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Capítulo 4 Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização Um efeito inevitável de qualquer represamento sobre a fauna aquática é a alteração na composição e abundância das espécies, com elevada proliferação de algumas e redução ou mesmo eliminação de outras (AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI, 1999). A avaliação dos fatores que levam a esses impactos não é, entretanto, uma tarefa simples, visto que se relaciona às variáveis físicas, químicas e biológicas, com uma profusão de interações que raramente são entendidas na extensão e profundidade adequadas.

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Capítulo 4Impactos dos Represamentos:

alterações ictiofaunísticas e colonização

Um efeito inevitável de

qualquer represamento sobre a fauna aquática é a alteração na

composição e abundância das espécies, com elevada proliferação de

algumas e redução ou mesmo eliminação de outras (AGOSTINHO;

MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI, 1999). A avaliação dos fatores

que levam a esses impactos não é, entretanto, uma tarefa simples,

visto que se relaciona às variáveis físicas, químicas e biológicas, com

uma profusão de interações que raramente são entendidas na

extensão e profundidade adequadas.

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108 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

Introdução

A natureza e a intensidade deimpactos decorrentes das modificaçõeshidrológicas impostas pelos represamentosdependem das peculiaridades da faunalocal, tais como estratégias reprodutivas,padrões de migração, especializaçõestróficas e grau de pré-adaptações aambientes lacustres, e das características doreservatório (ex: localização, morfologia,hidrologia), desenho da barragem,procedimentos operacionais, usos dasencostas, natureza do solo, vazão, e dasinterações com outros reservatórios dabacia e entre essas variáveis.

Os impactos dos represamentos em nível deecossistema podem ser categorizados em (i)impactos de primeira ordem, que englobam asconseqüências físicas, químicas egeomorfológicas decorrentes do bloqueiodo rio e de alterações na distribuiçãoespaço-temporal na vazão; (ii) impactos desegunda ordem, que envolvem mudanças naprodutividade primária e na estrutura docanal, compreendendo o trecho represado e,principalmente, o segmento a jusante dabarragem; (iii) impactos de terceira ordem, queincluem as modificações nas assembléias deinvertebrados e peixes decorrentes dosimpactos de primeira (ex: efeito de bloqueiode migração, por exemplo) ou de segundaordem (ex.: mudanças na biomassaplanctônica) – WCD (2000).

Interações entre os diferentes componentesdo ecossistema nos impactos de terceiraordem podem ter implicações sobre asdemais categorias e afetar os usos múltiplos

dos reservatórios. Os procedimentosoperacionais na barragem e mesmoalgumas atividades humanas de naturezacompetitiva ou destrutiva praticadas nabacia podem ter papel relevante nesseprocesso, além de promover um retardo naestabilização das condições limnológicas.Nesse sentido, a introdução de espécies não-nativas, mais factíveis de se estabelecerempermanentemente em ambientes alterados,tem destaque (PETTS, c1989).

Em geral, as respostas às condições naturaisou manipuladas em reservatórios sãoincompletas, uma vez que podem seralteradas ou destruídas antes de suacompleta efetivação. Nesse caso, o resultadoesperado é um incremento caótico nasucessão de respostas, uma redução nainterdependência e menor estabilidadebiótica, confundindo a continuidade e osprocessos sucessionais naturais da biota(WETZEL, c1990). Um novo estado de“equilíbrio”, se ocorrer, pode levar entre 1 e100 anos para que seja alcançado, desde oimpacto de primeira ordem (PETTS, c1984).

Essa situação restringe os tipos deorganismos em reservatórios àqueles comampla tolerância fisiológica e adaptaçõescomportamentais (WETZEL, c1990). Algumasespécies são incapazes de sobreviver emcorpos d’água represados, devido,principalmente, à temperatura da água e/ouoxigênio dissolvido, baixa diversidade dehábitats, baixo fluxo de água, locais dedesova inapropriados, falta de presasuficiente para um estágio particular dociclo de vida, ou falta de refúgio para aspresas (O’BRIEN, c1990).

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Entretanto, o grupo de peixes mais afetadopelos represamentos é o dos grandesmigradores que, por ocuparem ampla áreade vida (home range), podem ter suaspopulações fragmentadas, suas rotas demigração bloqueadas pela barragem ou seushábitats de desova, crescimento edesenvolvimento inicial modificados peloalagamento (montante) e regulação dascheias (jusante). Já as espécies sedentárias,cujos limites geográficos de distribuiçãopopulacional são geralmente mais restritos,embora possam ser influenciadas pelocaráter lacustre do trecho represado e pelavazão e qualidade da água a jusante, sãomenos afetadas.

Na área de influência de um reservatório, osimpactos têm natureza e intensidadeconsideravelmente distintas. Sua abordagemdeve considerar, portanto, essapeculiaridade. Embora a ênfase nasavaliações de impactos venha sendo dada aotrecho alagado, talvez em razão da maiorvisibilidade dada pelo represamento, tantona fisionomia regional quanto nodeslocamento de populações humanas, é notrecho abaixo da barragem que estes semostram mais relevantes.

Corpo do Reservatório

A ictiofauna de um reservatório tem suaorigem no sistema fluvial onde ele se situa,podendo o processo de ocupação ser vistocomo colonização ou simplesmente umareestruturação nas assembléias locais. Amaneira como essa ocupação é vista dependedo grau de restrição imposto pelas condições

físicas e químicas vigentes no represamentodurante a fase heterotrófica inicial(AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ;

SUZUKI, 1999).

Fase de Enchimento

As rápidas transformações queocorrem logo no início do processo deenchimento são decorrentes da diminuiçãodo tempo de renovação da água, visto queum ecossistema lótico transforma-serepentinamente em outro com característicaslênticas. Conseqüentemente, padrõesverticais decorrentes da formação deestratificação térmica, e que afetam aciclagem de nutrientes e distribuição deorganismos, são acrescidos aos vetorespredominantemente longitudinais,existentes antes do fechamento da barragem.

Elevação das concentrações de nutrientesconstitui-se numa ocorrência comum durantea fase de enchimento (ESTEVES, 1988;MATSUMURA-TUNDISI; TUNDISI; SAGGIO; OLIVEIRA

NETO; ESPÍNDOLA, 1991; PATERSON; FINDLAY;

BEATY; FINDLAY; SCHINDLER; STAINTON;

McCULLOUGH, 1997). Esse aumento pode seratribuído a pulsos associados àdecomposição do folhedo e à liberação denutrientes do solo alagado, no primeiromomento, e, posteriormente, à queda dasfolhas das árvores alagadas e suadecomposição (MATSUMURA-TUNDISI; TUNDISI;

SAGGIO; OLIVEIRA NETO; ESPÍNDOLA, 1991). Osefeitos desses pulsos, que começam a atuarainda na fase de enchimento, podem sersentidos mesmo depois de o reservatórioentrar em operação, principalmente nascamadas mais profundas da coluna d’água,

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110 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

onde elevadas concentrações de nutrientes eelevados valores da condutividade elétricasão constatados (THOMAZ; PAGIORO; ROBERTO;

PIERINI; PEREIRA, 2001).

O desenvolvimento de estratificação térmica,que se segue à formação do reservatório,apresenta importante papel para que oacúmulo de íons constatado na fase deenchimento se prolongue pela fase deoperação, principalmente no caso dosreservatórios que apresentam tomadas deágua superficial.

Mesmo que em geral se constate umincremento das concentrações de nutrientesdurante e logo após a fase de enchimento,deve ser considerado que as concentrações dealguns importantes elementos, como ofósforo, por exemplo, são determinadas pelainteração de processos antagônicos. Assim,simultaneamente às entradas desse elementoprovenientes dos pulsos mencionados, aformação de um ecossistema lênticorepresenta o aumento das taxas desedimentação, que atuam no sentido deretirá-lo da água.

Assim, o acúmulo de fósforo na água durantea fase de enchimento sugere que as entradasa partir das áreas alagadas predominamdurante esse período. Por outro lado, asconcentrações de fósforo são muito maisinfluenciadas por processos de sedimentaçãoapós o término da fertilização decorrente doalagamento.

O aumento do tempo de retenção e dasconcentrações de nutrientes faz com que afase de enchimento represente um período

propício ao desenvolvimento dascomunidades de produtores primários,representados pelo fitoplâncton ou pelacomunidade de macrófitas aquáticas.

Estudos no reservatório de Corumbá (baciado rio Paranaíba, alto rio Paraná)evidenciaram que a produtividade primáriafitoplanctônica na camada subsuperficial,que era inferior a 0,17 mgO2 l-1 h-1 até 10 diasapós o fechamento da barragem, aumentoupara 0,84 mgO2 l-1 h-1 39 dias após ofechamento (THOMAZ; PAGIORO; ROBERTO;

PIERINI; PEREIRA, 2001). Além da elevação dasconcentrações de nutrientes, o aumento dastaxas de produtividade primária deve tersido favorecido pela melhora do regime deluz, pois os valores do coeficiente deatenuação luminosa passaram de 4,60 m-1 nodia do fechamento para 0,89 m-1 10 diasapós o fechamento da barragem (THOMAZ;

PAGIORO; ROBERTO; PIERINI; PEREIRA, 2001).

Porém, no caso do aumento das populaçõesde macrófitas aquáticas, outras condiçõesfavoráveis, tais como a ausência de ventoacentuado, redução da turbulência da água,disponibilidade de propágulos e de focos dedispersão, devem ocorrer simultaneamente àelevação das concentrações de nutrientesderivada dos pulsos (ESTEVES; CAMARGO, 1986;THOMAZ; BINI, 1999).

