especializado do Direito no mais se ensina a

    doutrina, a Cincia (o Direito como iura), mas sim o Direito posto pelo Cdigo Civil (o Direito como

    lex). Eis porque se convencionou-se chamar o sculo XIX de sculo do Direito Civil.

  • 13

    POCA CONTEMPORNEA: O FENMENO DA CODIFICAO

    Historicamente, denominamos poca Contempornea os tempos que se estendem desde a

    Revoluo Francesa at os dias de hoje. nesse perodo que tem lugar o movimento codificador. Em

    relao a esse fenmeno, possvel detectar duas correntes doutrinrias fundamentais: o positivismo,

    que via o movimento codificador como algo salutar e encontrou respaldo na Frana atravs da Escola da

    Exegese e na Alemanha atravs da Escola Pandectstica; e, como reao ao movimento codificador, a

    Escola Histrica, capitaneada por Savigny.

    Pode-se dizer que o incio do movimento codificador se deu com Napoleo, que deu Frana

    um conjunto de Cdigos, o que teve seu mrito por ser um dos mais notveis esforos de sistematizao

    de regras jurdicas de toda a Histria.

    Enfim, por Cdigo se entende uma compilao de normas jurdicas de ordem legislativa ou, por vezes, doutrinal, tendentes a um melhor conhecimento do Direito e a uma maior segurana jurdica (principalmente pelo homem comum).

    No Cdigo Civil Francs imprimiram-se predominantemente elementos do Direito Romano,

    mas isso no significa dizer que no houve contribuies do Direito Costumeiro.

    E, segundo o intuito de se elaborar um sistema de normas que fosse racionalmente organizado e

    facilmente compreensvel pelo homem comum, era evidente uma preocupao mais prtica do que

    cientfica. As definies em geral no devem ser colocadas nas leis, tudo o que doutrina pertence ao ensino do Direito e aos livros dos jurisconsultos.

    Ao mesmo tempo que representou um divisor de guas em toda histria da legislao, o

    movimento codificador props uma virada de pgina, uma passada de borracha em toda evoluo jurdica que lhe fora anterior. Os novos Cdigos eram marcos-zero de uma nova evoluo jurdica.

    Foi justamente este entendimento que deu margem ao surgimento do positivismo jurdico,

    caracterizado fundamentalmente pela assuno de que Direito apenas aquilo que est na lei e todo direito est na lei, sendo desnecessrias quaisquer interpretaes histrico-evolutivas do Direito. Tais idias encontram abrigo na Escola da Exegese (na Frana) e na Escola Pandectstica (na Alemanha).

    ESCOLA DA EXEGESE

    Entendem que o Code Civil a fonte de todo o Direito. Assim, seu texto deveria ser estudado,

    analisado e esmiuado para que a verdadeira dimenso do Direito pudesse ser apreendida. Se tratava de

    um estudo dogmtico que no levava em conta o contexto social no qual o texto legal havia sido

    produzido. Afinal, para o positivismo jurdico no h Direito fora do texto da lei.

    Desse modo, por via de raciocnios, seria possvel deduzir todas as solues tericas possveis

    para os diversos litgios da sociedade atravs da minuciosa exegese do texto legal. A nica fonte do

    Direito que era reconhecida, portanto, era a lei. E apenas o legislador poderia promulg-la.

    Vrias foram as mentes que buscaram esmiuar dogmaticamente o Cdigo Civil, tecendo uma

    gama de comentrios que buscavam enxergar toda a amplitude do Direito que fora positivado, como

    Duranton, Aubry e Rau e Demoulombe.

    ESCOLA PANDECTSTICA

    A Alemanha no codificou seu Direito. Havia apenas algumas codificaes parciais nos

    territrios da Prssia e da Baviera. O Direito que vigorava na grande maioria dos Estados germnicos

    era aquele ius commune desenvolvido nas universidades.

