Câncer e trombose
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26 fevereiro/março 2011 Onco&
IntroduçãoO câncer é um estado pré-trombótico. Eventos vas-
culares podem ocorrer antes mesmo do diagnós-
tico estabelecido e podem ser agravados pelo início
da terapêutica. Os eventos vasculares mais fre-
quentes incluem as tromboses venosas profundas
(TVP) e as embolias pulmonares. O uso de agentes
antiangiogênicos determinou um aumento da in-
cidência não apenas daqueles fenômenos, mas
também de eventos arteriais como os acidentes
vasculares encefálicos e o infarto do miocárdio.
Várias anormalidades subclínicas no sistema he-
mostático podem ser observadas na maioria dos
pacientes portadores de neoplasias e são determi-
nadas pela interação de procoagulantes e condições
reológicas especiais observadas tanto no leito tu-
moral como em regiões mais distantes.
A associação de câncer com eventos trombó -
ticos foi estabelecida em 1865 por Armand
Trousseau. A correlação foi estabelecida pelo in-
ternista francês através de estudos post-mortem de
portadores de câncer. Curiosamente, Trousseau
veio a falecer vítima de uma tromboflebite associada
a um câncer gástrico.
Cerca de 20% das tromboses venosas profundas
ocorrem em pacientes com câncer. Aproximada-
mente 10% dos pacientes diagnosticados com uma
TVP terão um diagnóstico de câncer estabelecido
nos dois anos seguintes ao evento vascular. Uma
análise recente dos diversos estudos publicados na
literatura sobre a identificação de uma neoplasia
oculta em pacientes que apresentam uma TVP foi
apresentada na reunião anual da Sociedade Ameri-
cana de Hematologia. Mesmo após uma busca in-
tensiva, cerca de 30% dos tumores não puderam
ser diagnosticados.Também não é claro se o diag-
nóstico precoce do câncer em pacientes que desen-
volvem uma TVP modifica o seu prognóstico ou
sobrevida. Dessa forma, pacientes que apresentem
uma TVP sem etiologia bem definida devem ter
uma avaliação clínica constituída por história
clínica detalhada, exame físico, radiografia de tóraxe apenas testes laboratoriais de rotina. Testes diag-nósticos adicionais devem ser guiados pelos acha-dos anormais dos testes iniciais.
FisiopatologiaA hemostasia constitui um processo fisiológico com-plexo extremamente bem controlado (Figura 1).Qualquer desequilíbrio nesse sistema pode resultarem complicações trombóticas ou hemorrágicas.
Um estado de hipercoagulabilidade pode serdocumentado por diversos testes laboratoriais em50% a 70% dos pacientes portadores de câncer.Células malignas induzem a ativação da coagulaçãoatravés de moléculas com propriedades procoagu-lantes, como o fator tissular, fator procoagulante docâncer e diversas citocinas inflamatórias (Figura 2).O fator tissular (FT) é uma glicoproteína transmem-brana e representa o principal ativador da coagu-lação sanguínea. A expressão de FT no tecidoneo plásico é um fenômeno precoce no processo deevolução tumoral e é determinada pelas mutaçõesde diversos oncogenes como KRAS e P53. Ele forma um complexo com o fator VII ativado e é res - pon sável pela ativação do fator X. Em condições habituais, o FT é expresso apenas em tecidos pe -rivasculares e não pelo endotélio. Após a lesão vascular, observa-se a ativação da cascata da coa -gulação pelo FT, tanto pela via intrínseca como pelavia extrínseca. Já no leito tumoral, a expressão deFT em células endoteliais e pelos monócitos podeser induzida pelas células neoplásicas através decitocinas pro-inflamatórias como a interleucina-1be o fator de necrose tumoral-a.
O câncer procoagulante (CP) é uma cisteína-proteinase, identificada em diversos tumores, queativa o fator X diretamente, mesmo na ausência dofator VII ativado. Alterações no sistema inibitóriodas diversas vias da coagulação também podem serdocumentadas, potencializando o estado de hiper-coagulabilidade observado em pacientes portadoresde diversas neoplasias.
