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SPEDITORIAL SUMÁRIO PERFIL CORREIO LEITOR CALEIDOSCÓPIO EM FOCO REPORTAGEM HISTÓRIA CRÓNICA ENTREVISTA TÉCNICA
O primeiro documento impresso em Portugal, que se conheça, é um breviário bracarense de 1494, quecontém um calendário muito especial, litúrgico, onde se explicam os necessários conceitos de letradominical, epacta ou de número de ouro. Damos, neste artigo exemplos de portugueses que construíramcalendários perpétuos. Se estiver interessado, basta consultar algumas destas obras – até pode aprendera construir um.
por Fernando Correia de Oliveira
Calendários portugueses
vocábulo "calendário" deriva do latim,
calendae, ou calendas, o primeiro dia
de cada mês, assim chamado por
nessa ocasião o pontífice convocar
(calare) o povo de Roma para
o Capitólio, onde oferecia sacrifícios
a Juno e anunciava os dias da lua nova
e das nonas.
A Península Ibérica, sob o domínio de Roma, adoptou o calendário
romano com as várias reformas que ele sofreu, nomeadamente,
a decretada em meados do século I pelo imperador Júlio César
(calendário juliano). Dados os desacertos entre o calendário
estipulado pelos homens e os movimentos reais ou aparentes
dos astros, chegou-se a alturas insustentáveis para o bom governo
das sociedades. Foi o caso ocorrido em 1582, quando o Papa
Gregório XIII, pela bula Inter gravissima, de 24 de Fevereiro
daquele ano, mandou contar como 15 de Outubro o dia seguinte a
4 deste mês, para suprimir os dez dias que o ano do calendário
dos homens já tinha em relação ao real posicionamento
de estrelas e planetas.
A reforma gregoriana foi adoptada desde logo por Portugal,
Espanha e alguns dos estados italianos. Só em 1700
os protestantes alemães e holandeses aderiram a este calendário.
Os japoneses fizeram-no em 1873, a China em 1912 e a Rússia em
1918 (a propósito, a revolução que, de acordo com o calendário
juliano, teve lugar em Outubro de 1917, ocorreu, na verdade,
segundo o calendário gregoriano, em Novembro). A Grécia e as
igrejas ortodoxas aderiram apenas em 1923 a um calendário que é
hoje praticamente universal.
Até ao início do século IV, as comunidades cristãs limitavam-se
a anotar as festas e os principais acontecimentos religiosos no
calendário romano vigente. A pouco e pouco, começaram, porém,
a organizar calendários próprios.
O calendário cristão usou-se na Península Ibérica desde a mais
remota antiguidade, segundo se depreende das disposições dos
Concílios de Elvira (c. 303), de Braga (561, 572 e 675) e de Toledo
(589 e seguintes), bem como da Crónica de Idácio de Chaves
(século V), relativamente ao culto dos mártires e às datas de
celebração da Páscoa e de outras festas móveis.
Os mais antigos calendários hispânicos existentes são os das igrejas
de Carmona e de S. Pedro de la Nave (séculos VI-VII). Desde o sécu-
lo X, são bastantes os que se encontram anexos aos livros litúrgicos.
No território que é hoje o de Portugal, os mais antigos calendários
cristãos que se conhecem datam do século XII, como o do Missal
de Mateus (Braga, c. 1176), o de Santa Cruz (Coimbra, finais do
século XII) e o de Alcobaça. São, obviamente, todos manuscritos.
Além de indispensáveis para a vida litúrgica e social, os
calendários têm grande importância para a cronologia, sobretudo
na Idade Média, quando os acontecimentos eram datados
quase sempre em relação a festividades do dia em que ocorriam.
A confusão aumenta quando se sabe que o dia de celebração
de algumas festas variava de calendário para calendário, especial-
mente quando eram de ritos diferentes.
A maioria dos países de língua latina adoptou os nomes dados
pelos romanos aos dias da semana, inspirados nos nomes dos
planetas-deuses: Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vénus
e Saturno. Com efeito, em francês ficou: lundi, mardi, mercredi,
jeudi, vendredi, samedi, com a excepção do domingo (dimanche).
