Caminhos Cruzados Série: segredos Que Ferem. Volume II · Abracei o uniforme como se o gesto...
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Caminhos Cruzados Márcia Paiva.
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CAPA: Adriana Brazil.
Blog: http://www.adrianabrazil.com
REVISÃO e DIAGRAMAÇÃO: Marcia Rios.
Blog: http://www.apaixonadaporlivros.com
Esta é uma obra fictícia. Qualquer semelhança com nome,
fatos e local, é mera coincidência. Algumas referencia ao
presídio de feminino de Santana, são verdadeiros porém,
acrescentei fatos para dar maior veracidade a estória.
Copyright ©2013 Josy Stoque Todos os direitos reservados. E proibido o armazenamento ou a reprodução o de qualquer
parte desta obra, qualquer que seja a forma utilizada – tangível ou intangível –, sem consentimento escrito da autora.
Caminhos Cruzados Márcia Paiva.
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Agradecimentos.
Agradeço a Deus em primeiro Lugar. Obrigada Senhor!
Ao meu marido, Albino e aos meus filhos Gustavo e
Eduardo. Vocês são a luz em minha vida. Quero fazer uma
agradecimento especial ao meu irmão Marcos P. de Paiva.
Ele foi indispensável, pela divulgação do primeiro volume
da série: Sem Perdão. Meu querido, muito obrigada por
seus esforços e seu tempo. Valeu mesmo.
Há uma pessoa que dedico um abraço de ursa: Marcia
Rios, agradeço sua paciência e amizade. Claro, que não
posso deixar de agradecer às pessoas que conheci na
blogosfera pelo carinho e força. Obrigada a todos vocês.
Tenham uma excelente leitura
Caminhos Cruzados Márcia Paiva.
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São Paulo. Santana.
Os sons de ferros se chocando com estrondo,
arrepiavam-me inteira. O tremor, o medo do
desconhecido, faziam minhas pernas falharem. Senti um
cutucão firme nas costelas. Dei mais alguns passos,
olhando tudo ao meu redor.
Os pavilhões eram enormes, em cada janela podia-se
ver alguns braços, mas o que chamava a atenção, era a
quantidade de roupas penduradas de forma improvisadas
entre as grades. Olhei os três pavilhões, a cópia exata um
do outro, por mais que tentasse acalmar as batidas
frenéticas de meu coração, não conseguia. Aquilo, se não
fosse o verdadeiro inferno estaria bem próximo. Passei por
uma rigorosa inspeção e logo depois um guarda jogou um
uniforme em meus braços. Agarrei desajeitadamente,
meus braços e mãos estavam entorpecidos.
O guarda aproximou-se, me livrando das algemas.
Abracei o uniforme como se o gesto pudesse me proteger
— nada podia — Eu escolhi aquele destino.
Conforme avançava, os olhares nos seguiam, olhei para
cima visualizando dezenas de pares de braços que estavam
do lado de fora das grades. Ao perceberem nossa
aproximação, a curiosidade deu lugar ao silêncio. Todas
— ou a maioria — aproximaram-se das portas. Por estar
no térreo, podia ver e ouvir o barulho que começou a se
formar. Eram sorrisos, múrmuros, as vozes se elevaram
dizendo obscenidades seguidas de muitos risos. Tudo que
pudesse fazer barulho era usado nas grades, o barulho
tornou-se ensurdecedor. Encolhia-me ao sentir uma ou
outra encostar os dedos em mim. O guarda que me
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acompanhava sorria descaradamente, sem dar importância
à algazarra que se formara. Uma queria sobressair à outra
fazendo apostas. Que era bem variada “Aposto um pacote
de cigarros que a belezinha chora feito bebê a primeira
noite” “Aposto meu próximo tiro, contra seu pacote de
que ela não vai dar um piu” Mas, a maioria me olhava em
silêncio, um silêncio velado. Nunca fui de sentir medo,
entretanto tudo ali me amedrontava. Foi com muito
sacrifício que continuei a andar, minha vontade era sair
correndo sem olhar para trás. Ao nos aproximarmos do
fim do corredor, o guarda me empurrou propositalmente.
Fui lançada para as grades de uma das celas, senti as mãos
de alguém segurar meu pescoço apertando em uma
gravata. Bati a cabeça nas barras de ferro, fiquei tonta,
debati-me tentando me soltar. Pareciam braços de aço,
quanto mais me debatia, mais ela apertava. O guarda
olhava sem dar importância ao meu desespero. Ele se
divertia e não escondia isso, seu sorriso era debochado.
