Cantiga do Só · Web viewSou o poeta antigabinete ministerial sem rondós e sem...

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José Guilherme de Araújo Jorge Cantiga do Só 2ª edição 1968

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José Guilherme de Araújo Jorge

Cantiga do Só

2ª edição1968

A cantiga do Só

JG de Araujo Jorge, assina este texto no prefácio da 2a edição - 1968 em edição aumentada com poemetos e trovas.

“Cantiga do Só é uma coletânea. Alguns dos seus poemas são anteriores a “A Sós...” e “Espera...”, e deixaram de ser incluídos em “Harpa Submersa” porque necessitavam de pequenos retoques que só foram feitos posteriormente.

Há  neste livro um soneto de mais de vinte anos: “Gula”. Escrevi-o sob encomenda, pare a revista “O Malho”, já desaparecida, que o publicou numa série de sonetos sobre os pecados capitais.

Encontrei-o agora, na velha publicação, já meio amarelada, e resolvi aproveitá-lo.

Muitos dos poemas, dos escritos recentemente, tem merecido por parte dos ouvintes do meu programa literário, na Rádio Tupi, aos sábados, às 18,30 horas, reiterados pedidos de leitura e cópias. (1)

“Mulher Grávida”, “Vermelho e Branco”, “Carta ao Futuro de Meu Filho”, são, por exemplo, alguns dos trabalhos que mais me pedem para apresentar no programas.

Agora, uma notícia final: Quando me dispus a “limpar as gavetas” para preparar os

originais deste “Cantiga do Só”, encontrei tanto material, que resolvi enfeixá-lo noutro volume. Deste modo, depois de sua publicação,  espero lançar  uma  nova coletânea de versos líricos, cujo titulo será: “Quatro Damas”. (2)

Os leitores já terão compreendido que há de encontrar em suas  páginas, - pelo menos mais nitidamente, - quatro perfis de mulher... de diferentes épocas da minha vide...

Talvez o melhor titulo fosse: “Quatro Damas... e um Curinga...“

1) O programa apresentado depois na Radio Nacional, foi “cassado” pelo SNI, ao tempo do Governo Castelo Branco, pelo Gal. Golberi do Couto e Silva, porque apresentou no mesmo,

poemas do livro MENSAGEM, lançado pela Editora Civilização Brasileira.

2) Quatro Damas,  foi publicado em 1966

Índice (Por ordem alfabética)

01 – A cantiga do Só02 – A cartilha03 – A enfermeira04 – A festa triste05 – A gaivota06 – A grande voadora07 – A hora de voltar08 – A morte09 – A palavra10 – A palavra Mãe11 – A primeira12 – A Suprema Revelação13 – A vida14 – A voz dos sinos15 – Adeus...16 – Auto-retrato17 – Barco18 – Bilhete19 – Borboleta20 – Cantiga do mar21 – Cantiga do Só22 – Canto do poeta menor23 – Caridade...24 – Carro de bois25 – Carta ao futuro do meu filho26 – Cartilhas27 – Coração28 – Conta... e canto29 – De repente feliz...30 – Dedicatórias31 – Definição 32 – Descida33 – Despedida...34 – Dia de chuva35 – Diante do Paraíba, em Campos36 - Educação

37 – Esperança38 – Eu faço versos39 - Filosofia I40 – Filosofia II41 – Glória?42 – Gostar43 – Graça44- Gula45 – Introdução e cantiga para Valadão do Barro46 – Irmã chuva47 – Lembrança de Mãe Preta48 – Madrigal à Bahia49 – Mãezinha50 – Manhã de Deus51 – Mãos...52 – Meninazinha da Serra53 – Mau automóvel54 – Momento humano55 – Moral Zero56 – Mulher grávida57 – Nas noites frias58 – No meu carro59 – No soberbo...60 – Nosso dia...61 – Num Bar62 – Nunca morrer assim...63 – O galo branco64 – O gaúcho65 – O mar.. o amor66 – O óbvio67 – O outro Natal68 – O poeta... a poesia69 – O seringueiro70 – Os dois choros71 – Os sinos72 – Pergunta de Natal73 – Poemas às irmãs de Ana Nery74 – Poema do Até-logo75 – Portugal76 – postal de Natal77 – Praia minha

78 – Professor79 – Quatro sonetos ao soneto80 – Quem calcula?81 – Quem canta...82 – Sugestão intrigante83 – Resposta84 – Retrato de Família85 – Retrato de Mãe86 – Rico e pobre87 – Rio: Sempre Capital88 – Rotina89 – Saudade90 – Ser mãe91 – Sobre a trova92 – Solidão93 – Sonata em cinco tempos para Búzios e Coração94 – Sonetos para Maria Helena95 – Sorria96 – Texto – Legenda97 – Três poemas à manhã98 – Três poemas prosaicos99 – Trovas de Natal100 – Trovas reunidas101 – Trovas sobre Mãe102 – Um tema banal e duas variações103 – Vai, Manuel104 – Vermelho e branco105 – Viagem solitária na chuva106 – Vocação107 – Você... e o Natal

A Cartilha

- “OVO, AVE, UVA, AVÔ.”

E eu que tantas palavras procuro e carregome lembro destas primeiras que encontrei...E da mão de minha mãe me levando- como guia de cego -sobre o velho caderno onde estudei...

(E ao lado delastambém ficaramna minha lembrança,aqueles rabiscos que faziabrincando,aquelasgaratujas que eramcomo passos de criançaengatinhando... )

- “OVO, AVE, UVA, AVÔ.”

(Ovo gorado, eis a vida!Ave, - esperança perdida,uva, um desejo constante,- avô, minha infância distante!)

Ficaram na minha memóriaas primeiras palavras sem históriacomo uma tênue e apagada trilha...

E, de repente... Eis que a vida da sentidoaquelas primeiras palavrasque aprendi na velha cartilha...

A Enfermeira

No seu branco uniforme, hei-la que passa... É a imagemdo amor, do sacrifício... e é toda abnegação!Eu a chamo: Nossa Senhora da Coragem,de leito em leito, sempre, em peregrinação...

Vigia do sofrer... Chega, e à sua passagema dor é menos dor, e é menor a aflição...Sobre a fronte febril seu gesto é como a aragem,sua presença é luz e sombra, é proteção...

Misto de anjo a mulher, de santa a de heroina,não sei de profissão que em si tanto resumena glória de se dar nesse árduo e puro afã...

É a síntese complete da alma feminina,pois traz no coração um pouco de cada uma:- a amiga, a companheira, a mãe, a esposa, a irmã!

A festa triste

Não, o Natal não é uma festa alegre,é uma festa triste.

De repenteas crianças (logo as crianças!)separam o mundo em duas metadesdesiguais:- de um lado, a abastança, indiferente ou piedosa;do outro, a necessidade, a mendigar seus restoscomo há milênios faz...

As crianças (logo as crianças!)Algumas com presentes, brinquedos, esperanças,e as puras alegrias que o bom Velhinholhes traz do céu;outras, sem terem nada, e mesmo tendo pais,são “órfãos do Natal”,não tem Papai Noel...

Não. Neste mundo como está,(neste mundo profanoque a um olhar mais humanonão resiste),o Natal pode ser uma festa,(quem contesta?)mas é uma festa triste...

A gaivota

Sóno céu...sobre o mar...... como Deus a pôse imaginou:

a voar...

Só...sem barcos, sem velas,sem sinal de terra,sem ninguém,com seus horizontes:céu... e mar...

Apenascom seu destino...

... Como o Poetaa sonhar...

A grande criadora

Podes dar tratos a imaginaçãoe conceberes o que se afiguraa ti mesma, um absurdo, uma loucura,coisa além dos sentidos, da razão.

Podes imaginar uma aventuraa mais estranha, sem ter céu nem chão,e o que de mais ousado na Criaturacheque às raias da tua concepção.

Podes tudo pensar, tudo criaresem histórias e cantos singulares,o que o sonho não pode e a alma não deve,

e ainda assim, hás de ver que não és louco,que tudo o que pensaste é nada e é poucoante o que a própria Vida vive e escreve!

A hora de voltar

Sempre terei essa ternura pelas coisas que me cercamas minhas coisas fieis:meus livros, meus quadros, meus papeis,minha máquina de escrever, piano de palavras,a tocar poesia.

As minhas coisas fieis: a paisagemonde me encontro, e sou paisagem,e a que penduro na janela abertaincorporada e vendida a cada dia que passasem apelação.

É tão pouco chegar! Entretanto, não troco nada no mundopor esse instante de puro egoísmoem que vivo a ilusão de que há um mundo que é meu,até quando, - que importa?a me esperar...

Felizes os que podem ter uma hora de chegara algum lugar, onde já se está, onde se está sempreacompanhado, mesmo sozinho,onde encontramos as marcas de nosso espíritocomo as pegadas num caminho...

Tenho uma pena infinita dos que não voltam,e são como pássaros que não pudessem nuncapousar...

Toda tarde, quando chego em casa, subitamentesou um homem feliz, como se acabasse de salvaruma vida!- a minha própria vida,que eu salvo todos os dias!

E vou para o chuveirocom um canto no coração!

A morte

A morteé como o amor:a coisa mais comum, mais repetida.

A morteé como a dor,é como a Vida

Sempre que chega é “nova”,imprevista, estranha,desconhecida,e entretanto está sempre conoscoe sempre nos acompanha,desde o primeiro haustode vida.

Apesarde ser a coisa mais comum,(prosaica, heróica, trágica, banalou bela)nunca nos acostumamos a ela!

A palavra Mãe

Do pátrio idioma és a mais bela florunipétala flor nunca esquecida,sinônimo de nossa própria vida,traço de união entre a alegria e a dor...

Superlativo da palavra “amor”!Verbo do coração; ternura e lida;- tudo em ti se resume, e és tão querida,que igual não há, seja em que idioma for!

Antes que as outras todas te aprendemos,e desde quando te tornaste em falasimbolizas o amor capaz de extremos...

- “Mamãe”... Palavra azul, cor da distância...Quem não pode um dia pronunciá-la,nasceu... cresceu... mas nunca teve infância!

A palavra

Sou apenas o reflexoo retorno,um instrumento...

A poesia está na ruana vida,no homem,- todo momento.

Sou apenas, talvez,o porta voz,recebo ordens,e mesmo quando a vidaé minha vida,cumpro uma missão.

Que este é o destinodo Poeta,ser a palavra(letra e música)- que revela o mundoe o coração!...

A primeira...

Foste o nosso primeiro balbucioa primeira palavra pronunciada;o primeiro aconchego, se fez frio,- nosso primeiro passo pela estrada.

O primeiro conselho, ante o desvioque pudesse levar a uma emboscada;a presença, mais que outras, desejada,nos momentos de dor ou desvario...

Foste tudo de bom que aconteceu:o beijo puro, o gesto carinhoso,a mão primeira que nos protegeu...

Tudo nos deste: o próprio Ser e o nome,e foi teu seio farto e generosoque silenciou nossa primeira fome!

