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072 | ESPIRAL S P EDITORIAL SUMÁRIO PERFIL CORREIO LEITOR CALEIDOSCÓPIO EM FOCO REPORTAGEM HISTÓRIA CRÓNICA ENTREVISTA TÉCNICA O primeiro documento impresso em Portugal, que se conheça, é um breviário bracarense de 1494, que contém um calendário muito especial, litúrgico, onde se explicam os necessários conceitos de letra dominical, epacta ou de número de ouro. Damos, neste artigo exemplos de portugueses que construíram calendários perpétuos. Se estiver interessado, basta consultar algumas destas obras até pode aprender a construir um. por Fernando Correia de Oliveira Calendários portugueses vocábulo "calendário" deriva do latim, calendae, ou calendas, o primeiro dia de cada mês, assim chamado por nessa ocasião o pontífice convocar (calare) o povo de Roma para o Capitólio, onde oferecia sacrifícios a Juno e anunciava os dias da lua nova e das nonas. A Península Ibérica, sob o domínio de Roma, adoptou o calendário romano com as várias reformas que ele sofreu, nomeadamente, a decretada em meados do século I pelo imperador Júlio César (calendário juliano). Dados os desacertos entre o calendário estipulado pelos homens e os movimentos reais ou aparentes dos astros, chegou-se a alturas insustentáveis para o bom governo das sociedades. Foi o caso ocorrido em 1582, quando o Papa Gregório XIII, pela bula Inter gravissima, de 24 de Fevereiro daquele ano, mandou contar como 15 de Outubro o dia seguinte a 4 deste mês, para suprimir os dez dias que o ano do calendário dos homens já tinha em relação ao real posicionamento de estrelas e planetas. A reforma gregoriana foi adoptada desde logo por Portugal, Espanha e alguns dos estados italianos. em 1700 os protestantes alemães e holandeses aderiram a este calendário. Os japoneses fizeram-no em 1873, a China em 1912 e a Rússia em 1918 (a propósito, a revolução que, de acordo com o calendário juliano, teve lugar em Outubro de 1917, ocorreu, na verdade, segundo o calendário gregoriano, em Novembro). A Grécia e as igrejas ortodoxas aderiram apenas em 1923 a um calendário que é hoje praticamente universal. Até ao início do século IV, as comunidades cristãs limitavam-se a anotar as festas e os principais acontecimentos religiosos no calendário romano vigente. A pouco e pouco, começaram, porém, a organizar calendários próprios. O calendário cristão usou-se na Península Ibérica desde a mais remota antiguidade, segundo se depreende das disposições dos Concílios de Elvira (c. 303), de Braga (561, 572 e 675) e de Toledo (589 e seguintes), bem como da Crónica de Idácio de Chaves (século V), relativamente ao culto dos mártires e às datas de celebração da Páscoa e de outras festas móveis. Os mais antigos calendários hispânicos existentes são os das igrejas de Carmona e de S. Pedro de la Nave (séculos VI-VII). Desde o sécu- lo X, são bastantes os que se encontram anexos aos livros litúrgicos. No território que é hoje o de Portugal, os mais antigos calendários cristãos que se conhecem datam do século XII, como o do Missal de Mateus (Braga, c. 1176), o de Santa Cruz (Coimbra, finais do século XII) e o de Alcobaça. São, obviamente, todos manuscritos. Além de indispensáveis para a vida litúrgica e social, os calendários têm grande importância para a cronologia, sobretudo na Idade Média, quando os acontecimentos eram datados quase sempre em relação a festividades do dia em que ocorriam. A confusão aumenta quando se sabe que o dia de celebração de algumas festas variava de calendário para calendário, especial- mente quando eram de ritos diferentes. A maioria dos países de língua latina adoptou os nomes dados pelos romanos aos dias da semana, inspirados nos nomes dos planetas-deuses: Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vénus e Saturno. Com efeito, em francês ficou: lundi, mardi, mercredi, jeudi, vendredi, samedi, com a excepção do domingo (dimanche). Mas, para este dia, o vocábulo é relativamente moderno, pois a tradição francesa atribui-lhe o nome de die soleil. Em espanhol ou italianol, encontra-se solução semelhante. Já nos países de língua inglesa adoptaram-se nomes (embora latinizados) do panteão teutónico. Exceptuando Saturno (saturday), Sol (sunday) e Lua ( monday) tem-se Tiu ( tuesday, Marte), Woden ( wednesday, Mercúrio), Thor (thursday, Júpiter) e Freya (friday, Vénus). A Língua Portuguesa é a única língua latina que contém excepções. Os dias numerados (segunda, terça,...) são de origem obscura. É possível que seja uma influência da contagem dos dias pelo calendário judeu. Tanto assim que a palavra "sábado" deriva directamente de "sabbath". Apenas domingo (dia do Senhor), seria uma concessão à raiz cristã. O ESPIRAL | 073 Em 1582, o papa Gregório XIII, pela bula Inter gravissima, de 24 de Fevereiro daquele ano, mandou contar como 15 de Outubro o dia seguinte a 4 deste mês, para suprimir os dez dias. Astrónomo segue o procedi- mento correcto de leitura dos astros para fixação do calendário litúrgico. Para S. Tomás de Aquino, no entanto, " não precisamos de usar um astrolábio para saber quando são horas de comer". Pergaminho - Saltério de S. Luís e de Branca de Castela, Paris, Biblioteca do Arsenal, França - Século XIII.

