Cadernos IPPUR Manoel Lemes 2006

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CADERNOS IPP CADERNOS IPP CADERNOS IPP CADERNOS IPP CADERNOS IPPUR UR UR UR UR Publicação semestral do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro O CADERNOS IPP CADERNOS IPP CADERNOS IPP CADERNOS IPP CADERNOS IPPUR UR UR UR UR é um periódico semestral, editado desde 1986 pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio- nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmico interdisciplinar formado por professores, pesquisadores e estudantes interessados na compreensão dos objetos, escalas, atores e práticas da intervenção pública nas dimen- sões espaciais, territoriais e ambientais do desenvolvimento econômico-social. É dirigi- do por um Conselho Editorial composto por professores do IPPUR e tem como instância de consultação um Conselho Científico inte- grado por destacadas personalidades da pes- quisa urbana e regional do Brasil. Acolhe e seleciona artigos escritos por membros da comunidade científica em geral, baseando- se em pareceres solicitados a dois consulto- res, um deles obrigatoriamente externo ao corpo docente do IPPUR. Os artigos assina- dos são de responsabilidade dos autores, não expressando necessariamente a opinião do corpo de professores do IPPUR. Editora Editora Editora Editora Editora Ana Clara Torres Ribeiro Comissão Editorial Comissão Editorial Comissão Editorial Comissão Editorial Comissão Editorial Ana Clara Torres Ribeiro Fania Fridman Helion Póvoa Neto Hermes Magalhães Tavares Pedro Abramo Assessoria Técnica Assessoria Técnica Assessoria Técnica Assessoria Técnica Assessoria Técnica Ana Lúcia Ferreira Gonçalves Conselho Científico Conselho Científico Conselho Científico Conselho Científico Conselho Científico Alain Lipietz (CEPREMAP-FR) Aldo Paviani (UNB) Bertha Becker (UFRJ) Carlos de Mattos (PUC-CHI) Celso Lamparelli (USP) Clélio Campolina (UFMG) Hélène Rivière d’Arc (CNRS-FR) Inaiá Moreira de Carvalho (UFBA) Leonardo Guimarães (UFPB) Lícia do Prado Valladares (UNIV.LILLE- URBANDATA) Maria de Azevedo Brandão (UFBA) Maurício de Almeida Abreu (UFRJ) Milton Santos (USP) in memoriam Neide Patarra (IBGE) Ramón Gutiérrez (CEDODAL-AR) Roberto Smith (UFCE) Rosélia Perissé Piquet (UFRJ-UCAM) Tânia Bacelar de Araújo (UFPE) William Goldsmith (CORNELL-EUA) Wrana Maria Panizzi (UFRGS) IPPUR / UFRJ IPPUR / UFRJ IPPUR / UFRJ IPPUR / UFRJ IPPUR / UFRJ Prédio da Reitoria, Sala 543 Cidade Universitária / Ilha do Fundão 21941-590 Rio de Janeiro RJ Tel.: (21) 2598-1676 Fax: (21) 2598-1923 E-mail: [email protected] http:\\www.ippur.ufrj.br

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Os artigos deste número permitem dizer que a área do Planejamento Urbano e Regional encontra-se envolvida na busca por instrumentos que garantam os recursos indispensáveis para as políticas territoriais e por técnicas que viabilizem o controle social de gastros públicos. De fato a capacidade de convencimento dos discursos politicos articula-se, cada vez mais, com o domínio de ferramentas que demonstrem uma sociedade mais justa. Este número dos Cadernos IPPUR colabora na reflexão dessas mudanças recentes, através de sua influência na produção científica na área do Planejamento Urbano e Regional.

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CADERNOS IPPCADERNOS IPPCADERNOS IPPCADERNOS IPPCADERNOS IPPURURURURURPublicação semestral do Instituto de Pesquisa e PlanejamentoUrbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro

O CADERNOS IPPCADERNOS IPPCADERNOS IPPCADERNOS IPPCADERNOS IPPURURURURUR é um periódicosemestral, editado desde 1986 pelo Institutode Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio-nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmicointerdisciplinar formado por professores,pesquisadores e estudantes interessados nacompreensão dos objetos, escalas, atores epráticas da intervenção pública nas dimen-sões espaciais, territoriais e ambientais dodesenvolvimento econômico-social. É dirigi-do por um Conselho Editorial composto porprofessores do IPPUR e tem como instânciade consultação um Conselho Científico inte-grado por destacadas personalidades da pes-quisa urbana e regional do Brasil. Acolhe eseleciona artigos escritos por membros dacomunidade científica em geral, baseando-se em pareceres solicitados a dois consulto-res, um deles obrigatoriamente externo aocorpo docente do IPPUR. Os artigos assina-dos são de responsabilidade dos autores, nãoexpressando necessariamente a opinião docorpo de professores do IPPUR.

EditoraEditoraEditoraEditoraEditoraAna Clara Torres Ribeiro

Comissão EditorialComissão EditorialComissão EditorialComissão EditorialComissão EditorialAna Clara Torres RibeiroFania FridmanHelion Póvoa NetoHermes Magalhães TavaresPedro Abramo

Assessoria TécnicaAssessoria TécnicaAssessoria TécnicaAssessoria TécnicaAssessoria TécnicaAna Lúcia Ferreira Gonçalves

Conselho CientíficoConselho CientíficoConselho CientíficoConselho CientíficoConselho CientíficoAlain Lipietz (CEPREMAP-FR)Aldo Paviani (UNB)Bertha Becker (UFRJ)Carlos de Mattos (PUC-CHI)Celso Lamparelli (USP)Clélio Campolina (UFMG)Hélène Rivière d’Arc (CNRS-FR)Inaiá Moreira de Carvalho (UFBA)Leonardo Guimarães (UFPB)Lícia do Prado Valladares (UNIV.LILLE-

URBANDATA)Maria de Azevedo Brandão (UFBA)Maurício de Almeida Abreu (UFRJ)Milton Santos (USP) in memoriamNeide Patarra (IBGE)Ramón Gutiérrez (CEDODAL-AR)Roberto Smith (UFCE)Rosélia Perissé Piquet (UFRJ-UCAM)Tânia Bacelar de Araújo (UFPE)William Goldsmith (CORNELL-EUA)Wrana Maria Panizzi (UFRGS)

IPPUR / UFRJIPPUR / UFRJIPPUR / UFRJIPPUR / UFRJIPPUR / UFRJPrédio da Reitoria, Sala 543

Cidade Universitária / Ilha do Fundão21941-590 Rio de Janeiro RJ

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Cadernos IPPUR/UFRJ/Instituto de Pesquisa e Planeja-mento Urbano e Regional da Universidade Federaldo Rio de Janeiro. – ano 1, n.1 (jan./abr. 1986) –Rio de Janeiro : UFRJ/IPPUR, 1986 –

Irregular.Continuação de: Cadernos PUR/UFRJISSN 0103-1988

1. Planejamento urbano – Periódicos. 2. Planejamen-to regional – Periódicos. I. Universidade Federal do Riode Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbanoe Regional.

Indexado na Library of Congress (E.U.A.)e no Índice de Ciências Sociais do IUPERJ.

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EDITORIALEDITORIALEDITORIALEDITORIALEDITORIAL

Os artigos deste número permitem dizer que a área do planejamento urbano eregional encontra-se envolvida na busca por instrumentos que garantam os recursosindispensáveis às políticas territoriais e por técnicas que viabilizem o controle socialdos gastos públicos. De fato, a capacidade de convencimento dos discursos políticosarticula-se, cada vez mais, com o domínio de ferramentas que demonstrem a viabi-lidade de uma sociedade mais justa. Estas são exigências de uma conjuntura marcadapela consciência da escassez e pelo desencanto com relação a projetos que nãoencontram apoio nos meios necessários à sua concretização.

As características da atual conjuntura estimulam um novo diálogo interdisciplinar eentre instituições, como demonstra o dinamismo das redes de pesquisa. Esse diálo-go – ao incluir a definição de instrumentos, recursos e meios – refaz a leitura dasrelações sociedade-espaço e os conteúdos políticos da questão urbano-regional.Emergem, agora, desafios relacionados à privatização de recursos territorializados eaos mecanismos financeiros responsáveis pelo agravamento das disparidades regionaise das desigualdades socioespaciais.

O enfrentamento desses desafios tem exigido, dos especialistas da área, a resistênciaao pensamento utilitarista, que amplifica a exclusão social. Essa resistência acontecepor meio da crítica à crença de que a dinâmica do mercado é capaz de gerar, demaneira automática, a distribuição mais justa da riqueza. Longe desse automatismo,os artigos ora publicados demonstram que uma vida melhor para a maioria dependeda democratização do planejamento e do rigoroso exame da administração públicaem seus vínculos com a dimensão territorial da experiência coletiva.

A denúncia da exclusão social provocada pela gestão privada do território tem sidorealizada, nas últimas décadas, por numerosos atores sociais e políticos. Em conse-qüência, o exame do território tem sustentado a politização de temas tradicionais ea inclusão de novos temas na área do planejamento urbano e regional, como indi-cam os artigos deste número dedicados às mudanças climáticas e à percepção dorisco. Essa intensa alteração temática é geradora, sem dúvida, de exigências relacio-nadas ao estudo de novas escalas de realização da economia, da organização polí-tica e do planejamento.

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O estudo de novas escalas é, também, resultado da concorrência entre lugares pelaatração dos fluxos de uma economia ágil, flexível e com alta capacidade de desloca-lizar investimentos. Nesse contexto, a ação estratégica, antes reservada às grandesfirmas e aos governos centrais, tem sido exigida nas administrações locais e nas lutassociais. Com esses processos, surgem novas arenas políticas e demandas de conhe-cimento. Este número dos Cadernos IPPUR colabora na reflexão dessas mudançasrecentes, através de sua influência na produção científica da área do planejamentourbano e regional.

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CADERNOS IPPCADERNOS IPPCADERNOS IPPCADERNOS IPPCADERNOS IPPURURURURURSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOAno XAno XAno XAno XAno XXXXXX, N, N, N, N, Nooooo 1 1 1 1 1

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ArtigosArtigosArtigosArtigosArtigos,,,,, 77777

Samuel JaramilloSamuel JaramilloSamuel JaramilloSamuel JaramilloSamuel Jaramillo,,,,, 99999Recuperación de plusvalías en Colombia:reflexiones sobre su desarrollo histórico

Adauto Lucio CardosoAdauto Lucio CardosoAdauto Lucio CardosoAdauto Lucio CardosoAdauto Lucio Cardoso,,,,, 2727272727Risco urbano e moradia: a construção socialdo risco em uma favela do Rio de Janeiro

Manoel LManoel LManoel LManoel LManoel Lemes da Silva Netoemes da Silva Netoemes da Silva Netoemes da Silva Netoemes da Silva Neto,,,,, 4949494949Novas regiões, outros desafios: aregionalização do novo mercado em SãoPaulo e suas implicações no planejamentourbano-regional

Henri AcselradHenri AcselradHenri AcselradHenri AcselradHenri Acselrad,,,,, 7777777777As cidades e as apropriações sociais dasmudanças climáticas

Suzana Quinet de Andade Bastos,Suzana Quinet de Andade Bastos,Suzana Quinet de Andade Bastos,Suzana Quinet de Andade Bastos,Suzana Quinet de Andade Bastos,FFFFFererererernando Salgueiro Pnando Salgueiro Pnando Salgueiro Pnando Salgueiro Pnando Salgueiro Perobellierobellierobellierobellierobelli,,,,, 107107107107107Logística territorial e desenvolvimento local:viabilidade de implantação de umaPlataforma Logística em Juiz de Fora - MinasGerais

Rumos da PRumos da PRumos da PRumos da PRumos da Pesquisaesquisaesquisaesquisaesquisa,,,,, 139139139139139

Antônia Jesuíta de LimaAntônia Jesuíta de LimaAntônia Jesuíta de LimaAntônia Jesuíta de LimaAntônia Jesuíta de Lima,,,,, 141141141141141Gestão urbana e gasto público municipal eminfra-estrutura viária: a experiência de Teresina -Piauí

ResenhaResenhaResenhaResenhaResenha,,,,, 167167167167167

Do desenvolvimento ao neoliberalismo: a sagabrasileira no século XX, de Jorge Natal –por Alberto de Oliveira, 169169169169169

SECRETÁRIASECRETÁRIASECRETÁRIASECRETÁRIASECRETÁRIA

Vera Lúcia Silva Cruz

REVISÃOREVISÃOREVISÃOREVISÃOREVISÃO GERALGERALGERALGERALGERAL EEEEE PROJETOPROJETOPROJETOPROJETOPROJETO GRÁFICOGRÁFICOGRÁFICOGRÁFICOGRÁFICO

Claudio Cesar Santoro

CAPCAPCAPCAPCAPAAAAA

André DorigoLícia Rubinstein

ILILILILILUSTRAÇÃOUSTRAÇÃOUSTRAÇÃOUSTRAÇÃOUSTRAÇÃO DADADADADA CAPCAPCAPCAPCAPAAAAA

Foto da direita: Avenida Rio Branco,Juiz de Fora - MG. Postal disponívelno site da prefeitura de Juiz de Fora:<http://www.pjf.mg.gov.br>. Acessoem: set. 2007.Foto da esquerda: Imagem elaboradapelo Prof. Manoel Lemes, a partir darepresentação cartográfica de umterritório real, que simboliza aglobalização dos lugares.

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 1, 2006, p. 9-26

Recuperación de plusvalías enColombia: reflexiones sobre sudesarrollo histórico

Samuel Jaramillo

Los principios de la recuperación de plusvalías

Uno de los propósitos centrales en laagenda de la gestión urbana en AméricaLatina en la actualidad es la llamada “Re-cuperación de Plusvalías”. Con esto sealude a la captación por parte del Estadode al menos una porción de los incremen-tos en los precios de la tierra inducidospor el desarrollo urbano. Este objetivoen realidad tiende a corregir una inequi-dad monumental: el ritmo vertiginoso dela urbanización latinoamericana durantemás de medio siglo ha generado enor-mes presiones sobre los aparatos estataleslocales para suministrar infraestructura yservicios urbanos en una cuantía que haimplicado su desbordamiento. Sus efec-tos han sido, de una parte, una gran pre-sión fiscal para derivar recursos de otrasalternativas de inversión estatal a estospropósitos, una insuficiencia crónica enestos valores de uso colectivo, la exclusión

de ellos de franjas enteras de la poblacióndurante décadas, la proliferación de prác-ticas espontáneas cuya reparación tienecostos enormes. Pero la contraparte deeste panorama de penurias es que estemismo fenómeno de la veloz urbaniza-ción ha generado enormes gananciaspara estrechos grupos de propietarios ur-banos, los cuales, casi sin ninguna con-traprestación, pueden beneficiarse deelevados precios de los terrenos que seencarecen precisamente a raíz de estasinsuficiencias y estrecheces.

En este caso la operación espontá-nea de este mercado, sin ningún mecanis-mo correctivo desemboca en una típicasocialización de costos y privatización debeneficios. La “Recuperación de Plusva-lías”, tiende por lo tanto a equilibrar estarepartición tan indeseable, procurando

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que quienes más se benefician de la ur-banización contribuyan un poco más enel pago de sus costos. O para plantearloen otros términos, para que los frutosdel proceso de urbanización, que son elresultado de un esfuerzo colectivo nosean monopolizados por unos pocos,sino que reviertan a la mayoría. Sinembargo, la “Recuperación de Plusva-lías” no solamente tiene un fin redistri-butivo: también tiene un objetivo deeficiencia muy significativo. Las limitacio-

nes que tradicionalmente han tenido losorganismos locales para atender estaspresiones fiscales han desembocado engraves irracionalidades: las accionescurativas a posteriori resultan enorme-mente costosas y a menudo su efectoremedial es limitado. El fortalecimientofiscal de los municipios a través de la cap-tación de los recursos generados por lamisma urbanización, sin duda favoreceuna provisión más coherente, evita so-brecostos, permite acciones preventivas.

El interés de la experiencia colombiana

Dentro de este panorama la experienciaque muestra Colombia en la operaciónde mecanismos de este tipo despiertaun justificado interés. En la mayoría delos países latinoamericanos los dispositi-vos para recuperar plusvalías por partedel Estado han tenido históricamenteuna aplicación muy marginal y a vecesson inexistentes. Esto lleva a algunos ano ser muy optimistas en cuanto a lasposibilidades de su introducción y am-pliación hoy en día: se argumenta queuna tal iniciativa enfrenta una resistenciamuy difícil de superar, e incluso existendudas sobre su operatividad y sobre su

conveniencia. Es natural entonces queel caso colombiano atraiga la atenciónpues sería una excepción notable a estepanorama: allí algunos mecanismos derecuperación de plusvalías han existidopor más de 80 años, han tenido unaparticipación significativa en los ingresosde las administraciones locales y gozande gran legitimidad. De hecho el casocolombiano es en sí mismo una pruebade que es posible la operación de estetipo de instrumentos en un país latinoa-mericano, y se difunde como un refe-rente para su réplica e implementación.

La pertinencia de un análisis sistemático

Sin embargo, parece llegada la hora desuperar este nivel de simple presentacióntestimonial de su posibilidad y se imponela necesidad de un abordaje un pocomás profundo que permita su compren-

sión plena. En ausencia de ello, la pro-puesta del traslado de este modelo comouna fórmula necesariamente exitosapuede ser insuficiente, e incluso puedeconducir a una cierta desorientación.

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Esta consideración remite a empren-der un programa de investigación sobreel tema, pues estos fenómenos revistenmayor complejidad de lo que aparecea primera vista. Aquí presentamos lo queconsideramos un paso adelante, aun-que modesto, en esta dirección: consisteen un conjunto preguntas que a nuestrojuicio son pertinentes y claves al respectoy proponer algunas líneas hipotéticas deexplicación provisional.

El mecanismo de recuperación deplusvalías al que se alude como exitosoes la Contribución de Valorización, queotros países se conoce con otros nom-bres, como Contribución de Mejoras,Impuesto de Bienhechurías y otros. Eldesarrollo de este instrumento en Co-lombia muestra por lo menos tres fases:la primera es su emergencia, que pareceempezar en los comienzos de los años

20, seguida de una expansión que pa-rece tener su punto culminante a finalesde los años 60 y comienzos de los 70.Una segunda fase, que no siempre sepublicita, es una etapa de retracción,durante la cual esta herramienta se vautilizando cada vez menos hasta unmomento a comienzos de los años 90en que su peso llega a ser prácticamentemarginal. Una tercera fase comienza enese momento hasta el presente, en laque no solamente se recupera el uso deeste instrumento sino que se le introdu-cen modificaciones importantes y, lo quees decisivo, se le acompaña con otrosinstrumentos complementarios como lallamada Participación de Plusvalías y unesquema de Repartición de Cargas yBeneficios (Jaramillo, 2001). Sobre cadauna de ellas aparecen interrogantes quees necesario abordar.

Primera fase: surgimiento y expansión de lacontribución de valorizaciónLa Contribución de Valorización surge enColombia en una época relativamentetemprana. El primer referente preciso loconstituye una ley del orden nacional de1921 que permitía a entidades nacionalescobrar un impuesto sobre las propiedadesque recibieran beneficios de obras públi-cas consideradas como de interés local,precisamente para financiar esas inversio-nes y en función del impacto positivo delas obras sobre los precios de los inmueblesinvolucrados. Se preveía su aplicación enel medio rural para obras hidráulicas y deadecuación de tierras, y en las ciudades

para la construcción de infraestructuravial y la dotación de servicios. Sin em-bargo, existen indicios de que en algu-nas ciudades hubo experiencias localesde un corte similar con esquemas jurídi-cos más o menos provisionales.

La existencia misma de este instru-mento en el plano jurídico no es sinembargo algo excepcional. De hecho lasexploraciones recientes que se han reali-zado en diversos países latinoamericanos(una buena parte de ellas promovidaspor el Lincoln Institute of Land Policy)

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muestran que normas de este tipo exis-tieron incluso desde épocas anteriores(desde finales del Siglo XIX en Argentina,por ejemplo) (Furtado, 1999; Smolka yFurtado, 2001). La pregunta pertinentees más bien por qué en Colombia estaley fue utilizada con tanta amplitud eneste período mientras que no sucediólo mismo en otros países de la región.Es bueno señalar además que en estemomento las normas constitucionalesimperantes protegían mucho la propie-dad y no eran particularmente proclivesa la intervención estatal.

Una línea posible de explicación se-ría de naturaleza pragmática. Este me-canismo, a pesar de que no muestramucha consonancia con las ideas jurídi-cas predominantes, parece haber sidouna respuesta a contradicciones relati-vamente particulares que se vivían enColombia en ese momento. Los dosdeterminantes más importantes a nues-tro juicio eran la relativa desintegraciónregional y la penuria fiscal del Estadocentral.

Durante todo el Siglo XIX y buenaparte del Siglo XX la integración del terri-torio colombiano fue muy precaria. Dehecho la dinámica real de la economíase ha descrito en reiteradas oportunida-des como el agregado de un archipiélagode regiones con muy poca interacciónmutua y con estructuras internas muydiversas (Melo, 1987; Bejarano, 1987).Desde luego estro tenía una contrapar-tida en el plano político, pues generabala consolidación de elites regionales conintereses muy diversos. Durante el SigloXIX esto condujo a una sucesión de

conflictos armados y a experimentos deregímenes federalistas muy extremos.Esto, que para algunos grupos se consti-tuía en un obstáculo de gran enver-gadura para la estabilidad política y eldesarrollo económico condujo, a travésde acciones políticas y militares, a la ins-tauración en 1886 de una Constituciónmuy autoritaria, y sobre todo centralista.Pero una cosa eran las normas jurídicasy otras las realidades sociopolíticas, y aúnen este Estado formalmente muy cen-tralista, la pugna regional era muyencendida. Esto incluso condujo a unapostrera guerra civil, la llamada Guerrade los Mil Días entre 1900 y 1903 quefue devastadora. El triunfo de las huestesconservadores centralistas apenas pudoamortiguar por la fuerza estas tensionesque siguieron expresándose de manerasoterrada.

De otra parte durante esta época elEstado colombiano en sus distintos ni-veles, incluyendo el central, tenía enor-mes limitaciones fiscales. De hecho estoes un reflejo del muy lento desarrollocapitalista durante el Siglo XIX, que obli-gó a Colombia a tener que esperar hastafinales de ese siglo para lograr una in-serción más o menos estable en losmercados internacionales, con la expor-tación de café y de oro. El Estado centralse concentró en una tarea que aparecíacomo prioritaria y que el régimen federalse había mostrado incapaz de adelantarcon éxito: la integración de las distintasregiones mediante la construcción deuna red nacional de ferrocarriles (mástarde de carreteras) que tuvieran unalógica de conjunto. Una muestra de laenorme importancia que se daba a esta

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meta, y al mismo tiempo las severas li-mitaciones que tenía el Estado paraatender sus tareas lo da el siguiente dato:en 1928 los recursos destinados por elMinisterio de Obras Públicas a la cons-trucción de estas vías de comunicaciónnacionales representaron 58,9% de todoel Presupuesto Nacional (Jaramillo yCuervo, 1987).

Dentro de este contexto, el margende acción para atender obras de infra-estructura de rango local era muy reduci-do. Los municipios y los departamentos(instancia intermedia entre lo local y lonacional) eran aún más débiles que elEstado Central. La posibilidad de queeste aparato nacional las financiara consus muy limitados recursos no solamenteera improbable por esta estrechez, sinoque era objeto de vivas reacciones porlas ciudades y regiones que no se veíanfavorecidas.

La contribución directa de las eliteslocales aparecía entonces como una delas pocas salidas a este impasse. Si losdirectamente beneficiados por estasobras avanzaban los recursos necesariospara su ejecución, ellas no solamente sehacían posibles, sino que no suscitabanlos celos de los grupos de otras regiones.

Pero la necesidad no garantiza queuna respuesta satisfactoria a ella tomecuerpo. Para ello, en lo que nos atañe,habría que tener en cuenta la existenciay trayectoria de organizaciones gremialesde los grupos dominantes locales quetuvieron un papel muy importante enorganizar la acción concertada de susindividuos, en ser interlocutores con el

Estado y en actuar como contraparte ycomplemento de él. Un antecedenteprecoz y embrionario de estas accionestuvo lugar en Bogotá en 1910. En esemomento se agudizó definitivamenteuna crisis que había sido permanentecon el concesionario de la empresa deltranvía municipal, que era una firmanorteamericana y se planteó la alterna-tiva de expropiarla y nacionalizarla. Niel Estado central se apersonó del asunto,y el municipio era reluctante aduciendoescasez absoluta de recursos. Ante lapresión popular, tal vez avivada por ellosmismos, pues esto degeneró en un pro-blema de orden público, un grupo delos capitalistas más adinerados de la ciu-dad avanzó los recursos para la munici-palización de la compañía otorgando almunicipio mediante recolecta general unpréstamo en condiciones preferentes(Jaramillo y Parias, 1991).

Durante esta época tuvieron unagran actividad organizaciones más omenos gremiales que cumplían estasfunciones, particularmente en lo queconcernía al desarrollo urbano y a lasobras correlacionadas: se trata de lasSociedades de Mejoras Públicas (o deMejoras y Ornato en algunas ciudades).La acción de estas entidades parecehaber sido decisiva en la viabilidad y le-gitimidad de la necesaria concertaciónentre el Estado central y los grupos lo-cales. Es posible que la preocupaciónde consignar esto en una ley y no per-manecer en un régimen puramentevoluntario tiene que ver con la dificultadde organismos privados de comprome-ter en estas contribuciones a todos loscapitalistas locales individuales.

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Nótese que la ley mencionada re-gula las relaciones entre entidades de tiponacional, tal vez las únicas con la capa-cidad de gestión requerida para estastareas, y los particulares beneficiados deestas obras de carácter local.

El siguiente momento en este perío-do tiene lugar a mediados de la décadade los años 30 y comienzos de los 40,durante los cuales el contexto sociopo-lítico ha sufrido algunas mutacionesimportantes. Se vive un momento defranco intervencionismo económico, yparticularmente se introducen cambiosimportantes en la noción de propiedad,a la cual se le asigna una responsabilidadsocial. Esto tenía como blanco principalel régimen agrario, pero indudablemen-te tenía implicaciones en la propiedadterritorial urbana.

De otro lado se dan varias circuns-tancias que agudizan enormemente lapresión del proceso de urbanizaciónsobre el fisco. Una de ellas es la acelera-ción de la urbanización: con la primerafase de la industrialización substitutiva lasciudades comienzan a crecer de maneraacelerada. Otra es el cambio paulatinodel lugar social que tiene la infraestruc-tura urbana. Miremos el caso de los ser-vicios públicos: si bien valores de usocomo el agua potable domiciliaria, laenergía eléctrica, el transporte colectivo,el teléfono aparecieron de manera si-multánea y muy concentrada en el tiem-po durante las dos últimas décadas delsiglo XIX, originalmente eran conside-rados como valores de uso más o menosdiscrecionales, al alcance de quien pu-diera pagarlos. Entrada la tercera década

del siglo XX estos consumos comienzana ser considerados como indispensablesy al Estado se le responsabiliza de susuministro universal (Jaramillo y Cuervo,1996).

Finalmente existe un tercer factor degran importancia. Durante esta épocase vive una verdadera oleada ideológicaestatista (similar hasta cierto punto, perocon signo contrario a la ola actual pri-vatizadora) en particular sobre estos ser-vicios urbanos: los evidentes retrasos enla ampliación de las coberturas, los pro-blemas de calidad y las elevadas tarifasse les atribuye al carácter privado de susproveedores, en su abrumadora mayo-ría empresarios privados que operabanpor concesión. Un propósito que se vaa extender por décadas es la estatizaciónde estas empresas, lo cual de hechoacentúa la presión fiscal (ibid.).

Ahora bien, dado el contexto ante-rior, se comprende una particularidadde estos asuntos en Colombia. Mientrasque en la generalidad de los países lati-noamericanos esta tarea de estatizar laprovisión de servicios públicos fue asu-mida por el Estado central y se confor-maron empresas estatales nacionales, enColombia se optó por trasladar esta res-ponsabilidad a los municipios. La presiónfiscal también se reorientó por lo tantoa este nivel del aparato estatal.

De nuevo, y dado el comportamien-to aparentemente exitoso de la Contri-bución de Valorización en los añosprecedentes, se extendió este mecanis-mo al orden municipal y su posteriordesarrollo se da fundamentalmente en

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este nivel: en 1936 se legalizó su opera-ción para el municipio de Bogotá, dosaños más tarde se autorizó a todas lascapitales departamentales y en la siguien-te década se extendió a todos los muni-cipios.

Durante las tres décadas siguientesse amplió enormemente la utilización deeste mecanismo y se fue perfeccionandopaulatinamente su operación. Se esta-bleció que podía cobrarse antes de serejecutada la obra, de tal manera queno solo servía para recuperar la inver-sión estatal, sino para prefinanciarla, seinnovó en los sistemas de liquidación ypago, durante un tiempo se permitió quese cobrara exclusivamente en función

del impacto sobre el precio de los in-muebles independientemente del mon-to de la inversión (aunque esto se revirtióen los años 60). Fue ampliamente utili-zado sobre todo en las grandes ciuda-des, en especial en inversiones públicascon claro arraigo territorial en los queera visible el impacto de las obras sobrelos precios inmobiliarios: vialidad (calles,avenidas, puentes), espacios públicos(parques, plazas), redes primarias y se-cundarias de servicios públicos (sobretodo acueducto y alcantarillado). En al-gunas ciudades y en algunas etapas, losrecursos recaudados por valorización lle-garon a significar entre el 30% y el 45%de todos los recursos fiscales locales(Barco de Botero y Smolka, 2000).

Segunda fase: contracción

Como se ha dicho, a esta prolongadaetapa de enorme expansión sucede unafase de contracción. De manera paula-tina el uso de la Contribución de Valori-zación va reduciéndose, tendencia quese acelera a finales de los años 80 y co-mienzos de los años 90, momento en elcual este mecanismo pierde casi toda suimportancia y llega a ser marginal. (Enlos tres últimos años de la década de los80 en las tres ciudades colombianas másgrandes, en los que se había llegado aniveles tan considerables, el peso de larecaudación por valorización fue alre-dedor del 5%) (Garzón, 1992) ¿Por quéun instrumento tan afianzado en lo queya era una tradición, que había tenidotal difusión en su utilización y que habíaservido para tantas cosas deja de ser

utilizado ampliamente? Esta sin duda esuna pregunta muy pertinente si hoy sepiensa introducir mecanismos de estetipo en otros países.

Es claro que en un período tan largolas circunstancias sociales, políticas y ur-banas sufrieron muchos cambios, y esposible que una fuente de las dificulta-des de este instrumento tenga que vercon una falta de adaptación a estasmutaciones. Pero parece más plausibleque sus dificultades tengan que ver consu propia operación: la Contribución deValorización tiene también riesgos y esbien posible que en el caso que nos ocu-pa esta sea el verdadero origen de susproblemas.

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Examinemos entonces cuáles son lasfortalezas de este instrumento y preci-semos cuáles son las circunstancias enlas que ellas toman cuerpo.

Una de las grandes ventajas de estemecanismo tiene que ver con su acepta-ción por parte del mismo contribuyente.Esto es claramente así bajo determi-nadas circunstancias: si los beneficiosderivados de la obra pública, particu-larmente el aumento en el precio de losinmuebles, es superior al monto de lacontribución, y esto es evidente, el con-tribuyente tiene menos reparos en hacersus pagos. Esto se potencia si no haymuchas posibilidades alternativas paraque el Estado haga estas inversiones: enestos casos incluso la iniciativa la tomanlos mismos propietarios, porque estimanque si no se utiliza la contribución, pro-bablemente la obra pública no tengalugar (y por lo tanto el beneficio delparticular), o esto se da en plazos muylargos. Para los funcionarios públicosesta es una herramienta atractiva, nosolamente porque es fácil de cobrar yofrece una oportunidad de mostrar rea-lizaciones, sino porque en principio nocompite con otras fuentes de recursosdestinados a otras inversiones. Tambiénbrinda legitimidad entre la opinión ge-neral: la contribución la pagan los queestán en capacidad de hacerlo y quienesse benefician directamente de la acciónpública.

Sin embargo la utilización masiva eindiscriminada de este instrumento pue-de erosionar las bases en las que seapoya. Cuando se usa reiteradamentepuede darse el caso en que los cobros

por algunas acciones públicas no com-pense los beneficios recibidos o esto nosea muy evidente para los contribuyen-tes. Cuando estas magnitudes son muycercanas se corre el riesgo de que efecti-vamente se cobre a algunos propietariosuna cantidad mayor que el incrementosuscitado por la obra en el precio de susinmuebles, incluso cuando para otros elsaldo sea beneficioso. Todo parece indi-car que el mismo éxito del instrumentocreó un entusiasmo tal en los funciona-rios locales que emprendieron muchasobras en las que estos riesgos eran muypatentes. De otro lado, en algunos casossurgen problemas con la solvencia: sobretodo cuando estas obras afectan a gru-pos que no tienen ingresos muy altos,puede darse el caso de que efectiva-mente el incremento en los preciosinmobiliarios supere el monto de la con-tribución, pero el propietario no tengalos recursos líquidos para hacer los pa-gos. En esas circunstancias a lo que seve abocado el propietario (muchos deellos propietarios de sus propias vivien-das o de pequeños establecimientos) esa tener que vender su inmueble parapoder pagar. No siempre es esto posi-ble, y a menudo genera otros trauma-tismos. Esto parece ser lo que comenzóa darse de manera reiterada.

En estas condiciones, la Contribu-ción de Valorización pierde buena partede sus ventajas y se puede convertir enun riesgo para los funcionarios públicos.Una consecuencia de esto, es que loscontribuyentes son remisos a pagar ytardan en hacerlo. Esto es grave puespor lo general afecta el ritmo de desa-rrollo de las obras y crea insatisfacción

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incluso entre quienes sí han pagado.También existen riesgos de equivocacio-nes en la estimación de los costos de lostrabajos: cuando se subestima el costoreal, pero se ha cobrado la contribución,existe un compromiso de la ejecuciónde la obra. Esto se traduce, de nuevo,en retrasos, insatisfacción, o la necesidadde comprometer recursos de otra desti-nación.

Lo anterior se potencia con este otroriesgo: la Contribución de Valorizaciónpuede ser utilizada (deberíamos decir,mal utilizada) para acciones de remociónde población, que pueden generar unagran oposición de tipo político. Un casonotable de ello fue una gran operación,la llamada Avenida de los Cerros, queintentó realizarse en Bogotá a comien-zos de los años 70, en la época de es-plendor en el uso de la Valorización. Elproyecto consistía en una gran avenidade tránsito rápido que debería conectarel centro de la ciudad con la zona norte,de altos ingresos, y se construiría bor-deando la cadena montañosa que rodeala ciudad en este frente. Lo cierto es queademás de las consideraciones técnicasen materia de movilidad el proyectoparecía tener un objetivo soterrado: sutrazado atravesaba una serie de barriospopulares. La localización de estos asen-tamientos populares eran un residuoinercial de un esquema de segregaciónya superado: cuando la ciudad teníauna configuración concéntrica, estaseran localidades periféricas normalmen-te ocupadas por grupos de bajos ingre-sos. Cuando esta configuración cambió,y las elites emigraron hacia el norte, estosbarrios parecían contradecir el nuevo

esquema de segregación: en realidad suubicación era muy atractiva para ser de-sarrollados como vivienda para ingre-sos más elevados o para actividadesterciarias. No obstante, la operaciónpaulatina del mercado inmobiliario sehabía mostrado impotente para operarespontáneamente esta mutación, lo cualestaba reforzado por la oposición explíci-ta de los pobladores que además teníanuna gran cohesión. La Avenida parecíaestar pensada para hacer efectiva estaremoción: su recorrido implicaba la de-molición de muchas viviendas y deses-tructuraba el tejido interno de los barrios.

Pero el punto de mayor escándaloconsistió en que se pretendió potenciareste efecto de desplazamiento utilizandola Contribución de Valorización: se in-tentó recuperar parte de la inversión dela avenida mediante el cobro de unacuantiosa contribución a los inmueblesadyacentes a la vía. Para estos barriospopulares esto implicaba que los ocu-pantes que no habían sido desarraigadospor la destrucción física de las viviendas,eran expulsados por la incapacidad dehacer estos pagos a menos de que ven-dieran sus inmuebles. Esto desde luegono solo afectaba a los propietarios, sinoespecialmente a una gran cantidad deinquilinos, que apreciaban mucho estalocalización. Esto motivó una gran movi-lización de resistencia a la construcciónde la avenida que alcanzó dimensionesnacionales. Finalmente la iniciativa fuederrotada y la avenida no se construyó.Pero la gran damnificada fue la legitimi-dad de la Contribución de Valorización:se consolidó una imagen que minimiza-ba su potencialidad de instrumento de

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equidad social y se magnificó la sospe-cha que se trataba de una poderosaherramienta de un urbanismo autorita-rio y represivo al servicio de la especu-lación (Revéiz Roldán, 1977).

La articulación de estos procesos,que como hemos visto parecen obede-cer a la operación misma del mecanismo,condujo al resultado que hemos descri-to. Las crecientes dificultades prácticaspara su puesta en marcha, los riesgosfinancieros que implicaba y una oposi-

ción política cada vez más amplia, con-dujo a los alcaldes reducir su utilización:preferían realizar obras públicas conmedios de financiación regulares, a tra-vés del presupuesto normal, a pesar delas eventuales inequidades que esto sig-nificara, o simplemente a renunciar aejecutar acciones que en el pasado ha-bían sido posibles a través de la Valori-zación. Esta no desapareció: pero su usose restringió a acciones muy puntualesen donde hubiera muchas garantías deque estas dificultades no se presentaran.

Tercera fase: resurgimiento y ampliación

La etapa más reciente del proceso queestamos examinando se caracteriza poruna inflexión muy notable de la tenden-cia a la contracción que acabamos depresentar (Vejarano, 2000). De unaparte la Contribución de Valorizaciónvuelve a ser usada de manera crecientey masiva, recuperando los niveles alcan-zados en el pasado (para lo cual se hanintroducido algunas modificaciones im-portantes en su operación), sino que sele han adicionado otros instrumentos derecuperación de plusvalías incluso másambiciosos.

Un primer elemento que amerita nosolo una reflexión específica, sino unainvestigación sistemática, tiene que vercon lo que parece ser un cambio ideoló-gico de importancia en lo que tiene quever con las concepciones sobre la gestiónurbana y la propiedad, que son el sus-tento de esta reactivación de los instru-mentos de Recuperación de Plusvalías.

A partir de la década de los años 60hubo una larga sucesión de intentos deintroducir en la legislación colombianainstrumentos de gestión urbana y deintervención en el mercado del sueloque corrigieran evidentes irracionalida-des que la sola Contribución de Valori-zación era incapaz de impedir: todosfueron fallidos. Durante casi tres décadasse presentaron más de diez proyectosde Reforma Urbana que fracasaron enel Congreso (Valencia Jaramillo, 1989).El sector inmobiliario de manera unifi-cada, incluyendo promotores y propie-tarios territoriales, se movilizaron contraestas iniciativas, y hallaron aliados en lospropietarios rurales, pequeños propie-tarios urbanos y otros grupos para li-quidar estas iniciativas.

Sorpresivamente, cuando muchoscreían que esto era imposible, en 1989hizo trámite un proyecto que luego fueaprobado como la Ley 9 de ese año,

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conocido como de Reforma Urbana,que introdujo normas legales muy avan-zadas, entre ellas varias que permitíanpotenciar los procedimientos de capturade plusvalías. Su aprobación es un pocoinesperada, porque se da en un mo-mento en que comenzaban ya a predo-minar las concepciones liberales en elmanejo de la economía que privilegianla operación libre de los mercados ydesconfían de las regulaciones y de laintromisión del Estado en esta dinámica.Nótese que los fracasos repetidos de losproyectos anteriores se dieron en uncontexto que parecía más favorable alrespecto, pues el clima ideológico pre-dominante le daba un papel más activoal Estado.

Dos años más tarde, como resultadode un proceso político de muchos cam-bios, se promulga una nueva Constitu-ción que introduce transformaciones muyapreciables en la estructura del Estadocolombiano. En ella se consignan doselementos que son vitales para el tópicoque estamos tratando. De una parte, seintroduce un matiz que tiene grandesrepercusiones sobre la definición de lapropiedad: ya no se plantea que la pro-piedad tiene una función social, sino queella es una función social. Esto permitepasar de una concepción de tipo patrimo-nialista a una visión en la que la propie-dad está subordinada a las exigencias dela dinámica social. El otro elementoinnovador de la Constitución de 1991en la materia que nos ocupa, consiste enque de manera explícita, se eleva a rangoconstitucional el derecho de la comuni-dad a participar en las plusvalías urbanas(Maldonado, 2002; Pinilla, 2003).

Como desarrollo de estos principios,en 1997 se promulga una nueva Leyde Reforma Urbana que avanza aúnmás en el acrecentamiento perfecciona-miento de herramientas de gestión ur-bana. En ella se introducen dos nuevosinstrumentos de captura de plusvalíasque complementan la Contribución deValorización (Molina, 1999).

Uno de ellos se conoce como Parti-cipación en Plusvalías. La Contribuciónde Valorización tiene la limitación, comoresultado de precedentes jurídicos esta-blecidos, que impide cobrar una contri-bución superior al monto de la inversiónque requiere la obra. En numerosasocasiones el impacto de las obras sobrelos precios inmobiliarios es superior a lainversión estatal. La diferencia no puedeser recuperada por el Estado a travésde la Valorización. Pero lo más pertinen-te, es que se ha detectado que los in-crementos más cuantiosos en los preciosde las tierras y de los inmuebles no tie-nen lugar ante inversiones del Estado,sino como efecto de acciones que noimplican erogaciones fiscales (al menosdirectas): se trata de los cambios de re-glamentación. Los precios del suelo seincrementan bruscamente cuando, enciertas circunstancias, se permiten mayo-res densidades o se autorizan usos quearrojan rentas superiores. La Participa-ción en Plusvalías establece que cuandocomo efecto de las disposiciones de unPlan de Ordenamiento Territorial a losterrenos a los que se les permita un usomás rentable, se les autorice un mayoraprovechamiento y notablemente, a losterrenos rurales que pasan a ser consi-derados urbanos, y se prevea que como

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consecuencia de estas decisiones estata-les sus precios van a elevarse, las autorida-des locales pueden exigir al propietariosuna porción de este incremento (entreun 30% y un 50% según decisión de losCabildos Municipales) (Jaramillo, 1998).