Nesse caso, espécies flutuantes, tais comoEichhornia crassipes, Pistia stratiotes e Salviniaauriculata, podem se desenvolveracentuadamente durante e logo após a fasede enchimento, chegando inclusive aprejudicar os usos múltiplos do reservatório.Desenvolvimento maciço de espécies

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flutuantes tem sidoconstatado em váriosreservatórios tropicais,como o de Tucuruí, noBrasil (TUNDISI, 1994) eKariba, na África(MITCHELL; PIETERSE;

MURPHY, 1990).

Outro fenômenoconstatado com freqüênciadurante a fase deenchimento dereservatórios é a marcantequeda das concentrações de oxigêniodissolvido da água, que pode ficarvirtualmente ausente em parte da colunad’água (Figura 4.1) ou mesmo em suatotalidade. Nesse período, a desoxigenaçãoindepende dos ciclos de estiagem e chuvas,sendo determinada basicamente peladecomposição da biomassa alagada(ESTEVES, 1988).

Existem registros da formação de camadaanóxica durante a fase de enchimento dereservatórios tropicais no caso dealagamento de florestas, que têm grandebiomassa disponível para a decomposição(MATSUMURA-TUNDISI; TUNDISI; SAGGIO; OLIVEIRA

NETO; ESPÍNDOLA, 1991), e também decerrados, com menor biomassa (DE FILIPPO;

SOARES; THOMAZ; ROBERTO; PAES DA SILVA,1997).

Os eventos de anoxia são de importânciacapital para o manejo desses ecossistemasdurante sua formação, por comprometeremsobremaneira a sobrevivência e adiversidade da fauna aquática.

O consumo de oxigênio dissolvidoregistrado imediatamente após o fechamentode uma barragem pode ser atribuído àmineralização de compostos dissolvidoslábeis, liberados por lixiviação, sendomantido posteriormente pela decomposiçãodo material orgânico mais refratário. Essaafirmação é baseada em resultados deexperimentos realizados em microcosmos,que evidenciaram que a demanda deoxigênio pela matéria orgânica dissolvida éconsideravelmente maior do que a demandagerada pela matéria orgânica particulada(BIANCHINI JUNIOR; TOLEDO, 1998).

A grande entrada de material orgânicodissolvido também é responsável peloimediato aumento da produção secundáriabacteriana durante a fase de enchimento(PATERSON; FINDLAY; BEATY; FINDLAY; SCHINDLER;

STAINTON; McCULLOUGH, 1997). Desse modo,além do aumento da produção primáriafitoplanctônica e de macrófitas, o aporte dedetritos terrestres também deve contribuirpara o incremento da atividade biológica dereservatórios em processo de formação.

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12Superfície

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Figura 4.1 - Variações na concentração de oxigênio dissolvido nasuperfície e no fundo do reservatório de Corumbá, bacia do rioParaná, nos três anos subseqüentes à sua formação ( Fonte:

, 2001).THOMAZ; PAGIORO; ROBERTO; PIERINI; PEREIRA

Fundo

Meses

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Ainda durante a fase de enchimento, a quedadas concentrações de oxigênio dissolvidoprovoca mudanças na proporção entre asdiferentes formas iônicas. Assim, as formaspredominantemente oxidadas da fase rio sãosubstituídas por formas reduzidas na fase deenchimento. Isso explica o acentuado acúmulode nitrogênio amoniacal em reservatóriostropicais recém-formados (ESTEVES, 1988;MATSUMURA-TUNDISI; TUNDISI; SAGGIO; OLIVEIRA

NETO; ESPÍNDOLA, 1991; THOMAZ; PAGIORO;

ROBERTO; PIERINI; PEREIRA, 2001).

Com base nessas observações, pode-secaracterizar a fase de enchimento de umreservatório como sendo um período detransformações rápidas e intensas, quemarcam a transição de um ecossistema lóticopara outro lêntico ou semi-lêntico.

Os pulsos de entrada de nutrientes e detritos,aumento da transparência da coluna d’água,redução da turbulência e a formação deestratificação térmica podem serconsiderados, resumidamente, os fatores-chave envolvidos nesse processo. Todos osfenômenos que ocorrem durante oenchimento devem ainda ser mais acentuadosem reservatórios tropicais do que emtemperados, tendo em vista a elevadatemperatura dos primeiros, durante todo oano.

Os processos limnológicos associados aoenchimento de reservatório têm implicaçõesrelevantes sobre o processo subseqüente deocupação deste pela ictiofauna regional.Embora a literatura seja também pobre emregistros acerca dos processos que ocorremcom a comunidade de peixes imediatamente

após o represamento, dados não publicadosde um monitoramento realizado durante oenchimento do reservatório de Salto Caxias,no rio Iguaçu (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

MARINGÁ.NUPELIA/COPEL, 2001) demonstramque, nos primeiros dias, indivíduos dediferentes espécies ocupam toda a colunad’água, independentemente do tipo de hábitatque ocupavam anteriormente ou que,provavelmente, venham a ocupar no novoambiente.

Nessa fase, a pesca experimental commétodos passivos (redes de espera, porexemplo) apresenta elevado rendimento,sugerindo intensa mobilidade dos indivíduos.

A expansão da camada anóxica que ocorre apartir do fundo e das imediações dabarragem, geralmente ao final da primeiraquinzena do início do enchimento, marca umperíodo de deslocamentos massivos de peixespara os tributários e trechos não-represados amontante (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

MARINGÁ.NUPELIA/COPEL, 2001). As espéciesremanescentes concentram-se nas margens,nas áreas rasas e partes mais altas doreservatório (FERNANDO; HOLCÍK, 1991;RODRÍGUEZ RUIZ, 1998).

Ventos, chuvas ou mesmo variações térmicas(frentes frias) podem promover a mistura dacoluna ou parte dela, promovendomortandades extensas ou localizadas(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ.NUPELIA/

FURNAS, 2000). Com o início da liberação daágua pela barragem, novo período deinstabilidade ocorre, cuja magnitude eimpacto sobre as espécies remanescentesdepende da posição da tomada de água.

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Esse padrão teórico pode ser amplamentemodificado conforme as características e aabundância da fitomassa alagada, o tamanho,profundidade e morfometria da bacia, avelocidade do processo e a operação deenchimento. No reservatório de Corumbá ,cuja área de alagamento envolveu vegetaçãode cerrado, a camada anóxica chegou a 10metros da superfície durante o enchimento(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ.NUPELIA/

FURNAS, 2000). Já no reservatório de Samuel,na Amazônia, essa camada ficou a 6 metros dasuperfície (MATSUMURA-TUNDISI; TUNDISI; SAGGIO;

OLIVEIRA NETO; ESPÍNDOLA, 1991).

A época do ano em que ocorre o fechamentodo reservatório é também relevante noprocesso de colonização do novo ambiente,especialmente quando a barragem posiciona-se em um ponto intermediário no trecho dedistribuição populacional de espéciesmigradoras.

As condições favoráveis de vazão na estaçãochuvosa têm levado os tomadores de decisãoa estabelecer esse período para o fechamentodas comportas e enchimento do reservatório.Esse procedimento, embora deletério para osestratos populacionais a jusante, tem impactopositivo sobre a colonização inicial do trechorepresado, visto que retém no trecho amontante aquelas espécies com migraçãoreprodutiva ascendente. O enchimento doreservatório simula as condições de grandescheias, apropriadas ao desenvolvimento inicialde suas larvas, resultando em grande aportede juvenis no primeiro ano da sua formação.

Entretanto, essa tendência não é sustentável e,já a partir do segundo ano o recrutamento apartir do reservatório é nulo, e a persistência

desse grupo de espécies na metade superiordo reservatório tem sido atribuída àexistência de áreas de desova e criadourosnaturais em segmentos livres a montante.

No reservatório de Manso (bacia do rioCuiabá), cinco das quinze principais espéciesna pesca experimental realizada no primeiroano do represamento foram constituídas porgrandes migradores, com destaque para apiraputanga Brycon microlepis e o douradoSalminus brasiliensis, que juntas compuseram12% do número de indivíduos capturados(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ.NUPELIA/

FURNAS, 2001b).

As pescarias realizadas nos três anossubseqüentes revelaram sensíveis reduções naparticipação desse grupo de espécies (dadosnão publicados). Fato similar foi constatadonos reservatórios de Corumbá e Itaipu,ambos na bacia do rio Paraná e cujofechamento ocorreu no início da quadrareprodutiva das espécies migradoras(AGOSTINHO, 1994; UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

MARINGÁ.NUPELIA/FURNAS, 2001a).

Fase de Colonização

Colonização será aqui utilizada emseu sentido amplo, para descrever asalterações a que as assembléias de peixes sãosubmetidas durante o período que se iniciacom a conclusão da fase de enchimento e seestende por um período variável, até quecerta “estabilidade” seja alcançada.

O tempo para que uma comunidade de peixesalcance alguma estabilidade temporal em umreservatório é, entretanto, variável. Lowe-

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McConnell (1999) relata períodos de 6 a 10anos para reservatórios russos de latitudemenor que 55o N, e de 25 a 30 anos naquelasmaiores. Balon (1974) concluiu que oreservatório de Kariba, no rio Zambezi,alcançou certa estabilidade no 10o ano após ofechamento.

No reservatório de Itaipu, baseado na quedada dissimilaridade entre amostras daictiofauna obtidas em diferentes anos, essetempo foi estimado em 15 anos (AGOSTINHO;

MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI, 1999).

Entretanto, a composição da fauna original, aárea da bacia de captação, o tempo derenovação da água, a extensão do trecho livrede barramentos a montante, a presença degrandes tributários, o desenho da barragem eos procedimentos operacionais são alguns dosfatores que influenciam nesse tempo.

Grandes perturbações não-cíclicasrelacionadas à operação da barragem, além decontribuírem para a instabilidade na estruturadas comunidades, reduzem a riqueza deespécies e o tamanho dos estoques, comodemonstram as baixas diversidades e osbaixos rendimentos da pesca em reservatóriosmais antigos da bacia do rio Paraná(AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ;

SUZUKI, 1999).