— Carne nova no pedaço — ela cheirou meu pescoço
— Tem espaço aqui belezinha. Deixa essa belezinha
comigo — pediu ao guarda — logo, logo vai estar do
jeitinho que eu gosto. Ela sorriu maliciosamente passando
a mão no meu seio.
— Tire suas mãos de mim — tentei gritar, porém meu
pescoço doía e minha respiração era difícil, fazendo minha
voz sair fraca e assustada. Ela sorriu e mais uma vez
acariciou meus seios demoradamente. A repugnância em
sentir suas mãos, fez com que me debatesse, fui
sufocando, achei que morreria naquele momento, mas não
fraquejaria. Não temeria e não me acovardaria. Senti-me
fortalecida interiormente, mas fisicamente minhas pernas
começaram a dobrar. Ela percebendo a situação, afrouxou
um pouco o aperto. Aproveitei de sua breve distração
mordendo seu braço com o resto de minhas forças. Ela
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gritou me soltando, falando inúmeros palavrões. Cai de
joelhos massageando meu pescoço e antes de conseguir
levantar, o safado do guarda pisou na minha mão
esquerda, torcendo o pé sobre ela. Seu sapato — na
verdade era um coturno — pegou meus dedos, reprimi a
dor que era tremenda. Se continuasse a pisar daquela
forma, quebraria cada um deles.
— Chora! — mandou abaixando-se — Chora, senão
vou quebrar seus dedos e arrancar sangue de sua mão.
— Não! — murmurei alto o suficiente para que as
presas mais próximas ouvissem.
As vaias foram imediatas, seguidas de muitos risos. O
ocorrido corria de boca em boca, fazendo com que as
apostas subissem. O guarda levantou-me com brutalidade,
ficando a poucos centímetros do meu rosto.
— É valente hein? Não vai durar um mês aqui. Isso eu
prometo.
Ameaçou colocando o cassetete no meu rosto. Fiquei
paralisada esperando a cacetada. Minha mão pulsava de
dor, no fundo achei que estava quebrada. As lágrimas
estavam a ponto de cair, engoli a dor mantendo-me firme.
Minha atitude só o irritou. Ele levantou o cassetete com a
intenção de desferir no meu rosto. A mulher impediu.
— Não faça isso! Vire ela.
Parecia que ela mandava ali, porque ele atendeu
prontamente. Fiquei de frente a sua cela. A mulher em
questão era alta, seus cabelos eram castanho-escuros,
cumpridos e encaracolados, seus olhos eram castanho-
claros. Sua boca curvada para baixo demonstrando a ira
por minha atitude. E o pior, seus olhos injetavam fogo por
estar sendo alvo dos deboches.
— Esse foi seu primeiro erro — disse mostrando seu
braço que sangrava — Você será minha, de uma forma ou
de outra — declarou com um brilho diabólico no olhar —
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melhor ir se acostumando com a ideia. Estamos quites
Nelson. Não a toque, só eu farei isso... Para o meu prazer e
desprazer dela. Sorriu me medindo de cima abaixo.
Estremeci dos pés a cabeça, vendo a determinação em
seus olhos. Por mais que tentasse imaginar minha vida
dentro dessas muralhas, jamais pensei em uma situação
semelhante. Voltei-me ao tal de Nelson, ele sorria
abertamente.
— Eu disse que arrumaria uma...
O som de passos apressados, fez com que o pavilhão se
calasse e ela afastar-se das grades. Nelson também se
calou. Estranhei o silêncio tão repentino e olhei para trás.
Quando vi aquele homem aproximando-se, desejei ser eu
atrás das grades. Havia mais dois brutamontes atrás dele.
Aproximaram-se sem esconder o olhar repressor para o
guarda.
—Nelson! — exclamou o mais forte — porque a trouxe
para o primeiro? Você sabe muito bem, que é para coloca-
la no terceiro.
— Ela é de alta periculosidade, a ficha dela...
— Ela espera julgamento e você conhece muito bem as
regras.
— Sim, mas só queria...
— Pavilhão três — cortou mais uma vez. Brutus
aproximou-se, não passou despercebido minha mão
inchada.
— O que aconteceu com sua mão? — perguntou.
Olhei para o Nelson a ameaça estava refletida em seus
olhos. Não era idiota e imaginava o que poderia acontecer
comigo se os deletasse.
— Minha mão já estava ruim, as algemas só pioraram.
Nelson sorriu e se aproximou. Brutus o impediu,
colocando seu cassetete em seu peito.
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— Deixa a garota comigo — ordenou — Vá fazer a
ronda do segundo.
— Mas...
O homem não precisou falar uma segunda vez, só
bastou um olhar.
—Sim senhor — respondeu Nelson saindo em direção
oposta.