A Suprema Revelação

Ponho a mão, de leve, sobre o teu ventre,tenso, em sua túmida rijeza,e, de repente,sou o primeiro homemdiante do desconhecido e da beleza.

(Eu orgulhoso da ciência e do saber humanos)- sou o homem primitivoignorante de tudo, temeroso de tudo- que nada explica, nada descerra -que se deslumbra ante a mensagem dos céus,e, trêmulo, se amedronta ante os mistérios da terra!)

Ponho a mão sobre o teu ventreabaulado,onde palpita uma força indefinida,como se sentisse na própria mão,indecifrado,o segredo da Vida!

Parece que Deus se utiliza de teu corpopara revelar-seem seu poder e em sua essênciae para mostrar a distância infinita entre a pretensiosavaidade do saber humano,e a sua Onisciência!

Sim. É como se Deus se comunicasse comigonesses estranhos sinais que sinto em minha mão...E perturbado e incrédulo, me interrogo, sem percebera razãopor que haveria Ele de permitir que eu e tupartilhássemos dos mistériosda Criação?

Ponho a mão, de leve, sobre teu ventre,e entre deslumbrado e atônitoperturbado e intranqüilo,fico a pensar que Deus serviu-se de ti, para que eu- materialista e ateu -pudesse senti-lo,e - poeta - pudesse “vê-lo”,e humildemente, homem,pudesse reconhecê-lo!

A Vida...

Ó pobre vida suicida!Teu destino é uma ironiase o que chamamos de vidaé um morrer de cada dia!

Numa amizade perdida,num amor que se desgraça,a morte desconta a vidaa cada dia que passa!

Vive a vida bem vividae ao mais, esquece e revela,que a gente leva da vidaa vida que a gente leva...

A voz dos sinos

Na vida, de vez em quando,em meio aos meus desatinospercebo Deus falandonas  brônzeas bocas os sinos...

Adeus...

Lá se vão os navios pelos mares do mundo:estão cheios de criaturas felizesque não sei quem são...

- Boa viagem, amigos!... Este lenço que se agitano caisé o meu coração!

Auto-retrato

A fronte larga como larga pistapara as idéias levantarem vôo...Os olhos verdes: - sinal sempre abertopara a vida passar, sem obstáculos...

E estas narinas dilatadas, comose fossem feitas para grandes haustossaborear o mais simples dos prazeres:- o de encher os pulmões... e respirar!

Um coração desordenado e boêmio,e um sentimento de justiça, intenso,como traço marcante do caráter.

A humildade de ser, para os pequenos,o orgulho de enfrentar os poderosose a alegria de amar sem ter limites!

Barco

Devo pertencer a uma dinastia de barcosdionisíacos...

Por que sujeitar-me a este destino vegetalcom ramagens bucólicas,pássaros fieis,

- se trago quilhas no pensamento, bandeiras nos olhose gaivotas nos sonhos?

Por que a terra , a raiz a se entranhar,- se fui barco noutras gerações?

- Se o meu destino é navegar?

Bilhete

Recebi tua inútil respostaao meu S.O.S

Pena é que no momento em soçobronavegues do outro lado do mundo...

Borboleta

Borboleta multicortu me lembras, ao passar,um bilhetinho de amordobrado em dois, a voar...

Cantiga do mar

Olho o mar e tento em vãolavar no mar minhas mágoas,- ah, se as pudesse lavarMágoas crônicas, sem cura,que não podem ser lavadase não podem soçobrar.

De repente, aquela velabranca e pura como um sonhoque tão longe posso ver,me traz uma vaga invejado que quis ser mas não fui,nem nunca poderei ser.

Vela branca, docemente,em meu horizonte triste,navegando em minha dor.E eu penso no pescadorque não sabe que é feliznem sabe que é pescador.

Cantiga do Só

A gente vai subindopasso a passo,mais pedra, mais espaço,menos pó...

E a gente vai aos poucosse sentindomais só...

A vida está mais longemais lá em baixo,perdidas vão ficando as esperanças,o vento mói as nuvensfaz lembrançasem sua imensa mó...

E a gente vai subindo,vai andando,e a gente cada vez maisvai ficando só...

O perto é turvo; o longe é que é mais lindo,e um ar mais frio vai nos envolvendoe um silêncio maiorcresce ao redor;

- e mais curva, e subida, e mais caminho,e ao se rever o que ficou de cor,o coração sozinhovai sentindoque a gente continua, vai seguindo,mas cada vez mais só...

Segue-se em vão, a estrada do cansaço,o coração mais lento, o olhar mais baço,

o mundo é um vago azul, não causa dó;

nesse subir que já não vai subindo,com os pés, as mãos, o peito, enregelados,olha-se em torno: não há chão em lados,não há céu, não há sonho, não há pó...

Então se para... Não há mais subida,não há volta também, não há descida,e a gente fica só...

... completamente SÓ...

Canto do poeta menor

Sou o poeta menor, o trovador humilde,que nasceu nesse Brasil grande, numa vila sem nome,em meio às árvores, aos pássaros, aos rios e jacarésporque o resto não há.

Não me recebem. Estão sempre em reunião importante.

Estou na rua, com o povo, que “a praça é do povocomo o céu é do condor”,já cantou o grande Poeta.

Não trago quatrocentos anos na sacola,não sou de ferro, não sou de bronze,não desci orgulhoso da alta montanhafalando como Zaratustra,- sou um poeta, de barro,como qualquer homem...

Não cheguei de Ita, com alma palaciana,disposto a conquistar a grande capital,não invadi os jornais e suplementosconstruindo “igrejinhas” sem fieis.

Sou o poeta menor, o poeta humilde, sem história,que nasceu nesse Brasil grande, numa vila sem nome,pra lá, muito pra lá...- a vila de Tarauacá.

Poeta sem brasão, sem orgulhos, sem rodinhas,apátrida entre irmãos,poeta nú e sozinho, com sua poesia,pelos quatro cantos de sua terramisturado com o povo.

Sou o poeta antigabinete ministerial

sem rondós e sem falsas luxúrias,não sou amigo dos reis,sou simplesmente o poeta da rua,como um violeiro e sua viola,como um cego e seu realejo...

Quando toca a minha poesiaa criançada vem correndo para ouvir,os trabalhadores param o serviçoe comentam,as empregadas e os transeuntes fazem roda.as moças se debruçam nas janelase ficam cantarolando.

Sou o poeta menor. Não me recebem.Estão sempre em reunião importante.

Não faz mal. De mãos dadas com o povo,como em noite de luafaço ciranda na rua.

Caridade...

Tão boazinha, acenandointenções puras e nobres,distrais os ricos, brincandocom o sofrimento dos pobres...

Carro de bois

Quem tais acordes te pôsnas rodas desengonçadas,ó  velho  carro  de  boissanfoneiro das estradas...

Carta ao futuro de meu filho

Meu filho:- o que realmente espero é que o teu mundoseja um mundo melhor, um mundo mais humano;que ao pensares um dia, no destino de teus filhosnão pesem as preocupações, que, por ti, me consomem.

O que realmente espero é que o teu mundo sejaum mundo limpo de caridades, de esmolas e de afrontas,um mundo em que a vil exploração do homem pelo homemserá um capítulo da história de que ninguém se lembrará.

O que espero, meu filho,  é que o teu mundo sejao daqueles que poderão plantar para colher,(só os frutos, porque as águas, os pássaros e a terra,Deus as pôs antes deles, e só a Deus pertencem.)

Que o teu mundo, meu filho, seja apenas um mundode necessidades e aspirações, como o pão partilhadasem torno à mesma mesa onde todos se sentarão.

Que haja apenas a lealdade, vencida a avareza- filha bastarda da Fortuna, essa mãe de infortúnios, -e que a cega ambição, velha irmã de Caim,capaz de tantos crimes, seja cristianizada.

Que tu vivas em paz com teus filhos, teus sonhos,construindo cada dia, sob os olhos de Deus,a  alegria de possuir o que não falte a ninguéme te baste para seguires sem medo, e sem remorsos.O que espero, meu filho, é que teus filhos, meus netos,tenham direito ao livro e à saúde, como o arou o sol, ou ao chão dos caminhos sem donos,que possas te sentir feliz, sem perceberesestas duras jornadas que esmagam tantos ombrospara que tantas vidas sigam fáceis e inconscientes.

Que a tua liberdade seja realmente liberdadede viver com dignidade, sem a presença da misériaa te cercar, como um libelo, sem que todo o teu empenhopossa apagar da terra essa mancha dos tempos.

Que não tenhas, meu filho, de assistir tal como euo esforço dos escravos do trabalho exploradostantas vezes, sem querer o reconhecimento necessário,sob o chicote do Dinheiro - o avarento Feitor.

O que o teu mundo possa ser, de verdade, um mundo livre,de homens livres da insegurança e da hipocrisia, livresprincipalmente da mistificação da liberdade.

(Ó santa liberdade, há três séculos arrastadaao prostíbulo da burguesia, indefesa e submissa!Gordurosa liberdade, como guardanapo de banqueteservindo aos empanzinados, - de alma e de estômago, -iludindo aos que tem fome, em hinos e discursos,e nas manchetes dos jornais impressos em cifrões!)

Que o ódio não resseque o teu coração, e o amorseja como a água fresca num cântaro de barrocomo água fresca manando da dura pedra a cantar,enchendo de música o mundo e de alegria a vida,e de vida e de música a hora fraterna de sede.

Que não te sujeites aos ideais da riqueza,pobre riqueza dos homens angustiados e intranqüilos!Que não te sujeites nunca a essa riqueza! E aspiresà suprema alegria de ser justo e ser bom,e desejar para todos uma vida feliz,pois que a tua felicidade é uma parcelae nunca se chegará a uma humanidade felizsomando-se homens felizes, tristes e desgraçados.

Que nunca te falte a coragem de seguir sozinhonessa luta por todos, mesmo que todos te deixem,e que nunca te sintas só em companhia da tua consciência.Que teus filhos, - meus netos - herdem apenas a alegria

de ser humano, de ser igual, de ser livre, sabendoque nada somos, que nada temos, que nada levamos,e que a Vida é afinal essa comunhão inumerávelem que todos se sentem irmãos na mesma e grande Família.

O que realmente espero, é que o teu mundo, meu filho,seja um mundo apolítico de comunhão e de amor,de união de todos para que nada falte a cada um,e de respeito a cada um, para que haja a união de todos.

Que em teu mundo, meu filho, se escolham os mais capazese os melhores... e os que trouxerem o destino da direçãoconduzam, sem privilégios, sem necessidade do Poder.

Que o teu mundo, afinal, possa ser esse mundoem que serão puras realidades esses desejos meus,o mundo dos homens que não se envergonhem de ser homensante os seus próprios olhos...  e ante os olhos de Deus!

Cartilhas

Cartilhas do coraçãoonde o povo se iniciaos livros de trovas, sãoum ABC da Poesia!

Conta... e canto...

A trova - conta de um canto -,poça d'água sobre o chão,tão pequenina, e entretantoreflete toda a amplidão.