Assim, flutuações amplas e aleatórias de nívelda água podem retardar a estabilização doreservatório, levando a oscilações naspopulações de espécies oportunistas (r-estrategistas) e afetando negativamente as deequilíbrio (k-estrategistas) e sazonais (sensuWINEMILLER, 1989), que incluem os peixes demaior porte da região neotropical.

Os eventos que se seguem ao represamento,em relação às comunidades de peixes, sãodeterminados pelas condições ambientais nosperíodos críticos como o do enchimento einício de operação.

Naqueles reservatórios em que a anoxia élocalizada, ocorre forte alteração na estruturadas comunidades, com mudanças drásticas naabundância das espécies ou mesmo a extinçãolocal de alguns elementos. Quando a anoxiaalcança grandes extensões da área represada,o processo de colonização é iniciado pelosindivíduos que permaneceram na periferia doreservatório tão logo as condições aeróbicassejam restabelecidas. É esperado que aextensão do volume anóxico nosreservatórios seja distinta entre as bacias,visto que o grau de ocupação humana, e seusimpactos decorrentes, variam.

Assim, na bacia dos rios Paraná, São Franciscoe bacias Atlânticas, onde a ocupação humana émaior, a biomassa vegetal alagada é, emgeral, inferior às da Amazônia e Tocantins, oque resultaria em menores problemas com adepleção de oxigênio. Entretanto, nasprimeiras bacias citadas, o alagamento,muitas vezes, envolve áreas agrícolas nasquais fertilizantes químicos, pesticidas eherbicidas foram aplicados intensivamente,contribuindo para a deterioração daqualidade da água logo após o enchimento(TUNDISI; MATSUMURA-TUNDISI; CALIJURI, c1993).

A primeira implicação na colonização donovo ambiente é que só serão bem-sucedidosos elementos da ictiofauna que estão aptos adesenvolver mecanismos adaptativosdiferentes daqueles que tinham no sistemalótico (FERNANDO; HOLCÍK, 1982; KUBECKA,

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c1993). Entretanto, as alterações impostaspelos represamentos mostram consideráveisvariações de intensidade no espaço e notempo, o que leva a respostas distintas dasassembléias de peixes. Assim, o processo decolonização será aqui considerado em seusaspectos espaciais e temporais.

Na abordagem espacial do processo deocupação há que se distinguir diferentesestratos longitudinais (zonas lacustre,transição e fluvial - Figura 4.2), transversaise verticais (zonas litorânea, pelágica eprofunda), especialmente em grandesreservatórios.

Processospredominantes Verticais

Longitudinais-verticais Longitudinais

Largura Largo e profundo Intermediário Estreito, canalizado

Fluxo da água Baixo fluxo Moderado Alto Fluxo

Turbidez e luzÁguas claras, alta

disponibilidade de luzAumento da turbideze diminuição da luz

Águas túrbidas, baixadisponibilidade de luz

NutrientesBaixa concentração,

suprido por ciclagem internaModerada;

intermediárioAlta concentração,

suprido por advecção

Fonte de MatériaOrgânica

Primariamenteautóctone; produção > respiração Intermediária

Primariamentealóctone; produção < respiração

Trofia Mais oligotrófico Intermediário Mais eutrófico

Plâncton Escasso Abundante Escasso

Peixes nãomigradores

Escasso Abundante Escasso

Peixes Migradores Escasso Moderado Abundante

DiversidadeIctiofaunistica

Riqueza baixa,dominância moderada

Riqueza moderada,dominância alta

Riqueza alta,dominância moderada

Figura 4.2 - Zonação longitudinal nos fatores ambientais e na biota do reservatório de Itaipu(modificado de ,1990 e , 2005.)KIMMEL; LIND; PAULSON OKADA; AGOSTINHO; GOMES

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Lacustre( 1115,9 km )2

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Reservatório de Itaipu

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Marcantes diferenças entreas amostras obtidas antes eapós a formação doreservatório de Corumbádemonstram que o grau demodificação imposto pelorepresamento nacomposição e estrutura dasassembléias de peixesvariou com a distância dabarragem (BINI; AGOSTINHO,2001).

Assim, utilizando-se asdiferenças entre os escoresdo primeiro eixo de umaDCA (Análise de Correspondência comremoção do efeito do arco ) calculados antese após o enchimento do reservatório, essesautores verificaram que as alterações naictiofauna foram mais intensas nasproximidades da barragem (locais: LISA,JACU, CPIR) e pouco relevantes a montantedo reservatório (AREI e MOIT) – Figura 4.3.

Dessa forma, em geral, as espécies regionaissão mais bem-sucedidas na colonização daszonas fluvial e litorânea dos reservatórios.

A zona fluvial, caracterizada como aquelaem que os processos de transporte aindapredominam sobre os deposicionais e que,em geral, se localiza no terço superior degrandes reservatórios, normalmente nãoapresenta a maior biomassa ou densidade depeixes (KIMMEL; LIND; PAULSON, c1990). Poréma diversidade específica é a maior entre aszonas de reservatórios, independentementedo estrato transversal ou verticalconsiderado (Figura 4.4).

O terço superior do reservatório de Itaipucontém todas as espécies registradas nostrechos mais internos, acrescidas de outrastípicas do trecho lótico a montante(AGOSTINHO; JÚLIO JÚNIOR; PETRERE JUNIOR, 1994).Fato similar foi evidenciado já no segundoano da formação do reservatório de Segredo(AGOSTINHO; FERRETTI; GOMES; HAHN; SUZUKI;

FUGI; ABUJANRA, 1997). A manutenção dealgumas características do ambiente original,como o baixo tempo de residência da água, aentrada de material alóctone, transparência ea heterogeneidade de hábitats, explica essatendência.

Já as zonas litorâneas apresentam maiordiversidade específica e são mais produtivasque as demais, sendo isso decorrência dosaportes de nutrientes e alimentos dasencostas, menor profundidade e maior graude estruturação dos hábitats (SMITH; PEREIRA;

ESPÍNDOLA; ROCHA, 2003). Essas diferençastendem a se acentuar com a idade doreservatório (Figura 4.4).

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Distância da barragem (km)

Figura 4.3 - Gradiente espacial das diferenças entre os escoresmédios do eixo 1 de uma DCA obtidos antes e após orepresamento ao longo da calha do rio Corumbá. (Fonte:

, 2001).AGOSTINHOBINI;

AREI

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MOIT

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 117117117117117

No reservatório de Itaipu,decorridos 15 anos de suaformação, 64 das 67 espéciescapturadas com redes deespera o foram na zonalitorânea. Na pelágica e naprofunda foram registradas 22e 20 espécies, respectivamente.O número de indivíduoscapturados em 1.000 m2 derede durante 24h foi, emmédia, de 388 na litorânea, 22na pelágica e 20 no fundo.

A colonização das zonaslitorâneas é, em geral, feitapor espécies regionais comestratégias generalistas e comampla tolerância a variaçõesde hábitat. Trata-se da zonabiologicamente maisprodutiva que, emreservatórios de latitudestemperadas da Europa, éhabitada principalmente porciprinídeos e alguns percídeos,e da America do Norte por catostomídeos,silurídeos e percídeos (FERNANDO; HOLCÍK,1991). Em reservatórios africanos, essa zona éocupada por ciclídeos.

Em Itaipu, embora os ciclídeos estejamrestritos a essa área, a família contribuiu comapenas 13,2% da CPUE nela registrada em1997 (AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES;

THOMAZ; SUZUKI, 1999). Nesse reservatório,um scianídeo introduzido (corvina),pequenos tetragonopterídeos(Characíformes) e pimelodídeos(Siluriformes) são dominantes.

Os impactos do represamento sobre adiversidade de peixes nos estratos demargem e da calha do rio mostraram-sedistintos no rio Corumbá (BINI; AGOSTINHO

2001). Assim, após o enchimento doreservatório de Corumbá, constatou-se umincremento no índice de diversidade deShannon na zona litorânea do reservatórioem relação às antigas margens do rio e umaredução significativa nas áreas abertas emrelação à calha (Figura 4.5). Pré-adaptaçõesda ictiofauna fluvial às condições das áreasrasas e com maior disponibilidade de abrigopodem explicar essa tendência.

Flu Tra Lac Flu Tra Lac Flu Tra Lac0

10

20

30

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50

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1987

1997

Flu Tra Lac Flu Tra Lac Flu Tra Lac

Zona pelágica Zona funda

Figura 4.4 - Variações espaciais e temporais na diversidadeespecífica e abundância de peixes no reservatório deItaipu. Flu=fluvial, Tra=transição, Lac=lacustre. (Fonte:

, 1999).AGOSTINHO; MIRANDA; THOMAZ; SUZUKI

Zona litorânea

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118 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

A ictiofauna da maioriadas bacias hidrográficasbrasileiras carece deespécies lacustres nosentido preconizado porFernando e Holcík (1991),ou seja, peixes endêmicosde lagos que vivem nesseambiente durante todo ociclo de vida. A virtualausência de lagosnaturais impediu queespécies com essaestratégia de vida sedesenvolvessem naságuas interiores doBrasil.

Na fauna neotropical,algumas espécies comhábitospredominantementelacustres têm-sedesenvolvido em rios elagoas de planície deinundação, destacando-seentre elas os eritrinídeos(traíras), calictídeos(cabojas), serrassalmídeos(piranhas), algunsloricarídeos (cascudos), curimatídeos(sagüirus) e ciclídeos (acarás) (AGOSTINHO;

JÚLIO JÚNIOR, 1999). Entretanto, essas espéciesocupam hábitats de fundo ou guardamprofunda relação com as macrófitasflutuantes e nenhuma delas tem modo devida pelágico.