    Assim, a Escola Jurdica que surge na Alemanha sustentando o positivismo jurdico no

    desenvolve seus estudos sobre um Cdigo Civil, mas sim em cima dos textos do Corpus Iuris Civilis,

    especialmente do livro do Digesto, cujo nome grego Pandectas. Note-se, pois, que no h a quebra

    do postulado mor do positivismo jurdico (a lei todo o Direito), o que de fato muda a percepo do

    que, materialmente, a lei.

    Dentre os principais expoentes da pandectstica podemos citar Windscheid (1817-1892) e von Ihering

    (1818-1892).

  • 14

    ESCOLA HISTRICA ALEM

    Surgiu na Alemanha uma Escola Jurdica que propunha uma reao tanto ao positivismo legal

    quanto prpria idia de codificao. Tal foi a Escola Histrica Alem. Baseava-se no entendimento

    de que o Direito est inserido dentro de um contexto social e histrico do qual no pode ser

    dissociado. O Direito no poderia ser encarado como uma mera criao racional. A lei no poderia ser

    tida como a fonte exclusiva do Direito, nem mesmo o Cdigo Civil poderia ser reputado como marco-zero que anulasse ou entendesse como insignificante toda a evoluo histrica que o antecedeu.

    Entendia, pois, a Escola Histria que a interpretao das leis no se pode fazer seno em

    funo das concepes que as fizeram nascer. Exaltava-se, portanto, o estudo dos Direitos Romano e

    Costumeiro, fontes histricas de todo aquele Direito que ento se encontrava em vigor.

    Com o surgimento, na Frana, do Cdigo Civil Napolenico, alguns juristas alemes chegaram

    mesmo a propor que tal codificao fosse adotada tambm na Alemanha, dado que era tida como o

    supra-sumo da racionalidade humana. A Escola Histrica representou, portanto, uma reao

    influncia francesa e, sobretudo, prpria idia de codificao.

    Talvez uma das principais caractersticas da Escola Histrica Alem seja a afirmao de que o

    Direito algo vivo, que se manifesta constantemente na vida do povo. Rejeita-se, portanto, duplamente

    a idia de adoo do Cdigo Civil Napolenico em terras germnicas: primeiramente, trata-se de uma

    codificao, algo que inevitavelmente acaba por tirar do Direito sua vida; em segundo lugar, o Cdigo

    Francs foi criado de acordo com o esprito do povo francs, que no necessariamente corresponde ao

    esprito do povo alemo. Sendo, pois, o Direito a expresso da cultura de um povo, no se poderia

    pretender a aplicao do Cdigo Francs aos alemes. Tal idia foi exposta em 1814 pelo maior

    expoente da Escola Histrica Alem, que foi Savigny (1779-1861).

    ESCOLA CIENTFICA

    Desenvolve-se na Frana, j no sculo XX, sob grande influncia das idias propostas pela

    Escola Histrica Alem. Representava, portanto, uma reao francesa Escola da Exegese.

    A Escola Cientfica, entretanto, no se opunha codificao, dado que ela j era um fato com

    mais de um sculo de existncia. Busca, contudo, temperar a codificao com as idias da Escola

    Histrica, de modo a sair do engessamento que a Escola da Exegese colocara ao jurista. O Direito

    no se resume apenas lei, e deve tambm intentar expressar o justo. O jurista deveria procurar as

    solues mais justas para os problemas como um complemento s normas impostas pelo legislador.

    Tambm entendia a Escola Cientfica necessria uma atualizao da interpretao, isto , mais

    importante do que procurar saber quais de fato foram os pensamentos e intenes do legislador do

    Cdigo era saber qual seria o pensamento do legislador se o Cdigo fosse redigido nos dias de hoje.

    , portanto, atravs da livre investigao cientfica que o jurista deve esforar-se para revelar o

    Direito de seu tempo. Deve o jurista levar em considerao tanto os elementos atuais do Direito, quanto

    pesquisar a histria dos diversos institutos jurdicos. Mostra-se necessrio, pois, valer-se dos

    progressos da Sociologia do Direito e da Histria do Direito para um melhor conhecimento e

    compreenso das normas jurdicas da vida atual.