Conta de luz que iluminae em que todo me concentro:- por fora, tão pequenina,mas que infinito por dentro!

Coração

O coração é onda feitapor que misteriosa mão?E o sonho? a espuma que enfeitao vai-vem do coração.

De repente feliz

De repentesou um homem rico e felizdentro da noite.

Percebo que todos, ou quase todos, dormem,e o silêncio da madrugada é o meu único companheiroe o sinto em expectativa, ao meu redor...

Estou lendo o meu jornal depois de uma sessão de cinema,e me encontro com o mundo, - vago mundo – quase sempreocupações.

De repenteestas cansadas manchetes políticas me parecem estranhascomo se estivessem em idioma desconhecido,estes telegramas, estas notícias, vem de Marte talvez,porque me falam de outro mundo

De repentepercebo que estou só, que respiro, que estou bem,e porque percebo isto, - paro de ler para tomar plena consciênciade que existo,            ,de que respiro, de que estou bem,neste momento feliz, sem nenhuma importância

E me levanto, para descobrir            a beleza da noite distante pela janela aberta,a noite nova e desconhecida, com o olhar de um cegoque subitamente pudesse ver.

Esta noite, este silêncio, - até este jornal,que subitamente nada me diz, -esta ausência de tantos,me fazem rico de repente, porque me encontro.

E só por isto, sem nada dizer, tomando a noite e o silêncioaos goles, como um gaúcho seu chimarrão,me deixo ficar comigo mesmo, tranqüilo, tranqüilo, tranqüilo,a saborear estes instantes de infinita a imprevista paz,a saborea-los, lenta a demoradamente...

E não me levo pra cama, até que me desperto novamentehomem pobre e triste como tanta gente...

Dedicatórias

ISimples

Para você, amigo ou amiga,que encontraram a minha poesia na rua,pouca e pobre, e a adotaram,e a recolheram ao coração...

Todo o meu reconhecimentopor essa loucae nobreação.

Em nome da minha poesiaagradeço-lhes a pura alegria,muito mais que alegria: Comunhão!

Que é Comunhão ou alegriaencontrar quem nos compreendaquem nos estende a mão

quem partilhe conoscopão e música na mesma canção.

IIPretensiosa

Talvez não haja mesmo muito méritonisto que escrevo,e é, entretanto, a suprema razão demeus dias,

- mas não serias capaz de faze-lo,

e... como o desejarias.

Definição

Afinal,que é poético,senão o Poeta?

A Vidaé apenas barro.Tu será ou nãoDeus

Descida

O que tinha que ser já foi... E esta perdidaaquela ânsia de espera, de desejo e fé,e tudo o que virá será copia esbatidada Vida que foi Vida a hoje Vida não é...

Muito pouco de tudo ainda resta de pé...Agora, nunca mais estreias... Repetida,a alma se reverá num desespero, atéque a vida ja não valha a pena ser vivida. ..

Do que foi canto e flor restam só as raízes,e ao tédio que envenena os dias mais risonhosrepito: nunca mais estréias... só “reprises”...

E que importa o que vier? Sejam anos ou sejam meses?- Nunca mais a beleza dos primeiros sonhos!- Nunca mais a surpresa das primeiras vezes!

Despedida...

Tristeza é das mãos se unindosobre um corpo já sem vida,como que se despedindona última despedida...

Dia de chuva

Dia de chuva,dia cinzento,dia de névoa,dia de vento...

Vento que venta,chuva que chove,névoa cinzentaque me comove...

Cinza tão friaque cobre tudo:alma de um diatedioso e mudo.

O mar de espumas,- prata brunida -tal como em brumasa minha vida.

O céu pareceque vem a mim,e a chuva descemansa, sem fim.

Faz bem à almaesta tristezae a doce calmada natureza.

Turva aquarelaà nossa vista,como uma telaimpressionista.

No chão das ruas,pelos dois lados,há poças nuasde olhos pisados.

Dançam letreirosbêbedos, frios,qual marinheirossem seus navios.

Frios letreirospiscam nervosos,quais sinaleirosde inúteis gozos.

Noite de chuva,noite de vento,noite viúva,- pranto e lamento.

Vento que venta,chuva que chove,névoa cinzentaque me comove.

Chuva morfinaque assim, tão calma,tão mansa e finachove em minha alma.

Diante do Paraíba, em Campos

(Lembrando-me do meu “velho” rio Acre...)   

Com essa longa estiagem, (teus barrancos à mostra,o casario ao longe,cinzentas dunas de areiae essa brisa impregnada de saudade e fragrância)- desembocas na minha infância...

De repente sou capaz de ouvir o “tcháa... tcháa...”monótono, dos remos das catraias,em minhas reminiscências...(Desembocas na minha infânciasem voltas, sem confluência, sem desenganos),- e estou diante de ti vestido só de inocências,branquinho e nu como um bago de ingáespadanando na água os meus oito anos...

De repente sou capaz de ouvir o mesmo “tcháá tcháá...de desenterrar ovos de tartarugasde tuas praias,   e de encontrar atélá na curva distante,estirado, no sol, um jacaré

Ó lendário Paraíba de tantos sonhos e andanças,(por que é que as tuas águas grisalhas, são tão barrentas?)- de repente te vejo a correr em meu destinoe em velhas lembranças,e encontro-te assim, em minha emoção,ressuscitas e acalentesum meninoem meu coração...

Educação

A criança estava brincando de matar...Um dia, ela será homem...... e continuará a brincar...

Esperança!

Sobre a miséria dos pobres,a caridade dos ricos,a injustiça dos governos,o sangue dos inocentes,a áspera luta dos fracos,a revolta e a humilhaçãodos vencidos e explorados;sobre as manchetes do mundo,impressas em negro e rubro,sobre ameaças e pragasfoguetes, bombas, políticos,

- de repente, ouço, distante,uma criança gritar: mamãe!

Eu faço versos...

Eu faço versos assimcomo quem respira ou canta,a poesia nasce em mimcomo do chão nasce a planta...

E como que por encantominha dor se vai emborapois estas trovas que eu cantosão feitas... como quem chora...

De mãos dadas corri as lembrançascom o mar, com a noite, com a lua,faço versos, como as criançasfazem ciranda na rua...

Filosofia I

Você quer mesmo sabercomo a vida se levar? Pois é... primeiro viver...e depois... filosofar...

Diz que é rico... Pode ser...Mas pode ser que não seja...Ser rico é apenas poderfazer o que se deseja...

Nessa eterna e dura lidarenasço a cada momentolavando as dores da vidano rio do esquecimento...

Onde o sonhar de outra idade?A fé que tive, e perdi?Hoje chego a ter saudadedaquele... que já morri...

Filosofia... II

Livre da dor, do desgosto,mais feliz o homem seriase assim como lava o rostolavasse a alma todo dia...

Paro, às vezes, num momentofeliz, que se vai embora,e enquanto o vivo, a perdê-lo,sinto saudades... de agora...

- Crê na vida! Eis o conselhoda esperança ante a desgraça:se a face fria do espelhode calor ainda se embaça...

Pobre alma triste e cativa!E há quanta gente como eua pensar que ainda está vivasem saber que já morreu!

Glória?

Minha maior alegriaminha glória humilde e nuaé ver a minha poesiafazer ciranda na rua...

Por certo que me comovo,nem glória existe maior:ouvir um poeta o seu povodizer seus versos de cor!

Gostar...

O que amargura e desgostae nos dói mais profundamenteé quando ao gostar, se gostade quem não gosta da gente...

Graça

Meu Deus,por que ser difícil?

É tão fácil cantar: basta abrir a boca.É tão fácil amar: basta entregar o coração.

E tão fácil chegar a janela, e ver a mesma manhãsempre diferente, como a mulher que desejamos...

E encontrar pela rua outras belezasdesarvorando nosso destino(como um vento inesperado),pela alegria de nos perdermos...

Tão fácil possuir o que tantos olhos esperdiçam:estas velhas arvores tão novas, dando pássaros,perfiladas, como em desfile, à nossa passagemacenando verdes alegrias.

E o mar em torno : sempre mar, sempre igual a múltiplo, desafiandotodos os marinheiros mortosque ressuscitamos no coração em cada dia como este!

E estas crianças que correm para amanha, tão hoje aindaem sua alegria,e que nos levam para longe e nos fazem cantar...

E estas ruas cheias, palpitantes,como veias abertas que latejam, com esse sangue vivoe coloridode tanta gentea circular!

Meu Deus,

por que ser difícil?

Por que não apenas andar, olhar, amar, respirar?Sim, respirar... viver,sem maiores complicações, por essa infinita graçade apenas cantar... sonhar... ser!

Gula

Dia de aniversário: a casa em festa. A gentea namorar no armário o bolo imaculado...Que suplício esperar angustiosamentea hora em que ia ser finalmente cortado...

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Ah! o olhar do garoto, a olhar gulosamentelá na curva, onde o rio é fundo e sossegadoo corpo da cabocla a surgir de repente,nuzinho como um fruto! e bom que nem melado!

Defender tal “pecado”, em verdade não ouso,mas condenar também, às vezes, desconcerta,pois confesso que a gula é um pecado gostoso...

Depois... Quem poderá dizer que está pecandoa criancinha ao buscar com a boquinha entreabertano aconchego do colo... o seio sazonando?!

Introdução e cantiga para Valão do Barro

Quarta-feira, dia 26 de julho de 1961,tomei um banho de Brasil,um banho de pó e de lembranças.

(O ônibus rodava pela estrada de terra:era um “cometa” deixando no ar uma cauda de poeira.)

- “É aqui. Num qué chegá um pôco?- Fica pra outra veis.- Intão, boa viagem. Vá cum Deus.- Té a vorta. “

Meus Deus, a minha infância!Carro de bois na estrada, carregado de cana,moleque de pé no chão acenando pra gente.

Um enterro passando, (o enterro mais alegre do mundo)caixão vestido de chita estampada, como moça que vaipro baile.Quatro crioulos carregando, dançando, correndo,(o chão pegando fogo!)- tinham pressa de levar o defunto pro céu.

(Mais atras, dois cavaleiros,todos dois chapéus na mão,e um terceiro sem cavalo:era o que ia no caixão...)

Currais na beira da estrada, bois pachorrentosruminando o tempo,o touro cheirando a novilha sem nenhum respeitopelas “donas”, do ônibus, assistindopelas crianças espiando.

Cheiro bom de cana espremida, cheiro doce

de garapa escorrendo na moenda,um hálito acre de tachada de mel fervendo,- bafo de engenho!

Meu Deus, a minha infância:bois mugindo, ruminando,porteiras velhas rangendo,currais, a terra manchando,moendas de cana, gemendo,carreiro agitando no ar o espigão,mulher de saia enganchada no lombo do cavalo.

Goiabeiras; goiabeiras!e ainda existem goiabeiras!

IIValão do Barro não tem nenhuma rua calçada,não tem cinema,não tem clube,não tem televisão,não tem estaçãozinha de trem...