Mas, para este dia, o vocábulo é relativamente moderno, pois
a tradição francesa atribui-lhe o nome de die soleil. Em espanhol ou
italianol, encontra-se solução semelhante. Já nos países de língua
inglesa adoptaram-se nomes (embora latinizados) do panteão
teutónico. Exceptuando Saturno (saturday), Sol (sunday) e Lua
(monday) tem-se Tiu (tuesday, Marte), Woden (wednesday,
Mercúrio), Thor (thursday, Júpiter) e Freya (friday, Vénus).
A Língua Portuguesa é a única língua latina que contém
excepções. Os dias numerados (segunda, terça,...) são de origem
obscura. É possível que seja uma influência da contagem dos dias
pelo calendário judeu. Tanto assim que a palavra "sábado" deriva
directamente de "sabbath". Apenas domingo (dia do Senhor), seria
uma concessão à raiz cristã.
O
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Em 1582, o papa Gregório XIII,
pela bula Inter gravissima, de 24
de Fevereiro daquele ano, mandou
contar como 15 de Outubro o
dia seguinte a 4 deste mês, para
suprimir os dez dias.
Astrónomo segue o procedi-mento correcto de leitura dosastros para fixação docalendário litúrgico. Para S.Tomás de Aquino, no entanto," não precisamos de usar umastrolábio para saber quandosão horas de comer".Pergaminho - Saltério de S.Luís e de Branca de Castela,Paris, Biblioteca do Arsenal,França - Século XIII.
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Já no capítulo da impressão, o mais antigo incunábulo latino que
se conhece em Portugal é o Breviarium Bracarense, datado de 12 de
Dezembro de 1494, pelo tipógrafo alemão João Gherline. Este
livro, de que só se conhece o exemplar existente na Biblioteca
Nacional de Lisboa, é primorosamente impresso em caracteres
muito pequenos, a preto e a vermelho. Julgam os bibliógrafos que
de Braga passou este impressor à vila de Monterrey, na Galiza,
onde terminou a impressão do Manual Bracarense (Manual
Sacramentorum cum brevi Compilacione Missarum, et aliquorum
Festorum, secundum consuetudinem Metropolitanae Ecclesiae
Bracarensis), em 10 de Junho de 1496.
Com calendário e tábuas cronológicas, este Breviário terá sido
encomendado pelo sínodo diocesano da cidade, reunido em
Dezembro de 1488, para obstar às dificuldades que advinham da
escassez de livros litúrgicos, todos eles até então manuscritos.
O Breviário Bracarense, aparte ter a primazia na impressão
quanto a textos deste tipo em Portugal, reúne ainda uma outra
característica interessante: representa a liturgia privativa
e especial da igreja primacial portuguesa, diferente da liturgia
romana e que sobreviveu a todas as tentativas unitárias
da Santa Sé. Por outras palavras, está-se perante um calendário
que é excepção e não regra.
A PÁSCOA
Para o quotidiano das comunidades, na Idade Média
e praticamente até à actualidade, o único calendário era o
litúrgico. Achar métodos de acertar com a Páscoa, por exemplo,
que é a festa móvel que determina quando ocorrem todas as out-
ras, provocou ao longo dos séculos grandes controvérsias entre
as várias igrejas cristãs.
A Páscoa pode ocorrer tão cedo como 22 de Março e tão tarde
como 25 de Abril, havendo assim 35 dias onde este domingo
especial pode cair.
O cálculo de calendários perpétuos consegue-se a partir
do chamado "método metónico do ciclo lunar" ou "ciclo dos
números de ouro".
No ano 432 a. C., Meton, um astrónomo ateniense, descobriu que
235 lunações (ou seja, meses lunares) correspondem a 19 anos
solares. Por outras palavras, depois de um período de 19 anos
solares as novas luas ocorrem de novo nos mesmos dias do ano
solar. Assim, Meton dividiu o calendário em períodos de 19 anos,
que ele numerou 1, 2, 3, 4 etc., até 19, assumindo que as novas
luas iriam cair nos mesmos dias indicados pelo mesmo número.