El otro instrumento que tiene unsigno similar se le conoce como Repar-tición de Cargas y Beneficios del desa-rrollo urbano y es una adaptación de lalegislación española reciente (García Be-llido, 1998). La Contribución de Valori-zación tal como existe en Colombia tieneotra limitación práctica, y es que es apli-cable a obras más o menos puntualesque generalmente se producen a pos-teriori de un desarrollo ya generado. LaRepartición de Cargas y Beneficios pre-tende no solamente trasmitir a los be-neficiarios de desarrollos en la ciudaduna porción más equitativa de los costosen que incurre la comunidad para hacerposibles estas acciones, sino introducirmayor racionalidad en ellos y más equi-dad entre los mismos propietarios. Con-siste básicamente en lo siguiente: enconsonancia con el Plan de Ordenamien-to Territorial se definen Planes Parcialesde una cierta magnitud (rompiendo conel desarrollo lote por lote que es muyinconveniente por varias razones). Sedefine de manera coherente los desarro-llos que van a realizarse, y por otro ladolos costos en que tiene que incurrir laciudad para hacer esto posible. De otraparte, se establece el valor de las propie-dades antes de la operación. La dife-rencia entre estos valores y los que seprevean que surjan cuando la operacióntenga lugar se considera la base sobrela cual los propietarios contribuyen a

sufragar estos costos. Los pagos puedenefectuarse en cesiones de terreno adicio-nales a los de las normas generales, detal manera que el Estado obtiene comocontrapartida a sus inversiones áreas deterrenos que puede destinar a las nece-sidades generales de la comunidad.Como en el caso de la Valorización, estono es incompatible con que los propie-tarios se beneficien de una porción delos incrementos de los precios, pero con-tribuyen de manera significativa en loscostos generados por el desarrollo. Y adi-cionalmente, esto permite acciones máscoherentes y racionales.

Estos instrumentos no substituyen,sino que complementan la Contribuciónde Valorización. Ella sigue siendo muyadecuada para muchos efectos y es uninstrumento ya probado y desarrollado.En esta última fase vuelve a ser utilizadade manera intensa, Para ello, hemos di-cho, se le introducen algunos correcti-vos: en la liquidación de la contribuciónse introduce el principio de capacidadde pago, moderando los montos paralos grupos de menores ingresos, lo queamortigua las fricciones en este sentido.Se perfeccionan los procedimientos deestimación de los impactos, lo cual erafuente de muchas controversias, y seamplían las zonas de afectación de lasobras, lo que reduce el pago individualde los propietarios (Jaramillo, 2001).

Lo que hemos presentado para estaúltima fase son hechos. Se impone pre-guntarse entonces qué los ha hechoposibles. Hemos visto que en épocasprevias se fracasó reiteradamente enestas iniciativas. En otros países algunos

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juzgan que el clima ideológico predo-minante, que es permisivo con la pro-piedad y con la libre operación de losmercados, imposibilita la adopción dis-posiciones de este tipo. Pues bien, puededecirse que este ambiente también existeen Colombia, y sin embargo esto no hasido óbice para que se rescatara la Con-tribución de Valorización y se introduje-ran estos nuevos instrumentos.

Una línea posible de explicación,parcial pero eventualmente significativa,tiene que ver con la misma Constituciónde 1991. Ella tiene un marcado perfilmunicipalista y traslada a los municipiosuna gran cantidad de nuevas responsa-bilidades. Esto se repercute en presionesadicionales en las finanzas locales. Losmecanismos de captura de Plusvalíasserían considerados como fuentes im-portantes de refuerzo de los fiscos loca-les, complementarios o incluso másventajosos que otros tributos locales. Losimpuestos locales tradicionales, como elimpuesto predial y el impuesto a las acti-vidades económicas (Impuesto de In-dustria y Comercio) se elevan, pero aúnasí se revelan insuficientes: los meca-nismos de captación de plusvalías sonconsiderados una ayuda, porque enprincipio no compiten los otros impues-tos: estas contribuciones son una deduc-ción de incrementos patrimoniales.

Existe otra línea de explicación hi-potética y tiene que ver con cambiosestructurales, particularmente en lo queconcierne al sector inmobiliario. Losagentes dominantes en esta rama hastahace unas décadas se caracterizaban porser una amalgama entre promotores

propiamente dichos y fraccionadores yadecuadores de terrenos. Las operacio-nes típicas combinaban de manera inex-tricable la ganancia capitalista y lacaptura de incrementos en los preciosdel suelo, es decir, la renta territorial (Ja-ramillo, 1993). Es bien significativo quela principal oposición a las iniciativas dereforma urbana en la etapa anterior fue-ron siempre lideradas por todas las agre-miaciones del sector, incluyendo las queagrupan a los productores de insumosde la construcción, los corredores de tie-rras, los banqueros del sector y los pro-motores, que tenían muchos lazos entresí, cuando no verdaderas fusiones. A lolargo de este período esta estructuracambia de manera notable. Innovacio-nes en los sistemas financieros y otrascircunstancias han generado la autono-mización de la promoción como tal dela mera especulación fundiaria. Al me-nos una parte importante de los capitalespromotores encuentran hoy en día quetanto las insuficiencias de los estados lo-cales para generar infraestructura, comolos mismos privilegios de la propiedadterritorial en realidad afectan sus propiosintereses de acumulación. Lo cierto esque en este proceso reciente el frentepolítico de oposición a las reformas tanmonolítico en el pasado se ha fracturadode manera significativa. Es bien elo-cuente que algunas de las agremiacionesde las que se esperaba una férrea opo-sición a estas propuestas no solamenteno se han pronunciado en este sentido,sino que algunas han declarado pública-mente su apoyo (Borrero Ochoa, 2003).

Finalmente habría que decir que esnecesario matizar la relación que espon-

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táneamente se establece entre la ideo-logía liberal general y las posiciones sobrelas acciones en el mercado del suelo. Escierto que existe una concepción fun-damentalista que se opone por principioa cualquier intromisión en el funciona-miento espontáneo de cualquier mer-cado y que considera que el derechode propiedad debe ser absoluto e into-cable. En Colombia estas posiciones hanestado presentes en el debate público ylo siguen estando en la fase reciente. Paraello se apoyan en lo jurídico en las con-cepciones civilistas más tradicionales, yen lo económico en lo que puede pen-sarse que son las conclusiones doctrina-les de la economía neoclásica. Pero estasposiciones están lejos de ser las únicaspresentes incluso en este rango del es-pectro ideológico. Cada vez más se en-cuentran matices que sin renunciar a unaperspectiva liberal sacan conclusionesmuy diferentes sobre lo que es lícito yconveniente hacer en el mercado delsuelo. Debe recordarse que en la mismaeconomía neoclásica existen anteceden-

tes bien tempranos y significativos depensadores que consideran que el mer-cado de la tierra requiere de correctivos,empezando por Leon Walras, fundadorde esta tradición teórica, que proponíala estatización de la propiedad hastaejemplos bien recientes como el deWilliam Vickrey, Premio Nobel de Eco-nomía en 1996, en el corazón de la eco-nomía ortodoxa, que revive las tesis deHenry George sobre la conveniencia dela captura de los incrementos en los pre-cios del suelo urbano por el Estado. Algosimilar puede decirse en lo jurídico conla emergencia de concepciones acercade la ilegitimidad del enriquecimiento sincausa, de las limitaciones en el abusode la propiedad y del papel que se le daal Estado no solo como garante de lapropiedad sino como su configurador.De hecho habría que decir que en esteplano ideológico es también elocuenteque las agencias multilaterales, usual-mente muy conservadoras, favorecencada vez más este tipo de perspectivas.

Recapitulación

Más que conclusiones, terminemos estetexto con una rápida recapitulación dealgunas nociones que emergen de estaaproximación preliminar a la experienciacolombiana en estas materias y quepuede ser pertinentes para pensar estostemas en otros países latinoamericanos:

— No parece existir una correspon-dencia absoluta entre las percepcio-nes generales y hegemónicas sobre

el funcionamiento de la sociedad ylas actitudes específicas sobre elmercado del suelo.

— En este último asunto juegan unpapel decisivo otros determinantes,como los grupos e intereses fraccio-nales que se configuran alrededorde los mercados de tierra y desdeluego las limitaciones y alcances delos dispositivos de política al respecto.

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— Algunas de las condiciones un pocoexcepcionales que parecen explicarla larga tradición de uso de instru-mentos reguladores del mercado delsuelo en Colombia, pero sobre todolas circunstancias aparentementeasociadas a su reanimación reciente

parecen ser cada vez más comparti-das por otros países latinoameri-canos, por lo que parecen existirrazones plausibles para ser optimis-tas sobre la posibilidad de introducirherramientas racionalizadoras y re-distributivas en estos ámbitos.

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Resumen

Uno de los puntos sobresalientes en laagenda actual de las políticas urbanas enAmérica Latina es la implementación deinstrumentos de recuperación de incre-mentos en los precios del suelo, conoci-dos como “plusvalías”. En este contexto,el caso de Colombia reviste un gran in-terés, pues en contraste con otros paísesde la región, alli existe una larga tradiciónde uso de algunas de estas herramientasy recientemente se han introducido al-gunas nuevas y más ambiciosas. Este ar-tículo propone un análisis que trasciendala mera presentación de este caso comoalgo exitoso y como una fórmula a se-guir. Muestra que en su larga trayectoriahistórica ha tenido fases muy diversas deesplendor, pero también de contracción.El artículo propone un conjunto de hi-pótesis explicativas de este desenvolvi-miento a través de un período tan largo,que se acerca a los 90 años.

Palabras clave: urbanización, merca-do del suelo, desarrollo local, política ur-bana.

Abstract

One of the main issues in today’s urbanpolicy in Latin America is the implemen-tation of devices for the capture of incre-ments in urban land prices. In thiscontext, the case of Colombia is of a greatinterest, because in contrast with else-where in the region, in this country therehas been a long tradition in the use ofthese tools, and recently, some new andmore ambitious ones have been intro-duced. This paper proposes an analysisthat pretends to go beyond the merepresentation of this as a successful casethat should be replicated. Here is shownthat in its long trajectory the value cap-ture instruments have had very differentstages, some of expansion and splendor,but also other of contraction. The paperpresents some explanatory hypothesis ofthis historical development along a soextended period, that approaches ninedecades long.

Keywords: urbanization, land market,local development, urban policy.

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26 Recuperación de plusvalías en Colombia: reflexiones sobre su desarrollo histórico

Samuel Jaramillo é economista, Doutor em Urbanismo pela Universidade deParis XXII. Professor Titular da Faculdade de Economia da Universidad de los Andes(Bogotá). Presidente do Conselho Deliberativo da Asociación Colombiana deInvestigadores Urbano Regionales, ACIUR. Autor de livros sobre economia urbana.

Recebido em outubro de 2006. Aprovado para publicação em abril de 2007

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 1, 2006, p. 27-48

Risco urbano e moradia: aRisco urbano e moradia: aRisco urbano e moradia: aRisco urbano e moradia: aRisco urbano e moradia: aconstrução social do risco emconstrução social do risco emconstrução social do risco emconstrução social do risco emconstrução social do risco emuma favela do Rio de Janeirouma favela do Rio de Janeirouma favela do Rio de Janeirouma favela do Rio de Janeirouma favela do Rio de Janeiro

Adauto Lucio Cardoso

A construção social do riscoA construção social do riscoA construção social do riscoA construção social do riscoA construção social do risco

A temática do risco está cada vez maispresente em vários campos disciplinares,da economia à medicina, passando pelasociologia e pelos estudos ambientais, etem sido detectada a partir dos anos1980 1, embora as revisões de literaturaidentifiquem a origem da utilização danoção de risco entre os séculos XV e XVI,associada às transações comerciais doDireito Marítimo (Lieber e Romano Lie-ber, 2002). Certamente a importânciada temática nos últimos 20 anos está li-gada às mudanças sociais, políticas eeconômicas recentes, sobretudo a partirdo enfraquecimento do Estado de Bem-Estar e das estruturas de seguridade so-cial implantadas a partir da SegundaGrande Guerra (Castel, 2004), e da

reestruturação do capitalismo, com aglobalização da economia e a amplia-ção da competição em vários setores.Giddens (1991) aponta a presença dorisco como elemento estruturador dasrelações sociais contemporâneas, quan-do o aprofundamento dos processos deindividualização faz com que as insegu-ranças e as ameaças presentes na vidasocial deixem de ser tratadas (e assegu-radas) por meio de instituições e passema ser incorporadas como responsabilida-des individuais. Nesse sentido, segundoo autor, os indivíduos assumem maiorcontrole sobre as suas biografias, desen-volvendo projetos de futuro a seremconstruídos a partir do presente, em ummundo ameaçador mas também pleno

1 Segundo Lieber e Romano Lieber (2002), a citação do termo risco na literatura das ciênciassociais cresceu, nos últimos 15 anos, dez vezes em relação ao período anterior, atingindo umtotal superior a 10 mil registros.

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de oportunidades de realização. Beck(1999; 2000), sobre esse tema, destacaa importância das mudanças tecnológi-cas, que teriam destruído as possibilidadestécnicas e científicas da previsibilidadeou do controle dos danos decorrentesde acidentes cada vez mais incontrolá-veis em sua amplitude, citando comoexemplos paradigmáticos os casos deChernobyl e Bhopal.

Sejam quais forem as causas objeti-vas que levaram a noção de risco a umplano central no debate contemporâ-neo, o fato é que nos anos recentes vemse desenvolvendo todo um campo dis-ciplinar de análise e avaliação de riscos,com novas alternativas de quantificaçãoe com o desenvolvimento de técnicasestatísticas que buscam ampliar as pos-sibilidades de controle probabilístico emsituações complexas. No campo damedicina social, a temática do risco vemsendo priorizada como abordagem deprecaução para o controle sobre doen-ças de maior ou menor gravidade, commaior destaque na prevenção de doen-ças transmissíveis, como foi o caso daAids. A partir da abordagem médica,todos os comportamentos humanospassam a ser classificados em uma escalade maior ou menor risco em relação àspossibilidades de ocorrência futura dedoenças. “Grupos de risco” e “compor-tamentos de risco” tornam-se, assim,temas recorrentes não apenas na inves-tigação médica como também no de-senvolvimento de técnicas e abordagensterapêuticas e de diagnóstico. Observa-se, pois, uma tendência a emprestar ànoção de risco uma conotação moral,em que se responsabilizam os indivíduos

pelas “opções” assumidas em termos deatitudes e comportamentos, classificadoscomo “perigosos”. Os estudos da medici-na social voltam-se assim para a busca daidentificação de relações estatisticamentesignificativas entre comportamentos edoenças, sugerindo, em contrapartida,padrões normativos de comportamentos“corretos”, ou “adequados, ou “pruden-tes”, como forma de condicionamentodos desejos e de reestruturação dos hábi-tos sociais. A estigmatização dos “gruposde risco” (usuários de drogas, homosse-xuais etc.) que acompanhou a epidemiada Aids mostra claramente os perigosimplícitos nessa tendência. Além disso,ainda no âmbito da medicina, produz-se um efeito de “medicalização”, ao es-tabelecer-se uma nova condição passívelde atendimento e tratamento médico: oestado de saúde sob risco (Kenen, apudCastiel, 2002).

Uma das decorrências dessa abor-dagem “moralizadora” (Lupton, apudCastiel, 2002) refere-se à discussão so-bre os processos de percepção do risco,em que se contrapõe o discurso científi-co às práticas culturais da população,buscando identificar as “irracionalidades”cognitivas, de forma a ampliar a eficáciado discurso científico na alteração doscomportamentos. Voltaremos a essetema mais adiante.

No âmbito da prolífica literatura téc-nica sobre o risco, destaca-se a questãoda quantificação. Essa abordagem sedesenvolve, em um primeiro momento,a partir da utilização do cálculo de pro-babilidades como técnica de previsão dofuturo. A importância da noção de risco,

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29Adauto Lucio Cardoso

nesse contexto, diz respeito a aspectossemânticos: diferentemente das noçõesde perigo ou ameaça, o risco refere-seà previsibilidade de exposição a um pe-rigo incerto, que pode ocorrer mas quenão pode ser evitado. Nesse sentido,previsibilidade e incerteza induzem àadoção de técnicas estatísticas ligadas aocálculo de probabilidades que permite,por meio da quantificação da probabi-lidade da ocorrência de perigos futuros,estimar, por um lado, as possibilidadesde que o risco possa ser coberto por al-guma forma de seguro, ou seja, porcompensações financeiras. O assegura-mento se torna, a partir de então, umaalternativa de garantia de redução doscustos da incerteza futura, cobertos,pelo menos parcialmente, por mecanis-mos de compensação. Por outro lado,o cálculo de probabilidades permite queo seguro se torne um negócio lucrativo,abrindo um novo campo aos processosde acumulação. Além de possibilitar ocálculo da probabilidade da ocorrênciade eventos perigosos, a quantificaçãotambém possibilita estimar os prejuízos,ou seja, transformar em valores mone-tários as perdas materiais decorrentes doevento. Desenvolve-se também, comgrande ênfase, o estudo de técnicas eabordagens de prevenção ao risco, prin-cipalmente mediante a adoção de pro-cedimentos padronizados de segurançae o desenvolvimento de tecnologias es-pecíficas destinadas a aumentar as con-dições de segurança de sistemas maissuscetíveis a acidentes.

De forma geral, esses procedimen-tos, ampliados no campo da engenha-ria, baseiam-se em pressupostos de

causalidade mecânica, abrindo o flancoàs críticas que, ainda partindo de umparadigma “objetivista”, enfatizam asabordagens sistêmicas e de contexto.Embora pelo menos uma parte da lite-ratura recorrentemente se refira às di-mensões de alta complexidade inerentesàs dinâmicas produtoras de risco, comoconjugação de fatores de diferentes natu-rezas (históricos, psicológicos, culturais,ambientais etc.), as análises aplicadascontinuaram a privilegiar a noção de“causa” e a descrição de estruturas, emvez de focalizarem os processos subja-centes, tendendo a substituir a incertezapresente na noção de risco por avalia-ções de caráter mais determinístico:

De forma particular, o estabeleci-mento de processos e condições deprodução pelos engenheiros conti-nua preso às normas e aos padrõesde procedimentos. Em termos prá-ticos, os grandes desastres tecnoló-gicos pouco contribuíram para arevisão da ideologia da norma, ouda fixação da “causa”. Muito em-bora, no campo teórico, já se pro-ponha timidamente que normas oupadrões técnicos sejam revistos eestabelecidos conforme relaçõesprobabilísticas, ou de “risco”, emdetrimento das formulações deter-minísticas usuais. (Lieber e Romano-Lieber, 2002, p. 76)

Algumas análises ressaltam, nessesentido, que a capacidade preditiva dasanálises de risco seria bastante limitada,por uma série de fatores (Castiel, 2002,p. 120):

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— como as análises de risco partem dacorrelação estatisticamente signifi-cante entre determinados eventos ea ocorrência de danos, permane-cem desconhecidos os mecanismosde causação, logo a relação entre osindicadores de risco e a ocorrênciaefetiva de danos torna-se uma “caixapreta”, que pode levar a erros deinterpretação e a pouca cientificida-de dos procedimentos;

— permanece indefinido, em muitas si-tuações, o estatuto dos fatores derisco considerados (se determinan-tes, predisponentes, contribuintesou incidentalmente associados) emrelação às ocorrências consideradas;

— há dificuldade em estabelecer ade-quadamente as mediações e intera-ções entre mecanismos e fatores denatureza biológica e social;

— existem problemas de mensuraçãono longo prazo, já que muitas vezesos efeitos danosos só se manifestama partir de um período maior de ex-posição aos danos potenciais.

De uma maneira geral, as aborda-gens que enfatizam a quantificação dorisco partem de um paradigma “objetivis-ta” ou “realista”, segundo o qual seriampossíveis, por meio da análise científica,a identificação e a quantificação dos fa-tores de risco, a partir dos quais se pode-riam prescrever intervenções preventivasou compensatórias. Alguns dos proble-mas inerentes a essa abordagem já foramenunciados anteriormente. Destaque-se

apenas que a “resposta” a essas críticasvem assumindo duas formas: em primeirolugar, de adoção dos pressupostos dateoria da complexidade, levando a umamaior sofisticação das técnicas estatísti-cas 2; em segundo lugar, de incorporaçãoà análise dos aspectos subjetivos, ou seja,com base numa concepção em que o

risco é uma relação que pode serestabelecida sob argumentos obje-tivos, mas a percepção e a aceitaçãodesta relação objetivamente dadaestá sujeita aos aspectos culturais epessoais, cabendo à psicologia socialestabelecer formas e parâmetrospara que o entendimento se com-plete. Nessa perspectiva, todos osproblemas estão no âmbito da co-municação e as pesquisas buscamentender a natureza dos comporta-mentos dos sujeitos sob “risco” (masnão dos analistas!), proporcionandoos subsídios necessários ao discursotécnico. (Castiel, 2002, p. 82)

Em contraposição, outras aborda-gens partem da idéia de que a realidadeé fruto de um processo de construçãosocial, no qual as representações nãoapenas “refletem” a “realidade”, mascontribuem decisivamente para produzi-la. Analisando a literatura “construcio-nista” sobre o risco, Lupton constróiuma tipologia que distingue as vertentes“fortes” ou “fracas”. Na vertente “forte”,

nada é risco por si mesmo. O que seentende por risco ou perigo é umproduto decorrente de contingênciashistóricas, sociais e políticas. Na forma

2 Como a teoria de “conjuntos fuzzy”. Ver Castiel (2002).

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de construcionismo fraco, “risco” éuma propriedade objetiva do perigoou da ameaça, inevitavelmente me-diada pelos processos sociais e cul-turais. (Lupton, apud Castiel, 2002,p. 85)

Exemplos do construcionismo fracoseriam Beck, que parte de uma noçãoobjetivista de mudanças tecnológicas,com conseqüências sobre representa-ções e práticas sociais, e Mary Douglas(1973, p. 1984), que, em sua obra Pu-reza e Perigo estudou a variação culturaldas noções de poluição e pureza, vendo-as como representações coletivas 3 (nosentido durkheimeano) que têm comosubstrato necessidades sociais de manu-tenção dos padrões de ordem e da es-trutura social.

Várias análises baseadas na aborda-gem construcionista mostram empiri-camente que os mesmos fenômenospodem ser objeto de diferentes inter-pretações por técnicos e cientistas, acen-tuando ou reduzindo seu potencial derisco, a partir de opções culturais e polí-ticas. Boehmer-Christiansen (1992),investigando as atitudes opostas preva-lecentes na Alemanha e na Inglaterraquanto às políticas ambientais e às aná-lises técnicas referentes à chuva ácida,revelou que essas eram explicadas pelapercepção das ameaças ambientais eque a sua manipulação política era ope-

rada por meio da linguagem e refletiadiferentes contextos políticos e culturais.Segundo a autora,

o trabalho empírico sugere que adecisão política é menos determina-da pela busca de soluções racionaispara problemas bem compreendi-dos do que por sistemas políticosbuscando justificativas para modosde vida existentes ou alternativos.(Boehmer-Christiansen, 1992, p. 3)

Embora o enfoque construcionistaincorpore um conjunto de abordagensdiferenciadas, o que elas têm em co-mum é, basicamente, o pressuposto deque todas as possíveis leituras a respeitodos fenômenos (incluindo-se as produ-zidas pela ciência ou pelas disciplinastécnicas) são fruto de um processo deconstrução social e se associam a visõesde mundo parciais e referidas a contex-tos históricos, sociais e políticos. O quenão é consenso, nessas abordagens, é opapel estruturador das relações de poderna produção dos sentidos de risco.

Aprofundando essa linha de argu-mentação, é possível pensar que a cons-trução das noções de risco por diferentesgrupos sociais será mediada, do pontode vista da estrutura social, pelas dife-renças de capital (material e simbólico)que caracterizam esses grupos. Seguindonessa direção pode-se supor, como afirma

3 Sistemas classificatórios, para Durkheim, configuram uma ordem lógica que recobre a ordemsocial, impondo-se sobre o agente, não apenas regulando a apropriação dos símbolos mastambém fornecendo as regras e os materiais significantes com que os grupos dão sentido àssuas práticas. Constituem representações coletivas cujas divisões internas remetem à divisãodo grupo como um todo. A sociedade constitui o fundo que articula o sistema social e osistema lógico.

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Bourdieu (1989), que o debate em tornodo conceito de “risco” pode ser definidocomo uma “luta pelas classificações”, ouseja, uma disputa sobre qual o conteúdoe qual a direção das representações domundo social. Da mesma forma, pode-se supor ainda que, no terreno das práti-cas sociais, defrontam-se as construçõessimbólicas dos intelectuais, das práticase representações dos grupos sociais “so-fredores” das situações de risco, que asenunciam de acordo com outros proje-tos de construção da ordem social. Nessesentido, também nesse caso existe umaluta pela classificação que envolve dife-rentes projetos (explícitos ou implícitos)de construção e representação do mun-do social.

Assim como ocorreu no campo dasaúde, também o dos estudos urbanos,principalmente o do planejamento e ges-tão das cidades, tem sido “invadido” pelatemática do risco, de forma associada àsdiscussões sobre a “sustentabilidade ur-bana”. Em grande medida, os principaiselementos que conformam o discursosobre o risco urbano diziam respeito, emum primeiro momento, nas cidades lati-no-americanas, a problemas de enchen-tes e de deslizamento de encostas queatingiam majoritariamente a populaçãomais pobre4 . As ocorrências de outrostipos de agravos, como contaminaçãopor poluentes químicos, acidentes indus-triais, incêndios etc., foram incorporadasna literatura gradativamente. Um temamais recente, embora já tratado há maistempo por outras abordagens disciplina-res, concerne à violência.

A tendência dominante nos estudossobre o risco urbano enfatiza a leituratécnica. As análises da engenharia elabo-ram mapas mais ou menos detalhadosdas “áreas de risco”, porções do territóriosujeitas (ou seja, onde existiriam pro-babilidades, nem sempre claramenteenunciadas) à ocorrência de desastres oucatástrofes “naturais”, pela combinaçãodas características geomorfológicas dosambientes com as alterações promovidaspela ação “antrópica”. O fator deflagra-dor da catástrofe pode ser vinculado auma causa “natural”, como a ocorrênciade grandes concentrações pluviométri-cas, ou “humana”. Fortemente influen-ciada por um viés objetivista, essatendência lê os processos sociais de ocu-pação dessas áreas como fruto da “igno-rância” ou do “descuido” da população.

As soluções apresentadas variam daremoção total da população e do con-trole pelo Estado dessas áreas, para coi-bir novas ocupações, a propostas decunho mais “progressista” que reconhe-cem a necessidade de permanência epropõem remoções parciais com reloca-lização no mesmo assentamento e tam-bém a realização de obras para prevenirou mitigar as possibilidades de aciden-tes. Uma primeira avaliação já mostra,nessas duas soluções, diferentes leiturastécnicas do risco, cujas matrizes cogniti-vas podem estar ligadas mais às concep-ções políticas subjacentes do que à dita“objetividade” do fenômeno.

Embora divergindo nas propostasde intervenção 5, as duas soluções tra-

4 Para uma contribuição seminal ao debate sobre o risco urbano, ver Herzer (1990).5 O que não é absolutamente irrelevante.

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duzem pressupostos objetivistas quedeságuam em propostas de educaçãoambiental pautadas pela idéia de que énecessário levar a essas populações osconhecimentos ou as informações deque elas não disporiam e que as fariamassumir determinados “comportamen-tos de risco”, como morar na beira deum córrego ou construir um barraco emuma encosta íngreme.

Uma primeira questão a ser inseridana discussão sobre os riscos urbanos,antes de buscar mapear os processos deconstrução social do risco pela popula-ção, procurando contrastá-los com a lei-tura técnica supramencionada, seria,então, entender o modo como os pro-cessos de estruturação da cidade confor-mam determinados conjuntos de opçõespossíveis para os diferentes atores sociais.

Nesse sentido, é importante lembrarque o acesso à cidade é mediado peloacesso à moradia, e este último, peloacesso à terra 6. A terra é uma merca-doria sui generis, como revela a litera-tura especializada, tendo em vista que éum bem não produzido, mas que ganhaum preço, estipulado menos por suascaracterísticas intrínsecas (tamanho, es-tabilidade do solo etc.) do que por carac-terísticas externas, como a localização eo grau de acessibilidade aos serviços eequipamento urbanos, ou, ainda, porgravames administrativos que estabele-cem o que pode ser construído em cadalocal, através do zoneamento.

O mercado de moradia, dependen-te do mercado de terras, apresenta tam-

bém suas especificidades que, ao fim eao cabo, tornam esse setor econômicoresistente à modernização produtiva ecapturado por uma lógica mercantil es-peculativa. De fato, a atividade essencial-mente produtiva – a construção civil –depende da organização do processoeconômico de produção da moradiaefetuado por um agente – o incorpora-dor – que “orquestra” os diversos atoresresponsáveis pelas várias etapas de pro-jeto, produção e comercialização, sub-metendo-os à sua lógica e aferindo seusganhos do controle sobre a transforma-ção do uso do solo, ou seja, sobre o valorexcedente que é cobrado dos compra-dores sobre o custo original da terra.

Essa lógica de organização do setorimplica uma limitação à industrializaçãoda produção e, conseqüentemente, àampliação do mercado. Por essa razão,a habitação, embora não seja conside-rada stricto sensu um bem público de-pende, para ser viabilizada para umaparcela maior da população, da inter-venção pública, seja na regulação domercado, seja na provisão de financia-mento, seja no combate aos processosde especulação fundiária. Na ausênciade um Estado que atue decisivamentena ampliação da oferta de moradia paraamplas camadas da população, o “mer-cado” se estrutura a partir de lógicas dife-renciadas em diferentes submercados.

Uma parte expressiva da população,sem condições de acesso à terra urba-nizada com um mínimo de acessibilidadea trabalho e a serviços urbanos, “resol-ve” o problema do acesso à moradia

6 As considerações que seguem estão inspiradas em Ribeiro (1997) e Jaramillo (s.d.).

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por meio da ocupação de terras vaziase da autoprodução da edificação e dainfra-estrutura local. Outro segmento, jáno âmbito de uma produção mercantil,é o dos loteamentos periféricos, muitasvezes irregulares ou clandestinos, ven-didos para uma população de baixa ren-da que consegue arcar com os custosde acessibilidade mais elevados do queos vigentes em áreas de favela.

Essa breve digressão tem como ob-jetivo mostrar que, dadas a estrutura domercado de terras e de moradia e aausência histórica do Estado na imple-mentação de políticas habitacionais efe-tivas, e considerado o problema dapobreza e da desigualdade que marcaa história brasileira, as “opções” de acessoà moradia para os mais pobres ocorreatravés da “ocupação” de terras vaziasou, como parece ser o caso mais recen-temente, da compra ou do aluguel deimóveis (terras ou moradias prontas)com valor acessível à sua renda em áreaspreviamente ocupadas, que passam a sermercantilizadas em um mercado informalque se generaliza nas favelas cariocas. Aoutra opção possível, fora das favelas,seria o acesso a lotes populares, tambémprecários em infra-estrutura e, mais ain-da, em acessibilidade. Essa opção só éviável para uma parcela da populaçãoque consegue, de alguma forma, arcarcom os custos da baixa acessibilidade.

Nesse sentido, as condições sociais,políticas e econômicas que organizam oprocesso de estruturação das cidades eque conformam o acesso à moradiapara os diferentes grupos sociais estabe-

lecem um campo de possibilidades paraas práticas sociais e, por conseguinte,para as representações acerca dessaspráticas. É a partir desse campo proble-mático que propomos elaborar umaprimeira abordagem, exploratória, a res-peito das representações sociais relativasao risco feitas pelos moradores de umafavela situada num subúrbio da cidadedo Rio de Janeiro.

Com base nessas premissas, formu-lou-se o projeto de pesquisa que, nesseprimeiro momento, buscou mapear al-gumas representações sociais de popu-lações pobres em diferentes tipos deassentamentos. Para isso foi aplicado umquestionário, com perguntas predomi-nantemente abertas, visando identificarum repertório de situações e de meca-nismos discursivos acionados por essapopulação, como primeira etapa parauma pesquisa posterior, de cunho maisqualitativo. Não se buscou, nesses casos,a construção de uma amostra estatistica-mente significativa, mas sim a exploraçãoqualitativa das possibilidades de análise,a fim de estabelecer hipóteses que subsi-diassem abordagens posteriores. Paraesse primeiro momento foram selecio-nadas três áreas populares: uma favelasituada em um subúrbio do municípiodo Rio de Janeiro (Parque Unidos deAcari), um bairro popular em municípioda Baixada Fluminense (Jardim BomPastor, em Belford Roxo) e um conjuntohabitacional em área periférica do mu-nicípio do Rio de Janeiro (Nova Sepeti-ba), mas será apresentada aqui apenasa análise da primeira, que dispõe dematerial mais rico para avaliação.

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35Adauto Lucio Cardoso

A favela PA favela PA favela PA favela PA favela Parque Unidos de Acariarque Unidos de Acariarque Unidos de Acariarque Unidos de Acariarque Unidos de Acari

A favela Parque Unidos de Acari localiza-se entre a avenida Brasil e a rodovia Pre-sidente Dutra. Trata-se de área comfortes características industriais, mas quevem demonstrando declínio econômico,com diversos estabelecimentos fechadose galpões vazios. Um exemplo é a fábricadas Indústrias Parmalat, recentementefechada, situada exatamente em frenteà favela, do outro lado do Rio Acari.Nas imediações da favela encontram-setambém as instalações da Ceasa, a ave-nida Automóvel Clube e ainda umaestação do Metrô da linha 2. A comuni-dade ocupa a área entre a rua Embaúe o rio Acari, sendo cortada pela LinhaVerde. O nível geral de acessibilidade éalto por meio de transporte coletivo(ônibus, vans e metrô) para as áreascentrais da cidade. O Parque Unidos deAcari situa-se em uma região onde se

podem encontrar diversas outras áreasde favela, inclusive as de Acari e de Vigá-rio Geral, que se tornaram famosas pelaocorrência de episódios de violência queganharam repercussão na mídia nosanos 1990.

A favela nasceu nos anos 1950, tendocomo referência principal a estrada deferro. Com a retificação de parte do rioAcari, o assentamento começou a desen-volver-se até chegar às suas margens.Posteriormente, foi aberta a Linha Verdee desativada uma antiga olaria que fun-cionava no local, cujo terreno transfor-mou-se em um depósito clandestino delixo inorgânico (entulho), que hoje repre-senta uma das possibilidades de geraçãode renda, através da venda do materialcoletado para diversos ferros-velhos queoperam na área (ver Esquemas 1 e 2).

Esquema 1Esquema 1Esquema 1Esquema 1Esquema 1: Ocupação original

FFFFFonteonteonteonteonte: elaboração do autor.

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36 Risco urbano e moradia: a construção social do risco em uma favela do Rio de Janeiro

A análise técnica da região, realizadapara a elaboração de um projeto de ur-banização (Arquitraço, 2003), identificaáreas sujeitas a risco estabelecidas a partirda definição dos trechos sujeitos a inun-dação nas margens do rio, em que a maisampla é a que corresponde ao antigocurso do Acari, além da área prevista parao alargamento e para a construção dafaixa de proteção da Linha Verde. Par-cela significativa do assentamento está emárea considerada pela análise técnicacomo sujeita a alagamento.

A abertura da Linha Verde estabe-leceu uma divisão na comunidade entreduas “microáreas” (Alvito, 2001). Alémdisso, no entorno do lixão, ao longo daLinha Verde em direção ao Rio Acari,desenvolveu-se outra microárea, deocupação mais recente, denominadaTerra Nostra, que apresenta os indica-dores sociais mais precários.

FFFFFonteonteonteonteonte: elaboração do autor.

Esquema 2Esquema 2Esquema 2Esquema 2Esquema 2: Ocupação atual

A favela contava, segundo o CensoDemográfico de 2000, com 598 domi-cílios e com 2.241 pessoas residentes,numa média de 3,75 pessoas por domi-cílio. Embora seja patente a irregulari-dade fundiária do local, os responsáveispelos domicílios entrevistados se decla-raram proprietários (tanto no Censoquanto na pesquisa de campo). A favelaé servida de rede de água construídapelos moradores e sem hidrometração.As ruas não são pavimentadas, e a redede esgotamento (em sistema unitário)só atende a 43% da população, de modoque o esgoto procedente da maioria dashabitações é lançado em vala ou dire-tamente no rio Acari.

Embora sem possibilidade de de-monstração empírica, a equipe de pes-quisa pôde constatar no local o controleexercido por grupos ligados ao tráfico dedrogas sobre a comunidade e a Associa-

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ção de Moradores, como também a “in-vasão” rotineira da área pela polícia, fatoobservado pelos pesquisadores duran-te a aplicação dos questionários.

A pesquisa de campo foi aplicada em71 domicílios 7. A distribuição de rendada população pesquisada pode ser ob-servada na Tabela 1.

7 Trata-se de uma pesquisa exploratória que não pretendia ter representatividade amostral,mas tão-somente mapear um conjunto básico de questões em relação às condições de vidada população e às representações sociais, de forma a permitir a realização posterior de umapesquisa qualitativa. Com esses objetivos, optou-se por deixar várias perguntas em aberto,que foram codificadas posteriormente.

Tabela 1Tabela 1Tabela 1Tabela 1: Renda total da família

Número de citações

Freqüência (%)

Até 1 s.m. 23 32,39

Mais de 1 a 2 s.m. 22 30,99

Mais de 2 a 3 s.m. 8 11,27

Mais de 3 a 5 s.m. 7 9,86

Mais de 5 a 10 s.m. 4 5,63

Mais de 10 s.m. 1 1,41

Não respondeu 6 8,45

Total 71 100

Embora residentes em área de fa-vela, 62% dos entrevistados responde-ram que o imóvel em que residiam erapróprio e apenas 14% admitiram queocuparam/invadiram a área. A densida-de domiciliar é relativamente alta, commédia de 4,65 pessoas por domicílio, eé também elevada a taxa de famíliasconviventes, com média de 1,25 famí-lia por domicílio. Como seria de espe-rar diante do quadro de rendimentosapresentado, o nível médio de instru-ção é baixo: 52% dos entrevistados con-cluíram o primeiro grau, e cerca de 15%tinham até três anos de estudo.

Apesar da precariedade da situaçãode moradia no local, como já mencio-nado, 56% dos entrevistados declara-ram gostar ou mesmo “gostar muito” demorar em Acari. Entre os 44% restan-tes, 21% declararam que não gostamde morar lá, e 18% deram como res-posta as expressões “mais ou menos”,“médio” e “não é tão mal”. Os que res-ponderam afirmativamente apontarama “tranqüilidade” ou o “sossego” da áreacomo sua principal qualidade. Já os queresponderam negativamente citaramfalta de infra-estrutura, violência ou aindapouca acessibilidade a transportes.

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 1, 2006, p. 49-75

Novas regiões, outros desafios:a regionalização do novo mercado emSão Paulo e suas implicações noplanejamento urbano-regional

Manoel Lemes da Silva Neto

Atualmente, o planejamento urbano-regional está vivendo um impasse. Noestado de São Paulo, para não dizer queele inexiste, suas ações são demasiada-mente tímidas em relação ao tamanhodo desafio, e as direções que vem se-guindo, nebulosas. E salvo uma ou outraexceção (no Rio Grande do Sul, porexemplo), nos demais estados brasileiros,a situação é a mesma. O planejamentourbano-regional tem sido sistematica-mente relegado a segundo plano, como,aliás, acontece de forma geral com aspolíticas públicas de caráter territorial noBrasil.

Há várias razões para o que estáocorrendo. Até meados dos anos 1980,os órgãos de planejamento urbano-

regional no estado de São Paulo conta-vam com muitos profissionais de exce-lente nível técnico e científico, ótimasinstalações e equipamentos. Isso semmencionar as inúmeras contribuiçõesque cientistas humanos e sociais de re-nome internacional deram, na época,ao estudo das questões regionais apli-cadas ao planejamento. O quadro atual,porém, é outro. As equipes técnicasforam reduzidas ao mínimo, cabem, emgeral, em pequenos compartimentos dosedifícios públicos e ocupam-se principal-mente de assuntos burocráticos e admi-nistrativos. Esse quadro, que traduz oesvaziamento das políticas regionais,não se restringiu a São Paulo e ao Brasil.Generalizadamente, se repetiu em todaa América Latina (Boisier, 1993) 1.

1 Para Sérgio Boisier, ao menos três fatores explicam o declínio das políticas regionais naAmérica Latina: 1) o surgimento, na década de 1970, do modelo neoliberal de políticaeconômica, com sua “conhecida aversão à planificação e à proliferação de políticas econômicasque, naturalmente, supõem um Estado com um papel mais forte do que aquele determinado

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50 Novas regiões, outros desafios

Paralelamente, o planejamento tam-bém sofreu uma reviravolta a partir dadécada de 1980. Sua eficácia no trata-mento da problemática espacial foi postaem cheque, justamente no momentoem que teria sido mais necessário (Sche-rer, 1995). Com o avanço da perspec-tiva neoliberal como instrumento etécnica para garantir eqüidade social noprocesso de produção e de uso do es-paço, o planejamento retraiu-se. A pró-pria capacidade explicativa da teoriaespacial ficou abalada com a difusão deconceitos pós-modernos, que falavamdo “fim do território” (Virilio, 1993) ede “não-lugares” (Augé, 1994), incluin-do-se, nesse rol, a “negação da idéia deregião” (Santos, 1996, p. 196).

A crescente importância da temáticaambiental, o fenômeno de globalizaçãoe o contexto político-econômico-culturalvivido pelo Brasil após o período militarsão outros fatores que, junto com os ci-tados anteriormente, podem ter contri-buído bastante para o atual refluxo dapolítica regional. Porém, em síntese,pode-se dizer que houve um abandonodo território como base para a formu-lação de políticas públicas. Milton Santosafirmou o seguinte numa entrevista con-cedida a José Corrêa Leite (1999):

O problema hoje é que tudo é feitopara que algumas empresas sejamvigorosas e o homem torne-se resi-

dual. Mas se partirmos do território,é impossível excluir o homem, por-que o território não exclui ninguém.Estão o rico, o pobre, o negro, obranco, o culto, o analfabeto, a gran-de empresa, o ambulante, todomundo junto. Este existencialismoterritorial pode oferecer análisesúteis para que o especialista da coisapolítica reelabore.

Pois bem. Os motivos que explicama diminuição da importância do plane-jamento urbano-regional deitam raízesem políticas desterritorializadas. E entreas conseqüências do descomprometi-mento da ação política com o fenômenoterritorial estão a crescente ingerência deforças hegemônicas do mercado na or-ganização regional do território e a exa-cerbação das desigualdades sociais eregionais. Estas, já conhecidas de longadata, retornam à cena como tema cen-tral da questão regional nos dias de hoje(Silva Neto, 2003).

O propósito deste texto é chamar aatenção para os rumos delineados ulti-mamente pela política regional noestado de São Paulo. Buscou-se com-preender a maneira como podem estarsurgindo novas regionalizações media-das por outras classes de aliança entreestado e mercado, e como influem nagestão e na organização regional do ter-ritório. Elas decorrem tanto de territoria-

por este modelo” (p. 15); 2) a inevitabilidade e profundidade das transformações estruturaise, em especial, do ajuste macroeconômico fiscal, conduzindo, como tendência, ao manejoglobal e centralizado da economia – “a supremacia da política macroeconômica abstratasobre os enfoques meso-econômicos e macroeconômicos” (p. 15); e 3) uma “aposta políticano município” (p. 16), como segmento da organização institucional pública mais adequadopara a prestação de serviços e para a participação social.