Mas Valão do Barrotem moça bonita como qualquer lugar:vi uma na janela, de costura na mão,e outras na rua, calças justas, “blue-jean”,(a juventude transviada chegou de ônibus a Valão do Barro. )

Valão do Barronão tem nenhuma rua calçada,nem praça bonita com coreto,nem sei se tem prefeito.

Valão do Barro é de barro mesmo.

Mas tem uma igrejinha branca que a poeiranão consegue encardir,e uma pracinha de árvores desalinhadas pisando nos canteiros,aconchegando densas ramagens como grande xale,e cochichando em grupos, como comadres.

Valão do Barro não tem estaçãozinha de tremnão tem cinema,só tem padre duas vezes por semana, para arrumar as vidase os corações,e tem sempre mangueiras carregadas de sombrasnos quintais...

Ah, mangueiras, mangueiras!E ainda existem mangueiras!

- Que farão as moças de Valão do Barro?

-- Farão meninos como todas as moças,meninos que estão na rua correndo,meninos que estão espiando os passageiros do ônibus,meninos que um dia serão homens e mudarão, quem sabe?o nome de Valão do Barro pra Valão do Asfalto.

Quarta-feira, dia 26 de julho de 1961,tomei um banho de Brasil!

Estou alegre. estou limpo,porque me encontrei,estou triste porque sofri,porque me lembrei.

Irmã chuva

Irmã chuva, com teu manto de cor cinzateus olhos embaciados,teus gestos mansos,solidária com as nossas tristezas e as nossas fadigas...Que acaricias o nosso tédio com teus dedos molhadose embalas nosso coração sussurrando baixinhodoces cantigas...

Irmã chuva, que pareces ter pena de nós,velando por nós através das vidraças,que até choras por nósque não sabemos chorar,e tão suavemente à nossa portapassas...

Irmã chuva, que sempre vens quando ficamos doentesde solou de alegrias,exaustos de verão e de calor,e que com teus gestos suaves e compressas friasalivias nossa fronte ardentee adormeces nosso amor.......................................................................................................

Irmã chuva... Que bom teres chegado, assim tão calma,parece que adivinhaste a aflição da minha alma...Ainda bem que, mansamente, e inesperadamente,vieste me ver...Irmã chuva, que aconchegas o coração da gentee cantarolas para a gente adormecer...

Lembrança da Mãe Preta

Mãe Preta... Em versos, cantando,fiz teu perfil em dois traços:- és a ternura embalandoo amor, criança, em seus braços.

Partilhando sem protestoteu leite... e teu coração...unias num mesmo gestoo amor... e a abnegação...

Mãe Preta... Que bem nos fazlembrar-te o vulto ainda agora,Mãe Preta, dos nossos pais,mãe das mães brancas de outrora...

Simbolizando a belezado mais branco e puro amor,ó Mãe Preta, és, com certeza,Nossa Senhora de Cor...

Mãe Preta, um anjo bendito,velho anjo protetor...Irmã de São Benedito,babá de Nosso Senhor!

Madrigal à Bahia

A qualquer de nós é dadoser baiano, bem ou mal,pois a Bahia é um estadode espírito, nacional!

Só por milagre eu porianuma quadrinha somentea beleza da Bahiasua terra e sua gente.

Tem tal encanto a Bahia,tais magias ela tem,que quem a conhece um diafica baiano também.

Bahia de hoje, como ontem,santeira e crente até o fim:- do Senhor dos Navegantesdo Senhor do Bonfim.

Bahia dos tabuleirosdas baianas, das babás,das velhas Sés, dos mosteiros,dos telhados coloniais.

Bahia de mil petiscos:caruru e mungunzá,caju, cachaça, mariscos,acarajé, vatapá.

Dos quitutes e quindins,das festas e foguetões,dos santos e querubinslevados nas procissões.

Bahia sempre gostosa,mais doce que velho vinho,que ainda resiste, famosa,no Largo do Pelourinho.

Bahia de D. Joãodo Visconde de Cairu:- moleques de pé no chãoescravos de peito nu.

Do Brasil engatinhando,subindo pelas ladeiras,dos sobradões modorrandosobre a algazarra das feiras.

Das cadeiras de arruar,das carruagens, dos nobres,dos ouros em cada altar,das pratarias, dos cobres.

Bahia da liberdade,de Castro Alves, seu condor,onde a palavra saudadeé negra! - tem outra cor!

Bahia da inteligência,de suas glórias ciosa:da cultura, da eloqüência,Bahia de Ruy Barbosa.

Bahia da independência,contra a opressão e o esbulho,da revolta da violência,Bahia do 2 de julho!

Com o leite branco das pretastornaste a pátria viril,e hoje flui das tuas tetaso “ouro negro” do Brasil.

Bahia, velha Bahia...

Bahia nova também:patrimônio de poesiaque a pátria guarda tão bem.

Bahia dos meus amores,de trovadores aos mil,de violeiros, cantadores:“romanceiro” do Brasil!

A trova já nasce feita,e rima até com poesiase a Bahia é a Musa eleita,se a inspiração é a Bahia!

Bahia dos doces ventosque sopram velas no mar,dos coqueirais sonolentosde curvas palmas pelo ar

Qualquer coisa da Bahiatodo brasileiro tem,se até o Brasil, certo dia,nasceu baiano também!

“A Bahia é a boa terra”,repito nos versos meus.e a voz do povo não erra- sua voz é a voz de Deus!

Ladeiras, praias, coqueiros,igrejas, lendas, poesia,- Cais do Mercado: saveiros...- Natal da Pátria: Bahia!

(- A última quadrinha deste Madrigal à Bahiafoi a trova vitoriosa num concurso promovidopela Casa da Bahia, do Rio, em 1959.)

Mãezinha

(Poesia para recitativo infantil)

A coisa melhor da vidaao nascer me aconteceu:- foi a mãezinha queridaque, por sorte, Deus me deu!

Procuro ser obedientefaço tudo que ela diz,pois quero vê-la contente,sempre orgulhosa e feliz.

Agora, eu sou pequenino,mas quando um dia eu crescervou zelar por seu destino,vou cuidar do seu viver...........................................................................Foi bom eu nascer menino,pra mãezinha proteger.

Manhã de Deus

(Passeio pelas matas Friburguenses)

Por estas densas matas, povoadasde silêncios e sombras, de mistérios,de águas livres e puras, sussurrantes,ainda há um ar de Criação... de Paraíso.

Por estes chãos sem trilhas, entre résteasde sol pintando em luz a tela úmida,entre águas, tinhorões, pedras e liquensas pegadas de Deus ainda estão frescas.

Deus passou por aqui, talvez há pouco:sua sombra ainda envolve estes silêncios,sua luz, põe vitrais pelas folhagens,sua voz ainda escorre nestas águas.

Sua presença se percebe aindanesse ar inicial, solene e intenso,nesse ar de antemanhã, quase alvorada,antes da vida despertar, da luz.

Sua presença se percebe aindaEm rumores difusos, em sussurros,que dão palpitação à terra e à mataantes dos cantos, do rufar das asas.

As pegadas de Deus ainda estão frescasseu hálito ainda embaça a terra e o espaço,e para os animais e as águas livreso homem, parece, ainda não foi criado.

Mãos...

Como aves desarvoradasdepois de roteiros vãostuas mãos vieram, cansadas,se aninhar em minhas mãos...

Há momentos... Acontece...Puro, o amor pode ficar,como duas mãos em prece,esquecidas, a rezar...

Quando é maior o carinhoàs vezes, tenho a impressãode que conversam baixinho...tua mão... em minha mão...

Meninazinha da Serra

(À estaçãozinha de Teodoro de Oliveira,no alto da serra de Friburgo.)   

Meninazinha triste do alto da serra,com seus pés descalços, sujos de carvão,com seu vestido de nuvens,tiritando de frio,seus olhos nevoentose seus cabelos ásperos de invernos e de ventos...

Meninazinha triste do alto da serra,que olha com melancolia o trenzinho parar,o trenzinho que chega cansado, bufando, apitando,a sineta badalando dentro do nevoeiro, a avisar, a avisar...

Meninazinha triste do alto da serra,entre cinzentas montanhas,numa paisagem irreal, sem sonhos a alegrias...Com seus olhos molhados, sempre baçoscomo as vidraças do trem nas noites longase frias...

É assim, no entanto, que eu gosto de ti,com um raro sol conta-gotas a pingar claridadefugidia,como um doce fantasma cuja presençanão assusta as crianças...e te enche de poesia...

Meninazinha de pés tão sujose olhos tão tristes,tão tristes...Depois que me vou, a te deixo perdidaentre nuvens, sozinha, tranqüila, esquecida,

às vezes penso que tu nem existes...

***

- Hoje não existe mais a estaçãozinha de Teodoro de Oliveira.O Governo retirou os trilhos da antiga Leopoldina,e não há mais trens para Friburgo. JG.

Meu automóvel

Já tenho meu automóvel,estou cada vez mais longe da Rússia...Vou buscar a paisagem, basta estender a mão,ela agora é um livro na minha estante.

Agora poderei ler melhor as estradas, as montanhas, as árvores,oh, as árvores ! minhas amigas que sempre debruçam sombrassobre meu caminho,poderei ler as águas que escrevem no chãoa sua música, que se compõe a se desmancha ininterruptamentenuma alternância de efêmero e eterno.

Agora poderei ler as montanhas: já não serão inacessíveis,não ficarão no horizonte, não me acenarão a distancia   seus lenços brancos, inconstantes, etéreos,vou encontrá-las e percorre-las, e meu automóvel há de acariciá-lascom um amoroso e deslumbrado estremecimentopelas suas curvas estradas, devassando-lhes os mistérios...

Agora poderei ler todos os poemas que o mar escreverpelas areias brancas das praias:- as amplas praias brancas, como acenos de Deus,ou as pequenas praias das curvas enseadascomo acenos de mulher...

Agora, quando o tédio bater a minha porta,às vezes invencível, asfixiante, derrubando-me inútil em meus nervos,em nocautes cada vez mais freqüentes,meu automóvel será a espátula milagrosa e providencialcom que abrirei os livros das mais imprevistas paisagense gravuras,cheios de histórias e gentes,roteiros para ansiadas aventuras,

quem sabe se diferentes?

(Permanecerão tentações apenas as ilhas,todas as ilhas, longe, nos horizontes, sem pontes...À espera de helicópteros...

Nesse momento, entretanto, em que me aposso da terracomo duma mulher que já não se cobre,que resta alguma coisa ainda por conquistar:- as ilhas, pura imagem do sonho.)

Merece este poema o meu automóvel.Confesso que nunca o imaginara, nunca fizera parte de meus planos,talvez o julgasse inacessível, como um alto cume de montanha.

Entretanto, construi-o devagar, peça por peça, sem saberque era um automóvel,e um dia, de repente, ao junta-las vi que era um automóvel,que eu também podia ter um automóvelembora não o recebesse como tanta gente, pronto, pré-fabricado.