A ausência de espécies pré-adaptadas àscondições pelágicas no alto rio Paraná tem

sido associada ao baixo rendimento da pescanas zonas mais internas de grandesreservatórios dessa bacia (AGOSTINHO;

MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI, 1999).Fernando e Holcík (1991) relatam ser aformação do hábitat pelágico a característicamais extraordinária dos grandesrepresamentos, e que a falta de elementos daictiofauna para ocupá-lo está ligada ao baixorendimento pesqueiro do reservatório.

Figura 4.5 - Variações nas amostras da ictiofauna obtidas antes dorepresamento, durante o enchimento e na fase de operação noreservatório de Corumbá, considerando-se as áreas marginais (a)e abertas (b). (Fonte: Bini; Agostinho, 2001).

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 119119119119119

O hábitat pelágico, menos que os litorâneos,requer pré-adaptações morfológicas ecomportamentais para a tomada de alimento,reprodução, deslocamentos e evitação dapredação.

No reservatório de Itaipu, todas as espéciesregistradas nas áreas abertas o foram,também, na zona litorânea. Algumas dessasespécies, entretanto, foram bem-sucedidas nasáreas abertas, destacando-se o zooplanctívorofiltrador Hypophthalmus edentatus (mapará), oinsetívoro-zooplanctívoro Auchenipterusosteomistax (palmito) e o piscívoro Raphiodonvulpinus (dourado-facão), todas comadaptações para deslocamento e tomada dealimento pelagial, como forma do corpo,posições da boca e dos olhos (FREIRE;

AGOSTINHO, 2000).

Essas espécies, embora tenham-se constituídocomo as principais nesse hábitat, foram maisabundantes nas áreas litorâneas. São oriundasdo médio rio Paraná e, portanto, presentesapenas nos dois primeiros reservatórios amontante de Itaipu (Rosana e PortoPrimavera), fechados em datas posteriores àssuas dispersões no alto rio Paraná.

Duas outras espécies importantes nas capturasda zona pelágica, porém mais abundantes nasdemais, foram a piscívora introduzida P.squamosissimus (corvina) e o doradídeoonívoro Pterodoras granulosus (armado). Aprimeira é a principal espécie na pescaartesanal praticada em quase todos osreservatórios da bacia (PETRERE JÚNIOR;

AGOSTINHO; OKADA; JÚLIO JÚNIOR, 2002).

O fundo dos reservatórios é também poucoocupado pelos peixes, podendo o fato ser

atribuído a um conjunto complexo de fatores,como correntes de densidade, estratificaçãotérmica, depleção de oxigênio,disponibilidade de alimento e penetração daluz (MATTHEWS; HILL; SCHELLHAASS, 1985;RUDSTAM; MAGNUSON, 1985; FERNANDO; HOLCÍK,1991). A diversidade específica e a densidadede peixes, a exemplo daquelas da zonapelágica, tendem a diminuir nessa zona(Figura 4.4).

No reservatório de Itaipu, decorridos 15 anosdo fechamento, as capturas no fundo foramdominadas pelo armado P. granulosus (53,9%),seguido pelo cascudo Loricariichthys (19,1%) ea corvina P. squamosissimus (17,0%). Espéciescaracterísticas da zona pelágica podem serregistradas no fundo ou próximo dele,durante o dia (AGOSTINHO; VAZZOLER; THOMAZ,1995). Nesses levantamentos, não foram,entretanto, explorados ambientes comprofundidades superiores a 60 metros.

Numa perspectiva temporal, os impactosdecorrentes dos represamentos relacionam-seàs mudanças na produtividade primária doreservatório de acordo com sua idade.

Como visto anteriormente, a elevadaprodução biológica nos primeiros anos dorepresamento é um processo decorrente dagrande liberação de nutrientes dissolvidospela matéria orgânica submersa durante oprocesso de decomposição (BALON, 1973;PETRERE JUNIOR, 1996).

Esse aporte de nutrientes, em geral, aumentaa produção em todos os níveis tróficos(O’BRIEN, c1990), sendo esse período de elevadaprodução conhecido como trophic upsurgeperiod (KIMMEL; GROEGER, 1986). Como os

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120 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

processos físicos,químicos e biológicostendem a ser maisrápidos em latitudestropicais, essa faseespera-se ser maisefêmera nos trópicos(WILLIAMS; WINEMILLER;

TAPHORN; BALBAS, 1998).

Com o tempo, ocorreum acentuadodecréscimo denutrientes no corpo doreservatório (depressionperiod), sendo tal fato atribuído a processosde sedimentação, remoção pela pesca ouexportação pelo vertedouro (AGOSTINHO;

MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI, 1999).Após esses eventos, o novo patamar deprodutividade deve se localizar em algumponto entre a produção original do rio e ade um lago natural (BALON, 1973; NOBLE,1986; RANDALL; KELSO; MINNS, 1995; WILLIAMS;

WINEMILLER; TAPHORN; BALBAS, 1998) –Figura 4.6.

A tendência de depleção trófica, quecaracteriza a maioria dos reservatórios apósos primeiros anos da formação (RIBEIRO;

PETRERE JUNIOR; JURAS, 1995), pode serrevertida pela alternância de períodosprolongados de baixos níveis de água,permitindo o desenvolvimento devegetação na zona de depleção, seguidos deperíodos de níveis normais. No reservatóriode Sobradinho, bacia do rio São Francisco,esse processo tem sido associado àsextraordinárias variações no rendimento dapesca artesanal (AGOSTINHO, 1998).

A manipulação de nível visando elevar ataxa de recrutamento de peixes e acapacidade biogênica de reservatórios temsido preconizada por diversos autores(BENNETT, c1970; NOBLE, 1980; MARTIN;

MENGEL; NOVOTNY; WALBURG, 1981; MITZNER,1981; RAINWATER; HOUSER, 1982; BEAM, 1983;MIRANDA; SHELTON; BRYCE, 1984; PLOSKEY, 1985;SUMMERFELT, 1993; HAYES; TAYLOR; MILLS,1993). A depleção trófica pode também serretardada pela entrada de nutrientesresultantes da atividade antropogênica,como a poluição urbana ou agropecuária.

Nos parágrafos seguintes são apresentadosalguns padrões relacionados à colonizaçãode reservatórios pelos peixes. Embora ofoco principal seja sobre os padrõestemporais, as variações nesses padrõesconsideram os efeitos da zonação espacial.As variações no esforço reprodutivo sãoavaliadas primeiro, dada a sua relevânciasobre a diversidade e a abundânciaespecífica, também consideradas nestasessão. Considerações sobre as variações no

Fases

enchimentodo

reservatório

Rio Heterotrófica" "upsurge period

Pós-Heterotrófica" "depression period

Equilíbrio trófico (?)

Captura por Unidade de Esforço

Figura 4.6 - Modelo conceitual das variações no rendimento duranteas diferentes fases do represamento.

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 121121121121121

tamanho dos peixes e na estrutura trófica dosreservatórios são feitas ao final.

A reprodução, pelo caráter mais conservadorde suas estratégias em relação às de outrasatividades vitais, impõe relevanteslimitações à ocupação dos novosreservatórios pela fauna fluvial. A primeira emais evidente é o requerimento de grandesáreas livres pelos grandes peixesmigradores.

As barragens, dependendo de sua posição emrelação à área vital dessas espécies, podeminterceptar seus acessos às áreas de desova,reduzir os espaços livres e deplecionar suaspopulações a densidades abaixo de limiarescríticos, ou mesmo eliminá-las como tal. Oefeito combinado de barragens em série nosprincipais tributários do alto rio Paraná temsido responsabilizado pelo virtualdesaparecimento dos grandes peixesmigradores dessa área (LOWE-McCONNELL,1999).

A manutenção de trechos livres a montantetem, entretanto, assegurado a ocupação dotrecho superior dos reservatórios por váriasdessas espécies (AGOSTINHO, 1994).

Os peixes exibem enorme gama de outrasestratégias reprodutivas, determinadas pelahistória evolutiva do pool gênico do qual opeixe é membro.

O entendimento da estratégia reprodutivaestá na identificação do processo seletivo quelevou à evolução da estratégia observada(WOOTTON, 1990), que no caso das espéciesfluviais foram as condições lóticas. Compõe

a estratégia reprodutiva um conjunto decaracterísticas, como idade e tamanho deprimeira maturação, fecundidade, tamanho enatureza dos gametas, grau de paridade,período de reprodução, local de desova,organização do comportamento reprodutivo,tipo de desenvolvimento ovocitário, tipo dedesova e proporção sexual (VAZZOLER, 1996).

Dependendo das condições ambientaismomentâneas vividas pelo peixe, essascaracterísticas mostrarão modificaçõestáticas. Essas modificações, que podem sermais ou menos plásticas, representam umaresposta homeostática para minimizar ocusto das flutuações ambientais.

De acordo com Dias (1989), as característicasda estratégia reprodutiva que são passíveisde maiores alterações são época de desova e,possivelmente, local de desova. O tamanhoda primeira maturação também é bastanteflexível, naturalmente dentro dos limites decada espécie. Outras, como cuidado parentale tamanho e natureza dos gametas (como aadesividade, estruturas para flutuação,proteção contra choques mecânicos), sãomais conservativas.

A alteração na dinâmica da água pode imporrestrições a muitas espécies da faunaregional que requerem ambientes lóticospara a reprodução, em razão da natureza etamanho dos ovócitos.

Ambientes de água corrente, altamenteoxigenados, levaram, ao longo de séculos, aadaptações morfológicas dos ovos, como aadesividade para fixação em substrato ou,quando livres, a utilização da dinâmica da

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122 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

água para a flutuação. Essas estratégiasseculares não são de grande valia no novoambiente, tanto pela escassez de substratocomo pelo fato de, sob condições lacustres,os ovos poderem afundar e atingir as regiõesprofundas e pouco oxigenadas doreservatório.

