Caderno_mod3_vol1

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Caderno de formação Formação de Professores Educação Infantil: Princípios e Fundamentos volume 1 São Paulo 2010 CADA VEZ MELHOR

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  • Caderno deformao

    Formao de ProfessoresEducao Infantil: Princpios e Fundamentos

    volume 1

    So Paulo

    2010

    cada vez melhor

  • 2 2010, by UneSP - UniverSidade eStadUal PaUliSta Pr-reitoria de GradUaorua Quirino de andrade, 215 - CeP 01049-010 - So Paulo - SPtel.(11) 5627-0245www.unesp.br

    UniveSP - UniverSidade virtUal do eStado de So PaUloSecretaria de ensino Superior do estado de So Paulo rua boa vista, 170 - 12 andar CeP: 01014-000 - So Paulo SP tel. (11) 3188-3355

    Projeto GrfiCo, arte e diaGramaolili lungarezi nead - ncleo de educao a distncia

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    Governo do eStado de So PaUloGovernador

    alberto Goldman

    SeCretaria eStadUal de enSino SUPerior

    SecretrioCarlos alberto vogt

    UniverSidade eStadUal PaUliSta

    reitorHerman jacobus Cornelis voorwald

    vice-reitorjulio Cezar durigan

    Chefe de GabineteCarlos antonio Gamero

    Pr-reitora de GraduaoSheila Zambello de Pinho

    Pr-reitora de Ps-Graduaomarilza vieira Cunha rudge

    Pr-reitora de Pesquisamaria jos Soares mendes Giannini

    Pr-reitora de extenso Universitriamaria amlia mximo de arajo

    Pr-reitor de administraoricardo Samih Georges abi rached

    Secretria Geralmaria dalva Silva Pagotto

    fUndUneSP - diretor Presidente luiz antonio vane

    Cultura acadmica editoraPraa da S, 108 - Centro

    CeP: 01001-900 - So Paulo-SPtelefone: (11) 3242-7171

  • 4Pedagogia Unesp/UnivespSheila Zambello de Pinho

    Coordenadora Geral e Pr-reitora de Graduao

    ana maria da Costa Santos meninCoordenadora Pedaggica

    Klaus Schlnzen juniorCoordenador de mdias

    lourdes marcelino machadoCoordenadora de Capacitao

    ConSelHo do CUrSo de PedaGoGiaana maria da Costa Santos menin

    Presidente

    Celestino alves da Silva jniorClia maria Guimares

    edson do Carmo inforsatojoo Cardoso Palma filho

    tereza maria malatian

    SeCretariaCeclia Specian

    flvia maria Pavan anderliniivonette de matosProGrad/reitoria

    NEaD - Ncleo de Educao a Distncia / UNESPteCnoloGia e infraeStrUtUra

    Pierre archag iskenderianCoordenador

    andr lus rodrigues ferreiradcio miranda ferreira

    Pedro Cssio bissetti

    ProdUo, veiCUlao e GeSto de materialdeisy fernanda feitosa

    eliane aparecida Galvo ribeiro ferreiraelisandra andr maranhe

    liliam lungarezi de oliveiramrcia debieux de oliveira lima

    Sueli maiellaro fernandesvalter rodrigues da Silva

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    ApresentaoA palavra que define o significado para o oferecimento de um curso de Pedagogia na modalidade a

    distncia desafio. Para a Universidade Estadual Paulista Unesp encarar desafios j faz parte de sua histria, diante de seu compromisso com uma educao Superior de qualidade, com especial vocao para a formao de professores.

    os tempos modernos, entretanto, conduzem-nos a novos contextos e a sociedade brasileira, de maneira justa, cobra-nos aes que venham ao encontro de um cenrio que requer um repensar sobre as possibilidades de oferta de educao superior de qualidade, diante de tantas dificuldades a serem superadas por um brasil que pretende alcanar nveis de vida compatveis com nosso potencial de desenvolvimento.

    diante do que se coloca como compromissos para a construo de um brasil melhor, a Unesp de maneira responsvel e organizada trabalha no sentido de continuar a oferecer seus servios com fiel propsito de contribuir para a educao brasileira. Para isso, investe de maneira intensa na trade ensino-Pesquisa-extenso, sendo uma das principais Universidades brasileiras na produo do conhecimento, na formao de recursos humanos qualificados e competentes, alm da ampla insero social, por meio dos projetos de extenso, nas diversas regies do estado de So Paulo.

    a recente histria da Unesp mostra a maneira como ela se organizou para chegar at o presente momento. desde 2005 a comunidade Unespiana vem discutindo em todas as suas instncias e fruns o uso das tecnologias no processo educacional. em 2006 aprovou sua regulamentao interna para iniciativas de educao a distncia, tornando-se uma das primeiras universidades brasileiras a adotar uma orientao amplamente avaliada pela comunidade universitria sobre o assunto. atualmente, esta regulamentao serve como norteadora de todas as iniciativas da Unesp na modalidade a distncia.

    no mesmo ano, a Pr-reitoria de Graduao iniciou um trabalho pioneiro com um programa de capacitao de seus professores por meio das Oficinas Pedaggicas, que visavam oferecer formao contnua aos professores da Universidade que voluntariamente se apresentavam para participar. este programa foi de tamanha relevncia para a Unesp que culminou com a criao do ncleo de estudos e Prticas Pedaggicas NEPP, um reconhecimento da Universidade para a importncia de formao permanente de seus professores. A iniciativa fez com que o nosso corpo docente passasse a refletir sobre sua prtica pedaggica e buscar novas metodologias e recursos. Os reflexos do trabalho j so visveis com os relatos de professores e alunos sobre os avanos acadmicos, muitos deles refletidos nos prprios instrumentos oficiais de avaliao, como nossa constante melhoria de desempenho no ENADE e em outros instrumentos de avaliao da sociedade civil.

    outro aspecto a ser considerado que desde 2005, graas aos constantes investimentos da reitoria, por meio da Pr-reitoria de Graduao, com especial destaque ao Programa de melhoria da Graduao, so disponibilizados recursos financeiros para melhoria e ampliao de materiais e tecnologias para nossos docentes e alunos. Um importante indicador dessas inovaes implantadas na Unesp que atualmente mais de um tero de nossos alunos e professores utilizam ambientes virtuais

  • 6de aprendizagem como apoio s aulas presenciais. estamos investindo na construo de um acervo digital acadmico para enriquecer as atividades didticas, bem como, oferecer acesso pblico informao e ao conhecimento produzido pela Unesp. a produo de material didtico tambm apoiada pela Pr-reitoria de Graduao, entre tantos outros exemplos que so conduzidos e oferecidos em nossas Unidades Universitrias.

    Os Ncleos de Ensino, outro significativo projeto da Pr-Reitoria de Graduao da Unesp, tambm colaboram de maneira direta na formao dos nossos futuros professores, alm de manter uma estreita parceria com a capacitao dos professores em exerccio na rede pblica. So 14 ncleos distribudos em nossos Campi em todo o estado de So Paulo com o objetivo de desenvolver pesquisas e aes de interesse do ensino bsico e da formao de seus professores.

    Este sucinto relato de nosso recente caminhar fez-se para contextualizar um pouco o desafio que apresentamos no incio, ou seja, a oportunidade de oferecermos nosso primeiro curso de graduao a distncia, criado por meio da resoluo Unesp no. 77/2009. a maturidade da Unesp para a concepo do curso de Pedagogia no mbito da Univesp j se fez presente desde o incio do projeto. Passamos muito tempo avaliando e discutindo-o, at chegarmos a uma proposta final que foi aprovada em todas as instncias universitrias, possibilitando hoje implantarmos o curso de Pedagogia da Unesp cuja caracterstica principal a de oferecer todo o conhecimento acadmico para a formao de professores, articulado ao uso das tecnologias digitais, como a internet e a tv-digital.

    Sabemos que o pioneirismo sempre traz consigo as dificuldades na escolha dos caminhos a trilhar, entretanto, temos a plena convico que estamos reunindo toda a experincia, competncia e tradio da Unesp, juntamente com o apoio da Secretaria de ensino Superior do estado de So Paulo, para oferecermos um curso de qualidade, contribuindo para a capacitao do professor em servio no Estado, sem a formao superior para o exerccio da profisso docente.

    O desafio novo e de grande responsabilidade, porm necessrio e importante para avanarmos como uma Universidade voltada para atender aos anseios da sociedade, para oportunizarmos a construo de novos ambientes de aprendizagem que utilizem as tecnologias contemporneas para oferecer educao a um pas que precisa encontrar alternativas consolidadas para superar seus problemas sociais. a educao , indubitavelmente, o caminho para o pas que almejamos. a formao de bons professores , sem dvida, o primeiro passo para realizarmos esse sonho.

    bom trabalho a todos!!

    Sheila Zambello de Pinho

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    SumrioEducao Infantil: Princpios e Fundamentos - Volume 1

    Psicologia do DesenvolvimentoPsicologia do desenvolvimento - introduo 09

    o desenvolvimento da Criana nos Primeiros anos de vida 13Durlei de Carvalho Cavicchia

    Comportamento de bebs em Situaes de Separao e reencontro com os Pais, na rotina diria da Creche 28Lgia Ebner MelchioriZlia Maria Mendes Biasoli Alves

    Construo da Conscincia moral 40Yves de La Taille

    atitudes de adolescentes frente delinqncia como representaes Sociais 58Maria Suzana de Stefano Menin

    agendas e atividades 75

    Fundamentos e Princpios da Educao Infantilfundamentos e Princpios da educao infantil - introduo 99

    breve Histrico da educao infantil no brasil 108Mavi Anabel Nono

    da braslia verde ao Curso de Pedagogia 122Mavi Anabel Nono

    Concepes de Criana, Creche e Pr-escola 125Mavi Anabel Nono

    educar e Cuidar nas Creches e Pr-escolas 131Mavi Anabel Nono

    o brincar na educao infantil 137Mavi Anabel Nono

    identidade do Professor de educao infantil 146Mavi Anabel Nono

    famlias e escolas de educao infantil 152Mavi Anabel Nono

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  • Psicologia doDesenvolvimento

    Antonio Carlos DomeneProfessor assistente-doutor da Universidade Esta-dual Paulista, campus de Araraquara, onde atua nos cursos de Pedagogia e Licenciatura em Qumica. Tem experincia na rea de Psicologia, nos temas: programao de ensino e controle aversivo.

    conquistas

    Formao Geral Educao Infantil: Princpios e FundamentosBloco1 Mdulo 3 Disciplina 11

    Psicologia do Desenvolvimento

    "Lutar com palavrase a luta mais v.Entanto lutamosmal rompe a manha."Drummond, em O Lutador.

    desafios

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    Viso Geral da

    Disciplina

    Psicologia do Desenvolvimentoa Psicologia estuda interaes do sujeito com o seu meio ambiente. Quando

    analisamos qualquer estudo da rea da psicologia podemos fazer o exerccio de des-

    tacar onde o pesquisador joga mais luz, no meio ou no sujeito. a nfase da Psicologia

    do desenvolvimento recai no sujeito. a psicologia do desenvolvimento tambm est

    interessada em descrever elementos do meio que participam ou determinam a inte-

    rao, mas o seu foco o sujeito. desta forma, a psicologia do desenvolvimento est

    preocupada com as estruturas mentais responsveis pela nossa capacidade de esta-

    belecer relaes. as estruturas mentais, acredita-se, esto programadas como uma

    capacidade inerente do ser, que permitem ao sujeito, em funo da ao e do meio,

    construir o conhecimento contingente aos objetos concretos, construir o conhecimen-

    to necessrio e universal, como o da matemtica, alm da possibilidade inerente ao

    ser humano de construir o saber tico e moral.

    insistimos que a psicologia estuda interaes, isto o principal. enfatizamos

    esta questo porque na psicologia muitas controvrsias so produzidas sobre a dico-

    tomia organismo-ambiente, dicotomia falsa, uma vez que o organismo j pressupe

    o meio.