Nunca fizera parte de meus planos, nunca fora esperado sequer,mas de repente, descobri que eu também poderia ter um,construído sem saber, apenas com idéias, palavras,material do meu trabalho de cada dia,e por isso, só eu sei o quê, além de meu corpo,ele levará sobre as suas quatro rodas.

Ja tenho o meu automóvel   estou cada vez mais longe da Rússia,(ou não?)

Quem sabe se, algum dia, eu e todos os homenspoderemos chegar até a Rússia de automóvel?

Momento humano

Há um momento(ao mesmo tempo simples e dramático)na vida de uma grande cidadeem que a gente chega a acreditar na humanidade

- é quando em meio ao burburinho das ruasos carros se afastame o povo abre caminhonum mesmo impulso de solidariedade,sem discrepância...

... E se ouve o silvo angustiadoe apressadode uma ambulância...

Moral zero

Estranho, estes dias em que a vida é uma coisainútile nada justifica a nossa presençana alegria... ou na dor...

Nada... nem mesmo o amor...

Mulher grávida

Aquela beleza,aquela que fica para além dos olhos,que independe de formas,está em teu corpo.

Durante nove mesessilenciosamenteDeus trabalhaem tuas entranhas

Durante nove meses,- laboratório de Deus -és um milagre acontecendoem todas as suas fases.

Aquela beleza,aquela que fica para além dos olhos,que as mãos não modelam,que os homens não sabem,que as crianças não percebem,está em teu corpo.

(Não a beleza externada flor,mas, a recôndita,da raiz;não a beleza do adjetivo,mas a beleza do verbo.

No começo, era o Verbo.)

Até que, de repente,Deus se revela em ti como um novo dia!

Então

não és apenas mulher, és símbolo, universo,estrela...

E ao ver-te, (e ao vê-la)te sigo como o pastorna direção da alvorada,me curvo como o lavradorsobre a terra já semeada,me ajoelho como o crenteante a imagem venerada,me comovo como o Poetaao olhar doce da amada.

Prosterno-meante a mais simples e inéditade todas as belezas(que importa se infinitas vezes repetida?)- e, humilde e ignorante,(a alma por um mistério inefável, possuída,)feito rei e pastorme maravilho,ouvindo a Vida cantarno choro de teu filho!

Nas noites frias

   Nas noites frias,embarco em minhas lembranças...

Lembranças que me levam aos cabarés de Leandro Arlen,numa velha Buenos Aires, que nem sei mais se existe,sob as arcadas sem luz, os tangos quentes,os vultos dos marinheiros,os navios à distância...

“ ... amores de estudiantesflores de un dia son...”

Aos cafés fumarentos do Havre e de Anvers,ao frio da Mancha, impregnado de mara gelar os ossos,e os grandes copos quentes de cafécom seus hálitos fumarentos, a nos aqueceremas mãos e o coração...

As tascas lisboetas do Bairro Alto,- a Mouraria, com seus trinados de guitarrae seus fados lamurientos,o vinho espumando nos copos junto as grandes pipas;as “bródias” pelas madrugadas de Coimbrade capa preta aos ombros, declamando poemaspara embalar os sonhos do Mondego...

As castanhas quentes nos bolsos, compradas nas carrocinhasnaquela noite fria de Vigo;as alegrias de braços dados, das noites de Berlim,com a Linda “fraulein” do Werthein, que punha Beethovennos joelhos na Philarmonie,e ria depois nas bocas dos canecos de cervejae tinha doces rosas nas faces, como copos de “Johanesbeer-wine”.

As noites friasme levam para portos distantes,para cidades - que ficaram nos mapas lendáriosda minha adolescência,quando, sem ancoras, fui vagabundo;me levam aos cabarés, aos cafés, aos hotéis de portas rodantes,onde os homens são sombras de cachecolcom hálitos fumacentos,e as mulheres tem olhos azuis, brancas mãos,e falam inteligíveis ternuras nos idiomas mais estranhos.

As noites friasdesnacionalizam meu coração...

Me carregam para longe,para tão longe, - que nem me reconheço maisque nem sei mesmo se estas paisagens embaciadassão a minha vida,ou lembranças de uma outra encarnação...

Nem sei mesmo se esse vulto que percebo a distancianuma esquecida história,sou eu mesmo(pobre fantasma de um marinheiro mortoa vagar pelos vazios conveses da memória...)

No meu carro

No meu carro vou tranquilo   tendo a estrada sombra ou luz,pois bem sei que ao dirigi-lo:eu  dirijo ...  Deus  conduz...

No Soberbo...

(Em Teresópolis)   

Camarote de Deus, no alto da serra!Aos nossos pés, como cachoeira verde,as encostas despencam pelas faldasdas montanhas, - imensas esmeraldas!

É um púlpito do Soberbo! E Deus nos falada altura destes picos silenciososque ao sugerirem órgãos gigantescosenchem de acordes musicais o espaço!

Sobre o infinito azul, em riste, ereto,eis o “Dedo de Deus”, num gesto altivode quem impõe silêncio aos circunstantes

para que todos possam deslumbrados,assistir ao espetáculo de Deusrepresentando a sua própria Obra!

Nosso dia...

Um dia qualquer...banal...

De um dia assim, quem diria?fez o destino afinal...o nosso dia...

Num Bar

Amigos!... Quero erguer o meu copo um segundoa esta hora... que ela existe, a esta presente, e é certa!Um brinde ao nosso encontro... ao nada, que é profundo, ea noite, sem amor, que vai alta a deserta...

Pra que filosofias vãs? A vida é incerta...A bebida é o prazer... Que importa de onde oriundo?- É essa fuga em que a gente encontra a porta abertae sai, como se fora um rei, senhor do mundo!

Um brinde a essa ilusão que nos faz livres, puros,sem a falsa razão das grades rotineiras,de copo à mão, saltando sobre os altos muros...

E aos bêbedos... irmãos franciscanos, - irmãosdialogando com a noite, - imagens verdadeirasdos nossos próprios sonhos trôpegos e vãos...

Nunca morrer assim...

Nunca morrer aos poucos, devagar,(a Vida a se extinguir como um lamento)- sem mais nada fazer do que esperarque a brasa esfrie sob o frio vento...

Nunca morrer assim... ao sofrimentoque, como um polvo de insondável mar,nos abraça e nos tolhe ate o momentoem que, não mais podemos respirar...

Morrer, - por certo ! – em pleno vôo, em plenoprazer, sem medo e dor, forte e sereno,num tropeço imprevisto de quem corre,

como a criança que cai, a rir, contente,como a luz que se apaga de repente...- Morrer assim, sem se saber que morre!

O galo branco

De repente,na noite escura,molhada e nua,noite sem lua,meu passo estanco...Junto a um telhadonegro e orvalhadoque havia em frente,no alto de um muromisteriosocomo o futuro,um muro negro,um muro brancona madrugadaainda velada,surgiu um galo- um galo branco.

Branco e imponenteno alto do muro,peito estufado,batendo as asas,jogral da noiteantes do fim,- sobre os telhadosquietos das casasvibrando as notasdo seu clarim!

Depois .sumiucomo surgiuna noite escurasobre o telhadonegro e orvalhado,levando a noite,

levando o canto,- mais do que o canto,levando o espantomudo, parado,deste meu cantodesesperado...

O Gaúcho

É o bravo campeador do pampa imensoque seu pingo tordilho doma inteiro...- Eis o gaúcho! E ao vê-lo altivo, - eu pensoque é como um D. Quixote brasileiro!

Na alma e no coração leva um pampeiro...Botas, bombachas, chapelão, e um lenço...E quanto mais o observo, sobranceiro,dos seus lances viris mais me convenço!

Um coração a arder no peito largo...(Ó doce "prenda minha"! - uma tetéia!)E a roda, em comunhão, do mate amargo...

Seu mundo é o Rio Grande... Ó maravilha!O amor é um entrevero, uma peleia,a vida, - um disparar pela coxilha!

O mar... o amor...

Nada como o marem sua imensa unidade,para simbolizaro múltiplo, o complexo, a variedade

Eis o mar!Apenas um marem toda a sua grandeza,mas que infinitas faces, que belezasem par!

Calmo e profundo,claro e transparente,palheta de mil matizes de verdes e azuis,é um mundo à parte, misterioso mundodiferente,que nos empolga e seduz!

Sereno e tumultuário,imenso, profundo, vário,agora, em cantos de ninar,depois, rugindo, ameaçador...

Eis o mar!

E como o mar:só o amor!...

O óbvio

Por que casarmos, Senhora?Vivemos tão bem os dois...- Já não fazemos agorao que faremos depois?

O outro Natal

Quando o seu filho choroulá no quarto do Hospital,ele, exultante, pensou:- Eis “meu dia de Natal!”

O Poeta... a Poesia

O poetaé um prestidigitador:faz mágicas com a vida.

Transforma águaem vinhopara a embriaguezda beleza.

Minha poesiaé como a águaque corre no chão.

Água(turva ou transparente)onde me vejo, às vezes, refletidoinadvertidamente...

(Alegriaé apanhar no chãoa água da minha poesiaa correr,e dar a quem tem sedeno coração,para beber...)

O seringueiro

Andarilho da florestaonde um dia se perdeu,ele só é o que lhe restade tudo que Deus lhe deu...

Os dois choros

E de repente se encontravamos dois extremosde uma mesma teia,- ali estavama Vida e a Morte,parede-e-meia.

(No dia 10 de junho de 1961, J. G. velava, com parentes, na Capela do Hospital dos Marítimos, o corpo de seu cunhado e amigo ManualPereira  Rego, quando,  imprevistamente, numa dependência ao ladonasceu uma criança, cuja mãe tinha sido recolhida em caráter excepcional,pela Ambulância do Hospital. Este poema foi escrito nessa ocasião.)

Os sinos

Os sinos, em badaladas,são, na hora da Ave-Mariataças de bronze emborcadasque entornam melodia... 

Pergunta de Natal

... E a criança paroue perguntoudiante da rica e imensa catedral:

- Mamãe,por que é que o Jesus que mora nesta igrejanão convida pra vir morar com eleo Jesus do Presépio de Natal?

Poema às Irmãs de Ana Nery

A Vida é a sua missão... A Vida que vacilaas vezes, como trêmula chamasem ar...

E ela ali está, com suas mãos em concha, em prece,a proteger a pequenina chama que parecequerer se apagar...

Silenciosa e grave, lírica e dramáticaem sua humildade,desliza entre máscaras trânsidas de dorcomo um aceno de felicidadeao desespero humano...

(A branca paisagem de gemidos e angústiasé o seu cenário cotidiano. )

Cronometradamente se movimentaem seu mundo,como se os leitos fossem os números de um imenso mostrador,e ela, - um ponteiro atento, a marcar cada segundode alivio ou de dor.

Vigia de sofrimento, seu gesto pronto e constanteenxuga o suor, coloca a sonda, tire a febre, ajeita o travesseiro,aplica o soro,reza um terço,- dá o banho no homem inútil (sem sexo, por semanas e meses)às vezes, simplesmente um ser humano em suas mãos,- como uma criança num berço.