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SPEDITORIAL SUMÁRIO PERFIL CORREIO LEITOR CALEIDOSCÓPIO EM FOCO REPORTAGEM HISTÓRIA CRÓNICA ENTREVISTA TÉCNICA

O primeiro documento impresso em Portugal, que se conheça, é um breviário bracarense de 1494, quecontém um calendário muito especial, litúrgico, onde se explicam os necessários conceitos de letradominical, epacta ou de número de ouro. Damos, neste artigo exemplos de portugueses que construíramcalendários perpétuos. Se estiver interessado, basta consultar algumas destas obras – até pode aprendera construir um.

por Fernando Correia de Oliveira

Calendários portugueses

vocábulo "calendário" deriva do latim,

calendae, ou calendas, o primeiro dia

de cada mês, assim chamado por

nessa ocasião o pontífice convocar

(calare) o povo de Roma para

o Capitólio, onde oferecia sacrifícios

a Juno e anunciava os dias da lua nova

e das nonas.

A Península Ibérica, sob o domínio de Roma, adoptou o calendário

romano com as várias reformas que ele sofreu, nomeadamente,

a decretada em meados do século I pelo imperador Júlio César

(calendário juliano). Dados os desacertos entre o calendário

estipulado pelos homens e os movimentos reais ou aparentes

dos astros, chegou-se a alturas insustentáveis para o bom governo

das sociedades. Foi o caso ocorrido em 1582, quando o Papa

Gregório XIII, pela bula Inter gravissima, de 24 de Fevereiro

daquele ano, mandou contar como 15 de Outubro o dia seguinte a

4 deste mês, para suprimir os dez dias que o ano do calendário

dos homens já tinha em relação ao real posicionamento

de estrelas e planetas.

A reforma gregoriana foi adoptada desde logo por Portugal,

Espanha e alguns dos estados italianos. Só em 1700

os protestantes alemães e holandeses aderiram a este calendário.

Os japoneses fizeram-no em 1873, a China em 1912 e a Rússia em

1918 (a propósito, a revolução que, de acordo com o calendário

juliano, teve lugar em Outubro de 1917, ocorreu, na verdade,

segundo o calendário gregoriano, em Novembro). A Grécia e as

igrejas ortodoxas aderiram apenas em 1923 a um calendário que é

hoje praticamente universal.

Até ao início do século IV, as comunidades cristãs limitavam-se

a anotar as festas e os principais acontecimentos religiosos no

calendário romano vigente. A pouco e pouco, começaram, porém,

a organizar calendários próprios.

O calendário cristão usou-se na Península Ibérica desde a mais

remota antiguidade, segundo se depreende das disposições dos

Concílios de Elvira (c. 303), de Braga (561, 572 e 675) e de Toledo

(589 e seguintes), bem como da Crónica de Idácio de Chaves

(século V), relativamente ao culto dos mártires e às datas de

celebração da Páscoa e de outras festas móveis.

Os mais antigos calendários hispânicos existentes são os das igrejas

de Carmona e de S. Pedro de la Nave (séculos VI-VII). Desde o sécu-

lo X, são bastantes os que se encontram anexos aos livros litúrgicos.

No território que é hoje o de Portugal, os mais antigos calendários

cristãos que se conhecem datam do século XII, como o do Missal

de Mateus (Braga, c. 1176), o de Santa Cruz (Coimbra, finais do

século XII) e o de Alcobaça. São, obviamente, todos manuscritos.