O aumento na taxa de predação nas áreasabertas e transparentes do reservatório éuma restrição adicional de impactos, vistoque no ambiente fluvial a desova ocorreprincipalmente em períodos chuvosos e deelevada turbidez da água.

As flutuações de nível no ambiente represado,como decorrência da operação da barragem,podem, por outro lado, ser desastrosas paraespécies com ovos aderidos a algumsubstrato litorâneo, ou que deposite seusovos em ninhos construídos nas margens.Assim, o padrão de flutuação do nível daágua na área represada, principalmente noperíodo reprodutivo, pode ser um fatorpreponderante no sucesso do recrutamentopara a maioria das espécies de peixes dereservatórios (SUZUKI; AGOSTINHO, 1997). Alémdisso, o substrato adequado para a desova demuitas espécies da fauna original (rochas,cascalhos, areia ou plantas) pode ficarsubmerso a dezenas de metros.

Nos reservatórios espera-se que aquelasespécies com maior plasticidade quanto aolocal de reprodução tenham maior sucessona ocupação. Constata-se, no entanto, que amaioria das espécies que colonizam osreservatórios procuram os tributárioslaterais, trechos a montante ou mesmo asáreas mais lóticas para a reprodução

(AGOSTINHO; VAZZOLER; THOMAZ, 1995; SUZUKI;

AGOSTINHO, 1997; VAZZOLER; SUZUKI; MARQUES;

PEREZ LIZAMA, 1997).

No reservatório de Itaipu, seis das dezprincipais espécies na pesca artesanal seutilizam da planície a montante para adesova e desenvolvimento inicial(AGOSTINHO; JÚLIO JÚNIOR; PETRERE JUNIOR, 1994).Já no reservatório de Segredo, confinadoentre duas barragens, mesmo as espéciesbem-sucedidas na ocupação desse ambientebuscam os trechos de águas maismovimentadas (entradas de tributários,trechos mais altos do reservatório) para areprodução (SUZUKI; AGOSTINHO, 1997).

Uma questão que permeia esse tema seria sehá suficiente documentação sobre a relaçãoentre as estratégias reprodutivas e o sucessoespecífico na colonização de reservatóriosneotropicais. Embora esses estudos sejamescassos, comparações entre a composição e aabundância de assembléias de peixes antes edois anos após o represamento, obtidas emcinco reservatórios do rio Paraná, fornecemalgumas evidências (Figura 4.7).

O primeiro padrão que emerge dessa análiseé que há forte interação entre a época demigração e desova e a época em que o fluxode peixes é interrompido na determinação dacomposição da fauna de peixes que ocupa oreservatório.

Por exemplo, a formação do reservatório deCorumbá, iniciado em setembro de 1997,ocorreu no início do período reprodutivo demuitas espécies de peixes. As espécies bem-sucedidas durante esse processo foram

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 123123123123123

aquelas que produzem ovos pequenos comeclosão rápida, ou seja, A. bimaculatus (=A.altiparanae), A.fasciatus, Moenkhausia intermedia,P. maculatus, Galeocharax knerii e Leporinusfriderici. As três primeiras espéciescomeçaram a ser recrutadas na pesca já apartir do terceiro mês do enchimento.

Todas essas espécies apresentam ovócitosmenores que 1,1 mm, têm alta fecundidade ebaixo tempo de embriogênese e eclosão.

Lamas (1993), em levantamento sobre aduração da embriogênese de 52 espécies deágua doce, relata que esta variou de 330 a5.365 horas-graus, sendo que A. bimaculatus eP. maculatus estiveram entre as espécies commenor tempo (446,3 e 400 horas-graus,respectivamente).

Entre as espécies que tiveram suas capturasdiminuídas nos reservatórios analisados naFigura 4.7, algumas apresentam características

Steindachnerina spI.labrosus

S.insculptaHypostomus a

M.intermediaA.bimaculatus

S.nasutusA.piracicabae

A.affinisA.fasciatus

P.maculatusG.knerii

L.fridericiP.lineatus

S.brasiliensisH.littorale

A.eigenmanniorumHypostomus b

Outros

10203040CPUE (%)

0 10 20 30 40CPUE (%)

Reservatório de Corumbá

depoisantes

R.asperaA.bimaculatus

I.labrosusG.knerii

P.maculatusP.lineatus

L.obtusidensL.friderici

A.lacustrisS.spilopleura

H.platyrhynchosP.galeatus

P.squamosissimusP.granulosus

R.vulpinusH.edentatus

612182430CPUE (%)

0 6 12182430CPUE (%)

Reservatório de Rosana

depoisantes

Outros

Hypostomus spH.malabaricus

A.cirrhosusA.valenciennesi

R.hilariiA.eigenmaniorum

Oligosarcus spP.squamosissimus

G.carapoG.brasiliensis

P.lineatusT.paraguayensis

A.bimaculatusA.ucayalensisA.ostromystax

H.edentatusP.galeatus

P.maculatus

M.intermedia

01020304050CPUE (%)

10203040 50CPUE (%)

Reservatório de Itaipu

depoisantes

Outros

C.modestusC.nagelii

A.bimaculatusA.lacustris

P.squamosissimusP.lineatus

S.insculptaM.intermediaS.spilopleura

S.hilariiH.malabaricus

L.fridericiS.borellii

G.brasiliensisP.maculatus

M.tieteL.obtusidensC.monoculus

Reservatório Três Irmãos

depoisantes

612182430CPUE (%)

0 6 12182430CPUE (%)

Outros

Astyanax bH.derbyi

Astyanax hG.brasiliensis

R.vouleziR.branneri

C.iguassuensisH.malabaricus

Bryconamericus aAstyanax c

O.longirostrisP.ortmanniAstyanax fC.paleatus

Psalidodon spA.vittatusC.carpioG.ribeiroi

Reservatório de Jordão

depoisantes

01020304050CPUE (%)

1020304050CPUE (%)

Outros

Figura4.7 - Abundância das principais espécies (número de indivíduos por 1000m de redes em 24horas) antes e nos dois primeiros anos após o represamento, em cinco usinas hidrelétricas dabacia do rio Paraná (Fonte: , 1999).

2

AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI

S.brasiliensisS.brasiliensis

A.ostromystax

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124 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

ovocitárias e de incubação similares àsespécies citadas anteriormente, porém comhábitos alimentares distintos (iliófagas ebentófagas; UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

MARINGÁ.NUPELIA/FURNAS, 2000) outipicamente reofílicas (AGOSTINHO; JÚLIO

JÚNIOR; PETRERE JUNIOR, 1994).

Mesmo assim, comparando-se espéciescongenéricas (Steindachnerina sp. x S.insculpta; Apareiodon piracicabae x A. affinis),verifica-se que a mais bem-sucedida do par éaquela com ovócitos menores e cujas zonasradiatas são mais delgadas e, portanto,menos adesivos (SUZUKI, 1992). Resultadossimilares foram registrados para outrosgêneros de peixes nos reservatórios deSegredo e Foz do Areia, com idades distintase supostamente colonizados por faunasimilar (SUZUKI, 1999).

Como mencionado, espera-se que espéciescom ovos grandes e adesivos encontremrestrições para o desenvolvimento numambiente cuja água apresenta níveisvariáveis e problemas com a oxigenação nofundo. Além disso, ovos grandescaracterizam espécies que dispensamcuidados à prole (SUZUKI, 1999), muitas vezescom comportamento territorial, umaestratégia inadequada para ambientes comníveis de água variáveis.

A proliferação de pequenos caracídeos,especialmente tetragonopteríneos, nosprimeiros anos foi também verificada nosreservatórios de Três Irmãos (rio Tietê) eJordão (bacia do rio Iguaçu) (Figura 4.7).Astyanax bimaculatus, espécie dominante noprimeiro, apresentou dieta onívora com

tendências à insetivoria, ao contrário deCorumbá, onde também predominou e tevedieta essencialmente herbívora. No Jordão, aprincipal espécie, Astyanax sp.b, teve dietaherbívora, sendo seguida de outra espécie domesmo gênero, porém detritívora. Noreservatório de Segredo, também na bacia doIguaçu, as espécies dominantes e suas dietasforam as mesmas do Jordão (HAHN; FUGI;

ALMEIDA; RUSSO; LOUREIRO, 1997).

No reservatório de Rosana e Itaipu, essasespécies foram substituídas por A.osteomystax e Parauchenipterus galeatus,também com tendências à insetivoria, porémcom fecundação interna. Essas espécies,adicionadas de duas outras com a mesmaestratégia reprodutiva (Ageneiosusvalenciennesi e A.ucayalensis), estiveram entreas 10 principais nos dois primeiros anos doreservatório de Itaipu.

Assim, a fecundação interna parece ser umaestratégia bem-sucedida nos primeiros anosde represamento (AGOSTINHO; JÚLIO JÚNIOR;

PETRERE JUNIOR, 1994). No reservatório deItaipu, entretanto, o mapará H. edentatus,espécie zooplanctívora filtradora, proliferourapidamente, ocupando a zona pelágica deste.Entre as características favoráveis que essaespécie apresenta, destacam-se a produção degrande quantidade de ovos pequenos (0,75mm), depositados em vários lotes (SUZUKI,1992); ovos e larvas pelágicos (NAKATANI;

BAUMGARTNER; CAVICCHIOLI, 1997) e capacidadede apresentar dois picos de desova durante oano (BENEDITO-CECÍLIO; AGOSTINHO; JÚLIO JÚNIOR;

PAVANELLI, 1997). Embora presente na áreaalagada pelo reservatório de Rosana, aparticipação dessa espécie nas capturas foi

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 125125125125125

baixa na região. É provável que o número deindivíduos na área alagada tenha sidoinsuficiente para iniciar o processo decolonização, visto que a espécie apresentauma distribuição agregada, pela formação degrandes cardumes (observações pessoais).