Está sempre presente, imperceptível, até mesmo no sonoou na inconsciência,com solicitude e presteza,no cuidado que vela, na agao que protege, na providência

salvadora,atenta como uma luz sempre em vigília, acesa...

Sua presença é uma lívida alvoradana noite do medo ou da angústia, quando a vidaé um quase-nada...

Branca a macia, a como um lençoque enxuga o pranto (de dor ou de alegria),- como uma asa no céu que traz paz e esperança,- como a terra, no mar, a acenar alegriae segurança...

Pequena a frágil, em sua luta silenciosa,possui ignoradas forças para a mais desproporcionalde todas as batalhas;e sozinha, (com a coragem dos heróis, o desprendimento dos santos,)enfrenta e vence a morte, tantas vezes,sem alardes de gloria,sem algazarras triunfais,sem prêmios e medalhas !

Não conhece repugnância nem temoresse esta em jogo a existência;sentinela de guarda, da paciência,em seu branco uniforme de Noiva da Dor,sua missão é a mais bela jamais conhecida:

- dar conforto e alegria, alívio, esperançae amorà Vida!

Poema do até-logo

Bem, amigos, com licença,vou andando,- vou continuar a viver...

A noite já vai alta, vai clareandoe não tarda a ofuscante presençado amanhecer...

Até-logo. Voltareiquando menos se esperar,- voltarei qualquer diapara continuar a contarminha poesia...

Portugal

Portugal, que, num segundoda História, - do “era uma vez”fizeste do mar - um mundo!E o mundo - um mar português!

Portugal de D. Dinizque em seus pinhais, em Leiria,plantava naus que, felizo Infante Henrique, colhia!

Araste o Mar - tuas velasabriram caminhos novos...Teus grãos - eram caravelas!E as colheitas - eram povos!

Portugal que, sobre-humano,(talvez nem mais acredites!)fizeste do mar: Oceano!E o Oceano, sem limites!

Portugal que, dimensõesnovas deste à Geografiae lançaste os teus “padrões”além da História que havia!

Não és só saudade e Históriafeitos desfeitos, sem voz...Se o mar é um ontem de glóriateu amanhã - somos nós!

Postal de Natal

Que Papai Noel se lembrade multiplicar por mile pôr em seu coraçãotudo o que Você pediu!

Praia minha

Nesses dias de chuva a praia é minhao mar é meu!

Eu só, venho à orla do marpara conversar.

E nessas tardes nevoentas de vento e de chuvao mar sombrio a triste parece que se humanizae quer também se comunicar.

Os homens passam longe, nas calçadas molhadas,os automóveis distantes, são estranhos animaisdeslizando velozes.

Raros e exóticos banhistas partilham comigo(na Praia que cresceu vazia e enevoada)as vagas, mansas vagas, que em arrulhos de gatavem rosnar aos meus pés...

Como é bom andar sozinho pelas cinzentas areiascom a estranha sensação de que tenho na boca, salgado,o gosto da liberdade,e ficar assim a olhar o mar, um mar sem espumasna praia da noite...

Bem que percebo os olhares surpresos de alguns(transeuntes friorentos, aconchegados...

Sigo só e feliz.

Vou a praia nessas tardes, antegozando a sua possecom um exclusivismo de amante e apaixonado.Nesses dias, meu dialogo com o maré tão claro, é tão puro,que eu posso ler seus poemas rabiscados

na areia e declamar para ele os meus poemas, de cor...

Nesses dial de chuva a praia a minha!O mar é meu!

- Que beleza!

Professor...

Ó trovador professorde poesia popular,com tuas trovas de amoro povo aprende a cantar.

Quatro Sonetos ao Soneto

IO soneto é uma taça de cristalque o Poeta - esse artesão de sentimento –trabalha com paciência sem igual,para sua alegria e seu tormento!

Misto de Vida e sobrenaturalo impele a esse trabalho num momento,- e o amor, e a morte, e o sonho, e o bem, e o mal,são a causa do seu cometimento.

O soneto é essa taça onde derramatoda a sua alma, - em risos ou em prantos –quando sofre, deseja, anseia, ou ama...

Ó taça misteriosa de ambrosias!Quantos de ti se servem, com seus cantos,e, entretanto, tu nunca te esvazias!

IIFino frasco de forma nobre a purae ao mesmo tempo taça de cristal,- onde a vida, em beleza se emoldurae canta como um órgão musical.

Em transe, o Poeta sempre te procurapara desabafar, sentimental,seu pobre coração que se amarguraou seu canto de amor belo a triunfal.

Cabe em ti, tudo quanto em nós palpita,tudo quanto se sonha ou se concebe- a finita emoção, a alma infinita...

Vinho de uva da Vida que se pisa,- és, a um só tempo, a taça em que se bebe,e o frasco em que a beleza se eterniza!

IIIEscadaria e templo da Beleza!Por teus degraus, em penitência, quantostentaram com seus versos e seus cantos,conquistar tua estranha natureza.

São catorze degraus, - de desencantose sonhos, - de alegria e de tristeza, -e a alma subindo, e cada vez mais presa,despojando-se aos poucos de seus mantos.

Templo de anseios ! Partenon da Vida!Por teus degraus, as almas, em subida,te exaltam nos ofícios mais diversos...

Eis que também cheguei - como um Rei Mago,e o coração de um poeta é o que te tragono culto fiel destes catorze versos!

IVMisto de Partenon e Catedralpor dóricas colunas sustentado;templo de mil imagens, trabalhadocom o mais nobre, e o mais puro material.

A palavra é o seu sino e o seu vitral,o mármore em que deve ser talhado, -e a inspiração - o doce sopro alado,“fiat lux” do espirito imortal!

Templo de minha crença e de minha Arte,também eu te construo, e me prosternoe me ajoelho para celebrar-te

com a minha fé e as minhas heresias,

e aos pés do Amor, que é o Deus único e eterno,rezo magoas, desejos e alegrias!

Quem calcula?

Ao ler uma bela trovadepois que pronta ficouquem calcula a dura provapor que o Poeta passou?

Quem canta...

I“Quem canta os males espanta”Disto, afinal tenho a provapois meu sofrer hoje canta e se desfaz numa trova.      

II“Quem canta os males espanta”é assim que o ditado diz,    mas em mim a dor é tanta que eu canto e não sou feliz! 

Questão intrigante

A gente vai se amando, vai se amandoe quanto mais o amor vai se gastandomais o amor se tem pra gastar...

- Como é que pode?

Quanto mais o amor vai se gastandoo amor vai aumentando...Quem pode explicar?

Resposta

Como um pombo-correio de asas cansadasdepois de longa viagem,tua carta singelapousou na minha mesa...

Respondo à tua mensagem...Que estes versos possam  chegar a tua janelacomo um canto de pássaro, numa manhã de sole de beleza...

Retrato de Família (Lado materno)

Históriade bisavó Francisca(a que tinha 24 irmãos)- que ouvi em casa de meu avô.

Retrato na parede da memóriaque o tempo desbotou;

(Ó caudalosos Caldascuja história é um começo da minha... )

Lembrança de vovó Zizinhaque foi Caldas e Gonçalvesem S. Fidélis,e Tinocoem Campos, Macaé e Botafogono Rio de Janeiro,(seu pouso derradeiro...)

Vovó Zizinha(que foi minha madrinhae está na minha infânciana Rua Clarice Índio do Brasil),que amou Tinoco, que viveu Tinoco,e mansamente Tinocose despediu............................................................................

S. Fidélisde tantos parentes,distante serrania(tal como Bela Joana e Itacolomi),onde se encontram as nascentes

do que fui, do que soue do que afinal venho sendo até aqui...

S. Fidélisuma história repetida,- uma lembrança,vago horizonte azul da minha vidaaté onde a vista alcança...

Retrato de Mãe

(Paráfrase à um soneto de Constâncio Alves)

Por caprichos do tempo, quem diria?- ele, que já se sente velho, agora,olha sem querer para a fotografiaem que ela lhe parece como outrora...

Tão cedo ela se foi... Daquele diauma vaga lembrança se descora...Ficou apenas a fotografia,e a saudade que o segue vida a fora.

Encontrando-a, no entanto, moça e bela,com aquele mesmo olhar sereno, e aquelaexpressão que do rosto não lhe sai,

sente a ironia cruel dessa mudança:- ela, que é sua mãe, ficou criança,e ele, hoje, é que parece ser seu pai!

Rico e pobre

Rico é o homem que neste dia de soldiante do céu imenso que acena nuvenssobre a montanha,pode sair em companhia de seus pés,sem outro pensamento que o da paisagemque o acompanha.

Pobre sou eu, que aqui estou inanimadodiante da paisagem pendurada à janelacomo uma fotografia,lançando sobre as teclas as sementes que deverão ser a colheitado pão de cada dia!

Pobre sou eunesta íntima agonia,diante do sol, diante do mar, diante do céu,inúteispara a minha alegria!

Rio: sempre Capital

   Como hei de falar de ti,sem que me ocorra a poesia?Rio: poesia-mural.

Ó cidade das cidades,que, com suas claridades,à noite, é um polvo de luznum aquário tropical,e, ao sol, ao clarão do dia,é uma flor descomunal!

Ó cidade das cidades!Rio: sempre capital

Vá o Bandeira pra Passárgada,o Cassiano pra Brasília,vá pro inferno quem quiser!Eu, não! Eu fico onde estou!Na cidade mais bonitaque o homem fez e Deus criou:- e aqui que meu corpo sofre,- é aqui que minha alma habita,- é aqui que eu amo e que eu sou!

Eu fico aqui no meu Rio,meu Purgatório e meu Céu.Rio apenas, de Janeiro,mar, de Janeiro a dezembro,que em lindas praias se assanha:Rio negro, Rio branco,Rio carioca, estrangeiro,Rio mesmo brasileiroe ate mais: universal.O meu Rio de Janeiroque corre trezentos dias

seus enganos, suas magoas,pra desaguar suas águasnos três dias de alegriado Oceano do Carnaval!

Eu fico aqui no meu Rio,“cidade maravilhosa”,- como quem sofre, quem goza,com seus bens, suas mazelas,seus mangues, suas favelas,“café soçaite”, gafieiras,seus subúrbios, Paquetáe o tal luar, como aqueledo Catulo Cearense,“que igual no mundo nao há”.

Rio, imensa Babilônia,Tijuca, Meyer, Mangueira,Castelo, Copacabana,domingos de mar e sol.Maracanã, futebol.Rio “caixa-alta”, bacana.Municipal, muita grana,que usa gravata e chapéu.Rio dos morros, cantando,que sobe a desce sambando,Rio mais perto do céu.

Sair do Rio? Bobagem!Saia daqui quem quiser.Eu, não ! Que eu sou cariocade coração e paisagem.- E que não fosse, meu Deus!Que terra há melhor que a nossa?Terra do amor e da bossa,feita pra gente chegar nuncapra dizer adeus...