emergências oncológicas
Câncer e trombose
Daniel Tabak* Hematologista-Oncologista;Diretor médico do Centro de
Tratamento Oncológico (CENTRON);Membro titular da Academia
Nacional de Medicina
Contato: [email protected]
Bruno Nahoum* Médico oncologista,
Centro de Tratamento Oncológico(CENTRON)
Contato: [email protected]
Divulga
ção
Divulga
ção
Luis Gustavo Torres* Médico oncologista, Centro de
Tratamento Oncológico (CENTRON)
Contato:[email protected]
Divulga
ção
Lesão vascular
+ Proteína C
Proteína S
Proteína C ativa
Trombina
Fibrinogênio
Fibrina = Coágulo
TM
TFPI
FT
VIIa
VII
V
VaXa X
IXIXa
Protrombina
Antitrombina
Fibrina
Fibrina
FibrinaFibrina
Célula tumoral
Fator tissular
FVIIa
Monócitos
Inibição de fibrinólise
Expressão de FT
Crescimento e progressão tumoral e angiogênese
Ativação deplaquetas
Procoagulantetumoral
Ativação do sistemade coagulação
Formaçãode fibrina
Crescimento tumorale angiogênese
Formaçãode coágulo
FXa
Citoquinas proinflamatórias
TNF-α, IL-1β,VEGF
Células endoteliais• Expressão FT• Expressão das moléculas de adesão• Proteína C ativada• Expressão de PAI-1
Figura 1: Fator tissular e os meca -nismos regulatórios da hemostasia
Figura 2: Hipercoagulabilidadeassociada ao câncer
IL-1: Interleucina 1PAI 1: Inibidor do ativador do plasminogênio 1PI: ProinflamatóriasFT: Fator tissularTNF-α: Fator de necrose tumoral-alfaVEGF: Fator de crescimento do endotélio vascular
Onco& fevereiro/março 2011 27
Após a lesão vascular, observa-se a interação do fator tissular (FT) com os fatores da coagulação. FT forma um complexo com o fator VII ativado, determinando ativação do fator X. Uma vez ativado, o fator X determina a formação de trombina, que promove a quebra da fibrina e a formação do coágulo. O processo da hemostasia é regulado por várias vias inibitórias,representadas pelos trajetos interrompidos, enquanto as vias ativadoras são representadas pelas setas contínuas. - TFPI: inibidor da via do fator tissular- TM: trombomodulina
28 fevereiro/março 2011 Onco&
A estase venosa também contribui significativa-mente para o risco de trombose. Ela pode ser cau-sada pela expansão tumoral e consequentecompressão vascular, bem como a imobilidade re-sultante de fraturas, cirurgias e a astenia associadaà própria doença. Com a estase venosa, os fatoresda coagulação ficam concentrados em uma área de-terminada. A hipóxia resultante da estase determinaum dano endotelial e favorece a tendência pró-coa -gulante. Já a ativação do fator tissular também podeser documentada não apenas pela invasão tumoral,como também pela agressão ao endotélio determi-nada pelo tratamento quimioterápico e pela intro-dução de cateteres venosos.
Incidência e prevalênciaEm uma análise recente de mais de 1 milhão depacientes hospitalizados com o diagnóstico decâncer foi observado um aumento da incidência deTVP de 28% no período de 1995 a 2003. A trom-bose é hoje a segunda causa de morte em pacientescom câncer e está associada a uma piora significa-tiva da sobrevida desses indivíduos, secundária aeventos recorrentes e complicações hemorrágicas.Também em pacientes ambulatoriais podemos ob-servar uma incidência elevada, que em alguns es-tudos chega a até 12% para um período deobservação inferior a 12 meses.
Risco de TVP e modelos de avaliaçãoO risco de TVP em pacientes com câncer é extrema-mente variável entre os diversos pacientes, bemcomo ao longo da própria evolução. Vários fatorescontribuem para essa variabilidade (Tabela 1). En-tretanto, as diferentes fontes para análise dos fatores,a seleção de pacientes, o tempo de seguimento, osdiferentes métodos de diagnóstico e o próprio re -gistro dos eventos vasculares limitam a nossa capaci-dade de estimar a verdadeira incidência dosfenômenos tromboembólicos em pacientes comcâncer, mesmo em grupos bem definidos.