Em Rosana, a espécie mais importante napesca experimental foi, entretanto, amigradora P. lineatus (curimba). Isso éexplicado pela retenção de grandes cardumesdessa espécie durante o fechamento dascomportas.

A atividade reprodutiva das espécies queocupam reservatórios parece variar com otempo. Visando avaliar as flutuações demédio prazo no esforço reprodutivoprimário (sensu MILLER, 1984), as variaçõesno peso das gônadas foram analisadas nosseis anos que se seguiram aorepresamento de Itaipu. Paraexcluir o efeito do tamanho dosindivíduos, a análise foibaseada nos resíduos daregressão linear entre o pesodas gônadas e o dos peixes (log-transformados; Figura 4.8).

Verifica-se que o esforçoreprodutivo, baixo nos doisprimeiros anos, aumentousignificativamente com a idadedo reservatório. Esseincremento mostrou diferençastambém significativas entre aszonas do reservatório, sendomais pronunciado na fluvial ede transição e menos relevantena lacustre.

Ao contrário dos reservatórios recentes, nosquais espécies que produzem ovos pequenosparecem ter mais sucesso que aquelasespécies com estratégias mais elaboradas,como as que envolvem corte, construção deninhos e cuidado parental, os reservatóriosantigos podem ser ocupados por espéciescom cuidado parental.

Nos reservatórios com mais de 15 anos dabacia do rio Paraná (Promissão, Ibitinga eItaipu), essas espécies compõem entre 15 e24% da captura por unidade de esforço emnúmero, enquanto nos mais novos (Rosana,Segredo, Três Irmãos) eles contribuem entre0 e 7,7% (dados derivados de SUZUKI, 1992;CESP, 1996; UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

MARINGÁ.NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 1998;AGOSTINHO; FERRETTI; GOMES; HAHN; SUZUKI; FUGI;

ABUJANRA, 1997).

Anos

-0,3

-0,2

-0,1

0,0

0,1

0,2

0,3

84 85 86 87 88

Fluvial

Transição

Lacustre

Re

síd

uo

s

Figura 4.8 - Variações no peso das gônadas de peixes após aformação do reservatório de Itaipu, estimado com basenos resíduos derivados da regressão linear entre oslogarítimos dos pesos das gônadas e total para diferenteszonas do reservatório de Itaipu (Fonte:

, 1999).AGOSTINHO;

MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI

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126 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

Em reservatórios rasos e antigos do estadodo Paraná, essa participação alcança 40,4%(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ.NUPÉLIA/

COPEL, 2000). A proliferação de macrófitasaquáticas com o tempo parece importante noaumento das populações com estratégiasreprodutivas que envolvam cuidadoparental.

No reservatório de Itaipu, o incremento nascapturas da traíra Hoplias malabaricus eciclídeos foi concomitante à ocupação dealguns braços com macrófitas aquáticas. Aexistência dessa relação pode ser evidenciadapor uma modalidade de pesca artesanalimplantada no reservatório nos últimosanos, destinada à captura da traira e queconsiste no uso de anzol e linha suspensospor um flutuante, instalados às dezenas emmeio à vegetação (AGOSTINHO; JÚLIO JÚNIOR;

PETRERE JUNIOR, 1994).

Das 31 espécies para as quais foi possívelidentificar atividade reprodutiva noreservatório de Itaipu, onze apresentaram asprimeiras evidências disso após o quarto anodo represamento, destacando-se entre essas acorvina P. squamosissimus, o sagüiruSteindacnerina insculpta, o linguadoCatathyridium jenynsii, cascudos Loricariichthyssp., Loricariichthys platymetopon e Loricaria sp.,a piranha Serrassalmus marginatus e amorenita Porotergus ellisi. Exceto a primeira,abundante desde o início do represamento,as demais eram esporádicas nos primeirosanos.

As áreas de desova iniciais de P.squamosissimus eram os trechos lóticos dostributários laterais desse reservatório, onde

sua ocorrência era restrita ao períodoreprodutivo. Após 15 anos, a área de desovafoi notavelmente expandida, incluindo ostrechos lênticos dos tributários e as áreaslitorâneas do reservatório (UNIVERSIDADE

ESTADUAL DE MARINGÁ.NUPÉLIA/ITAIPU

BINACIONAL, 1998).

O sucesso dessa espécie na colonização dessee de outros reservatórios da bacia do Paranápode ser explicado pela sua estratégiareprodutiva. Essa espécie produz ovospequenos (0,51 mm) que são depositados emvárias posturas durante o períodoreprodutivo. Os ovos são pelágicos(FONTENELE; PEIXOTO, 1978), e têm uma gota delipídio que ocupa quase todo o volume doovo, responsável pela sua flutuação. Aslarvas também são pelágicas (NAKATANI;

LATINI; BAUMGARTNER, G.; BAUMGARTNER, M.S.T.,1993; NAKATANI; BAUMGARTNER, G.;

BAUMGARTNER, M.S.T, 1997).

No geral, entretanto, os peixes apresentamgrande dependência da zona fluvial dosreservatórios para realizar seus eventosreprodutivos. Em Itaipu, três espéciesreproduzem essencialmente nesta zona(A. osteomystax, A. ucaylaensis e I. labrosus).Além dessas, constatou-se a presença de 18espécies com capturas relevantes durante osanos, mas que não mostraram atividadereprodutiva no reservatório. Entre essasestão as grandes migradoras como Salminusbrasiliensis, Pseudoplatystoma corruscans, P.maculatus, P. lineatus, Zungaro zungaro,Pinirampus pirinampu, Leporinus elongatus, L.obtusidens, Hemisorubim platyhrynchos, P.granulosus, Rhinelepis aspera, e Rhaphiodonvulpinus, e outras espécies como

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 127127127127127

A. valenciennesi, Schizodon altoparanae, S.borellii, Sorubim lima, Cyphocharax modestus e C.nagelii, que, embora não conhecidas comograndes migradoras (VAZZOLER, 1996), devemrequerer ambiente lótico para efetivar areprodução.

Hypophthalmus edentatus, espécie de hábitospelágicos, planctófaga, com produção degrande quantidade de ovos pequenosdepositados em vários lotes, e desova noambiente represado, parecia destinada aosucesso no reservatório. Nos primeiros anosfigurou entre as mais abundantes na pescacomercial e experimental (AGOSTINHO;

BORGHETTI; VAZZOLER; GOMES, 1994; AGOSTINHO;

JÚLIO JÚNIOR; PETRERE JUNIOR, 1994), tendo, noentanto, sua captura notavelmente reduzidanos últimos anos. Embora o fato possa estarassociado ao final da fase heterotrófica,devem-se ressaltar a pressão de predaçãoimposta pela corvina P.squamosissimus sobre seusjovens (AGOSTINHO; JÚLIO

JUNIOR, 1996; HAHN;

AGOSTINHO; GOITEIN, 1997) ea sobrepesca (AGOSTINHO;

THOMAZ; MINTE-VERA;

WINEMILLER, 2000).

A concomitância na quedadessa espécie com outraque na fase jovem temdieta similar (A.osteomystax), que não épredada pela corvina e nãotem relevância na pesca,sugere que essa queda naabundância esteja maisassociada à disponibilidade

de alimento apropriado (ABUJANRA;

AGOSTINHO, 2002). Entretanto, é provável queuma interação de fatores seja responsávelpela depleção em seus estoques (AMBRÓSIO;

AGOSTINHO; GOMES; OKADA, 2001).

Embora os efeitos dos represamentos sobre ariqueza de espécies não tenha ainda sidosatisfatoriamente estudados em riosneotropicais, os levantamentos disponíveismostram que há um aumento no número deespécies nos primeiros anos após oenchimento. Comparações entre o númerode espécies aferido antes e após orepresamento de quatro reservatórios dabacia do rio Paraná (teste t para amostraspareadas, aplicado aos dados previamentelog transformados) revelaram que essenúmero é significativamente maior nos doisanos subseqüentes ao represamento(Figura 4.9).

Reservatórios

20

30

40

50

60

70

80

Rosana Três Irmãos Jordão Corumba

pré-represamento

Pós-represamento

Riq

ue

zad

ee

spé

cie

s

Figura 4.9 - Variações na riqueza de espécies antes e após 2 anos daformação de quatro reservatórios da bacia do rio Paraná (Fonte:

, 1999).AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI

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128 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

Cabe ressaltar, entretanto, que a aplicaçãoda mesma estratégia de amostragem nasfases rio e reservatório pode levar asubestimativas no número de espécies naprimeira. Há que se considerar que orepresamento, nos primeiros anos, acolhetanto as espécies tipicamente fluviaisquanto aquelas de lagoas e riachos da áreaalagada ou de suas imediações.

De qualquer maneira, o número de espéciespresentes na área recém-represada não deveser muito inferior àquele representado pelasomatória das espécies dos ambientesalagados. Balon (1973) sugere padrãosimilar para o reservatório de Kariba,enfatizando, entretanto, que a riqueza tendea cair no final da fase heterotrófica.

Já a diversidade específica, cujo valordepende do número de espécies e daproporção de indivíduosentre elas, tende a cair jános primeiros anos, comodecorrência daextraordinária abundânciade algumas espécies(elevada dominância) queencontram farto recursoalimentar no ambienterepresado e têm elevadacapacidade reprodutiva(Figura 4.10).