Eu fico aqui no meu Rio- minha terra prometida –minha esperança, meu “norte”,

o meu Rio que “é de morte”mas onde eu quero viver,o meu Rio, minha vida,mas onde eu quero morrer!

Rotina

É pena que não aconteça nada em nossas vidas

Tenho certeza de que fariaum grande poema...

Saudade

(Visitando o velho casarão do internato do Colégio Pedro II,em São Cristovão, onde estudei, e que afinal foi devorado por umincêndio no ano de 1960. JG.)

Esta saudade imprevista, esta tristeza,este retorno, esta descida, enquantopermanecemos no hoje, presos, nus,redescobrindo aquele que já fomossem nos reconhecermos nunca mais;

esta morte, sem morte, descarnandoem pensamento e em alma, no que fui,este voltar a ser o que antes eracom essa vaga impressão de que não fui;

essa emoção que nos descalça a almae a deixa solta, a vagar, sem corpo, ao léu,e nem se reconhece ao se encontrarno que deixou de ser, mas permanece;

este imprevisto nó, esta vontadede chorar sem saber dizer por que,agora sei seu nome: isto é saudade,saudade de ter sido, sem saber.

Ser Mãe...

1Quando todos te condenemquando ninguém te escutar,ela te escuta e perdoa,pois ser mãe - é perdoar!

2Quando todos te abandoneme ninguém te queira ver,ela te segue e procurapois ser mãe - é compreender!

3Quando todos te negaremum pão, um beijo, um olhar,ela te ampara e acarinhapois ser mãe - sempre é se dar!

Sobre a Trova

Ah! trova com que me enleio,tens um  gingado qualquerque lembra o banboleiodo corpo de uma mulher...

Solidão

Solidãoé de repente perceberque todos viraram multidãoe em meio às lembranças, sem rosto, desfiguradas,não conhecemos ninguém...

Solidãoé de repente compreenderque já não há mais tempo para nada,e que temos que terminar, assimcomo quem começa... do fim...

Solidão é imprevistamente estar órfãojunto dos pais,desamparado e triste quando os amigosriem a cantam,e o amor, aquele amor de sonho e sol,pesar nos braçoscomo um esquife...

Solidãoé de repente se olhar no espelhosem se encontrar,sem ver mais nada,como quem se debruça a uma janelaemparedada...

Sonata em cinco tempospara búzio e oração   

Solidão,inestimável companheira,traz teu silêncio para envolver-mee afagar-me...

Hoje, preciso de ti...Torna-me o faroleiro, sem família,no penhasco esquecidoonde nenhum barco chegou nem partiu...

Deixa que eu imagine horizontespara a minha convivência,converse com as nuvens e gaivotase me embale ao rumor das vagas em moto-perpétuo...

Dá-me a suprema paz desse tédio num alto mirantecomo um porto de Deus, sobrenadandotemporaise calmarias...

Sonetos para Maria Helena

Tu que por crenças vãs a Vida arrasase ante o espelho não queres ver quem és,que imagines viver abrindo as asase to esqueces de andar com os próprios pés...

Que transformas o Sonho num revésmesmo a acender o fogo em que to abrasas,e te algemas as mãos - as mãos escravascomo as dos prisioneiros das gales.

Tu que enganas a falar de alturascom as palavras mais belas e mais purase te imolas num gesto superior,

não percebes nessa ânsia de suicidaque nada há enfim mais alto do que a Vidaquando a erguemos num brinde - ébrios de amor!

IIQue importa o sangue quente se a alma a fria?Que importa haja no peito um coração,se a vida sem amor, sem alegria,sabe a clausura triste, a solidão?

Que importa exista o sol se não há dia,se a noite é cega, e é densa a escuridão?Que importa ser raiz na terra friase o ramo oscila nu, sem um botão?

Que importa a inquietação, a ânsia contidase não chegamos a colher a vide,se a vivemos sem ser, no singular.

Que importa esse alto sonho que a alma expande

se sem a Vida não há sonho grandenem vale a pena se poder sonhar!

(- Maria Helena: Poetisa portuguesa, com quem JGtem publicados dois livros:“Concerto a 4 Mãos” e “De Mãos Dadas”.)

Sorria...

Esperava tanta lutae tão pouco foi preciso:ao invés da força brutaele empregou... um sorriso...

Eis a arte de vivernum conselho dos mais sábios:às vezes, para vencerbasta um sorriso nos lábios...

Nem tanta coisa é precisopara evitar-se um revés...- Tão pouco... basta um sorrisoe eis todo mundo a teus pés...

Texto - Legenda

(Para uma fotografia publicada nos jornais, onde sevêem as ruínas de uma igreja, num terremoto do Chile,e uma criancinha a chorar ao lado de um homem ajoelhado.)   

Por que ele era um homem religioso,parou diante dos escombros da velha igrejae da criancinha órfã, a chorar entre os corposdos pais,

e protestou, numa alucinação:

- que estranho Deus iconoclasta é esseque arrasa os templos do seu próprio cultoe deixa ao desabrigo e ao desamparoa Criação?...............................................................................................

(E erguendo o olhar ao céu, como quem tudo arrosta,ajoelhou-se em silêncio, a esperar resposta.)

Três poemas à manhã

   I – ESPERDÍCIO

Hoje fiquei sem palavra- estatelado, mudo -diante da manhã.

Manhã clara e docecomo se houvessemelna luz do céu!

Como se o espaço fosse(ao ouvido ou ao olhar?)uma imersa colmeia,- e a luz um intenso zumbidono ar...

... Perdão, Senhor, se tentei buscar a palavrapara fixar um instanteda tua obra,se quiser ser Poeta nesse momento,nessa manhã que não cabia em meus olhose era um esperdício da criação:- um deslumbramento!

II - DESCULPA

Um rumor de água pura, de água de montanhacantadeira,toca música e liqüefaz violinosà distância...

Nas jardineiras das janelas,os gerânios são modestos enfeites

nume festa suntuosa.

Riscando o espaço, os pássarosdão asas ao azul!

O solé uma imensa cigarra de ouroe estridular no céu!

Senhor! Perdoai minha alma de poetaa sentir-se hoje fora de mim,irmã de S. Francisco!

Devo ter feito qualquer coisa de bompara poder sentir-me assim,- para merecer tudo isto!

III - AGRADECIMENTO

Abri a janelapara a manhã que me tomou de surpresacom a sua adolescente beleza,seu céu azul, esmaltado,e me deixei ficar, por um momento, em silênciodeslumbrado...

E só pude dizer finalmente,com a humildade de crente:

- Obrigado!

Três poemas prosaicos

I – POEMA PUBLICITÁRIO

A diferençaé que as mulheres traem discretamente...

E os homens:es...pa...lha...fa...to...sa...men...te!

II – POEMA CULINÁRIO

A mulher da genteé arroz com feijão.

A dos outros:maionese de camarão.

(Quanto aos do 9o mandamento:- azar!Ou não gostam de maionese,ou não tem paladar...)

III - POEMA DO POETA COM FOME

No fundo da noite brasileira,negra, como fundo de frigideira,ardendo ao fogo das estrelasque são centelhas, por todo lado,

o Dia

(que a tanta coisa afinal se assemelha)arrebentou no céu como um ovo estrelado.

E o Sol, - quem diria ?era uma gema vermelha,flutuandosadia,sã,na clara da manhãque vinha despontando!

Trovas de Natal

Natal! É sonho e vigíliaharmonia, amor e paz...Milagre! Toda família  se reúne uma vez mais...

Natal! E tudo parece     mais feliz, sem dor nem mal..- Quem dera o mundo pudesseser um perpétuo Natal!

Deus na terra... Eis o Natal!Repicam sinos... Festanças...Feriado nacional           no coração das crianças!

Ser criança no Natal,é uma alegria do céu...- mas a maior alegriaé a de ser Papai Noel...

Que alegria pode haverno Natal, com maior brilho,que esperar amanhecerno olhar em festa de um filho?

Nasceu Jesus! É o Natal!Nasceu apenas Jesus...Quando no mundo, afinal,há de nascer sua luz?  

É Natal... Com humildadefaço um pedido, em segredo:- que eu ganhe a felicidadenem que seja de brinquedo!

No Natal, mais que qualqueroutra dor, há uma, sem par:- é ter-se a alguém, que se quer,e não se ter... para dar...

Festa na terra e no céu...Só eu só... tão triste assim...- Quem dera Papai Noeltrouxesse Você pra mim!

Quem dera Papai Noeldescendo pelos espaçosme desse um pouco de céupondo Você em meus braços...

Neste dia belo e doce     de festa, - sentimental,   - quem dera que Você fossemeu presente de Natal!

Trovas reunidas

“A voz dos sinos”

Na vida, de vez em quando,em meio aos meus desatinospercebo Deus falandonas  brônzeas bocas os sinos...

“Borboleta”

Borboleta multicortu me lembras, ao passar,um bilhetinho de amordobrado em dois, a voar...

“Caridade...”

Tão boazinha, acenandointenções puras e nobres,distrais os ricos, brincandocom o sofrimento dos pobres...

“Carro de Bois”   Quem tais acordes te pôs nas rodas desengonçadas,ó  velho  carro  de  bois   sanfoneiro das estradas...

“Cartilhas”   Cartilhas do coração

onde o povo se iniciaos livros de trovas, sãoum ABC da Poesia !

“Coração”

O coração é onda feitapor que misteriosa mão?E o sonho? A espuma que enfeitao vai-vem do coração.

“Despedida...”

Tristeza é das mãos se unindosobre um corpo já sem vida,como que se despedindona última despedida...

“Filosofia”

Você quer mesmo saber como a vida se levar ?   Pois é... primeiro viver...e depois... filosofar...    

Diz que é rico... Pode ser...Mas pode ser que não seja...Ser rico é apenas poderfazer o que se deseja...

Nessa eterna e dura lidarenasço a cada momentolavando as dores da vidano rio do esquecimento...

Onde o sonhar de outra idade?A fé que tive, e perdi?     Hoje chego a ter saudade

daquele... que já morri...

Livre da dor, do desgosto, mais feliz o homem seria  se assim como lava o rostolavasse a alma todo dia... 

Paro, às vezes, num momentofeliz, que se vai embora,       e enquanto o vivo, a perdê-lo,sinto saudades... de agora...  

- Crê na vida! Eis o conselhoda esperança ante a desgraça:se  a  face fria do espelho    de calor ainda se embaça...

Pobre alma triste e cativa!E há quanta gente como eua pensar que ainda está vivasem saber que já morreu!  

“Glória?”

Minha maior alegriaminha glória humilde e nuaé ver a minha poesiafazer ciranda na rua...

Por certo que me comovo,nem glória existe maior:ouvir um poeta o seu povodizer seus versos de cor! 

“Gostar...”

O que amargura e desgostae nos dói mais profundamenteé quando ao gostar, se gosta

de quem não gosta da gente...

“Mãos...”

