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    JUZES LEGISLADORES:O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

    DAS LEIS COMO FORMA DE EXERCCIODO DIREITO JUDICIRIO

    Lus Carlos Cancellier de Olivo1

    Sumrio: Introduo. 1. Juzes legisladores. 2. Fundamentosda teoria da separao dos poderes. 3. Controle de constituci-onalidade e separao dos poderes. 4. Direito comparado econtrole no Brasil. 5. A regulamentao das aes de consti-tucionalidade. Consideraes finais. Referncias bibliogrficas.

    Introduo

    O objetivo do presente estudo verificar de que forma o controle deconstitucionalidade das leis, do tipo concentrado, praticado pelo Supremo Tri-

    bunal Federal brasileiro ao apreciar tanto a Ao Direta de Inconstitucionalida-de (ADIn) quanto a Ao Declaratria de Constitucionalidade (ADC) pode serconsiderado como uma atividade criadora de Direito, nos moldes preconizados

    por Mauro CAPPELLETTI, em sua obra Juzes Legisladores.Parcela da doutrina considera que os Tribunais, ao exercerem em sua

    plenitude a criatividade judiciria, esto adentrando na rea especfica dopoder Legislativo, cuja funo principal, segundo a teoria montesquinianada separao dos poderes, seria a de elaborar a lei. Haveria, com essa ativi-dade legislativa imprpria, um comprometimento da teoria basilar dos mo-dernos regimes democrticos. Entretanto, h quem considere que o exerc-cio do Direito Judicirio representa o fortalecimento de um dos poderes doEstado, justamente para permitir o funcionamento do sistema de freios econtrapesos, os checks and balances norte-americanos.

    1Mestre em Instituies Jurdico-Polticas (UFSC).Doutorando em Direito do Estado no CPGD/UFSC. Endereoeletrnico: [email protected]

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    So estas questes que CAPPELLETTI analisa em profundidade eque servem de referncia para este estudo comparativo. Procuramos com-

    preender de que forma se manifestam as diferenas entre interpretao,criao judiciria das leis e transformao dos juzes em legisladores, nocontexto da teoria da separao dos poderes. Relacionamos, neste sen-tido, os principais aspectos da legislao atinente ao controle de consti-tucionalidade no Direito brasileiro, observando de que modo, segundoos doutrinadores, ela proporciona o desequilbrio entre os poderes doEstado. Traamos um quadro comparativo entre o controle concentradoabstrato em outros pases e sua recepo pelo constitucionalismo brasi-leiro, culminando com a edio da legislao regulamentadora da ADIne da ADC pelo legislador ptrio.

    Em recente palestra proferida em Portugal, sobre o poder Judiciriobrasileiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro CarlosVELLOSO2, ao ressaltar a importncia do controle concentrado, lem-

    brou que ele surgiu na ustria sob inspirao de KELSEN e que floresceuaps a Segunda Guerra. Tal controle, salientou o magistrado brasileiro,continua florescendo porque os povos europeus sentiram, na prpria carne,os desmandos, o autoritarismo do Estado. Perceberam, ento, que serianecessrio redescobrir a ideia de Constituio, e que preciso imaginar

    meios e modos de defend-la. Nada protege mais os direitos individuais, aliberdade, do que as medidas judiciais, nada defende mais o brevirio dopovo livre, a Constituio, do que o controle jurisdicional de constitucio-nalidade. Os povos europeus compreenderam isso.

    1. Juzes legisladores

    A produo do Direito por obra dos juzes chamada por Mauro CA-PPELLETTI3, de criatividade da funo jurisdicional, no estudo em que pro-cura justamente desvendar a questo: saber se o juiz mero intrprete-aplicadordo Direito ou se participa, lato sensu, da atividade legislativa, da criao do

    2VELLOSO, Carlos. Palestra proferida em Portugal sobre o poder Judicirio brasileiro, em 23 de junho de 1999,in:http://200.130.4.8.netahtml/noticias.html3CAPPELLETTI, Mauro. Juzes Legisladores? Trad. de Carlos Alberto lvaro de Oliveira. Porto Alegre:Fabris, 1993, p. 13.

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    Direito. A expresso Direito Judicirio foi utilizada por BENTHAN4, em me-ados do sculo XIX, para designar a atividade do juiz, que ao declarar odireito existente estava na verdade criando o Direito. O Direito Judicirioingls, no codificado, segundo ele, proporcionava uma srie de vcios,como a incerteza, obscuridade, confuso e a dificuldade na averiguao.Para CAPPELLETTI5, pouco importa se h diferena conceituai entreinterpretao e criao do Direito. O verdadeiro problema est no grau decriatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da criao do Direito

    pelos tribunais.A favor da funo legislativa dos juzes encontra-se o Chief Justi-

    ce ingls Garfield BARWICK6, para quem a melhor arte de redao dasleis, e mesmo o uso da mais simples linguagem legislativa, sempre deixam,de qualquer modo, lacunas que devem ser preenchidas pelo juiz e sempre

    permitem ambiguidade e incertezas que, em ltima anlise, devem ser re-solvidas na vida judiciria.

    CAPPELETTI7, sustenta que na tarefa de criar a lei o juiz no detmtotal liberdade para interpretao, pois o sistema jurdico estabelece certoslimites liberdade judicial, que tanto podem ser limites processuais quantosubstanciais. No h oposio entre as duas atividades, j que o processo decriao ocorre em funo da necessidade de preencher as lacunas resultan-

    tes do processo Legislativo, o que feito atravs da interpretao. A ques-to est no grau de criatividade, modos, limites e aceitabilidade da criao.O grau de criatividade maior quando a deciso do juiz est baseada naequidade, e menor quando julga e interpreta argumentando em alguma leiou precedente. Mas em ambos os casos, a atividade do juiz se assemelha aodo legislador, visto que este tambm no totalmente livre, pois tem naConstituio ou nas decises judiciais a limitao de sua liberdade.

    A interpretao, neste sentido, deve vincular o juiz de alguma forma,

    ou lei, ao precedente, equidade. Esta vinculao, entretanto, no abso-luta, pois o juiz tem a necessidade de ser livre. No h como questionar quea atividade judicial envolve sempre interpretao e como salientou Lord

    4 Citado por CAPPELLETTI. Op. cit., p. 17.5 CAPPELLETTI. Op. cit., p. 20.6 Citado por CAPPELLETTI. Op. cit., p. 20.7 CAPPELLETTI. Op. cit., p. 21.

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    RADCLIFFE8, jamais houve controvrsia mais estril do que a concer-nente questo de se o juiz criador de Direito. bvio que . Como

    poderia no s-lo?, indaga.O fenmeno da expanso do Direito Legislativo constitui uma das

    principais causas da expanso, no mundo moderno, do Direito Judicirio,ou jurisprudencial, do poder criativo dos juzes. A interpretao judiciria,segundo Morton WHITE9, um fenmeno do sculo XX, acentuada pelarevolta contra o formalismo, que se contrapunha, nos Estados Unidos daAmrica, anlise de casos; na Frana, ao positivismo jurdico; e na Alema-nha, ao formalismo cientfico e conceituai. De maneira geral, foi uma reaoao mecanicismo, lgica, ao juiz como inanimada boca da lei, de MON-TESQUIEU. Os reformadores passaram a defender que o papel do juiz muito mais complexo. O juiz declara a lei, mas de forma criativa, incluindovalores pessoais e argumentos da histria, da economia, da poltica, da ti-ca, da sociologia e da psicologia. Escolher significa ter presentes os resulta-dos prticos e as implicaes morais da prpria escolha.