Passada a faseheterotrófica, sãoesperadas reduções nariqueza e na diversidadeespecífica. Comparaçõesentre as faunas de peixes

de dois reservatórios do rio Iguaçu, comidades distintas, fornecem indicações sobreisso. Segredo e Foz do Areia sãoreservatórios contíguos no rio Iguaçu, sendoque o remanso do primeiro alcança abarragem do segundo. Supõe-se que aictiofauna original do trecho do rio ocupadopor eles tenha sido similar, e que asdiferenças constatadas entre as amostras depeixes dos dois ambientes decorram dasdiferenças em suas idades (1 ano e 14 anos,respectivamente, na época em que o estudofoi realizado).

Assim, valores significativamente menoresde riqueza de espécies (H de Kruskal-Wallis=3,97; P=0,046), equitabilidade(H=3,85; P=0,049) e, conseqüentemente, doíndice de Shannon-Wienner, observados noreservatório mais antigo, devem refletir oprocesso de perda de diversidade com o

2,0

2,4

2,8

3,2

Pré-represamento Pós(ano I) Pós(ano II)

(30; 0,66)

(35; 0,58)

(30; 0,43)

Fases

Div

ers

idade

de

Shannon

(H’)

Fig. 4.10 - Variações no índice de diversidade de Shannon (H') nafase de pré-represamento e nos dois anos após o represamentodo reservatório de Jordão (números entre parênteses indicam ariqueza de espécies e equitabilidade; Modificado de

, 2002).UEM-

NUPÉLIA-COPEL

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 129129129129129

envelhecimento do reservatório (Figura4.11). Esses dados indicam ainda diferençasna intensidade dessas perdas, sendo elasmais acentuadas na zona lacustre.

Com o objetivo de avaliar as variaçõestemporais na diversidade,considerando-se os distintoshábitats ao longo dereservatórios, foramanalisados padrões dediversidade β de amostrasobtidas durante sete anos emtrês regiões do reservatório deItaipu, através de uma Análisede Correspondência comremoção do efeito de arco(DCA).

A diversidade β éessencialmente uma medida dequão diferentes (ou similares)um conjunto de hábitats ouamostras são em termos desuas espécies e abundâncias.Assim, quanto menos espéciesas diferentes assembléias ouposições no gradientepartilharem, maior será adiversidade β (MAGURRAN,1988).

Os dois primeiros eixosmostraram que a variânciaanual foi substancialmentemaior que a variância entre aszonas do reservatório,sugerindo que o padrão dediversidade β para oreservatório de Itaipu varia

principalmente ao longo do ano (Figura 4.12;AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ;

SUZUKI, 1999). A DCA revelou ainda que asdiferenças entre as zonas lacustre, transição efluvial tendem a aumentar com a idade doreservatório (exceto 1997).

1,0

1,2

1,4

1,6

1,8

2,0

Fluvial Transição Lacustre

(29; 0,53) (29; 0,48)

(25; 0,46)

(22; 0,33)

Zonas

Div

ers

ida

de

de

Sh

an

no

n(H

’)

Figura 4.11 - Valores do índice de diversidade de Shannon paraas comunidades de peixes dos reservatórios de Segredo (1ano) e Foz do Areia (14 anos), considerando a zonação.(número entre parênteses: riqueza e equitabilidade;Fonte:

, 1999)AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ;

SUZUKI

(35; 0,50)

(28; 0,38)

Segredo

Foz do Areia

L

F

TL

F

T L

F

T

L

F

TL

FT

L

F

T

L

FT

83

84

85

86

87

88

97

DCA 1

DC

A2

Fig. 4.12 - Escores das zonas/anos do reservatório de Itaipuderivados de uma Análise de Correspondência comremoção do efeito do arco (DCA; L=Lacustre; T=Transição;F=Fluvial; 83-87 indicam os anos de coleta; Fonte

, 1999).AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI

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130 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

Conclui-se, portanto, que emum grande reservatório, comoo de Itaipu, há uma tendênciade redução no número deespécies partilhadas entre asdiferentes zonas ao longo dotempo, conforme tambémapontado por Oliveira, Goularte Minte-Vera (2004).

A dispersão das espécies aolongo dos eixos 1 e 2 da DCA,realizada para o reservatóriode Itaipu (Figura 4.13), indicaque as espécies migradoras delongas distâncias e de grandeporte (Ls > 50 cm)apresentaram os seus ótimos(máximas abundâncias) somente nos anosque sucederam a formação da barragem. Aocontrário, as assembléias nos anos maisrecentes são dominadas por espéciessedentárias e de porte médio (Ls =20-50 cm).

A redução no comprimento médio dosindivíduos que compõem a comunidade depeixes, pelas implicações que tem narentabilidade da pesca, é o aspecto maisnotável em relação às alterações naictiofauna. Esse decréscimo no tamanhomédio tem sido relatado por diversosautores (ARAÚJO-LIMA; AGOSTINHO; FABRÉ, 1995;AGOSTINHO; VAZZOLER; THOMAZ, 1995; PETRERE

JUNIOR, 1996; BENEDITO-CECÍLIO; AGOSTINHO;

JÚLIO JÚNIOR; PAVANELLI, 1997).

A depleção nos estoques de espécies degrande porte, geralmente com hábitosmigradores e piscívoros, tem impactosconsideráveis, não tanto sobre o rendimento

pesqueiro, mas principalmente nalucratividade e nas estratégias de pesca(AGOSTINHO; GOMES, 2005). A Figura 4.14mostra a composição do pescadodesembarcado pela pesca artesanal, antes eapós a formação do reservatório de Itaipu.As oito espécies mais importantes naspescarias antes do represamentodesenvolvem grandes migrações, seisalcançam comprimentos superiores a ummetro, e seis são caracteristicamentepiscívoras. São, ainda hoje, consideradospeixes de excepcional valor comercial, cujospreços oscilam entre duas e quatro vezes omaior preço praticado pelo pescado maiscomercializado no reservatório de Itaipu(AGOSTINHO; JÚLIO JÚNIOR; PETRERE JUNIOR, 1994).

A análise dos dados da pesca experimentalconfirma essa tendência de reduçãogradativa do tamanho dos peixes com otempo. Uma análise de correlação de Pearson

DCA 1

l

l

l

m

mm

m

m

m

m

m

s

s

s

s

l

l

ll l

ll

lll m

m

m

m

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m

m

m

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m

mm

m

m

m m

ss

ss

s

s

s

s

s

ss

s

DC

A2

s

s

m

m

mm

Figura 4.13 - Escores das espécies derivados de uma DCA obtidapara o reservatórios de Itaipu. (s = espécies de pequenoporte, Ls < 20 cm; m = especies de porte médio, Ls = 20-50cm; l= espécies de grande porte, Ls > 50 cm; Fonte:

, 1999).AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI

Migradores de longa distânciaMigradores de curta distânciaSedentáriosDesconhecidos

Gradiente temporal

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 131131131131131

entre a freqüência das classes detamanho e a idade doreservatório de Itaipu (entre1983 e 1997), revela que afreqüência de indivíduosmenores tem correlaçãopositiva com o tempo decorridodo fechamento das comportas.As classes de tamanho maisfreqüentes no período (entre 15e 30 cm) e as maiores (40 a 50cm) estiveram negativamentecorrelacionadas com esse tempo(Figura 4.15).

A abundância de peixes, aexemplo da diversidade e dotamanho dos peixes, tambémmuda após o represamento.Comparações entre os valoresda captura por unidade deesforço, obtidos antes e até doisanos após o represamento, erealizadas com a aplicação doteste t para amostras pareadas(previamente logtransformados), revelaram,para quatro reservatórios, umincremento significativo naabundância de indivíduos apóso represamento (t=6.72;P=0,0067) – Figura 4.16.

Essa tendência, esperada nosprimeiros anos em razão dogrande aporte de nutrientes e da elevação daprodutividade primária, torna-se maisacentuada quando a formação doreservatório simula uma grande cheia(enchimento durante a quadra reprodutiva

que assegure um bom suprimento alimentarpara os jovens), especialmente se o segmentoda bacia comporta uma fauna relevante deespécies migradoras, como o caso doreservatório de Corumbá.

*Z. jahu*P.mesopotamicus

*S. brasiliensis*P.corruscans

*P.lineatus*P.fasciatus

*B.orbignyanus*P.pirinampus

S.borelliiH.edentatus

P.squamosimusP.granulosus

R.asperaP.maculatus

H.malabaricus*R.vulpinus

I.labrosus

0 10 20 30 40

(Fr)

1977

0 10 20 30 40

(Fr)

0 10 20 30 40(Fr)

1987 1997

Figura 4.14 - Composição do pescado desembarcado na pescaprofissional do reservatório de Itaipu, antes (1977) e após orepresamento (1987 e 1997). Espécies grafadas em negritosão grandes migradoras, * indicam aquelas que alcançamcomprimentos superiores a a 60,0 cm (Fonte:

, 2003).AGOSTINHO;

GOMES; SUZUKI; JÚLIO JÚNIOR

Classes de Comprimento Padrão (cm)

-1,0

-0,5

0,0

0,5

1,0

0- 5 5-10 10-15 15-20 20-25 25-30 30-35 35-40 40-45 45-50

Cor

rela

ção

Figura 4.15 - Coeficientes de correlação de Pearson entre asabundancias de peixes e a idade do reservatório de Itaipu(1983-1997) para diferentes classes de comprimento(Fonte:

, 1999).AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ;

SUZUKI

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132 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

O elevado rendimento de peixesem reservatórios tende, entretanto,a reduzir com o tempo e dependedas características físicas dessesambientes. Uma análise deregressão múltipla aplicada aosvalores de CPUE (variável respostalog transformada) obtidos em novereservatórios (Itaipu, Segredo,Areia, Corumbá, Rosana, TrêsIrmãos, Promissão, Ibitinga, NovaAvanhandava) de diferentes áreas(8 a 1.350 km2, log transformadas),idades (1 a 23 anos, raiz quadrada) etempo de residência (1,2 a 118 dias;raiz quadrada), revelou que as trêsvariáveis explicam 88% da variaçãoobservada na CPUE (R2). A hipótese conjuntade que que pelo menos um coeficienteparcial fosse igual a zero foi rejeitada(F=12,25; gl=3,5; P=0,010).