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lidades privilegiadas pelo novo mercadoquanto de ajustes recentemente intro-duzidos na regionalização institucionaldo estado. E este é o cerne do problemaanalisado. As territorialidades em que apresença do mercado é marcante estãosendo institucionalizadas pela regionali-zação do estado. Já as territorialidadesem que a presença do mercado é maisrarefeita não vêm sendo contempladas.Aparentemente, não há interesse de quese regionalizem. E tampouco elas estãoorganizadas para se institucionalizaremcomo novas regiões e, conseqüente-mente, para ampliar o poder de nego-ciação das comunidades regionais queabrigam e para atrair investimentos pú-blicos ou privados na atenuação dosproblemas locais.

O mais surpreendente é o seguinte:o mapa do estado de São Paulo, que se

abre diante das novas possibilidades deorganização regional do território viabili-zadas após a promulgação da Constitui-ção Democrática de 1988, reprisa oantigo mapa das desigualdades socioter-ritoriais. As regiões historicamente bene-ficiadas pelo processo de acumulaçãocapitalista são as mesmas. Mudam decategoria, de nome, mas tudo perma-nece igual, sem sinalização de que a po-lítica regional do estado pretende algomaior do que a manutenção do statu quoterritorial. Pode ser que a situação sejarevertida, mas até agora essa tem sido atendência manifestada por suas açõesregionais. A matriz regional paulista, quese constituiu ao longo dos processos deformação das municipalidades e de regio-nalização administrativa, está incólume.Certamente, as conseqüências desse pro-cesso serão demonstradas em breve, masalgumas delas já podem ser vislumbradas.

Novo mercado e território

Em tempos de globalização, o domíniodas metáforas e imagens dificulta a in-terpretação dos fenômenos e a clarezaquanto ao que realmente se passa diantede nós. O “novo mercado do direito depoluir”, ou “mercado de carbono”, vemsendo operado nas bolsas de valorescomo estratégia de sustentabilidade doMecanismo de Desenvolvimento Limpo(MDL), instrumento previsto no Proto-colo de Kyoto, assinado em 1997. Paraa Bolsa de Valores de São Paulo (Bo-vespa), o novo mercado é formado porempresas que se comprometem a ado-tar práticas de “governança corporativa”

que, resumindo, representem garantiasadicionais aos investidores de que seusnegócios incorrerão em apostas com omenor risco possível. Essa segmentaçãofoi criada pela Bovespa em 2001. Onovo mercado também se presta a qua-lificar o comércio de produtos eletrô-nicos e congêneres, bem como o deprodutos relacionados à biotecnologiae à indústria farmacêutica. Geralmenteresultantes de campanhas de propagan-da e marketing, os nichos de segmenta-ção do mercado consumidor igualmentese valem do “novo mercado” como algodistinto do “velho mercado”. O novo

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mercado também se relaciona com achamada “nova economia”. Ela “agregavalores” difusos, que vão do suporte eco-nômico criado para sustentar empresasvinculadas às Tecnologias de Informação(TI) – como o índice Nasdaq da Bolsa deValores de Nova York – ao desenvol-vimento de produtos que permitiriam àsempresas serem auto-sustentáveis.

Estamos, portanto, diante de umnovo mercado, mas que é dependenteda competitividade estimulada pelo ca-pitalismo, “que estabelece as regras daconcepção hegemônica de mercado” ese caracteriza pelo “novo economicismo,disseminado através dos elos entreciência, técnica e lucro” (Ribeiro, 2005,p. 100-103). Trata-se do mercado deantes, regulado pelas mesmas leis quesempre regeram as transações econô-micas da velha economia, porém rede-senhado e impulsionado pelos novossistemas técnicos a serviço dos agenteshegemônicos da globalização. Há umdetalhe muito importante nisso: as im-plicações espaciais da tecnologia, como“força autônoma” que subordina todasas outras variáveis do sistema, “em ter-mos de operação, evolução e possibili-dades de difusão” (Santos, 1985, p. 27).Se as influências na organização espacialexercidas pela grande indústria e pelasgrandes corporações já estavam sendomediadas pela ciência, pela tecnologia epor meios de comunicação extremamen-te difundidos e rápidos desde a 2ª Guerra

Mundial (ibid.), o fenômeno de globali-zação contribuiu para acelerar ainda maisa fusão entre as dimensões econômico-financeira e tecnológica. O resultado éque a organização espacial está condicio-nada pela globalização 2, e os fatores quepodem estar implicando em reacomo-dações espaciais significativas são nume-rosos. Por exemplo:

1 Transnacionalização do capital – Asempresas se tornaram transnacionais;à medida que se organizaram emtodos os continentes, impuseram suaorganização em lugares até recente-mente pouco complexos, como erao interior paulista nos anos 1970.

2 Financeirização da economia – De-corrente do fluxo do capital finan-ceiro operando em tempo real emtodas as partes do mundo, possibili-tou a interação econômica de locali-dades não contíguas, procedimentoque tem enormes implicações no sen-tido e no conteúdo das regiões atuais.

3 Implantação de novos modelos degestão – Em razão das exigênciascrescentes de certificação internacio-nal e da conseqüente uniformizaçãode técnicas produtivas e estratégiasadministrativas, os métodos de or-ganização do processo produtivo(Franca Filho, 1998) e os novosmodelos de gestão empresarial fun-dam-se no conceito da competitivi-

2 “Trata-se de nova fase da história humana. Cada época se caracteriza pelo aparecimento deum conjunto de novas possibilidades concretas, que modificam equilíbrios preexistentes eprocuram impor sua lei. Esse conjunto é sistêmico: podemos, pois, admitir que a globalizaçãoconstitui um paradigma para a compreensão dos diferentes aspectos da realidade contempo-rânea.” (Santos, 1994, p. 48)

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dade. Tais modelos, ao migrarempara a gestão territorial, provocamalterações profundas na formulaçãode estratégias de desenvolvimentoregional (Albuquerque, 1995; Gatto,1990).

4 Crescente complexidade da organi-zação territorial – Resultado da cons-tituição do “meio técnico-científico-informacional” (Santos, 1994, p. 51),a crescente complexidade espacial daatualidade configura novas solidarie-dades freqüentemente estranhas àsformas de organização socioespacialpreexistentes.

Em dimensão ampliada, esse cenárioobedece a uma lógica unificadora: a ten-dência de consolidação de homogenei-dades espaciais fortemente relacionadascom os níveis de especialização territorial.Nos dias de hoje, a interação da econo-mia com o fator tecnológico é tão decisivaque pode interferir na própria organiza-ção regional do estado. É o caso da ten-dência de fortalecimento de arranjosterritoriais inéditos, tais como os que sur-

gem em função da regionalização dos“sistemas de engenharia” 3: detendogrande poder de regionalização, pode-rão influenciar em muito a redefiniçãodas regiões institucionais, em especial, naconfiguração de novas áreas para a pla-nificação urbana e regional (Silva Neto,2003) e nas questões que deverão serenfrentadas e que já se prenunciam.

A face contemporânea do capitalis-mo, desejada, imaterial e ubíqua, criaenclaves com dotação máxima deamenidades; impede a sociabilidadeinterclassista; coloniza a rede urbanaatravés de redes de serviços que des-troem a singularidade dos lugares;rompe os pactos sociais que orien-tavam as políticas públicas inclusivas;aumenta a concorrência intra-capi-talista, impossibilitando a permanên-cia de atividades econômicas comraízes culturais profundas; desinsti-tucionaliza relações sociais, impossi-bilitando a previsão do futuro eaumenta o medo individualmentevivenciado (Lechner apud Ribeiro,2005, p. 100).

3 É que “(...) os sistemas de engenharia passam de um isolamento a uma interdependência,uma interdependência crescente. (...) Vejamos, por exemplo, o caso das usinas geradoras deeletricidade. De um número enorme de empresas quase tão numerosas quanto o número delocalidades servidas, chegamos hoje a uma tendência à unificação, não apenas técnica, comoorganizacional. O mesmo se dá com o telefone, as estradas de ferro, as estradas de rodagem.A tendência a uma interdependência maior é acompanhada de maior diversificação e expan-são dos objetos técnicos no espaço.” (Santos, 1988, p. 80)

Territorialidades do novo mercado no estado de SãoPaulo

Pesquisa recente sobre a organizaçãoespacial paulista comprovou a tendên-cia de a dinâmica econômica estar cada

vez mais condicionada pelo aparato tec-nológico presente no território (SilvaNeto, 2002). Aliás, as inter-relações do

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fenômeno econômico com o desenvol-vimento das técnicas estiveram semprepresentes na história da humanidade(Munford, 1987) e são imprescindíveisà análise do mundo contemporâneo. Aintensidade das interações é tamanhaque Kondratieff e Schumpeter propu-seram o paradigma técnico-econômicocomo método para a interpretação dassociedades modernas.

Nessa pesquisa, em que foi calcula-do um índice de interação técnica e eco-nômica, a interdependência de fatoreseconômicos e tecnológicos ficou exem-plarmente demonstrada na “configura-ção territorial” (Santos, 1988, p. 111).O mapeamento dos índices calculadospara os 645 municípios do estado reve-lou a conformação muito nítida de umacontinuidade territorial centrada na ca-pital do estado (Figura 1).

Dela, originam-se eixos rumo à Bai-xada Santista, no litoral; em direção aoestado do Rio de Janeiro, a leste; emdireção a Ribeirão Preto, a Franca e aoTriângulo Mineiro, ao norte; e em dire-ção a Sorocaba, a oeste. Essa área sedefine pelos melhores desempenhosencontrados entre as variáveis econô-micas e tecnológicas, bem como pelaconcomitância em que ocorreram. Tra-duzem, por hipótese, maiores níveis deinteração técnico-econômica do territó-rio. Há, também, outras áreas com ca-racterísticas semelhantes e distribuídas demaneira descontínua pelo interior doestado.

Conformação espacial similar foiobtida em outra pesquisa de 2004. Seuobjetivo foi detectar “agrupamentos ter-ritoriais de alta performance”, isto é,agrupamentos de dois ou mais municí-pios que, comparativamente a todos osmunicípios paulistas, indicassem níveisótimos de desempenho econômico e dedesenvolvimento social (Figura 2).

O delineamento do que se conven-cionou denominar “complexo territorialde alta performance” foi um dos resul-tados da pesquisa. É formado por 132municípios, agrupados em quatro clas-ses, que representam a superfície geo-estatística das localidades paulistas comperformance econômica acima da mé-dia estadual atrelada ao nível social tam-bém acima da média (Figura 3). Note-seque há coincidência entre os desenhosdas áreas com melhor interação técnico-econômica e os das áreas com melhorperformance socioeconômica. Porém, omais surpreendente foi a coleção decinco agrupamentos particulares. Emvirtude do comportamento excepcionalque apresentam no quadro geral de SãoPaulo, foram chamados núcleos de altaperformance 4. Eles se compõem de 37municípios, ocupam 6% do territóriopaulista, abrigavam, em 2000, 56% dapopulação, foram responsáveis por 70%da soma do valor adicionado durante operíodo 1993-2002 e efetuaram, de1988 a 2000, 91% das operações decrédito e 93% dos depósitos bancáriosdo estado (Silva Neto, 2004).

4 Os cinco agrupamentos foram classificados em Núcleos de Primeira Ordem (São Paulo,Campinas) e Núcleos de Segunda Ordem (Araraquara/São Carlos, Mogi-Guaçu/Araras e SãoJosé dos Campos/Jacareí) (Figura 3).

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Tanto as continuidades territoriaisquanto os agrupamentos podem ser con-siderados decorrências/reflexos da orga-nização espacial nos dias de hoje. MiltonSantos, porém, já havia identificado essaárea há mais de 20 anos, denominan-do-a de “metrópole expandida” (Souza,1990). Para ele, a área é produto daexpansão do meio técnico-científico-informacional, que, ao interferir no pro-cesso de urbanização, desencadearia pelomenos dois outros processos inter-rela-cionados: a metropolização e a involuçãometropolitana. Sob outro olhar, CarlosR. Azzoni (1986) demonstraria que a ten-dência está relacionada à reversão dapolarização, gerando uma espécie de“desconcentração concentrada”, da qualdecorre outra dinâmica espacial relevan-te: o acirramento das desigualdades so-cioterritoriais. Conclusão: ao lado daconformação de territorialidades comoaquelas, há um processo de exclusão daslocalidades desprovidas de vantagenscomparativas inter-regionais, que não dámostras de que esteja cedendo. Ao con-trário, o processo parece se intensificar,contribuindo para exacerbar ainda maisdisparidades regionais históricas.

Quanto ao estado, ao qual cabe opapel constitucional de redução dasdesigualdades sociais e regionais, falta-lhe vigor na condução da política regio-nal. Pode-se dizer que há completoabandono do território como base paraa formulação de políticas públicas, deque deflui a inexistência de políticasregionais verdadeiramente atentas à in-cumbência constitucionalmente atribuí-da ao estado de conduzir a organização

regional de seu território 5. O desprestí-gio da política territorial e da questãoregional por parte do estado é tanto queo Decreto 49.568/05, reformulando aSecretaria de Economia e Planejamento,aniquilou, numa canetada, todo o es-forço feito a duras penas para formali-zar e garantir a efetividade da “açãoregional”. A Coordenadoria de AçãoRegional foi criada em 1970 para arti-cular governo estadual, regiões e municí-pios na concepção e implementação deinstrumentos de planejamento e gestãoregional, e agora seus escritórios regio-nais distribuídos pelo interior cumpremapenas a função burocrática de acom-panhamento de convênios (artigo 22).A tarefa da organização regional do es-tado passou a ser desenvolvida em gabi-nete por uma Diretoria de PlanejamentoMetropolitano e Territorial (artigo 27).Outra conclusão: a descentralização pa-tina vacilante, e o pior é que gestoscomo esses foram justificados e legitima-dos como medidas necessárias para via-bilizar o “choque de gestão” do estado.Assim vêm sendo chamadas as ações decontenção e de otimização dos gastosna administração pública. Paradoxal-mente, nem o período militar presen-ciou retrocesso tão grande.

O abandono do território no campodas políticas públicas pressupõe, inclu-sive, o estado como um dos principaisagentes estimuladores de desigualdades,o que é especialmente grave devido apelo menos duas razões: 1) no mercadode acelerações como o de hoje, os efei-tos do agenciamento do estado são maisrápidos e, conseqüentemente, as desi-

5 Constituição do Estado de São Paulo, artigo 152, V.

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gualdades que porventura tenham sidodesencadeadas pelas ações governa-mentais aumentam com a mesma in-tensidade; 2) não há, como antes,subterfúgios; tudo é feito às claras, tudotem legitimidade e aprovação popular.

A crescente importância da políticaambiental ilustra bem a quase indigên-cia com que a problemática territorialvem sendo abordada. Demonstrandoque não tem acompanhado a evoluçãodo pensamento ambientalista quanto àsrelações homem-natureza (Leis, 2004),o meio ambiente apropriado pelo dis-curso planificador do estado adquirevaloração em si. No drama ambiental,o território reduziu-se à abordagem pre-ponderantemente antropológica em vezde ser abordado como instância ativada sociedade, perspectiva que compro-mete a própria eficácia da política am-biental. Uma das conseqüências davaloração do meio ambiente como umaquestão em si é a paulatina substituiçãoda política regional pela política ambien-tal, que resulta no arrefecimento da di-mensão política do uso do território.

Outro sinal dessa indigência e, porconseqüência, da secundarização danoção de uso do território é a maneiracomo o desenvolvimento tecnológicovem sendo encarado como fator primor-dial do desenvolvimento regional. Ele érealmente peça importante na concep-ção de políticas regionais, mas a maneiracomo vem sendo apropriado gera dis-

torções. Decorrentes da aplicação deteorias de bases endógenas (Benko eLipietz, 1994; Boisier, 1992), as estraté-gias de potencialização de competitivida-de no ambiente econômico globalizado,tais como os “complexos territoriais deinovação” (Stöhr, 1986) 6, podem se-mear e agudizar desigualdades, comoaliás, vem acontecendo em São Paulo.Os novos espaços tecnológicos planeja-dos pelo estado, implantados ou em im-plantação, respondem às exigências donovo mercado e desconsideram os efei-tos territoriais dele decorrentes. Ou me-lhor, consideram sim, mas os que seadequam preponderantemente à otimi-zação da relação custo-benefício. Osexemplos dessa política começam a ficarnumerosos. Vejamos dois casos: a uni-dade da Embraer em Gavião Peixoto eos Parques Tecnológicos.

Gavião Peixoto é município novo,desmembrado de Araraquara em 1991.De acordo com estimativas do IBGE,abrigava 4.071 habitantes em 2005. Em2000, a população teria sido poucomaior, 4.126 habitantes, 60% das pes-soas residentes com 10 anos ou maisde idade tinham rendimento nominalmensal de até dois salários mínimos e32% declararam não ter rendimentoalgum. Situado em meio a grandesplantações de cana-de-açúcar, não temusinas, e o empobrecimento aceleradoda população é gritante. Em 2001, aEmbraer implantou nesse municípiouma unidade de montagem final de

6 Entre outros fatores, esses complexos territoriais são marcados pela presença de universidadese institutos de pesquisa voltados à investigação científico-tecnológica de produtos/oportuni-dades de mercado para a produção regional.

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aeronaves destinadas aos mercados exe-cutivos e de defesa. Agora, o que terialevado a Embraer a fazer tal escolha?Que fatores prevaleceram na análise lo-cacional desse empreendimento? Argu-menta-se que teriam sido as condiçõesfavoráveis a experiências aeroviárias,mas o reduzido tamanho urbano deGavião Peixoto certamente também foium deles. E mais. Gavião Peixoto estáalinhado com dois importantes pólosuniversitários e tecnológicos, que sãoAraraquara e São Carlos, o que reforça-ra ainda mais a importância estratégicae econômica desses pólos já consolida-dos mesmo antes da implantação daEmbraer na região. Quanto a GaviãoPeixoto, tende a ser um lócus organizadomunicipalmente como simples receptá-culo da gigante Embraer. Que destinoestá reservado aos moradores de GaviãoPeixoto? Se nada for feito, aos que lápermanecerem restarão o trabalho sa-zonal para os plantadores de cana e aprestação de serviços não especializadosdemandados pelos executivos, cientistase tecnólogos da indústria aeroespacial.Isso não é destino. É condenação. Aliás,segundo informações obtidas de lide-ranças comunitárias de Gavião Peixoto,a violência, a criminalidade, o consumode drogas, o alcoolismo e a prostituiçãoinfantil vêm aumentando a olhos vistos.

O Sistema Paulista de Parques Tec-nológicos, a ser instituído pelo governoestadual como parte da estratégia pre-vista no projeto de Lei de Inovação Tec-nológica assinado pelo governador doestado em 06/02/2006, também des-considera a contribuição que poderiamdar as políticas fundadas no território.

Estão previstos cinco parques: nanotec-nologia em São Paulo, informática e tec-nologia da informação em Campinas,indústria aeronáutica e aeroespacial emSão José dos Campos, novos materiaisem São Carlos e biotecnologia e equi-pamentos médicos e odontológicos emRibeirão Preto. De que sejam inovaçõesimportantes para a produção de ciên-cia e tecnologia não restam dúvidas, mascomo esses parques serão implantadosem pólos tecnológicos já constituídos,seguramente lhes agregarão ainda maisvantagens comparativas às respectivasáreas de influência. Só que, num paíscom características díspares como o Brasil,a modernização de certas áreas implicaa obsolescência e a tendência de em-pobrecimento das demais, conseqüên-cia de natureza territorial evidentementenão levada em conta por essa políticatecnológica.

E as áreas abrangidas pelas privati-zações das infra-estruturas não fogem àregra. A distribuição desigual das vanta-gens carreia outras classes de diferenças,como, por exemplo, as que podem ori-ginar-se como decorrência da ampliaçãodo poder de negociação e de barganhapolítica das localidades aquinhoadas comqualidades que atualmente gozam degrande prestígio. É o caso dos sistemascriados pelas infra-estruturas construídascom investimentos públicos – como ageração e distribuição de energia elétricae as rodovias –, ou nelas apoiadas – redesde fibras ópticas, por exemplo. O queSérgio Boisier (1992, p. 184) designoupor regiões “quase-empresa” e regiões“quase-estado” pode decorrer daí, espe-cialmente porque alguns desses novíssi-

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mos empreendimentos influenciam de-cisivamente na gestão pública do terri-tório. Milton Santos os chamou de“empresas territoriais”: “elas acabamgovernando o território, por sobre osmunicípios, estados e até mesmo a Fede-ração” (Leite, 1999). Não é só. O mer-cado também tende a envolver-se cadavez mais intensamente no desenho e naimplementação de políticas sociais (Ri-beiro, 2005, p. 104).

Das conseqüências do amálgamaestado-mercado e da secundarização dapolítica territorial, a ausência da visãode conjunto, de totalidade do fenômenoespacial, talvez seja a que mais agraveos desequilíbrios sociais e regionais. Asespecializações produtivas regionais evo-cadas em comum acordo por um e poroutro desenvolvem estratégias de otimi-zação dos investimentos e representamfatores de competitividade decisiva paraa garantia de manutenção de mercados,mas há alto preço a pagar. Atingem aestrutura ocupacional do emprego, redu-zem salários, desencadeiam a involuçãometropolitana e formam uma sociedadeintegralmente urbanizada forçada a viverem cidades com infra-estruturas, equi-pamentos e serviços em situação de co-lapso.

Na Região Metropolitana de Cam-pinas (Silva Neto, 2006), 70% do valoradicionado fiscal no período 1993/2001está representado pelo setor industrial.Em 2001, das 29 atividades industriaispresentes na região, apenas sete apon-taram valor adicionado fiscal acima damédia do setor na região: combustíveis,produtos químicos, montadoras e au-

topeças, material eletrônico e equipa-mentos de comunicações, máquinaspara escritório e equipamentos de in-formática, têxteis e produtos farma-cêuticos. Essas atividades industriaisresponderam por 55% do valor adicio-nado fiscal total e por 77% do valoradicionado fiscal na indústria da RegiãoMetropolitana de Campinas. E o detalheé que isso vem ocorrendo paralelamenteà verticalização extrema verificada noperfil econômico de alguns municípios.Por exemplo, em Monte Mor, municípiolocalizado a sudoeste da Região Metro-politana de Campinas, a indústria depapel e celulose foi responsável por73% do valor adicionado fiscal do mu-nicípio.

No entanto, o emprego industrial naregião vem caindo, assim como os salá-rios médios pagos aos trabalhadores,que decresceram vertiginosamente. Em1980, o número médio de emprega-dos nos estabelecimentos industriais erade 40 e em 2003, de 29. A média desalários pagos no setor era de 44 saláriosmínimos. Em 2003, de nove. E o pioré que se trata da atividade econômicaque mais produz riqueza, mas em detri-mento da diminuição dos postos de tra-balho e da redução drástica dos saláriospagos. Já o comércio, especialmente osserviços, vem acolhendo boa parte dessamão-de-obra, embora também aí ossalários decresçam. Em média, os esta-belecimentos de serviços ocupavamquatro pessoas em 1980, elevando-separa 14 em 2003. Porém, o valor de19 salários mínimos pago em médiapara o trabalhador em 1980 reduziu-sea sete salários mínimos em 2003. E a

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situação parece generalizada. Maior doque em Campinas, a concentração in-dustrial na Região de Governo de SãoJosé dos Campos, situando-se por voltade 87% do total do valor adicionadofiscal, provoca repercussões ainda maisduras. No entanto, a despeito dessesgravames, tais regiões são apresentadascomo exemplos de modernidade e dedesempenho econômico virtuoso. Nessageografia da especialização produtiva, oque os indicadores oficiais não mostramé o surgimento de hiperperiferias pobrese esquecidas pelo poder público, que,em grande medida, resultam de deses-truturações irreversíveis ocorridas ulti-mamente no mundo do trabalho.

Nas territorialidades do novo merca-do, a fusão estado-mercado não se co-move com as conseqüências que seprocessam na dimensão intra-urbana eregional, e nem tampouco com as inter-regionais. Ao mesmo tempo que se assis-te ao abandono do território, a exultaçãodo justo problema ambiental e o pro-gresso tecnológico-científico-econômicoa qualquer preço – para limitar a duasconseqüências importantes que vêm re-legando a questão regional ao segundoplano – certamente prenunciam um fu-turo de muitas incertezas. E há muitas,

entre elas o próprio conceito de gover-nabilidade e outros efeitos marginais, ouexternalidades de natureza territorial in-trínsecas à adoção desse sistema de gestão.Por exemplo, há muitas outras territoria-lidades de não-presença do novo mer-cado, em que o estado se faz presente,porém inexpressiva e acanhadamente.É o caso de regiões como o Vale do Ri-beira e o Pontal do Paranapanema.

Nessas territorialidades de não-presença do novo mercado, o estadopequeno é o que se faz representar lo-calmente, organizado apenas pela ex-pressão e pelo compromisso de agenteslocais investidos de autêntico espíritopúblico, como agentes de saúde, profes-sores do ensino fundamental e lideran-ças comunitárias, mas que, infelizmente,são desprovidos de poder de barganhapolítica. Nessas localidades, como ficamos fatores de competitividade inter-re-gional? Quais as chances de se promo-ver desenvolvimento econômico e socialcontando apenas com a força da orga-nização local? Tais localidades se farãorepresentar na organização regional doestado como regiões demandadoras daatenção do governo ou estarão relega-das, como o território, ao abandono?

As novas regiões do estado

Regiões metropolitanas, aglomeraçõesurbanas e microrregiões. Essas unidadesregionais foram previstas no artigo 25,§3º, da Constituição Federal para fun-damentar a organização regional dos

territórios estaduais no país. Ao seremapropriadas pelas constituições estaduaise regulamentadas por leis, as três cate-gorias adquirem várias interpretações,mas há um denominador comum entre

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elas: são escalões regionais que traduzemníveis de complexidade espacial e deimportância econômica hierarquizados.É desnecessário deter-se em minúciasde como essa hierarquia fica reveladanas normas, bastando uma rápida aná-lise dos textos das constituições estaduaispara se perceber que tal noção está pre-sente, implícita ou explicitamente. Etambém há uma perspectiva de caráterevolucionista, ou desenvolvimentista,subjacente a essa hierarquia. Isto é,microrregiões podem vir a ser aglome-rações urbanas, e estas, regiões metro-politanas.

Ainda que de maneira velada, naConstituição do estado de São Paulo taisconcepções estão presentes (artigo 153,§§1º, 2º e 3º) 7. A aplicação do conceitode “planejamento integrado” é exigên-cia nas três, porém, em regiões metro-politanas exige-se “ação conjunta” dosentes públicos atuantes nas regiões,sendo que em aglomerações urbanas a“ação coordenada” fica apenas reco-mendada. Em microrregiões busca-secriar condições para o desenvolvimentoe integração regional, sinalizando queessas regiões não apresentam as condi-ções necessárias e suficientes ao plenodesenvolvimento regional. A perspecti-va é que seriam proto-aglomeraçõesurbanas. E há outro detalhe importante.O conceito de planejamento integradotraduz o princípio de integração daUnião, Estados e Municípios – por meio

da atuação dos entes públicos presen-tes nas regiões –, reforçando o cumpri-mento de funções públicas de interessecomum aos agrupamentos de municí-pios, mas o faz formalisticamente comoum fim em si mesmo, eximindo-se dosreflexos territoriais que esses princípiosjurídico-constitucionais podem desenca-dear. Ora, o que as microrregiões po-dem fazer em benefício próprio, se nelasa organização local do estado é propor-cionalmente menos importante e maisfragilizada do que nas aglomeraçõesurbanas e regiões metropolitanas? Emais, o que se pode definir como “inte-resse comum” a um agrupamento demunicípios? Não é de hoje que se sabeque a aplicação de conceitos semelhan-tes revela-se demasiadamente ideológicaao viabilizar a organização espacial fa-vorável aos interesses de agentes hege-mônicos (Silva, 1984).

A própria planificação também tendea manter o statu quo nas políticas terri-toriais (Santos, 1979). No campo regio-nal em especial, a “regionalização comofato”, isto é, a vinculada aos “jogos di-nâmicos de disputa de poder, inscritosnas diferentes formas de apropriação(construção e uso) do território”, vemse respaldando na “regionalização comoferramenta”, que “sempre sustentou aação hegemônica” (Ribeiro, 2004, p. 2).O resultado, na prática, e no cenáriocompetitivo da globalização, é que o de-senvolvimento econômico tem sido a

7 As regiões metropolitanas exigem planejamento integrado e ação conjunta permanente dosentes públicos nelas atuantes. As aglomerações urbanas exigem planejamento integrado erecomenda ação coordenada dos entes públicos nelas atuantes. As microrregiões exigemplanejamento integrado a fim de criar condições adequadas para o desenvolvimento eintegração regional.

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função pública de interesse comum pri-vilegiada. As regiões vêem-se forçadas aconduzir a política regional direcionadaparticularmente a tal fim. Também omeio ambiente vem ocupando papelcentral, e parece que isso ocorre muitomais em função da visibilidade políticaque produz do que pela busca de sus-tentabilidade propriamente dita, o queincluiria políticas inclusivas de atendi-mento social.

Em suma, há evidências de que asnovas unidades regionais do estado es-tigmatizam uma concepção de organi-zação regional baseada em diferençasde complexidade e de desempenhoeconômico. A medida seria salutar sepudesse orientar uma política regionaldirecionada a reduzi-las, mas, até agora,não é o que está acontecendo. Decorri-dos 18 anos, só as regiões metropolita-nas vêm sendo alvo de atenção por partedo estado. Em 1996, foi criada a RegiãoMetropolitana da Baixada Santista, e em2000, a de Campinas. As demais pare-cem estar relegadas à própria sorte oulimitadas à força da organização local quedetêm, esta particularmente reduzida nocaso das microrregiões.

Em São Paulo, as novas regiões doestado destacam-se por serem as me-

tropolitanizadas, e mesmo as estratégiasde planificação urbano-regional territo-rialmente mais amplas reproduzem ereforçam a tendência de o estado ocu-par-se com a regionalização das territo-rialidades coincidentemente favoráveisà realização do novo mercado. Comoentender o único esboço de organiza-ção regional feito pelo estado, que é ochamado Complexo Metropolitano Ex-pandido, em desenvolvimento pelaEmpresa Paulista de Planejamento Me-tropolitano S. A. (Emplasa) (Figura 4),senão como demonstração clara dapreocupação com as regiões economi-camente mais competitivas? Embora oestado tenha feito diversos estudos con-templando a regionalização de todo oterritório 8, estes não passaram de análi-ses exploratórias e nunca ganharam pu-blicidade. Só aquele recorte vem sendodivulgado pela Secretaria de Economiae Planejamento como ações futuras dapolítica regional em São Paulo.

Sem dúvida, o Complexo Metropo-litano Expandido é uma área merece-dora de atenção por diversos motivosalém de apenas a alta performance eco-nômica. Concentração demográfica eagravamento das condições sociais eambientais estão entre eles. Mas, semuma visão integral da política territorial,

8 Estudos de regionalização do Estado de São Paulo : proposta de divisão territorial.Coordenadoria de Planejamento Regional/Empresa Metropolitana de Planejamento daGrande São Paulo (Emplasa), Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado de São Paulo.São Paulo, 1993. Regionalização. Coordenadoria de Planejamento Regional da Secretaria dePlanejamento e Gestão do Estado de São Paulo. São Paulo, 1993. Aspectos normativos doplanejamento regional em São Paulo: proposta de projeto de lei para a criação do Sistema dePlanejamento Regional e Urbano. Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universi-dade de São Paulo. São Paulo, 1998. Organização urbano-regional do Estado de São Paulo.Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo. São Paulo,2000.

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conduta que pode estar sendo delibera-damente arranjada ou não, não restamdúvidas de que semelhante estratégia écapaz de aumentar distâncias sociais his-toricamente inscritas na configuraçãoterritorial do estado. Afinal, a moderni-dade e a modernização de certas áreasgeram defasagens relacionadas à obso-lescência automática das territorialidadesde não-presença do novo mercado. Ea norma possibilita essa visão fragmen-tadora. Ela diz que o estado pode dividiro território em unidades regionais. Nãoo obriga e, portanto, não lhe imputa odever de formular uma política regional

integral e totalizante. Depois, diz tambémque a divisão pode ser total ou parcial,determinação que legalmente amplia oleque de possibilidades arbitrárias deorganização regional do território.

Se, proximamente, o estado não dermostras de que tem uma visão estratégicaampla da organização regional do terri-tório, comprovará que a regionalizaçãoestará apenas relacionada ao poder deorganização local, o que trará enormesdificuldades às localidades desprovidasdessa qualidade. Apenas as organizadasdeterão força de regionalização.

Matriz regional reeditada

Tudo como dantes no quartel de Abran-tes. O ditado explica bem a tendênciade a “matriz regional” do estado de SãoPaulo ainda perdurar nestes tempos deglobalização. Isto é, a “estrutura territo-rial resultante do processo histórico esocialmente construído de formação dosmunicípios e de seus agrupamentos re-gionais” (Silva Neto, 2005, p. 94) se fazpresente ainda hoje. A diferença é queas formas-conteúdo das regiões estãosendo alteradas sem abalar a estruturada configuração territorial.

Vejamos um rápido panorama daformação dessa matriz, a começar da di-nâmica de criação das municipalidades.Traduzido por meio da rede de desmem-bramentos municipais ocorridos a partirdos sete municípios originários do es-

tado 9 (Figura 5), o processo de forma-ção das atuais 645 municipalidades obe-deceu à lógica de ocupação do territórioem faixas radiais, direcionadas para ointerior a partir da Capital, que surgi-ram desde o início da colonização, acom-panhando as condições naturais dorelevo e da rede hidrográfica, seguidaspelas estradas de ferro e, posteriormen-te, também pelas rodovias. Represen-taram nesse processo o papel de eixos,em torno dos quais se originaram e cres-ceram alguns dos principais centros ur-banos. A ocupação paulista está de talforma subordinada a essa disposição emfaixas que acompanham as linhas fér-reas que os nomes destas foram, pormuito tempo, conferidos às regiões queatravessavam (São Paulo, 1982, p. 9).

9 São Vicente (1532), São Paulo (1560), Cananéia (1600), Mogi das Cruzes (1611), Iguape(1635), Ubatuba (1637) e Taubaté (1645). (São Paulo, 1995).

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Nos anos 1960, a criação das regiõesadministrativas reforçou essa estruturaao selecionar como sedes regionais ascidades que encabeçaram a formaçãohistórica da rede urbana paulista, espe-cialmente as que surgiram em decor-rência do ciclo cafeeiro e da expansãoda rede ferroviária e, posteriormente,da constituição da rede rodoviária (Fi-gura 6).

Hoje, as infra-estruturas modernas,tais como os sistemas de rodovias de pis-tas duplas e as redes de fibras ópticas,seguem os mesmos percursos e refor-çam essa estrutura territorial tendencial-mente mantenedora dos desequilíbriossociais e regionais.

Note-se que as regionalizações de in-teresse comum do estado e do merca-do já estão se constituindo, mas mantêmantigos arranjos urbano-regionais pra-ticamente inalterados. Ora, se tal confi-guração territorial é demonstração clarade uma espécie de geografia da desi-gualdade, não seria de se esperar umapolítica regional que interferisse em suacomposição? Não seria dever do esta-do re-significar o conteúdo das regiões

e a forma de novos edifícios regionaissocialmente mais justos?

Não é o que está ocorrendo. Aocontrário. Não se intervém nessa matrizregional que também é matriz geradorade distorções estruturais das relações so-ciedade-economia-espaço. Como hámais de 20 anos o estado não apresentaà sociedade uma política regional in-teira10, pode-se entender que a ausênciadessa política é a política do estado. Oumelhor, a política é manter a configura-ção territorial inalterada, e até reforçadapela modernização e institucionalizaçãodas “regiões do mandar” e pela tendênciainercial de manter as “regiões do fazer”(Santos, 1994, p. 114-117).

Paradoxalmente, a regionalizaçãoque vem sendo construída após a rede-mocratização do país é socialmente maisinjusta do que a idealizada pelo discursodescentralizador da regionalização admi-nistrativa elaborada pelos tecnocratas eestrategistas do período militar. Neles,ao menos, todas as regiões eram admi-nistrativas. Agora são diferenciadas, nãosó no discurso, mas na prática institucio-nalmente amparada por leis.

10 Pode-se dizer que a última grande política regional do estado de São Paulo ocorreu na gestão dogovernador Montoro, com a proposta de criação das Regiões de Governo (Decreto 22.592/84).

Outros desafios para o planejamento urbano-regionalEm São Paulo, e no Brasil de forma geral,as velhas questões do urbanismo aindaestão para ser resolvidas. Os direitos so-ciais que deveriam garantir o mínimonecessário ao exercício da cidadania sãorealidade para parcela diminuta da po-pulação, e há evidências de que essa

parcela esteja encolhendo. Sobejamenteconhecidas, elas relacionam-se com adeterioração dos salários e a diminuiçãocrescente do emprego, como tambémcom a privatização de benefícios e servi-ços sociais e, conseqüentemente, com ainter-relação de um e outro fator.

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Também as antigas desigualdadesnão demonstram sinais de que estejamcedendo. O IBGE divulgou recentementeque a distribuição de renda está se tor-nando mais igualitária, e é provável queisso venha ocorrendo, mas não comodecorrência da elevação da qualidade devida. A título de exemplo, fixemos ape-nas um fator incidente na distribuiçãodistorcida de renda: o caso da moradia.

A população paulista cresceu 18%ao ano de 1991 a 2000. Nesse intervalo,o número de domicílios aumentou 28%.Porém, os domicílios improvisados 11

aumentaram 87% no período, e os do-micílios em cômodos 12, 131%. É umprocesso geral que parece mostrar oagravamento generalizado da qualidadede vida no estado.

Esse processo, contudo, é mais acen-tuado nas áreas de transbordamentometropolitano. Ao redor da RegiãoMetropolitana de São Paulo, o cresci-mento dos domicílios improvisados foide 103%, e o dos domicílios em cômo-dos, de 141%. No entanto, a situaçãoapresentada na vizinha região do Valedo Ribeira quanto aos domicílios emcômodos foi dramática, ainda mais por-que esse tipo de domicílio, característicode grandes cidades, é estranho à culturadaquelas localidades. A variação noperíodo foi de 1.018%, com taxas decrescimento anual de 31%. Já a dos do-micílios improvisados foi de 118%. Istoquer dizer que as paisagens degradadasdas grandes cidades não estão mais res-

tritas às metrópoles. O recrudescimentodo problema habitacional desloca cená-rios urbanos deteriorados também pararegiões pouco desenvolvidas e de eco-nomia basicamente primária.

Em resumo: no que tange ao de-senvolvimento social, aparentemente asdesigualdades estão diminuindo, só que,infelizmente, niveladas por baixo.

Portanto, antigos problemas aindaestão à espera de soluções. E mais. Exa-cerbam-se por outra perversidade intro-duzida no mundo globalizado. Como nãobastasse o altíssimo grau de complexida-de do fenômeno regional nos dias dehoje, as disparidades sociorregionais tam-bém resultam de pelo menos duas situa-ções opostas: as localidades de presençamaciça do estado-mercado, e aquelasonde só o estado se faz presente, mascom representatividade e expressão po-lítica reduzida à importância local.

Nas regiões híbridas – quase-empresa,quase-estado –, um dos temas desafia-dores para o planejamento urbano-re-gional é a garantia da governabilidade,mas não a que interfere no destino dasregiões, e sim a que permite o funcio-namento de políticas sociais inclusivas noâmbito intra-regional. É bom lembrarque, embora tais regiões apresentemglobalmente desempenhos socioeconô-micos excelentes em face das demais,as distorções internas de renda, de con-dições sociais e de acesso aos serviçospúblicos são alarmantes. E a questão é

11 Localizados em unidades não-residenciais (lojas, fábricas etc.), prédios em construção, vagõesde trem, carroças, tendas, barracas, grutas etc.

12 Compostos por um ou mais aposentos localizados em casas de cômodos e cortiços etc.

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71Manoel Lemes da Silva Neto

que a interferência do estado nesse pro-cesso tem-se mostrado ausente ou, namelhor das hipóteses, ineficaz. Mas, aausência ou a ineficácia não decorreriamdo fato de a governabilidade estar sendoameaçada diante da interferência hege-mônica de empresas territoriais? Ou seráque uma é outra? Na verdade, os agen-tes do estado e do mercado podem seros mesmos.

Nas regiões de não-presença do mer-cado, as chances de competir em pé deigualdade com as anteriores ainda pare-cem remotas. Além de desigualdades his-tóricas, surgem outras novas classes.Citemos três delas: desigualdades quantoà organização local, desigualdades surgi-das em decorrência do acesso ao mer-cado global e desigualdades resultantesda regionalização dos sistemas naturais.

Se o processo de regionalização indicaa preocupação do estado no atendimen-to das distorções inscritas historicamentena configuração territorial e se tal tarefaestá cada vez mais condicionada ao graude articulação e de integração da comu-nidade regional, então os lugares organi-zacionalmente em desvantagem tendemao abandono.

A outra classe de desigualdade, a quesurge do acesso ou não ao chamadonovo mercado global, é regionalmentemenos seletiva, isto é, não privilegia esteou aquele lugar. Ocorre, de forma gene-ralizada, nas regiões tanto de presençaquanto de ausência do mercado. Ela re-vela distorções socioprofissionais tantointer-regionais quanto intra-regionais.Assim, o maior desafio será interagir com

resistências sociais que surgem em res-posta à exclusão do novo mercado. Oque Ribeiro (2005) denominou de Mer-cado Socialmente Necessário é realidadeque se corporifica nas regiões e no interiordelas e das cidades, gerando territoriali-dades marginais ao controle do estado edo próprio mercado. Mas como lidar comelas? Isso será realmente preciso?

A outra questão chega às raias da iro-nia porque reprisa, no interior do estado,conflitos semelhantes aos que se estabe-lecem entre os cones Norte e Sul quantoaos problemas da sustentabilidade am-biental do planeta. É que áreas de inte-resse ambiental também regionalizam-seà força da legislação ambiental. Só que,do ponto de vista do desenvolvimentoeconômico local, tais regiões são prejudi-cadas, já que estão formalmente restritasaos empreendimentos não sustentáveis.O Vale do Ribeira é exemplo dessa outraforma de discriminação entre a industria-lizada Região Metropolitana de São Pauloe a exuberância nativa de seus recursosnaturais. O que fazer?

Uma coisa é certa: a urgência de re-tomar as políticas públicas de caráter ter-ritorial, porém à luz do fenômenoterritorial contemporâneo. As dinâmicasaqui apresentadas indicam a necessida-de de fortalecer as políticas públicas, emespecial as de caráter territorial. E há umdetalhe vital: devem contemplar umarevisão do preceito que supõe que ocrescimento econômico seja a alavancado desenvolvimento social. A interde-pendência estrutural entre um e outroainda é um desafio por ser vencido.Tanto na teoria, quanto na prática.