Embora a estimativa da incidência de TVP emuma determinada população seja útil, a estimativado risco de um determinado paciente possui umarelevância clínica ainda maior. Khorana e colabo-radores publicaram, em 2008, um modelo pre -ditivo de TVP que podia ser aplicado a umdeterminado indivíduo em acompanhamentoquimio terápico ambulatorial. Cinco fatores de ris -co independentes foram identificados e conside -rados capazes de prever a ocorrência de TVPsintomática durante os primeiros quatro ciclos dequimioterapia: sítio do câncer, contagem de pla-quetas pré-quimioterapia, níveis de hemoglobinaou uso de fatores de crescimento eritropoéticos,contagem de leucócitos pré-quimioterapia e índicede massa corpórea. Um modelo foi construído uti-lizando essas cinco variáveis e os pacientes foramclassificados de acordo com a avaliação de risco(Tabela 2): baixo risco (escore 0 – risco de TVP0,3%-0,8%); risco intermediário (escore 1 ou 2 –risco de TVP 1,8%-2,0%); ou risco elevado (escore≥ 3 – risco de TVP 6,7%-7,1%).
Fatores relacionados ao câncer• Sítio primário• Histologia• Estádio ou extensão da doença
Fatores relacionados ao tratamento• Cirurgia• Quimioterapia• Terapia hormonal• Agentes antiangiogênicos (talidomida, lenalidomida, bevacizumabe)• Cateteres venosos centrais• Uso de agentes estimulantes da eritropoese• Transfusões
Biomarcadores associados com maior risco de TVP em pacientescom câncer• Contagem de plaquetas >350.000/mm3 antes da quimioterapia• Concentração de hemoglobina < 10g/dl• Maior expressão de fator tissular na superfície de células tumorais• Maiores níveis circulantes de fator tissular• Níveis elevados de D-dímero• Níveis elevados de P-selectina solúvel• Níveis elevados de proteína C reativa
Fatores de risco gerais• Pacientes idosos• História prévia de TVP• Imobilidade por mais de 3 dias• Trombofilia hereditária• Obesidade (IMC>30kg/m2)• Performance status• Hospitalização• Etnia• Condições clínicas associadas (sépsis; doença pulmonar)
Tabela 1: Fatores de risco associados a trombose em pacientes com câncer
Onco& fevereiro/março 2011 29
A principal vantagem do sistema é represen-tada pela acessibilidade dos marcadores. No en-tanto, o registro incluiu um pequeno número depacientes com determinadas neoplasias (tumoresrenais e cerebrais). O período de estabelecimentodo registro, entre 2003 e 2005, também não per-mite inferir sobre a importância de determinadosagentes, como o bevacizumabe ou a lenalidomida.O modelo também não incorporou o potencialvalor de determinados biomarcadores, como adosagem de D-dímero. Entretanto, o modelo foivalidado recentemente em um grupo mais amploe heterogêneo de pacientes.
Prevenção de TVPA profilaxia anticoagulante primária está indicadaem todos os pacientes oncológicos internados emambiente hospitalar por indicação clínica ou cirúr-gica. Embora existam evidências clínicas para o usode heparina não fracionada, heparina de baixo pesomolecular, fondaparinux e cumarínicos, os estudosmais recentes contemplam, em sua maioria, o usode heparinas de baixo peso molecular (HBPM).
Pacientes cirúrgicosEmbora a profilaxia anticoagulante esteja bem esta-belecida para uso em pacientes cirúrgicos, os dadosem pacientes portadores de neoplasias são limita-dos. Pacientes portadores de câncer podem tolerardoses maiores de HBPM, e vários estudos demons -tram uma redução de até 15% na incidência de TVPapós cirurgias abdominais e pélvicas.
O tempo de utilização da profilaxia pós-ope -ratória também é variável e existem evidências deuma redução do risco de trombose em 60% parapacientes que receberam enoxaparina por 30 diasapós a cirurgia, comparado com 4,8% para aquelesque receberam por seis dias e 12% quando operíodo de utilização foi de dez dias. Assim, as re-comendações das várias reuniões de consenso in-dicam a extensão da profilaxia por um período dequatro semanas após a cirurgia em pacientes comcâncer, principalmente em pacientes com vários fa-tores de risco para TVP. O tempo ideal para amanutenção da profilaxia, entretanto, não está com-pletamente definido.
Intervenções neurocirúrgicas em pacientescom câncer estão associadas com taxas elevadas
de fenômenos tromboembólicos. Tradicional-mente, a profilaxia farmacológica é evitada nessespacientes, devido ao risco de sangramento in-tracraniano. Entretanto, essa evidência é limitadae as diretrizes atuais do American College of ChestPhysicians (ACCP) indicam a necessidade deHBPM associada a profilaxia mecânica em pa-cientes neurocirúrgicos de alto risco.