Além de indispensáveis para a vida litúrgica e social, os

calendários têm grande importância para a cronologia, sobretudo

na Idade Média, quando os acontecimentos eram datados

quase sempre em relação a festividades do dia em que ocorriam.

A confusão aumenta quando se sabe que o dia de celebração

de algumas festas variava de calendário para calendário, especial-

mente quando eram de ritos diferentes.

A maioria dos países de língua latina adoptou os nomes dados

pelos romanos aos dias da semana, inspirados nos nomes dos

planetas-deuses: Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vénus

e Saturno. Com efeito, em francês ficou: lundi, mardi, mercredi,

jeudi, vendredi, samedi, com a excepção do domingo (dimanche).

Mas, para este dia, o vocábulo é relativamente moderno, pois

a tradição francesa atribui-lhe o nome de die soleil. Em espanhol ou

italianol, encontra-se solução semelhante. Já nos países de língua

inglesa adoptaram-se nomes (embora latinizados) do panteão

teutónico. Exceptuando Saturno (saturday), Sol (sunday) e Lua

(monday) tem-se Tiu (tuesday, Marte), Woden (wednesday,

Mercúrio), Thor (thursday, Júpiter) e Freya (friday, Vénus).

A Língua Portuguesa é a única língua latina que contém

excepções. Os dias numerados (segunda, terça,...) são de origem

obscura. É possível que seja uma influência da contagem dos dias

pelo calendário judeu. Tanto assim que a palavra "sábado" deriva

directamente de "sabbath". Apenas domingo (dia do Senhor), seria

uma concessão à raiz cristã.

O

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Em 1582, o papa Gregório XIII,

pela bula Inter gravissima, de 24

de Fevereiro daquele ano, mandou

contar como 15 de Outubro o

dia seguinte a 4 deste mês, para

suprimir os dez dias.

Astrónomo segue o procedi-mento correcto de leitura dosastros para fixação docalendário litúrgico. Para S.Tomás de Aquino, no entanto," não precisamos de usar umastrolábio para saber quandosão horas de comer".Pergaminho - Saltério de S.Luís e de Branca de Castela,Paris, Biblioteca do Arsenal,França - Século XIII.

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Já no capítulo da impressão, o mais antigo incunábulo latino que

se conhece em Portugal é o Breviarium Bracarense, datado de 12 de

Dezembro de 1494, pelo tipógrafo alemão João Gherline. Este

livro, de que só se conhece o exemplar existente na Biblioteca

Nacional de Lisboa, é primorosamente impresso em caracteres

muito pequenos, a preto e a vermelho. Julgam os bibliógrafos que

de Braga passou este impressor à vila de Monterrey, na Galiza,

onde terminou a impressão do Manual Bracarense (Manual

Sacramentorum cum brevi Compilacione Missarum, et aliquorum

Festorum, secundum consuetudinem Metropolitanae Ecclesiae

Bracarensis), em 10 de Junho de 1496.

Com calendário e tábuas cronológicas, este Breviário terá sido

encomendado pelo sínodo diocesano da cidade, reunido em

Dezembro de 1488, para obstar às dificuldades que advinham da

escassez de livros litúrgicos, todos eles até então manuscritos.

O Breviário Bracarense, aparte ter a primazia na impressão

quanto a textos deste tipo em Portugal, reúne ainda uma outra

característica interessante: representa a liturgia privativa

e especial da igreja primacial portuguesa, diferente da liturgia

romana e que sobreviveu a todas as tentativas unitárias

da Santa Sé. Por outras palavras, está-se perante um calendário

que é excepção e não regra.

A PÁSCOA

Para o quotidiano das comunidades, na Idade Média

e praticamente até à actualidade, o único calendário era o

litúrgico. Achar métodos de acertar com a Páscoa, por exemplo,

que é a festa móvel que determina quando ocorrem todas as out-

ras, provocou ao longo dos séculos grandes controvérsias entre

as várias igrejas cristãs.

A Páscoa pode ocorrer tão cedo como 22 de Março e tão tarde

como 25 de Abril, havendo assim 35 dias onde este domingo

especial pode cair.

O cálculo de calendários perpétuos consegue-se a partir

do chamado "método metónico do ciclo lunar" ou "ciclo dos

números de ouro".