    A dvida levantada por CAPPELLETTI10 se essa concepo de juiz-legislador no minaria a ideia fundamental da separao dos poderes, ame-aando a democracia e conduzindo ao Estado totalitrio. No Estado deBem Estar Social cabe ao governo providenciar a execuo de leis que ga-

    rantam os novos direitos, inclusive os sociais, difusos e coletivos. Quantomais abstrata for a legislao, mais espao tero os juzes para interpret-la.Essa mudana de comportamento dos juzes corresponde prpria mudan-a do Estado moderno (Bem Estar Social) e ao papel desempenhado peloDireito. Esse Estado assumiu cada vez mais compromissos - ao invs dedeixar tudo nas mos do mercado - e interveio drasticamente na vida social,necessitando, para isto, de uma forte produo legislativa e de uma mquinaadministrativa e burocrtica ampla o suficiente para realizar tais tarefas.

    O Welfare State, na origem essencialmente um Estado Legislativo,transformou-se, assim, e continua permanentemente se transformando, emEstado administrativo, na verdade, em Estado burocrtico, no sem o peri-

    8 Citado por CAPPELLETTI. Op. cit., p. 5.9 Citado por CAPPELLETTI. Op. cit., p. 31.10 CAPPELLETTI. Op. cit., p. 34.

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    go de sua perverso em estado policial, conforme advertncia de CAPPEL-LETTI.11Nessa nova realidade gigantismo estatal, legislativo, administra-tivo e burocrtico - aumentaram as funes e a responsabilidade dos juzes,sendo que a justia constitucional, especialmente na forma do controle judi-cirio da legitimidade constitucional das leis, constitui um aspecto dessanova responsabilidade. O Judicirio teria ento duas alternativas: a) perma-necer fiel concepo tradicional do sculo XVIII, dos limites da funo

    jurisdicional; b) elevar-se ao nvel dos outros poderes, tornar-se o terceirogigante, capaz de controlar o legislador e o administrador.

    O modelo clssico institudo na Frana, em 1789, proclamava o idealda separao dos poderes, na qual os tribunais estavam impedidos de inter-ferir na atividade legislativa ou administrativa. Aos poucos, entretanto, for-taleceu-se o Conselho de Estado, que a princpio tinha por competnciaresolver conflitos entre cidados e a administrao, passando depois a exer-cer o controle judicirio sobre os atos administrativos do Estado. Tal evolu-o ocorreu no s na Frana, como em outros pases europeus, notada-mente na Alemanha e Itlia. Essa funo est na origem do prprio controlesobre a atividade legislativa, cuja nfase se verifica no sculo XX, aps aSegunda Grande Guerra. No caso do modelo norte-americano, com maisfacilidade, a magistratura assumiu a funo de exercer a atividade criadora

    do Direito, mesmo porque esta tarefa coube Suprema Corte, rgo doprprio Judicirio, e no a uma Corte constitucional especial.O ideal da estrita separao dos poderes teve como consequncia

    um Judicirio perigosamente dbil e confinado, em essncia, aos conflitosprivados, lembra CAPPELLETTI12, para quem somente um sistema decontrole recproco pode, sem perigo para a liberdade, fazer coexistir umLegislativo forte, com um Executivo forte e um Judicirio forte. Justamenteesse equilbrio de foras, de contrapesos e controles recprocos constitui o

    grande segredo do inegvel sucesso do sistema constitucional norte-ameri-cano. Um sistema de checks and balances, onde o crescimento do Judici-rio o ingrediente necessrio ao equilbrio dos trs poderes.

    A principal preocupao saber se a criatividade judiciria torna o

    11 Idem, ibidem, p. 39.12 Idem, ibidem, p. 53.

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    juiz legislador. Se assumindo os juzes papel acentuadamente criativo, a fun-o jurisdicional termina por se igualar legislativa e os juzes acabam porinvadir o domnio do poder Legislativo. Segundo Lord DIPLOCK13, a res-

    posta afirmativa, pois em razo de sua prpria funo, os tribunais estoconstrangidos a agir como legisladores. CAPPELLETTI discorda, afirmandoque os juzes esto constrangidos a ser criadores do Direito: eles so chama-dos a esclarecer, integrar, plasmar e transformar e no raro a criar ex novoDireito. Isto no significa, porm, que sejam legisladores. Para ele, impor-tante diferenciar o processo legislativo do processo jurisdicional, principal-mente por este ltimo envolver o contraditrio entre as partes, o que noocorre no processo legislativo. Entretanto, reconhece que os tribunais podemoperar com competncia legislativa, ao invs de judiciria, quando exercem o

    poder de emanar diretivas gerais em tema de interpretao, vinculantes paraos tribunais inferiores e emitidas sem qualquer conexo com determinadocaso em concreto, quando assumem eficcia vinculante erga omnes.

    Algumas das crticas a essa atividade criadora apontam para limita-es que ocorrem na criao judiciria do Direito, como se fossem enfer-midades prticas. Uma delas a sua ambiguidade, o que a torna confusa e

    pouco clara para a maioria das pessoas; outra que possui eficcia retroati-va, tolhendo o princpio da previsibilidade; e ainda h a alegada incompe-

    tncia institucional da magistratura para agir como fora criadora do Direi-to. A mais grave objeo criao do Direito a falta de legitimidade de-mocrtica dos juzes, que ao contrrio do Legislativo e do Executivo, noso eleitos pelo voto popular. Por isso mesmo os juzes no so obrigados a

    prestar contas ao povo de seus atos.Um dos mais ferrenhos crticos da criao judiciria, Lord DEVLIN14,

    assim se expressou:

    grande a tentao de reconhecer o Judicirio como uma elite ca-paz de se desviar dos trechos demasiadamente embaraados da estrada doprocesso democrtico. Tratar-se-ia, contudo, de desviao s aparentementeprovisria; em realidade, seria ela a entrada de uma via incapaz de se reunir estrada principal, conduzindo inevitavelmente, por mais longo e tortuosoque seja o caminho, ao estado totalitrio.

    13 Citado por CAPPELLETTI. Op. cit., p. 74. 14 Citado por CAPPELLETTI. Op. cit., p. 93.

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    Conforme salientou Martin SHAPIRO15, no necessariamente o Par-lamento ou o Executivo, embora eleitos pelo povo, representam os interes-ses da maioria. Podem, certamente, representar sim interesses de gruposprivados organizados que conseguem fazer prevalecer sua fora polticajunto aos dirigentes. Nesse processo de formao, troca e emprstimo de

    fora poltica, as questes que frequentemente aparecem no dizem respei-to a decises majoritrias, ressalta, ao lembrar que nas decises do gover-no nem sempre so levados em conta conceitos como voz da maioria,democrtico ou no democrtico.