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Resumo

Desde a colonização, a organização re-gional paulista foi composta por eixosde centros urbanos. Da capital para ointerior, eles resultam da urbanização eprovavelmente são perenes. Mesmo coma influência dos novos meios de comu-nicação e de transportes, eles persistem.A hipótese é que representam a melhorlocalização para as atividades econômi-cas. Acumularam sistemas técnicos quegarantiram formas inovadoras de aces-sibilidade e de infra-estruturas necessá-rias à produção. Por sua vez, as regiõesadministrativas criadas nos anos 1960refletem essa estruturação do território.São uma espécie de matriz regional, quetambém é relutante a mudanças. Essamatriz, contudo, pode adquirir breve-mente outra configuração: a da geogra-fia do novo mercado. Primeiro, porqueas tecnologias modernas permitem ar-ranjos territoriais não condicionadospela contigüidade. Segundo, as unida-des regionais institucionalizadas pela atualconstituição do Estado hierarquizam acomplexidade espacial. Elas são bemdiferentes dos escalões regionais do pas-sado, que traduziam políticas descentra-lizadoras. Se isso se comprovar, osinstrumentos de políticas públicas de

Abstract

Regional organization of state of SãoPaulo has been composed by axes ofurban centers since colonization. Theyresult of an urbanization and probablyare permanent, since Capital to coun-try. They still persist even with an influ-ence of new means of communicationand transportation. The hypothesis isthat they represent a better location toeconomic activities. They accumulatedtechnical systems that guarantee innova-tive forms of accessibility and infrastruc-ture that were essential to production.On the other hand, the administrativeregions, created in 1960’s, reflect thatterritory organization. They are a sortof regional matrix, which are indisposedto changes too. Some reasons for that:first, because modern technologies per-mit arranges to territory that are notconditionated by contiguity; second,regional unities, which were institution-alized by actual State composition, pro-duced a complex spatial hierarchy. Theyare quite different of past regional onesthat traduced decentralized politics. If itcan be proved, the instruments of pub-lic politics, with territorial character, willhave to face other categories of socio-spatial inequalities and guarantee gov-

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75Manoel Lemes da Silva Neto

caráter territorial terão que lidar comoutras classes de desigualdades socioes-paciais e garantir a governabilidade deregiões híbridas: quase-Estado, quase-Empresas.

Palavras-chave: planejamento regio-nal, território, novo mercado.

ernmentability of hybrid regions: almostState, almost-Companies.

Keywords: regional planning, territory,new market.

Manoel Lemes da Silva Neto é arquiteto, Doutor em Arquitetura e Urbanismopela Universidade de São Paulo, professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional do Instituto de Pesquisa eDesenvolvimento da Universidade do Vale do Paraíba.

Recebido em outubro de 2006. Aprovado para publicação em abril de 2007

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 1, 2006, p. 77-106

As cidades e as apropriaçõesAs cidades e as apropriaçõesAs cidades e as apropriaçõesAs cidades e as apropriaçõesAs cidades e as apropriaçõessociais das mudanças climáticassociais das mudanças climáticassociais das mudanças climáticassociais das mudanças climáticassociais das mudanças climáticas

Henri Acselrad

Segundo conhecimento corrente, osprocessos de urbanização afetariam asdinâmicas ecológicas em função dospadrões de distribuição das cidades noespaço, dos padrões de distribuição dasatividades no interior das próprias cidadese da dimensão atingida pelas manchasurbanas. A expansão dessas manchasprovoca alterações de cobertura vegetal,aterramento de mangues, impermeabi-lização de solos, movimentos de terrasem margens de cursos de água e, even-tualmente, ocupação de fundos de vale.Em sua relação com os processos am-bientais ditos globais 1, a urbanizaçãopode ser fator de alteração na biodiver-sidade, pela interrupção de corredores

ecológicos que interligam ecossistemase permitem fluxos genéticos, e no clima,através da emissão de gases-estufa e demudanças que podem provocar na ra-diação solar, na temperatura, na velocida-de e direção dos ventos, nos índices deprecipitação e umidade (Mota, 1999).Os impactos da urbanização podem,assim, ser caracterizados a partir da con-figuração material das cidades em suarelação com os processos ecológicos quelhes são imediatos como os supracitados.Mas a natureza desses impactos podeser também discutida de forma bem maisampla e relacional, se considerarmos oprocesso de urbanização como crescen-temente constitutivo de uma rede-arqui-

1 Segundo Vitousek, mudanças ambientais globais “são aquelas que alteram os envoltóriosdo sistema terrestre e, desta forma, são experimentadas globalmente, e aquelas que ocorremem áreas mais restritas, mas por serem muito difundidas, adquirem caráter mais global”(Vitousek, apud Confalonieri et al., 2000, p. 35). A possibilidade de uma caracterizaçãoobjetiva dos processos ambientais considerados globais é questionada, por sua vez, emShiva (1993) e Lohman (s.d.).

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pélago de grandes metrópoles, de nósde encadeamento de múltiplos fluxos deprodução e de trocas. Pois estas são astendências da urbanização em contextode reestruturação produtiva e financei-rização do capital como o configuradonas últimas décadas do século XX: asredes de cidades apontam cada vez maispara arquiteturas logísticas mais centrali-zadas, em que todos os fluxos de moedae informação mas também de matériae energia transitam para plataformascentrais menos numerosas, embora do-tadas de maior alcance econômico e ter-ritorial em suas dinâmicas (Veltz, 2001,p. 149). Nessa perspectiva, fica difícilestabelecer de forma clara a separaçãoentre o que seriam os impactos ambien-tais associados ao fato propriamenteurbano e o que seriam os originados nadinâmica mais geral dos próprios mo-delos de desenvolvimento que têm nasmetrópoles os pólos irradiadores de pro-cessos econômicos e impactos ambien-tais. Isso porque nos principais nós darede-arquipélago de metrópoles desen-cadeiam-se processos que produzemalterações ecológicas evidenciáveis muitoalém do perímetro imediato das cida-des, incluindo as alterações consideradaspertinentes aos assim chamados “impac-tos biosféricos”. Pois, em analogia comos denominados “povos ecossistêmicos”e “povos biosféricos” na definição de M.Gadgil e R. Guha, podemos considerarque as formas sociais de apropriação dabase material do desenvolvimento po-dem também ser divididas em “ecossis-têmicas” e “biosféricas” – ou seja, as

primeiras fundadas na exploração derecursos locais e as segundas promovidaspor agentes econômicos cujo poder lhespermite drenar recursos provenientes delongas distâncias ou impor impactos in-desejáveis também à distância (Gadgil eGuha, 1995). As cidades, em particular,abrigam parte significativa das práticassociais de apropriação “biosférica” domeio ambiente. Assim, o debate sobre oimpacto ambiental das cidades põe ne-cessariamente em questão os fluxos emproveniência do hinterland rural res-ponsáveis pelo fornecimento de merca-dorias para a satisfação da demandaurbana. Como o fluxo desses recursostende a ser contínuo para manter a cida-de em funcionamento, eles podem acar-retar, com significativa freqüência, aruptura dos fluxos materiais e das cultu-ras extra-urbanas cuja existência liga-seà reprodução dos ecossistemas em quese encontram situados tais recursos 2. Aextração de insumos de localidades cadavez mais remotas pode provocar inclu-sive o deslocamento espacial de grupossociais ditos “ecossistêmicos” para asperiferias pobres de grandes cidades, tor-nando-os conseqüentemente tambémdependentes, ainda que em escala quan-titativamente pouco expressiva, dos sis-temas econômicos ditos “biosféricos”.

Processos similares podem surgir daimposição de valores e práticas simbóli-cas citadinas a espaços sociais extra-urbanos que se pretenda, inclusive porrazões ambientais, preservar. Levy et al.e Adams, por exemplo, assinalam que

2 John Vidal cita o episódio do suicídio em massa do povo U’Wa, ante o desenvolvimento doscampos de petróleo da Shell na Colômbia, como conseqüência do crescimento da “pegadaurbana” associada à civilização do automóvel. Cf. Vidal (1997), apud Dalby (1998, p. 310).

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concepções estetizantes de origem ur-bana, quando aplicadas a paisagens quese quer, por razões ambientais, trans-formar em parques e reservas, podemter efeitos dramáticos e diruptivos sobreos povos afetados por sua implantação 3.“Os perigos da permanência de umacompreensão colonial continuada dos‘recursos’, do ‘meio ambiente’ e da ‘Na-tureza’” – acrescenta Willems-Braun –“ligam-se diretamente à consideraçãoimprópria de um ambiente separado dacultura, de um rural separado do urba-no e de assentamentos urbanos ‘civiliza-dos’ tidos como separados da Natureza”(Willems-Braun, 1997, apud Dalby,1998, p. 308).

Assim, as cidades, por suas práticastanto materiais quanto simbólicas, têmparticipado do que MacNeill, Winsemiuse Yakushiji chamam de uma “ecologiasombra” 4, da qual os principais centrosurbanos dos países economicamentemais poderosos constituem pontos cen-trais que

habilitam as nações ocidentais a es-tribarem-se no capital ecológico detodas as outras nações para forneceralimento às suas populações, energiae materiais para as suas economiase, inclusive, terra, água e ar para ab-sorver seus subprodutos e detritos.(MacNeill et al., 1991, p. 71)

É certo que antes do século XVII aurbanização esteve limitada por umarelação metabólica bem específica esta-belecida entre as cidades e seus hinter-lands produtivos, assim como pelaspossibilidades de extração dos exceden-tes que sustentavam as aglomeraçõesurbanas. Segundo Harvey, as cidadesmedievais assemelhavam-se ao que osambientalistas contemporâneos julgariamser “formas virtuosas biorregionalistas”(Harvey, 1996, p. 411). A estabilidadedas economias das cidades dependiaentão crucialmente de sistemas metabó-licos localizados, com suas qualidadesambientais de sustentação e seus pro-dutores potenciais de excedentes, aptosa serem transferidos para as cidades. Atéo início do século XIX, a hoje chamada“pegada ecológica” da urbanização nasuperfície da Terra teria sido relativa-mente reduzida. O que ampliou essa“pegada” foi a onda de novas tecnolo-gias que permitiu a superação conside-rável de barreiras espaciais e temporaisque até então opunham limites à acu-mulação capitalista nas cidades (ibid.).

Foi assim que o desenvolvimento deuma rede global de cidades ligadas auma variedade de hinterlands permitiu,a partir de meados do século XX, umprocesso de crescimento urbano agrega-do radicalmente maior do que aquelepossível para cada cidade isoladamente

3 Cf. Levy, Scott-Clark e Harrison (1997), apud Dalby (1998, p. 308), e Adams e McShane(1996), apud Dalby (1998, p. 308).

4 “Em essência, a sombra ecológica de um país é constituída pelos recursos ambientais que eleextrai de outros países e dos bens comuns globais” (cf. MacNeill et al., 1991, p. 71).Analogamente, M. Wackernagel e W. Rees chamam de capacidade de “pegada ecológica” “aárea de terreno requerida para proporcionar os recursos e assimilar os rejeitos de um grupodeterminado de pessoas – habitação, cidade ou país” (cf. Wackernagel, s.d.).

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(ibid., p. 413). É por essa razão, suge-rem os estudiosos da Ecologia Global,que é importante tentar entender osprocessos ambientais contemporâneos,inclusive os urbanos, em termos biosféri-cos, não limitando as análises aos ecossis-temas individuais ou Estados Nacionais,mas procurando apreender as interco-nexões dos diferentes tipos de proces-sos, independentemente de convençõesgeográficas ou de meras distâncias físicas.No contexto dessas dinâmicas ecogeo-gráficas geradoras de conseqüências emdistâncias múltiplas, as práticas ambien-tais dos agentes poderão ser entendidasna perspectiva não só da extração derecursos situados à distância mas tam-bém de decisões de localização de rejeitostóxicos e perigosos em contexto de rela-ções de mobilidade globalizada, abran-gendo práticas de tipo Nimby (“Not inmy Backyard” – “não no meu quintal”),por meio das quais as elites urbanas pro-curam se distanciar das conseqüências

ecológicas danosas de suas própriasações (Dalby, 1998, p. 306). Como sa-bemos, a exportação de impactos am-bientais indesejáveis não os elimina dasuperfície terrestre. Ao contrário, lem-bra Harvey, a crescente e ruinosa com-petição interterritorial – entre nações,regiões e cidades – associada à necessi-dade suposta de as mesmas (em nossocaso, as cidades) “venderem a si próprias”ao mais barato custo, para o bem damáxima mobilidade do capital na Terra,só têm feito aumentar o grau de descoor-denação entre os processos decisóriosdos capitais individuais e, por conse-guinte, os riscos da eclosão de impactosambientais incontrolados (Harvey, 1996,p. 413). O presente texto revê o debateque liga processos de urbanização ao demudanças climáticas, procurando, nocaso brasileiro, identificar relações pos-síveis entre as distintas configurações dosaglomerados urbanos e os níveis respec-tivos de emissão de CO2.

As cidades e as mudanças climátícasAs cidades e as mudanças climátícasAs cidades e as mudanças climátícasAs cidades e as mudanças climátícasAs cidades e as mudanças climátícas

O debate sobre mudanças ambientaisglobais apresenta dificuldades relativasà pretensão de se separar dimensões na-turais e sociais da mudança ambiental.A agenda da pesquisa sobre mudançasglobais tem sido dominada pelos esfor-ços de elaboração de modelos de tipopreditivo. Para a modelagem global queusa as teorias das Ciências Naturais, oclima, por exemplo, precisa assim ser tra-duzido em um grande número de equa-ções matemáticas destinadas a prever asinterações complexas entre a atmosfera,

os oceanos e a superfície terrestre, tendopor base princípios físicos validados poruma vasta e ainda imperfeita gama deobservações (Boehmer-Christiansen,1994, p. 141). Calbo et al., por exemplo,procuram estabelecer as interações dosaspectos globais e urbanos das emissõesantropogênicas na química troposférica.Tal pesquisa tenta enfrentar as dificul-dades de articulação parametrizadaentre diferentes escalas espaciais e tem-porais, pois, enquanto para o estudo doefeito estufa usam-se como escala o diâ-

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metro terrestre e um horizonte de 30anos, para o da poluição atmosférica nascidades usam-se escalas muito menores 5.M. L. Bell, por sua vez, tenta exploraras relações em sentido inverso, atravésda hipótese de que a mudança climáticapode alterar as concentrações de poluen-tes atmosféricos, acarretando significa-tivos impactos sobre a saúde humana.Para tanto, procurou integrar dados desensoriamento remoto, modelagem me-soescalar e dados epidemiológicos (Bell,2006).

Na perspectiva dialética de autorescomo Harvey, porém, a mudança am-biental é permanente, e a questão, por-tanto, não seria propriamente a dacaracterização de um evento urbanoconcorrente para uma mudança enten-dida como abandono da estabilidade,mas a da busca de correlação entre osentido do processo de urbanização e osentido do que se entende por “mudan-ça ambiental”. Assim é que, pela consi-deração do risco, inclusive do risco doconsumo energético para as mudançasambientais globais, a questão ambientalveio se tornando um meio de expressãode um mal-estar social geral, constituin-do uma dimensão central de novas prá-ticas espaciais institucionalizadas. Comoas preocupações com o meio ambientesurgem das múltiplas facetas da expe-riência social e se interconectam na cons-tituição das agendas ambientais urbanas,um novo conjunto de fundamentos vemsurgindo como esboço de mudanças na

direção do planejamento das cidades(Brand, 1999, p. 646). Assim, a pesquisae o debate sobre mudança ambientalglobal podem ser vistos como capazes defornecer um certo número de justificati-vas para as opções relativas a alteraçõesno modelo de desenvolvimento urbano,no que diz respeito tanto à sua matrizenergética, de transportes, ao padrão lo-cacional de atividades, quanto às forma-ções sociais subjacentes à configuraçãodo modelo urbano. Sonja Boehmer-Christiansen mostrou, por exemplo,como na Inglaterra a Sra. Thatcher con-verteu-se à causa ambiental e, em parti-cular, à do aquecimento global, em 1984,por suspeitar que os ambientalistas esti-vessem usando o problema ambientalpara atacar o capitalismo: “acreditandoque um debate científico livre, por si sóofereceria meios de superar as ameaçasambientais”, afirma Boehmer-Christian-sen, “a Sra. Thatcher via no investimentoem Ciência uma parte da batalha contraa política ambiental socialista, que en-tendia ser repressiva” (Boehmer-Chris-tiansen, 1994, p. 177). Ademais, comopartidária da energia nuclear e inimigaimplacável das organizações sindicaisdos mineiros do carvão, Mrs. Thatchersó pôde ver-se atraída por prescriçõesque propugnavam o fim da queima docarvão (ibid.).

Algumas indicações de efeitos demudanças climáticas globais sobre as ci-dades podem ser inferidas dos estudosefetuados sobre as repercussões dos

5 Cf. Calbo, Pan, Webster, Prinn e McRae (1997). O sismólogo Thomas Heaton se interroga,por exemplo, sobre “como podemos pretender prever eventos passíveis de acontecer nospróximos mil anos, quando nossas idéias normalmente não se sustentam nem por 20 anos”(cf. Davis, 1998, p. 35).

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eventos climáticos El Niño e La Niña noBrasil 6. No período 1982-1983, o ElNiño ocasionou precipitações superioresàs consideradas normais, com transbor-damentos de rios e inundações de bai-xadas nas regiões Sul e Sudeste do país.Entre os anos 1997 e 1998, foram re-gistradas temperaturas mais elevadas noinício do verão nas regiões Sul, Sudestee Centro-Oeste e no sul do Nordeste.No que se refere às suas repercussõesno meio urbano, o El Niño foi responsa-bilizado por chuvas abaixo das médiase a conseqüente crise de abastecimentode energia elétrica no norte e leste daAmazônia; por escassez de água e po-luição de mananciais, com a migraçãode população para as grandes cidadesna faixa litorânea do Nordeste e a so-brecarga de demanda sobre os serviçosurbanos locais; por enxurradas e en-chentes em cidades do Sul. O fenômenoLa Niña, por sua parte, foi responsabili-zado pela ocorrência de chuvas anor-malmente abundantes no norte e lesteda Amazônia e anormalmente escassasno Rio Grande do Sul entre os mesesde setembro e fevereiro (Freitas, Santose Hamada, 2000, p. 4-5). Ao alterar sig-nificativamente os padrões climáticos emeteorológicos de grandes áreas urba-nas, provocando, alternadamente, secas,chuvas abundantes e aumento de tem-peratura, fenômenos climáticos do porte

de El Niño e La Niña apresentam condi-cionantes novos e inescapáveis às polí-ticas públicas relativas às infra-estruturasurbanas de fornecimento de água, sa-neamento e energia 7. Brandão, porexemplo, para o caso do Rio de Janeiro,sustenta que

a expansão desordenada da cida-de, que resultou na ocupação deáreas que deveriam ser preservadas,tais como as encostas dos maciços eos diversos morros e as áreas ribei-rinhas, faz com que a cidade fiquecada vez mais vulnerável aos eventosclimáticos anômalos, passando aaumentar os riscos de episódios deenchentes e inundações. (Brandão,1992, p. 183)

Com base em dados da SecretariaMunicipal de Habitação de São Paulo(Sehab) e da Fundação Instituto de Pes-quisas Econômicas (Fipe/USP), Marcon-des menciona que em 1991 existiam24.551 domicílios integrantes de 298favelas instaladas em áreas de manan-ciais na cidade de São Paulo (Marcon-des, 1999, p. 165). Segundo Figueiredo(1994), em 1994, na cidade de SãoPaulo, 808 favelas localizavam-se àsmargens de cursos de água, das quaisquase um terço estava sujeito a enchen-tes. Em terrenos com declividade acen-

6 O fenômeno El Niño é caracterizado pelo aquecimento anômalo e o subseqüente resfriamentodas águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial Oriental, durante um período de 12 a18 meses, provocando mudanças na circulação atmosférica e na precipitação em escalasregionais e global. Cf. Freitas, Santos e Hamada (2000).

7 Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) estão começando a estudartambém a hipótese de o aumento da poluição atmosférica em cidades como Rio de Janeiro,São Paulo e Belo Horizonte estar favorecendo o aumento da freqüência e da intensidade deraios, com a conseqüente derrubada de árvores, interrupção de trânsito e outros acidentes(cf. Azevedo, 2000).

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tuada e com elevada incidência de ero-são, contavam-se então 466 favelas.Entre 1987 e 2000, a capital de SãoPaulo perdeu 30% da cobertura vegetalem virtude da expansão urbana, nota-damente dos loteamentos clandestinosde população pobre deslocada de áreascentrais por impossibilidade de pagar oselevados aluguéis (Atlas Ambiental deSão Paulo, apud Pesquisa Fapesp,2000). Segundo Ermínia Maricato, “en-quanto os imóveis não têm valor comomercadorias, ou têm valor irrisório, aocupação ilegal se desenvolve sem in-terferências do Estado” (Maricato, 1995,p. 269). As ocupações tendem assim aocorrer em áreas desprovidas de inte-resse e possibilidade de exploração eco-nômica pelo capital imobiliário, como,de modo geral, as encostas, os manan-ciais e as áreas de proteção ambiental.Como resultado de uma urbanizaçãoque segrega, continua Maricato, estima-va-se que em 1999 viviam em áreas deocupação irregular 20% das populaçõesdo Rio de Janeiro, de Belo Horizonte ede Porto Alegre, assim como 28% dapopulação de Fortaleza. No início dosanos 1990, a Fipe/USP estimava em

quase 20% a população favelada domunicípio de São Paulo. Dados do IBGEapontavam para Recife a cifra de 40%de moradores em favelas (Maricato,2000, p. 153-154).

Na medida em que as vítimas dascatástrofes climáticas são, via de regra,os grupos sociais que habitam as perife-rias, encostas e beiras de rios, como re-sultado da urbanização excludente, hápouca propensão a que se forme umconsenso social favorável à reformula-ção do padrão urbanístico. Conformeassinalou Mike Davis, para o caso de LosAngeles, o fato de todas as maiores en-chentes e terremotos do século XX teremcoincidido com conjunturas recessivascontribuiu para que as dimensões socio-políticas dos desastres urbanos fossemobscurecidas: além de nenhum ciclo ex-pansivo de negócios ter sido interrompi-do, as providências keynesianas de corteanticíclico, convenientes em períodomarcado por recessão, foram ampla-mente justificadas com base na necessi-dade de recuperação dos danos (Davis,1998, p. 38).

Implicações ambientais da forma urbanaImplicações ambientais da forma urbanaImplicações ambientais da forma urbanaImplicações ambientais da forma urbanaImplicações ambientais da forma urbana

A expansão urbana e os sucessivos ater-ros que costumam acompanhá-la redu-zem os leitos dos rios e, juntamente coma erosão das encostas desprotegidas pelaretirada da cobertura vegetal, transfor-mam pequenas vazões em grandes tor-rentes nos períodos de chuvas intensase concentradas. Muitas das curvas dos

rios são eliminadas por obras de retifi-cação e canalização que diminuem ainfiltração da água e contribuem paraaumentar a velocidade da vazão (Bran-dão, 1992, p. 188). A concentração deelementos poluentes na atmosfera, porsua vez, associada à densidade constru-tiva das cidades, forma as chamadas ilhas

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de calor, responsáveis pelo desconfortotérmico urbano 8; a ilha de calor associa-da à impermeabilização da superfíciepelo asfalto e o concreto favorece o fe-nômeno das inundações; o desconfortotérmico provocado pela ilha de calorintensifica o uso de aparelhos de ar con-dicionado, contrastando o microclimainterno aos prédios com as altas tempe-raturas externas a eles. A poluição am-biental e o desconforto térmico tendema atingir com maior intensidade os espa-ços residenciais de baixa renda, ondeocorrem simultaneamente carência dearborização, proximidade com fontes depoluição e emprego de materiais de cons-trução que emitem mais calor (Souza,1999, p. 126).

As cidades são, além disso, reconhe-cidamente grandes consumidoras deenergia. Nos países da Organização paraa Cooperação e Desenvolvimento Eco-nômico (OCDE), elas consomem de60% a 80% do balanço energético. Se-gundo pesquisas correntes, o consumode gasolina seria inversamente propor-cional à densidade urbana 9. No Canadá,nos EUA e na Inglaterra, estudos mos-traram que uma duplicação da densi-dade da população ou das habitaçõesresultaria numa redução de 20% a 30%da quilometragem anual do desloca-mento de automóvel por pessoa (Bindé,1998, p. 98). Disso decorreria a pro-pensão predominante à diminuição doconsumo de energia em função da con-figuração de cidades mais compactas.

Ademais, a despeito do senso comumque sugere que a melhoria da eficiênciado tráfego, pela criação de vias expressase pelo aperfeiçoamento técnico dos veí-culos, é um caminho eficaz para a redu-ção dos níveis de poluição urbana,pesquisas realizadas em Nova York e emPerth, na Austrália, revelam que há umacorrelação inversa entre tráfego eficienteem combustível (o que flui a altas velocida-des) e cidades eficientes em combustível(as que requerem menos deslocamen-tos) (Lowe, 1991, p. 16). Apesar de osveículos que circulam em áreas centraismais densas gastarem mais combustívelpor quilometragem do que a média ur-bana, ainda assim, por circularem pouco,usariam relativamente menos combustí-vel. Inversamente, veículos que circulamem áreas de baixa densidade, emborapercorram menos quilômetros por litrode combustível do que a média urbana,circulam muito mais, utilizando, pois,muito mais combustível.

Segundo outras abordagens, porém,mesmo implicando uma diminuição glo-bal do consumo, a concentração espa-cial dos residentes e das atividades nãodeixa de acarretar uma concentraçãoespacial do uso de combustível, logouma concentração das poluições porfontes móveis. Em espaços densamenteutilizados, isso tenderia a ocasionar umaumento da exposição das populaçõesaos riscos da poluição atmosférica, namedida em que o consumo de energialigado às migrações alternantes diminui

8 “Quanto maior é a cidade, mais acentuado será o efeito contraste térmico entre a cidade e ocampo” (cf. Lombardo, 1985, p. 39, apud Cabral, 1995, p. 1).

9 Cf. International Union of Public Transport (UITP, na sigla em francês), Des Villes à Vivre,Bruxelles, 1996, apud Bindé (1998, p. 98).

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pouco com a concentração urbana,dadas as condições invariáveis da estru-tura de transporte. A fonte mais pode-rosa de economia de combustível seria,assim, a mudança do modo de trans-porte em zona densa, ou seja, o favore-cimento real de uma transferênciamodal em favor do transporte coletivopouco poluente (Mathis, 1996, p. 106).

As emissões de CO2 no Brasil, cujovolume é sete vezes superior às emissõesde origem energética, são basicamentedevidas ao desflorestamento. As emis-sões energéticas brasileiras de CO2 sãobastante inferiores às observadas emoutros países, em virtude do nível deprodução industrial do país ser relativa-mente baixo e de a matriz energética estarcentrada na hidroeletricidade (Motta,1993, p. 65). O papel da urbanizaçãono desmatamento das florestas tropicaisem geral é considerado muito poucorelevante pela literatura científica. Emum levantamento realizado por pesqui-sadores do Departamento de EcologiaHumana da Universidade de Rutgers,em 825 artigos em que se discutem ascausas do desmatamento, a urbanizaçãosituou-se em 19º lugar entre as 20 prin-cipais causas (Rude et al., 2000, apudTeixeira, 2001, p. 39).

Os veículos automotores são as prin-cipais fontes de poluentes atmosféricosno Brasil. Segundo pesquisa realizadana Região Metropolitana de São Pauloem 1990, contribuíram com mais de90% nos casos de CO, HC e NOX, 64%no de SOX e 40% nos de particulados.A qualidade do ar nos centros urbanosestá fortemente associada ao sistema de

transporte coletivo, que gera grandeparte das emissões totais e incentiva otransporte individual, favorecendo per-das ambientais e ineficiência energética(Motta, 1996, p. 46). Em grandes cida-des de países industrializados, é forte acorrelação positiva entre a densidade po-pulacional e a proporção de viagens fei-tas por transporte público (Vasconcellose Lima, 1998, p. 13). Tal correlação sópode ser observada, porém, em cidadesonde o sistema de transportes coletivosé objeto de políticas e investimentosapropriados.

Os indicadores de emissão de CO2por habitante e por unidade de consu-mo de energia no Brasil são significati-vamente baixos se comparados aos dospaíses mais desenvolvidos, os primeirosexprimindo o baixo nível de renda percapita no país e os segundos evidencian-do eficiência no uso de recursos reno-váveis endógenos (Rosa e Tolmasquim,1996). Pesquisa da Coppe/UFRJ mostraque entre 1990 e 1998 o município doRio de Janeiro aumentou em 57,7%suas emissões de gás metano (CH4),provavelmente em razão da melhoriada coleta de lixo e do maior acúmulode resíduos em aterros sanitários. Mos-tra também um pequeno aumento dasemissões de CO2, em função do aumen-to do número de veículos em circulaçãoe da queda no uso do álcool como com-bustível. Apesar das tendências ao au-mento das emissões de gases-estufaverificadas no Rio de Janeiro, a cidadede Berlim emitiu em 1990 quase quatrovezes mais desses gases do que a cidadedo Rio de Janeiro em 1998 (Nogueira,2000).

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Se observarmos os dados sobreemissão de gases-estufa por setores deuso final de energia, o setor de trans-porte responde por parte considerável(em estimativas que variam entre 32,5%e 42%) do total das emissões de CO2do Brasil 10. No entanto, a despeito deum modelo urbano que favorece o usodo automóvel, a relação habitante/au-tomóveis é, no Brasil, extremamente altase comparada à de outros países pro-dutores. Apesar de a indústria automo-bilística estar implantada no Brasil hámais de 40 anos e de o país ser o déci-mo primeiro produtor mundial de veí-culos, sua relação habitantes/veículos(10,3 em 1996) o situa na décima oitavaposição entre os países produtores, atrásdo México, da Coréia do Sul e da Ar-gentina.

Os altos investimentos realizados naindústria automobilística brasileira nosúltimos anos elevaram sobremaneirasua capacidade instalada, que é estimadaaproximativamente entre 2,5 milhõesde unidades/ano e 3,5 milhões de uni-dades/ano (Limoncic, 2001, p. 31).Dados para a década de 1990 mostramque os índices de crescimento do licen-ciamento de carros novos são no Brasilbastante elevados se comparados aosdos países mais desenvolvidos (Meiners,1999, p. 199). No entanto, em 1998,foram emplacadas apenas 1,535 milhãode unidades no Brasil, revelando que

existe uma capacidade ociosa bastantegrande nessa indústria 11. Além de redu-zido, o mercado brasileiro de automó-veis oscila fortemente de acordo comas crises internacionais e as conjunturaseconômicas. Em 1998, por exemplo,em função da crise russa, foram licencia-dos menos 400 mil veículos em relaçãoao ano anterior.

Dados da indústria automotiva mos-tram uma elevada concentração espa-cial na demanda por automóveis, fatoque indica a possibilidade de permanen-tes impactos sobre as cidades brasileiras.A cidade de São Paulo, por exemplo,conta, hoje, com a maior frota nacional,que tem crescido a uma média de 6%a.a. Todos os dias, 1,5 mil veículos sãoa ela incorporados. A velocidade médianos principais corredores viários tem de-crescido sistematicamente, tendo alcan-çado 20 km/h em 1994. Por outro lado,entidades ambientalistas estimam quemorrem cerca de 300 crianças por anoem virtude da poluição advinda dosescapamentos dos carros 12. Esses indi-cadores exprimem as implicações am-bientais da opção automobilística nascidades brasileiras.

A entrada massiva de automóveisno centro urbano das cidades não foiacompanhada de alterações no padrãohistórico de ocupação do solo urbano dacidade. Os investimentos urbanos, tanto

10 Cf. La Rovere (1995, p. 17) e Klabin (2000, p. 47). Ver também Uria (1996) e Monteiro(1998).

11 Como afirmou Jack Smith, chairman da General Motors: “Temos muitas fábricas; precisamosagora vender carros” (Smith, apud Limoncic, 2001, p. 31).

12 Cf. Greenpeace, Automóveis: saúde agredida e alterações no clima do planeta, apud Limoncic(2001, p. 35).

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em infra-estrutura quanto em embele-zamento, no período de expansão daoferta de automóveis no país, concen-traram-se nos núcleos urbanos. Assim,a concepção urbana que nos EstadosUnidos permitiu a absorção de um nú-mero crescente de carros nas cidades,propiciando subúrbios com baixas den-sidades populacionais e amplos espaçospara a circulação de veículos, não severificou nas cidades brasileiras. Pelocontrário, os núcleos urbanos tiveramsua população adensada, principalmentepor meio da acelerada verticalização. Emalguns pontos do Rio de Janeiro, comoCopacabana, casas com menos de 30anos foram derrubadas para a construçãode prédios de vários andares. Com umaárea equivalente a 0,4% do território domunicípio, Copacabana abriga, nos diasde hoje, 2,9% de sua população 13.

No início dos anos 1950, a constru-ção de prédios sem garagem para a classemédia era um indicativo de que o auto-móvel ainda não constituíra um bem nohorizonte de consumo dessa classe quesó viria a integrar o seu estilo de vida eprojeto de ascensão social como meio dedistinção social após a instalação da in-dústria automobilística no país. A ade-quação do espaço da moradia da classemédia ao automóvel só ocorreria no Riode Janeiro, para citar um exemplo, nofinal dos anos 1950, quando foi aprovadaa lei que obrigava as novas construçõesa reservar espaço ao estacionamento deautomóveis (Malin e Junqueira, 1984,apud Limoncic, 2001, p. 35).

Os anos 1960 caracterizaram-sepelo esforço de adequar o espaço ur-bano das principais cidades brasileirasàs necessidades do automóvel, privile-giando, portanto, as camadas de maiorpoder aquisitivo.

Se, por um lado, a emergência deuma febre rodoviária nessas cidades sig-nificou a destruição ou degradação deespaços públicos ou residenciais, princi-palmente nos bairros que estavam nocaminho das autovias que então seabriam, por outro, redundou na quaseexclusividade do transporte coletivo pormeio de ônibus no perímetro urbano,com a supressão dos bondes e a ofertalimitada do metrô (Limoncic, 2001).

Em 1994, os ônibus transportaram,no Rio de Janeiro, 1,3 bilhão de passa-geiros 14, ou seja, um número próximoao de passageiros que circularam, pormetrô, em Paris. Em que pese o fato deas grandes cidades brasileiras não teremseguido os traços das cidades america-nas para a absorção dos automóveis, apropriedade e o uso desses meios detransporte passaram a fazer parte dosmecanismos de distinção social da classemédia brasileira. Na década de 1970,um estudo da Fiat demonstrou que ummotorista brasileiro rodava por ano, emmédia, quase duas vezes mais do queum italiano. Configurou-se assim noBrasil um padrão de consumo de auto-móveis análogo ao da modernidadefordista norte-americana, sem a corres-pondente alteração dos modos de uso

13 Cf. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, IplanRio, Anuário Estatístico da cidade do Rio deJaneiro 1993/1994, apud Limoncic (2001, p. 35).

14 Ibid.

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do solo que poderiam contribuir paraevitar os congestionamentos e os altosníveis de emissão de poluentes.

O modo de uso do solo urbano e opadrão de mobilidade que caracteriza-ram as cidades brasileiras a partir dos

anos 1950 estiveram, como veremos aseguir, fortemente associados ao padrãomais geral de distribuição espacial dasatividades condicionado pela dinâmicaespecífica da modalidade brasileira dochamado “fordismo periférico”.

Implicações climáticas da urbanização brasileiraImplicações climáticas da urbanização brasileiraImplicações climáticas da urbanização brasileiraImplicações climáticas da urbanização brasileiraImplicações climáticas da urbanização brasileira

O padrão de distribuição espacial dasatividades econômicas e das cidades re-laciona-se historicamente com os distin-tos modos de inserção da economiabrasileira nos fluxos internacionais decomércio e investimento. Até as primei-ras décadas do século XX, as diferentesregiões do país não se ligavam significa-tivamente umas às outras: articulavam-se predominantemente com o mercadoexterno. Ferrovias e portos asseguravama integração das regiões produtoras aosfluxos mundiais de comércio. Apesar dosindícios do que alguns autores conside-ram um movimento de acumulaçãoendógena, protagonizado por uma elitemercantil atuante no mercado interno,a demanda internacional manteve-se nocomando da dinâmica produtiva dopaís, definindo os principais contornosda trama espacial das vias de escoamen-to da produção.

Com as crises que atingiram as regiõesexportadoras e o surgimento de condi-ções de sustentação de uma expansãoindustrial nos anos 1930, desenvolveu-se, porém, uma crescente articulaçãocomercial entre as regiões. Com o pro-cesso de industrialização, foram-se de-

senvolvendo complementaridades inter-regionais. Uma relativa especializaçãodas regiões acompanhou a crescenteintegração nacional da economia. Atéo final dos anos 1940, o comércio inter-nacional ainda superava por larga mar-gem o comércio inter-regional, realizadomajoritariamente por meio da cabota-gem. Investimentos em infra-estruturaconstruíram as pontes no interior doantigo “arquipélago”, intensificando aacessibilidade entre as partes no interiorde um verdadeiro sistema de transpor-tes configurado efetivamente nos anos1950. Com a enorme expansão docomércio inter-regional na década de1950, a cabotagem passou a ter carátermarginal, e o caminhão tornou-se o veí-culo de transporte dominante na circu-lação interna de mercadorias (Galvão,1993, p. 278).

A partir dos anos 1960, no entanto,a integração do mercado nacional pas-sara a contar com políticas de desen-volvimento regional, mediante as quaiso Estado estimulava a industrializaçãoperiférica, através de incentivos fiscais edo apoio à implantação de plantas in-dustriais estatais e privadas. O cresci-

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mento da infra-estrutura econômica pro-movido pelo Estado contribuiu igualmen-te para o processo de desconcentraçãoindustrial: a malha rodoviária pavimen-tada federal e estadual multiplicou-sepor quatro entre 1960 e 1970. A partirdos anos 1970, verificou-se, portanto,uma tendência à desconcentração indus-trial no espaço territorial, com um au-mento simultâneo da heterogeneidadeintra-regional, dados os diferentes tiposestabelecidos de integração ao mercadonacional. A articulação, até então apenasde natureza comercial, foi complemen-tada por uma articulação propriamenteprodutiva entre os espaços subnacionais.Capitais transferiram-se para as regiõesmenos industrializadas na busca de novasfrentes de investimento e de ocupaçãode espaços econômicos. A disponibilida-de de recursos naturais e a configuraçãoda ação indutora do Estado foram oselementos determinantes da mobilida-de dos capitais (Guimarães Neto, 1995,p. 14). A circulação de mercadorias fez-se então acompanhar por uma crescentearticulação dos capitais no espaço inter-regional, configurando uma lógica deacumulação cada vez mais integrada,que tornou as economias regionais maiscomplexas e internamente mais hetero-gêneas. Entre 1970 e 1980, o númerode áreas industriais com mais de 10 milpessoas ocupadas subiu de 33 para 76em todo o país. Verificou-se também umprocesso de reversão do movimento depolarização na Área Metropolitana deSão Paulo, cujas participações no em-prego e na produção industrial caíramde 34% e 44%, respectivamente, para28% e 29% entre 1970 e 1985 (Cam-polina Diniz, 1996, p. 84).

O que se observou, a partir de 1970,foi o incremento da influência do co-mércio internacional no dinamismo dasregiões produtoras. No início dos anos1970, o desempenho exportador esteveassociado aos estímulos fiscais e finan-ceiros governamentais, enquanto nosanos 1980, à retração do mercadointerno e à instabilidade econômica.Transformou-se paralelamente a intensi-dade relativa das relações da economiapaulista com o conjunto da economianacional, tendo a primeira, entre 1975e 1985, se “extrovertido” progressiva-mente em direção ao mercado interna-cional e se “fechado” relativamente àsdemais regiões brasileiras (Diniz e San-tos, 1993, apud Guimarães Neto, 1995,p. 24-26). Mas, mesmo sem significarainda uma desarticulação da economianacional e de seu mercado interno, aredução da articulação comercial deSão Paulo com o mercado nacional in-dicou que, a partir dos anos 1980, novasformas de articulação espacial da eco-nomia começavam a se instaurar.

Nos anos 1990, a política de aber-tura comercial e a priorização dada àchamada “inserção competitiva” do paísromperam com o processo de consti-tuição de uma base econômica nacio-nalmente integrada que desconcentravaatividades ao longo dos espaços perifé-ricos. A globalização parece ter vindo,assim, reforçar as tendências à especia-lização regional: as empresas passarama adotar estratégias de localização nor-teadas pela oferta de recursos humanosqualificados, pela proximidade com oscentros produtores de tecnologia, pelamaior e mais eficiente dotação de infra-

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estrutura econômica e pela proximidadecom mercados consumidores de maisalta renda. Foram-se, ao longo dos anos1990, evidenciando focos dinâmicos emdiferentes pontos situados no interiordas macrorregiões brasileiras, refletindoo caráter espacialmente seletivo dos in-vestimentos que delinearam a divisão dotrabalho entre as regiões e definindouma tendência à reconcentração geo-gráfica da produção na região que vaido centro de Minas Gerais ao nordestedo Rio Grande do Sul. É nesse subes-paço que começam a surgir novas áreasindustriais localizadas em cidades mé-dias, caracterizadas por uma forte inte-gração produtiva e comercial numa redeintra e inter-regional (Campolina Diniz,1996, p. 100).

Ao longo do século XX, a distribuiçãoespacial das atividades esteve associadaao extremamente marcante processo deurbanização da sociedade brasileira. Aproporção da população residente nascidades quase dobrou entre 1960 e2000: representando 44,67% da popu-lação brasileira total em 1960, a popu-lação urbana passou a representar 82%no ano 2000. Do ponto de vista de suasimplicações espaciais, o processo de ur-banização ocorreu a partir de dois mo-vimentos simultâneos: a criação de novascidades e o crescimento contínuo dasexistentes (Brasil, 1995, p. 30). Expres-são desses movimentos foi o aumentodo número de cidades com mais de 500mil habitantes, que de três em 1940,apenas no Sudeste e no Nordeste, pas-sou para 17 em 1996, em todas as gran-des regiões do país (Unicamp/Ipea/IBGE,1999, v. 1, p. 323).

Durante o período 1940-1970, houveum crescimento contínuo e expressivoda participação das cidades de maiortamanho na população urbana e total.Na década de 1970, verificou-se umainterrupção dessa tendência e na déca-da de 1980, uma inversão da mesma(Martine, 1995, p. 78). Também nessadécada ocorreu uma mudança no pa-drão de urbanização brasileiro, dado oarrefecimento da migração rural-urbanae inter-regional, especialmente na regiãoSudeste. Foi notável o crescimento dasáreas rurais, das localidades pequenase da rede urbana nordestina. Foi impor-tante no período, também, a reduçãodo processo de “metropolização” demo-gráfica, ou seja, caiu a participação docrescimento das regiões metropolitanasno crescimento demográfico total dopaís. Paralelamente ao declínio do pro-cesso de concentração em grandes cida-des, observou-se uma “periferização” docrescimento demográfico – a taxa decrescimento dos municípios periféricosfoi significativamente superior à de seusrespectivos municípios núcleos. Tais pro-cessos eram explicados pela desconcen-tração industrial, a chamada “contra-urbanização” (tendência de procurarresidência e trabalho fora das grandescidades), pela queda da fecundidade epelo efeito cumulativo da ocupação dasfronteiras com a constituição de cida-des distribuídas no interior do territórionacional (ibid., p. 83).

É igualmente a partir dos anos 1980que se configura no Brasil uma redeurbana bem estruturada, na qual o fe-nômeno da primazia, ou seja, da grandedominância de uma só cidade sobre

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outras no âmbito intra-estadual, quasedesaparece.