No ano 432 a. C., Meton, um astrónomo ateniense, descobriu que

235 lunações (ou seja, meses lunares) correspondem a 19 anos

solares. Por outras palavras, depois de um período de 19 anos

solares as novas luas ocorrem de novo nos mesmos dias do ano

solar. Assim, Meton dividiu o calendário em períodos de 19 anos,

que ele numerou 1, 2, 3, 4 etc., até 19, assumindo que as novas

luas iriam cair nos mesmos dias indicados pelo mesmo número.

Esta descoberta teve tal agrado entre os atenienses que o número

atribuído ao ano corrente no Cíclo Metónico era então escrito

em caracteres de ouro numa coluna do templo, daí ser considera-

do o número de ouro do ano.

Mas os calendários dos homens nunca conseguiram ser perfeitos

e adequar-se completamente ao movimento real ou aparente dos

astros. Daí o acerto de meses com 30 e 31 dias e de quatro em

quatro anos os meses de Fevereiro com 29 dias (anos bissextos).

Ou os complicadíssimos cálculos para achar a epacta, cuja

definição é a idade da lua a 1 de Janeiro de um determinado ano.

O método metónico foi adoptado pela Igreja até 1582. Assume-se,

geralmente, que a Última Ceia ocorreu no festival judeu do

Peshva, que se celebrava sempre no 14.˚ dia da primeira lua

do velho calendário judeu. Ora, sendo assim, Cristo teria

ressuscitado dos mortos a um domingo, 17.˚ dia da chamada lua

pascal. Com o passar dos tempos, foi-se tornando cada vez mais

evidente que a lua pascal do ciclo metónico estava a perder toda e

qualquer relação com a verdadeira lua pascal. O Papa Gregório

XIII encarregou, em 1576, um grupo de astrónomos de reformar o

calendário. Este grupo elaborou uma tábua de equações para

demonstrar as mudanças necessárias na epacta, de modo a preser-

var as relações entre os calendários eclesiástico e astronómico.

Nasceu o calendário gregoriano, que ainda hoje nos rege.

E chegamos à letra dominical: influenciados por um método

herdado dos Romanos, os cristãos passaram a marcar os dias dos

seus anos de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro por ciclos contínuos

de sete letras (de A a G). Um de Janeiro seria A, 2 de Janeiro seria

B, e assim por diante. Se 1 de Janeiro calhasse a um domingo,

todos os dias marcados com um A também seriam domingos.

É este método que consta dos breviários medievais. Assim,

clérigos e leigos, nas respectivas comunidades, podiam saber

quando era chegado o tempo de festa ou o tempo de jejum.

CALENDÁRIOS PERPÉTUOS

"O livro que maior número de edições tem tido e continua

a ter, aquele de que ninguém prescinde, quer seja rico ou pobre,

grande ou pequeno, sábio ou ignorante, homem ou mulher;

quer seja juiz, militar, sacerdote, professor, negociante, lavrador,

fabricante ou operário; aquele que pela sua utilidade no uso da

vida é o primeiro guia doméstico, esse livro é o calendário ou

reportório". É assim que Augusto Luso da Silva, professor de

Cosmografia, Geografia, Cronologia e História no Liceu Central do

Porto, inicia o seu "Cavaco em lugar de prólogo" da obra

Cronologia Doméstica ou Conhecimentos Úteis a Todas as Pessoas

Sobre o Calendário e o Seu Uso (Porto, 1895). "E, contudo –

prossegue ele – esse livro, que se encontra em todas as casas, que

se vende por todas as ruas e em todas as praças, que todos com-

pram para o seu governo, é por muitos ridicularizado e até

desprezado, servindo-se dele a cada momento; esperando este, no

fim do ano, a mesma sorte que esperam quase todos os jornais

políticos". Na sua Cronologia Doméstica, Augusto Luso da Silva

explica o Ciclo Lunar, expõe o método de achamento do número de

ouro num ano qualquer, explica o conceito de epacta (a diferença

de dias que há entre os anos solar e lunar no princípio de um ano

solar qualquer), apresenta o método de achamento da epacta,

conhecido o número de ouro. Mostra, também, como achar o dia

de lua nova em qualquer mês, ou o dia da semana num dia de

qualquer mês de um dado ano. Além disto, revela o método de

achamento do domingo de Páscoa, a festa móvel que determina

todas as outras do calendário católico.