Esta descoberta teve tal agrado entre os atenienses que o número
atribuído ao ano corrente no Cíclo Metónico era então escrito
em caracteres de ouro numa coluna do templo, daí ser considera-
do o número de ouro do ano.
Mas os calendários dos homens nunca conseguiram ser perfeitos
e adequar-se completamente ao movimento real ou aparente dos
astros. Daí o acerto de meses com 30 e 31 dias e de quatro em
quatro anos os meses de Fevereiro com 29 dias (anos bissextos).
Ou os complicadíssimos cálculos para achar a epacta, cuja
definição é a idade da lua a 1 de Janeiro de um determinado ano.
O método metónico foi adoptado pela Igreja até 1582. Assume-se,
geralmente, que a Última Ceia ocorreu no festival judeu do
Peshva, que se celebrava sempre no 14.˚ dia da primeira lua
do velho calendário judeu. Ora, sendo assim, Cristo teria
ressuscitado dos mortos a um domingo, 17.˚ dia da chamada lua
pascal. Com o passar dos tempos, foi-se tornando cada vez mais
evidente que a lua pascal do ciclo metónico estava a perder toda e
qualquer relação com a verdadeira lua pascal. O Papa Gregório
XIII encarregou, em 1576, um grupo de astrónomos de reformar o
calendário. Este grupo elaborou uma tábua de equações para
demonstrar as mudanças necessárias na epacta, de modo a preser-
var as relações entre os calendários eclesiástico e astronómico.
Nasceu o calendário gregoriano, que ainda hoje nos rege.
E chegamos à letra dominical: influenciados por um método
herdado dos Romanos, os cristãos passaram a marcar os dias dos
seus anos de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro por ciclos contínuos
de sete letras (de A a G). Um de Janeiro seria A, 2 de Janeiro seria
B, e assim por diante. Se 1 de Janeiro calhasse a um domingo,
todos os dias marcados com um A também seriam domingos.
É este método que consta dos breviários medievais. Assim,
clérigos e leigos, nas respectivas comunidades, podiam saber
quando era chegado o tempo de festa ou o tempo de jejum.
CALENDÁRIOS PERPÉTUOS
"O livro que maior número de edições tem tido e continua
a ter, aquele de que ninguém prescinde, quer seja rico ou pobre,
grande ou pequeno, sábio ou ignorante, homem ou mulher;
quer seja juiz, militar, sacerdote, professor, negociante, lavrador,
fabricante ou operário; aquele que pela sua utilidade no uso da
vida é o primeiro guia doméstico, esse livro é o calendário ou
reportório". É assim que Augusto Luso da Silva, professor de
Cosmografia, Geografia, Cronologia e História no Liceu Central do
Porto, inicia o seu "Cavaco em lugar de prólogo" da obra
Cronologia Doméstica ou Conhecimentos Úteis a Todas as Pessoas
Sobre o Calendário e o Seu Uso (Porto, 1895). "E, contudo –
prossegue ele – esse livro, que se encontra em todas as casas, que
se vende por todas as ruas e em todas as praças, que todos com-
pram para o seu governo, é por muitos ridicularizado e até
desprezado, servindo-se dele a cada momento; esperando este, no
fim do ano, a mesma sorte que esperam quase todos os jornais
políticos". Na sua Cronologia Doméstica, Augusto Luso da Silva
explica o Ciclo Lunar, expõe o método de achamento do número de
ouro num ano qualquer, explica o conceito de epacta (a diferença
de dias que há entre os anos solar e lunar no princípio de um ano
solar qualquer), apresenta o método de achamento da epacta,
conhecido o número de ouro. Mostra, também, como achar o dia
de lua nova em qualquer mês, ou o dia da semana num dia de
qualquer mês de um dado ano. Além disto, revela o método de
achamento do domingo de Páscoa, a festa móvel que determina
todas as outras do calendário católico.
Na segunda parte da Cronologia Doméstica, o professor liceal do
Porto trata das marés, mostrando como se pode achar a hora de
praia-mar num dia qualquer. "Estes conhecimentos poderão
entreter agradavelmente as pessoas que vivem próximas do mar;
hoje, principalmente, que está em uso, e com razão, as famílias de
quase todo o país, nos meses de Agosto, Setembro e Outubro,
retirarem-se das cidades, vilas e aldeias para as praias, gozando
o descanso dos trabalhos anuais como preceito higiénico...".