Nas três últimas décadas do séculoXX, as cidades médias brasileiras – cidadescom população entre 100 mil e 500 milhabitantes – absorveram os fluxos migra-tórios que anteriormente dirigiam-se paraas grandes metrópoles. Dessa forma,contribuíram fortemente para a configu-ração de uma rede urbana menos polari-zada. Contribuiu também para essa novaconfiguração a criação de pequenos nú-cleos urbanos em áreas de fronteira deocupação e de fronteira de moderniza-ção, a partir de dinâmicas desencadea-das por empresas dedicadas à valorizaçãofundiária através de loteamentos urba-nos em áreas de expansão agrícola,como é o caso de vários núcleos ligadosà valorização do cerrado baiano. Outrascidades pequenas se reinseriram de modosingular na rede urbana globalizada pormeio da especialização em atividadesvoltadas para a moderna agricultura pra-ticada em seu hinterland, procedimentoque lhes conferiu um caráter de “cidadesno campo” (Correa, 1999, p. 47).

O papel “amortecedor” das cidadesmédias atenuou-se, porém, ao longo dosanos 1990. Diferentemente da décadade 1980, as regiões metropolitanas cres-ceram nos anos 1990 em ritmo superiorao do conjunto do país. Apesar de ascidades médias terem crescido em ritmomais acelerado que o de crescimento dasregiões metropolitanas, esse diferencialcaiu em relação ao período 1980-1991.A preferência governamental pelo apoioao escoamento de produtos exportá-veis, a perda de capacidade de investi-

mento público, a busca de efeitos deproximidade e de economias externaspelas empresas envolvidas na produçãoflexível, são fatores que parecem tercontribuído para fortalecer novamente,nos anos 1990, o papel dos grandescentros (Andrade e Serra, 2000).

Durante os anos 1980 e 1990, omaior grau de abertura da economiaconcorreu para um aumento na hetero-geneidade econômica e social do país epara uma mudança no padrão de mobi-lidade da população, que alteraram con-seqüentemente a configuração do sistemabrasileiro de cidades. Entre as principaistransformações observadas na rede urba-na brasileira na passagem do século XXI,aponta-se a criação de novos centrosurbanos em associação com a industria-lização do campo, tais como centros decomercialização e beneficiamento daprodução agrícola, de distribuição varejis-ta, de prestação de serviços ou de reservade força de trabalho temporário. Am-pliou-se assim o número de cidades quefuncionam como centros de drenagemde renda fundiária vinculada às atividadesassociadas à modernização do campo.Tornaram-se, em contrapartida, maiscomplexas as funções urbanas e as intera-ções entre centros de tamanhos distintoslocalizados em regiões diferentes. A essasinterações múltiplas entre diferentes cir-cuitos urbanos soma-se o aparecimentocrescente de espaços vazios ou subocupa-dos que expressam a relativa desvincula-ção entre as dinâmicas urbanas e o campocircundante (Correa, 2001, p. 10-12).

As novas atividades industriais ten-deram a se localizar fora das áreas metro-

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politanas, em função da crescente dis-posição empresarial de evitar as deseco-nomias de aglomeração. Muitas cidadespequenas e médias cresceram no perío-do em razão do desenvolvimento daagroindústria, da agricultura irrigada eda urbanização de fronteira, o que, jun-tamente com a desestabilização da agri-cultura familiar, estimulou a migração decurta distância como alternativa ao des-locamento até então corrente para asgrandes metrópoles, onde a partir dofinal dos anos 1980 concentraram-se osefeitos danosos da reestruturação pro-dutiva sobre o mercado de trabalho. Astendências à desconcentração da eco-nomia – verificada nos anos 1980 so-bretudo pela interiorização da indústriapaulista – a par com o menor ritmo decrescimento das aglomerações urbanasmetropolitanas contribuíram para a con-figuração de uma rede de cidades maisdispersa e relativamente desconcentrada(Unicamp/Ipea/IBGE, 1999, v. 1, p. 11).Com exceção da região Nordeste, ondeo crescimento de algumas áreas metropo-litanas revelou-se ainda elevado nos anos1980 e 1990, as cidades de porte médioapresentaram taxas médias de crescimen-to superiores às das metrópoles. As ten-dências à terceirização e à precarizaçãodo trabalho nas grandes cidades não sóbloquearam a mobilidade para os gran-des centros como incentivaram migraçõesde retorno, contribuindo para a consoli-dação de um subsistema de aglomera-ções urbanas não-metropolitanas.

Apesar de as metrópoles continua-rem concentrando volumes expressivosde população, elas perderam peso nasúltimas duas décadas para algumas aglo-

merações urbanas como Campinas eVitória, bem como para um certo nú-mero de centros urbanos com mais de100 mil habitantes (ibid., p. 23). Verifi-cou-se, assim, um crescimento popula-cional mais significativo nas antigasperiferias econômicas e nos centros ur-banos médios, e a urbanização esten-deu-se em direção ao oeste. Novasaglomerações urbanas foram tambémincorporadas à rede urbana nacional,que foi adquirindo complexidade cres-cente (ibid., p. 292). Tal complexidadereside não só na constituição estruturalda trama da rede como na própria con-figuração socioespacial interna às cida-des. De um lado, um certo número denúcleos urbanos relativamente peque-nos caracterizam-se por abrigar grupospopulacionais plenamente integrados aomercado nacional, seja por seu padrãode consumo, seja por suas articulaçõescom os circuitos produtivos e culturais.De outro lado, os grandes e médios cen-tros urbanos são progressivamente atra-vessados por processos de diferenciaçãosocial e segmentação socioespacial, abri-gando significativos contingentes sociaisde excluídos dos processos de moder-nização. Essas dicotomias internas àscidades rebatem-se, por certo, sobre aprópria rede urbana, que passa a ex-primir a articulação predominante daspartes modernas e monetariamente in-tegradas das cidades e de seus segmen-tos sociais de mais alta qualificação erenda, mais suscetíveis de se vincularemaos circuitos extrovertidos e globalizadosda acumulação. Parcelas significativas daspopulações das metrópoles e das gran-des cidades se ligarão, por sua vez, aoscircuitos do trabalho informal, da mo-

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radia de risco e do acesso precário àsinfra-estruturas urbanas.

A dinâmica espacial dos sistemasurbanos, de acordo com os resultadosda pesquisa Caracterização e Tendênciasda Rede Urbana do Brasil, compreendeos seguintes processos articulados (ibid.,p. 380):

a) o adensamento no entorno dos nú-cleos metropolitanos ou centrosurbanos de grande porte que enca-beçam os sistemas;

b) a expansão de suas áreas de in-fluência para além dos limites políti-co-administrativos das unidadesfederativas originais;

c) a conformação de novos sistemas apartir da consolidação de centros depolarização emergentes, principal-mente nas áreas de povoamentorecente, como é o caso de Cuiabá;

d) um processo de metropolização di-ferenciado, abrangendo desde sis-temas macrocefálicos como o do Riode Janeiro até um sistema articuladode centros regionais como o nuclea-do por São Paulo;

e) a dispersão espacial de pequenoscentros urbanos, responsável pelaorganização do espaço nas áreasabertas recentemente na fronteirade recursos, notadamente na regiãoCentro-Norte.

A dinâmica espacial supracitada con-corre para a configuração de uma dis-

tribuição espacial de densidades popu-lacionais urbanas bastante diferenciadano interior do território nacional. Pode-mos identificar a distribuição dessas den-sidades a partir da configuração dasaglomerações urbanas metropolitanas enão-metropolitanas delineadas pela pes-quisa referida. No interior dessas aglome-rações, encontraremos distintos padrõesde distribuição das densidades, a saber:

a) núcleos de alta densidade popula-cional com municípios do entornocujas densidades populacionais lhessão ainda superiores. É o caso deSão Paulo, que tem em seu entornomunicípios de densidade populacio-nal ainda maiores, como Diadema,Osasco, São Caetano do Sul e Ta-boão da Serra, e o do Rio de Janeiro,que tem em seu entorno municípiosmais densos, como os de São Joãode Meriti, Nilópolis e Belford Roxo.Essa configuração aplica-se tambémaos casos de Santos e de Campinas(com densidades menores e apenasdois municípios de entorno compa-rativamente mais densos), de Belém,de João Pessoa e de Maringá (comdensidades mais baixas e apenas ummunicípio do entorno com densida-de comparativamente maior que onúcleo da aglomeração);

b) aglomerações formadas por umconjunto de municípios de densida-de moderada e de níveis similaresentre si, tal como a aglomeração nu-cleada por Porto Alegre, que tem emseu entorno os municípios de Alvo-rada, de Esteio, de Canoas e deCachoeirinha. Esse seria também o

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94 As cidades e as apropriações sociais das mudanças climáticas

caso das aglomerações de Londrina,de Caxias do Sul e de São José dosCampos;

c) aglomerações formadas por um nú-cleo denso e por um subcentro demenor densidade demográfica. Sãoos casos das aglomerações urbanasde Salvador, de Belo Horizonte, deFortaleza, de Curitiba, de Goiânia,de Vitória e de Jundiaí;

d) aglomerações em que o núcleo nãotem nenhum subcentro significativoem seu entorno, como São Luís,Maceió, Natal, Aracaju e RibeirãoPreto.

Se considerarmos os dois primeirospadrões de distribuição de densidadesdemográficas em aglomerações urbanas,veremos que eles pressupõem dinâmi-cas de deslocamento intra-aglomeraçãodistintos. Se a existência de uma aglome-ração densa pode sugerir menores dis-tâncias/tempos de deslocamento entreresidência e trabalho, os níveis muitoelevados de densidade podem, ao con-trário, sugerir maiores possibilidades decongestão de tráfego, tempos maioresde deslocamento e maiores dispêndiosem energia com o transporte. A Pesquisasobre Padrões de Vida, para 1996-1997, realizada pelo IBGE em seis re-giões metropolitanas, três do Sudeste etrês do Nordeste, mostrou que 36,4%dos indivíduos vão a pé ao trabalho,enquanto 24,8% utilizam transportecoletivo e 14,3%, carro ou moto. A pes-quisa mostrou também que na regiãometropolitana de São Paulo os indiví-duos que usam transporte coletivo para

ir ao trabalho despendem o tempomédio de 63 minutos; na região metro-politana do Rio de Janeiro, esse tempoé de 54 minutos, e na de Belo Horizon-te, de 47 minutos. Nas cidades do Nor-deste, onde as densidades populacionaissão menores, o tempo médio é de 52minutos em Fortaleza, de 42 minutosem Recife e de 39 minutos em Salvador(IBGE, 1999, p. 140-141). Em SãoPaulo, Rio de Janeiro, mas também emSantos e Campinas, a existência de umcerto número de subcentros mais den-sos do que o próprio núcleo da aglo-meração urbana sugere, mais do que ajustaposição de várias cidades compac-tas com predominância da mobilidadeintra-urbana de curta duração, a preva-lência de estruturas estabilizadas, em queas dinâmicas imobiliárias no núcleo daaglomeração repelem as populações demenor renda para subcentros de seuentorno, pressupondo a incidência dedeslocamentos constantes de trabalha-dores entre esses subcentros e o núcleoda aglomeração. Tal não seria o caso,por certo, do segundo padrão de distri-buição de densidades populacionaissupramencionado, configurado pelasaglomerações urbanas de Porto Alegre,de Londrina, de Caxias do Sul e de SãoJosé dos Campos, onde a maior mode-ração e a homogeneidade espacial dasdensidades populacionais urbanas entreos diferentes municípios sugeririam aprevalência de maior grau de compacta-ção na dinâmica residência-trabalho,basicamente intramunicipal, e, conse-qüentemente, a possibilidade de quesejam menores os dispêndios em ener-gia no sistema de transportes.

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95Henri Acselrad

A configuração das sub-redes urba-nas mais adensadas, que concentramparte considerável das populações e ativi-dades econômicas nas cidades brasileiras,parece, portanto, combinar os processosde periferização do crescimento demo-gráfico e de metropolização da pobreza,

concorrendo para aumentar o númeroe o tempo dos deslocamentos entre oslocais de residência da população traba-lhadora e seus locais de trabalho, e ali-mentando permanentemente, pode-sesupor, a importante participação dostransportes nas emissões de CO2.

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

É preciso reconhecer a dificuldade defazer uma sociologia da disputa energé-tica planetária, que subjaz ao debatesobre mudanças climáticas e sobre suasimplicações para os padrões de urbani-zação hoje vigentes. O campo de forçaspertinente é multiescalar, o jogo de esca-las é pouco estável, “glocal” como dizemalguns num esforço de captar essa dinâ-mica e essa complexidade interescalaresou de considerar a “política de escalas”,como o geógrafo Swyngedouw (2004).Os climatologistas não conseguem en-xergar, por exemplo, os gradientes devariação da vegetação sob a ação dedesmatamento, que os biólogos obser-vam em escala micro. O mesmo pode-mos dizer das alianças e estratégias deatores sociais que se configuram nessecampo, como construir um quadro sis-temático de análise capaz de explicar acircunstancial aliança entre os interessespetrolíferos dos EUA e a agroindústriacanavieira brasileira em torno ao etanol,sem fazer intervir também o fator con-juntural da linha de ação do governoChávez na Venezuela? E tudo isso apre-sentado em nome do equilíbrio climáticoe do bem comum: ou seja, interesseseconômicos e geopolíticos em jogo legi-

timam-se tendo por base os relatórios doIPCC – o Painel Internacional da Mudan-ça Climática. A análise deveria conside-rar, pois, o modo social como “se fechao problema” da mudança climática – ouseja, o modo como os discursos a consti-tuem como objeto de política para podersupô-la solúvel, legitimando as soluçõespropostas (Hajer, 1995).

Cabe considerar, para tanto, a dis-cussão em curso entre os autores daSociologia da Ciência Ambiental, quesublinham, por um lado, a historicidadede seu objeto e, por outro, os problemasassociados aos usos sociais da incerteza(Winnie, 1994; Fabián, 1997). Quantoao primeiro aspecto, na imbricação dasocionatureza em movimento, cabe re-conhecer as múltiplas escalas de obser-vação e considerar os enunciados emvinculação a seus contextos: admitem-se respostas múltiplas a uma mesmaquestão. Só recentemente, por exemplo,o conceito de sistema terrestre, na clima-tologia, incorporou os sistemas sociais, as-sumindo comportamentos não-linearesna interação dinâmica entre todos osdiferentes elementos do sistema. Há, éclaro, aspectos éticos e políticos envol-

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vidos na discussão, mas também ques-tões propriamente epistemológicas: aevidenciação da incerteza, sustenta Fa-biani, não exprime o reconhecimentode uma impotência do saber racional,mas sim uma redefinição de seus crité-rios de produtividade – reconsidera-se,assim, o que se pode esperar socialmen-te da produção científica. É preciso re-conhecer que a controvérsia científica(demanda por conhecimento) tem tem-poralidade distinta da controvérsia po-lítica (demanda por ação) e que o saberespecializado não é mais capaz, por sisó, de fechar o debate no interior daprópria ciência, mas sim de abrir o de-bate sobre valores. As condições de va-lidade e os compromissos sociais emorais da ciência expõem-se, pois, àdiscussão pública (ibid.).

Há, por outro lado, também interes-ses envolvidos na própria controvérsiacientífica – uma indústria do conheci-mento e grupos de peritos pressionamos governos para abrir mercados paraseus serviços. Com base na incerteza, apesquisa científica dita “dura” tende asugerir políticas “intensivas em pesquisa”e soluções meramente tecnológicas, viade regra sob hegemonia do complexotécnico-industrial das economias centrais(Boehmer-Christiansen, 1995). Comosabemos, as inovações ligam problemasa soluções, mas os processos políticos éque as fazem necessárias.

Isso posto, quais os contextos dosenunciados e diagnósticos correntes re-

lativos às mudanças climáticas? No quediz respeito às relações Norte-Sul, estãoem jogo as formas de integração daseconomias periféricas no mercado mun-dial: vemos culpar-se ora “o Sul” ora “oNorte” – ou seja, manifesta-se, por umlado, um neomalthusianismo animadopor conservadores e mesmo por um certoambientalismo dos países industrializados(a culpa seria “do bebê indiano”) versus,por outro, um desenvolvimentismo pró-prio aos países menos industrializados:alegando-se um déficit de “pegada eco-lógica” com relação à dos países maisindustrializados, reivindica-se o direito depoluir. No seio dos países menos desen-volvidos, os atores sociais hegemônicosculpam os pobres (“atrasados”, impedemas barragens de energia dita “limpa” edesmatam, emitindo gases-estufa; além,é claro, de “travar o desenvolvimento”);ambientalistas e críticos do modelo dedesenvolvimento acusam os ricos (usamenergia para consumo de luxo) ou obloco de poder, que faz da idéia de de-senvolvimento no Sul uma forma de ex-portar energia barata para as economiasdo Norte. No seio dos países mais indus-trializados, por sua vez, críticos do mo-delo industrialista energético-intensivoculpam os capitais que detêm o controleda indústria de combustíveis fósseis eafirmam que, quando ocorrem catástro-fes climáticas, os pobres pagam o preçodo consumismo dos ricos, como, porexemplo, no caso do furacão Katrina pa-garam os custos da concentração dos re-cursos públicos na invasão do Iraque 15.Eric Klinenberg mostrou como na seca

15 No caso do furacão Katrina, é sabido que os planos de evacuação não deram atenção àpopulação “com baixa mobilidade” – fatores como raça e classe foram considerados dimen-sões fundamentais da catástrofe.

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de 1995 em Chicago os negros pobresmais idosos, socialmente isolados e des-providos de recursos foram as vítimasfatais (Dreier, 2005). Pesquisas recentesno Brasil revelam como as populaçõesde mais baixa renda são as mais ambien-talmente desprotegidas, sujeitas às maisvulneráveis condições de habitação e ainundações e doenças (Fonseca Alves,2007). Assim como no caso do tsunamide dezembro de 2004, em que nãohouve qualquer plano de emergênciapara os países asiáticos menos desen-volvidos. Katrina, tsunami e outras nãosão manifestações comprovadas doaquecimento global, mas servem paraexemplificar a socionatureza da chama-da “injustiça climática”, expressãoatmosférica da injustiça ambiental. Pode-se supor, de forma plausível, que osagentes hegemônicos tenham, com re-lação aos males das mudanças climáticasprevistas pelos modelos matemáticosclimatológicos, padrões de comporta-mento análogos aos que têm demons-trado ante as catástrofes climáticas jáocorridas.

Seja no âmbito das relações Norte-Sul, seja nas lutas socioterritoriais emcurso no seio dos países industrializadosou no dos menos industrializados, vemosum processo diversificado de apropria-ção social do fato científico. Nas esferaspolíticas, ainda parecem contar poucoas evidências do Painel Intergoverna-mental em Mudança do Clima (IPCC,na sigla em inglês), assumidas basica-mente por certos países europeus comolegítimas e merecedoras de orientar al-gumas mudanças nas políticas (ou entãode justificar práticas, por outras lógicas

questionadas, como a da energia nuclearno caso francês).

No ano de 2007, governantescomo George W. Bush e Lula passarama apresentar-se como ambientalmentepreocupados quando o argumento eco-lógico pôde justificar lucros para os capi-tais, divisas para o equilíbrio monetário,promessa de empregos para os eleitoresou força suplementar na trama geopo-lítica. Há indícios mesmo de que o ar-gumento ecológico só tenderia a serabraçado por forças hegemônicas quan-do pudesse servir como reforço aos mo-delos de dominação vigentes – fundadosno agronegócio canavieiro, na energianuclear e na hidroeletricidade, porexemplo. No Brasil, pouco se avançouno campo das energias alternativas, daeficiência energética e da repotenciaçãode usinas instaladas, entre outros. É sin-tomática a enunciação recente, por umaautoridade do setor elétrico, da vigênciade um chamado “paradoxo ambiental”segundo o qual o “burocratismo” dosórgãos de licenciamento ambiental “temfeito com que seja mais simples produzirenergia elétrica queimando carvão epetróleo, que contribuem para o efeitoestufa, do que utilizando água” (Inves-timento em poluição, 2007). Percebe-se aqui o recurso a uma sutil chantagemdo efeito estufa, via ameaça de multi-plicação de usinas termoelétricas, tantopara favorecer a desmontagem do siste-ma de licenciamento ambiental brasileirocomo para responsabilizar quilombolas eíndios pelo aquecimento global, em razão,no caso, de estes contestarem a constru-ção de hidrelétricas no rio Madeira.

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98 As cidades e as apropriações sociais das mudanças climáticas

Há, pois, por um lado, por parte dasforças hegemônicas, uma “irresponsa-bilidade organizada”, diria Ulrich Beck(1992), mas “classista”, acrescentariaMike Davis: poucos recursos são destina-dos para proteger ou remediar o riscosofrido por grupos sociais “menos mó-veis” – pobres, negros e minorias étni-cas –, acusados como são “de saber quemoram em áreas arriscadas e de quererque os contribuintes paguem por suaescolha residencial” (tal como expressono jornalismo televisivo dos EUA emmatérias posteriores ao furacão Katrina)(Davis, 2007). Parece vigorar uma es-pécie de percepção confiante de que osmales atingirão apenas os mais despos-suídos. Uma espécie de Nimby (“não nomeu quintal”) exclusivo das elites, ouseja, mecanismos pelos quais os toma-dores de decisão detêm os meios de sedistanciar das conseqüências ecológicasde suas próprias ações. Mais que isso,em tempos de liberação das forças demercado, observa-se uma apropriaçãoda denúncia ambientalista do capitalis-mo e do modelo vigente de negóciospara fins de dinamizar o capitalismo eos negócios – após o furacão Katrina,por exemplo, as ações das empresas queganharam contratos para a limpeza e areestruturação das áreas afetadas – asmesmas que atuam no Iraque – eleva-ram-se em 10%.

Steve Erie da Universidade da Cali-fórnia assinala como a expansão imobi-liária no sudoeste dos EUA e na BaixaCalifórnia está comercializando milharesde km2 na frágil ecologia dos desertos,apostando no aumento tendencial doscustos da água e em sua dessalinização

para abastecer a suburbanização des-controlada que promove (ibid.). Ouseja, o ônus do ajuste do novo ciclo cli-mático e hidrológico, sustenta Mike Davis,cairia, nessa região, sobre os ombros dosgrupos subalternos, notadamente dostrabalhadores rurais imigrantes cujo fluxopara os EUA tenderia a aumentar, justi-ficando acusações de estarem indo “rou-bar a água dos americanos” (ibid.). Essetipo de processo em que os custos dadegradação ambiental são concentradossistematicamente sobre os mais despos-suídos, ainda mais quando parte dosinteresses dominantes consegue auferirlucros com essa degradação, é compa-tível com o entendimento dos movimen-tos sociais ditos de “justiça ambiental”:segundo eles, pode-se pressupor quenão haverá nenhuma iniciativa dos po-derosos para enfrentar os problemasambientais, enquanto for possível con-centrar os males deles decorrentes nosmais pobres. Seu corolário é que todosos esforços deveriam ser concentradosna proteção ambiental dos mais pobres,de modo que, interrompendo-se a trans-ferência sistemática dos males, as elitesvenham a considerar seriamente a neces-sidade de mudar modelos de produçãoe consumo. Nessa ótica, por exemplo,quilombolas e indígenas do Madeira, aocontrário do que propugnam represen-tantes de empreiteiras e desenvolvimen-tistas pouco reflexivos, estariam na linhade frente do combate contra o aqueci-mento global, favorecendo, por sua resis-tência, energias alternativas e eficiênciaenergética.

A pesquisa relacionada às mudançasclimáticas desenvolvida na Comunidade

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99Henri Acselrad

Européia só começou a tratar dos aspec-tos tecnológicos, sociais e econômicosrelevantes, para apoiar a formulação depolíticas, inclusive com a definição dofoco na eficiência energética, como re-sultado da politização do efeito estufaem 1986. Para a formulação de políticasde combate às mudanças climáticas, esseefeito ambiental teve de ser traduzidonos termos de um problema “tratável”e politicamente “administrável” (Libera-tore, 1994, p. 192). Dessa forma confi-gurou-se o procedimento chamado porHajer de “fechamento do problema”,segundo o qual os discursos constituema mudança ambiental como objeto depolíticas, de modo a poder apresentá-la como passível de solução (Hajer,1995). A transformação de evidênciasclimatológicas nos termos de uma tramapolítica passou assim pela seleção deações relativas à busca de eficiênciaenergética, o que permitiu que fossemassociados os esperados benefícios am-bientais à obtenção simultânea de bene-fícios econômicos.

Buttel e Taylor sustentam que, apósum período inicial de “lua de mel” du-rante o final dos anos 1980, a modela-gem do clima global, as estimativas deperda de biodiversidade e outros estu-dos das implicações das mudanças am-bientais tornaram-se objeto das disputascientíficas e, conseqüentemente, políti-cas. Segundo eles, prevaleceu por muitotempo uma

construção moral dos problemasambientais globais que enfatiza ointeresse comum nos esforços de seuenfrentamento, desviando a aten-

ção das dificuldades políticas resul-tantes da diversidade de interessessociais e de nações envolvidos nesteenfrentamento. (Buttel e Taylor, 1992,p. 406)

Já em 1988, o relatório SwedishPerspective on Human Dimensions ofGlobal Change chamava a atenção paraos processos de construção social doconhecimento científico sobre mudançaglobal, destacando o papel da história eda cultura na definição dos temas cien-tíficos e políticos. É nesse contexto deconstrução social do problema que, em1992, o relatório da U.S. National Re-search Council sobre mudanças am-bientais globais destacava “a importânciada Geografia, das distâncias entre os as-sentamentos humanos – e da Demogra-fia –, por exemplo, da dispersão daspopulações em subúrbios, na determi-nação do padrão de consumo energé-tico” (U.S. National Research Council,1992).

Em analogia com o que se verificouna experiência européia, caberia per-guntar de que dependeria a construçãodessa “administrabilidade” das mudan-ças ambientais num país como o Brasil.Parece relativamente pequena a presen-ça de justificativas relacionadas a mu-danças climáticas no debate brasileirosobre políticas urbanas. Essas políticasnão parecem estar integrando de formasubstantiva os temas políticos nos quaistêm sido traduzidas as questões dasmudanças climáticas globais no país.

Segundo pesquisa citada pelo TheEconomist, a qualidade do ar começa

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100 As cidades e as apropriações sociais das mudanças climáticas

a tornar-se preocupação de política pú-blica a partir do momento em que o PIBpor habitante alcança 5 mil dólares. Po-deríamos disto inferir que os baixos ín-dices de desenvolvimento inibem a lutacontra a poluição? (Bindé, 1998, p. 105).Se considerarmos, hipoteticamente, quetal correlação possa ser estendida aosproblemas menos imediatamente visí-veis como o das mudanças ambientaisglobais, seria esperável que a mobiliza-ção sociopolítica em torno a tal temavenha a crescer paralelamente ao cres-cimento da renda per capita. Tal mobi-lização pode associar-se, como vimos,ao eventual envolvimento de elites urba-nas que venham a distinguir nos impac-tos das mudanças globais um problemaque lhes diga respeito, que pareça afetarsubstancialmente seus projetos, que con-figure motivo suficiente para engajar asua capacidade de se fazer ouvir na es-fera pública. Nada impede, porém, querepresentações de setores popularestambém distingam e ponham em evi-dência as articulações globais de lutaslocais – notadamente por moradia se-gura, saneamento urbano e transportecoletivo apropriado – por eles desenvol-vidas no meio urbano. A experiênciapregressa de Chico Mendes e das arti-culações ambientais globais das lutas dos

seringueiros na Amazônia sugere não serimpossível que o mesmo venha a acon-tecer com movimentos sociais urbanos.

Em sua parábola da Ética do BoteSalva-Vidas, o ecólogo Garret Hardinsimulava uma situação futura, segundoele previsível, em que, dado o crescimen-to incontrolável de população, a nave-terra deveria escolher a quem reservaros poucos lugares disponíveis nos botessalva-vidas (Hardin, 1974). Hardin, numaperspectiva claramente social-darwinista,sustenta que seria lógico reservá-los aosque, na humanidade, mais tenham acu-mulado tecnologia e civilização – ou seja,a seu ver, as populações dos países maisindustrializados. As populações “menosprodutivas” deveriam, supõe-se, serdeixadas ao largo. A relutância das elitesem assumir medidas compatíveis como princípio de precaução em matériaclimática parece sugerir que a Ética doBote Salva-Vidas encontra-se hoje emoperação. Seja nos bairros negros deNova Orleans, nas zonas em vias de de-sertificação da África, nas moradias derisco no Brasil ou, ainda que sob pre-tensas razões ecológicas, nos processosextenuantes de trabalho observados noscanaviais brasileiros.

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ResumoResumoResumoResumoResumo

O texto procura discutir a natureza dosimpactos ambientais da urbanização deforma ampla e relacional. Considerandoas distintas apropriações sociais dos fatoscientíficos e os modos sociais de cons-trução do problema da mudança climá-tica, são revistas as relações gerais que apesquisa estabelece entre a forma urbanae o clima. A configuração espacial dossistemas urbanos do Brasil é tratada, emparticular, do ponto de vista dos efeitosda densificação ou do espraiamento, as-sociados aos padrões de distribuição daspopulações urbanas, sobre as dinâmi-cas climáticas.

PPPPPalavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chave: mudança climática, ur-banização, meio ambiente urbano, formaurbana.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract

The article discusses the nature of envi-ronmental impacts of urbanization in alarge and relational scope, consideringurbanization process as constitutive of anetwork-archipel of big metropolis,nodes of multiple production and ex-change flows, trends observed at globallevel since the last decades of the XXthcentury. The spatial configuration ofBrazilian urban systems is treated, par-ticularly, from the point of view of theeffects of densification or sprawl associ-ated to the patterns of distribution ofurban population on climatic dynamics.

KeywordsKeywordsKeywordsKeywordsKeywords: climate change, urbanization,urban environment, urban form.

Henri AcselradHenri AcselradHenri AcselradHenri AcselradHenri Acselrad é professor do IPPUR/UFRJ, pesquisador do CNPq, editor daRevista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, co-editor (com Bruce Stiftel eVanessa Watson) do Dialogues in Urban and Regional Planning e organizador deConflitos Ambientais no Brasil.

Recebido em outubro de 2006. Aprovado para publicação em novembro de 2006

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 1, 2006, p. 107-138

Logística territorial edesenvolvimento local: viabilidadede implantação de uma PlataformaLogística em Juiz de Fora - Minas Gerais

Suzana Quinet de Andrade BastosFernando Salgueiro Perobelli

Introdução

O objeto deste trabalho é a cidade deJuiz de Fora - MG. Juiz de Fora foi umacidade com enorme dinamismo econô-mico e com grande perspectiva de cres-cimento (Manchester Mineira) no finaldo século XIX e início do século XX,centrados na indústria têxtil. A partir dofinal dos anos 1930, a economia infle-xiona e vai, aos poucos, entrando numarota de desaceleração industrial e declí-nio econômico. Para reverter essa ten-dência, três políticas de intervenção doestado na atividade econômica foramaplicadas na cidade.

Na década de 1970, negociaçõespolíticas, reforçadas por incentivos fiscaise creditícios concedidos pelos governosfederal, estadual e municipal, foram im-portantes para atrair para a cidade dois

investimentos de vulto do setor meta-lúrgico: a Siderúrgica Mendes Júnior(SMJ), do subsetor siderurgia, e a Com-panhia Paraibuna de Metais (CPM), dosubsetor metalurgia dos metais não-fer-rosos, que entraram em operação em1984 e 1980, respectivamente.

Embora os dois projetos industriaistenham contribuído para a ampliaçãoda produção industrial, a diversificaçãoda estrutura produtiva e o aumento donível do emprego e da massa salariallocal, ambos constituíram fenômenosisolados, pois não geraram um conjuntode empresas encadeadas aos processosprodutivos que viabilizassem a expan-são do efeito multiplicador de renda eemprego no município (UniversidadeFederal de Juiz de Fora, 1994).

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108 Logística territorial e desenvolvimento local

Em meados da década de 1990 umnovo esforço de retomada do desen-volvimento econômico da cidade é rea-lizado pelos governos municipal eestadual. Essa estratégia, que se con-substanciou na vinda para Juiz de Forada montadora Mercedes-Benz, do setormetalúrgico, subsetor automotivo, seassemelhava à tentativa de dinamizaçãoda economia implementada na décadade 1970.

Apesar da grande esperança, o em-preendimento Mercedes-Benz tambémnão gerou os efeitos multiplicadores es-perados, e os impactos foram limitadosna cidade, ou seja, a nova estratégia dedesenvolvimento econômico tambémfoi incapaz de reverter a queda do pro-duto industrial (PIB) e de ampliar o nívelde emprego, logo, de modificar a ten-dência de decadência industrial de Juizde Fora (Bastos, 2004).

Se Juiz de Fora chegou a ser a cida-de mais importante do estado de MinasGerais, no final do século XIX e iníciodo século XX, em 2000 ela foi classifica-da pela Fundação João Pinheiro (2006)como a sexta no ranking dos municípioslíderes na geração do PIB do estado deMinas Gerais, tendo inclusive caído umaposição em relação ao ano de 1999. Noperíodo de um século, a cidade de Juizde Fora perdeu cinco posições em ter-mos de geração de riqueza em MinasGerais e, apesar das três tentativas dereverter a tendência de desaceleração

da economia local, encontra-se numprocesso de perda de posição relativano estado de Minas Gerais.

Juiz de Fora pode ser consideradauma cidade peculiar, uma vez que foipalco de um conjunto de estratégias dedesenvolvimento econômico a partirdos anos 1970. Acredita-se que a assimi-lação de suas particularidades permitiráidentificar possíveis caminhos a seremperseguidos pelas futuras estratégias dedesenvolvimento local.

Assim, torna-se fundamental desco-brir quais são essas particularidades, quepermitiram, por um lado, que a indús-tria têxtil se desenvolvesse no final doséculo XIX e início do século XX e, poroutro, que ela mesma fosse a escolhidapara sediar as plantas industriais dosempreendimentos Mendes Júnior, Pa-raibuna de Metais e Mercedes-Benz noúltimo quartel do século XX.

Com relação à indústria têxtil, apesarde Juiz de Fora ter sido o principal pro-dutor e exportador de café do estadode Minas Gerais1, para Giroletti (1976),a indústria mineira (têxtil) do final doséculo XIX, diferentemente da de SãoPaulo – cuja base de acumulação cen-trava-se no café –, tinha sua base deacumulação proveniente de uma estru-tura de intermediação que controlavao comércio de café e outros gênerosagrícolas, assim como a distribuição demercadorias vindas do Rio de Janeiro.

1 A Zona da Mata era responsável por 99% do café produzido em Minas Gerais em meados doséculo XIX, sendo que em 1920 ainda participava com mais de 60% do total produzido noestado. Juiz de Fora se destacava como o maior produtor da região (Pires, 1993).

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A maior concentração e acumula-ção de capital, formada pelo desen-volvimento da cafeicultura, em Juizde Fora se deve à formação de umentreposto comercial resultante doconcurso da Rodovia União e In-dústria. Esta concentração se refle-tirá no crescimento da cidade, nadiversificação da economia e noprocesso de crescimento da indus-trialização local. (Giroletti, 1976,p. 36-37)

Assim, se Juiz de Fora teve umaposição de destaque no meio industrialnacional, isto se deveu à sua localizaçãogeográfica estratégica em relação aosprincipais eixos e redes de circulação queligavam o centro de Minas Gerais aoporto do Rio de Janeiro.

A escolha locacional por Juiz de Forapara sediar os empreendimentos indus-triais da Siderúrgica Mendes Júnior e daCompanhia Paraibuna de Metais se inse-re na diretriz governamental do II PlanoNacional de Desenvolvimento (PND), oqual objetivava a correção dos desba-lanceamentos da matriz industrial brasi-leira da segunda revolução industrialmediante a construção de novas plantasindustriais sob a égide da grande empre-sa privada nacional, existente ou cons-tituída sob o estímulo do Estado.

As plantas dos projetos industriaisprioritários estariam localizadas oujunto às jazidas ou em nós de trans-portes potencializados pela explora-ção de tais recursos, notadamenteem centros urbanos de regiões pe-riféricas. (Lessa, 1978, p. 8)

Essa diretiva espacial indicava umapolítica de desconcentração produtivaem direção às regiões da periferia daeconomia brasileira e uma política dedesconcentração industrial que buscavaum equilíbrio no triângulo formado porSão Paulo, Rio de Janeiro e Belo Hori-zonte. Desse modo, Juiz de Fora foi alocalidade escolhida para sediar os em-preendimentos por ser uma cidade deporte médio, situada em região de nóde transporte e localizada geografica-mente próxima aos principais mercadosconsumidores e produtores e aos maisimportantes portos do país.

A decisão da montadora Mercedes-Benz de implantar a primeira fábrica deautomóveis fora do continente europeuem Juiz de Fora decorre da estratégiaglobal da matriz da empresa alemã,principalmente no que se refere à utili-zação de um novo conceito de abaste-cimento e de relacionamento com osfornecedores em sua nova fábrica noBrasil.

Antes mesmo dessa decisão, foraestabelecida uma parte fundamental daestratégia da empresa: a logística, cujosestudos envolveram basicamente dadossobre a malha de transportes existenteno Brasil, tanto rodoviária como ferro-viária, e informações sobre o parque defornecedores instalado no país, a fim dereduzir os custos.

Toda esta base de dados foi traba-lhada para que chegássemos a nos-so modelo de logística. Decidimosadotar uma solução diferente da deoutras montadoras, remodelando o

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110 Logística territorial e desenvolvimento local

conceito de condomínio e formandoo que chamamos de parque de for-necedores. Assim, quando veio adecisão de se construir a planta emJuiz de Fora, nós já tínhamos umaidéia bastante próxima de comoseria nossa logística para aquela lo-calidade. (Penatti Filho, 1999)

Como a logística de transporte eraessencial no processo produtivo daMercedes-Benz, a excelente localizaçãogeográfica da cidade de Juiz de Fora,próxima aos grandes centros consumi-

dores da Região Sudeste, à rede de for-necedores instalada no país e aos portosdo Rio de Janeiro e Vitória, foi funda-mental na decisão locacional da empre-sa alemã.

Assim, a especificidade da cidade deJuiz de Fora, que permitiu o grandedesenvolvimento da indústria têxtil e aimplantação das plantas industriais daSiderúrgica Mendes Júnior, da Compa-nhia Paraibuna de Metais e da Merce-des-Benz é sua excelente localizaçãogeográfica (Quadro 1).

Quadro 1: Especificidades de Juiz de Fora

Estratégias Fatores

Têxtil Localização estratégica (entreposto comercial) Anos 1970 Região de nó de transporte (II PND) Anos 1990 Centralidade geográfica (logística de transporte)

Fonte: Bastos (2004).

Nesse contexto, este trabalho buscaanalisar a viabilidade de implantação deuma Plataforma Logística em Juiz deFora à luz de sua localização e da análisedos fluxos de comércio internacional einter-regional. O trabalho será divido emuma parte teórica, na qual se resgata aimportância do transporte na análiseregional, e em uma parte empírica, naqual se verifica a viabilidade de implan-tação de uma Plataforma Logística emJuiz de Fora. Na conclusão serão feitasalgumas sugestões de políticas públicas.

O trabalho empírico foi realizado apartir da análise de dois fluxos:

a) o fluxo de comércio internacional(importação e exportação) que o es-tado de Minas Gerais realiza atravésdas vias de entrada e saída do paíslocalizadas no estado do Rio de Ja-neiro. Os dados utilizados foram cap-turados do Sistema de Análise dasInformações de Comércio Exteriorda Secretaria de Comércio Exterior(Secex), do Ministério do Desenvol-vimento, Indústria e Comércio Ex-terior (MDIC); e

b) o fluxo de comércio inter-regional(Minas Gerais x Rio de Janeiro), quefoi calculado com base na arreca-

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dação de ICMS dos respectivos esta-dos e na construção de um sistemade contas estaduais. Os dados parao período 1997-1999 foram cole-tados na literatura específica, e osfluxos para 2000-2004 foram calcu-lados pelos autores deste trabalho.

Considerar-se-á que as mercadoriasexportadas pelo estado de Minas Geraisvia Rio de Janeiro e as mercadorias im-portadas pelo estado de Minas Geraisatravés dos portos e aeroportos locali-zados no estado do Rio de Janeiro pas-sam, por via rodoviária ou ferroviária,em grande parte pela cidade de Juiz deFora.

Esse pressuposto foi baseado emRocha 2, segundo o qual praticamentetodo o escoamento de produção entreos estados de Minas Gerais e do Rio de

Janeiro ocorre via estradas de rodageme de ferro que cortam a Zona da Matamineira, passando, pois, por Juiz de Fora.Ou seja, dentro do estado de MinasGerais, as mesorregiões de Campo dasVertentes, Central Mineira, Metropoli-tana de Belo Horizonte, Noroeste deMinas, Norte de Minas, Oeste de Minas,Triângulo, Alto da Paranaíba e Zona daMata escoam suas produções para oestado do Rio de Janeiro pelas rodoviase ferrovias que atravessam a região. Asmesorregiões Sul e Sudeste de Minas,apesar de também utilizarem as estradasmineiras que cortam a Zona da Mata,utilizam principalmente as vias de trans-porte paulistas. De acordo com o autor,as únicas mesorregiões do estado quenão usam as estradas que cruzam a ci-dade de Juiz de Fora são o Vale do RioDoce, o Vale do Mucuri e o Vale do Je-quitinhonha 3.

2 Rocha, Cezar Henrique Barra (Professor da Faculdade de Engenharia da UFJF e Doutor emGeografia pela UFRJ). Entrevista concedida aos autores em 7 de março de 2006.

3 Essas regiões são responsáveis por apenas 9% do PIB de Minas Gerais (2003). Isso reforçaa importância dos fluxos entre Minas Gerais e Rio de Janeiro que passam por Juiz de Fora.

Resgate do transporte na análise regionalA teoria da localização tradicional buscadefinir as questões que afetam a decisãolocacional dos agentes econômicos. VonThunen (1826), Alfred Weber (1909),Walter Christaller (1935), August Losch(1940) e Walter Isard (1956) foram osprimeiros autores que se preocuparamcom o problema da distribuição espacialdo crescimento econômico, tendo fixa-do as bases das análises subseqüentes.Os autores enfatizam as decisões de lo-calização do ponto de vista da firma que,

levando em conta o custo de transpor-te, procura determinar a sua localizaçãoótima.

Isard, ao sintetizar as contribuiçõesde seus antecessores em um modelo deminimização de custos, adotou o míni-mo insumo de transporte como o prin-cipal elemento da escolha locacional ecomo elemento explicativo para o pa-drão de distribuição espacial das ativi-dades econômicas (Azzoni, 1982).

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112 Logística territorial e desenvolvimento local

O modelo de Isard pode ser conside-rado um aperfeiçoamento do desen-volvido por Weber, principalmenteporque ambos adotam o custo detransporte como a principal expli-cação para a escolha locacional epara o padrão de distribuição espa-cial das atividades econômicas. (Cle-mente e Higachi, 2000, p. 114)

No final do século XX, a importânciados transportes na análise regional foiresgatada por duas correntes de pensa-mento: Por um lado, a Nova GeografiaEconômica, principalmente representa-da por Krugman, propõe continuar oprojeto de Walter Isard de incluir o es-paço na teoria econômica. Para tanto oautor faz uma revisão das principais tra-dições da economia urbana e da eco-nomia regional, de forma a demonstrara importância da geografia, fundamen-talmente dos custos de transporte naestruturação do espaço.