    Alm desse argumento, h tambm a constatao de que o Judiciriono inteiramente desprovido de representatividade, conforme defendeRobert DAHL16. Tomando como referncia a Suprema Corte norte-ameri-cana, ele sugere que os seus membros, por serem indicados pelo Presidente

    da Repblica, refletem a posio predominante da maioria popular daqueledeterminado momento. Para CAPPELLETTI17, esse argumento, embora pr-

    prio da Commom Law, tambm pode ser usado nos pases que adotam aCivil Law, visto que os membros das Cortes Constitucionais tambm soindicados politicamente.

    o caso tambm do Supremo Tribunal Federal brasileiro, que comoguardio da Constituio, tem seus membros indicados pelo Presidente daRepblica. No deixa de ser, portanto, um rgo poltico, que ao decidir os

    casos em tese, pode dar uma contribuio mais efetiva quilo que SHAPI-RO chamou de representatividade geral do sistema , ou seja, a possibili-dade de que os mais diversos grupos tenham acesso ao processo judicial, demaneira mais facilitada do que teriam acesso ao processo poltico tpico doLegislativo. Este um outro argumento utilizado pelos defensores da cria-tividade judiciria, que proporciona, sem dvidas, uma mais efetiva partici-

    pao popular no processo democrtico.Existe o risco dos juzes se transformarem em burocratas, isolados da

    sociedade? CAPPELLETTI18, admite que sim, mas neste caso, atravs dosistema de controle recproco, a criao judiciria tida como inaceitvel

    15Citado por CAPPELLETTI. Op. cit., p. 96.16Citado por CAPPELLETTI. Op. cit., p. 96.17CAPPELLETTI. Op. cit., p. 97.18 Idem, ibidem, p. 101.

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    pode ser corrigida mediante ato do Legislativo ou por meio de reviso cons-titucional. De qualquer forma, em certa medida, a lei um mito que deveser interpretada e completada para traduzir-se em ao real e a interpre-tao judiciria, em certa medida sempre criativa de Direito. A ques-to saber qual a medida desta criatividade: a ltima palavra no pro-cesso de produo do Direito pertence vontade majoritria, tal comose expressa, em forma de maioria simples ou qualificada, na legislaoordinria ou constitucional.

    Mas CAPPELLETTI19, ressalta que a noo de democracia nopode ser reduzida a uma simples ideia majoritria. Democracia, diz ele,significa tambm participao, tolerncia e liberdade. Um Judicirio ra-zoavelmente independente dos caprichos, talvez momentneos, da mai-oria, pode dar uma grande contribuio democracia; e para isso emmuito pode colaborar um Judicirio suficientemente ativo, dinmico ecriativo, tanto que seja capaz de assegurar a preservao do sistema dechecks and balances, em face do crescimento dos poderes polticos, etambm controles adequados perante os outros centros de poder.

    Por isso, ao tentar responder se a tarefa do juiz interpretar ou criaro Direito, CAPPELLETTI20, ressalta que o juiz, inevitavelmente, reneem si uma e outra funo, mesmo no caso em que seja obrigado a aplicar

    uma lei preexistente. A interpretao sempre implica em certo grau dediscricionariedade e escolha e, portanto, de criatividade, em grau que particularmente elevado em alguns domnios, como a justia constitucio-nal e a proteo judiciria de direitos sociais e interesses difusos.

    2. Fundamentos da Teoria da Separao dos Poderes

    Embora reconhea que em ARISTTELES esteja a origem da teoriada separao dos poderes, WALQURIA SANTOS 21, salienta que o pen-sa-dor grego no buscou a anlise da composio e de competncia de cada

    19 Idem, ibidem, p. 107.20 Idem, ibidem, p. 129.21 SANTOS, Mrcia Walquria Batista dos.Separao de poderes : evoluo at a Constituio de 1988 Consideraes.Rev. Inf. Legisl. Braslia, n. 115, jul/set 1992, p.210.

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    um dos poderes, fato que contribuiu para que suas ideias no se tornassemparadigmticas da teoria.

    Segundo Fides OMMATI22, a primeira tentativa de estabelecer a se-parao entre as atividades do Estado ocorreu com a publicao deCROMWELL, Instrument of Government e depois com os estudos deLOCKE e MONTESQUIEU, este com a clebre obra Do Esprito dasLeis. OMMATI refuta a ideia de que MONTESQUIEU no se propusera aelaborar uma teoria da separao, mas sim de colaborao, pois os trs

    poderes do Estado so coordenados e subordinados entre si, de tal formaque seja possvel um equilbrio.

    WALQURIA SANTOS23, sugere que CROMWELL admitiu a se-parao entre os poderes Legislativo e Executivo, quando instituiu seuProtetorado, no que foi seguido por LOCKE, que inspirado pelo Direitoholands, dividiu o poder entre o Legislativo, o Executivo e o Federativo.Os dois primeiros estariam concentrados no Monarca, atuando de manei-ra conjunta, enquanto que o Judicirio seria mais uma funo do Legisla-tivo, nos moldes do Direito ingls. J o poder Federativo estaria voltados relaes internacionais.

    Para John LOCKE24, o poder poltico relaciona-se ao Direito de fazera lei, tendo por objetivo preservar a propriedade, podendo para isso exercer

    a fora, em defesa da comunidade e do bem pblico. O grande instrumentoque possibilita esta fruio o poder Legislativo.Em ISENMANN25, a separao dos poderes, nos moldes em que

    atribuda a MONTESQUIEU, no passa de um mito reproduzido ao lon-go de geraes. Tal mito constitui-se na ideia de que os poderes estariamde tal forma equilibrados, que o poder seria o limite do prprio poder,assegurando-se desta forma, a rigorosa separao de poderes, onde cadaqual teria uma funo prpria, imune de qualquer interferncia. A teoria

    22 OMMATI, Fides. Dos freios e contrapesos entre os poderes do Estado. Revista de Informao Legislativa.Braslia, n. 55, jul/set 1997, p.57.23SANTOS, Mrcia Walquria .Op.cit.p. 213.24 LOCKE, John. Segundo tratado do governo civil. In: Os Pensadores. 2aed. Traduo de Anoar Aiex e E. JacyMonteiro. SP: Abril Cultural, 1978, p.34.25 Citado por SOUZA JNIOR, Jos Geraldo de. Reflexes sobre o princpio da separao de poderes : o partipris de Montesquieu. Revista de Informao Legislativa , n.68, out/dez. 1980, p. 18.

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    no trata, segundo ele, de separao de poderes, mas de combinao, defuso, de ligao entre dois poderes reais Legislativo e Executivo euma funo estatal o Judicirio, sendo que cada uma delas forma uma

    potncia, que representa determinada parcela da sociedade.Analisando o Judicirio norte-americano quase um sculo depois da

    vigncia da sua primeira Constituio, Alexis TOCQUEVILLE26obser-vou, que o juiz americano fica impedido de pronunciar-se, caso no hajalitgio. Ele s se ocupa de casos particulares e, para agir, deve sempreesperar que haja uma demanda. Os norte-americanos reconheceram nos

    juzes o direito de fundamentar seus vereditos na Constituio, mais doque nas leis. Em outras palavras, permitiram-lhes no aplicar leis que lhes

    paream inconstitucionais.Tambm abordando os aspectos do moderno constitucionalismo e a

    separao dos poderes, HELLER27, sustenta que a diviso dos poderes nosignifica independncia, mas condicionamento recproco entre os rgos,visando a defesa dos direitos fundamentais do indivduo. com o modernoconstitucionalismo que ocorre uma distribuio de funes estatais entrevrias organizaes relativamente autnomas, na qual a legislao, como

    poder supremo, compete ao povo. Ao Executivo, por outro lado, cabe achefia do Estado, enquanto que o poder de julgar atribudo a uma organi-

    zao independente de ambos. Segundo John GILISSEN28

    , tanto Romaquanto os regimes polticos da Idade Mdia e dos tempos modernos admi-tiram a confuso dos trs poderes entre as mesmas mos.