    Uma vez que o nosso interesse fundamental a educao, a disciplina Psico-

    logia do desenvolvimento aprofundar a nossa compreenso dos estgios do desen-

    volvimento cognitivo (vistos de forma geral na disciplina Psicologia da educao) e

    abordar com mais ateno a construo da conscincia moral da criana e do adoles-

    cente, tema to importante no mbito escolar atual.

  • Viso Geral da

    Disciplina

    11

    Organizao da Disciplina

    a organizao da disciplina privilegia nos perodos presenciais as atividades em grupo, de forma a estimular a interao e a cooperao entre os seus componentes. nos perodos virtuais, o estudo dos textos da disciplina. nos perodos virtuais tambm solicitamos que voc faa algumas reflexes baseadas nas leituras. As avaliaes do mrito das atividades se daro fundamentalmente nas atividades realizadas em grupo.

    a nfase nas atividades em grupo tem um valor intrnseco, pois favorece ao aluno construir a sua autonomia, levando em considerao os pontos de vistas dos co-legas. levamos tambm em considerao, ao valorizar as atividades em grupo, a formao diversificada observada entre os nossos alunos, o que certamente enri-quece as discusses.

    Objetivos Gerais

    Identificar caractersticas gerais do processo de desenvolvimento nas suas diversas dimenses: cognitiva, afetiva e social.

    Objetivos Especficos

    Identificar as principais caractersticas dos perodos do desenvolvimento humano;

    Refletir sobre comportamentos de bebs indicadores do desenvolvimento do apego

    Identificar os componentes intelectuais e afetivos da ao moral.

    Problematizar condutas morais de professores e alunos no ambiente escolar.

    Problematizar as contribuies da psicologia sobre o fazer moral levando em considerao a sociedade na qual estamos inseridos.

    Ementa

    o conhecimento como construo. Caractersticas do desenvolvimento cognitivo. o desenvolvimento da moralidade na infncia e adolescncia. a moral falada e praticada.

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    Viso Geral da

    Disciplina

    Bibliografia e Indicaes de Leituras Complementares

    PiaGet, j. O juzo moral na criana. So Paulo, Summus, 1994.

    PiaGet, j. Seis estudos de Psicologia. rio de janeiro, editora forense Universitria, 1984.

    CHiarottino- ramoZZi, Zlia.. Psicologia e Epistemologia Gentica de Jean Piaget.

    la taille, y de. Moral e tica: dimenses intelectuais e afetivas. Porto alegre, artmed, 2006.

    la taille, y de. vergonha, a ferida moral. Petrpolis: vozes, 2002.

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    o Desenvolvimento da Criana nos Primeiros Anos de Vida

    durlei de Carvalho CavicchiaProfessora Titular do Departamento de Psicologia da

    Educao da UNESP-Araraquara.

    Resumo: o texto conceitua os estgios de desenvolvimento na teoria de jean Piaget e d destaque para a construo do conhecimento considerando as suas principais categorias, a saber: objeto, espao causalidade e tempo.

    Palavras chave: desenvolvimento, jean Piaget, Categorias do conhecimento.

    apresentar a teoria de Piaget num texto introdutrio tarefa especialmente difcil. a complexidade desta abordagem te rica, diretamente relacionada riqueza da produo pia-getiana e natureza do temrio abordado pelas pesquisas e reflexes desse autor, apontam a necessidade de explicar ao leitor alguns aspectos mais gerais de suas ideias, remetendo-o posteriormente aos textos originais. ao lado de freud, o trabalho de Piaget representa hoje o que de mais impor tante se produziu no sculo XX no campo da Psicologia do desenvolvi-mento infantil, embora, a rigor, Piaget no possa ser qualificado como psiclogo do desen-volvimento.

    neste texto dar-se- nfase especial descrio e caracteri zao dos estgios no de-senvolvimento intelectual, uma vez que a sua identificao no comportamento da criana pode orientar o educador no planejamento e oferecimento de estmulos ambientais a esse desenvolvimento.

    Um primeiro aspecto geral que merece ser explicitado refere-se concepo de conhe-cimento proposta por Piaget. Um dos pontos fundamentais desta concepo diz respeite ao sentido atribudo por Piaget palavra conhecer: organizar, estruturar e explicar o mundo em que vivemos incluindo o meio fsico, as ideias, os valores, as relaes humanas, a cultura de um modo mais amplo a partir do vivido ou experienciado. Se, para Piaget, o conhecimento se produz a partir da ao do sujeito sobre o meio em que vive, s se constitui com a estruturao da experincia que lhe permite atribuir significao. A significao o resultado da possibilidade de assimilao. Conhecer significa, pois, inserir o objeto num sistema de relaes, a partir de aes executadas sobre esse objeto.

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    a pergunta fundamental, que Piaget formulou pela primeira vez aos 15 anos de idade (em 1911), orientou suas pesquisas ao longo de toda a sua vida: como o ser vivo con segue adaptar-se ao meio ambiente? a partir dessa pergun ta liga, rapidamente, o problema da adaptao biolgica ao problema do conhecimento, chegando a duas de suas ideia centrais. a primeira que a adaptao biolgica de todo organismo vivo, assim como toda conquista intelectual, se faz atravs da assimilao de um dado exterior, no sentido de transforma-o. o conhecimento no uma cpia, mas uma integrao em uma estrutura mental pr-existente que, ao mesmo tempo, vai ser mais ou menos modificada por esta integrao. A segunda ideia central que os fatores norma tivos do pensamento correspondem s relaes, s necessi dades de equilbrio que se observam no plano biolgico.

    Para Piaget o conhecimento fruto das trocas entre o organismo e o meio. essas trocas so responsveis pela cons truo da prpria capacidade de conhecer. Produzem estru turas mentais que, sendo orgnicas no esto, entretanto, programadas no genoma, mas aparecem como resultado das solicitaes do meio ao organismo.

    a alterao organismo-meio ocorre atravs do que Piaget chama processo de adapta-o, com seus dois aspectos com plementares: a assimilao e a acomodao. o conceito de adaptao surge, inicialmente, na obra de Piaget com o sen tido que lhe dado na biologia clssica, lembrando um fluxo irreversvel; vai se explicitando em momentos posteriores de sua obra, quando adquire o sentido de equilbrio progres sivo (equilbrio majorante); final-mente, adquire o sentido de um processo dialtico atravs do qual o indivduo desenvol ve as suas funes mentais, ao qual denomina abstrao reflexiva. Esta adaptao do ser humano ao meio ambiente se realiza atravs da ao, elemento central da teoria piagetiana, indicando o centro do processo que transforma a relao com o objeto em conhecimento.

    ao tentar se adaptar ao meio ambiente o indivduo utili za dois processos fundamentais que compem o sistema cognitivo a nvel de seu funcionamento: a assimilao ou a incor-porao de um elemento exterior (objeto, acontecimento etc), num esquema sensrio-motor ou conceituai do sujeito e a acomodao, quer dizer, a necessidade em que a assimilao se encontra de considerar as particularidades prprias dos elementos a assimilar. no sistema cognitivo do sujeito esses processos esto normalmente em equilbrio. a perturbao desse equilbrio gera um conflito ou uma lacuna diante do objeto ou evento, o que dispara mecanis-mos de equilibrao. a partir de tais perturbaes produzem-se construes compensatrias que buscam novo equilbrio, melhor do que o anterior. nas sucessivas desequilibraes e reequilibraes o conhecimento exgeno complementado pelas construes endgenas, que so incorporadas ao siste ma cognitivo do sujeito. nesse processo, que Piaget denomi na processo de equilibrao, se constroem as estruturas cognitivas que o sujeito emprega na compreenso dos objetos, fatos e acontecimentos, levando ao progresso na cons truo do conhecimento.

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    Os Estdios No Desenvolvimento Cognitivoa capacidade de organizar e estruturar a experincia vivida vem da prpria atividade

    das estruturas mentais que funcionam seriando, ordenando, classificando, estabelecen do re-laes. H um isomorfismo entre a forma pela qual a criana organiza a sua experincia e a lgica de classes e relaes. os diferentes nveis de expresso dessa lgica so o resultado do funcionamento das estruturas mentais em diferentes momentos de sua construo. tal fun-cionamento, explicitado na atividade das estruturas dinmicas, produz, no nvel estrutural, o que Piaget denomina os estdios de desenvolvimento cognitivo. Os estdios expressam as etapas pelas quais se d a construo do mundo pela criana.

    Para que se possa falar em estdio nos termos propostos por Piaget, necessrio, em primeiro lugar, que a ordem das aquisies seja constante. trata-se de uma ordem suces siva e no apenas cronolgica, que depende da experincia do sujeito e no apenas de sua matu-rao ou do meio social. alm desse critrio, Piaget prope outras exigncias bsicas para caracterizar estdios no desenvolvimento cognitivo:

    1o) todo estgio tem de ser integrador, ou seja, as estruturas elaboradas em determina-da etapa devem tornar-se parte integrante das estruturas das etapas seguintes;

    2o) um est dio corresponde a uma estrutura de conjunto que se carac teriza por suas leis de totalidade e no pela justaposio de propriedades estranhas umas s outras;

    3o) um estdio com preende, ao mesmo tempo, um nvel de preparao e um nvel de acabamento;

    4o) preciso distinguir, em uma se quncia de estdios, o processo de formao ou gnese e as formas de equilbrio final.