Na segunda parte da Cronologia Doméstica, o professor liceal do

Porto trata das marés, mostrando como se pode achar a hora de

praia-mar num dia qualquer. "Estes conhecimentos poderão

entreter agradavelmente as pessoas que vivem próximas do mar;

hoje, principalmente, que está em uso, e com razão, as famílias de

quase todo o país, nos meses de Agosto, Setembro e Outubro,

retirarem-se das cidades, vilas e aldeias para as praias, gozando

o descanso dos trabalhos anuais como preceito higiénico...".

Já o Calendário Perpétuo de António Cabreira, nos Sistemas Juliano

(Era Cristã) e Gregoriano, Inventado em 7 de Março de 1915, é um

magro opúsculo, de três páginas.

Partindo do princípio de que "O dia inicial de um ano qualquer

é dado pelo resto da divisão por 7 da soma do mesmo ano com

o número de bissextos decorridos até ele", Cabreira fornece assim

um calendário perpétuo, com tábuas dos dias iniciais de cada ano,

dos anos comuns e dos bissextos.

Autor ainda de um Calendário Solar e Lunário Perpétuos (1918), de

Esquemas Algébricos dos Calendários Solar, Lunar e Luni-solar (1928)

e de uma Teoria de um Calendário Luni-solsticial (1931), Cabreira

escreveu também a Determinação exacta da Data da Morte de Jesus

Cristo e foi fundador da Academia das Ciências de Portugal (já

desaparecida, não confundir com a Academia das Ciências de

Lisboa, ainda existente).

Personalidade única, marcou, juntamente com outra figura

célebre do início do século XX, o famigerado Padre Hymalaia,

de quem foi amigo, uma certa escola de ciência portuguesa, muito

virada para a prática e preocupada em "educar o povo".

Em 1943, numa edição aparecida na Régua, surge um Calendário

Perpétuo, Sistema Único e Acessível a Toda a Gente, Abrangendo um

Período de 400 anos, desde 1801 a 2200, e Contendo os Calendários e

Datas da Páscoa Correspondentes a Cada Um dos Anos.

Coordenado por João C. de Lacerda, "fruto de aturado trabalho", este

método promete resposta a quem quer saber o dia da semana de uma

determinada data: "nada mais há a fazer do que procurar no índice o

respectivo ano, ao lado do qual vem o número do calendário cor-

respondente, com a vantagem ainda de nos indicar também a data

da Páscoa". Depois de explicar como surgiu o calendário gregoriano,

aclara-se a maneira de calcular outras festas móveis em relação à

Páscoa, dá-se a noção dos anos bissextos – para se saber se um ano

tem 366 dias, divide-se por quatro o número que o representa. Se

não ficar resto, é bissexto, mas, se ficar, ele indicará o número de

anos decorridos depois do último bissexto. Ressalta-se que os anos

seculares, apesar de divisíveis por quatro, não são bissextos, salvo

nos casos em que forem divisíveis por 400. Assim, o ano de 1600

foi bissexto, bem como o ano 2000. Depois, o Calendário Perpétuo

lança-se num "Índice dos anos com os números dos calendários cor-

respondentes e das datas da Páscoa". Ainda hoje bate certo!

01. "É, pois, após ter passado que o tempopode ser percebido e medido; mas logoque passa, porque já não existe, não podesê-lo. (...) Confesso-te, Senhor, que não seiainda o que é o tempo..." Meditação deSanto Agostinho, Confissões. Quadro dePiero della Francesca. 02. "E per esmoem os meses que aqui nom declarapoderees entender a quehoras o sol pertodo o anno deve nacer. (...) E no tempo doverão faz mais avantagem, e per estaguisa é des que o sol se põe ataa noiteçarrada". Livro dos Conselhos de El ReiDom Duarte, pergaminho, séculos XVI-XVII, ANTT, Lisboa. 03. A simetria entre orelógio e o Calvário sugere a simultanei-dade dos dois tempos, o escatológicoligado à história da salvação, e o tempoque passa a ser propriedade do homem.Bíblia de Belém, pergaminho, c. 1495,Itália, ANTT, Lisboa. 04. Robusta figuramasculina, em bragas arregaçadas, pisaas uvas dentro de uma dorna, em adegaarejada por dois janelões. Cena iminente-mente profana. Livro de Horas - mês deOutubro, c. 1550, França, Museu C. Gul-benkian, Lisboa.Fotos - A Imagem do Tempo, F.C. Gulbenkian

ESPIRAL | 075

01. 02. 03. 04.

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