    Louis ALTHUSSER29, entende que o objetivo de MONTESQUIEUfoi o de buscar a combinao das trs potncias, ou seja, antes de ser um

    problema jurdico trata-se de um problema poltico de relao de foras, nosentido de que a separao dos poderes no passa da diviso pondera-da do poder entre potncias determinadas: o rei, a nobreza, o povo, que

    acaba por proteger e garantir os privilgios principalmente da nobreza e,de forma subsequente, possibilita tambm a defesa do monarca contrapossveis revolues populares.

    26 TOCQUEVILLE, Alexis. A Democracia na America. In: Os Pensadores. 2aed. Traduo de J.G.Albuquerque.SP: Abril Cultural, 1979,p.204.27HELLER, Hermann. Teoria do Estado. SP: Mestre Jou,1998, p.306.28 GILISSEN, John. Introduo Histrica do Direito. 2aed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1995, p. 280.29Citado por SOUZA JNIOR. Op.cit.,p.20.

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    Alain TOURAINE30, no cr que a separao dos poderes seja umelemento essencial da democracia, pois a democracia no se define pelaseparao dos poderes, mas pela natureza dos elos entre sociedade civil,sociedade poltica e Estado. Se cada poder fosse independente um dooutro, acredita TOURAINE, os poderosos utilizar-se-iam das leis para

    proteger seus prprios interesses. Isto s no acontece porque a juris-prudncia possibilita a constante transformao das leis, adequando-as realidade, levando em conta a evoluo da opinio pblica.

    Por isso o autor diz que inadequado falar-se em separao dopoder, pois a questo no est na relao entre os diferentes poderesque constituem, a sociedade poltica, mas do face a face entre o Estadoe os direitos fundamentais. Antes de se falar em separao dos poderes necessrio limitar o poder do prprio Estado, isto sim importante parase conceber a questo democrtica.

    Conforme Norberto BOBBIO31, a teoria de MONTESQUIEU aresposta do constitucionalismo moderno a toda espcie de despotismo,consubstanciada na afirmao de que os prncipes que quiseram trans-formar-se em tiranos comearam sempre reunindo na sua pessoa todasas funes pblicas.

    A separao dos poderes, segundo Slvio DOBROWOLSKI32, como

    frmula constitucional para construir uma estrutura capaz de promover li-mitaes do poder estatal, parte da ideia de se criarem rgos distintos, que,de forma autnoma e harmnica, exeram as diferentes funes do Esta-do. A funo do poder Judicirio, nos moldes do constitucionalismo libe-ral, estava limitada aplicao puramente tcnica das normas criadas peloLegislativo com validade ao caso concreto. No entanto, ao poder exercer ocontrole da constitucionalidade das leis em tese e com validade para todos,o Judicirio passou a desempenhar uma funo poltica, que se insere dentre

    as vrias atribuies do Estado moderno, qual seja, segundo DOBROWOL-SKI33, a de concretizar a justia social.

    30 TOURAINE, Alain. O que a democracia? 2a ed. Trad. de Guilherme Joo de Freitas Teixeira. Petrpolis:Vozes, 1996, p.51.31 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Trad. de Srgio Bath. 6aed. Braslia: UnB, 1992,p. 137.32 DOBROWOLSKI, Slvio. Novas funes e estrutura do Poder Judicirio na Constituio de 1988 : umaintroduo. Revista de Informao Legislativa, n. 108, out/dez. 1990, p.68.33 Idem, ibidem, p.67.

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    Sobre a atualidade do princpio da separao dos poderes, PauloBONAVIDES34, no teme em afirmar que ele rejuvenesceu por obra deintrpretes e aplicadores de um Direito constitucional da liberdade, voltan-do a fruir a plena atualidade das ocasies em que foi emblema de resistnciaa poderes autocrticos e a formas de governo havidas por usurpadores dedireitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Onde houver, pois,leses liberdade e ao Estado de Direito, a sempre haver lugar para invo-car-se a tutela do princpio e conjurar prosperem ofensas aos valores queele representa na ordem jurdica, leciona BONAVIDES.35

    3. Controle de constitucionalidade e separao dos poderes

    O controle de constitucionalidade, segundo Paulo BONAVIDES36

    tem como objetivo a defesa do cidado e das liberdades e a efetivaodo Estado democrtico de Direito. Nesta concepo, as instituies socolocadas a servio dos direitos humanos. O controle somente se reali-za, seja na forma concreta ou difusa, segundo Clmerson CLEVE37, sealguns pressupostos forem realizados, como a existncia de uma Consti-tuio formal escrita, a compreenso de Constituio como lei funda-mental, dotada de rigidez, supremacia e hierarquia, alm da previso dergo competente para o exercer o controle de constitucionalidade.

    Em termos de controle de constitucionalidade, CLEVE destaca arelevncia de outros mecanismos previstos na Constituio brasileira de1988, tais como a Ao Declaratria de Constitucionalidade, a ADIn porOmisso, Omisso Parcial, Mandado de Injuno e o controle no mbitodos Estados-membros.38

    O sistema de controle brasileiro considerado por Gilmar Ferreira MEN-DES39, como do tipo misto, por contemplar aspectos tanto do controle con-centrado quanto do difuso, embora reconhea que sua base concentrada.

    34 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. SP: Malheiros, 1994, p.511.35 Idem, ibidem, p.512.36 Idem, ibidem, p.267.37 CLEVE, Clmerson Merlin. A fiscalizao abstraa de constitucionalidade no direito brasileiro. SP:Revistados Tribunais, 1995, p.23.38 Idem, ibidem,p. 181.39 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdio constitucional. SP: Saraiva, 1996, p. 249.

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    A possibilidade de Judicirio revisar e declarar inconstitucional leiaprovada pela maioria o princpio supremo da Repblica, confrontacom a ideia de democracia, segundo Samuel FREEMAN40, pois o rgoresponsvel pela reviso no eleito, ao contrrio do rgo que faz a lei.Mas, diz ele, mesmo que os juzes fossem eleitos, ainda assim a reviso seriaum ato contra a maioria. O problema real que a reviso limita os direitosiguais de participao dos cidados.

    O objetivo maior da reviso judicial , por meio de um rgo no-Legislativo, impor restries norma que desrespeitou o itinerrio Legisla-tivo. Racionalmente, os cidados admitem esta possibilidade constitucional,

    pois a soberania e o direito individual so protegidos por este rgo exter-no. Tanto o Executivo quanto o Legislativo e o Judicirio so poderes ordi-nrios. Apenas a Corte Constitucional, como rgo externo, detm o poderespecial de promover a interpretao constitucional. Esta viso contraria ahistrica tese do federalista HAMILTON41, para quem apenas a SupremaCorte o poder Judicirio ordinrio, responsvel pela interpretao.

    Conforme a teoria clssica da separao dos poderes, o Tribunal de-termina o significado no s da Constituio como dos demais atos do Le-gislativo, assim como declara a inconstitucionalidade da lei, em caso deconflito com a Constituio. Enfim, cabe ao Tribunal a autoridade de inter-

    pretar, em ltimo caso, a Constituio.Ao criticar esta teoria, FREEMAN42, argumenta que a separaodos poderes ocorre entre os poderes ordinrios e que os tribunais tmautoridade para interpretar e aplicar leis ordinrias. O Legislativo, por suavez, tem a autoridade de fazer todas as leis. Ocorre, porm, que a Consti-tuio, mais do que uma simples lei, um sistema de normas supremasque estabelece como se criam outras normas ordinrias e no h nenhummonoplio que garanta, ao Judicirio, a autoridade de revisar a forma como

    os trs poderes interpretam a Constituio.