    Com estes critrios Piaget distinguiu quatro grandes perodos no desenvolvimento das estruturas cognitivas, inti mamente relacionados ao desenvolvimento da afetividade e da socializao da criana: estdio da inteligncia sensrio-motora (at, aproximadamente, os 2 anos); estdio da inteligncia simblica ou pr-operatria (2 a 7-8 anos); est dio da in-teligncia operatria concreta (7-8 a 11-12 anos); e estdio da inteligncia formal (a partir, aproximadamente, dos 12 anos).

    o desenvolvimento por estdios sucessivos realiza em cada um desses estdios um patamar de equilbrio constituindo-se em degraus em direo ao equilbrio final: assim que o equilbrio atingido num ponto a estrutura integra da em novo equilbrio em for-mao. os diversos estdios ou etapas surgem, portanto, como consequncia das sucessivas equilibraes de um processo que se desenvolve no decorrer do desenvolvimento. Seguem o itinerrio equivalente a um creodo (sequncia necessria de desenvolvimento) e su pem

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    uma durao adequada para a construo das compe tncias cognitivas que os caracteri-zam, sendo que cada es tdio resulta necessariamente do anterior e prepara a inte grao do seguinte. O creodo , ento, o caminho a ser percorrido na construo da inteligncia humana, que vai do perodo sensrio-motor (0-2 anos) aos Perodos simblico ou pr-operatrio (2-7 anos), lgico-concreto (7-12 anos) e formal (12 anos em diante). preciso esclarecer que os es tdios indicam as possibilidades do ser humano (sujeito epistmico), no dizendo respeito aos indivduos (sujeitos psi colgicos) em si mesmos. a concretizao ou realizao dessas possibilidades depender do meio no qual a criana se desenvolve, uma vez que a capacidade de conhecer resultado das trocas do organismo com o meio. da mesma forma, essa capacidade de conhecer depende, tambm, da organizao afetiva, uma vez que a afetividade e a cognio esto sempre presentes em toda a adaptao humana.

    o Estdio da Inteligncia Sensrio-motora (0 a 2 anos)

    o perodo sensrio-motor de fundamental importncia para o desenvolvimento cognitivo. Suas realizaes formam a base de todos os processos cognitivos do indivduo. Os esquemas sensrio-motores so as primeiras formas de pensamento e expresso; so padres de comportamento que podem ser aplicados a diferentes objetos em diferentes contextos. a evoluo cognitiva da criana nesse perodo pode ser descrita em seis subes-tdios nos quais estabelecem-se as bases para a construo das principais categorias do conhecimento que possibilitam ao ser humano organizar a sua experincia na construo do mundo: objeto, espao, causalidade e tempo.

    Subestdio I: o Exerccio dos Reflexos

    (at 1 ms)

    Os primeiros esquemas do recm-nascido so esquemas reflexos: aes espontneas que surgem automaticamente em presena de certos estmulos. nas primeiras vezes que se manifestam os esquemas reflexos apresentam uma orga nizao quase idntica. A estimu-lao de qualquer ponto de zona bucal do beb, por exemplo, desencadeia imediatamente o esquema reflexo de suco; uma estimulao da palma da mo provoca, automaticamente, a reao reflexa de preenso. Os esquemas reflexos caracterizam a atividade cognitiva da criana no seu primeiro ms de vida.

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    Subestdio II: As Primeiras Adaptaes Adquiridas e

    a Reao Circular Primria (1 ms a 4 meses e meio)

    no transcorrer dos intercmbios da criana com o meio ambiente logo os esquemas reflexos vo mostrar cer tos desajustes, exigindo transformaes. O que provoca tais desa-justes so as resistncias encontradas na assimilao dos objetos ao conjunto de aes. estes desajustes vo ser compensados por uma acomodao do esquema. Correspon dem a uma perda momentnea de equilbrio dos esquemas-reflexos. Os reajustes que possibilitam o xi-to consistem na obteno momentnea de um novo equilbrio.

    atravs desse jogo de assimilao e acomodao, de desequilbrios e reequilbrios, que os esquemas reflexos pas sam por um processo de diferenciao possibilitando a cons-truo de novos esquemas adaptados a novas classes de si tuaes e objetos que vo carac-terizar o incio do segundo subestdio. estes novos esquemas j no so apenas esque mas reflexos, uma vez que resultam de uma construo. So os esquemas de ao: novas organi-zaes de aes que se conservam atravs das situaes e objetos aos quais se apli cam. Si-multaneamente a esse processo de diferenciao dos esquemas reflexos iniciais h, tambm, um processo de co ordenao dos esquemas disponveis que d origem, igual mente, a novos esquemas. a coordenao entre os esquemas de olhar e pegar um exemplo de um novo esquema desse tipo que ser seguido por muitos outros de complexidade crescente nas etapas seguintes: apanhar o que v e levar boca, apanhar o que v para esfregar na grade do bero e explorar o rudo que isso provoca etc.

    no decurso do segundo ms surgem duas novas condutas tpicas do incio desse per-odo: a protuso da lngua e a suco do polegar, que caracterizam a reao circular primria na qual o resultado interessante descoberto por acaso conser vado por repetio. a reao circular primria refere-se a procedimentos aplicados ao prprio corpo da criana.

    esta a fase em que as aes ou operaes de desloca mento da criana so realizadas mediante grupos prticos, atravs da coordenao motora, sem dar origem ainda repre-sentao mental. a ao que cria o espao, a criana no tem conscincia dele. os espaos criados pela ao oral, visual, ttil, postural, auditivo etc. ainda no so coordenados entre si, portanto, so heterogneos. a criana parece considerar o mundo como um conjunto de quadros que aparecem e desaparecem. o tempo simples durao sentida no decorrer da ao prpria.

    neste subestdio das primeiras adaptaes adquiridas as condutas observadas ainda no so inteligentes no seu ver dadeiro sentido. elas fazem a transio entre o orgnico e o intelectual, preparando a inteligncia.

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    Subestdio III: As Adaptaes Sensrio-motoras Intencionais

    e as Reaes Circulares Secundrias (4 meses e meio a 8-9 meses)

    a terceira etapa desse perodo caracteriza-se pelo surgi mento das reaes circulares

    secundrias voltadas para os objetos. Pode-se defini-las como movimentos centralizados

    sobre um resultado produzido no ambiente exterior, com o nico propsito de manter esse

    resultado. aps ter aplicado as reaes circulares sobre o corpo prprio, a criana vai, pouco

    a pouco, utilizando esse procedimento sobre os obje tos exteriores. vai, ento, elaborando o

    que Piaget chama de reaes circulares secundrias, que marcam a passagem entre a ativida-

    de reflexa e a atividade propriamente inteli gente. Pela primeira vez aparece um elemento de

    previso de acontecimentos. a reao circular s comea quando um efeito casual, provoca-

    do pela ao da criana, percebido como resultado desta ao. Por isso, se at ento tudo

    era para ser visto, escutado, tateado, agora tudo para ser sa cudido, balanado, esfregado

    etc, conforme as diversas dife renciaes dos esquemas manuais e visuais.

    os esquemas secundrios so o primeiro esboo do que sero as classes ou os concei-

    tos da inteligncia refletida do jovem adulto. Apreender um objeto como sendo para sacu dir,

    esfregar etc, o equivalente funcional da operao de classificao do pensamento conceptu-

    al. Paralelamente a esta construo, constitui-se a conservao do objeto permanen te. nesse

    perodo as crianas tm as primeiras antecipaes de movimentos relacionados trajetria

    de um objeto e j conseguem distingui-lo quando semi-oculto. mas o objeto existe apenas

    em ligao com a ao prpria. o mundo , portanto, um mundo de quadros cuja perma-

    nncia mais longa, mundo que a criana procura fazer durar mais longa mente, mas que se

    desvanece como antes.

    no terreno espacial a criana mostra-se capaz de perce ber, de modo prtico, um con-

    junto de relaes centralizadas em si prpria (grupos subjetivos). a viso e a preenso j

    esto coordenadas. Comea a formar-se a noo de suces so e h o incio de conscincia de

    antes e o depois embo ra, para a criana dessa fase, o tempo das coisas seja apenas a apli-

    cao a estas do tempo prprio: o antes e o depois so relativos sua prpria ao. H,

    tambm, alguma apre ciao da causalidade, em ligao com as aes imediatas da criana,

    na procura das causas de acontecimentos e per cepes inesperados. a causalidade experi-

    mentada como resultado da prpria ao.

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    Subestdio IV: A Coordenao dos Esquemas Secundrios

    e sua Aplicao s Situaes Novas (8-9 Meses A 11-12 Meses)

    A principal novidade do quarto subestdio a busca, pela criana, de um fim no

    imediatamente atingvel atravs da coordenao de esquemas secundrios. a coordenao

    de esquemas observa-se no fato da criana se propor a atingir um objetivo no diretamente

    acessvel pondo em ao, nessa inteno, esquemas at ento relativos a outras situaes. H

    uma dissociao entre os meios e os fins e uma coorde nao intencional dos esquemas. J

    possvel, tambm, a imitao de respostas que a criana no v em si mesma.

    A subordinao dos meios aos fins j observada na atividade ldica da criana. Quan-

    to construo do objeto, h a busca de objetos ocultos atrs de anteparos, apesar da procura

    sempre recair sobre o primeiro anteparo usado para esconder o objeto. a criana capaz,

    por exemplo, de es conder um objeto sob um anteparo e depois retir-lo nova mente; mas,

    se o objeto escondido for deslocado para outra posio, ela ainda o procurar na primeira

    posio. H portanto, a busca do objeto desaparecido, porm, sem con siderar a sucesso dos

    deslocamentos visveis. a permann cia do objeto ainda subjetiva, isto , ligada prpria

    ao da criana.

    ao lidar com as relaes espaciais a criana se encontra numa situao intermediria

    aos grupos subjetivos e objetivos examinando a constncia dos objetos. o mesmo ocorre

    em relao causalidade: a criana aplica os meios conhecidos s situaes novas e come-

    a a atribuir aos objetos e s pessoas uma atividade prpria, o que indica a transio entre

    a causa lidade mgico-fenomenista (que caracteriza o subperodo an terior) e a causalidade

    objetiva. ela deixa de considerar suas aes como nica fonte de causalidade e considera o

    corpo de outra pessoa como um centro autnomo de atividade causal apreciando o arranjo

    espacial necessrio para a ao bem-sucedida. o tempo tambm comea a se aplicar aos

    aconteci mentos independentes do sujeito e a constituir sries objetivas. este , portanto, um

    subestdio de transio, no qual a eficincia da ao da criana ainda est marcada pelas

    carac tersticas da ao prpria.