    Ressalte-se que, diferentemente do que se entendia na Escola da Exegese, o jurista no um

    mero aplicador da lei, mas sim algum que deve sempre buscar a expresso do justo. Presume-se, pois,

    que o Direito coisa diferente da lei. Dentre os principais membros da Escola Cientfica podemos

    enumerar Franois Gny e tambm Marcel Planiol.

  • 15

    COMMON LAW: INTRODUO

    H quatro grandes famlias jurdicas: o Direito Romano-Germnico, que parte do Direito

    Romano, mistura-se com os Direitos Germnicos e com o Direito Cannico e desgua no movimento

    codificador; o Common Law, que se desenvolveu na Inglaterra e tambm nos diversos pases que

    colonizou; os Direitos Tradicionais, de caractersticas primitivas, tais com aqueles vigentes nas

    sociedades tribais africanas; e os Direitos Religiosos, tais como o muulmano, o hebreu o hindu etc.

    At recentemente os comparatistas tambm falavam no Direito Sovitico. Contudo, o

    desmantelamento da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas fez com que essa famlia jurdica

    ficasse restrita China e a Cuba, razo pela qual pouco dito sobre ela nos dias atuais.

    Que , pois, Common Law? Trata-se de um sistema jurdico elaborado na Inglaterra a partir

    do sc. XII com base na autoridade das decises jurisprudenciais reais. Acrescente-se que o prprio

    nome commom law passa a ser utilizado apenas a partir do sc. XIII e designa um direito comum da Inglaterra, em oposio aos seus diversos direitos costumeiros locais, regionais.

    Common law significa direito comum, e no lei comum. A palavra que de que os ingleses se valem para se referir quilo que chamamos lei no law, mas sim statute.

    Faamos tambm outra advertncia introdutria: a expresso Common Law nada tem a ver

    com a expresso ius commune. Afinal, como sabemos, por ius commune deve-se entender o Direito

    erudito desenvolvido nas universidades medievais a partir do Direito Romano Justinianeu e englobando

    os Direitos Germnicos e o Cannico, formando uma base comum a todos os Direitos continentais

    europeus. Acrescentemos, pois, que aqueles que adotam o sistema do Common Law se referem ao

    sistema continental como Civil Law, j que ele se fundamentou sobre o Direito Civil Romano.

    O Common Law , portanto, um direito jurisprudencial (judge-made law), sendo elaborado pelos tribunais reais da Inglaterra em funo da autoridade reconhecida aos precedentes histricos.

    Assim, no sistema do Common Law a principal fonte do Direito so, naturalmente, os precedentes

    jurisprudenciais.

    Desse modo, o Common Law acaba por ter um forte carter histrico, o que motivo de grande

    orgulho para aqueles que adotam este sistema jurdico.

    Qual o motivo que levou a Inglaterra a desenvolver um sistema jurdico to diferente? Ora, o

    isolacionismo geogrfico certamente contribuiu para potencializar o surgimento de tais diferenas.

    Acrescente-se tambm que a presena romana na Inglaterra deixou muito menos vestgios do que

    deixou na Europa continental.

    EVOLUO HISTRICA DO COMMON LAW

    Os estudiosos do sistema jurdico do Common Law assinalam quatro diferentes perodos em seu

    desenvolvimento: o Perodo Anglo-Saxo (at o sc. XI); a fase de Formao do Common Law (entre

    os sculos XI e XV); a fase de Rivalidade com a Equity (entre os sculos XV e XVIII) e, por fim, o

    Perodo Moderno (entre os sculos XVIII e XX).

    PERODO ANGLO-SAXO

    Nos referimos aos tempos anteriores ao ano de 1066, em que ocorreu a conquista normanda na

    Inglaterra, sob a liderana de Guilherme, o Conquistador. A dominao romana sobre a Inglaterra,

    ocorrida entre os sculos I e V, deixara poucos vestgios na ilha. No campo do Direito, a presena

    romana foi praticamente inexistente. Temos acesso a uma muito restrita quantidade de registros, tais

    como a Lei de Aethelbert, do territrio de Kent, livro este que relata alguns costumes locais. V-se,

    portanto, que as parcas compilaes que havia eram obras que relatavam normas consuetudinrias

    locais, e no normas impostas pelos romanos.