    40 FREEMAN, Samuel. Democracia e controle jurdico da constitucionalidade. Traduo de lvaro Vita. In:Lua Nova, n. 32, SP: CEDEC, 1994, p. 181.41 Citado por FREEMAN. Op.cit.,p. 194.42FREEMAN. Op.cit.,p. 195.

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    No pode haver uma posio dogmtica quanto ao carter demo-crtico ou no da reviso. Uma reviso pode ser democrtica, quandomodifica leis que infringem a igualdade de direitos bsicos. Mas, adverteFREEMAN43, que reviso assume um aspecto antidemocrtico se alterarleis que tenham como propsito acabar ou diminuir com o poder das elitese promover mudanas sociais.

    Segundo Clmerson CLVE44, a sociedade atual, tcnica e de mas-sas, alterou o perfil dos conflitos de interesses, que de individual passaram aser coletivos, difusos ou individuais homogneos. Inmeros instrumentosnormativos foram criados recentemente para compor esta realidade, comoo Mandado de Segurana, o Mandado de Injuno, o Cdigo de Defesa doConsumidor, a Ao Civil Pblica, o Estatuto da Criana e do Adolescentee mesmo as duas aes que visam ao controle de constitucionalidade.

    Celso Ribeiro BASTOS45, critica a Ao Declaratria de Constitu-cionalidade por instituir o efeito vinculante, cujo objetivo maior seria o deatender aos interesses governamentais midos, consistentes em ver eli-minadas discusses legitimamente travadas em torno de leis sabidamentemal elaboradas e inconstitucionais, o que tem sido uma tnica de nossafrgil e instvel Repblica.

    Arnold WALD46, em posio contrria, entende a ADC como um

    instrumento de unificao jurisprudencial cuja finalidade bsica evitar ademora e as contradies em relao a questes constitucionais de alta rele-vncia que, se no forem resolvidas rapidamente, podem ensejar um verda-deiro caos jurdico, prejudicando a economia nacional e o prprio desenvol-vimento do Pas.

    Evaldo BRITO47, questiona a legitimidade da lei que criou a ADC,sustentando que uma norma apenas legtima quando se funda em valores

    43Idem, ibidem, p. 198.44CLVE. Op.cit.p. 181.45 BASTOS, Celso Ribeiro. Ao declaratria de constitucionalidade. In. MARTINS, Ives Gandra da Silva/MENDES, Gilmar Ferreira. Ao declaratria de constitucionalidade. SP: Saraiva, 1995, p. 38.46WALD, Amoldo. Alguns aspectos da ao declaratria de constitucionalidade. In. MARTINS, Ives Gandrada Silva/MENDES, Gilmar Ferreira. Ao declaratria de constitucionalidade. SP: Saraiva, 1995, p. 33.47BRITO, Evaldo. Aspectos inconstitucionais da ao declaratria de constitucionalidade de lei ou de atonormativo federal. In. MARTINS, Ives Gandra da Silva/MENDES, Gilmar Ferreira. Ao declaratria deconstitucionalidade. SP: Saraiva, 1995, p. 44.

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    supremos da humanidade tipificadores tambm de um poder formal confor-mado pelas caractersticas de um Estado de Direito democrtico.

    Entre esses valores supremos encontram-se a liberdade, a justia, aigualdade, o pluralismo poltico, dentre outros que constituem direitosfundamentais. BRITO48, considera que a norma em exame no fiel aesses elementos, razo pela qual no tem legitimidade.

    Com essa Ao, opina Jos Rogrio CRUZ TUCCI49, o SupremoTribunal Federal equipara-se, em derradeira reflexo, a um rgo certifica-dor da constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Tal controle,segundo ele, caberia apenas ao poder Legislativo e no ao Judicirio. Domodo que est colocado, o STF exerce jurisdio constitucional e somentese manifesta quando houver dissdio judicial.

    Para Ives GANDRA50, a no observncia do contraditrio e da ampladefesa constituem os principais indicadores da inconstitucionalidade da ADC,

    permitindo que o STF decida apenas com a propositura da ao declaratriasem que nenhum elemento da sociedade, que esteja discutindo a matria eminstncias inferiores, possa participar do processo. A sociedade, nesse caso,no ter como se defender, pois impedida constitucionalmente de integrar alide. Tal impedimento resulta numa afronta s garantias fundamentais do con-traditrio e ampla defesa, constituindo ataque clusula ptrea do art. 60, IV,

    da CF/88, alm de violar o princpio da separao dos poderes, transforman-do o Legislativo em um poder diminuto e inseguro51.AnaMaria SCARTEZZTNI52, no tem dvidas de que h quebra do princ-

    pio da independncia dos poderes, pois a ADC transforma o STF em rgo san-cionador da atividade legislativa, criando o desequilbrio entre os poderes estatais.

    No outro o entendimento de Marcelo FIGUEIREDO53, para quem

    48Idem, ibidem, p. 45.49CRUZ TUCCI, Jos Rogrio. Aspectos processuais da denominada ao declaratria de constitucionalidade.In. MARTINS, Ives Gandra da Silva/MENDES, Gilmar Ferreira. Ao declaratria de constitucionalidade. SP:Saraiva, 1995, p. 138.50MARTINS, Ives Gandra da Silva e GARCIA, Ftima Fernandes de Souza. Op.cit.,p. 123.51Idem, ibidem, p. 133.52SCARTEZZINI, Ana Maria. A ao de declarao de constitucionalidade da lei e os princpios constitucio-nais. In. MARTINS, Ives Gandra da Silva/MENDES, Gilmar Ferreira. Ao declaratria de constitucionalidade.SP: Saraiva, 1995, p. 7.53FIGUEIREDO, Marcelo. A ao declaratria de constitucionalidade inovao infeliz e inconstitucional.In. MARTINS, Ives Gandra da Silva/MENDES, Gilmar Ferreira. Ao declaratria de constitucionalidade. SP:Saraiva, 1995,p. 169.

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    a nova previso desfigura a ideia e funo do Poder Legislativo, rgonaturalmente vocacionado a apreciar previamente a constitucionalidade.

    Nesse sentido, declarar a constitucionalidade, nos moldes previstos naao, , em ltima anlise, legislar, instaurando-se a dependncia entreLegislativo e Judicirio. Doravante, adverte, o parlamentar far a lei apsa chancela e o crivo do Judicirio.

    Jos AFONSO DA SELVA54, adota uma posio intermediria: no adescarta por completo nem diz que a ADC inconstitucionalper si: antes de serao, a ADC meio de impugnao. No se trata de um processo sem partes es aparentemente processo objetivo, pois no substrato esto relaes materi-ais controvertidas. Considera SILVA que a constitucionalidade vai ser verifica-da apenas quando do processamento da medida no STF, onde deve ser observa-do um mnimo de contraditrio. Sem isso, a ADC seria inconstitucional.

    4. Direito comparado e controle no Brasil

    Na pesquisa que realizou sobre controle de constitucionalidade emdiversos pases, Mauro CAPPELLETTI55, revela que na Frana impera,desde a Revoluo de 1789, o controle poltico. Essa atividade no-jurisdi-cional exercida pelo Conselho Constitucional, que analisa um ato Legisla-tivo (ou um tratado) antes de ser promulgado, em um processo onde no h

    contraditrio nem ampla defesa.Igualmente a Itlia recepcionou, desde 1956, o controle constitucional

    concentrado, a cargo da Corte Constitucional. Modelo histrico completamen-te diverso foi o adotado pela antiga Unio das Repblicas Socialistas Soviticas(URSS)56.0 Soviete Supremo exercia ao mesmo tempo as funes legislativas,executivas e judicirias. Como no havia separao dos poderes, mas a suaunidade, o prprio Soviete realizava o controle de constitucionalidade das leis.