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    Subestdio V: A Reao Circular terciria e a Descoberta dos

    meios Novos por Experimentao Ativa (11-12 Meses A 18 Meses)

    na quinta etapa a atividade imitativa apresenta a imita o deliberada e a atividade ldica apresenta a reao cir cular terciria, na qual a criana explora objetos desconhecidos por todos os meios que conhece: pegar, levantar, soltar, sacudir e repeties destes esquemas.

    este o subestdio da elaborao do objeto e se caracte riza pela experimentao e pela busca da novidade. O efeito novo no apenas reproduo, mas modificado a fim de observar a sua natureza: so as chamadas experincias para ver. A reao circular aparece como um esforo para cap tar as novidades em si mesmas. a descoberta dos meios novos por experimentao ativa explicita-se em condutas que indi cam as formas mais ele-vadas de atividade intelectual da criana, antes do aparecimento da inteligncia sistemtica. So exemplos caractersticos desta atividade: a conduta dos suportes (a criana descobre a possibilidade de atrair para si um objeto afastado puxando a seu encontro o suporte sobre o qual est colocado); a conduta do barbante (a criana puxa para si um barbante ao qual est amarrado um objeto, para atra-lo em sua direo); e a conduta do basto (utilizao de um basto como instrumento intermedirio para alcanar um objeto distante, fora do campo de preenso da criana).

    Quanto construo do objeto, h busca de objetos ocul tos atrs de um anteparo, apesar da procura sempre recair no primeiro anteparo usado para esconder o objeto. mas a criana considera os deslocamentos sucessivos do objeto, passando a busc-lo na posio resultante do ltimo deslo camento. H, portanto, a descoberta da atuao sobre os objetos por meio de intermedirios e se inicia o reconheci mento de que os objetos podem causar fenmenos indepen dentemente de sua ao, bem como o domnio sobre objetos que foram ocultos sob anteparos.

    a criana leva em conta relaes espaciais, conseguindo fazer grupos espaciais ob-jetivos; ela agora est interessada no mais apenas em sua ao, mas, sobretudo, no objeto. adquire a noo de deslocamento dos objetos em relao uns aos outros por contato direto. mas, apesar de perceber as relaes espaciais entre as coisas, ainda no consegue represent-las na ausncia do contato direto: ela s conside ra os deslocamentos realizados dentro do seu campo perceptivo. Comea a ter percepo de certa sucesso no tempo e memria mais prolongada de uma sequncia de deslocamentos. o tempo agora engloba sujeito e objeto, constituindo-se o elo contnuo e sistemtico que une os aconte cimentos do mundo exterior uns aos outros. a causalidade objetiva sobre os objetos e as pessoas e situada no quadro espao-temporal.

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    Subestdio Vi: A Inveno dos meios Novos por

    Combinao mental e a Representao (1 Ano E Meio A 2 Anos)

    neste subestdio ocorre a transio entre a inteligncia sensrio-motora e a inteli-gncia representativa, que comea em torno dos dois anos, com o aparecimento da funo simb lica. a novidade, em relao ao sub-perodo anterior que as invenes j no se efetuam de modo prtico, mas passam ao nvel mental. a criana comea a ser capaz de re-presentar o mundo exterior mentalmente em imagens, memrias e smbo los, que capaz de combinar sem o auxlio de outras aes fsicas. Na atividade ldica ela capaz de fingir, fazer de conta, fazer como se: o smbolo motivado. Inveno e representao seguem juntas, anunciando a passagem a um nvel superior. a inveno aparece como uma acomo-dao mental brusca do conjunto de esquemas situao nova, dife renciando os esquemas de acordo com a situao.

    O objeto agora j est definitivamente constitudo: h a representao dos deslocamen-tos invisveis de objetos ocultos, que procura a partir da ideia de sua permanncia. igualmen-te, procura causas que no percebeu: sendo capaz de repre sentar os objetos ausentes, pode reconstituir causas em pre sena de seus efeitos, sem percepo dessas causas. assim, ela pode prever os efeitos futuros do objeto percebido, que capaz de representar. as relaes do antes e do depois se constituem a partir da evocao dos objetos ou das situaes ausentes: a criana capaz de situ-las num tempo represen tativo que engloba a si mesma e ao mundo. a representao mental estende o tempo a acontecimentos lembrados.

    em resumo, nestes dois primeiros anos de vida a criana se desenvolve no sentido de uma descentrao progressiva. no incio est num estado de confuso total, possuindo ape-nas seus reflexos hereditrios. a partir de sua tomada de contato com o mundo exterior que ela vai desenvolver con dutas de adaptao: seus reflexos transformam-se em hbi tos, depois, pouco a pouco, os processos de acomodao e assimilao levam-na a estabelecer com o mundo relaes de objetividade e, ao mesmo tempo, a construir sua prpria subjetividade. os trs primeiros subestdios so de elabora o: a criana assimila o real a si prpria. no terceiro j se percebe uma transio, na qual ocorre a dissociao para, no quarto subestdio, vermos a criana oscilar entre a descentralizao objetiva que termina com o sexto subes-tdio, pela representao. no estdio sensrio-motor o instrumen to principal de apoio e de constituio de si mesma e do mundo a percepo, pela qual a criana estabelece rela es diretamente com o mundo exterior. a partir deste es tdio essas relaes com o mundo sero mediadas pela fun o simblica, no plano das representaes.

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    At o final do segundo ano de vida, uma observao cui dadosa do comportamento da criana revela a existncia de um grande nmero de esquemas de ao diferenciados. esses esquemas vo se combinando entre si e se coordenando, traduzindo o aparecimento das primeiras estruturas intelec tuais equilibradas, que permitem criana a estruturao espao-temporal e causal da ao prtica. a criana cons truiu um universo estvel onde os movimentos do prprio corpo e dos objetos exteriores esto organizados em um todo pre-sidido por leis (leis dos grupos de deslocamento). O aparecimento da funo simblica, por volta do final do se gundo ano tem, entre outras consequncias, a de possibilitar que os esquemas de ao, caractersticos da inteligncia sensorio-motora, possam transformar-se em esquemas re presentativos, ou seja, esquemas de ao interiorizados. es ses esquemas interiorizados desempenham a mesma funo que os esquemas de ao do perodo sensrio-motor: atri buir significao realidade.

    o Estdio Pr-operatrio ou Simblico (2 a 6-7 anos)

    o perodo pr-operatrio realiza a transio entre a in teligncia propriamente sens-rio-motora e a inteligncia representativa. essa passagem no ocorre atravs de mutao brusca, mas de transformaes lentas e sucessivas. ao atingir o pensamento representativo a criana precisa re construir o objeto, o tempo, o espao, as categorias lgicas de classes e relaes nesse novo plano da representao. tal reconstruo estende-se dos dois aos doze anos, abrangendo os estdios pr-operatrio e operatrio concreto.

    a primeira etapa dessa reconstruo, que Piaget deno mina perodo pr-operatrio, dominada pela representa o simblica. a criana no pensa, no sentido estrito desse termo, mas ela v mentalmente o que evoca. o mundo para ela no se organiza em categorias lgi-cas gerais, mas distribui-se em elementos particulares, individuais, em relao com sua ex-perincia pessoal. o egocentrismo intelectual a principal forma assumida pelo pensamento da criana neste estdio. Seu raciocnio procede por analogias, por transduo, uma vez que lhe falta a generalidade de um verdadeiro raciocnio lgico.

    o advento da capacidade de representao vai possibili tar o desenvolvimento da fun-o simblica, principal aquisi o deste perodo, que assume as suas diferentes formas a linguagem, a imitao diferida, a imagem mental, o dese nho, o jogo simblico compre-endidas como diferentes meios de expresso daquela funo.

    Para Piaget a passagem da inteligncia sensrio-motora para a inteligncia represen-tativa se realiza pela imitao. Imitar, no sentido estrito, significa reproduzir um modelo. j presente no estdio sensrio-motor, a imitao s vai se inte riorizar no sexto subestdio, quando a criana pode praticar o faz-de-conta, agir como se, por imitao deferida ou imita o interiorizada. interiorizando-se a imitao, as imagens elaboram-se e tornam-se

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    substitutos dos objetos dados per cepo. O significante , ento, dissociado do significado, tor nando possvel a elaborao do pensamento representativo.

    a inteligncia tem acesso, ento, ao nvel da representa o, pela interiorizao da imi-tao (que, por sua vez, favorecida pela instalao da funo simblica). a criana tem acesso, dessa forma, linguagem e ao pensamento. ela pode elaborar, igualmente, imagens que lhe permitem, de certa forma, transportar o mundo para a sua cabea.

    entre 2 e 5 anos, aproximadamente, a criana adquire a linguagem e forma, de alguma maneira, um sistema de ima gens. entretanto, a palavra no tem ainda, para ela, o valor de um conceito; ela evoca uma realidade particular ou seu correspondente imagstico. Tendo que reconstruir o mundo no plano representativo, ela o reconstri a partir de si mes ma. o egocentrismo intelectual est no auge no decurso dessa etapa. a dominao do pensamento por imagens encerra a criana em si mesma.

    o pensamento imagstico egocntrico, caracterstico des ta fase, pode ser observado no jogo simblico, no qual a crian a transforma o real ao sabor das necessidades e dos dese jos do momento. o real transformado pelo pensamento simblico, na medida em que o jogo se desenvolve, ao sabor das exigncias do desejo expresso no e pelo jogo. por isso que Piaget considera o jogo simblico como o egocentrismo no estado puro.

    Um pensamento assim dominado pelo simbolismo essen cialmente particular, pessoal e, por isso, incomunicvel, no um pensamento socializado. ele no repousa em concei tos, mas no que Piaget chama pr-conceitos, que so parti culares, no sentido em que evocam realidades particulares, tendo seu correlato imagstico ou simblico prprio expe rincia, de cada criana.