Pacientes clínicosA evidência para o uso profilático de anticoagu-lantes em pacientes oncológicos internados por in-dicação clínica não é tão clara. Pelo menos umestudo randomizado não demonstrou o benefíciodo uso de HBPM quando comparado ao placeboem uma pequena população de pacientes comcâncer. O fenômeno pode estar relacionado à dosedo anticoagulante, que talvez deva ser mais elevadaem pacientes que apresentem hipercoagulabilidade.
Entretanto, muitos pacientes internados apre-sentam trombocitopenia e um potencial risco maiorde sangramento. As diretrizes atuais, portanto, con-firmam a necessidade de tromboprofilaxia nessespacientes quando internados por qualquer motivo.A aderência dos internistas a essas recomendações,no entanto, não é uniforme.
• Sítio do câncer primário- Risco muito elevado (estômago e pâncreas): 2 pontos- Risco elevado (pulmão, linfoma, tumores ginecológicos, bexiga, testículo): 1 ponto
• Contagem de plaquetas pré-quimioterapia > 350.000/mm3: 1 ponto
• Hemoglobina < 10g/dl ou uso de fatores de crescimento eritropoéticos: 1 ponto
• Contagem de leucócitos pré-quimioterapia ≥ 11.000/mm3: 1 ponto
• Índice de massa corpórea ≥35 kg/m2: 1 ponto
Tabela 2: Características dos pacientes para classificação de risco de trombose
0 Baixo 0,3% - 0,8%
1-2 Intermediário 1,8% - 2,0%
≥3 Alto 6,7% - 7,1%
Escore total Categoria de risco Risco de TVP sintomática
“A trombose é hojea segunda causa demorte em pacientescom câncer e estáassociada a piorasignificativa da sobrevida.”
30 fevereiro/março 2011 Onco&
Pacientes ambulatoriaisPacientes ambulatoriais que recebem quimiote -rapia também apresentam um risco elevado deTVP. Um estudo recente em pacientes portadoresde carcinoma de pâncreas avançado documentouuma redução de 87% na incidência de TVP em pacientes que usaram enoxaparina na dose de 1 mg/kg/dia por três meses. Curiosamente, estu-dos iniciais em pacientes portadores de câncer demama avançado, carcinoma de pulmão e gliomasde alto grau foram negativos, sugerindo que doseshabituais sejam insuficientes para a tromboprofi-laxia em pacientes com câncer. É possível, por-tanto, que a profilaxia somente seja adequada emdeterminados tipos de neoplasias.
A utilização de inibidores diretos do fator X porvia oral também se mostrou eficaz na tromboprofi-laxia de pacientes submetidos a procedimentos or-topédicos. Estudos iniciais também indicam suautilidade em pacientes oncológicos.
Tratamento de trombose associada ao câncerO tratamento recomendado para a trombose asso-ciada ao câncer é HBPM. Na fase inicial do trata-mento, os estudos prospectivos indicam resultadossemelhantes com heparina não fracionada e HBPM.Entretanto, a sobrevida em três meses é superior
com HBPM, e para o uso prolongado, HBPM é maiseficaz que o cumarínico e reduz o risco de episódiosrecorrentes em 52%. Não existem estudos contro-lados definitivos com os inibidores diretos de trom-bina ou de fator X ativado para o tratamento detrombose em pacientes com câncer. Também nessapopulação, o uso de cumarínicos está associado auma taxa de recorrência dos fenômenos tromboem-bólicos de cerca de 20%. As complicações hemor-rágicas também são frequentes e descritas em 13%dos pacientes oncológicos.
Os eventos tromboembólicos podem ser recor-rentes com o uso de HBPM em até 10% dos pa-cientes tratados. A presença de metástases,principalmente em pacientes jovens, e um intervaloinferior a três meses entre o diagnóstico de câncere a trombose indicam um maior risco de recorrên-cia, apesar da anticoagulação. Pacientes que desen-volvem trombose recorrente em uso de cumarínicodevem substituí-lo por HBPM. Aumentar a inten-sidade da anticoagulação com o inibidor de vita -mina K não é recomendado devido ao risco desangramento e ao risco elevado de trombose mesmocom INR’s elevados. Quanto ao uso de HBPM emepisódios recorrentes, o escalonamento da dose em20% a 25% da dose original permite um controlemais adequado, consistente com a tendência pró-trombótica desses pacientes (Figura 3).