    Os Estados Unidos so a nao pioneira do controle difuso, desde aConstituio de 1787 e da sentena de John MARSHALL, da Suprema

    54SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16aed. SP: Malheiros, 1999, p. 58.55CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. PortoAlegre: Fabris, 1984, p. 86.56A URSS, implantada em 1917 pela revoluo bolchevique, perdurou at 1991, quando foi substituda pela Comu-nidade dos Estados Independentes. Os novos pases voltaram a adotar a tradicional frmula da separao dos pode-res. Ver Sociedade de incertezas, entrevista de Eric HOBSBAWN a Otvio DIAS, publicada no Caderno Maisdo jornal Folha de So Paulo, em 11 de junho de 2000, p.30.

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    Corte em 1803, no casoMarbury v. Madison. Prevalece ainda o princpioda supremacia da Constituio, que tambm adotado por pases como oCanad, Japo, Noruega, Dinamarca, Sucia e Sua.

    A ustria, assim como a Alemanha, adotou o tpico sistema concen-trado, tambm chamado tipo austraco, elaborado por KELSEN e a Es-cola de Viena, durante a Constituio de 1920. O controle de competnciada Corte Constitucional. Esse sistema ao longo dos anos sofreu reformula-es, admitindo, na atualidade, tambm a ao incidental.

    O controle no constitucionalismo brasileiro remonta Carta de 1824,que atribuiu ao Parlamento a tarefa exclusiva de elaborao legislativa, bemcomo a de proceder a sua interpretao, suspenso e revogao, e, ainda,de velar na guarda da Constituio. Influenciada pela doutrina francesa, aCarta imperial privilegiou o Parlamento, tornando-o depositrio de todas asatribuies. No havia nada que se assemelhasse ao controle judicial deconstitucionalidade e mesmo o poder Moderador do Imperador, ressaltaGilmar MENDES57citando PIMENTA BUENO, visava manter a harmoniae o equilbrio entre os demais poderes.

    Com a instalao da Repblica o Brasil adotou o modelo constitucio-nal norte-americano, tendo em Rui BARBOSA o seu principal expoente. AConstituio de 1891, assim como seu texto provisrio de 1890, consagrou o

    modelo difuso de controle judicial, instituindo o controle por via de exceo,onde o Judicirio s se manifestaria quando provocado pela parte interessada.A Carta republicana atribuiu competncia ao Supremo Tribunal Fede-

    ral de rgo revisor das decises de 2ograu, tornando-o o foro adequadopara dirimir controvrsias envolvendo a discusso sobre validade de trata-do, lei federal ou decises judiciais em face Constituio. A lei 221/24 e areforma constitucional de 1926 consolidaram o sistema de controle difusode constitucionalidade do Direito brasileiro. Essejudicial review, conforme

    Rui BARBOSA58

    , no se fazia in abstracto e menos que um poder de legis-lao era um exerccio de hermenutica.Algumas alteraes foram introduzidas pela Constituio de 1934,

    como a do artigo 179, que obrigou o STF a decidir pelo voto da maioria da

    57 MENDES, Gilmar Ferreira. A evoluo do direito constitucional brasileiro e o controle da constitucionalidadeda lei. In. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. So Paulo:Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p.230.58Citado por MENDES. A evoluo... Op.cit.,p. 233.

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    totalidade dos seus membros, como forma de garantir a segurana jurdi-ca.59Inovao tambm foi a atribuio de competncia ao Senado parasuspender a eficcia de lei declarada inconstitucional pelo STF, conferindo-Ihe efeito erga omnes. Da mesma forma significativa foi a criao da repre-sentao interventiva, onde ao Supremo Tribunal Federal caberia declarara inconstitucionalidade da lei autorizativa da interveno federal em Esta-dos e municpios, ou, de maneira inversa, determinando que a lei interventi-va, de iniciativa do Senado, s poderia prosperar caso fosse declarada cons-titucional pela Corte Suprema. A criao de uma Corte Constitucional, se-gundo o modelo austraco, embora tenha sido objeto de proposta, no foiacatada pela Constituinte de 1934.

    Com o Estado Novo a Constituio de 1937 refletiu a concentrao depoderes no Executivo. O pargrafo primeiro do art. 96 permitiu que o Presiden-te da Repblica submetesse apreciao do Parlamento matria declarada in-constitucional pelo STF e, caso fosse aprovada por 2/3 dos votos em cada umadas Casas legislativas, invalidava a declarao judicial de inconstitucionalidade.

    A Constituio de 1946 restaurou a tradio do controle judicial noDireito brasileiro. O Procurador Geral da Repblica passou a ter a titula-ridade da representao interventiva, na qual o STF tinha a funo finalde decidir sobre a constitucionalidade do ato interventivo originrio do

    Senado Federal. Em 1965, a Emenda Constitucional 16 instituiu o contro-le abstrato de normas estaduais e federais.Nas Constituies de 1967 e 1969(?) o monoplio de ao continuou

    com o Procurador-Geral da Repblica, enquanto que ao Presidente da Re-pblica foi definida a competncia para suspender ato estadual impugnado.A Emenda 1/69 previu o controle de constitucionalidade sobre ato munici-

    pal contrrio Constituio estadual. A Emenda 7, de 1977, introduziu arepresentao para fins de interpretao de lei, outorgando ao Procurador-

    Geral da Repblica a legitimidade para provocar o pronunciamento do STF.A Constituio de 1988 inovou principalmente ao ampliar o nmerode legitimados para a propositura da Ao Direta de Inconstitucionalidade.Ao lado do Procurador-Geral, o artigol03 atribuiu tal competncia ao Pre-sidente da Repblica, s Mesas do Senado, da Cmara e das Assembleias

    59Idem.

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    Legislativas, ao Governador de Estado, ao Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil, aos partido polticos com representante no Congres-so Nacional e confederao ou entidade sindical nacional.

    A principal conseqncia produzida pela ampliao de legitimados,segundo Gilmar MENDES60, foi o fortalecimento do controle concentra-do e o enfraquecimento do controle incidental difuso, visto que pratica-men-te todas as controvrsias passaram a ser resolvidas no mbito do Su-

    premo Tribunal, mediante controle abstrato de normas, inclusive com aconcesso de medida cautelar.

    Igualmente aprimorado foi o federalismo, na medida em que os go-vernadores passaram a dispor de um instrumento mais eficaz de aferio daconstitucionalidade das leis estaduais. A Constituio de 1988 revigoroutambm o sistema representativo, contemplando as minorias partidrias coma possibilidade de arguir a inconstitucionalidade das leis, assim como prote-geu os direitos subjetivos atravs da Ao de Inconstitucionalidade sanea-dora de omisso normativa constitucional.

    5. A regulamentao das aes de constitucionalidade

    No ordenamento jurdico brasileiro, o processo e julgamento da AoDireta de Inconstitucionalidade e da Ao Declaratria de Constitucionali-

    dade perante o Supremo Tribunal Federal61, est regulamentado pela Lei9.869, sancionada em 10 de novembro de 1999. Ela estabelece o rito pro-cessual para os institutos previstos nos arts. 102 e 103 da Constituio Fe-deral de 1988, fruto da Emenda Constitucional 3/93.