Já o Calendário Perpétuo de António Cabreira, nos Sistemas Juliano
(Era Cristã) e Gregoriano, Inventado em 7 de Março de 1915, é um
magro opúsculo, de três páginas.
Partindo do princípio de que "O dia inicial de um ano qualquer
é dado pelo resto da divisão por 7 da soma do mesmo ano com
o número de bissextos decorridos até ele", Cabreira fornece assim
um calendário perpétuo, com tábuas dos dias iniciais de cada ano,
dos anos comuns e dos bissextos.
Autor ainda de um Calendário Solar e Lunário Perpétuos (1918), de
Esquemas Algébricos dos Calendários Solar, Lunar e Luni-solar (1928)
e de uma Teoria de um Calendário Luni-solsticial (1931), Cabreira
escreveu também a Determinação exacta da Data da Morte de Jesus
Cristo e foi fundador da Academia das Ciências de Portugal (já
desaparecida, não confundir com a Academia das Ciências de
Lisboa, ainda existente).
Personalidade única, marcou, juntamente com outra figura
célebre do início do século XX, o famigerado Padre Hymalaia,
de quem foi amigo, uma certa escola de ciência portuguesa, muito
virada para a prática e preocupada em "educar o povo".
Em 1943, numa edição aparecida na Régua, surge um Calendário
Perpétuo, Sistema Único e Acessível a Toda a Gente, Abrangendo um
Período de 400 anos, desde 1801 a 2200, e Contendo os Calendários e
Datas da Páscoa Correspondentes a Cada Um dos Anos.
Coordenado por João C. de Lacerda, "fruto de aturado trabalho", este
método promete resposta a quem quer saber o dia da semana de uma
determinada data: "nada mais há a fazer do que procurar no índice o
respectivo ano, ao lado do qual vem o número do calendário cor-
respondente, com a vantagem ainda de nos indicar também a data
da Páscoa". Depois de explicar como surgiu o calendário gregoriano,
aclara-se a maneira de calcular outras festas móveis em relação à
Páscoa, dá-se a noção dos anos bissextos – para se saber se um ano
tem 366 dias, divide-se por quatro o número que o representa. Se
não ficar resto, é bissexto, mas, se ficar, ele indicará o número de
anos decorridos depois do último bissexto. Ressalta-se que os anos
seculares, apesar de divisíveis por quatro, não são bissextos, salvo
nos casos em que forem divisíveis por 400. Assim, o ano de 1600
foi bissexto, bem como o ano 2000. Depois, o Calendário Perpétuo
lança-se num "Índice dos anos com os números dos calendários cor-
respondentes e das datas da Páscoa". Ainda hoje bate certo!
01. "É, pois, após ter passado que o tempopode ser percebido e medido; mas logoque passa, porque já não existe, não podesê-lo. (...) Confesso-te, Senhor, que não seiainda o que é o tempo..." Meditação deSanto Agostinho, Confissões. Quadro dePiero della Francesca. 02. "E per esmoem os meses que aqui nom declarapoderees entender a quehoras o sol pertodo o anno deve nacer. (...) E no tempo doverão faz mais avantagem, e per estaguisa é des que o sol se põe ataa noiteçarrada". Livro dos Conselhos de El ReiDom Duarte, pergaminho, séculos XVI-XVII, ANTT, Lisboa. 03. A simetria entre orelógio e o Calvário sugere a simultanei-dade dos dois tempos, o escatológicoligado à história da salvação, e o tempoque passa a ser propriedade do homem.Bíblia de Belém, pergaminho, c. 1495,Itália, ANTT, Lisboa. 04. Robusta figuramasculina, em bragas arregaçadas, pisaas uvas dentro de uma dorna, em adegaarejada por dois janelões. Cena iminente-mente profana. Livro de Horas - mês deOutubro, c. 1550, França, Museu C. Gul-benkian, Lisboa.Fotos - A Imagem do Tempo, F.C. Gulbenkian
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