    Entre os 5 e 7 anos, perodo geralmente chamado de in tuitivo, ocorre uma evoluo que leva a criana, pouco a pouco, maior generalidade. Seu pensamento agora repou sa sobre configuraes representativas de conjunto mais amplas, mas ainda est dominado por elas. a intuio uma espcie de ao realizada em pensamento e vista mental mente: trans-vasar, encaixar, seriar, deslocar etc. ainda so esquemas de ao aos quais a representao assimila o real. mas a, intuio , tambm, por outro lado, um pensamento imagstico, ver-sando sobre configuraes de conjunto e no mais sobre simples colees sincrticas, como no perodo anterior.

    o pensamento da criana entre dois e sete anos domi nado pela representao imags-tica de carter simblico. a criana trata as imagens como verdadeiros substitutos do objeto e pensa efetuando relaes entre imagens. a criana capaz de, em vez de agir em atos sobre os objetos, agir mentalmente sobre seu substituto ou imagem, que ela no meia. Proveniente da interiorizao da imitao, a repre sentao simblica possui o carter esttico da imita-o, motivo pelo qual versa, essencialmente, sobre as confi guraes, por oposio s trans-formaes. Com a instalao das estruturas operatrias do perodo seguinte, a imagem vai

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    ser subordinada s operaes. na passagem da ao sensrio-motora para a representao, pela imitao, pos svel apreender melhor as ligaes entre as operaes e a ao, tornando mais compreensvel a origem de certos dis trbios dos processos figurativos: espao, tempo, esquema corporal etc.

    o Estdio operatrio Concreto (7 a 11-12 anos)

    Por volta dos sete anos a atividade cognitiva da criana torna-se operatria, com a aquisio da reversibilidade lgi ca. a reversibilidade aparece como uma propriedade das aes da criana, suscetveis de se exercerem em pensa mento ou interiormente. o domnio da reversibilidade no plano da representao a capacidade de se representar uma ao e a ao inversa ou recproca que a anula ajuda na construo de novos invariantes cogni-tivos, desta vez de natureza representativa: conservao de comprimento, de distncias, de quantidades discretas e contnuas, de quanti dades fsicas (peso, substncia, volume etc). o equilbrio das trocas cognitivas entre a criana e a realidade, caractersti co das estruturas operatrias, muito mais rico e variado, mais estvel, mais slido e mais aberto quanto ao seu alcan ce do que o equilbrio prprio s estruturas da inteligncia sensrio-motora.

    o Estdio das operaes Formais (11 a 15-16 anos)

    tanto as operaes como as estruturas que se constroem at aproximadamente os onze anos, so de natureza concre ta; permanecem ligadas indissoluvelmente ao da crian a sobre os objetos. entre os 11 e os 15-16 anos, aproximada mente, as operaes se desligam progressivamente do plano da manipulao concreta. Como resultado da experincia lgico-matemtica, o adolescente consegue agrupar repre sentaes de representaes em estruturas equilibradas (ocorrendo, portanto, uma nova mudana na natureza dos esquemas) e tem acesso a um raciocnio hipottico-dedutivo. agora, poder chegar a concluses a partir de hipteses, sem ter necessidade de observao e manipulao reais. esta possibilidade de operar com operaes caracteriza o pero do das operaes formais, com o aparecimento de novas estruturas intelectuais e, consequentemente, de novos invariantes cognitivos. a mudana de estrutura, a possibili dade de encontrar formas novas e originais de organizar os esquemas no termina nesse perodo, mas continua se pro cessando em nvel superior. as estruturas operatrias for mais so o ponto de partida das estruturas lgico-matemticas da lgica e da matemtica, que prolongam, em nvel superior, a lgica natural do lgico e do matemtico.

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    os Fatores do Desenvolvimento e o Processo de EquilibraoPara compreender melhor a resposta de Piaget ao pro blema do desenvolvimento do

    pensamento racional preci so explicitar os fatores considerados por ele como respons veis por tal desenvolvimento. Podem-se identificar quatro fatores gerais do desenvolvimento das funes cognitivas, cuja responsabilidade nesse processo , entretanto, varivel.

    o primeiro fator a considerar a maturao nervosa. a maturao abre possibili-dades, aparecendo como condio necessria para o desenvolvimento de certas condutas. En tretanto, no sua condio suficiente. No se sabe, sequer, das condies especficas de maturao que tornam possvel a constituio das estruturas operatrias da inteligncia. alm disso, se certo que o crebro contm conexes here ditrias, ele contm sempre um nmero crescente de cone xes, a maioria das quais adquirida pelo exerccio e refora da pelo funcionamento. Portanto, a maturao um fator necessrio na gnese, mas no se sabe exatamente qual o seu papel alm da abertura de possibilidades.

    Um segundo fator o do exerccio e da experincia ad quirida na ao sobre os objetos e acontecimentos. a expe rincia comporta dois plos diferentes: a experincia fsica (que consiste em agir sobre os objetos para abstrair suas propriedades) e a experincia lgico-matemtica (agir sobre os objetos para conhecer o resultado da coordenao das aes). o exerccio implica a presena de objetos sobre os quais a ao exercida, mas no implica necessariamente que todo conhecimento seja extrado destes objetos. o exer ccio tem um efeito positivo na consolidao, quer dos refle xos quer das operaes intelectuais, que podem ser aplica das a objetos; ele relaciona-se mais com as estruturas de pendentes da atividade do sujeito do que com um aumento do conhecimento do ambiente externo.

    Quanto experincia propriamente dita, no sentido de aquisio de conhecimento novo atravs da manipulao dos objetos, preciso considerar os dois aspectos indicados des ta experincia a experincia fsica e a experincia lgico--matemtica que expres-sam a complexidade desse fator. ela envolve, pois, sempre dois plos: aquisies derivadas dos objetos e atividades construtivas do sujeito. Mesmo a expe rincia fsica nunca pura; ela implica sempre um quadro lgico-matemtico que a organiza. a experincia fsica uma estruturao ativa e assimiladora a quadros lgico-matemticos. Portanto, nesse sentido, a elaborao das estruturas lgico-matemticas precede o conhecimento fsico.

    o terceiro fator o das interaes e das transmisses sociais. a linguagem , inega-velmente, um fator de desen volvimento, embora no seja sua fonte. Para poder assimilar a linguagem e, especificamente, as estruturas lgicas que ela veicula, so necessrios instru-mentos de assimilao ade quados, que lhe so anteriores na gnese. a socializao comea pelas condutas, mas a socializao do pensamento s se torna possvel quando as estruturas

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    de reversibilidade esto adquiridas. assim, a reciprocidade nas trocas s apa rece em torno dos oito anos. Um terceiro aspecto das interaes e transmisses sociais constitudo pela educa o, cuja ao versa sobre inmeros fatores e assume varia das formas. no que se refe-re s transmisses escolares (aprendizagem), elas s so possveis e eficazes se se apoiarem sobre estruturas j presentes e se contriburem, tanto para refor-las pelo exerccio, quanto para favorecer o seu desenvolvimento. de todo modo, para assimilar preciso ter desenvol-vido estruturas de assimilao.

    aos trs fatores indicados, que explicitam trs condies do desenvolvimento repre-sentados pela herana, o meio e o funcionamento, preciso, entretanto, acrescentar uma ter-ceira caracterstica essencial dos sistemas vivos, que a auto-regulao, chamada por Piaget de fator de equilibrao. a auto-regulao que explica a evoluo e define o estado mesmo do vital.

    Embora no se possam identificar os rgos mentais com os rgos fsicos, possvel estabelecer uma correspondn cia entre os fatores responsveis pelo desenvolvimento morfo-gentico e aqueles que entram no desenvolvimento psicolgico. assim, noo de herana ou estrutura pr-construda corresponde a de maturao orgnica que em bora no dependa apenas de programao hereditria de sempenha, em relao ao comportamento, o mesmo papel de fator preliminar que os gens em relao epignese. ao fator funcionamento cor-responde o de atividade e ao meio fsico se acrescentam as transmisses sociais e culturais. estes trs fatores, entretanto, s podem operar de forma coorde nada, e essa a funo do quarto fator a auto-regulao ou equilibrao que tambm fundamental no caso do desenvolvimento psicolgico.

    A equilibrao , pois, o processo pelo qual se formam as estruturas cognitivas e cons-titui, em ltima anlise, a ex presso da lei funcional que afirma a atuao das estruturas. esse fator interno do desenvolvimento, espcie de dinmi ca, de processo que conduz, por desequilbrios e recons trues, a estados de estruturaes superiores o fator deter minante do progresso no desenvolvimento cognitivo.

    Se a perspectiva de Piaget sobre o desenvolvimento mental a do conhecimento, e como s pode haver conhe cimento por parte do indivduo que conhece, preciso partir da perspectiva do sujeito e tentar identificar que estruturas ele pe em ao para constituir o saber. inicialmente vemos um ser estruturado por seus componentes hereditrios, que se adapta assimilando-se e acomodando-se e, fazendo isso, vai modificando suas estruturas de assimilao para melhor assimilar, num crculo sem-fim, cujo movimento vai alargan do o processo numa espcie de espiral. Este processo ex pressa o que Piaget indicou, ao afirmar que no h gnese sem estrutura nem estrutura sem gnese. Se a inteligncia, como instru-mento de adaptao, pensada em termos de equilbrio entre a assimilao e a acomodao, o resultado disso o conhecimento, meio que possui a mente humana para se adaptar. as-sim, se o sujeito constitui o objeto, ele se constitui ao se reconstituir de volta.

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    o Papel da Interao no Desenvolvimento da Criana e na Construo do ConhecimentoPara Piaget, a interao apresenta-se como o principal elemento estimulador do desen-

    volvimento intelectual. a concepo construtivista do conhecimento, postulada por Piaget, tem como ponto central o fato de que o ato de conhe cimento consiste em apropriao pro-gressiva do objeto pelo sujeito; de tal maneira que a assimilao do objeto s estru turas do sujeito indissocivel da acomodao destas lti mas s caractersticas prprias do objeto. o carter constru tivo do conhecimento se refere tanto ao sujeito que conhece quanto ao objeto conhecido; ambos aparecem como resulta do de um processo permanente de construo. O constru tivismo subjacente teoria pagetiana supe a adoo de uma perspectiva ao mesmo tempo relativista o conheci mento sempre relativo a um momento determinado do pro-cesso de construo e interacionista o conhecimen to surge da interao contnua entre o sujeito e o objeto ou, mais precisamente, da interao entre os esquemas de assi milao do sujeito e as propriedades do objeto.

    Essa concepo tem como principal consequncia a afir mao de que o ser humano criana, adulto ou adolescen te constri seu prprio conhecimento atravs da ao. a natureza da atividade necessria a essa construo vai de pender, evidentemente, da natureza do conhecimento que se pretende seja construdo. a interao com objetos vai facilitar o desenvolvimento do conhecimento tanto fsico como lgico-matemtico que diz res-peito aos objetos, suas propriedades e as relaes que se estabelecem entre eles. entretanto, o conhecimento de natureza social e afetiva s pode se desenvolver a partir da interao com pessoas. este aspecto do desenvolvimento da criana tratado por Piaget especialmente num texto de 1932, o julgamento moral na Criana, que serviu de ponto de partida para muitas pesqui sas e trabalhos tericos sobre o assunto. nesse texto, Piaget mostra como a intera-o que se estabelece entre as crianas vai tornar possvel o desenvolvimento de relaes coopera tivas no plano social, correspondendo s relaes de coorde nao de perspectivas do pensamento operatrio no plano do desenvolvimento intelectual. Isso significa que, alm de possibilitar o desenvolvimento afetivo e social, as interaes entre as crianas constituem um fator fundamental para o seu desenvolvimento cognitivo.