Brutus com um gesto de cabeça pediu aos outros para
segui-lo. Após certificar-se de estarmos sozinhos, ficou
em frente à cela da mulher. Não disse uma palavra, só a
olhava. Ela escondeu o braço ferido e não levantou os
olhos uma única vez.
— Natalia você conhece as regras, quebra-las trará
consequências que você conhece bem.
— Sim, eu sei.
— Ótimo! Espero não voltar aqui mais uma vez —
disse pegando meu braço — Vamos, seu pavilhão não é
esse.
Voltamos pelo corredor. Não haviam mais mãos para
fora e nem nada sendo passado nas grades. Levantei a
cabeça para olhar o rosto do homem que continuava a me
segurar. Ele era alto, moreno e muito forte, era difícil
definir sua idade, mas devia ter por volta de quarenta e
poucos anos. Não usava uniforme, só carregava um
cassetete na mão esquerda. Usava roupas comuns, calça
jeans já bem desbotada, camisa azul clara. Sua fisionomia
era séria, compenetrada.
— Não me encare — ordenou com firmeza. Abaixei a
cabeça, não era doida de contrariar aquele homem temido
por todas.
—Vamos a enfermaria olhar sua mão.
Não respondi, só o segui. Entramos em uma sala média
onde havia duas camas hospitalar e um homem sentado
detrás de uma pequena mesa. O homem era o doutor Sales
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que chamou Brutos de Sr. Amparo. Mas, ainda não sabia
qual era o seu cargo na penitenciaria. O médico examinou
minha mão, sobre o olhar atento do Sr. Amparo. Minha
mão latejava muito, por experiência, sabia que não estava
quebrada e o médico constatou que só havia uma forte
luxação. Depois de enfaixar e dar alguns analgésicos para
dor nos despedimos. Voltamos a caminhar em direção ao
pavilhão três. Levantei a cabeça pra agradecer, porem ele
me interrompeu sem mesmo me olhar, parecia ter olhos
em toda parte da cabeça, enxergava tudo.
— Continue com a cabeça baixa e preste atenção:
Pavilhão um: é onde estão as condenadas de alta
periculosidade. Pavilhão dois: as que tentam fugir com
frequência e no último Pavilhão três: as que aguardam
julgamento. Regra única: Não se aproxime das presas do
um, mantenha-se longe do dois e não conte o que a trouxe
aqui a ninguém. Não quero brigas entre gangues e nem
disputas por você. — olhou minha mão enfaixada —
Começou da pior forma, Natalia é a presa mais temida e
respeitada, o que ela quer tem — ele parou para abrir uma
porta de ferro — Não se preocupe com a repercussão que
teve seu caso. Aqui não chegou nada pela mídia.
—Mas foi noticia...
Calei-me no mesmo instante.
— Houve uma rebelião e o diretor tirou as regalias por
indisciplina, os aparelhos foram retirados das celas, então
bico calado. Só eu sei da verdade. E quero deixar bem
claro: Você não é bem vinda aqui.
Estremeci, mas concordei com um leve aceno.
Entramos no pavilhão três. As vozes eram muitas, as
conversas indecifráveis, mas ao ouvirem os passos fortes e
ritmados dele, tudo caiu no silêncio.
Minha curiosidade por saber quem era aquele homem,
que só de aparecer colocava ordem no lugar era tremenda,
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mas segui suas instruções. Mantive minha cabeça baixa e
não perguntei nada. Ele me guiou até o fim do corredor.
Ao abrir a cela, vi uma moça sentada em uma das camas, e
outra arrumando uma pequena mochila. As duas, não
esconderam a surpresa ao vê-lo. Ele empurrou a porta.
Aquele barulho de ferro contra ferro, arrepiava minha
nuca e percorria a minha espinha, parecia cena de filme de
terror. Ele deu passagem, colocando-se de lado. Passei
sem olha-lo.
—Tudo pronto Carla?
A moça pegou sua mochila, concordando com um
gesto de cabeça, colocando-se ao lado dele.
— Esta é sua cela, e essa é sua companheira.
— Ana essa é Tainá, ela ficará com você, espero que as
duas se entendam.
—Sim senhor — respondeu.
—Ótimo! Instrua-a como não se meter em encrencas.
Ana concordou timidamente. Ele trancou a cela e saiu
com Carla logo atrás. As mulheres antes caladas
começaram a falar ao mesmo tempo. Nada comparado ao
outro pavilhão, neste as mulheres não deram importância a
mais uma detenta. Ana me olhou e indicou a única cama
vazia. Havia duas camas, cada uma em uma extremidade
da cela. As paredes eram mofadas, mas o local estava
limpo. Uma pequena cortina estava em um canto da cela.