    A ADC foi proposta, pela primeira vez, por Ives Gandra MARTINS eGilmar Ferreira MENDES62, como alternativa iniciativa do ex-presidenteFernando COLLOR de reintroduzir a Avocatria63, que, criada pela Emen-

    60 MENDES. A evoluo... Op.cit.p. 251.61 O texto integral da lei pode ser encontrado em http://www.damasio.com.br.62 MARTINS, Ives Gandra da Silva, GARCIA, Ftima Fernandes de Souza. Ao declaratria deconstitucionalidade. In. MARTINS, Ives Gandra da Silva/MENDES, Gilmar Ferreira. Ao declaratria deconstitucionalidade. So Paulo: Saraiva, 1995, p. 121.63 Introduzida na CF/697, a Avocatria atribua ao STF, no art. 119,1, o, competncia originria para apreciar ascausas processadas perante quaisquer juizos ou Tribunais, cuja avocao deferir, a pedido do Procurador-Geral daRepblica, quando decorrer imediato perigo de grave leso ordem, sade, segurana ou s finanas pblicas, paraque se suspendam os efeitos da deciso proferida e para que o conhecimento integral da lide lhe seja devolvido.

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    disposio objeto da ao declaratria. O que se pretende impugnar ou ques-tionar nestas aes a adequao de dispositivo da lei ou do ato normativo Constituio, conforme prev o acima citado inciso I do art. 3, em se tratan-do de ADIn. ou do inciso I do art. 13, quando for o caso de ADC.

    A Lei 9.868 regulamentou um aspecto importante do processo, qualseja, dos prazos. Na ADIn. o relator pede informaes aos rgos ou sautoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado. O par-grafo nico do art. 6 prev que tais informaes devero ser prestadas em30 dias contados do recebimento do pedido. Decorrido este prazo, seroouvidos, sucessivamente, o Advogado-Geral da Unio e o Procurador-Ge-ral da Repblica, que devero manifestar-se, cada qual, em 15 dias (art. 8).Somente vencida esta etapa que ser lanado o relatrio, com cpia atodos os Ministros e pedido de dia para julgamento (art. 9o).

    A questo dos prazos na ADC est redigida de maneira truncada, frutoda m tcnica legislativa. O art. 19 informa que decorrido o prazo do artigoanterior, ser aberta vista ao Procurador-Geral da Repblica, que dever pro-nunciar-se no prazo de 15 dias. O problema que no h artigo anterior nocaso da ADC (do 13 ao 18) que mencione qualquer prazo, como ocorrena ADIn., conforme prev o referido art. 8. Ali era possvel fazer referncia avencidos estes prazos pois o art. 6 estabelecia quais eram estes pra-

    zos os 30 dias para que o relator ouvisse os rgos ou autoridades. J nocaso da ADC no existe prazo do artigo anterior. Assim, o Procurador-Geral ser ouvido depois de quanto tempo? Na falta de um dado mais preciso, possvel delimitar-se este prazo como aquele contido no 3 do art. 20, queestabelece que as informaes, percias e audincias sero realizadas no prazode 30 dias, contados da solicitao do relator.

    A Lei 9.868 no inovou em relao aos legitimados para a propositu-ra da ADIn., mantendo a mesma relao prevista pelo art. 102 da CF/88. O

    art. 13, por seu turno, limita os legitimados proposio da Ao Declara-tria de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ao Presidenteda Repblica, s Mesas da Cmara dos Deputados e do Senado Federal e aoProcurador-Geral da Repblica.

    Outra diferena prevista pela lei, entre os dois institutos, emrelao s fontes que devero ser consultadas pelo Ministro-relator naformao de seu juizo de valor sobre a constitucionalidade do ato ou leique se pretende ver declarada. Na ADIn. o relator pede informaes: a)

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    ao rgo do qual emanou a lei ou o ato normativo impugnado; b) sautoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado; c) aoutros rgos ou entidades, considerando a relevncia da matria e arepresentatividade dos postulantes; d) ao Advogado-Geral da Unio; e)ao Procurador-Geral da Repblica.

    Na ADC so consultados, conforme estabelecem os arts. 19 e 20: a) oProcurador-Geral da Repblica; b) o Perito ou comisso de peritos; c) pes-soas com experincia e autoridade na matria; d) Tribunais superiores; e)Tribunais federais; f) Tribunais estaduais.

    O Procurador-Geral tem garantido um prazo de 15 dias para oferecer seuparecer. Os demais agentes sero ouvidos, se for o caso, para prestar informa-es adicionais, a critrio do Ministro-relator, em caso de necessidade de es-clarecimento de matria ou circunstncia de fato ou de notria insuficincia dasinformaes existentes nos autos, como frisa o 1odo art. 20.

    No que concerne Medida Cautelar, o STF est autorizado a conce-d-la, observadas as condies impostas pela lei. No caso da ADIn., o art.10 determina que a liminar s ser concedida aps a audincia dos rgosou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado. Taisagentes pblicos devero se pronunciar no prazo de 5 dias. O Advogado-Geral da Unio e o Procurador-Geral da Repblica, por sua vez, sero ou-

    vidos no prazo de 3 dias.Somente em caso de excepcional urgncia ( 3o) o Tribunal Superiorpoder deferir a medida cautelar sem a audincia destes rgos ou autoridades.A liminar concedida ter eficcia erga omnes e efeito ex nunc, salvo se o Tribu-nal entender que deva conceder-lhe eficcia retroati va (art. 11, 1o). Da mesmaforma, a concesso da medida cautelar torna aplicvel a legislao anterior aca-so existente, salvo expressa manifestao em sentido contrrio ( 2o).

    Em relao ao principal, reza o art. 12 que havendo pedido de

    medida cautelar, o relator, em face da relevncia da matria e de seu especi-al significado para a ordem social e a segurana jurdica, poder, aps aprestao das informaes, no prazo de 10 dias, e a manifestao do Advo-gado-Geral da Unio e do Procurador-Geral da Repblica, sucessivamente,no prazo de 5, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que ter afaculdade de julgar definitivamente a ao.

    O procedimento para concesso de cautelar, na ADC, mais simples,como prev o art. 21. Neste caso o STF determinar que os juzes e os

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    Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicaoda lei ou do ato normativo objeto da ao at seu julgamento definitivo.

    O Tribunal dever proceder ao julgamento da ao no prazo de 180dias, sob pena de perda de sua eficcia. Segundo o art. 24, proclamada aconstitucionalidade, torna-se Improcedente a ADIn. e Procedente a ADC;admitida a inconstitucionalidade entende-se Procedente a ADIn. e Improce-dente a ADC. Quanto possibilidade de recurso, determina o art. 26 que adeciso irrecorrvel, ressalvada a interposio de embargos declaratrios,no podendo, igualmente, ser objeto de ao rescisria.

    Quanto declarao de inconstitucionalidade e tendo em vista a se-gurana jurdica ou interesse social excepcional, o STF poder tomar, pormaioria de dois teros de seus membros, uma das trs medidas admitidas

    pelo art. 27 da Lei 9.868: a) restringir os efeitos daquela declarao; b)decidir que ela s ter eficcia a partir de seu trnsito em julgado; c) decidirque ela s ter eficcia a partir de outro momento fixado pelo Judicirio.