    RefernciasPiaGet, j. a Construo do real na criana. rio de janeiro, Zahar, 1970

    _______, a representao do mundo na criana. rio de janeiro, Zahar, 1971.

    _______, biologia e Conhecimento. Petrpolis, vozes, 1973.

    _______, o nascimento da inteligncia na criana. rio de janeiro, Zahar, 1974.

    _______, a formao do smbolo na criana. rio de janeiro, Zahar, 1976(a).

    _______, a equilibrao das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. rio de janeiro, Zahar, 1976 (b)

    _______, o julgamento moral na criana. So Paulo, mestre jou, 1977.

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    Saiba Mais

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    Comportamento de Bebs em Situaes de Separao e Reencontro com os Pais, na Rotina Diria da Creche

    lgia ebner melchioriDepartamento de Psicologia , UNESP - Bauru

    Zlia maria mendes biasoli alves

    resumo: Esse trabalho teve por objetivo verificar como o comportamento dos bebs e adultos no momento de separao e reencontro em uma creche do interior paulista. os dados foram obtidos atravs de entrevista semi-estruturada com 21 educadoras de creche, individualmente entrevistadas, sobre cada beb de 4 a 24 me-ses sob seus cuidados (n=71) e atravs da observao gravada em vdeo da situao de separao e reencontro entre pais-bebs. os dados obtidos foram analisados de forma quantitativa, quantitativa-interpretativa e qua-litativa. os resultados desse estudo parecem indicar que essa amostra de bebs tem uma forte ligao com a figura materna, evidenciada principalmente depois dos oito meses em diante, com possibilidades de ser um

    apego seguro em funo da manifestao de alegria quando as mes retornam e da afetividade demonstrada por elas; isto leva a afirmao de que o fato de o beb permanecer no ambiente coletivo durante o dia no

    estaria afetando o seu vnculo afetivo com a me.

    Palavras chaves: comportamento de bebs; vnculo afetivo me-beb; creche

    os estudos do vnculo me-beb, quando estes freqentam a creche, tm obtido resul-tados controversos. na reviso de belsky e Steinberg (1978), eles no encontraram evidn-cias conclusivas de que o ambiente coletivo prejudica a ligao me-criana. j no estudo de 1988, belsky mostrou que a freqncia dos bebs na creche por mais de 20 horas semanais durante o primeiro ano de vida poderia interromper o processo de apego, aumentando o risco do desenvolvimento de problemas psicolgicos. em outro trabalho, belsky e rovine (1988) relataram que 43% dos bebs que passam 20 ou mais horas por semana na creche estabele-cem um vnculo de apego inseguro com a me, contra 26% dos que permanecem por menos de 20 horas semanais. Clark-Stewart (1989) encontrou um nvel similar de significncia dessa associao: 36% de apego inseguro para bebs com perodos mais extensivos na creche e 29% dos que passam perodos menores.

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    os dados da pesquisa de barglow, vaughn & molitor (1987) vo nesta mesma direo, e eles discutem a ligao da creche com alta taxa de apego inseguro, principalmente do tipo evitador, vivenciadas por experincias dirias de bebs que sofrem algum grau de rejeio materna.

    entretanto, resultados de outros estudos apontam para outra direo. rubenstein e Howes (1979) mostraram que a separao diria no produz efeitos negativos na ligao de apego me-beb. e, mais recentemente, roggman, langlois, Hubbs-tait e rieser-danner (1994) denunciaram que nas pesquisas publicadas a respeito de apego e creche, ocorre o file drawer problem, inicialmente proposto por Rosenthal (1979). Eles revelam que, nessa rea, h inmeros estudos no publicados porque apresentavam correlao nula entre apego e a permanncia da criana na creche. Para esses autores o problema estaria em que os pesqui-sadores relutam em submeter para publicao dados que no apresentam diferena significa-tiva, e que os editores tendem a aceitar somente estudos que rejeitam hipteses nulas, pondo de lado os fracassos nas replicaes. esse procedimento aumenta a probabilidade de que se encontrem revises afirmando existir uma relao entre o tipo de apego e a permanncia na creche, uma vez que o material publicado disponvel fortalece a hiptese pretendida. a partir da pode-se, de uma forma artificial, propagar falsas generalizaes, que tm implicaes em diversos nveis: terico, comportamental e poltico.

    esses autores replicaram quatro estudos apresentados por belsky (1988) utilizando amostras similares, a mesma medida de avaliao do apego, definio de cuidado extenso na creche ou no e anlise tcnica dos dados. Nenhum resultado foi forte o suficiente para mostrar a relao significativa entre o apego inseguro e a permanncia por um longo perodo semanal na creche.

    Para dirimir inmeras dvidas a respeito de vrios aspectos controversos, niCHd (1997) fez um extenso estudo longitudinal, com uma amostra de mais de 1000 pares mes-bebs, de diversas raas e estruturas familiares, vivendo em nove estados diferentes dos EUA. Os bebs foram identificados no nascimento e acompanhados at os trs anos de idade. alm disso, eles tambm examinaram o contexto das creches.

    o importante salientar que niCHd (1997) no encontrou nenhuma evidncia de que o apego inseguro estava ligado a maior quantidade de horas que a criana passa na creche. eles obtiveram dados comprovando que crianas que desenvolvem o apego seguro tm mes mais sensveis e responsivas e um ajustamento psicolgico positivo. os resultados desse es-tudo indicam claramente que a creche por ela mesma no constitui nem risco nem benefcio para o desenvolvimento do apego me-beb, tal como avaliado pela Situao estranha.

    em um outro recente estudo longitudinal (niCHd, 1998), os pesquisadores conclu-ram que, quando os preditores familiares so positivos, o desenvolvimento scio-emocional e cognitivo das crianas no afetado pelo cuidado externo em tenra idade, mesmo se expe-

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    rienciado por grande parte do dia e comeando nos primeiros meses de vida. esses dados so consistentes com os de Clarke-Stewart, Gruber e fitzgerald (conforme citado por niCHd, 1998). isso no implica minimizar a importncia das condies do ambiente coletivo, que, de fato, tambm exercem influncia no desenvolvimento das crianas sob seus cuidados, como colocam Phillips, mcCartney e Scarr (1987), salientando que sua qualidade global afeta mui-tos aspectos da competncia social e ajustamento da criana.

    a situao de separao e reencontro pais/criana quando estas freqentam a creche, pode ser um forte indicativo de como so as relaes entre essa dade ou trade. em funo de todas essas consideraes, o objetivo desse estudo foi o de descrever como o compor-tamento dos bebs e dos adultos na separao e reencontro em uma creche localizada em cidade do interior de So Paulo.

    mtodo

    Sujeitos

    os sujeitos foram 71 bebs de quatro a 24 meses, 35 do sexo feminino (49%) e 36 do sexo masculino (51%) que freqentavam o Centro de Convivncia Infantil (C.C.I.), filhos de funcionrias do Hospital das Clnicas cujo nvel de escolaridade das mes variou do primeiro grau ao superior e as profisses incluam de faxineira do hospital a mdicas e administrado-ras e 21 educadoras, com idades de 21 a 57 anos, e de trs a 18 anos de experincia no cui-dado de bebs no C.C.i. o nvel de escolaridade mnimo exigido nessa funo o primeiro grau completo e 24% das educadoras se enquadravam nele. mais da metade tinha o segundo grau completo (57%) e o restante (19%) incompleto.

    Procedimento de Coleta de Dados

    Para atingir os objetivos propostos, buscou-se uma abordagem metodolgica capaz de permitir uma coleta ampla de informaes, optando-se por duas estratgias: entrevista e observao registrada em vdeo.

    as entrevistas semi-estruturadas foram realizadas pela pesquisadora, durante o per-odo de trabalho das educadoras, em local separado. elas tiveram uma durao mdia de 15 minutos, totalizando 21 horas de gravao.

    a observao foi utilizada como estratgia de coleta de dados complementar aos obti-dos atravs das entrevistas, com o objetivo de registrar o que acontece nessas duas atividades rotineiras na creche. a durao mdia das gravaes foi de aproximadamente dez minutos por situao em cada um dos cinco berrios, perfazendo um total de uma hora e quarenta minutos de gravao.

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    Procedimento de Anlise de Dados

    alguns dados foram obtidos diretamente da entrevista, pois a leitura fornecia a uni-dade de anlise, e ela foi passada para quadros que permitiram a construo de tabelas que deram origem s figuras de porcentagem de ocorrncia, em funo das variveis sexo e idade do beb (anlise quantitativa).

    Para aprofundar a anlise de alguns aspectos, foi necessrio fazer uma anlise quan-titativa/interpretativa (biasoli alves, 1998), construindo-se sistemas de categorias para o relato das educadoras, obedecendo aos seguintes critrios: o de exaustividade, o de exclusi-vidade, o nvel de amplitude das Categorias e o nvel de inferncia das Categorias (Sigolo & biasoli alves, 1998).

    foi includa tambm uma anlise qualitativa (biasoli alves, 1998) buscando, nos rela-tos dos educadores, informaes que pudessem reforar alguns pontos, esclarecer ou ilustrar outros, adotando-se o procedimento de colocar frases retiradas diretamente das entrevistas.

    ResultadosChegada Creche

    Segundo o relato das educadoras, os bebs geralmente chegam creche trazidos pela me: isso ocorre com 100% dos femininos e 96% dos masculinos; h uma porcentagem pequena que conta com o acompanhamento do pai. as educadoras relatam que o compor-tamento mais comum dos pais, nessa hora, expressar afetividade para com os bebs (em torno de 92% para ambos os sexos).

    Nos dados da filmagem, 100% das mes demonstraram afeto com o beb nesse mo-mento: beijaram, conversaram e agradaram a sua cabecinha. as educadoras receberam os bebs falando com eles e rindo, conversando com a me para saber se estava tudo bem.

    A descrio das educadoras permitiu identificar oito maneiras diferentes de os bebs se comportarem quando chegam ou so colocados dentro do berrio: (a) riem ou sorriem para a educadora; (b) abrem os braos para ela; (c) andam ou correm para dentro do berrio; (d) abraam e beijam-na; (e) mantm-se quietos; (f) choram; (g) seguram-se na me ou no pai; (h) resmungam. Esses comportamentos foram agrupados em quatro categorias: Acei-tao da Educadora quando eles riem ou sorriem, abrem os braos e abraam e beijam a educadora;. Aceitao do Ambiente/Independncia do Beb quando eles andam ou correm para dentro do berrio; Condio Neutra quando mantm-se quietos na hora de entrar no berrio; Protesto se choram, se seguram na me ou no pai, resmungam. Como houve relatos de bebs que eram citados ora emitindo comportamentos pertencentes a uma das ca-tegorias ora a outras, eles foram postos em um grupo parte, denominado No Definido. os resultados aparecem na figura 01.