    No havia, pois, antes da invaso romana um Direito Comum a toda a Gr-Bretanha, mas sim

    uma profuso de direitos consuetudinrios. A breve dominao romana, como vimos, no teve

    tamanho impacto para que as comunidades locais fossem impulsionadas a adotar, mesmo aps a

  • 16

    queda do Imprio Romano, um sistema jurdico uniformizado. Nem a Invaso Normanda, que acaba

    com a dominao romana na Inglaterra, mudou a realidade jurdica da ilha, dado que os normandos

    permitiram que as comunidades locais continuassem praticando seus direitos regionais consuetudinrios.

    A mais perceptvel mudana que a Invaso Normanda acarretou na Gr-Bretanha foi concernente

    ao panorama poltico, pois pela primeira vez a ilha contava com um poder poltico centralizado. E

    acrescente-se que para que essa centralizao do poder fosse conseguida pelos conquistadores

    normandos, foi preciso que retirassem parte das terras dos ento grandes proprietrios diminuindo-lhes, naturalmente, a autoridade e distribuindo entre os conquistadores, criando espcies de feudos denominados manors.

    FORMAO DO COMMON LAW

    No sculo XII, a Inglaterra alcanou sua unificao. nessa poca que se institui a Curia Regis,

    tribunal real em Westminster, com jurisdio sobre as grandes causas e pessoas de grande relevncia

    para a vida pblica. Saliente-se que essa jurisdio real coexistia com as diversas jurisdies locais

    (inicialmente as county courts, cortes de homens livres, substitudas depois pelas baron courts).

    A partir do sculo XIII verifica-se um movimento de ampliao da competncia dos tribunais

    reais. Para os cidados particulares, a justia rgia era melhor do que a justia local, por dispor de

    meios mais eficazes para executar e efetivar suas decises. Contudo, aquele que quisesse se valer de

    tal justia deveria pagar uma taxa para as despesas processuais. Quem quisesse acionar a justia rgia

    deveria pedir ao chanceler (sheriff) que tomasse providncias para que o ru satisfizesse o direito

    reclamado. Emitia-se, ento, um documento chamado writ (ordem), que transmitia a ordem para que o

    ru prestasse esclarecimento perante o queixoso.

    Com o passar do tempo os writs estereotiparam-se, sendo concedidas aos queixosos sem que

    houvesse previamente uma profunda e minuciosa anlise dos casos apresentados. Dada essa grande

    facilidade em se obter um writ, as cortes locais comearam a se esvaziar, o que rapidamente enfureceu

    os senhores das terras.

    A presso dos senhores de terra foi tamanha que, na Magna Carta (1215) foi criada uma

    limitao quantidade de writs que poderiam ser emitidos pela justia rgia. Por fim, com o Tratado de

    Westminster (1280) estipulou-se a criao de um sistema de writs, no qual se proibia a emisso de novos

    modelos de writ, mas se permitia a expedio de writs para casos semelhantes queles j existentes. Foi,

    pois, atravs dessas frmulas processuais de nmero limitado que surgiu o Common Law.

    Diferentemente do que ocorreu com o Civil Law, o Common Law no teve em sua origem conceitos

    tericos ou eruditas compilaes, mas sim simplesmente a prtica processual.

    Os juristas ingleses caracterizam-se, portanto, por serem extremamente prticos e formados pela

    experincia: devem saber qual o tipo de writ que deve ser utilizado em cada caso, atividade na qual os

    precedentes (cases) so de fundamental importncia, uma vez que com base na analogia de casos

    anteriores que so propostos os novos writs. Como deve buscar um julgado anterior que se encaixe no

    caso em questo, seu raciocnio no mormente dedutivo, mas sim indutivo.

    Foi para facilitar a procura dos precedentes que criaram compilaes de precedentes judiciais do

    tribunal rgio, denominadas Year Books. No sculo XVI, com o advento da imprensa, essas

    compilaes so substitudas por outras, denominadas Law Reports, importantes at os dias de hoje.