    Ao agir desta forma, o STF verdadeiramente no vai declarar alei inconstitucional, invalidando-a. Antes disso, essa permisso maisse assemelha a uma declarao de incompatibilidade, nos moldesda doutrina alem. A lei no determina qual ser o outro momento queser fixado, mas o certo que durante este perodo a lei atacada con-

    tinuar em plena vigncia.O pargrafo nico do art. 28 determina que as declaraes de cons-titucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a Interpretaoconforme a Constituio e a Declarao Parcial de Inconstitucionali-dade sem reduo de texto, tero eficcia erga omnes e efeito vincu-lante em relao aos rgos do Poder Judicirio e Administrao P-

    blica federal, estadual e municipal.Dada a importncia que desempenham na questo do controle de cons-

    titucionalidade necessrio explicitar cada um desses pontos, como fazGilmar MENDES67.a) Interpretao conforme a Constituio. O Tribunal parte do prin-

    cpio de que o legislador busca positivar uma norma constitucional, confor-me o princpio da constitucionalidade da lei. Isto significa que a lei positi-

    67MENDES. A Evoluo...Op.cit.,p. 267.

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    vada no contraria o disposto na Constituio, antes, pelo contrrio, est deacordo com os seus parmetros. Se sua constitucionalidade for questiona-da, o Tribunal no deve negar sua legitimidade, visto que o legislador inter-

    pretou corretamente a Constituio no momento de elabor-la. A interpre-tao resulta, por parte do rgo Judicirio, numa declarao de constituci-onalidade da lei.

    Este tipo de interpretao s possvel quando o legislador, manifes-tamente, no comete nenhuma violncia contra a expresso literal do texto,ou seja, quando no altera o significado do texto constitucional, ou, na ex-

    presso de Seplveda PERTENCE, no age desconforme a Constituio.68

    b) Declarao Parcial de Inconstitucionalidade sem reduo do tex-to. o instrumento que o Tribunal dispe quando pretende realar que de-terminada aplicao da norma contrria Constituio. Assim a lei X inconstitucional se aplicvel a uma hiptese Y.69O Tribunal deixa ex-

    plcito que aquela hiptese de aplicao inconstitucional, sendo nula so-mente esta parte. O restante do texto continua vlido.

    c) Efeito vinculante e eficcia erga omnes.No s em relao aosrgos do Poder Judicirio como tambm da Administrao Pblica fede-ral, estadual e municipal, as decises do STF tero efeito vinculante, obri-gando todos a seguirem a orientao fixada pela Corte Suprema. Esta efic-

    cia erga omnes obsta, segundo Gilmar MENDES70

    , que a questo seja no-vamente submetida apreciao do STF, sob a forma de ADIn. Entretanto,mudando as circunstncias fticas, no h como evitar que, sob outro con-texto, a matria seja apreciada. o caso da deciso do STF, que concede

    prazo em dobro para a Defensona Pblica enquanto o rgo no estiverestruturado. Se, num momento seguinte tal Defensoria estiver em plenofuncionamento, poder o STF mudar sua posio, desconsiderando a possi-

    bilidade de conceder-lhe o prazo dilatado. BRYDE71entende que os co-

    nhecimentos sobre o processo de mutao constitucional exigem que seadmita nova aferio da constitucionalidade da lei no caso de mudana daconcepo constitucional.

    68Citado por MENDES. A Ao Declaratria...Op.cit.,p. 272.69MENDES. A Ao Declaratria... Op.cit.,p. 275.70Idem, ibidem, p. 281.71Citado por MENDES. Ao Declaratria... Op.cit.,p. 283.

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    O Poder Legislativo no alcanado pelo efeito vinculante, pois, se-gundo Oswaldo PALU72, com a declarao de constitucionalidade nadaocorre no mundo jurdico a no ser a certeza do Direito, posto que os pres-supostos de admissibilidade so a dvida, a controvrsia e a incerteza. Masa lei vige do mesmo modo pelo qual vigia antes da sentena e o PoderLegislativo no fica impedido de alterar ou revogar a norma, mesmo apsdeclarada sua constitucionalidade pelo STF. Outro o entendimento de Cl-merson CLEVE73, para quem o efeito vinculante deveria, do mesmo modo,atingir tambm os atos do Poder Legislativo, pois no h razo que justifi-que a discriminao.

    O efeito da sentena vincula o prprio STF, segundo Jos Afonso daSILVA74, pois prevalece a teoria da coisa julgada material oponvel a todosos rgos Judicirios, inclusive o que proferiu a deciso. Logo, o STF no

    poder conhecer de processo em que se pretenda algo contrrio sua decla-rao e citando Nagib SLAIBI FILHO, lembra que o Supremo fica ungido sua deciso, devendo seguir a mesma linha ainda quando se trate de julga-mento de constitucionalidade incidental pelo Plenrio.

    Idntica a posio de CRUZ TUCCI75, ao argumentar que se o pe-dido deduzido na ADC for reputado improcedente, a respectiva deciso,transitada em julgado, gozar igualmente de eficcia erga omnes, no mais

    podendo ser arguida a inconstitucionalidade da lei antes examinada perantequalquer Tribunal, inclusive a Excelsa Corte.Essa, entretanto, no a opinio de Gilmar MENDES76. Para ele, a

    expresso demais rgos do Poder Judicirio indica que o STF no alcanado pelo efeito vinculante. A auto-vinculao, na sua opinio, inad-missvel pois, se de um lado congela o Direito constitucional, por outroobriga o Tribunal a sustentar tese errada ou j superada. J a no observn-cia do efeito vinculante pelos demais rgos do Poder Judicirio caracteriza

    grave violao de dever funcional, tpica do dolo ou da fraude, previstos noinciso I do art. 133 do CPC.

    72 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. SP: RT, 1999, p. 228.73 CLEVE. Op.cit.p. 209.74 SILVA, Jos Afonso. Op.cit.p. 63. 75 75CRUZ TUCCI. Op.cit.,p. 148.76 MENDES. A ao deciaratria...Op.cit.,p. 104.

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    bre o processo e julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade e daAo Declaratria de Constitucionalidade perante o STF. Tal normatiza-o veio regulamentar o disposto nos artigos 102 e 103 da ConstituioFederal, onze anos depois de sua promulgao. O expediente da ADIn. largamente utilizado no Direito brasileiro, dado ao elevado nmero delegitimados ativados para exercerem a ao. Alis, esta foi a grande con-tribuio que a CF/88 prestou ao instituto, democratizando o que antesera monoplio do Procurador-Geral da Repblica.

    4. Pode-se considerar, ao final, que no Brasil a funo de criao doDireito Judicirio exercida em toda sua plenitude pelo Supremo TribunalFederal, respaldada pela norma constitucional e pela lei infraconstitucional.Diante de um Executivo que governa basicamente atravs de Medidas Pro-visrias, e de um Legislativo que utiliza as Comisses Parlamentares deInqurito(CPIs) como instrumento de presso sobre os demais poderes, aatividade legislativa do Judicirio brasileiro, notadamente de sua Corte mai-or, deve ser saudada como uma contribuio ao aperfeioamento do regimedemocrtico, da harmonia entre os poderes da Repblica e a preservao doEstado Democrtico de Direito.

    A Repblica, como salientou o Ministro Carlos VELLOSO, emsua palestra aos portugueses inicialmente referida, fez do Judicirio

    brasileiro um poder poltico, inspirando-se no modelo constitucionalnorte-americano. Esse poder poltico assenta-se na jurisdio consti-tucional e no monoplio da funo jurisdicional conferidos ao Judici-rio, conforme previsto no art. 5o, XXXV. Isto significa que, no Brasil,o Estado sujeita-se ao controle judicial. Natural, portanto, que o juiz,ao analisar a ao (ou omisso) legislativa, lhe d uma outra interpre-tao, que pode assumir a face de um novo direito, o direito judicial.

    Neste sentido ele tambm um legislador.

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