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    Figura 01: Proporo de ocorrncia das categorias de reaes chegada creche, de bebs, em funo do sexo e da faixa-etria.

    A figura evidencia, em um primeiro momento, a semelhana entre os comportamentos dos bebs de 4 a 7 meses, de ambos os sexos, ao chegarem na creche: cerca de 60% est na categoria neutro. na faixa etria seguinte, h diferenas e semelhanas no comportamento dos bebs de cada sexo: sobressai para os meninos a aceitao da educadora (sorriem para ela, abrem os braos ou a abraam e beijam) e para as meninas h variedade (mantm-se quietas e protestam ao adentrar na creche, atravs de choro e resmungos). observa-se tam-bm que, nessa faixa etria, ocorre o maior percentual da categoria de Comportamentos de Protestos para ambos os sexos. de 17 a 24 meses o mais evidente a independncia dos be-bs: andam/correm para dentro do berrio. Bebs masculinos dessa faixa etria tambm protestam mais que os femininos.

    analisando as categorias ao longo das diferentes faixas etrias pode-se observar que a neutralidade diminui com a idade, o protesto inconstante e a aceitao do ambiente tende a ser maior para os mais velhos.

    Os dados da filmagem mostram bebs calmos e tranqilos nesse momento, aceitando a troca do colo.

    Sada da Creche

    o relato das educadoras, so as mes que buscam os bebs na creche na maioria das vezes (87% meninas e 84% meninos), raramente acompanhadas pelos maridos. os pais assu-mem esta tarefa em menos de 20% das vezes e importante assinalar que isto ocorre apenas quando eles so um pouco mais velhos.

    de acordo com as educadoras, 100% das mes/pais de bebs do sexo masculino e 95% dos femininos expressam afetividade quando buscam seus filhos na creche. A observao comprova esses dados.

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    os bebs costumam agir na hora do reencontro de diversas formas: (a) se aconchegam no colo da me ou pai; (b) riem ou sorriem para a me/pai ou ambos; (c) se atiram no colo ou estendem os braos para os pais; (d) engatinham, andam, correm em direo aos pais; (e) emitem sons, falam, conversam com os pais; (f) ficam agitados; (g) mantm-se quietos; (h) choram. esses comportamentos foram agrupados em duas categorias: aceitao do re-torno dos Pais e demonstrao de neutralidade na situao.

    Exprimem Aceitao do Retorno da Me/Pai comportamentos de se aconchegarem no colo deles, rirem, jogarem ou darem beijos e abraa-los, engatinharem, andarem/correrem na direo deles, conversarem com eles, se atirarem em seus braos ou estenderem os braos em sua direo:

    Nossa, a hora que ele v a me aquela festa n de me e filho, ela j chega fazendo folia l na porta e ele fica todo, todo, se a gente tiver com ele no colo tem que tomar cuidado, ele se agita tanto que a gente corre o risco de ir os dois pro cho.

    Quando o beb fica agitado ao ver a me/pai ou chora, tambm foi colocado na cate-goria de aceitao do retorno deles, pois, segundo as educadoras, esses comportamentos exprimem apego aos pais:

    Se ela v a me na janela ela j chora, comea a chorar e ela vai chorando pra me, tem medo que a gente no vai entregar.

    o comportamento foi categorizado como neutro quando a criana mantm-se quieta, tranqila.

    a figura 02 apresenta o percentual de bebs que se comportam demonstrando aceita-o dos Pais quando estes vo busc-los ou mantendo-se neutros, em funo da faixa etria e do sexo.

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    Figura 02: Proporo de ocorrncia de reaes dos bebs ao contato com os pais, na sada da creche.

    A figura mostra que h semelhanas no comportamento dos bebs de ambos os sexos, quanto proporo de ocorrncia de cada uma das categorias em diferentes faixas etrias. bebs de 4 a 7 meses, na viso das educadoras, j demonstram aceitao dos pais, apesar de que 45% dos meninos e 33% das meninas mantm-se neutros nessa hora. nas duas faixas etrias seguintes, a grande maioria demonstra aceitao dos pais.

    Os dados da filmagem mostram que as mes com bebs no berrio 1 so as que agem de forma menos efusiva e tambm seus filhos tendem a ficar calmos/tranqilos na passagem do colo da educadora para o delas. do berrio 2 em diante, todos os bebs1 demonstram reconhecer a figura materna/paterna: riem, sacodem os braos e as pernas, estendem os braos para serem pegos, emi-tem sons e, quando j caminham, andam na direo deles.

    O Humor na Chegada e na Sada

    outro aspecto avaliado quando da chegada e sada da creche foi o humor dos bebs. esses dados esto colocados lado a lado visando facilitar uma comparao desses dois mo-mentos. o humor foi categorizado como: irritado/intranqilo, calmo/tranqilo ou alegre/fe-liz. a irritao/intranqilidade ocorre quando o beb chega chorando, resmungando:

    a me vem trazendo, a hora que ela v que t chegando no berrio ela j comea a querer chorar n, a a me j traz ela no colo, entrega, a gente recebe ela no colo e ela t chorando.

    o estado de calma e tranqilidade quando o beb aceita a troca de colo:

    ele chega bem cedo, mas ele entra tranqilo, numa boa, vem para o colo da gente sem reclamar, quietinho, ele entra tranqilo.

    1. A exceo ocorreu com um

    beb que foi retirado do bero

    onde estava dormindo e pas-

    sado para o colo do pai, que

    no conseguiu esconder o or-

    gulho ao pegar o filho, abrindo

    um largo sorriso em direo

    cmera de filmagem.

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    o beb considerado alegre/feliz pela educadora quando:

    ela muda de colo numa boa, ela super dada, ela aceita muito bem a gen-te, at se joga no colo da gente, ela tima, j chega alegre.

    na figura 03 encontram-se os dados sobre humor dos bebs do sexo masculino quando chegam e saem da creche.

    Figura 03: Proporo de bebs do sexo masculino que se apresentam irritados/intranqilos, calmos/tranqilos ou alegres/felizes quando da chegada e da sada da creche,

    em funo da faixa etria.

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    fica evidente uma forte tendncia de manifestar alegria ao sair da creche em todas as faixas etrias, apesar de o percentual ser menor para os mais novos. no geral, a maioria dos bebs entra calmo/tranqilo na creche e sai manifestando alegria e felicidade.

    a figura 04 traz os dados referentes aos bebs do sexo feminino..

    Figura 04: Proporo de bebs do sexo feminino que se apresentam irritados/intranqilos, calmos/tranqilos ou alegres/felizes quando da chegada e da sada da creche, em funo

    da faixa etria

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    Pode-se verificar que entre bebs do sexo feminino tambm ocorre uma evidente ma-nifestao de alegria/felicidade no reencontro com os pais. no geral, mais da metade chega creche calma/tranqila e sai alegre/feliz. a irritao/intranqilidade ocorre para menos da metade dos bebs nas duas faixas etrias iniciais e a manifestao desse estado na sada aparece com percentuais baixos (a freqncia de um entre todos os bebs).

    os dados de observao referentes chegada e sada dos bebs da creche, indicam que essas situaes ocorrem de forma muito tranqila.

    Discusso

    Muito se tem escrito na literatura a respeito da influncia da separao me-beb quan-do este freqenta um ambiente coletivo durante um ou dois perodos do dia. Pode-se partir de situaes naturais e obter algum subsdio para a anlise desse tema, verificando o que acontece nos momentos da separao e do reencontro.

    olhando os dados da chegada e da sada encontra-se que bebs de 4 a 7 meses, de ambos os sexos, comportam-se de forma semelhante. na chegada, o que mais se destaca a neutralidade, predominando a calma/tranqilidade. e, na sada o sorrir/rir para a me/pai e o ficar quieto, mantendo-se neutro. Esses dados mostram grandes aproximaes com o que Bowlby (1984) descreve. O autor afirma que em torno dos trs aos seis, sete meses, o beb continua a se comportar de forma amistosa com as pessoas, como vinha fazendo de modo crescente desde o nascimento, mas o faz de maneira um pouco mais acentuada para com a fi-gura materna, a relao de apego no est totalmente desenvolvida, no existe uma pessoa que tenha se tornado sua base segura2; e, de outro, os bebs ainda no manifestam nenhuma ansiedade espe-cial ao serem separados dos pais, nem medo de desconhecidos.

    j na situao de reencontro no C.C.i., quando metade dos bebs demonstra alegria ao ver a me/pai, tem-se os primeiros sinais de que a formao da relao est em andamento, uma vez que esses adultos so identificados e tratados de modo especial.

    a faixa etria de 8 a 16 meses parece ser a de maiores mudanas. bebs masculinos aceitam mais a educadora - sorriem, abrem os braos para elas, abraam ou beijam do que os femininos. no entanto, bebs de ambos os sexos tambm emitem sinais de protestos nessa hora. na sada do C.C.i., a maioria mostra aceitao dos pais no seu retorno e, de forma ex-pressiva riem/sorriem, engatinham ou andam em sua direo, emitem sons ou conversam com os pais. a situao de Sada da Creche, gravada em vdeo, evidencia a manifestao de alegria dos bebs ao verem a me (riem, batem os braos, as pernas, vo rpido em sua dire-o). o humor predominante na chegada ao C.C.i. a calma/tranqilidade para os meninos e, para as meninas, ainda que com padro menos definido, sobressai o humor positivo: calma e alegria. na sada, a categoria mais freqente a alegria/felicidade para os dois sexos.

    2. Figura em quem a criana

    se apia para explorar o am-

    biente ou para verificar a pos-

    sibilidade ou no de perigo.

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    Segundo bowlby (1984), nessa etapa geralmente o apego j est desenvolvido e o beb age de forma diferente: Como capaz de se locomover, vai atrs da me, recebe-a efusiva-mente quando regressa e utiliza-a como a base segura para suas exploraes.

    importante enfatizar que nesse estudo no se pretendeu avaliar o apego diretamente, nem com a me nem com a educadora, at porque para faz-lo existem mtodos especficos, tais como a anlise da Situao desconhecida (ainsworth, blehar, Waters & Wall, 1978), o Q-Set, questionrio que foi desenvolvido para ser utilizado com pais (Waters, 1997), o Care index, que prope formas de anlise de situaes de interao de brincadeiras entre me-criana gravadas em vdeo (elaborado por Crittenden, 1988). no entanto, os dados indicam possibilidade de maior estabelecimento de apego entre me-beb do que entre educadora-beb, o que se infere pela diferena no comportamento e no humor dos bebs ao chegarem e sarem da creche. a anlise do vdeo indica que mesmo quando o beb manifesta alegria ao ver a educadora, a reao no momento em que a me chega geralmente mais intensa. Contudo, no se pode deixar de levan-tar a possibilidade de alguns desenvolverem apego tambm com as educadoras, mas essa interao parece ficar prejudicada nesse am-biente coletivo porque elas no acompanham os bebs na mudana de berrio3.