Os custos de transporte são clara-mente cruciais; se se deseja ter umdiagnóstico completo e integrado daeconomia é necessário que os recur-sos utilizados e a renda gerada pelaindústria de transporte devam tam-bém fazer parte desse diagnóstico. 4

(Fujita e Krugman, 2004, p. 142)

Por outro lado, na evolução da Teo-ria da Localização Industrial percebe-seo avanço da própria teoria em relaçãoà logística de transportes. Atualmente,a quantidade de insumo de transporte

está vinculada ao investimento efetivoem equipamentos logísticos e aos pa-drões de produção adotados por umadeterminada indústria. As tarifas, dife-rentemente do que ocorria no passado,relacionam-se com a quantidade de in-sumo de transporte necessária, pois ograu de negociação nas tarifas de umadeterminada cadeia produtiva pode seralterado conforme se estabeleçam ou sealterem os padrões tecnológicos e, fun-damentalmente, a eficiência do meio detransporte utilizado.

A logística de transporte

A logística representa um processo de sig-nificativa importância no âmbito empre-sarial. No entanto, faz pouco tempo queos empresários compreenderam o alcan-ce de tal processo para o desempenhode suas empresas. Essa percepção de-senvolveu-se fundamentalmente após ofim da Segunda Guerra Mundial, sendoque até então os instrumentos logísticoseram basicamente utilizados e desenvol-vidos em atividades militares e no favo-recimento da exploração comercial.

De acordo com Ballou (1993), umimportante momento do processo evo-lutivo da logística empresarial refere-seà crise mundial do petróleo ocorrida nadécada de 1970. Diante dessa crise, ocrescimento de mercado começa a di-minuir, e a inflação, a aumentar, aomesmo tempo que a produtividadeavança mais lentamente. Os empresários

4 Trad. dos autores. No original: “Transportation costs are also clearly crucial; yet if one wantsto have an integrated picture of the economy, this means that the resources used and incomegenerated by the transportation industry must also be part of the picture.”

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passam a mudar seus pensamentos,deixando de trabalhar com base no es-tímulo de demanda, para focar na me-lhor administração dos suprimentos. Aelevação no preço do petróleo causaaumento nos custos de transporte, assimcomo o processo inflacionário e as forçascompetitivas de mercado promovem aascensão dos custos de capital e, por-tanto, dos custos de manutenção de es-toques. Trata-se, dessa forma, de ummomento em que as funções logísticassão afetadas, determinando sua significa-tiva importância no campo empresarial.

O advento da globalização, com aconseqüente ampliação da concorrênciaem escala mundial, em paralelo com asnovas tecnologias e formas de organi-zação da produção evidenciaram opapel estratégico da logística e o da ges-tão da cadeia de suprimentos (SCM)como fatores críticos de sucesso empre-sarial.

No início do século XXI, a logísticaempresarial pode ser definida como umprocesso que planeja, programa e efe-tua o controle do fluxo e armazenamen-to de matérias-primas, dos materiais emprocesso de acabamento ou não, e asinformações associadas a ele. Esse con-trole deve ser efetuado desde os forne-cedores primários até o consumidorfinal. Segundo Hori (2003, p. 240),

a logística envolve todas as ativida-des de movimentação do produto,desde sua fabricação ou produçãoaté o uso pelo cliente. Mas o pro-dutor, para assegurar uma entregano momento certo, precisa que seus

fornecedores também entreguemos insumos no momento certo, detal forma que a logística envolve todaa cadeia produtiva.

Um sistema logístico deve apresentaralguns componentes básicos: transporte,armazenagem, estoque, processamentode pedidos e sistema de informações,produção e compra. Para que ocorra umgerenciamento de forma integrada, alogística deve ser abordada como umconjunto de componentes interligados,ou seja, como um sistema trabalhandode forma coordenada, com o intuito dereduzir os custos e ampliar as vendas.

Além da pressão para reduzir oscustos, a pressão para agilizar o atendi-mento ao cliente (reduzir o prazo deentrega e aumentar a disponibilidade)e a pressão para customizar em massa(oferecer a uma grande variedade declientes produtos desenhados exclusiva-mente para atender às suas necessidadesespecíficas), ao menor custo total de seuscomponentes, também são fatores mo-tivadores que levam as empresas à buscacrescente pela integração das operaçõesde produção e logística (Wanke, 2004).

Assim, a meta do serviço logístico éprovidenciar bens ou serviços corretos,no lugar certo, no tempo exato e nacondição desejada ao menor custo pos-sível. Isso é feito por meio de transpor-tes, de manutenção de estoques, deprocessamento de pedidos e de váriasatividades de apoio adicionais.

Muitas empresas têm dificuldade emlidar com o processo logístico de forma

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114 Logística territorial e desenvolvimento local

clara e eficiente, o que leva várias delas acontratar empresas prestadoras de ser-viços logísticos integrados, os operadoreslogísticos. Estes, por trabalharem comprofissionais especializados, conseguemabordar com melhor clareza questõesrelativas a redução de custos, a relacio-namento com clientes, a necessidade deinvestir ou não em ativos e a aquisiçãode maior flexibilidade em operações lo-gísticas. Para Fleury (2001, p. 2),

o aumento da competição é cadavez maior, e a instabilidade dos mer-cados levou a uma crescente ten-dência à especialização, através dadesverticalização/terceirização. Oque muitas empresas buscam nesteprocesso é o foco na sua competên-cia central, repassando para presta-dores de serviços especializados amaioria das operações produtivas.Uma das principais conseqüênciasdeste movimento foi o crescimentoda importância dos prestadores deserviços logísticos.

Dentre os componentes do sistemalogístico, o transporte representa o ele-mento mais importante do custo logísti-co, pois o frete absorve dois terços dessecusto, impondo portanto sua redução.De acordo com Chopra e Meindl (2003,p. 69), “o transporte representa, emmédia, 60% dos custos logísticos, 3,5%do faturamento e, em alguns casos,mais que o dobro do lucro”. Além disso,o transporte tem um papel preponde-rante na qualidade dos serviços logísti-cos, pois exerce impacto diretamentesobre o tempo de entrega, a confiabili-dade e a segurança dos produtos.

Um sistema de transporte eficientecontribui para aumentar a competiçãode mercado. Para as empresas, é fun-damental a formação de uma rede in-tegrada de fornecedores, distribuidorese empresas de transporte, para proverprodutos onde forem necessários. Issosignifica coordenar o fluxo de produtosde vários fornecedores dispersos pelopaís e, cada vez mais, pelo mundo, afim de que cheguem até os clientes finaisnas mais distantes regiões e ao menorcusto (Novaes, 1994).

Coordenar o setor de transporterepresenta tomar decisões em relação aum amplo conjunto de fatores, as quaispodem ser classificadas como decisõesestratégicas e decisões operacionais.Quanto às estratégicas, caracterizam-sepelos impactos de longo prazo e se refe-rem basicamente a aspectos estruturais.São elas: escolha de modais, proprie-dade da frota, seleção e negociação comtransportadoras, política de consolida-ção de cargas. Já as decisões operacio-nais referem-se às tarefas do dia-a-diados responsáveis pelo transporte. Entreelas, destacam-se: planejamento deembarque, programação de veículos,roteirização e auditoria de fretes (Fleury,2002).

A armazenagem e o manuseio demercadorias são também componentesessenciais do conjunto logístico, e seuscustos podem absorver de 12% a 40%das despesas logísticas das empresas. Aocontrário do transporte, que ocorre entrelocais e em tempos diferentes, a armaze-nagem e o manuseio de materiais acon-tece, na maioria das vezes, em algumas

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115Suzana Quinet de Andrade Bastos e Fernando Salgueiro Perobelli

localidades fixadas. Portanto, os custosdessas atividades estão intimamente as-sociados à seleção desses locais (Ballou,1993).

Bowersox e Closs (2001), caminhan-do na mesma linha da Teoria da Locali-zação tradicional, apresentam umestudo sobre a administração logística,no qual buscam determinar a localiza-ção de armazéns e centros de distribui-ção. Para os autores, as análises delocalização podem ser caracterizadascomo muito complexas e intensivas eminformações. A complexidade é criadapela multiplicidade de alternativas delugares para a localização, junto com asestratégias de estoque para cada locali-zação. A intensidade de informações écriada porque a análise requer informa-ções detalhadas do mercado, da deman-da dos consumidores, dos produtos, dasredes, dos encargos de transporte e doscustos variáveis e fixos.

Outros autores que estudam a loca-lização, como Lambert e Stock (1998),afirmam que a decisão de seleção de umlocal pode ser abordada numa perspec-tiva macro e numa perspectiva micro. Aperspectiva micro examina fatores quelevam a uma localização precisa dentregrandes áreas geográficas, e a perspectivamacro analisa a localização geográfica doarmazém em uma área ampla, para quefique bem posicionado quanto à origemdos materiais e às empresas ofertantes.

Na abordagem macro, podem seridentificadas três estratégias de localização:proximidade do mercado, proximidadeda produção e localização intermediária.

O armazém será localizado próximo aoconsumidor final se o critério principalde escolha for o mercado. Os fatores queinfluenciam essa escolha são os custosde transporte, o tempo e a perecibilida-de dos produtos. A opção de estar pertoda produção ou dos fornecedores levaem consideração a perecibilidade dasmatérias-primas, o número de produtosproduzidos pela empresa e o padrão detransporte da empresa. Já a localizaçãonum ponto intermediário entre a pro-dução e o consumidor está vinculada àgrande quantidade de produtos que sãooferecidos e produzidos em várias fábri-cas com diferentes localizações. Aindanessa estratégia, a decisão de localizaçãodo armazém envolve a análise do pro-duto, do mercado e de propósitos gerais.

Com relação ao produto, a empresaque atenda a um grupo de consumido-res que demanda um tipo específico deproduto ou transforme produtos comclassificação de frete, de transporte, pesoe volume diferentes abastecerá os ar-mazéns com apenas um produto ou umgrupo de produtos, sendo que cada ar-mazém conterá uma grande quantidadede um tipo de produto, mas com esto-que reduzido e de alto giro. A estratégiade posicionamento junto ao mercadolocaliza os armazéns em mercados es-pecíficos, de forma que cada armazémabasteça os consumidores com todos osprodutos da empresa. O posicionamen-to do armazém com propósito geralpermite suprir o depósito com toda alinha de produtos. Esse armazém abas-tece todos os mercados de uma áreageográfica.

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116 Logística territorial e desenvolvimento local

Na abordagem micro, Lambert eStock (1998, p. 314) definem os fatoresespecíficos que deveriam ser examinados:

Caso uma empresa pretenda usar umarmazém privado, ela deve conside-rar: qualidade, variedade e transpor-tes servindo o local; quantidade equalidade do trabalho disponível;ritmo de trabalho; custo e qualidadeda terra industrial; potencial paraexpansão; avaliação da estrutura;normas de construção; natureza doambiente comunitário; custos deconstrução; custo e disponibilidadede utilidades; custo local dos recur-sos financeiros; licenças do governolocal. Se a empresa pretende usararmazéns públicos, será necessárioconsiderar: características das unida-des; serviços providos pelos arma-zéns; disponibilidade e proximidadeaos terminais de transporte; disponi-bilidade de carretagem local; diferen-tes companhias usando a unidade;disponibilidade de serviços de com-putador e de comunicações; tipos efreqüências dos relatórios de esto-ques.

Chapman (1994), estudando arede logística, centra seu foco na locali-zação de armazéns. Administrar a logís-tica implica que a empresa gerencie umarede complexa de unidades e fluxo demateriais e mercadorias finais entre di-versas unidades. As decisões de locali-zação devem estar relacionadas com oestudo da capacidade de estoque, aadaptação dos fornecedores com a de-manda dos consumidores e a reduçãodos custos de operação.

Assim, o problema espacial ou geo-gráfico associado à rede logística envolvea localização estratégica de armazéns queatendam às necessidades da empresa,dos fornecedores e dos clientes, reduzin-do custos e agilizando o fluxo de infor-mações e circulação de mercadorias.

Num contexto de ampliação da con-corrência global e de busca de vanta-gens competitivas, as empresas passama desenvolver ações em conjunto como objetivo de gerar resultados coletivossuperiores aos que seriam possíveis emnível individual. Uma solução encontra-da foi a integração de determinados ser-viços logísticos dentro de uma zonadelimitada (localizações logísticas), visan-do criar ambientes propícios à ofertaconjunta de serviços logísticos, de formaa maximizar a relação entre empresas eentre empresas e clientes, e a obter,assim, redução dos custos logísticos. Se-gundo Duarte (2004b, p. 8),

Dentro da cadeia logística, surgemconceitos de organização e agrupa-mento de localizações, buscando aminimização dos custos logísticos e,maximizando todas as atividadeslogísticas, criando ambientes propí-cios à concentração de operadoreslogísticos, serviços de transportemultimodal, armazenagem de mer-cadorias e serviços correlatos.

Dessa forma, surgem as localizaçõeslogísticas (Plataformas Logísticas, CentrosIntegrados, Zonas de Atividades Logísti-cas), que reúnem, ao menor custo, níveisde serviços facilitadores do fluxo de pro-dutos.

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Plataformas Logísticas são pontos ouáreas de rupturas das cadeias de trans-porte e logística, nos quais se concen-tram atividades e funções técnicas e devalor adicional (Telecotrans, 1999). UmaPlataforma Logística é o local de reu-nião de tudo o que diz respeito à eficiên-cia logística, acolhendo zonas logísticasde empreendimentos e infra-estruturasde transporte (Boudouin, 1996). A Eu-roplataforms (1996) descreve uma Pla-taforma Logística como uma zonadelimitada, em cujo interior se exercem,por diferentes operadores, todas as ati-vidades relativas ao transporte, à logís-tica (infra-estrutura para armazenagem,desembaraço aduaneiro, movimenta-ção de mercadorias) e à distribuição demercadorias, para o trânsito tanto nacio-nal quanto internacional.

Segundo Boudoin (1996), uma Pla-taforma Logística é composta de trêssubzonas com funções especiais. A subzo-na de serviços gerais, que engloba áreasde recepção, informação, acomodaçãoe alimentação, bancos, agência de via-gens, estacionamento, abastecimento ereparos, serviços de alfândega, adminis-tração e comunicação. A subzona detransportes, que agrupa infra-estruturasde grandes eixos de transportes (rodoviá-rio, ferroviário, marítimo e aéreo). E asubzona de serviços logísticos, que abran-ge prestação de serviços de fretamento,corretagem, assessoria comercial e adua-neira, aluguel de equipamentos, arma-zenagem, transporte e distribuição.

Para Duarte (2004a), o sistema lo-gístico que engloba a Plataforma Logís-tica pode ser de entrada e de saída. O

segmento de entrada envolve o forne-cimento de bens e serviços necessáriospara o início das operações logísticas nointerior da Plataforma, e o segmento desaída envolve a distribuição física dosbens e serviços até o cliente final. Exem-plificando, um produto nacional que sedestina ao mercado internacional devepassar pela armazenagem, consolidação,expedição, transporte e desembaraçoaduaneiro, antes de chegar ao porto ouaeroporto no qual será embarcado (Fi-gura 1).

A Plataforma Logística pode ser vistacomo um macrossistema (Pólo Logís-tico) que envolve alguns microssistemas,tais como transporte (transportadora,ferrovia, porto), armazéns, centros dedistribuição, dentre outros. Esses micros-sistemas, afirma Duarte (2004a, p. 5),

podem encontrar-se em uma áreamuito próxima – uma região, umaglomerado – Zona Logística – ouem uma superfície muito grandecomo um estado ou um país. Poressa dispersão dos componentes lo-gísticos, é muito importante um sis-tema de informação que gerencietoda a movimentação da mercado-ria, desde o preenchimento do pe-dido até a entrega final do produto/serviço, além de um eficiente e fle-xível sistema de transporte.

Assim, a Plataforma pode se desen-volver em uma área ampla (Pólo Logís-tico) ou em uma área delimitada (ZonaLogística). Essa área específica podeconstituir-se de uma empresa, de umconjunto de empresas, de uma Estação

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118 Logística territorial e desenvolvimento local

Aduaneira do Interior, de uma zona in-dustrial ou de um porto.

Para Duarte (2004b), a criação deuma Plataforma Logística em uma re-gião pressupõe a análise da situaçãogeográfica da região e de sua inserçãonas relações comerciais regionais, nacio-nais e internacionais, do que ela oferece

em termos de meio social, ambiental eeconômico favorável (bancos, socieda-des comerciais e de negócios, atraçõesturísticas e culturais, hotéis, restaurantes,instituições de ensino profissionalizante,universidades) e se apresenta uma estru-tura de transporte diversificada com in-terligações com os grandes eixos detransporte 5.

Figura 1: Plataforma Logística

5 Grifo dos autores.

Fonte: Duarte (2004a).

Viabilidade de implantação em Juiz de Fora: análise apartir da localização e do fluxo de mercadorias

Com relação à situação geográfica, omunicípio de Juiz de Fora tem vantagenslocacionais excepcionais para a instala-ção de uma Plataforma Logística, no quese refere a acessibilidade a mercados, afontes de insumos e matérias-primas e a

trocas internamente com o país e com oexterior. Situado em um dos lados dotriângulo formado por Belo Horizonte-São Paulo-Rio de Janeiro, insere-se emuma rede de rodovias de densidadeelevada, garantindo o acesso por via

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119Suzana Quinet de Andrade Bastos e Fernando Salgueiro Perobelli

rodo-ferro-aeroviária a todos os núcleoseconomicamente relevantes do país edo Mercosul.

A malha viária articula e insere oespaço urbano da cidade com os eixosdas rodovias nacionais BR-040 – ligaçãoentre Rio, Belo Horizonte e Brasília – eBR-267 – principal ligação entre o sulde Minas, São Paulo e a Zona da Mataoriental –, esta enlaçando com o eixoda BR-116, principal ligação entre o sule o nordeste do país e a rodovia esta-dual MG-353 em direção ao interior daZona da Mata. O sistema ferroviárioproporciona a ligação com o Rio de Ja-neiro, São Paulo, o Porto de Santos, BeloHorizonte, o Complexo Portuário deVitória, o Nordeste, Goiânia, Brasília, osestados do Sul e os países do Mercosul.Com relação à conexão com o exterior,a rota principal é Juiz de Fora - Portodo Rio de Janeiro, acessível tanto porferrovia (289 km) quanto por rodovia(192 km). Além do sistema rodo-ferro-viário, a cidade dispõe de um aeroportomunicipal com 1.530 metros de pista,apto para vôos domésticos e dotado deequipamentos que garantam condiçõesseguras de utilização, e contará com oAeroporto Regional da Zona da Mata,ainda em construção, com potencial detransporte de mercadorias leves (pro-dutos de informática, dentre outros) ede integração de passageiros e merca-dorias da região (Bastos, 2004).

A cidade dispõe de mão-de-obraqualificada e de centros formadores dequalidade (nível superior: UFJF e facul-dades particulares; cursos técnicos pro-fissionalizantes e de aperfeiçoamento:

Senai, Sesi, CTU, PIO XII, ILCT), bemcomo de gás natural, energia elétrica eágua para consumo industrial. Juiz deFora apresenta facilidades no sistema detelecomunicações com a instalação dafibra ótica e de um terminal alfandegáriode uso público (Estação Aduaneira doInterior - Eadi - ou Porto Seco) que ofe-rece serviços de desembaraço, de entre-posto, de desova, de movimentação decontainers e mercadorias em geral, des-tinados à exportação e importação.

Juiz de Fora possui um ambiente cul-tural e recreativo acolhedor, com teatros,cinemas, museus, emissoras de rádio etelevisão, jornais locais e sucursais, or-questras e corais, galerias de arte, biblio-tecas, parques, hortos florestais, clubessociais e desportivos, hotéis, restaurantes,bares e casas noturnas (Indi, 1994).

Inserção de Juiz de Foranas relações comerciaisinternacionais

O estado de Minas Gerais é grande pro-dutor de mercadorias. No período de1999 a 2004, seu PIB representou emtorno de 9,5% da produção nacional,situando-se em terceiro lugar no rankingdo PIB nacional, atrás apenas dos esta-dos de São Paulo e do Rio de Janeiro(Tabela 1).

Além de grande produtor, o estadode Minas é grande exportador e importa-dor de mercadorias. Parcela significativade produtos nele produzidos utiliza osportos e aeroportos localizados no estadodo Rio de Janeiro para ser exportada,

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120 Logística territorial e desenvolvimento local

bem como parcela expressiva de pro-dutos importados por ele usa as vias deentrada existentes no Rio de Janeiropara ser importada.

Em virtude da localização geográficado Porto do Rio de Janeiro e do Aero-porto Internacional do Rio de Janeiro,próximos à entrada da cidade por meioda BR-040, e de ser esta uma das prin-cipais vias de ligações rodoviárias aoPorto de Sepetiba, grande parte da pro-

dução mineira exportada e/ou impor-tada passa pela cidade de Juiz de Fora.

As principais ligações da atual ma-lha rodoviária (ao Porto de Sepeti-ba) são as rodovias federais BR-101(Rio-Santos), BR-116 (PresidenteDutra), BR-040 (Rio-Juiz de Fora)e BR-465 (antiga Rio-São Paulo) eas rodovias estaduais RJ-099 e RJ-105. (Companhia Docas do Rio deJaneiro, 2006)

Tabela 1: PIB Minas Gerais e Brasil – ano base 2005 (valores constantes em milhões de reais)

Ano PIB (Brasil) PIB (MG) % referente a MG

1999 1.975.750 190.197 9,63 2000 1.963.790 189.323 9,64 2001 1.936.934 183.443 9,47 2002 1.916.163 178.499 9,32 2003 1.804.054 167.568 9,29 2004 1.872.008 176.434 9,42

Fonte: IBGE (2006).

Com relação às exportações de Mi-

nas Gerais, de 1999 a 2005, em tornode 32% das mercadorias exportadaspelo estado de Minas Gerais foram es-coadas através de portos e aeroportosdo estado do Rio de Janeiro. Aproxi-madamente 5% do total produzido noestado saiu do país pelo estado do Riode Janeiro. Esse percentual apresentatendência crescente a partir do ano 2000e em 2005 corresponde a quase 10%do PIB de Minas Gerais (Tabela 2).

Ao observar a Tabela 3, referenteàs importações realizadas pelo estado de

Minas Gerais no período de 1999 a2005, percebe-se novamente uma con-centração das operações no Porto do Riode Janeiro, apesar da notável reduçãode sua significância (em torno de 50%)e da ampliação da representatividadedo Porto de Sepetiba (crescimento de145%). Como no caso das exportações,não obstante a considerável oscilaçãodos valores percentuais, ocorre uma re-dução da demanda por serviços aéreos.

Considerando que grande parte dofluxo de mercadorias direcionado aosportos do Rio de Janeiro e de Sepetiba

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121Suzana Quinet de Andrade Bastos e Fernando Salgueiro Perobelli

e ao Aeroporto Internacional do Rio deJaneiro oriundo de Minas Gerais passapela Zona da Mata mineira e, conse-qüentemente, pela cidade de Juiz de

Fora, podemos identificar os principaisprodutos exportados e importados peloestado de Minas Gerais que transitampela cidade.

Tabela 2: Exportações de Minas Gerais – ano base 2005 (valores constantes em milhões de reais)

Ano Exportações % Exp./PIB Exportações via RJ

% Exportações MG via RJ (A)

A/PIB

1999 6.316 12,60 2.099 33,23 4,19 2000 7.207 11,59 2.284 31,70 3,67 2001 9.193 12,54 2.787 30,32 3,80 2002 15.680 15,17 4.848 30,92 4,69 2003 20.042 15,73 6.229 31,08 4,89 2004 28.743 17,51 9.085 31,61 5,53 2005 32.563 29,71 10.928 33,56 9,97

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (2005).

Tabela 3: Importações de Minas Gerais por meio de transporte – ano base 2005 (valores constantes em milhões de reais)

Naval Ano Imp. MG Imp. via RJ

(A) Sepetiba Rio de Janeiro

Aérea % Imp. MG via RJ A/PIB

1999 2.905 1.197 84 1.079 33,7 41,20 3,13

2000 2.986 1.018 102 774 141,2 34,09 2,62

2001 4.557 1.776 406 1.215 154,0 38,97 2,64

2002 6.214 2.086 249 1.728 108,7 33,56 2,00

2003 6.555 2.091 352 1.619 120,0 31,89 1,68

2004 8.591 2.513 414 1.882 216,5 29,25 1,79

2005 9.493 2.685 465 2.119 99,7 28,28 —

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (2005).

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122 Logística territorial e desenvolvimento local

Por meio da análise da Tabela 4,verifica-se que quase 50% dos produtosexportados pelo estado de Minas Geraissão minérios e produtos siderúrgicos, oque vem comprovar a especialização doestado em produtos minerais. Há um

forte peso de produtos do tipo commo-dities, com destaque para as cadeias doferro e aço, café e celulose, além deautomóveis, bem como de suas partese acessórios, produzidos pela empresasautomobilísticas do estado.

Tabela 4: Exportações de Minas Gerais – acumulado 1999/2005 (valores constantes em milhões de reais)

Descrição do produto 1999-2005 % Total

Ferro fundido, ferro e aço 30.739 25,67

Minérios, escórias e cinzas 26.883 22,45

Café, chá, mate e especiarias 16.645 13,90

Veículos automóveis, tratores: partes/acessórios 10.933 9,13

Pastas de madeira ou matérias fibrosas celulósicas 4.610 3,85

Pérolas naturais ou cultivadas, pedras preciosas 3.963 3,31

Reatores nucleares, caldeiras, máquinas, mecânicos 3.652 3,05

Produtos químicos inorgânicos 3.197 2,67

Outros produtos 19.123 15,97

Total 119.748 100,00

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (2005).

Com relação às importações (Tabe-la 5), o estado de Minas Gerais adquiredo exterior principalmente máquinas einsumos para os processos produtivos desuas indústrias (matérias-primas e produ-tos intermediários), com destaque paraos veículos automotivos e suas partes,estes fundamentais para abastecerem asempresas automobilísticas do estado.

Ao observar as principais indústriasprodutoras e exportadoras do estado de

Minas Gerais, percebe-se a sua relaçãocom os principais produtos exportadospelo estado, uma vez que as áreas deatuação dessas indústrias são as de mi-neração, de siderurgia, de metalurgia,automotiva, de papel e celulose e deprocessamento de grãos. Verifica-se tam-bém que elas se localizam em regiõesdo estado que utilizam as vias rodo-ferroviárias que passam pela cidade deJuiz de Fora para escoamento de seusprodutos para o exterior (Tabela 6).

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123Suzana Quinet de Andrade Bastos e Fernando Salgueiro Perobelli

Tabela 5 : Progressão das importações – acumulado 1999/2005 (valores constantes em milhões de reais)

Descrição do produto 1999-2005 % Total Reatores nucleares, caldeiras, máquinas, mecânicos 30.739 19,83 Veículos automóveis, tratores: partes/acessórios 26.883 15,69 Combustíveis minerais, óleos minerais, ceras minerais 16.645 13,80 Máquinas, aparelhos e materiais elétricos 10.933 9,71 Adubos ou fertilizantes 4.610 5,66 Produtos químicos orgânicos 3.963 4,27 Minérios, escórias e cinzas 3.652 3,15 Ferro fundido, ferro e aço 3.197 2,77 Instrumentos e aparelhos de óptica, fotografia 19.123 2,45 Níquel e suas obras 119.748 2,36 Outros produtos importados 30.739 20,31 Total 26.883 100,00

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (2005).

Tabela 6: Maiores empresas exportadoras de Minas Gerais – janeiro a julho de 2005 (valores constantes em milhões de reais) – e respectivas áreas de atuação

Empresa Região R$ % total Área de atuação Companhia Vale do Rio Doce Central 2.183 12,1 Mineração

Gerdau Açominas S.A. Central 1.432 7,9 Siderurgia/Metalurgia Minerações Brasileiras

Reunidas Central 1.415 7,8 Mineração

FIAT Automóveis S.A. Central 861 4,8 Automotiva Acesita S.A. Rio Doce 673 3,7 Siderurgia/Metalurgia

Brasileira de Metalurgia e Mineração

Alto Paranaíba

538 2,9 Siderurgia/Metalurgia

Celulose Nipo Brasileira S.A. Rio Doce 531 2,9 Celulose e Papel Usinas Siderúrgicas de Minas

Gerais Rio Doce 518 2,9 Siderurgia/Metalurgia

Belgo Siderúrgica S.A. Central 355 2,0 Siderurgia/Metalurgia ADM do Brasil Ltda. Triângulo 282 1,6 Processamento de grãos

Fonte: Fundação João Pinheiro (2005).

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124 Logística territorial e desenvolvimento local

Assim, a partir da representatividadedo PIB do estado de Minas Gerais e con-sideradas a localização privilegiada da ci-dade de Juiz de Fora e a inexistência deportos marítimos no estado, deduz-seque há um fluxo comercial internacionalsignificativo que usa as vias férreas e ro-doviárias que cruzam essa cidade paratransportar mercadorias exportadas ouimportadas via os portos do Rio de Ja-neiro e de Sepetiba e via o AeroportoInternacional do Rio de Janeiro.

Com um significativo fluxo de mer-cadorias passando por Juiz de Fora, ascadeias de transporte e logística dos pro-dutos que circulam pela cidade são pas-síveis de serem integradas a partir daimplantação de uma Plataforma Logís-tica na cidade.

Inserção de Juiz de Foranas relações comerciaisnacionais

Associado ao fluxo comercial do estadode Minas Gerais com o restante domundo (exportações e importações) queutiliza as vias de entrada e saída existen-tes no estado do Rio de Janeiro, o fluxode comércio interestadual mantido entreMinas Gerais e Rio de Janeiro será ana-lisado para os anos de 1997, 1998 e1999 através da Matriz do Fluxo deComércio Interestadual de Bens e Ser-viços no Brasil (Conselho Nacional dePolítica Fazendária, 2006).

Em face da inexistência de informa-ções estatísticas para os anos de 2000 a2004, os valores do fluxo de comércioexistente entre os estados de MinasGerais e do Rio de Janeiro serão calcu-lados, inicialmente, a partir da constru-ção de um sistema de contas estaduaisentre os referidos estados e os demaisestados brasileiros (ver detalhamento docálculo no Anexo).

A construção das contas estaduais,que serviram de base para a estimaçãodo saldo da balança comercial entre osestados de Minas Gerais e do Rio deJaneiro e os demais estados do Brasil,parte da identidade macroeconômicafundamental: Y = C + I + G + (X-M)Br+ (X-M)Int. Os saldos da balança comer-cial dos estados de Minas Gerais e doRio de Janeiro foram obtidos como re-síduo. Conhecendo todas as variáveis daidentidade macroeconômica fundamen-tal, isolou-se essa variável, ou seja, aparcela (X-M)Br, de forma a obter o seuvalor para cada um dos estados anali-sados.

A partir da Tabela 7 e da Tabela 8verifica-se que Minas Gerais é um estadodeficitário com relação ao comércio comos demais estados brasileiros. Ou seja,Minas Gerais importa mais do que ex-porta no interior do Brasil 6. Já o Rio deJaneiro é um estado superavitário emtermos de relações comerciais interes-taduais brasileiras.

6 O saldo da balança comercial de São Paulo com os demais estados brasileiros é superavitário.

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125Suzana Quinet de Andrade Bastos e Fernando Salgueiro Perobelli

Tabela 7: Saldo da balança comercial de Minas Gerais com os demais estados do Brasil – 2000/2004 (valores constantes em milhões de reais)

Anos Y (PIB) C I G (X-M)Int (X-M)Br

2000 62.175 40.999 11.991 5.224 4.221 - 260 2001 73.288 47.852 14.268 6.720 4.636 - 189 2002 103.332 67.311 18.931 7.825 9.466 - 202 2003 127.392 83.043 22.655 8.536 13.486 - 328 2004 164.177 106.662 32.186 10.899 20.152 - 5.721

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2006); Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (2006).

Observação: os valores e o cálculo das colunas Y (PIB), C, I, G e (X-M)Int estão apresentados no Anexo.

Tabela 8: Saldo da balança comercial do Rio de Janeiro com os demais estados do Brasil – 2000/2004 (valores constantes em milhões de reais)

Anos Y (PIB) C I G (X-M)Int (X-M)Br

2000 85.549 57.470 16.499 6.717 -3.361 8.222 2001 108.219 72.704 21.069 6.621 -4.416 12.239 2002 161.948 108.670 29.670 8.046 -4.288 19.849 2003 198.817 133.224 35.356 10.156 -1.453 20.226 2004 249.401 166.733 48.893 11.838 1.988 19.948

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2006); Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (2006).

Observação: os valores e o cálculo das colunas Y (PIB), C, I, G e (X-M)Int estão apresentados no Anexo.

O grande crescimento do saldo ne-gativo do estado de Minas Gerais comos demais estados brasileiros no ano de2004 pode ser explicado pelo compor-tamento do PIB no estado, o qual au-mentou 4,88% com relação ao ano de2003. O aumento do PIB implica umcrescimento da renda no interior do es-

tado e, conseqüentemente, uma amplia-ção da capacidade de importar dos de-mais estados brasileiros 7.

Com base no estabelecimento dossaldos da balança comercial de MinasGerais e do Rio de Janeiro com os demaisestados brasileiros, podemos estimar o

7 O PIB do estado de Minas Gerais apresentou as seguintes taxas de crescimento: 5,23% em2000, 0,11% em 2001, 2,87% em 2002, 0,42% em 2003 e 4,88% em 2004 (Fundação JoãoPinheiro, 2006).

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126 Logística territorial e desenvolvimento local

fluxo do comércio interestadual entreesses dois estados.

Essa estimativa é possível a partir daanálise do Imposto sobre Circulação deMercadorias e Prestação de Serviços(ICMS) declarado pelo estado de MinasGerais e do declarado pelo estado doRio de Janeiro.

O valor dos bens e serviços que en-traram no estado do Rio de Janeiro pro-venientes de Minas Gerais e o valor dosque saíram do Rio de Janeiro e entra-ram em Minas Gerais nos anos de 1997,1998 e 1999 estão consignados naMatriz de Fluxo de Comércio Interesta-dual de Bens e Serviços no Brasil (Con-selho Nacional de Política Fazendária,2006).

A matriz das transações interestaduaisglobais (tributadas e não tributadas)pelo Imposto sobre Circulação deMercadorias e Serviços (ICMS) mos-tra os valores comercializados entreos estados e as regiões do Brasil. Asinformações foram fornecidas pelasunidades federativas em dois con-juntos de planilhas: um relativo àsentradas e outro referente a saídasinterestaduais de mercadorias, debens ou a aquisições de serviços.(Vasconcelos, 2001, p. 5)

A matriz apresenta valores de fluxode mercadorias entre Minas Gerais e Riode Janeiro declarados por ambos os es-tados. Ao analisarmos esses valores, ve-rificamos que existem divergências entre,por exemplo, os valores declarados porMinas Gerais referentes à entrada de

mercadorias e serviços no estado vindosdo Rio de Janeiro e o total declaradopelo estado do Rio de Janeiro com rela-ção à saída de suas mercadorias e servi-ços que entraram em Minas Gerais.

Na comparação das informaçõesreferentes às relações comerciaisentre dois estados há naturais diver-gências entre o total das entradasinformadas pelo estado destinatárioe o total das saídas destinadas a esseestado, informados pelo remetente.Objetivando-se minimizar o proble-ma, a matriz do fluxo de comérciointerestadual de bens e serviços foiconstruída a partir dos maiores va-lores do total das transações tantopara contribuintes como para nãocontribuintes, obtidos a partir doconfronto entre a saída informadapelo estado remetente com a entradainformada pelo estado adquirente.(Vasconcelos, 2001, p. 7-8)

Seguindo a metodologia utilizada naelaboração da Matriz, a partir dos maio-res valores de entrada e saída de merca-dorias e aquisição de serviços declaradospor Minas Gerais e pelo Rio de Janeiropara os anos de 1997, 1998 e 1999,podemos estimar o fluxo de bens e ser-viços entre esses estados no período de2000 a 2004. Entretanto, como os maio-res valores declarados, tanto para a entra-da quanto para a saída de mercadoriase serviços, foram relativos ao estado deMinas Gerais, usaram-se unicamenteesses valores.

Conhecidos os valores do fluxo decomércio entre Minas Gerais e Rio de

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127Suzana Quinet de Andrade Bastos e Fernando Salgueiro Perobelli

Janeiro para os anos de 1997, 1998 e1999, pressupôs-se que nos anos subse-qüentes o fluxo de comércio interesta-

dual acompanhou a variação da arreca-dação do ICMS do estado onde ocorreuo fato gerador do imposto (Tabela 9).

Tabela 9 : ICMS arrecadado em Minas Gerais e Rio de Janeiro – 2000/2004 (valores constantes em milhões de reais)

Minas Gerais Rio de Janeiro Anos

Valor Crescimento (%) Valor Crescimento (%) 2000 4.732 12,36 4.399 17,39 2001 5.973 26,2 5.979 36,0 2002 8.466 42,0 7.927 32,5 2003 9.787 15,6 9.696 22,3 2004 12.687 29,6 12.983 33,9

Fonte: Secretaria do Estado da Fazenda de Minas Gerais e Secretaria do Estado da Fazenda do Rio de Janeiro.

O ICMS 8 é um imposto sobre a cir-culação de mercadorias e prestação deserviços declarado no estado de origemdas mercadorias e serviços, ou seja, sehá mercadorias saindo de Minas Geraise entrando no Rio de Janeiro, o ICMSreferente a elas é declarado no estadode Minas Gerais.

A competência para a cobrança doICMS é do estado de origem daoperação objeto do imposto. Emfunção desta opção de cobrança (naorigem) pode-se afirmar que o im-posto incide sobre a produção decada componente da federação (in-clusive a produção exportada parafora do país) e não sobre o consu-mo. (Biasoto Jr., 1998, p. 894)

Para estimar o valor dos bens e ser-viços saídos do Rio de Janeiro com des-

tino a Minas Gerais, no período de 2000a 2004, realiza-se o seguinte procedi-mento (Tabela 10):

a) informa-se o valor de entrada debens e serviços em Minas Gerais, de-clarado por Minas Gerais, advindosdo Rio de Janeiro nos anos de1997, 1998 e 1999 (Conselho Na-cional de Política Fazendária, 2006);

b) como os bens e serviços saíram doEstado do Rio de Janeiro (origem),multiplica-se a taxa de crescimentodo ICMS arrecadado no estado doRio de Janeiro do ano pelo valordos bens e mercadorias saídos doRio de Janeiro com destino a MinasGerais do ano precedente. Esse cál-culo é seguido para o período de2000 a 2004.

8 Sua regulamentação constitucional está prevista na Lei Complementar 87/1996 (a chamada “LeiKandir”), alterada posteriormente pelas Leis Complementares 92/1997, 99/1999 e 102/2000.

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128 Logística territorial e desenvolvimento local

Da mesma forma procede-se comrelação ao valor dos bens e serviços saí-dos de Minas Gerais com destino ao Riode Janeiro (Tabela 10):

a) informa-se o valor de entrada debens e serviços no Rio de Janeiro,declarado por Minas Gerais, advin-dos de Minas Gerais nos anos de1997, 1998 e 1999 (Conselho Na-cional de Política Fazendária, 2006);

b) como os bens e serviços saíram deMinas Gerais (origem), multiplica-sea taxa de crescimento do ICMS arre-cadado no estado de Minas Geraisdo ano pelo valor dos bens e serviçossaídos de Minas Gerais com destinoao Rio de Janeiro do ano preceden-te. Esse cálculo é seguido para os anosde 2000 a 2004.

Analisando a Tabela 10, verificamosque o fluxo de comércio entre os estadosde Minas Gerais e do Rio de Janeirocorresponde a aproximadamente 4,4 %do PIB deste último e em torno de 6,5%do PIB daquele.

Assim, consideradas a representati-vidade do PIB desses dois estados e alocalização privilegiada da cidade de Juizde Fora, sugere-se que há um fluxo co-mercial inter-regional de grande signifi-cância que utiliza as estradas rodoviáriase ferroviárias que cortam essa cidade.Desse modo, com um expressivo fluxode mercadorias passando por Juiz deFora, as cadeias de transporte e logísticados produtos que nela circulam são passí-veis de serem integradas a partir da im-plantação de uma Plataforma Logística.

Tabela 10 : Relações comerciais com o Rio de Janeiro declaradas por Minas Gerais (valores constantes em milhões de reais)

Anos Entradas MG vindas do RJ

Entradas/PIB RJ (%)

Saídas de MG para o RJ

Saídas/PIB MG (%)

1997 2.441 4,7 2.724 6,9

1998 2.082 4,3 2.516 6,3

1999 2.790 4,8 3.249 6,5

2000 3.587 4,2 3.998 6,4

2001 4.876 4,5 5.046 6,9

2002 6.465 4,0 7.153 6,9

2003 7.907 4,0 8.270 6,5

2004 10.588 4,3 10.720 6,5 Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2006); Conselho Nacional de Política

Fazendária (2006).

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129Suzana Quinet de Andrade Bastos e Fernando Salgueiro Perobelli

ConclusãoUma Plataforma Logística tem capaci-dade de atender a clientes e produtosdiferentes, oferecendo flexibilidade nasatividades de transporte, rapidez na mo-vimentação de mercadorias e confia-bilidade nos serviços produzidos,tornando-se mais vantajosa para as em-presas a utilização desse macrossistemaem relação às atividades isoladas.

Essas vantagens podem ser aprovei-tadas pela região na qual a Plataformase insere. Os impactos regionais e locaiscausados por uma organização do tipoPlataforma Logística se referem às opor-tunidades de desenvolvimento local e aoaproveitamento do potencial da região.A atração de novas empresas para a Pla-taforma implica geração de empregos eampliação da renda do município. Novasempresas pressupõem o crescimento dosserviços logísticos de apoio à Plataformano município, e novos empregos am-pliam a demanda por cursos técnicos pre-paratórios de mão-de-obra e odesenvolvimento do turismo e ativida-des afins, tais como comércio, restauran-tes, hotéis, cinemas e teatros.

Para a manutenção das vantagenscompetitivas de um sistema logístico, ogoverno é um ator importante de polí-ticas. Seja mediante subsídios e incenti-vos fiscais seja mediante a criação e omelhoramento da infra-estrutura paraa prestação de serviços de armazenageme movimentação de produtos.

Com esses investimentos, a regiãopassa a oferecer vantagens competiti-

vas em relação a outras regiões e mer-cados, proporcionando flexibilidade erapidez na prestação de serviços e, con-seqüentemente, redução dos custos lo-gísticos. Os serviços locais passam a servalorizados, novas empresas são atraí-das para a cidade, e os empregos seexpandem gerando novos e dinâmicosrecursos para o município.

A Plataforma Logística pode ser pú-blica ou privada. Assim, cabe ao gover-no local aproveitar as potencialidades dolugar, quer por meio do estímulo aocapital privado quer individualmente ouem associação com o capital privado(parcerias público-privadas), a fim dejuntar esforços para a implantação deuma Plataforma Logística que objetivetransformar a cidade num importantecentro de integração e distribuição demercadorias e que, assim, dinamize aeconomia da cidade.