Como aves desarvoradasdepois de roteiros vãostuas mãos vieram, cansadas,se aninhar em minhas mãos...

Há momentos... Acontece...Puro, o amor pode ficar,como duas mãos em prece,esquecidas, a rezar...

Quando é maior o carinhoàs vezes, tenho a impressãode que conversam baixinho...tua mão... em minha mão...

“Natal”

Natal! É sonho e vigíliaharmonia, amor e paz...Milagre! Toda família  se reúne uma vez mais...

Natal! E tudo parece     mais feliz, sem dor nem mal..- Quem dera o mundo pudesseser um perpétuo Natal!

Deus na terra... Eis o Natal!Repicam sinos... Festanças...Feriado nacional           no coração das crianças!

Ser criança no Natal,é uma alegria do céu...- mas a maior alegria

é a de ser Papai Noel...

Que alegria pode haverno Natal, com maior brilho,que esperar amanhecerno olhar em festa de um filho?

Nasceu Jesus! É o Natal!Nasceu apenas Jesus...Quando no mundo, afinal,há de nascer sua luz?  

É Natal... Com humildadefaço um pedido, em segredo:- que eu ganhe a felicidadenem que seja de brinquedo!

No Natal, mais que qualqueroutra dor, há uma, sem par:- é ter-se a alguém, que se quer,e não se ter ... para dar...

Festa na terra e no céu...Só eu só... tão triste assim...- Quem dera Papai Noeltrouxesse Você pra mim!

Quem dera Papai Noeldescendo pelos espaçosme desse um pouco de céupondo Você em meus braços...

Neste dia belo e doce     de festa, - sentimental,   - quem dera que Você fossemeu presente de Natal!

Que Papai Noel se lembrede multiplicar por mil    e por em seu coração      tudo que Você pediu!     

Quando o seu filho choroulá no quarto do Hospital,ele, exultante, pensou:     - “Eis meu dia de Natal!”

“No Meu Carro”

No meu carro vou tranquilo   tendo a estrada sombra ou luz,pois bem sei que ao dirigi-lo:eu dirijo...  Deus conduz...   

“O Seringueiro”

Andarilho da florestaonde um dia se perdeu,ele só é o que lhe restade tudo que Deus lhe deu...

“Os Sinos”

Os sinos, em badaladas,são, na hora da Ave-Mariataças de bronze emborcadasque entornam melodia... 

“Postal de Natal.”

Que Papai Noel se lembrade  multiplicar  por  mil   e  pôr  em  seu  coração    tudo o que Você pediu!      

“Professor...”

Ó trovador professor      de poesia popular,          com tuas trovas de amoro povo aprende a cantar.

“Quem Calcula?”

Ao ler uma bela trova   depois que pronta ficouquem calcula a dura provapor que o Poeta passou?

“Quem Canta...”

I“Quem canta os males espanta”Disto,  afinal  tenho  a  provapois  meu  sofrer  hoje  canta e  se  desfaz  numa  trova.      

II“Quem canta os males espanta”é assim que o ditado diz,    mas em mim a dor é tanta que eu canto e não sou feliz! 

“Ser Mãe...”

1Quando todos te condenemquando ninguém te escutar,ela  te  escuta  e  perdoa, pois ser mãe -  é perdoar! 

2Quando todos te abandoneme ninguém te queira ver,ela  te  segue  e  procura

pois se mãe - é compreender!

3Quando todos te negarem    um pão, um beijo, um olhar,ela te ampara e acarinha      pois ser mãe - sempre é se dar!

“Sobre a Trova”

Ah!  trova com que me enleio,tens um gingado qualquer   que lembra o banboleio      do corpo de uma mulher ... 

“Sorria...”

Esperava tanta lutae tão pouco foi preciso:ao invés da força brutaele empregou... um sorriso...

Eis a arte  de viver  num conselho dos mais sábios:   às vezes, para vencer basta um sorriso nos lábios...

Nem tanta coisa é precisopara evitar-se um revés...- Tão pouco... basta um sorrisoe eis todo mundo a teus pés...

“O outro Natal”

Quando o seu filho choroulá no quarto do Hospital,  ele, exultante, pensou:      

- Eis “meu dia de Natal!”

Trovas sobre a Mãe

   Se a tens, tens tudo...Se a perdes, nada tens, infelizmente...- Mulheres no mundo há muitas,mãe, no entanto, há uma somente...

Tens tanta pureza, tanta, minha mãe...Que  me  enterneço         e chamo sempre de santaa toda mãe que conheço...

Ó minha mãe, em meus cantos,num grato e eterno estribilhobendigo a Deus que entre tantosme escolheu para teu filho!

O amor queima e purifica,mal ou bem, a si se cura...E eis ai como se explica   poder ser mãe... e ser pura!

Mãe - é palavra ou é flor?Eis em três letras contidatoda a grandeza do amor   toda  a  beleza  da  Vida!  

São purezas singulares,   mas ambas de igual valor:- a das santas, nos altares,a das mães, com seu amor!

Qual das duas, lado a lado,tem afinal mais valor?  - A que é santa sem pecado?- A que pecou por amor? 

Cantiga de mãe... (Que o diga  quem um dia a ouviu...) Pareceque é muito menos cantiga,   e muito mais, uma prece...     

Em ser mãe há com certezaalgo puro, alem do mal:     - é a redenção da pureza     no pecado original.                

Pureza maior que aquelada branca e intocada flor,é a da flor ainda mais belaque vai dar frutos de amor!

E a alma de nossas casas:- Nossa Senhora do Lar...A ternura abrindo as asaspara os homens abrigar... 

E um dom: plebéia ou rainha,toda mãe o tem... Parece    que o amor de mãe adivinhao que aos filhos acontece...  

Aconchegando ao color    do seio, o filho criança,  - a mãe é a imagem do Amoralimentando a Esperança...

Na face: quanta ternura,   no olhar: que infinito brilho!No coração: que doçura         quando murmura : - meu filho!

A mãe – imagem de amor...Em seu fiel simbolismo  lembra o gesto de uma flora oscilar sobre o abismo...

Não sabes o que é pobreza...

Pensa apenas um segundo:se tens mãe tens a riquezamaior que Deus pôs no mundo!

Sem amigos, sem parentes,   ainda assim não causas dó,  pois tens o melhor dos entes:- quem tem mãe nunca está só!

Um tema banal e duas variações

IPor que falar da Vida? A Vida é a Vida...É esse andar sem sentido e sem resposta...Sobes ou desces por estranha encostaque esta sempre entre nuvens escondida...

Que adianta perguntar se a gente gosta?Se esta é a vida que tens, se é a tua vida,não a deixes passar despercebida,nem a jogues num lance, ou numa aposta...

É tua! Boa ou má, - ela é teu par!Vive-a portanto... E após tê-la vivido,podes te dar ao luxo de sonhar...

A Vida é a Vida... Vai vivendo então!Que importa o muito em sonhos perseguido?Importa é o pouco que tu tens na tua mão!

IIUm dia,sem to perguntarem se a desejavas,se a querias assim, se ficarias satisfeito;se esses seriam os pais que escolheriasao teu jeito;

se essa era a cara que gostarias de ter:(o nariz, os olhos, os cabelos) ;se esse era o tempo que preferias:(o século da bomba atômica e dos astronautas) ;

se essa era a terra onde desejarias ter nascido:(o Brasil, do Chuí até o Oiapoque) ;vieram te entregaram:

- toma ! Essa é a tua vida! Vive-a!.............................................................................................

E como não tens mesmo poderespara discutir, para escolher,e é a única oportunidade que com certeza te derampara ser,- toma-a! É como se a tua Vida fosse a tua compulsória“filha adotiva”!

E se queres um conselho, não a deixes perder-sepor ai, a esmo,procura ser afinalum bom “pai” ou uma boa “mãe” para ti mesmo!

Vai, Manuel

Vai, Manuel,marinheiro sem barco,já não precisas do mar...

(Ficamos nós, ainda algum tempo,ancorados, sem porto,a te lembrar...)

Vai, Manuel,(irmão marinheiro morto)já não precisas de marnem de batel:vê se encontra, agora, em algum lugar:o teu céu.

Vermelho e branco

O sangue vermelhodo homem branco,do homem preto,do homem amarelo,o sangue é vermelho,é um sangue só.

O leite brancoda mulher branca,da mulher preta,da mulher amarela,o leite é branco,é um leite só.

Deus pôs por dentro de homense mulheresde aparências tão diferentes,uma humanidade só:

- o mesmo anseio, a mesma fome,mesmo sonho, o mesmo pó;

- o mesmo sangue vermelho,da cor da vida, da cordo amor,

e mais:

-   o mesmo leite branco,da cor da paz.

Viagem solitária na chuva

Esta paisagemmolhada e friaé uma viagem,doce viagemenvolta e suavemelancoliaque eu sempre faço;tão triste e estranha,é uma enfermeiraque me acompanhae acariciao meu cansaço...

Vou no meu carro:ouço o chiadodas quatro rodasno chão molhado,rasgando a chuvacomo um tecidofino, esticado,e o limpadorde pára-brisamarca meu compassode um tempo lassoque sem Ter sido- segue parado.

Árvores curvascoo fantasmas,passam ao ladoa gesticular,e homens de capade guarda-chuva,são como seresde um outro mundo

no meu olhar.

No longo asfaltodas avenidasas luzes trememfrias, molhadas,- são como olharesvagos, mendigos,dos indigentesque ninguém vê...

No lusco-fuscoda claridadea luz escorre,banha a cidadepálida a fria,como um luarem pleno diae me comovenão sei por que.

Vou no meu carrohoras a fio,sempre sozinhopor esses diasde névoa a chuva,sem ter razão;nesses momentos,só, com a minha almae o pensamento,que boa e amigaé a solidão!

Um sentimentodoce, profundo,que vem do fundo,me invade todoe me faz bem,e de repente,longe do mundo,dentro do mundo,

tenho o meu mundo,andando a esmo,como se fossepossível mesmo- felicidade, -sem ter ninguém!

Vou no meu carro,feliz, sozinho,ouvindo as rodascom seu chiadono chão molhadocantar no chão,e o limpadorde pára-brisamarcando alegrecada minutode uma alegriasem dimensão,cada batidade uma outra vida,vida esquecidano coração!

Vocação

Sem papel,escreveria como Anchieta à Virgem,nas areias brancas...

Sem praias, rabiscaria as paredes,- que sei eu?ou riscaria o chão...

Sem chão,em suspenso, no espaço,sem nada ver, sem nada encontrar,ainda assim eu comporiano ar,no coração...

Se penso, ou sinto,a emoção é a palavra,e o silêncio é a cançãoou hino...

- Que fazer?... É o meu destino...

Você... e o Natal...

Festa na terra e no céu...Só eu só... tão triste assim...- Quem dera Papai Noeltrouxesse Você pra mim!

Quem dera Papai Noeldescendo pelos espaçosme desse um pouco de céupondo Você em meus braços...

Neste dia belo e docede festa, - sentimental,- quem dera que Você fossemeu presente de Natal!