Ana vendo meu olhar curioso, explicou que ali era o
banheiro, abriu à cortina para ver que só havia o vaso e um
chuveiro, nem mesmo pia tinha. Tudo na maior
precariedade. As paredes ao lado de sua cama, era forrada
de fotos, uma infinidade, só podia ser de parentes. Voltei
meus olhos para ela. Ana era jovem, devia ter por volta de
vinte e sete ou trinta anos. Baixa, magra, morena clara, era
uma mulher atraente. Ela não me olhou no primeiro
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momento. Após sentar-se novamente soltou um leve
sorriso.
—Você deve ser importante moça. Para o Anjo negro
te trazer pessoalmente é porque é importante. Disse com
voz pousada inclinando-se para frente.
— Não sou, um guarda errou de pavilhão e o Sr
Amparo me trouxe ao...
Ela gargalhou interrompendo minha explicação.
— Aqui não há erros, ainda mais vindo de guardas e
carcereiros, essa é sua primeira lição, nada acontece por
engano, nada.
Involuntariamente, estremeci e Ana percebeu.
— O que aconteceu com sua mão?
Expliquei por alto a fazendo inclinar-se mais ainda.
— Teremos problemas garota. Natália não aceita não
como resposta. — sentou-se ao meu lado — Nelson é seu
capacho – ela abaixou o tom de voz — cuidado com ele e
principalmente não se aproxime dela. Aos poucos vou dar
dicas pra você se manter inteira aqui dentro.
Nada podia ser pior que ouvir aquilo.
— A outra moça era sua companheira de cela?
—Carla está sendo transferida — deu de ombros — Se
não fosse você, seria outra a ocupar o lugar deixado. E não
é cela, outra lição, a partir de hoje aqui é sua morada. É
assim que chamamos.
Ali senti que não sabia de nada, para ser sincera não
queria saber, contudo, para sobreviver seria obrigada a
aprender.
— O que significa trocar o próximo tiro?
Ela me olhou e levantou-se.
—Vejo que terei de ensinar muita coisa a você garota.
Trocar ou dar um tiro significa cheirar cocaína. Nem
precisa falar onde ouviu isso. Elas fizeram apostas? — ela
balançou a cabeça sem esperar minha resposta continuou
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— Natália já marcou você, então todo cuidado é pouco.
Ela é a bam-bam do pedaço e agora comanda lá fora.
— Saber disso não alivia em nada.
— Aqui é outro mundo, esqueça o que viveu lá fora.
Tive vontade de dizer que era impossível, foi o que vivi
que me colocou exatamente onde estava. Calei minha boca
lembrando as recomendações do Anjo Negro.
— Quem é o Sr. Amparo?
—Subdiretor do presídio. Sei que pode parecer que as
mulheres o temem, mas não é isso, todas aqui o respeitam,
ele luta por melhorias aqui dentro. Você vai entender isso
com o passar do tempo. E aqui o tempo, passa
vagarosamente.
—Quanto mais eu souber melhor — falei para mim
mesma, mas ela ouviu.
—Vamos por partes. Primeiro tem de saber o básico do
funcionamento, abertura das trancas as sete da manhã e
fechamento as cinco da tarde. O resto, o importante vai
aprender no dia a dia.
Ela tinha razão, por isso concordei ajeitando-me na
cama. Não tinha trazido nada, esperava que alguém
trouxesse. Tomei uma ducha coloquei o uniforme. Voltei
para a cama, Ana já estava cochilando achei melhor deixa-
la quieta. Olhei pela janela, as grades não deixavam
esquecer onde estava. A noite já caia, fechei os olhos e
principalmente a mente, fugi daquela realidade e nem
percebi quando adormeci.
Acordei só na manhã seguinte, meio que desnorteada
sem saber ao certo onde estava. Só cai na realidade ao ver
Nelson jogando uma mochila no chão. Era a minha
mochila. Meu coração queria fugir do peito de tão
frenético que era o ritmo. Esperei ele dar as costas, peguei
virando o conteúdo sobre a cama, procurando com receio
de achar o que não queria. Havia de tudo um pouco,
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produtos básicos de higiene e vários pares de roupas
intimas. Respirei aliviada, mas senti tristeza por não ter
noticia nenhuma. Guardei tudo novamente. Ana me olhava
com curiosidade.
— Esperava noticias de alguém?
Neguei com a cabeça incapacitada de falar, não queria
prolongar o assunto, assunto que não poderia dar
explicações. Ela ficou calada por alguns segundos, mas
quando fez uma nova pergunta, senti o chão sumir sob
meus pés.