TVP recorrente sintomática
Avaliar em 5 a 7 dias
Quadro inalterado
Substituir por HBPM
Paciente em uso de cumarínico Paciente em uso de HBPM
Checar níveis de atividade anti-Xa
Aumentar a dose em 25%
Melhora sintomática
Continuar seguimento
Figura 3:Manuseio de TVP recorrente
Onco& fevereiro/março 2011 31
Situações clínicas especiaisCateteres venosos de longa permanência
Cateteres venosos centrais são comumente utilizados
em pacientes com câncer. O seu uso é complicado por
infecções e tromboses venosas. A incidência de trom -
bose é variável, porém cerca de 5% dos pacientes que
possuem um acesso vascular permanente desenvol vem
uma trombose profunda. TVPs que comprometem os
membros superiores podem resultar em mor bidade
significativa, devido ao risco elevado de embolia pul-
monar e síndrome pós-flebítica, bem do cumentada
em pacientes não portadores de neoplasias.
Quando o fenômeno trombótico está associado
à presença do cateter central, a evolução para trom-
bose da veia subclávia ipsilateral, da veia inominada
ou da veia cava superior pode ocorrer nas quatro a
oito semanas que seguem a inserção do cateter. O
fenômeno é menos frequente quando a ponta do
cateter está posicionada na junção da veia cava su-
perior e do átrio direito. Vários estudos prospectivos
estudaram o papel da tromboprofilaxia com HBPM
ou doses baixas de cumarínicos em pacientes com
câncer que possuíam um cateter venoso central. As
evidências que indicariam o uso de anticoagulantes
nesse cenário são muito limitadas, e as diversas reu -
niões de consenso se posicionaram contra o uso pro-
filático de anticoagulantes para esses pacientes.
Ainda existem controvérsias em caso de evento
trombótico, porém as recomendações indicam o
uso prolongado de HBPM, ficando o uso de ini -
bidores de vitamina K reservado para pacientes por-
tadores de insuficiência renal grave. A retirada do
cateter deve ser considerada, mas não é obrigatória.
Estudos realizados não indicam uma incidência
elevada de embolia pulmonar quando da per-
manência do cateter. As diretrizes mais recentes do
ACCP não recomendam a retirada do cateter caso
ele esteja funcionando, não existam sinais de in-
fecção e ele continue sendo necessário para a con-
tinuidade do tratamento.
Tromboprofilaxia em pacientes
portadores de gliomas cerebrais
O risco de tromboembolismo venoso é elevado em
pacientes portadores de gliomas, e sua incidência já
foi reportada em até 72% dos pacientes, embora seja
mais frequentemente descrita em 20% a 30% ao
longo do curso da doença. O risco pós-ope ratório
parece ser mais elevado que em tumores do in-
testino, sugerindo um papel específico da bio logia
do tumor na evolução da doença. A imobilidade pro-
longada, o uso de cateteres venosos, a idade elevada
dos pacientes, o tamanho do tu mor original maior
que 5 cm, o subtipo histológico – maior incidência
de glioblastoma multiforme – e o uso de agentes an-
tiangiogênicos como a talidomida e o bevacizumabe
parecem contribuir para a incidência elevada.
Historicamente, a utilização de filtros de veia
cava inferior era sempre considerada em substitui -
ção ao uso de anticoagulantes em portadores de
gliomas malignos, devido à percepção de um risco
mais elevado de sangramento nesses pacientes
quando tratados com anticoagulantes. O risco
parece ser superestimado, e alguns estudos indicam
uma taxa de sangramento intratumoral de apenas
2%. Os filtros de veia cava inferior também apresen-
tam um risco inerente de tromboembolismo, trom-
bose associada ao filtro e síndrome pós-flebítica.
Enquanto a taxa observada de complicações em pa-
cientes que não possuem uma neoplasia é inferior a
10%, em pacientes portadores de gliomas ela pode
atingir mais de 60%. Dessa forma, recomenda-se um
período de anticoagulação de três meses após o
primeiro episódio de TVP em pacientes portadores
de tumores cerebrais, na ausência de outras con-
traindicações. É importante mencionar que o uso de
anticoagulantes não representa uma contraindicação
absoluta para o uso de bevacizumabe, apesar do
risco teórico mais elevado de sangramento pelo uso
combinado de ambas as medicações.