Quando uma cidade ou região temsua estratégia de desenvolvimento las-treada em Logística Territorial, torna-semais dinâmica e aproveita de modo maisracional e eficiente seu espaço físico, epassa automaticamente a ser alvo deinteresse. O resultado é a migração deempresas, com profundos efeitos sobrea dinâmica da economia local, ou seja,com repercussões na ampliação da pro-dução e do emprego do município.

Duarte (2004b) afirma que a implan-tação de uma Plataforma Logística emuma região envolve, entre outras ques-tões, a análise da situação geográfica da

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130 Logística territorial e desenvolvimento local

região e de sua inserção nas relaçõescomerciais regionais, nacionais e inter-nacionais. O presente trabalho, em umaabordagem preliminar, tentou respon-der e/ou mostrar o potencial de tal pro-jeto na cidade de Juiz de Fora. Para tal,mostrou a importância da localização daregião em termos tanto de estruturarodo-ferroviária como dos fluxos co-merciais que transitam pela cidade. Asegunda parte da análise, que se baseounos fluxos comerciais que cortam omunicípio, permitiu perceber que:

a) O Rio de Janeiro é um ponto im-portante de escoamento do fluxo decomércio internacional do estado deMinas Gerais, ou seja, em média32% das exportações mineiras sãorealizadas através do Porto do Riode Janeiro e do Porto de Sepetiba;

b) De forma majoritária, a distribuiçãodo fluxo anteriormente mencionado

é realizada pelas rodovias e ferroviasque cortam o município de Juiz deFora. De acordo com Rocha 9, ape-nas os fluxos provenientes das me-sorregiões do Vale do Rio Doce, doVale do Mucuri e Jequitinhonha nãoutilizam as estradas que cortam Juizde Fora para distribuir seus fluxos; e

c) Há um fluxo de comércio importanteentre o estado de Minas Gerais e oestado do Rio de Janeiro que, emgrande parcela, também é distribuí-do pela estrutura rodo-ferroviáriaque atende ao município de Juiz deFora. Em outras palavras, cerca de4% do PIB do estado do Rio de Ja-neiro representa importações inter-regionais realizadas pelo estado deMinas Gerais e aproximadamente7% do PIB do estado de Minas Ge-rais representa importações inter-re-gionais realizadas pelo estado do Riode Janeiro.

9 Rocha, Cezar Henrique Barra (Professor da Faculdade de Engenharia da UFJF e Doutor emGeografia pela UFRJ). Entrevista concedida aos autores em 7 de março de 2006.

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ANEXO: Cálculo do balanço comercial entre Minas Geraise restante do Brasil e entre Rio de Janeiro e restante doBrasi lA construção das contas estaduais queservirão de base para a estimação do saldoda balança comercial entre os estados de

Minas Gerais e do Rio de Janeiro e osdemais estados do Brasil parte da identi-dade macroeconômica fundamental:

Y = C + I + G + (X-M)Br + (X-M)IntSendo, para cada estado:Y = Produto Interno Bruto a Preços de MercadoC = Consumo PrivadoI = Formação Bruta de Capital FixoG = Despesa de Custeio Estadual Total(X-M)Int = Saldo da Balança Comercial com outros Países(X-M)Br = Saldo da Balança Comercial com outros Estados Brasileiros

Page 121: Cadernos IPPUR Manoel Lemes 2006

134 Logística territorial e desenvolvimento local

Os dados disponíveis para a cons-trução do sistema de contas estaduaisincluem o Produto Interno Bruto (Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatística,2006; Fundação João Pinheiro, 2006;Centro de Informações e Dados do Riode Janeiro, 2006), o Consumo Privado(Instituto de Pesquisa Econômica Aplica-da, 2006), a Formação Bruta de CapitalFixo (ibid.), a Despesa de Custeio Esta-dual Total (ibid.) e o Saldo da BalançaComercial com outros países (Ministériode Desenvolvimento da Indústria e Co-mércio, 2006).

Componentes da Renda(Produto)

A) CONSUMO PRIVADO

A estimação do consumo privado paracada estado baseou-se na fórmula tra-dicional de especificação da função con-sumo: C = + Yd, na qual:

C = Consumo Privado;Yd = Renda Disponível; = Consumo Autônomo; = Propensão a Consumir.

Considerando a estabilidade doconsumo 10, foram utilizados para esti-mar o consumo privado dos estados deMinas Gerais e do Rio de Janeiro paraos anos de 2000 a 2004 os valores de e estimados por Haddad et al. (2002,p. 4): “Para o país como um todo, comos dados das contas nacionais para o

período 1970-1998, obteve-se estimati-vas de = 2,149 (t = 5,096) e de =0,715 (t = 13,850) (R2 = 0,877)”.

Sendo a renda disponível igual àrenda do estado menos os tributos (im-postos, taxas e contribuições de melho-rias), a renda disponível de cada estadofoi calculada deduzindo do PIB de cadaestado a receita tributária total do estado.

Assim, o consumo privado para osestados de Minas Gerais e do Rio deJaneiro (Tabela A1) foi calculado deacordo com a fórmula: C = 2,149 +0,715 (PIB - RT).

De acordo com a Tabela A1, o coe-ficiente de consumo para o estado deMinas Gerais situa-se em torno de 65%de seu produto, e o do estado do Riode Janeiro, em torno de 67% da rendado estado.

B) FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO

Segundo Rossetti (1995), a formaçãobruta de capital fixo representa o valordos bens duráveis incorporados pelasunidades residentes a fim de serem uti-lizados, durante um período não inferiora um ano, no seu processo de produ-ção, assim como o valor dos bens e ser-viços incorporados aos bens de capitalfixo visando aumentar sua vida útil, ren-dimento ou capacidade de produção.Ou seja, a formação bruta de capital fixoengloba os investimentos públicos e pri-vados.

10 O modelo de Keynes explicita uma função de consumo estável dependente do rendimentolíquido com uma propensão para o consumo menor que um.

Page 122: Cadernos IPPUR Manoel Lemes 2006

135Suzana Quinet de Andrade Bastos e Fernando Salgueiro Perobelli

Tabela A1 : Consumo privado de Minas Gerais e do Rio de Janeiro – 2000/2004 (valores constantes em milhões de reais)

Minas Gerais Rio de Janeiro

Anos PIB Receita

tributária Consumo privado

C/PIB (%) PIB Receita tributária

Consumo privado

C/PIB (%)

2000 62.175 4.834 40.999 65,9 85.549 5.166 57.474 67,2

2001 73.288 6.362 47.852 65,3 108.219 6.533 72.704 67,2

2002 103.332 9.190 67.311 65,1 161.948 9.962 108.670 67,1

2003 127.392 11.248 83.043 65,2 198.817 12.489 133.224 67,0

2004 164.177 14.999 106.662 65,0 249.401 16.208 166.733 67,0

Fonte: IBGE (2006), Fundação João Pinheiro (2006); Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (2006); Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (2006).

Para estimar o investimento dos es-tados de Minas Gerais e do Rio de Ja-neiro para o período de 2000 a 2004,empregou-se o seguinte procedimento:

a) calculou-se o peso da formação brutade capital fixo do Brasil no PIB doBrasil (Tabela A2);

b) calcularam-se os pesos do PIB do es-tado de Minas Gerais e do PIB do

estado do Rio de Janeiro no PIB doBrasil (Tabela A3);

c) multiplicaram-se os valores encon-trados (em a e b) de forma a deter-minar o peso do investimento decada estado no PIB do Brasil;

d) multiplicou-se o peso da formaçãobruta de capital fixo de cada estadono PIB do Brasil pelo PIB do Brasile encontrou-se o valor da formaçãobruta de capital fixo de cada estado.

Tabela A2: Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) do Brasil – 2000/2004 (valores constantes em milhões de reais)

Anos PIB Brasil FBCF Brasil FBCF Brasil/PIB Brasil (%) (A)

2000 644.927 124.378 19,3 2001 773.830 150.658 19,5 2002 1.109.246 203.224 18,3 2003 1.371.511 243.900 17,8 2004 1.741.864 341.482 19,6

Fonte: Instituo de Pesquisa Econômica e Aplicada (2006).

Page 123: Cadernos IPPUR Manoel Lemes 2006

136 Logística territorial e desenvolvimento local

Tabela A3 : FBCF de Minas Gerais e do Rio de Janeiro – 2000/2004 (valores constantes em milhões de reais)

Minas Gerais Rio de Janeiro

Anos PIB MG / PIB Brasil (%) (B)

A x B (%) FBCF FBCF /

PIB (%)

PIB RJ / PIB Brasil (%) (C)

A x C (%) FBCF FBCF /

PIB (%)

2000 9,6 1,9 11.940 19,3 13,3 2,6 16.768 19,6 2001 9,5 1,8 14.313 19,5 14,0 2,7 20.893 19,3 2002 9,3 1,7 18.878 18,3 14,6 2,7 29.949 18,5 2003 9,3 1,6 22.703 17,8 14,5 2,6 35.659 17,9 2004 9,4 1,8 32.092 19,6 14,3 2,8 48.772 19,6 Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (2006).

Como se pode verificar nas TabelasA2 e A3, a proporção do investimentono PIB tanto do estado de Minas Geraisquanto do estado do Rio de Janeiro si-tua-se em torno de 19% do respectivoPIB estadual.

C) DESPESA DE CUSTEIO ESTADUAL TOTAL

Os valores da despesa de custeio esta-dual total de Minas Gerais e do Rio deJaneiro (Tabela A4) foram obtidos noInstituto de Pesquisa Econômica Aplica-da (2006). A despesa de custeio esta-dual total engloba o total das despesascom pessoal, encargos, serviços de ter-ceiros e outros custeios necessários àoperação e manutenção dos serviçospúblicos estaduais anteriormente criadose instalados, inclusive as destinadas aobras de conservação, adaptação emanutenção do seu patrimônio.

Segundo os resultados da Tabela A4,a participação dos gastos do governoestadual no PIB do estado de Minas

Gerais situou-se, em média, em torno de7,7% do PIB no período de 2000 a2004. Com relação ao estado do Rio deJaneiro, os gastos do governo apresen-taram uma tendência decrescente, si-tuando-se, em média, em torno de 5,8%do PIB estadual.

D) SALDO DA BALANÇA COMERCIAL COM

OUTROS PAÍSES

Os dados de exportação e importaçãodos estados de Minas Gerais e do Rio deJaneiro (Tabela A5) foram obtidos noMinistério do Desenvolvimento, Indústriae Comércio (2006).

De acordo com a Tabela A5, en-quanto o estado de Minas Gerais é umestado exportador, o estado do Rio deJaneiro importa do exterior mais do queexporta. Entretanto, a partir de 2002 atendência do comércio internacional doRio de Janeiro vem se modificando, comampliação das exportações em relaçãoàs importações.

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137Suzana Quinet de Andrade Bastos e Fernando Salgueiro Perobelli

Tabela A4 : Despesa de custeio estadual total de Minas Gerais e do Rio de Janeiro – 2000/2004 (valores constantes em milhões de reais)

Minas Gerais Rio de Janeiro Anos

Gastos Gastos/PIB (%) Gastos Gastos/PIB (%)

2000 5.224 8,4 6.717 7,9 2001 6.720 9,2 6.621 6,1 2002 7.825 7,6 8.046 5,0 2003 8.536 6,7 10.156 5,1 2004 10.899 6,6 11.838 4,7

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2006).

Tabela A5: Saldo da balança comercial de Minas Gerais e do Rio de Janeiro com outros países – 2000/2004 (valores constantes em milhões de reais)

Minas Gerais Rio de Janeiro Anos

Exp. Imp. Saldo Saldo / PIB (%)

Exp. Imp. Saldo Saldo / PIB (%)

2000 7.208 2.986 4.222 6,8 1.976 5.337 - 3.361 - 4,0 2001 9.194 4.558 4.636 6,3 3.649 8.065 - 4.416 - 4,0 2002 15.681 6.214 9.467 9,2 9.029 13.317 - 4.288 - 2,6 2003 20.042 6.556 13.486 10,6 13.060 13.205 - 1.453 - 0,7 2004 28.743 8.592 20.152 12,3 20.198 18.210 1.988 0,8 Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e do Comércio (2006).

Resumo

O artigo aborda a importância do trans-porte na análise regional através da aná-lise da industrialização de Juiz de Fora.Juiz de Fora até os anos 1930 se carac-terizou como o maior centro industrialdo estado de Minas Gerais. A cidade foiaos poucos entrando num processo dedeclínio industrial. Objetivando reverteressa tendência, a cidade foi palco depolíticas públicas a partir dos anos 1970.

Abstract

This paper deals with the importance oftransport in the regional analysis basedon the industrialization process at Juizde Fora. Until 1930, Juiz de Fora wascharacterized as the biggest industrial andurban centre at Minas Gerais state,based on textile industry. The city pre-sented a process of decrease in its de-gree of economic activity, mainly in theindustrial sector. In order to change the

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138 Logística territorial e desenvolvimento local

trajectory, Juiz de Fora received an im-portant set of investments financed bythe state. Those investments were thelocalization of “Siderúrgica Mendes Jun-ior, Companhia Paraibuna de Metais”and more recently the construction of aMercedes Benz unit. Despite thoseprojects the industrial sector of Juiz deFora continued the path of decrease inthe level of growth. The analysis of thoseprojects enables us to verify that thepoint that makes Juiz de Fora differentfrom the other Brazilian municipalitiesis its excellent geographical location. Thispoint leads us to the traditional localiza-tion theory and its development duringthe twentieth century based on the neweconomic geography, mainly the logisticof transport. This process makes roomfor the implementation of a Logistic Plat-form that can be explored by public orprivate sector.

Keywords: transport logistic, regionaldevelopment, Minas Gerais state.

As políticas referem-se à atração dasempresas Siderúrgica Mendes Júnior,Companhia Paraibuna de Metais e Mer-cedes-Benz. Apesar da grande expecta-tiva, as empresas foram incapazes dereverter a tendência de desaceleraçãodo setor industrial. Por meio da análisedas estratégias, verifica-se que o quediferencia Juiz de Fora das outras cidadesé sua excelente localização geográfica.Ao valorizar a localização, retorna-se àTeoria da Localização Tradicional e seuposterior desenvolvimento com a NovaGeografia Econômica e com a Logísticade Transporte. Com o desenvolvimentoda logística, torna-se importante a cons-trução de centros de distribuição facili-tadores do fluxo de produtos. Assimsurgem as Plataformas de Logística, quepodem ser exploradas tanto pelo setorpúblico quanto pelo setor privado.

Palavras-chave: logística de transporte,desenvolvimento regional, Minas Gerais.

Suzana Quinet de Andrade Bastos é economista, Doutora em PlanejamentoUrbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ, professora da Faculdade de Economia eAdministração e do Mestrado em Economia Aplicada da Universidade Federal deJuiz de Fora. Área de atuação: desenvolvimento regional e local.

Fernando Salgueiro Perobelli é economista, Doutor pela Universidade deSão Paulo. Professor da Faculdade de Economia e Administração e do Mestradoem Economia Aplicada da Universidade Federal de Juiz de Fora. Pesquisador doCNPq. Áreas de atuação: economia regional e urbana, e equilíbrio geral computável.

Recebido em dezembro de 2006. Aprovado para publicação em abril de 2007

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Rumos da PRumos da PRumos da PRumos da PRumos da Pesquisaesquisaesquisaesquisaesquisa

Page 127: Cadernos IPPUR Manoel Lemes 2006

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 1, 2006, p. 141-165

Gestão urbana e gasto públicoGestão urbana e gasto públicoGestão urbana e gasto públicoGestão urbana e gasto públicoGestão urbana e gasto públicomunicipal em infra-estruturamunicipal em infra-estruturamunicipal em infra-estruturamunicipal em infra-estruturamunicipal em infra-estruturaviária: a eviária: a eviária: a eviária: a eviária: a experiência de Txperiência de Txperiência de Txperiência de Txperiência de Terererereresina -esina -esina -esina -esina -PPPPPiauíiauíiauíiauíiauíAntônia Jesuíta de Lima

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

É consenso que as grandes e médias ci-dades brasileiras se caracterizam por umforte processo de segregação socioespa-cial em que as diferentes periferias so-frem com os efeitos regressivos dosinvestimentos públicos. Como ressaltaMarques (2003), o atendimento desi-gual prestado pelo Estado resulta embaixo provimento de serviços públicospara parte expressiva da população,procedimento que é atestado pelos ne-gativos indicadores sociais verificadosnas áreas habitadas pelas populaçõespobres. Esta constatação leva a indaga-ções sobre a responsabilidade do Estadona conformação desse diagnóstico, sobreo papel das administrações locais napromoção de políticas redistributivas esobre as condições fiscais dos governosde estabelecerem prioridades no orde-namento dos gastos. Nesse sentido, é

que se torna pertinente a análise dogasto público municipal e das orienta-ções do investimento governamental.

O presente artigo traz resultados deuma pesquisa que analisa os padrões deinvestimento da administração local nomunicípio de Teresina, capital do estadodo Piauí, a partir de uma política setorial,a de infra-estrutura viária, com vistas àconstrução de um perfil das inversõespúblicas municipais no espaço urbano,observando o grau de investimentos, astendências e a espacialização dos gastos.A pesquisa, que integrou as atividadesde um estágio de pós-doutorado, foirealizada no período de setembro de2005 a agosto de 2006.

A decisão de pesquisar a infra-estru-tura urbana deveu-se, em princípio, ao

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142 Gestão urbana e gasto público municipal em infra-estrutura viária

fato de que em geral ela capta mais in-vestimentos das administrações e à cons-tatação de que na execução de umgrande projeto de intervenção pública,o Projeto Vila-Bairro, a prioridade foiesse tipo de política, o que explica tam-bém o recorte temporal de 1997 a2004, período que corresponde a duasgestões do prefeito Firmino Filho, doPartido da Social Democracia Brasileira(PSDB), executor do referido projeto.Remontando à pesquisa de Marques(2003), em que o autor atesta quegovernos de esquerda em São Paulo in-vestem mais em áreas pobres, procurou-se saber em que medida esse governo,com um perfil ideológico de centro-es-querda, se caracterizou por um padrãoredistributivo de investimentos, se houvediferenças na alocação de recursos deuma gestão para a outra e qual foi a ten-dência ao longo do período estudado.

Privilegiou-se o recorte na infra-estrutura viária pelo seu papel no dese-nho do espaço urbano, na distribuiçãodos benefícios e na localização dos dife-rentes segmentos sociais. Convém salien-tar que foi nos anos 1970 que Teresinaganhou nova conformação espacial apartir de grandes investimentos no siste-ma viário e da ampliação da malha ur-bana. Nessa década, “(...) as inversõespúblicas priorizaram a complementaçãoda rede viária, através da abertura,prolongamento e pavimentação de gran-des avenidas e da construção de pontessobre o rio Poti, interligando as várias re-giões da cidade” (Lima, 1996).

Não por acaso, foi nessa época quese criou, na primeira gestão do Prefeito

Wall Ferraz (1975-1978), a Empresa Te-resinense de Desenvolvimento Urbano(Eturb), sob a Lei 1.486, de agosto de1975, com a finalidade de executar pro-gramas de obras em áreas urbanas, cen-tralizando a responsabilidade de tratar dainfra-estrutura urbana do município.

O trabalho de investigação começoupelos Balanços Orçamentários, publica-dos no Diário Oficial do Município(DOM), anualmente, nos quais se busca-va informação em nível desagregado quepermitisse a regionalização dos gastos;mas, ao examinar os documentos, cons-tatou-se a insuficiência dos dados, umavez que eles não se achavam suficiente-mente pormenorizados para localizar es-pacialmente os investimentos. Como setratava de um recorte centrado na infra-estrutura viária, área que envolve con-tratos e empreiteiras e exige maiordetalhamento na publicação das licita-ções, partiu-se então para uma pesquisadireta no DOM, uma vez que o espectrodas informações era muito maior, envol-vendo desde o valor dos contratos, o tipode obra e/ou serviço, a localização e afonte de recursos, até as empresas con-tratadas para executar as obras.

As informações obtidas no DOMque formaram o banco de dados se re-ferem, assim, a extratos de contratos ede termos aditivos firmados entre osórgãos da prefeitura responsáveis pelainfra-estrutura urbana e as empresasque venceram licitações para a realizaçãode obras e serviços. De 1997 a 2004,período correspondente às duas gestõesdo prefeito Firmino Filho – 1997 a 2000e 2001 a 2004 –, esses dados foram

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consultados dia a dia. O banco de dadosresultante do trabalho de campo trazinformações sobre os valores contrata-dos, as datas de assinatura dos contratose de publicação, o objeto, os locais derealização das obras e serviços e as em-presas envolvidas.

A pesquisa contempla iniciativas dogoverno municipal na gestão do sistemaviário, abrangendo diferentes tipos deobras e serviços de pequeno porte, comopavimentação e drenagem, e obras degrande porte, como construção de gale-rias pluviais, de avenidas, de pontes eviadutos, além de serviços de assessoriae elaboração de projetos, de aquisiçãode material, como, por exemplo, demassa asfáltica, e de apoio às obrasexecutadas. Essas iniciativas foram imple-mentadas por dois órgãos da adminis-tração indireta da prefeitura: a Eturb, queaté o ano de 2000 era responsável pelas

obras de infra-estrutura urbana, e as Su-perintendências regionais (SDUs), que,criadas em 2000 no contexto de umareforma administrativa, assumiram asfunções da Eturb no tocante às obras eserviços de infra-estrutura urbana.

Os valores dos contratos foram sub-metidos a uma atualização dos índicesde inflação com base no IPCA 1, toman-do como referência os valores em reaisde janeiro de 2006.

Ao procurar reconstruir os padrõesde investimento no tempo e no territóriomunicipal, tornou-se importante empre-ender uma análise do contexto urbanoda cidade e uma caracterização socioe-conômica do município, procedimentoque constitui a primeira parte do artigo.A segunda parte apresenta a análise dopadrão do gasto público em infra-estru-tura viária no período em foco.

1 O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), segundo o Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), abrange as famílias com rendimentos mensais compreendidosde 1 (um) a 40 (quarenta) salários mínimos, qualquer que seja a fonte de rendimento, eresidentes nas áreas urbanas das regiões.

2 Entre 1940 e 1980 ocorreu uma radical inversão no tocante ao local de residência da popu-lação brasileira. Enquanto esta triplicou, a população urbana aumentou sete vezes e meia. Jáentre 1950 e 1991, a população total também triplicou, ao passo que a urbana aumentouseis vezes (Santos, 1993).

Contextualização socioeconômica e demográfica deContextualização socioeconômica e demográfica deContextualização socioeconômica e demográfica deContextualização socioeconômica e demográfica deContextualização socioeconômica e demográfica deTTTTTerererereresinaesinaesinaesinaesinaTeresina, capital do Piauí, localizada naMesorregião Centro-Norte Piauiense, àsmargens do rio Parnaíba, registra umapopulação de 715.360 habitantes, dis-tribuída em uma área de 1.755,7 km2

(Mapa 1). Reproduzindo tendência ve-

rificada no país desde os anos 1950 comrespeito ao crescimento urbano 2, 94,7%da população teresinense (677.470 hab.)está concentrada na zona urbana, en-quanto apenas 5,3% (37.890 hab.) per-manecem no meio rural (IBGE, 2000).

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Mapa 1Mapa 1Mapa 1Mapa 1Mapa 1: Município de Teresina, PI, 2006 - Zona urbana

FFFFFonteonteonteonteonte: Prodater, PMT, 2006.

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A condição de centro político-admi-nistrativo do estado e de pólo econômicoda microrregião alçou Teresina à posiçãode sede da recém-instituída Região Inte-grada de Desenvolvimento da GrandeTeresina (Ride). Criada pela Lei Comple-mentar 112, de 19/9/2001, regulamen-tada pelo Decreto 4.367, de 9/9/2002,a Ride constitui um instrumento regio-nal, de caráter político-administrativo,que visa racionalizar e articular as açõespúblicas comuns ao Piauí e ao Maranhãonos municípios que a integram.

Constitui a capital um centro políticoe de serviços importante porque se situana confluência dos eixos de circulaçãoque ligam as metrópoles do Nordeste –Salvador, Recife e Fortaleza – a Belém,porta de entrada para a Amazônia (Tere-sina, 2002). Caracteriza-se como umcentro regional não só do estado, no quetange ao fluxo de atividades econômicase de serviços, como também do Nor-deste, especialmente no setor de saúde,atraindo populações do Maranhão, To-cantins e Pará.

Aspectos históricos, socioes-Aspectos históricos, socioes-Aspectos históricos, socioes-Aspectos históricos, socioes-Aspectos históricos, socioes-paciais e demográficospaciais e demográficospaciais e demográficospaciais e demográficospaciais e demográficos

A criação da cidade de Teresina data dasegunda metade do século XIX e tevecomo motivação política um movimentodas elites piauienses em defesa da trans-ferência da sede da Província – Oeiras,situada na região central do território –para a Vila Nova Poti, localizada aoNorte, às margens do rio Parnaíba, áreaconsiderada apropriada para a expan-são da economia, que ingressara num

novo ciclo, o do extrativismo vegetal,atividade que ganhava expressividadedesde o princípio daquele século (Men-des, 1995). Assim, foi planejada e edifi-cada, em 1852, para assumir, conformeas expectativas de então, as funçõespolítico-administrativas de capital e de-senvolver a Província através da nave-gação do rio Parnaíba.

Construída sob o signo do progressoe um discurso de modernização, estrate-gicamente urdido pelos homens públi-cos locais, Teresina, na própria origem,trazia uma vocação urbana (Nascimento,2002). Entretanto, até a primeira décadado século XX, a capital ainda não exibiaos tão desejados sinais de urbanidade emodernidade, nela prevalecendo os tra-ços típicos das cidades coloniais brasileiras.

O processo de urbanização somenteganha impulso considerável nos anos1950, sob influência da estratégia polí-tica de modernização do país, no âmbitodo projeto desenvolvimentista, quandoo Piauí é integrado às demais regiõesatravés das intervenções públicas fede-rais voltadas para o incremento do pro-cesso produtivo, a diversificação daeconomia e o desenvolvimento regional.

Mediante essa nova estratégia polí-tico-econômica e em decorrência dosinvestimentos públicos federais em ro-dovias, rede de comunicação, ampliaçãoda rede elétrica, construção de barra-gens, entre outros, Teresina experimen-tará, nas décadas de 1950 e 1960, fortemovimento de expansão urbana, estrei-tamente articulada com o crescimentodo setor de serviços e com o aumento

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do fluxo migratório campo-cidade, fa-tores de redesenho do espaço urbano.Cumpre salientar que, na divisão regio-nal do trabalho, Teresina e outras capitaisdo Nordeste com processo de urbaniza-ção semelhante ao da capital piauiensese inscreveram nos cenários econômicosregional e nacional como cidades quecresceram movidas na economia pelosetor de serviços, notadamente as ativi-dades vinculadas ao comércio e à bu-rocracia estatal. O incremento dessasatividades favoreceu o crescimento dosetor terciário, que constitui, ao lado dosoutros fatores, condicionantes para oaumento do fluxo migratório em dire-ção à capital, a partir dos anos 1960.Isso significa dizer que, ao contrário dalógica que presidiu o processo de urba-nização no centro-sul do país, em Tere-sina, assim como no Piauí, a dinamizaçãodo urbano não se deu pelo impulso àindustrialização, que teve o Estado comoprincipal indutor do processo.

Essa economia baseada no setor ter-ciário, que se hegemoniza a partir dosanos 1960, gerará alterações significativasno espaço urbano, redefinindo os con-tornos da cidade, a partir dos anos 1970.

As visíveis marcas do crescimentourbano de Teresina são encontradas nãoapenas na estrutura físico-espacial e nanova dinâmica urbana, mas também noaumento rápido da população do mu-nicípio e conseqüente elevação da taxageométrica de crescimento anual, queao passar de 3,0%,,,,, em 1950, para4,6%, em 1960, define a década de1950 como um marco significativo noprocesso de urbanização da capital.

De fato, nos decênios seguintes, Tere-sina, como outras capitais nordestinas,experimentou acelerado processo deurbanização e significativo crescimentodemográfico, provocados, sobretudo,pelos fortes fluxos migratórios prove-nientes do meio rural piauiense e dos vi-zinhos estados do Maranhão e do Ceará.Por sediar o aparelho administrativo esta-tal e dispor de uma maior rede de serviçosurbanos e sociais, a capital transformou-se no principal centro de atração da po-pulação migrante, contribuindo paraque, entre 1970 e 1980, se registrasse amaior taxa de crescimento populacionalde sua história (5,4%), determinando aelevação da população total de 220.487habitantes, em 1970, para 377.774, em1980, e da urbana, de 181.062 para339.042 (IBGE, 1970, 1980), consta-tando-se, nesse período, uma taxa deurbanização da ordem de 89,7%.

Esses índices, associados aos novosproblemas que a cidade passara a in-corporar, demarcam a segunda inflexãono processo de urbanização da capital.Ganham visibilidade os efeitos de umacelerado crescimento urbano que se fezsuperior à capacidade da cidade de ab-sorver demandas que se foram acumu-lando desde os anos 1950, bem comodas novas, que se apresentavam comodesafio à gestão urbana.

Nos anos 1980, a taxa geométricade crescimento anual se manteve aindaelevada, embora em percentual maisbaixo, de 4,4%, conforme evidenciam osindicadores do Censo Demográfico de1991 (IBGE, 1991). Nessa dinâmica decrescimento, a população do município

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cresceu de 377.774 habitantes, em 1980,para 599.272, em 1991, verificando-setambém a elevação da taxa de urbaniza-ção para o patamar de 92,9%, processoque definiu a evolução da populaçãourbana de 339.042 habitantes, em1980, para 556.911, em 1991. No pe-ríodo de 1991 a 2000, conforme dadosdo Censo Demográfico (IBGE, 2000),Teresina acumulou uma taxa média geo-métrica de crescimento de 2,0%, amenor registrada pelos Censos desde1950, abaixo, portanto, dos índices veri-ficados nas capitais vizinhas – São Luís(2,5%) e Fortaleza (2,2%). Essa inflexãopara baixo na espiral de crescimento tam-bém ocorreu no estado (((((1,1%), no Nor-deste (1,3%) e no Brasil (1,6%)3 (IBGE,2000), os quais, como se nota, apresen-taram percentuais bastante inferiores aosdas capitais referidas.

Dinâmica urbana eDinâmica urbana eDinâmica urbana eDinâmica urbana eDinâmica urbana esocioeconômicasocioeconômicasocioeconômicasocioeconômicasocioeconômica

Consoante o exposto, os anos 1970 re-gistraram um acelerado crescimento nacapital, visível não apenas na reconfigu-ração do desenho urbano, em virtudeda ampliação da malha viária e dos gran-des empreendimentos habitacionais para

populações de baixa renda, mas tambémno acirramento de contradições sociaisgeradas ao longo desse processo. Nosanos 1980, essa tendência de crescimen-to se consolidou e a cidade se expandiuem todas as direções, com a construçãode grandes avenidas e novas pontessobre os rios Poti e Parnaíba, que com-pletam a interligação de todas as regiõesda cidade, e a edificação de extensos con-juntos habitacionais para além da malhaurbana, ampliando os espaços de locali-zação das populações pobres e consti-tuindo novas periferias.

A nova estrutura urbana traz, nasmarcas físico-espaciais, a imagem de umacidade em expansão, porém clivada porintensas contradições e fortes traços se-gregadores e excludentes. Desse modo,a já complexa questão urbana se poten-cializa, tendo como um dos principaisdeterminantes a problemática habitacio-nal. Não obstante o grande volume deinvestimentos públicos nessa área nadécada de 1980 4, houve o aprofunda-mento dos contrastes sociais, detectáveisno baixo nível de qualidade de vida damaior parcela de sua população e noaumento dos conflitos urbanos, especial-mente aqueles em torno do uso e ocu-pação do solo.

3 Essa taxa média geométrica de crescimento anual foi considerada uma das mais baixas jáobservadas no país, refletindo, segundo o IBGE, a continuidade do declínio da fecundidadedurante os anos 1990. “Nesse período, a queda na taxa de crescimento atingiu -15,54%,permanecendo a tendência de redução observada nos censos anteriores” (IBGE, 2000, p. 22).Registram ainda os dados que, no período intercensitário 1991-2000, as maiores taxas decrescimento ocorreram nas regiões Norte e Centro-Oeste, enquanto as demais apresentaramvalores inferiores a 2,0%, destacando-se a região Nordeste com o menor valor, 1,30%. Omais significativo declínio da taxa de crescimento no período referido foi registrado nessaregião, de 28,96% (IBGE, 2000).

4 Somente na área de moradia, foram construídas, nessa década, por meio do Sistema Finan-ceiro de Habitação (SFH), 23.179 unidades habitacionais (Lima, 1996).

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Conforme dados oficiais (Teresina,1994), foram identificados, em 1993,141 assentamentos de baixa renda emTeresina, com 67.503 pessoas, ou 11,3%da população do município. Em 1996,esses números se elevaram a 149 assen-tamentos e a 94.617 pessoas (Teresina,1996), ou 14,4 % da população. Dadosdo III Censo das Vilas e Favelas, realizadoem 1999 (Teresina, 2000), constataramuma redução do ritmo de crescimentodessas formas de moradia, embora onúmero de habitantes tenha aumentadopara 133.857, ou 20,4% da populaçãodo município. Numa comparação entreos dados de 1993 e os de 1999, obser-vou-se que a população desses assenta-mentos de baixa renda teve incrementode 97,9% em relação à de 1993, o quedenota uma intensificação da vulnerabi-lidade da vida urbana para determinadosegmento social. Em 2004, conformeatesta Ximenes Neto (2005), Teresina járegistrava mais 44 novos assentamentosde baixa renda, envolvendo áreas ocu-padas em decorrência de conflitos ur-banos e núcleos institucionais origináriosde programas habitacionais da adminis-tração municipal e revelando a existênciade enorme déficit habitacional.....

O aumento da vulnerabilidade socialdas populações pobres tem, assim, comoprincipais condicionantes, além das dis-

torções do processo de urbanização e daineficiência das políticas estatais no en-frentamento da questão urbana, o fracodesempenho da economia do estado,baseada no setor terciário, notadamenteno informal. Com efeito, consoante da-dos das Contas Regionais relativas a 2003(IBGE, 2003), o Piauí, na composiçãodo PIB do Brasil, contribuiu apenas comR$ 7.325 milhões, correspondendo a3,4% do Nordeste e a 0,5% do país. Aliás,no período 2000/2003, a participaçãodo Piauí no valor adicionado bruto doBrasil por atividades econômicas se man-teve constante, na ordem de 0,5%, re-sultado que rendeu ao estado o segundomais baixo PIB per capita da região Nor-deste (R$ 2.485), superior apenas ao doMaranhão (R$ 2.354).

Outros indicadores econômicos queadensam esse quadro podem ser vistosno Censo Demográfico de 2000 (IBGE,2000), segundo o qual pouco mais dametade (54,7%, ou 316.588 pessoas)das pessoas em idade ativa (PIA) inte-grava a população economicamenteativa (PEA) 5. Nesse universo, 16,83%representavam a taxa de desempregona capital, percentual que, para oIBGE, compreende as pessoas que pro-curavam trabalho na semana de refe-rência da pesquisa, caracterizando ochamado desemprego aberto 6.

5 Para o IBGE (2000), a PEA abrange as pessoas com 10 anos ou mais de idade que, noperíodo de referência da pesquisa, desenvolviam alguma atividade ou pressionavam o mer-cado de trabalho.

6 Refere-se o desemprego aberto à situação em que determinada fração da PEA, na semanade referência da pesquisa, não estava trabalhando, mas havia tomado alguma providênciaconcreta para isso. Não estão, assim, incluídas nesse conceito as pessoas de 10 anos oumais de idade que, embora aptas, não procuraram trabalho na semana de referência dapesquisa.

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Confirmando a principal caracte-rística da economia estadual e local, osetor de serviços absorve o maior efetivoda força de trabalho ocupada. Isso querdizer que 54,2% das pessoas ocupadasdesenvolviam sua atividade principalnesse setor, em que se destacavam, porordem, administração pública (9,8%),serviços domésticos (9,8) e educação(8,7%). Em segundo lugar, vinham asatividades de comércio, com 21,0%, eem terceiro, refletindo o seu baixo de-sempenho, a indústria, que contava com19,4% do pessoal ocupado: 10,6% ematividades da indústria extrativa, da in-dústria de transformação e na distribui-ção de eletricidade, água e gás, e 8,8%na indústria da construção civil. Nas ati-vidades ligadas à agropecuária, haviaapenas 5,1% das pessoas ocupadas.

Os dados expostos atestam o quese afirmou anteriormente acerca dograu de vulnerabilidade social de fraçãomajoritária da população teresinense,bem como a dimensão da distância quesepara ricos e pobres, retrato que seamplia quando se trata da renda dapopulação em geral e da populaçãoeconomicamente ativa e ocupada. Des-tarte, segundo o Censo Demográfico de2000 (IBGE, 2000), na distribuição daspessoas de 10 anos ou mais de idadeocupadas, por classes de rendimentonominal mensal de todos os trabalhos,

que totalizam 263.264, 36,2% se encon-travam na faixa de rendimento de atéum salário mínimo, e 27,0%, na de maisde um a dois. Ou seja, 63,2% das pes-soas ocupadas (166.539) auferiam umarenda de até dois salários mínimos, semconsiderar os 3,1% que se declararamsem rendimento.

Na verdade, esse quadro expressa arealidade histórica de Teresina, assimcomo de outros centros urbanos brasi-leiros, em que os processos de exclusãosocial e de negação da cidadania se reite-ram, numa ambiência em que as relaçõese as práticas sociais ainda se mediatizampor relações patrimonialistas, clientelistase paternalistas. Apesar das particularida-des locais, há um traço comum entre aconstituição do urbano em Teresina e oprocesso de urbanização no Brasil, queé o fato de se desenvolverem pari passuda pobreza. No caso brasileiro, a cidade,conforme afirma Santos (1993), torna-se criadora da pobreza em razão não sódo modelo socioeconômico mas tam-bém da estrutura física, que transformaos habitantes da periferia em indivíduosainda mais pobres.

Ressalte-se que os índices que men-suram o grau de desenvolvimento hu-mano, baseado na metodologia doPnud, destacam um crescimento de7,43% do IDH-M 7 de Teresina, que se

7 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi criado com a finalidade de mensurar o nívelde desenvolvimento humano dos países, utilizando outros indicadores além do rendimento,critério adotado consensualmente até então para avaliar o nível de desenvolvimento. Sus-tenta-se que o IDH é uma alternativa viável ao PNB per capita, podendo monitorar de formamais eficiente o progresso das nações e das sociedades em âmbito global. Os indicadoresutilizados são: Esperança de vida ao nascer, representando uma vida longa e saudável; Níveleducacional (freqüência escolar e taxas de alfabetização), representando o conhecimento, eo PIB real, representando um padrão de vida decente. A aferição do IDH varia de 0 a 1,

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elevou de 0,713, em 1991, para 0,766,em 2000 8, um aumento de 41,42% narenda per capita média, que passou deR$ 177,27, em 1991, para R$ 250,69,em 2000, e uma redução de 22,20%das pessoas consideradas pobres 9, cujataxa baixou de 50,75% para 39,5%(Ipea/Pnud, 2003). Apesar desses nú-meros, a realidade local revela um qua-dro mais profundo de desigualdadessociais que segmentam a sociedade,atestado pelas próprias estatísticas. Tere-sina é o município de melhor IDH-M,no âmbito do estado, mas, no contexto

nacional, situa-se na 1.420a posição e,no regional, na penúltima, superior ape-nas à de Maceió.

O quadro exposto revela, pois, umaTeresina que, nas últimas décadas doséculo XX, cresceu celeremente e teveelevada a sua dimensão espacial e de-mográfica, mas que vem acumulandoproblemas sociais profundos, gerados aolongo desse processo, que expõem a“tragédia urbana” (Maricato, 2001) dasgrandes cidades brasileiras.

obedecendo à seguinte classificação: índice até 0,499 corresponde a baixo desenvolvimentohumano; entre 0,500 e 0,799 corresponde a médio desenvolvimento humano; e igual ouacima de 0,800 corresponde a alto desenvolvimento humano.

8 Na classificação do Pnud, Teresina situa-se na categoria de médio desenvolvimento humano.9 Classificam-se como pobres as pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$ 75,50,

equivalente à metade do salário mínimo vigente em agosto de 2000 (Ipea/Pnud, 2003).10 O número de extratos de aditivos encontrado foi maior, mas alguns deles, por não conterem

o valor do aditamento, não foram considerados na pesquisa.

PPPPPadrão de investimento em infra-estrutura viária noadrão de investimento em infra-estrutura viária noadrão de investimento em infra-estrutura viária noadrão de investimento em infra-estrutura viária noadrão de investimento em infra-estrutura viária noperíodo de 1997 a 2004período de 1997 a 2004período de 1997 a 2004período de 1997 a 2004período de 1997 a 2004

Considerando-se que “(...) as obras viá-rias públicas sempre ocuparam umpapel central na organização do espaçourbano” (Marques, 2005, p. 38), o ban-co de dados levantado foi submetido auma análise exaustiva e detalhada, demodo a traçar as tendências e trajetóriasdos investimentos. Assim, os dados aquiapresentados referem-se a valores apli-cados, prioridades de obras, empresasbeneficiadas e espacialização dos gastos,e visam identificar o direcionamento, asprevalências e o padrão predominantena distribuição espacial dos recursos.

Os investimentos analisados resul-tam da pesquisa de 853 extratos (751contratos e 102 termos aditivos 10 ).Esses contratos e aditivos foram firma-dos com 169 empresas, num valor deR$ 125.563.623,12.

Pela análise temporal desses contra-tos e aditivos por ano e gestão, obser-vou-se que o período de 1997 a 2000(correspondente à primeira gestão), re-gistrou o maior volume, totalizando 593(69,52%), enquanto de 2001 a 2004(segunda gestão) foram encontrados

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apenas 260 registros (30,48%). Esseperfil demonstra que o prefeito FirminoFilho realizou mais obras no primeiromandato, o que não significa maioresinvestimentos, conforme se notará.

Os anos de 1997 e 1998 concen-traram maior número de contratos eaditivos, com destaque para 1998, queapresentou percentual de 42,83% nagestão – superior ao de 30,19%, em1997 – e de 29,78% no total do períodoanalisado – superior ao de 20,98%, em1997. Em terceiro lugar, com maiorvolume de obras e serviços, situa-se oano de 2004, com 101 registros (38,85%na gestão e 11,84% no total do perío-do). Como já mencionado, embora Fir-mino Filho tenha executado um maiorvolume de obras na primeira gestão, aele não corresponde o maior volumede gastos, seja por ter priorizado a rea-lização de pequenas obras, seja pelaausência de recursos para grandes obras.Na verdade, os financiamentos adquiri-dos por meio do BNDES, da CEF e deoutras fontes foram contratados paraatender majoritariamente pequenasobras, como pavimentação de ruas econstrução de creches e postos de saúde.