— Qual foi seu crime?
— Tráfico — falei lembrando a conversa da noite
passada.
Ela sorriu brevemente.
— Tráfico — repetiu me olhando com desconfiança,
mas não prolongou o diálogo. Agradeci intimamente, não
queria mentir, se insistisse seria obrigada a fazê-lo.
— E o seu?
Ela deu de ombros, levantou-se começou a esticar a
lençol da cama a imitei. O local podia ser precário, mas
era limpo e organizado.
— Matei meu companheiro — ela dobrou uma coberta
colocando debaixo do travesseiro — Ele me batia todos os
dias, enquanto era comigo, eu aguentava, mas quando fez
o mesmo como minha filha não aguentei, acabei com a
raça do safado.
— E sua filha?
Ela apontou para as fotos da parede.
— Vive com minha mãe. Ela não vem me visitar, foi
uma imposição minha. Isso aqui não é lugar para ninguém,
menos ainda para crianças.
—Lamento Ana.
—Não lamente, fiz o que achei certo. Todas aqui temos
histórias Tainá, a maioria é terrível. Cada uma de nós tem
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sua dor. Hoje talvez fizesse diferente. Não o deixaria bater
e quase matar minha menina.
— O que você faria de diferente?
— Mataria depois da minha primeira surra. Afirmou
com convicção.
O café da manhã chegou interrompendo nossa
conversa. Como poderia condenar aquela mulher que só
defendeu sua filha? Aprendi que julgar as pessoas, sem
saber ao certo dos fatos era fácil demais. Não cometeria o
mesmo erro. Afastei as lembranças que tanto me faziam
sofrer, voltando minha atenção ao que ela dizia.
Ana esclareceu que todas as refeições eram feitas nas
celas. Fato comprovado com a hora do almoço. A comida
era o básico, arroz feijão, carne e salada, feita pelas
próprias detentas. No decorrer do dia, era banho de sol e
mais nada. O jantar chegou, estava morrendo de fome.
Antes mesmo de provar, notei que o cheiro estava
diferente. Toquei a comida com o talher, o arroz estava
grudento, pegajoso o cheiro me deu vontade de vomitar.
Larguei o prato ao lado da cama e corri para o banheiro.
—Acostuma-se — gritou Ana rindo — A gororoba é o
resto do almoço, ele é feito de madrugada. Quando chega
o jantar, ele vem assim... azedo.
Ana também não jantou, deixei o almoço e o resto do
café no sanitário.
A rotina da cadeia era na verdade entediante. Com o
passar dos dias, comecei a entender mais do
funcionamento. Ana tornou-se uma companhia para todas
as horas, não me deixava sozinha. Não nos passava
despercebido os olhares da turma da Natália aonde íamos,
algumas também nos seguiam.
— Finge que não as vê. As ignore, não aceita
provocações e o mais importante: Não saia de perto de
mim. Entendeu?
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— Sim. Entendi.
Não havia o que fazer, mais de 1.000 detentas
trabalhavam nas oficinas onde eram feitos desde pratinhos
de festa a armações de óculos. Ana me levou — com
permissão do Anjo negro — para conhecer o galpão da
Funap, órgão que dava amparo as presas, deste saiam
artesanatos feitos com madeira e crochê. Havia também
aulas ministradas por algumas internas, que eram
formadas em varias áreas. Achei tudo muito bem
organizado, mas as vagas não eram para todas. A fila era
enorme. Na cadeia de cada três dias trabalhados, um era
reduzido da pena. Tirando o salário que era um mínimo.
Dinheiro esse, que o próprio presídio administrava, a
maioria mandava para familiares e o resto usava com
gasto próprio. Ali não era como nos filmes, onde sempre
tem um que traz tudo que você quer ( tirando as drogas
que corriam soltas ) o restante era pedido a administração,
cigarros, chocolates, guloseimas em geral pagos com o
próprio dinheiro.
O que me deixou admirada era a quantidade de casos
entre as mulheres, aquilo era um ninho de homossexuais.
Ana de modo bastante discreto, indicava com um gesto de
cabeça as mulheres que viviam como casadas. Dentre elas,
estava Natália e sua companheira que não escondia o
rancor ao me olhar. Eu claro, fingia que não via.
— Sábado é dia de visitas — disse Ana de modo vago
— em um destes dias, Natália se disfarçou, entrando no
meio dos visitantes para tentar sair — ela indicou uma
jovem que estava isolada das demais — Aquela é Patrícia,
observe por alguns minutos.
Fiquei olhando a moça encolhida em um canto.
Olhando mais atentamente, podia-se ver, que ela falava
sozinha e sorria muito.