Dados da literatura neurocirúrgica sugerem a uti-
lização de profilaxia mecânica pneumática e HBPM
na prevenção de fenômenos tromboembólicos em
portadores de gliomas malignos. No entanto, devido
aos riscos associados, o papel da profilaxia primária
nessa população permanece ainda indefinido.
Síndrome de Veia Cava Superior (SVCS)A SVCS é caracterizada por um processo insidioso
e gradual de obstrução da veia cava superior. A
compressão extrínseca da VCS é possível devido às
suas paredes finas e às estruturas rígidas que a cer-
cam. A baixa pressão intravascular permite a for-
mação de um trombo, frequentemente induzido
pela presença de um cateter venoso central. O
processo é mais comumente observado em porta-
“Fenômenos tromboembólicosassociados aocâncer constituemum problemaclínico extrema-mente comum naprática diária.”
32 fevereiro/março 2011 Onco&
dores de neoplasias, principalmente portadores decarcinoma de pulmão e linfomas. A gravidade doprocesso é também determinada pelos limitesanatômicos: quando a obstrução ocorre abaixo daanastomose da veia cava superior com a veia ázigo,observa-se um maior comprometimento no esta -belecimento da rede de vasos colaterais determi-nando sintomas obstrutivos mais evidentes.
Os pacientes podem se apresentar com umavariedade de sintomas. Mais frequentemente, ob-servam-se edema da face e da região cervical, au-mento do volume dos membros superiores, tosse edilatação dos vasos do tórax. A presença de es-pasmo laríngeo é preocupante, pois retrata o edemada via aérea, bem como sonolência e confusão men-tal, indicativos de edema cerebral.
A SVCS não representa verdadeiramente umaemergência médica na ausência dos dois últimossintomas mencionados. O diagnóstico preciso deveser estabelecido para que o tratamento mais apro-priado seja introduzido. O método propedêuticomais útil é a tomografia computadorizada do tóraxcom contraste venoso, que permite definir o nívelda obstrução, avaliar a causa do processo e a redede vasos colaterais. A imagem obtida permite aindaselecionar a melhor região que será submetida aoprocedimento diagnóstico.
O manuseio de pacientes portadores de SVCSdepende da etiologia da neoplasia, da gravidade dossintomas e do prognóstico do paciente. O trata-mento deve incluir as medidas de suporte, radiote -rapia, quimioterapia e introdução de um stent
vascular. A remoção cirúrgica do tumor não repre-senta uma alternativa adequada. Quando existe evidência de comprometimento da via aérea ousinais de edema cerebral, a patência da via aéreaprecisa ser estabelecida e o uso de corticosteroides
iniciado. A presença de trombose da veia cava podecontribuir para a gravidade do quadro e resultar emuma embolia pulmonar em mais de 30% dos pa-cientes. A decisão de anticoagular esses pacientesnão é bem definida na literatura e deve ser apenasconsiderada em pacientes que apresentam umtrombo documentado nos exames de imagem. Oimpacto dos anticoagulantes na sobrevida dessespacientes ainda não pode ser documentado.
A introdução de um stent endovascular podepromover alívio imediato dos sintomas obstrutivos.Caso um trombo seja identificado, o uso de agentesfibrinolíticos deve ser considerado. O uso de HBPMpode ser considerado mesmo na ausência de umtrombo visível devido à introdução de um corpo es-tranho, mas não existe consenso a respeito da suautilização prolongada. Apesar da eficácia da intro-dução dos stents endovasculares no alívio dos sin-tomas associados a SVCS, a sua utilização não deveser considerada em todos os pacientes. Os resulta-dos favoráveis descritos podem representar apenasuma seleção de pacientes, e estudos controladosprecisam ser reportados antes de sua utilização deuma maneira uniforme.
ConclusãoOs fenômenos tromboembólicos associados ao câncerconstituem um problema clínico extremamentecomum na prática diária. Os anticoagulantes podemser utilizados de forma segura e eficaz nesses pa-cientes. Entretanto, a melhora do prognóstico dessespacientes depende da estratificação de risco que elesapresentam e da seleção dos agentes mais adequadose seguros para a profilaxia e o tratamento. A identifi-cação de alvos terapêuticos específicos associados àhipercoagulabilidade do câncer constitui o maior de-safio terapêutico para os próximos anos.
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“O câncer é um estado pré-
trombótico. Eventosvasculares podem
ocorrer antesmesmo do diagnós-tico estabelecido epodem ser agrava-
dos pelo início da terapêutica.”