    Quase metade dos bebs de 17 a 24 meses manifestou aceitao do ambiente da cre-che e da educadora, ainda que se tenha observado certa freqncia de protesto na chegada (mais por parte dos meninos). Por outro lado, bebs femininos apresentam maior percentu-al de comportamentos neutros e a ocorrncia de comportamentos que denotam irritao/intranqilidade praticamente nula. isto sugere uma adaptao mais tranqila situao. Contudo, outros estudos se fazem necessrios para abordar essa possvel diferena de gnero quanto s reaes de bebs chegada creche.

    os resultados das anlises levadas a efeito nesse estudo, assim como os de niCHd (1998), parecem indicar que essa amostra de bebs tem uma forte ligao com a figura ma-terna, principalmente dos 8 meses em diante, sugerindo um padro de apego seguro, a partir da manifestao de alegria quando as mes retornam e da afetividade demonstrada por elas. Pode-se dizer que o fato de o beb permanecer no ambiente coletivo durante o dia no est afetando o seu vnculo com a me.

    apesar de esse estudo no ter sido planejado para analisar o apego, os dados trazem fortes indicaes da existncia desse vnculo com a figura materna; outrossim, o estado de calma/tranqilidade demonstrado pelos bebs ao chegarem creche e a alegria/felicidade manifestadas na sada parecem indicar que eles aprenderam a conviver nesses dois ambien-tes de forma harmoniosa, tendo noo desse ir e vir, dessa troca diria de ambiente e das pessoas que deles cuidam.

    3. Atualmente isso foi modifi-

    cado, as mesmas educadoras

    acompanham os bebs des-

    de o momento de entrada no

    C.C.I., at sarem do berrio.

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    Waters, e. (1997). Attachment Behavior Q-Set (version 3) [on line]. dept. Psychology, SUny Stony brook, mn.y. 11794 (email: [email protected]).

    nossos agradecimentos as autoras lgia ebner melchioril, Zlia maria mendes biasoli alves e oeditor da revista manoel antnio dos Santos que gentilmente permitiu a publicao deste artigo.originalmente publicado em: Paidia (ribeiro Preto), v. 10, n. 18, p. 51-59, jul. 2000.doi: 10.1590/S0103-863X2000000100005

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    Construo da Conscincia moral

    yves de la tailleProfessor Titular do Instituto de Psicologia

    da Universidade de So Paulo.

    Resumo: no presente texto, analisamos, do ponto de vista das dimenses intelectuais e afetivas, a construo da conscincia moral. Comeamos pela dimenso intelectual, lembrando que no h moral possvel sem a liberdade do seu agente, e que tal liberdade depende do usufruto de suas faculdades intelectuais. em seguida, descrevemos o objeto da moral com composta de regras, princpios e valores, e tecemos consideraes sobre o equacionamento sensibilidade morais e tambm sobre o desenvolvimento da moralidade na infncia e ado-lescncia. na anlise da dimenso afetiva, apresentamos os sentimentos que presidem o despertar do senso moral (apego, medo, simpatia, indignao, culpa e confiana) e nos detemos sobre o sentimento de vergonha,

    presente em fases mais elaboradas do desenvolvimento. fechamos o texto apresentado uma diferenciao de sentido entre moral e tica, mostrando a ntima relao psicolgica entre as duas.

    Palavras-chave: moral, tica, razo, afetividade, construo, desenvolvimento.

    Se h um campo da atividade humana no qual as dimenses cognitiva e afetiva compa-recem com igual importncia, este campo o da ao moral. Sendo que toda ao remete a um fazer, a dimenso cognitiva ou intelectual corresponde ao saber fazer, e a dimenso afetiva corresponde ao querer fazer. algum poder dizer que como em toda ao h neces-sariamente um saber fazer (competncia intelectual) e um querer fazer (motivao), o campo da moralidade no merece destaque especial no que tange s dimenses cognitiva e afetiva. mas aceitar este argumento implicaria esquecer um fato crucial: para que uma ao seja definida como moral, preciso que a motivao que a inspirou seja, ela mesma, moral. Por exemplo, se uma pessoa deixa de mentir ou matar motivado pelo medo da priso, sua ao no moral ( mera prudncia); em compensao, se foi o sentimento do dever que a levou a abster-se da infrao, dir-se- que sua ao foi moral. Verifica-se assim que no somente o querer, mas, sobretudo, a qualidade deste querer que importa para a moral, pois h motiva-es que so morais, e outras que no o so. em outros campos da atividade humana, a quali-dade da motivao no reveste a mesma importncia. Por exemplo, o saber fazer matemtico pode ser motivado pela curiosidade por essa disciplina, pela vontade de entrar na faculdade, pela necessidade de empregar este conhecimento no trabalho, etc. vrios tipos de motivao podem desencadear o pensar matemtico, no sentido em que no h uma motivao mate-mtica especfica. No caso da moral, no assim: h motivaes morais, e somente estas interessam. por esta razo que escrevemos que o estudo deste campo da atividade humana exige que nos debrucemos com igual seriedade sobre os aspectos intelectuais e afetivos.

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    o texto que se vai ler tem dois momentos. Comearemos por analisar a dimenso cognitiva ou intelectual da ao moral. em seguida, abordaremos a dimenso afetiva desta categoria de ao. mas antes de encetarmos nossas anlises, devemos nos entender sobre o que estamos chamando de moral.

    do ponto de vista do saber fazer, vamos aceitar como vlida e preciosa a mxima de Kant (1795/1980) que diz devemos agir de tal forma que faamos da humanidade, tanto na nossa pessoa quanto na pessoa de cada um dos outros, sempre ao mesmo tempo um fim e nunca simplesmente um meio. eis um imperativo categrico que nos informa sobre como devemos agir para sermos morais. ele nos traz a idia de dignidade: a moral exige que res-peitemos a dignidade de outrem e, tambm, mantenhamos a nossa prpria.

    do ponto de vista do querer fazer, a moral exige certo tipo de querer: o dever. de-ver moral aquilo que aparece para a pessoa como algo que no pode no ser feito, por que um bem em si mesmo. a moral remete, portanto, dimenso da lei, da obrigatoriedade, ou, na terminologia kantiana, do imperativo categrico.

    Tal ser, portanto, a definio de moral empregada aqui. claro que nem todos con-cordam integralmente com ela; claro tambm que podemos pensar que a moral vai alm da dimenso do dever, para incluir, como pensava aristteles, a vida boa ou a felicidade (trataremos da questo da felicidade nas Concluses, quando faremos uma diferenciao entre moral e tica). todavia, a despeito das complexas discusses que podem ser travadas sobre o que moral e quais seus fundamentos, pensamos que a definio por ns adotada , por um lado, o bastante precisa para destacar um campo psicolgico singular (a questo do dever), e, por outro, o bastante ampla para receber diferentes contedos que digam respeito preservao ou promoo do bem-estar alheio e ao sentimento da prpria dignidade.

    A) Dimenso Intelectual

    toda atividade humana pressupe o que chamamos acima de um saber fazer. no caso da moralidade, este fazer traduz-se por um decidir como agir, e o prprio agir. o saber incide justamente sobre o decidir: trata-se de uma capacidade intelectual necessria para guiar a ao moral. Tal saber compe-se de conhecimentos, reflexes, juzos. Em uma pala-vra, o saber diz respeito participao da razo no fazer moral.

    a anlise deste saber fazer vai nos levar a abordar cinco temas. o primeiro a re-lao entre razo e moral. o segundo a questo dos conhecimentos necessrios ao moral. o terceiro e o quarto, respectivamente, equacionamento moral e sensibilidade moral, remetem no ao conhecimento, mas ao emprego prtico deste. o ltimo tema ser dedicado ao desenvolvimento, durante a vida, deste saber fazer moral.

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    Moral e razo. fcil perceber que impossvel pensar a moral ignorando a dimen-so racional, e isto porque apenas os seres dotados de racionalidade e capazes de empreg-la so considerados sujeitos morais. Com efeito, por que no consideramos os animais como seres morais, e, logo, como responsveis pelos seus atos? Porque os consideramos como seres irracionais. mesma coisa acontece em relao s pessoas que, por motivos variados, perderam, definitiva ou momentaneamente, o uso de suas faculdades intelectuais (no caso de um surto psictico, por exemplo). e mesma coisa tambm acontece com as crianas: costuma ser considerado cruel e injusto responsabilizar moralmente uma criana pequena pelos seus atos, no que ela no seja racional, mas por que suas faculdades mentais ainda no atingiram o grau de maturidade necessrio1. estes exemplos mostram bem que a ao moral, para me-recer este nome, deve ser guiada pela razo, pois somente respon-sabilizado moralmente quem tem a liberdade de agir, logo quem tem a oportunidade de efetuar uma escolha. ora, toda escolha pressupe o emprego de critrios, e este emprego , por definio, racional.

    Moral e conhecimento. Uma das funes da razo conhecer. ora, a moral um objeto do conhecimento. ela no se reduz a uma intuio que viria de no se sabe onde. a moral tem contedo construdo pela cultura e, como qualquer outro contedo, as pessoas devem entrar em contato com ele, re-signific-lo, reconstru-lo, e isto desde a infncia. Qual o contedo da moral? ele pode ser dividido em trs categorias complementares: regras, prin-cpios e valores.

    as regras correspondem s formulaes verbais reguladoras do agir. Portanto, as re-gras morais so, por um lado, prescritivas, e por outro, precisas em relao ao que devemos, ou no, fazer. exemplos clssicos de regras morais encontram-se no declogo. Por exemplo, a regra no matar, ou a regra no mentir informam-nos claramente sobre o que somos obrigados a no fazer. Quando as regras aparecem sob a forma de uma proibio, so cha-madas de deveres negativos. mas h tambm deveres positivos, como, por exemplo, ajudar as pessoas em perigo. as regras referentes aos deveres positivos nos informam sobre o que devemos fazer.

    claro, as regras morais no podem ter a preciso das regras matemticas, e, por isto mesmo, so limitadas. Para realmente compreend-las, preciso ir alm de sua formulao ao p da letra e penetrar seu esprito. o esprito moral das regras remete s inspiraes a partir das quais foram formuladas. tais inspiraes podem s