    O juiz deve respeitar os precedentes judiciais. No incio respeitada apenas por tradio, no

    sculo XVI ganhou respaldo legal.

    Se os precedentes judiciais seguramente so a mais importante fonte do direito para o sistema do

    Common Law, tambm seguramente no so a nica. As outras fontes do direito para o Common Law,

    ainda nesse perodo de sua evoluo histrica, so: os costumes, algumas leis (statutes) dos sculos

    XIII e XIV, bem como algumas compilaes de Direito, dentre as quais destacam-se o De Legibus et

    Consuetidinis Regni Angliae (1187), obra em que Glanvell indica como obter ou como combater um

    writ e o De Legibus (1256), tratado de processo sobre os diferentes writs e os diversos casos julgados em

    que Bracton parte de casos concretos para encontrar uma ratio em cada sentena proferida.

  • 17

    RIVALIDADE COM A EQUITY

    Assim como tambm ocorreu com o Direito Romano, o Common Law passa a se tornar um

    sistema muito rgido e no mais atende as necessidades scio-econmicas, principalmente em

    relao aplicao do princpio da boa-f.

    Desse modo, muitos cidados recorriam ao monarca para que interviesse e fizesse, ele mesmo, a

    justia. Para resolver essa situao de insuficincia do sistema, o rei solicitou ao chanceler (sheriff) que

    atendesse s demandas que lhe eram apresentadas. Aplicava-se, ento, um processo escrito com

    princpios muitas vezes extrados do Direito Romano. Trata-se do Sistema da Equity.

    Sempre receoso em dar grandes poderes a uma jurisdio que emanava de lugar to prximo

    Coroa Real, o Parlamento recusa a proposta de substituio do sistema do Common Law pelo sistema da

    Equity, instituindo a coexistncia simultnea dos dois sistemas jurdicos.

    No sculo XIX houve uma unificao entre os sistemas do Common Law e da Equity, este

    tendo a funo de abrandar as posies extremamente formalistas adotadas por aquele.

    PERODO MODERNO

    O sculo XIX marcado pelo surgimento das legislaes, mesmo no Common Law. Assim, os

    juristas ingleses passam a dar maior valor ao direito material, ao direito substantivo. Trata-se, portanto,

    do surgimento de um direito baseado na lei (Statute Law). Note-se que algumas matrias ganharam,

    inclusive, leis especficas minuciosamente regulamentando-as.

    A jurisprudncia e a coleo dos Law Reports so a ferramenta com as quais os juristas ingleses

    modernamente trabalham, enquanto que a doutrina inglesa trabalha com uma espcie de enciclopdia

    denominada Laws of England.

    COMPARAES ENTRE O CIVIL LAW E O COMMON LAW

    Enquanto que o Common Law tem a jurisprudncia como primordial fonte do Direito, jurisprudncia tem um papel meramente secundrio nos sistemas jurdicos de orientao romanstica.

    Por sua vez, enquanto que no Common Law a legislao tem papel meramente secundrio dentre as fontes do Direito, ela a principal fonte do Direito entre ns. Como conseqncia, a codificao

    um fenmeno praticamente desconhecido na Inglaterra e um fenmeno absolutamente marcante nos

    Direitos Romansticos.

    Enquanto que o Common Law um direito judicirio, i.e., que desenvolvido nos processos; nos Direitos Continentais o processo mera ferramenta, instrumento para a atuao da vontade de uma

    lei criada pelo Parlamento. So, portanto, duas ticas distintas: enquanto que no sistema do Common

    Law o Direito feito nos tribunais; no sistema do Civil Law o Direito feito nos Parlamentos.

    Enquanto que o Common Law sofreu parca influncia do Direito Romano, os Direitos Continentais tm profunda e arraigada orientao romanstica.

    No Common Law h uma enorme importncia do jri (trial by jury), de forma a substituir o papel dos notrios e inserir uma forma de racionalizao nos julgamentos. E, como acima dissemos que na

    tica da Common Law o Direito feito nos tribunais, nos lcito pensar que a necessidade do jri

    seja uma forma de garantir maior democraticidade nas normas jurdicas que emanaro dos tribunais.