PPPPPadrão de financiamentoadrão de financiamentoadrão de financiamentoadrão de financiamentoadrão de financiamento:::::valor dos investimentos,valor dos investimentos,valor dos investimentos,valor dos investimentos,valor dos investimentos,valor médio e perfil devalor médio e perfil devalor médio e perfil devalor médio e perfil devalor médio e perfil degastos anuais e por gestãogastos anuais e por gestãogastos anuais e por gestãogastos anuais e por gestãogastos anuais e por gestão

No período de 1997 a 2004, foram in-vestidos, com base em valores reais dejaneiro de 2006, R$ 125.208.438,21em infra-estrutura viária na zona urbanada cidade, sendo R$ 123.954.660,16

(88%) concernentes a contratos eR$ 1.253.778,05 (11,96%), a adita-mentos, este um valor extremamentebaixo, indicativo de que não houve qual-quer variável política com interferênciano processo. Numa análise temporal,observa-se que os anos que concentra-ram o maior volume de investimentosforam 2003, com 45,11%; 2000, com15,98%; e 1998, com 11,36%. Esseselevados valores devem-se a obras dealto custo, como a contratação para aconstrução de uma nova ponte sobre orio Poti em 2003, que, isoladamente,contraiu R$ 45.946.493,07 do totalgasto naquele ano. Em relação a 1998e 2000, os valores elevados coincidemcom a contratação de recursos do ProjetoVila-Bairro, que apresentou os maioresinvestimentos nesses anos, totalizando47,6% dos gastos desse projeto no perío-do de 1997 a 2004, em que a maior partefoi aplicada em infra-estrutura urbana.

O perfil dos gastos anuais enseja al-gumas ponderações importantes. Emprimeiro lugar, não se constata uma re-lação direta entre o volume de contra-tos e aditivos e o dos gastos, uma vezque o ano de 1998, embora tenha apre-sentado a maior quantidade de contra-tos e aditivos, não exibiu o volume maisalto de investimentos, reservado a 2000e 2003. Esses anos, por sua vez, estam-param números baixos de contratações,permitindo a inferência de que aos nú-meros elevados de contratos e adita-mentos corresponderam baixos valoresnas contratações.

Em segundo lugar, não se verifica umarelação direta entre os gastos efetuados

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152 Gestão urbana e gasto público municipal em infra-estrutura viária

e o período eleitoral, apesar da fortecoincidência entre os mais elevados va-lores e o ano eleitoral de 2000 e o pré-eleitoral de 2003, mesmo considerandoque se tratava de obras que dependiamde financiamento externo, como o Pro-jeto Vila-Bairro e a construção da pontesobre o rio Poti, cujos repasses ocorre-ram simultaneamente aos ciclos eleito-rais de 2000 e 2004. Como ressaltamMarques e Bichir (2001, p. 64),

a hipótese de associação entre essasduas dimensões parte do suposto dapredominância do imperativo, emregimes democráticos, da tentativade reeleição dos governantes ou,quando esta não estiver prevista ins-titucionalmente, da tentativa de in-fluenciar o processo de escolha deseu sucessor, mantendo força polí-tica sobre a administração.

Haveria, assim, coincidência entre osciclos eleitorais e os investimentos, sobre-tudo nas políticas de grande visibilidadepública, como é o caso da infra-estruturaviária. Admite-se, como Marques e Bichir(2001), que os investimentos públicosmunicipais nessa área não dependeramdos ciclos eleitorais, mas estiveram emconsonância com os recursos disponíveisna prefeitura. Entretanto, não se podedeixar de registrar que a grande visibili-dade das obras de infra-estrutura urbanaem toda a periferia da cidade, atravésdo Projeto Vila-Bairro, constituiu fatorfavorável à reeleição de Firmino Filho eà eleição de seu sucessor.

Com esse padrão de gastos no pe-ríodo, já se configura a tendência de sua

maior concentração em uma gestão.Com efeito, na segunda gestão doprefeito Firmino Filho (2001 a 2004),houve o maior volume de gastos,R$ 76.127.142,65, dos quais 74,20%foram contraídos em 2003 e 14,13%em 2004.

Já na primeira gestão, com menorvolume de gastos, destaca-se o ano de2000, que acumulou 40,77%, seguidode 1998, com 28,99%. Nota-se aindaque não são grandes as diferenças entreos gastos anuais na primeira gestão, aocontrário da segunda, em que o ano de2003 se distancia dos demais por acu-mular o maior valor gasto durante essagestão e o período pesquisado. De modogeral, na segunda gestão os investimen-tos foram baixos, com exceção de 2003,o que coincide com uma redução dosgastos do Projeto Vila-Bairro.

O valor médio investido no períodopesquisado foi de R$ 146.785,98, como menor valor de R$ 1.882,22 e omaior de R$ 45.946.493,07.

Conforme se observa no cálculo dovalor médio anual por gestão, a maiormédia de gasto está na segunda, comR$ 292.796,70, em razão do menornúmero de casos e do maior volume in-vestido no período. Concorreu tambémpara esse resultado o volume de gastosrelativo a 2003, que, isoladamente, apre-sentou uma média de R$ 973.869,43.Em contrapartida, com uma média deR$ 82.767,78, a primeira gestão exibiua menor média de todos os anos do pe-ríodo pesquisado, R$ 54.228,82, con-cernente a 1997, dado que reforça a

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153Antônia Jesuíta de Lima

constatação de que a uma grande con-centração de contratos e aditivos em umdeterminado ano não corresponde umgrande volume de investimentos.

PPPPPadrão de investimentosadrão de investimentosadrão de investimentosadrão de investimentosadrão de investimentossegundo o porte das obrassegundo o porte das obrassegundo o porte das obrassegundo o porte das obrassegundo o porte das obras

O exame do tamanho dos investimentosindica as prioridades do gestor paraaquela política. Por isso, tornou-se per-tinente analisar a distribuição dos inves-timentos tendo como referência valorespreviamente definidos e tipos de ação,como base para qualificar pequenas,médias e grandes obras. A partir da ten-dência, já observada, de priorizar pe-quenas obras, atribuíram-se o tamanhodas obras e seus valores corresponden-tes. Assim, foram consideradas peque-nas obras aquelas cujos valores foraminferiores a R$ 50 mil (como pavimen-tação poliédrica de ruas), grandes obrasaquelas cujos valores foram superioresa R$ 100 mil (como terraplenagem erecapeamento asfáltico, construção deviaduto, de passarela e de ponte, aqui-sição de usina de asfalto, prolongamen-to de avenida, construção de grandesgalerias) e obras médias aquelas cujosvalores oscilaram entre R$ 50 mil eR$ 100 mil (como recuperação de ga-lerias, construção de meio-fio, pavimen-tação em paralelepípedo e pequenasgalerias tubulares).

Confirmando a tendência, os dadosindicam que houve no período de 1997a 2004 uma grande concentração depequenas obras, isto é, com contratosabaixo de R$ 50 mil, perfazendo 440

casos (51,58% do total geral) que re-presentaram um total gasto de apenasR$ 11.815.007,67 (9,43% do total in-vestido), sugerindo que o governo mu-nicipal combinou pequenas obras ebaixo investimento, procedimento quepode estar associado tanto ao perfil po-lítico-ideológico do gestor quanto à au-sência de recursos para a realização degrandes contratos.

Destacaram-se, com o maior númerode casos, os anos de 1997 e 1998, quecoincidem com a implantação do ProjetoVila-Bairro, quando a prefeitura, numprimeiro momento, teve de realizar pe-quenos investimentos enquanto aguar-dava a liberação de recursos externos e,num segundo, começou a execução de-finitiva do referido projeto, com financia-mento do BNDES. Por outro lado, a aná-lise mostra poucas grandes obras (acimade R$ 100 mil), totalizando apenas 137casos, ou 16,06% do total, embora apre-sentassem um valor elevadíssimo de in-vestimento, R$ 94.012.646,11 (75,08%do total investido), distribuídos sobretu-do nos anos de 2003 e 2000.

Os 276 casos restantes (32,36%)constituem obras médias – número su-perior ao de grandes obras –, com baixoinvestimento, de R$ 19.380.784,43(15,47% do total investido), sobressain-do o ano de 1998, que, também comoocorreu com as pequenas obras, teveum peso importante em todo o períodopesquisado.

Com esse perfil, pode-se inferir que aspequenas e médias obras se concentramna primeira gestão, e as grandes, na se-

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154 Gestão urbana e gasto público municipal em infra-estrutura viária

gunda. A análise temporal das peque-nas, médias e grandes obras, segundoas gestões de Firmino Filho, revela queo maior volume daquelas cujos valoresforam superiores a R$ 100 mil ocorrena segunda, com 54,01% dos casos evalor real gasto de R$ 67.300.830. Jánas obras com valores inferiores aR$ 50 mil, o maior número de casosse concentra na primeira gestão (1997-2000), com 77,73% dos casos e valorreal gasto de R$ 9.347.737,62, deline-ando-se o padrão já mencionado deconstruir muitas obras de pequeno portee de baixo custo. São igualmente signi-ficativos os dados referentes às obrasmédias, com valores entre R$ 50 mil eR$ 100 mil, com destaque para a pri-meira gestão, com 68,12% dos casos evalor real gasto de R$ 13.021.742,31.

A exposição gráfica dos valores per-mite visualizar melhor os gastos no pe-ríodo pesquisado. O Gráfico 1, quedistribui os valores reais em percentuais

e por ano, mostra que os valores relati-vos ao período de 1997 a 2000 forammuito baixos, com apenas uma pequenaelevação em 2000, seguida de umaqueda significativa em 2001, e com picoem 2003, já no meio da segunda gestãode Firmino Filho, quando se alcançoucerca de 45% do gasto total.

Esse mesmo desempenho é verifica-do com os casos superiores a R$ 100 mil(Gráfico 2), com destaque também parao ano de 2003, quando é licitada a novaponte sobre o rio Poti, que absorveu, iso-ladamente, R$ 45 milhões. Observam-se baixos investimentos em grandes obrasem 1997, 1998 e 1999, uma pequenaelevação em 2000 e queda em 2001 e2002. Perfil inverso se constata com oscasos inferiores a R$ 50 mil (Gráfico 3),cujo pico se deu em 1997 e 1998 (cercade 31%) e cuja redução drástica ocorreunos anos posteriores, excetuando-se2004, que apresentou cerca de 12% dosvalores aplicados.

Gráfico 1Gráfico 1Gráfico 1Gráfico 1Gráfico 1: Evolução do valor real total em percentuais (Teresina - PI, 1997-2004)

0,00%5,00%

10,00%15,00%20,00%25,00%30,00%35,00%40,00%45,00%50,00%

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

% Valor Real Total

Anos

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155Antônia Jesuíta de Lima

Gráfico 2Gráfico 2Gráfico 2Gráfico 2Gráfico 2: Evolução do valor real dos casos acima de R$ 100 mil (Teresina - PI,1997-2004)

Gráfico 3Gráfico 3Gráfico 3Gráfico 3Gráfico 3: Evolução do valor real dos casos abaixo de R$ 50 mil (Teresina - PI,1997-2004)

Esse padrão para os valores abaixode R$ 50 mil pode ser explicado pelacoincidência com a implantação do Pro-jeto Vila-Bairro, que, num primeiro mo-

mento, teve a participação da prefeiturana realização de pequenas obras e, em1998, contou com recursos do BNDES(primeira etapa de financiamento do

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

% Valor Real - Acima de R$100mil

Anos

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

35,00%

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

% Valor Real - Abaixo de R$50mil

Anos

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156 Gestão urbana e gasto público municipal em infra-estrutura viária

Projeto). Já em relação às obras demédio porte (Gráfico 4), com valoresentre R$ 50 mil e R$ 100 mil, nãohouve considerável registro em 1997,primeiro ano de governo – apenas 5%.

Contudo, atingiram o pico em 1998,para diminuírem nos anos subseqüen-tes, o que permite inferir que 1998 ca-racterizou-se pela maior concentraçãode pequenas e médias obras.

Gráfico 4Gráfico 4Gráfico 4Gráfico 4Gráfico 4: Evolução do valor real dos casos entre R$50 mil e R$100 mil (Teresina -PI, 1997-2004)

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

35,00%

40,00%

45,00%

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

% Valor Real - Entre R$50mil e R$100mil

Anos

PPPPPerererererfil das emprfil das emprfil das emprfil das emprfil das empresas e obrasesas e obrasesas e obrasesas e obrasesas e obrasexecutadasexecutadasexecutadasexecutadasexecutadas

No período de 1997 a 2004 foram con-tratadas 169 empresas, com valor unitáriomédio de R$ 740.878,33. Quanto à dis-tribuição pelo volume de obras, ocorreuuma grande concentração de contratosem poucas empresas, tanto que 10 ven-ceram 35,52% das licitações, sendo queuma única empresa ganhou 77 contratose aditivos (9,03%). As 30 maiores em-presas (17,7%) detiveram 56,98% dascontratações, entre as quais uma delasapoderou-se de R$45.946.493,07, ou36,70% do valor total licitado e contratado.

As primeiras 10 vencedoras dos grandescontratos acumularam R$77.850,763,30,ou 62,18% do total investido, ao passoque as 30 maiores vencedoras acumula-ram R$99.043.006,40, ou 79,10% dototal investido. A partir desses dados, con-clui-se que de fato os maiores contratosficaram com um número pequeno deempresas, perfil que se assemelha aos re-sultados encontrados por Marques e Bichir(2001) para São Paulo.

Numa análise detalhada das empre-sas segundo o perfil das obras (pequenas,médias e grandes), pode-se notar quenos anos de 2000 e 2004 ocorreram as

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157Antônia Jesuíta de Lima

maiores concentrações de empresas vi-toriosas de grandes obras, coincidindo,curiosamente, com o final das duas ges-tões de Firmino Filho. De modo quaseinverso, o maior número de empresasencarregadas das pequenas obras se con-centra nos dois primeiros anos da pri-meira gestão, enquanto o número deempresas responsáveis por médias obrasé maior nessa mesma gestão, sobressain-do o ano de 1998, com 58 empresas.

Quanto ao perfil das obras e serviçosexecutados, há predominância de pavi-mentação (poliédrica e em paralelepípe-do), com 625 casos (73,27%), seguida,com percentuais bem inferiores, de cons-truções de galerias, limpeza de vias públi-cas, alargamento de rua, urbanização decanteiro central e terraplenagem. Emboraa pavimentação tenha atingido tão altopercentual, não foi essa categoria de obraque obteve mais recursos, ocupandoapenas o segundo lugar na distribuiçãodos gastos, com R$ 34.592.589,76(27,63%). O maior volume de recursos(36,70%) foi destinado a uma única obra,a construção da ponte sobre o rio Poti,no valor de R$ 45.946.493,07. Outrasobras/serviços que acumularam somassignificativas foram serviço de limpeza pú-blica, total de R$ 7.918.585,03 (6,32%),fornecimento de serviço derivado de pe-tróleo para produção de massa asfáltica,total de R$ 7.678.300,33 (6,13%), terra-plenagem e pavimentação, total deR$ 5.735648,39 (4,58%) e construçãode galerias, total de R$ 4.971.332,65(3.97%).

Esses dados apenas confirmam operfil do governo de Firmino Filho, ca-

racterizado por pequenas obras e foca-do em pavimentação, com custo maisbaixo e predominante nas periferias dacidade. Comparativamente, há poucoinvestimento em construção de galeriasou grandes obras, sobressaindo apenaso início da construção da nova pontesobre o rio Poti, no final de seu segundomandato, quando para tal foram libera-das verbas federais. Outra obra que con-sumiu um volume alto de recursos foi oprolongamento da Avenida JoaquimNelson, no bairro Livramento, na ZonaSudeste, que custou R$ 1.063.521,91.

Regionalização dosRegionalização dosRegionalização dosRegionalização dosRegionalização dosinvestimentos públicosinvestimentos públicosinvestimentos públicosinvestimentos públicosinvestimentos públicosmunicipais em infra-municipais em infra-municipais em infra-municipais em infra-municipais em infra-estrutura viáriaestrutura viáriaestrutura viáriaestrutura viáriaestrutura viária

Para desenvolver esse eixo de análise,foram separados os casos de obras eserviços regionalizáveis e não-regionali-záveis. Consideraram-se regionalizáveisos que, nos extratos de contrato, indi-cavam o local de execução, já que secontava com a base cartográfica de bair-ros fornecida pela Prodater, a empresade processamento de dados da Prefei-tura Municipal de Teresina. Considera-ram-se não-regionalizáveis os casos semgrau de desagregação por bairro, comoa aquisição de uma usina de asfalto, aoperação tapa-buraco, o transporte demassa asfáltica, o serviço de limpeza devias públicas e os serviços de assessoriatécnica, como elaboração de projetosgeométricos de vias urbanas e de outrascujo raio de ação envolvesse a cidadecomo um todo. Assim, dos 853 contra-tos e aditivos foram regionalizados 726,

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158 Gestão urbana e gasto público municipal em infra-estrutura viária

ou 85% dos casos analisados, com gas-tos de R$ 95.832.323,16 de um totalde R$ 125.208.438,21.

Após esse procedimento, fez-se aadequação entre os bairros identifica-dos no banco de dados e a base georre-ferenciada da Prodater, definindo-se emtrês níveis as variáveis de referência paraa construção dos mapas: quantidade deobras e gastos totais no período (1997-2004), quantidade de obras e gastos naprimeira gestão, e quantidade de obrase gastos na segunda gestão.

Na visualização da quantidade deobras por bairro no período de 1997 a2004, o Mapa 2 mostra uma maior con-centração de obras (17 a 51) em áreasde estratos de renda baixa, com reduzi-da presença em regiões de classes médiae alta, como na Zona Centro, especial-mente na região central e nos bairrosLourival Parente e Bela Vista, na ZonaSul. Nas regiões de renda baixa desta-cam-se, com essa quantidade elevadade obras, particularmente os bairrosAngelim e Santo Antonio, situados noextremo da Zona Sul, o bairro SantaMaria da Codipe, no extremo da ZonaNorte, e os bairros Pedra Mole, Portodo Centro e Cidade Satélite, na ZonaLeste.

Os bairros com 7 a 16 obras estãomais dispersos pela cidade, não haven-do uma grande concentração numaúnica região, embora sobressaiam osmais antigos da Zona Leste, como Inin-ga e Jóquei Clube, área nobre, e algunsnovos, como Porto do Centro e Cam-pestre. No entanto, a maioria dos bairros

recebeu uma média de 2 a 3 obras, dis-tinguindo-se o Esplanada, na Zona Sul,o Vermelha, na Zona Centro, o Horto,na Zona Leste e o Novo Horizonte, naZona Sudeste.

Destarte, apesar de uma grandequantidade de bairros da periferia deTeresina ter recebido um volume consi-derável de obras, o número dos contem-plados com poucas delas é igualmenteconsiderável, revelando um padrão dedistribuição diversificado tanto na peri-feria quanto nas regiões de alta renda,como a Zona Leste e a Zona Centro.

No tocante à espacialização dos gas-tos, o Mapa 3 indica que o governomunicipal investiu somas altas em bair-ros do extremo sul da cidade, comoAngelim e Santo Antônio, do extremonorte, como Santa Maria da Codipe, eem alguns antigos, como o Mocambi-nho. Na Zona Leste, investiu significati-vamente também em antigas áreas,como Nossa Senhora de Fátima, JóqueiClube e Ininga, bairros tradicionais derenda alta, assim como em alguns novos,como Porto do Centro, Verde Lar e ValeQuem Tem, bairros de renda baixa noextremo da região desses bairros, na qualse observa um investimento massivo sejaem obras de valores elevados seja nasde valores mais baixos, estas em Socopo,Planalto, Horto e Noivos.

A Zona Sudeste, região majorita-riamente de renda baixa, foi tambémbastante contemplada, embora com in-vestimentos mais baixos, destacando-se,com inversões elevadas, os bairros Itara-ré, Gurupi, Colorado e Todos os Santos

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159Antônia Jesuíta de Lima

Mapa 2Mapa 2Mapa 2Mapa 2Mapa 2: Quantidade de obras por bairro no município de Teresina - PI, 1997-2007

FFFFFonteonteonteonteonte: Prodater, PMT, 2006.

e Parque Ideal. Também com investi-mentos elevados, destacam-se os bairrosCentro, que recebeu uma soma elevada

de investimento, e Porenquanto, marcooriginal de construção da ponte sobre orio Poti.

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160 Gestão urbana e gasto público municipal em infra-estrutura viária

FFFFFonteonteonteonteonte: Prodater, PMT, 2006.

Mapa 3Mapa 3Mapa 3Mapa 3Mapa 3: Gasto em obras, Teresina - PI, 1997-2007

Nota-se pelo perfil da espacializaçãodos gastos, um padrão redistributivo naalocação dos recursos, uma vez que se

investe não só em áreas de renda bai-xa, como na Zona Sul, mas também emáreas nobres da cidade, como no bair-

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161Antônia Jesuíta de Lima

ro Centro e em alguns setores da ZonaLeste. Esta, por exemplo, uma tradicio-nal região de moradores de renda alta,foi igualmente contemplada com inves-

timentos em seus bairros de renda baixa,que se estendem em suas franjas, comoPedra Mole, Morros, Verde Lar e ValeQuem Tem.

ConclusõesConclusõesConclusõesConclusõesConclusões

Na análise temporal dos documentoscoletados, observou-se que no períodode 1997 a 2000, que corresponde à pri-meira gestão do governo Firmino Filho,ocorreu o maior volume de contratos etermos aditivos, totalizando 593 regis-tros (69,52%), enquanto no de 2001 a2004 (segunda gestão), ocorreram ape-nas 260 (30,48%). A esse perfil, querevela que Firmino Filho realizou maisobras no primeiro mandato, acrescente-se o dado de que durante os dois go-vernos houve forte investimento empequenas obras, com prevalência daprimeira gestão. Acrescente-se, ainda,que essas pequenas obras foram debaixo investimento e se concentraramno extremo das zonas periféricas, comnuanças em bairros antigos das distintasregiões da cidade.

Outro dado importante é que nemsempre ao maior número de casos cor-responde o maior volume de gastos. Issosignifica dizer que, embora Firmino Filhotenha executado um maior volume deobras na primeira gestão, não foi nestaque se concentraram os mais vultososinvestimentos – seja pela priorização depequenas obras seja pela ausência derecursos para as grandes –, mas sim na

segunda. Some-se a isso o fato de osfinanciamentos adquiridos via BNDES,CEF e outras fontes de recursos do Pro-jeto Vila-Bairro terem sido contratadospara atender majoritariamente a peque-nas obras, desde pavimentação de ruas aconstrução de creches e postos de saúde.

Levando em conta o volume de re-cursos contratados, notou-se que foi ex-tremamente baixo em termos aditivos,não indicando qualquer variável políti-ca passível de ter interferido no processoe elevado os gastos com aditamentos.Analisando temporalmente a distribui-ção do montante investido, observou-se que os anos que concentraram maiorvolume de investimentos foram 2003 e2000, o que se deve, em primeiro lugar,à contratação para a construção de umanova ponte sobre o rio Poti, em 2003,e, em segundo, a um maior volume derecursos negociados para o Projeto Vila-Bairro, em 2000 (Lima, 2006).

Como se sublinhou na análise, nãose verifica uma relação direta entre osgastos efetuados e o período eleitoral,apesar de haver forte coincidência entreos mais elevados valores e o ano eleitoralde 2000 e o pré-eleitoral de 2003,

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mesmo considerando que as obras de-pendiam de financiamento externo,como o Projeto Vila-Bairro e a construçãoda ponte sobre o rio Poti, cujos repassesocorreram com os ciclos eleitorais de2000 e 2004. Não se pode deixar deconsiderar, no entanto, que a grandevisibilidade das obras de infra-estruturaurbana nas diferentes periferias da cida-de através do Projeto Vila-Bairro favo-receu a reeleição de Firmino Filho e aeleição de seu sucessor, do mesmo par-tido político.

A análise mostra que no período de1997 a 2004 houve uma grande con-centração de pequenas obras (51,58%do total geral) com volume baixo deinvestimento, procedimento que se podeassociar tanto ao perfil político-ideológicoda administração quanto à ausência derecursos para contratos elevados, umarealidade de grande parte dos municí-pios brasileiros. Destacaram-se com omaior número de casos os anos de 1997e 1998, quando ocorreu a implantaçãodo Projeto Vila-Bairro, que, num primei-ro momento, levou a prefeitura a reali-zar pequenos investimentos enquantoaguardava a liberação de recursos exter-nos e, num segundo, a iniciar sua execu-ção definitiva, com aportes do BNDES.Por outro lado, houve baixas realizaçõesem grandes obras (apenas 16,06%), masde valor elevadíssimo (75,08% do totalinvestido), com predominância no se-gundo mandato de Firmino Filho; no en-tanto, a análise revelou um padrão deinvestimento caracterizado por pequenase médias obras, executadas, predomi-nantemente, na primeira gestão.

Outro dado importante é que houveuma grande concentração de contratosem reduzido número de empresas,sendo que ocorreu um maior volume deempresas contratadas na primeira gestão,ano em que o governo Firmino Filhoinvestiu fortemente em pequenas obras,prioritariamente nas zonas periféricas dacidade. Quanto às empreiteiras, ressalte-se ainda que, na curva dos valores porempresa, poucas concentraram os gran-des contratos, exceto a que ganhou alicitação da construção da nova pontesobre o rio Poti, no valor de R$ 45 mi-lhões. Como constatado ao longo dapesquisa, as primeiras 10 vencedorasdos grandes contratos acumularamR$77.850,763,30, ou 62,18% do totalinvestido, enquanto as 30 primeiras acu-mularam R$ 99.043.006,40, ou 79,10%do total.

Embora tenha investido fortementenas regiões de estratos de renda alta,como as Zonas Centro e Leste, FirminoFilho direcionou muitos gastos tambémpara a periferia, sobretudo para os bair-ros novos, como Santa Maria da Codipi(norte), Santo Antônio e Angelim (sul),,,,,Porto do Centro (leste) e Gurupi e Colo-rado (sudeste). Esses dados indicam umpadrão espacial redistributivo, segundoo qual se destinaram significativos recur-sos para as populações de renda baixa,tanto que em algumas áreas pontuais daperiferia, como nos bairros Santa Mariada Codipi (norte) e Angelim (sul), áreasde estratos de renda baixa, houve a com-binação de pequenas, médias e grandesobras, embora a regra tenha sido a realiza-ção de poucas obras pequenas e médias.

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163Antônia Jesuíta de Lima

O governo de Firmino Filho se ca-racterizou, portanto, por ações nas re-giões pobres da cidade, mas com acentonas áreas menos consolidadas, em con-

sonância com o padrão de investimentodo Projeto Vila-Bairro, que priorizou asvilas e favelas localizadas no extremo dasáreas periféricas.

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

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ResumoResumoResumoResumoResumo

É consenso que as grandes e médias ci-dades brasileiras se caracterizam por umforte processo de segregação socioes-

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract

It is widely accepted that medium andlarge Brazilian cities are characterized bya robust sociospatial segregation proc-

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165Antônia Jesuíta de Lima

pacial em que as diferentes periferias so-frem com os efeitos regressivos dos in-vestimentos públicos. O atendimentodesigual prestado pelo Estado resultaem baixo provimento de serviços públi-cos para parte expressiva da população,o que é atestado pelos negativos indi-cadores sociais encontrados nas áreashabitadas pelas populações pobres. Opresente artigo analisa os investimentosda administração pública municipal deTeresina - Piauí, a partir de uma políticasetorial, a de infra-estrutura viária, comvistas à construção de um perfil das in-versões públicas no espaço urbano, ob-servando o padrão de investimentos, astendências e a espacialização dos gastos.

PPPPPalavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chave: gestão urbana, gastopúblico, espaço urbano, segregação so-cioespacial.

ess, in which distinct peripheries are af-fected by different levels of public invest-ment. Unequal offer of public servicesby the state result in low access to pub-lic services by a significant part of thecities population, as shown by the lowsocial indicators typical of urban areasinhabited by the poor. This article anal-yses the municipal public administrationin the city of Teresina, in the northernstate of Piauí, Brazil, by examining a sec-torial policy: road infrastructure. Ourgoal is to outline the most importantcharacteristics of public investment inurban areas by analyzing the patternsof spatial distribution of investment.

KeywordsKeywordsKeywordsKeywordsKeywords: : : : : urban administration, pub-lic investment, urban space, sociospa-tial segregation.

Antônia Jesuíta de LimaAntônia Jesuíta de LimaAntônia Jesuíta de LimaAntônia Jesuíta de LimaAntônia Jesuíta de Lima é Doutora em Ciências Sociais pela PontifíciaUniversidade de São Paulo. Integra o corpo docente dos Cursos de Mestrado emPolíticas Públicas e Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal doPiauí. Desenvolve pesquisas sobre avaliação de políticas públicas e gestão local.

Recebido em novembro de 2006. Aprovado para publicação em abril de 2007

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ResenhaResenhaResenhaResenhaResenha

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Do desenvolvimento ao neoliberalismo: a sagabrasileira no século XXJorge NatalRio de Janeiro: Pubblicati (apoio Faperj)2006. 310 p.

Alberto de Oliveira

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 1, 2006, p. 169-173

O livro do professor Jorge Natal podeser lido em duas diferentes “direções”:na “horizontal”, o leitor encontrará ins-tigante análise do desenvolvimento eco-nômico, cuja originalidade repousa noentrelaçamento de múltiplas dimensões,daí o fato de o prefácio (escrito pelo pro-fessor Carlos Brandão) registrar que a dis-cussão sobre o desenvolvimento tenhasido realizada “sem adjetivações”; na“vertical”, poderá refletir sobre a temá-tica numa perspectiva histórica (comoadverte o título da obra), particularmentea do último quartel do século XX.

Em ambas as “direções”, denota-sea especial atenção dedicada ao desven-damento das relações existentes entre adinâmica econômica e a organizaçãoespacial da sociedade. Tal característicareflete a trajetória profissional do profes-sor Natal, que há muito mobiliza esforçospara o entendimento da contrapartida

espacial dos fenômenos econômicos.Em suma, o livro aborda o desenvolvi-mento econômico brasileiro, consideran-do a pluralidade de atores, interesses,contextos históricos e especificidades re-gionais.

Outro aspecto do livro que merecemenção é a adoção deliberada do es-truturalismo econômico, desafiando ahegemonia dos estudos vinculados àortodoxia. O autor enfatizou sua inten-ção de superar os limites das análisescalcadas no binômio competitividade/eficiência, para mostrar que o fenômenodo desenvolvimento econômico enco-bre uma miríade de condições políticas,sociais e territoriais, cuja compreensãoampliada requer instrumentos comple-xos de análise disponíveis, em suas pa-lavras, na “boa tradição do pensamentoestruturalista progressista latino-ameri-cano”.

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170 Resenha

Com o título “Infra-estrutura, Re-gião e Desenvolvimento Econômico”,designação da primeira parte do livro,Jorge Natal tratou de aspectos essenciaisda formação social brasileira, notada-mente a respeito do desenvolvimentoeconômico, por meio de uma análisefina do processo de construção da infra-estrutura de transportes no país. Tal de-cisão permitiu a reflexão do autor sobrea interação entre espaço e economia,destacando os desdobramentos na di-visão territorial do trabalho e na dinâ-mica de integração nacional.

A primeira parte é composta porquatro artigos que investigam os princí-pios que nortearam a construção dainfra-estrutura rodoviária e ferroviária doBrasil, dos anos 1930 até meados dadécada de 1980. Esse conjunto de tra-balhos trata de questões diversas comoa relação Estado/Infra-estrutura, o papeldos transportes na dinâmica de cresci-mento econômico e de integração doterritório nacional e a participação (cam-biante) dos capitais privados em dife-rentes momentos da implantação dessesegmento no país. A investigação é com-plementada com a análise do transportehidroviário em municípios selecionadosda região Nordeste, da qual o autor de-riva sugestões de investimentos de formaa incrementar o desenvolvimento eco-nômico local, através do melhor apro-veitamento do potencial hidroviário.

Dos trabalhos presentes nessa parte,emergem as convicções do autor deque: (1) considerando os respectivoscontextos, a construção da infra-estruturade transportes no Brasil esteve quase

sempre associada aos interesses de va-lorização de capitais estrangeiros; (2) doponto de vista nacional, a circulação demercadorias prevaleceu fortemente nadefinição da rede de transportes, en-quanto a distribuição de riquezas estevemais presente nos discursos do que nasações; (3) os eventuais benefícios sociaisderivados da desconcentração produtivae da integração regional devem ser cre-ditados primordialmente à lógica de lo-calização das atividades industriais, poisraras foram as decisões calcadas no dese-jo de repartição dos frutos do progressoeconômico.

O professor Natal, na segunda parte,intitulada “Desenvolvimento, Federalismoe Território”, prossegue em sua recons-trução da história econômica brasileiraabordando os impactos da abertura de-mocrática sobre as políticas públicas,notadamente a capacidade de financia-mento estatal e, em decorrência disto, osdesdobramentos sobre a organizaçãoespacial da atividade econômica. Nessesegmento, situado cronologicamente noinício dos anos 1990, o autor explicacomo as mudanças institucionais contri-buíram para o abandono da estratégiade desenvolvimento baseada na substi-tuição de importações em favor domodelo inspirado nos princípios do mer-cado, gerando o aprofundamento dasdesigualdades socioespaciais em prati-camente todos os quadrantes do país.

A discussão proposta pelo autor,nessa parte do livro, é sustentada porquatro artigos que examinam o processode acomodação dos entes federados emrazão da mudança constitucional de

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171Alberto de Oliveira

1988. Esses trabalhos mostram as ten-sões que emergiram do esgotamento dacapacidade de financiamento do setorpúblico e a “resposta” oferecida “pelomercado”, materializada num receituá-rio que privilegiou o “consumidor” nolugar do “cidadão”. Mais do que isso,Jorge Natal defende em seus textos queo padrão de desenvolvimento prevale-cente até os anos 1980 não foi atacadoem suas “fraquezas”, mas em suas “vir-tudes”, quais sejam, o desejo de gerarriqueza, emprego e uma menor hete-rogeneidade socioespacial.

A adoção do novo paradigma dedesenvolvimento econômico, ao finaldos anos 1980, não apenas representouo engajamento incondicional da buro-cracia estatal, do capital privado nacionale de parcela representativa da classemédia ao “totem” da modernidade mate-rializada no “Consenso de Washington”,mas, sobretudo, significou o desmontedos parcos avanços sociais que a tecno-cracia dos generais (com todas as suaslimitações) havia construído no tempodas “vacas gordas”, nos anos 1970. Oestudo da evolução (espacial e histórica)do mercado de trabalho no país, temado artigo escrito pelo autor em parceriacom o professor Cezar Guedes quefecha essa parte do livro, ilustra clara-mente os retrocessos produzidos pela in-corporação da agenda liberal.

Na terceira parte, denominada“Globalização, Território e Planejamentono Brasil”, o autor envida-se num mo-vimento aparentemente antagônicona trajetória que até então vinha sendoseguida no livro. Ao avançar cronologi-

camente na discussão do desenvolvi-mento no Brasil, Natal incorpora acer-tadamente a reflexão crítica sobre ofenômeno da globalização, outro dosícones que a hegemonia econômica es-tabeleceu como verdade absoluta parajustificar a adoção de políticas ortodoxas.

O estudo da globalização remete aanálise intuitivamente a um plano es-pacial mais abrangente, o mundo capi-talista. Em seguida, nos demais artigosque integram essa parte do livro, JorgeNatal se detém em um recorte geográ-fico específico do território brasileiro, oCentro-Oeste e, em especial, o TriânguloMineiro. Essa aparente oposição é “re-solvida” quando se considera o caráterquase insular da especialização produtivadessa região, pois seus desígnios (doponto de vista econômico) parecemdepender mais da variação do preço dascommodities na Bolsa de Nova York emenos das decisões tomadas no DistritoFederal, que, ironicamente, encontra-sesituado quase como um corpo estranhonaquele quadrante do espaço brasileiro.

Obviamente, o Centro-Oeste nãoestá totalmente desvinculado da econo-mia nacional, reproduzindo o isolamentoque caracterizou a atividade produtivanos primórdios da história econômicado país, nem tampouco os capitalistasdo agronegócio prescindem dos incen-tivos estatais. Tal estudo serviu para queo autor demonstrasse os efeitos perver-sos (sobre a sociedade e a natureza) daadoção de estratégias econômicas parainserir o país de forma soberana nanova economia mundial, como pregamos apóstolos da globalização.

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172 Resenha

Os artigos reunidos nessa parte dolivro pretendem mostrar que a integra-ção e a concomitante subjugação doCentro-Oeste aos interesses privados(sejam nacionais ou estrangeiros) – rea-firmando a lógica do modo de produçãocapitalista – não foram contrapostas pelaação governamental a fim de minimizarnessa região os efeitos negativos (vio-lência, desigualdade, desemprego etc.)que há muito são observados nas me-trópoles brasileiras. Não menos impor-tante foi a atenção dedicada à discussãodos temas ambientais (em sentido am-plo), uma vez que o autor buscou lem-brar que a construção de infra-estruturade geração de energia atendeu primor-dialmente às necessidades dos Comple-xos Agroindustriais (CAI), relegandopara segundo plano as carências urgen-tes da população.

Finalmente, na quarta parte, “Plane-jamento Urbano e Regional Brasileiroem Revista”, Jorge Natal faz um balançodas preocupações que ocuparam a aca-demia no período recente, por meio doexame dos trabalhos publicados em doisimportantes periódicos ligados à temá-tica em foco: a Revista Espaço & Deba-tes e os Cadernos IPPUR. Tal esforço desistematização serviu para comparar apercepção do autor sobre a realidadebrasileira e, conseqüentemente, a eleiçãode reflexões julgadas (pelo autor) prio-ritárias com o que os teóricos do espaçovêm produzindo nas últimas décadas.

A partir do exame das referidas re-vistas, o autor constatou que em parcelarelevante dos trabalhos privilegiaram-semicrorrecortes espaciais muitas vezes

totalmente desconectados com proces-sos sociais mais abrangentes e, portanto,carentes de capacidade explicativa. Àsconclusões do autor, pode-se acrescen-tar que os trabalhos que tratam de fenô-menos restritos, mesmo contendo umaadequada base de explicação, são igual-mente inócuos para o cumprimento dodever da universidade, qual seja, produ-zir conhecimento para o aprimoramentomaterial e intelectual da sociedade.

Jorge Natal relata também a presen-ça importante de textos que discutemautores ou teorias de referência sem,tampouco, empreender as devidas me-diações com a realidade nacional. Háainda trabalhos que se dedicam a ata-car, à direita e à esquerda, o Estado eos modelos de planejamento sem consi-derar as mudanças ocorridas no contextoinstitucional após a abertura democrática.Novamente, a produção de reflexõesdessa natureza restringe a capacidade dauniversidade de contribuir para o pro-gresso do país. Daí a proposta do autorde ampliar o diálogo entre planejadoresurbanos e regionais, economistas e de-mais teóricos que se dedicam ao estudodos fenômenos sociais vinculados ao es-paço, pois entende que somente com se-melhante integração se tornará possívelavançar no entendimento dos processose dos sujeitos que atuam na configuraçãosocioeconômica do território nacional.

Retomando as impressões anotadasno início, um dos elementos que adicio-nam interesse ao trabalho do professorJorge Natal é a possibilidade de realizarsua leitura nas direções “vertical” e “ho-rizontal”. Na primeira, a reflexão sobre

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173Alberto de Oliveira

o desenvolvimento econômico (“ator”principal da obra) é favorecida, pois oautor oferece o exame de um conjuntorelativamente amplo de dimensões liga-das direta ou indiretamente aos propó-sitos da obra: pensar o desenvolvimentode forma ampliada, integrando a multi-plicidade de elementos que interagiramna configuração econômico-espacial doterritório brasileiro, libertando-se, con-seqüentemente, dos estreitos limites daortodoxia convencional.

Não obstante, os textos do professorNatal também podem ser lidos na dire-ção “horizontal”, posto que a seqüênciadas temáticas abordadas seguiu, grossomodo, certa orientação cronológica. Maisdo que isso, a discussão travada em cadauma das partes da obra remete-se direta-mente a contextos específicos do proces-so de formação da economia brasileira.Explicando melhor: a discussão sobreinfra-estrutura de transporte, presente naprimeira parte, é essencial para a com-preensão ampliada de um importanteponto de inflexão da economia brasileira,o imediato pós-guerra, uma vez que foinaquele momento que o país superou a“industrialização restringida”, como asse-vera a escola de Campinas (Unicamp).

A segunda parte, focada na questãodo federalismo, está intrinsecamente li-gada à abertura democrática, períodocrucial da história brasileira. A parte se-guinte, que versa sobre a globalização e

seus efeitos no território (representadopelo Centro-Oeste), ajuda o leitor acompreender que, a despeito das ino-vações tecnológicas e organizacionais,o capitalismo reproduz incessantemen-te o seu movimento de transformaçãoda sociedade e do espaço para aten-der às suas necessidades de acumula-ção. Finalmente, a quarta parte apontapara o futuro. Nela, o autor propõeuma nova sistemática de tratamento datemática urbana e regional que privile-gie o diálogo entre pesquisadores comdiferentes habilidades, a fim de cons-truir um pensamento integrado quepermita o olhar ampliado da realidadebrasileira.

Decididamente, vale a pena ler olivro. Conquanto reitere alguns argu-mentos já presentes em outras reflexões,também lança luzes novas sobre dimen-sões ainda em áreas de sombra no pen-samento social crítico sobre a realidadeda formação social brasileira. Boa leitura.

Alberto de Oliveira é economista,Doutor em Planejamento Urbano eRegional pelo Instituto de Pesquisa ePlanejamento Urbano e Regional daUniversidade Federal do Rio de Janeiro(IPPUR/UFRJ) e professor do Departa-mento de Economia da UniversidadeFederal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

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1. As contribuições enviadas sob a forma deartigo devem ser apresentadas em no máxi-mo 25 (vinte e cinco) laudas, incluindo fi-guras, notas de rodapé, referências e anexos.As figuras deverão ser em P&B, ter exten-são JPG ou TIF e 300 dpi.

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a) Livro – último sobrenome em caixa-alta, se-guido de prenome e demais sobrenomesdo(s) autor(es). Título em destaque (itálico):subtítulo. Número de edição, a partir da se-gunda. Local de publicação: editora, anode publicação. Número total de páginas dolivro. Quando houver mais de um volume,citar somente o número de volumes (Cole-ção ou Série).Exemplos:MOOG, Vianna. Bandeirantes e pioneiros:paralelo entre duas culturas. 19. ed. Rio deJaneiro: Graphia, 2000. 351 p.MAMANI, Hernán Armando. Transporte in-formal e vida metropolitana: estudo do Riode Janeiro nos anos 90. Rio de Janeiro:UFRJ, 2004. 2 v.

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centralidades e dinâmicas espaciais na me-trópole fluminense. In: SILVA, Catia Antoniada; FREIRE, Désirée Guichard; OLIVEIRA,Floriano José Godinho de (Org.). Metrópole:governo, sociedade e território. Rio de Janei-ro: DP&A Editora; FAPERJ, 2006. p. 79-97.

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e) Artigo e/ou matéria de revista em meio ele-trônicoExemplo:WACQUANT, Loïc. Elias no gueto. Rev. deSociologia e Política, Curitiba, n. 10, jun. 1998.Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/publica/revsocpol>.

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