Os coeficientes parciais (padronizados)obtidos para idade do reservatório e tempode residência foram significativos e iguais a–0,493 (t=2,85; P=0,036) e 0,576 (t=3,65;P=0,015), respectivamente. O coeficienteparcial da área, igual a –3,81, não foisignificativo, considerando um nível de 5%(t=-2,202; P=0,079).

Embora devam ser ressaltadas as restriçõesimpostas pelo baixo número dereservatórios analisados, fato que leva aconsiderar esses dados como preliminares,eles revelam que reservatórios com altostempos de residência apresentam maiorabundância de peixes, o oposto sendoverificado para aqueles antigos e commaior área.

Além disso, a análise das variações da CPUEno período que se seguiu à formação doreservatório de Itaipu revela tendênciasdistintas de variação conforme a zonaconsiderada desse ambiente (Figura 4.17).

No terço superior (zona fluvial), constatou-seum decréscimo acentuado nos primeiros anosapós o represamento, seguido de um períodode grandes oscilações e tendências deincremento no último ano. Na zona detransição, as capturas em número oscilaramem torno de um valor médio, com leveincremento a partir do segundo ano. Ascapturas em peso, entretanto, decresceram apartir do terceiro ano e elevaram-se noúltimo. Na zona lacustre, constatou-se umdecréscimo contínuo desde o represamento,tanto em número (de 285 para 134 ind./1.000m2 de rede/24h) quanto em peso (de 80,4para 20,7 kg/1.000m2 rede/24h).

Na fase de enchimento e períodosimediatamente seguintes, a incorporação da

Reservatórios

0

100

200

300

400

500

600

700

800

Rosana Três Irmãos Jordão Corumba

Antes

Depois

CP

UE

(núm

ero

sde

indiv

íduos)

Fig. 4.16. Variações na captura por unidade de esforço(indivíduos por 1000m de redes em 24h) antes e apósa formação de quatro reservatórios da bacia do rioParaná

2

(Fonte:1999).AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES;

THOMAZ; SUZUKI;

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 133133133133133

matéria orgânica terrestre ao sistemaaquático eleva de modo extraordinárioa disponibilidade de alimento,especialmente para espécies depequeno porte com hábitos insetívoro,herbívoro e onívoro e, comodecorrência da proliferação dessas, depiscívoros. Essa disponibilidade tendea reduzir-se conforme os processos demineralização da matéria orgânicaprogridem, os nutrientes são exauridosou carreados para jusante.

A riqueza de nutrientes e a elevadaprodutividade primária asseguramelevada produtividade secundária porum período maior, especialmente paraos peixes planctófagos (TUNDISI;

MATSUMURA-TUNDISI; CALIJURI, c1993).Também o aumento nadisponibilidade de substrato para odesenvolvimento do perifiton(alagamento de vegetação arbórea econstruções feitas pelo homem) tornaesse recurso altamente disponível paraos peixes iliófagos (PETRERE JUNIOR,1996; AGOSTINHO; GOMES, 1998).

Quedas no rendimento de espécies comesse hábito alimentar têm sido atribuídas àdecomposição de troncos e galhos noreservatório de Itaipu (AGOSTINHO; VAZZOLER;

GOMES; OKADA, 1993; GOMES; AGOSTINHO, 1997).

Em relação à estratégia alimentar, osreservatórios tendem a favorecer as espéciescom maior plasticidade na dieta e que nãoapresentem restrições relevantes nas demaisestratégias de vida. A elevada abundância dealimento disponível nas fases iniciais dos

reservatórios pode ser avaliada pelaquantidade de alimento consumido emrelação à fase anterior ao represamento.

Uma avaliação nesse sentido foi realizadapara os reservatórios de Corumbá e Jordão, apartir dos resíduos da regressão entre osdados log-transformados do peso dosestômagos e peso total de amostras obtidasantes e após a formação desses reservatórios(Figura 4.18).

83 84 85 86 87 88 89 97anos

0

50

100

150

200

250

300

0

20

40

60

80

100

CP

UE

(pe

so)

83 84 85 86 87 88 89 97anos

Zona fluvial(Guaíra)

Zona de transição(Santa Helena)

Zona lacustre(Fóz)

Figura 4.17 - Variações na captura por 1000m deredes de espera por 24h (número de indivíduos oupeso, em kg) na pesca experimental realizada noreservatório de Itaipu

2

(Fonte:, 1999).

AGOSTINHO;MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI

CP

UE

(nú

me

ro)

CP

UE

(nú

me

ro)

CP

UE

(nú

me

ro)

CP

UE

(pe

so)

CP

UE

(pe

so)

0

50

100

150

200

250

300

0

20

40

60

80

100

0

50

100

150

200

250

300

0

20

40

60

80

100

83 84 85 86 87 88 89 97anos

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134 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

Análises de variância aplicadas aesses dados revelaram que o pesodos estômagos e, portanto, a tomadade alimento, aumentousignificativamente após orepresamento, tanto no reservatóriode Corumbá (F=7,46; P=0,001),quanto no de Jordão (F=389,72;P=0,001).

A análise das proporções daabundância das categorias tróficasem seis reservatórios de diferentessub-bacias (Corumbá, Jordão, TrêsIrmãos, Rosana, Itaipu e Tucurui),realizada antes e nos dois anosimediatamente após o represamento,não permitiu definir um padrãoúnico de ocupação pelas diferentesguildas, exceto pela redução naabundância dos detritívoros-iliófagos, grupo dominante em todosos sistemas fluviais em que essesreservatórios foram construídos(LEITE, 1993; AGOSTINHO; JÚLIO JÚNIOR; PETRERE

JUNIOR, 1994; PETRERE JUNIOR, 1996; CESP, 1996).

Mesmo os detritívoros/iliófagos, comtendências de reduções substanciais após orepresamento (redução entre ½ a ¾ nessesreservatórios) tiveram uma participaçãorelevante nas capturas do reservatório deJordão (antes: 26,4%; após: 40,3%).

Os zooplanctívoros, presentes na fase rio dedois deles, apresentaram tendências deocupação distintas, sendo a guilda maisabundante em Itaipu (AGOSTINHO; JÚLIO JÚNIOR;

PETRERE JUNIOR, 1994), porém a menosimportante em Rosana (CESP, 1996).

Os herbívoros tiveram marcante incrementona participação (CPUE-número) nos doisreservatórios em que a guilda eraimportante antes do represamento, ou seja,os reservatórios de Corumbá (antes: 13,2%;após: 42,2%) e de Jordão (antes: 31,5%; após:46,7%). Resultados semelhantes foramregistrados para o reservatório de Curuá-Una, na bacia Amazônica (FERREIRA, 1984b).

Já nos reservatórios em que a participaçãoanterior dessa categoria trófica era baixa suacontribuição nas capturas totais não sealterou nem mesmo caiu. Esse foi o caso dosreservatórios de Três Irmãos (antes: 1,7%;após: 0,3%), Tucuruí (antes: 4,0%; após: 2,0%),

Figura 4.18 - Variações no peso dos estômagos depeixes antes e após o represamento, estimado combase nos resíduos derivados da regressão linearentre os logarítimos dos pesos de estômago e total(Fonte:

, 1999).AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES;

THOMAZ; SUZUKI

-0,12

-0,09

-0,06

-0,03

0,00

0,03

0,06

antes depois

Reservatório de Corumbá

Fase

-0,14

-0,10

-0,06

-0,02

0,02

0,06

0,10

0,14

pré-represamento pós (ano I) pós (ano II)

Reservatório de Jordão

Fase

Re

síd

uo

sR

esí

du

os

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 135135135135135

Rosana (antes: 2,7%; após: 2,6%) e Itaipu(antes: 2,0%; após: 3,0%).

Mesmo o esperado incremento de piscívoroslogo após o represamento não é umfenômeno com tendência generalizada.Ocorreu em Tucuruí (antes: 16,7%; após:46,0%), Corumbá (antes: 10,3%; após: 12,7%)e Rosana (antes: 21,9%; após: 28,0%). Já umatendência oposta foi observada em Itaipu(antes: 26,7%; após: 19,2%) e Três Irmãos(antes: 32,5%; após: 29,6%).

Os resultados indicam que a estrutura tróficanos primeiros anos do represamento, tidoscomo decisivos no processo de colonizaçãoposterior (RODRÍGUEZ RUIZ, 1998), parecedepender (i) da presença de elementos daguilda pré-adaptados às condições lacustres(eurióicas) e com grande plasticidade nasestratégias alimentares (eurífagas) ereprodutivas; (ii) do tamanho dos estoquesque ficam retidos acima da barragem.

Isso parece mais decisivo sobre o processo deocupação que a própria disponibilidade deum dado recurso alimentar. A elevadabiomassa de plâncton, especialmente na faseheterotrófica, não tem sido utilizada porpeixes adultos nos grandes reservatórios doalto rio Paraná, em razão da inexistência deespécies pré-adaptadas às condiçõespelágicas (GOMES; MIRANDA, 2001). Mesmo noreservatório de Rosana, onde ocorre umaespécie zooplanctívora-filtradora, esta nãoteve sua ocupação bem-sucedida,provavelmente pelo fato de o estoque retidona barragem não ter alcançado os limiaresdemográficos críticos para que a populaçãofosse viabilizada.

O sucesso dos herbívoros em algunsreservatórios esteve, aparentemente,relacionado à sua importância no sistemafluvial. Já os piscívoros, tornaram-separticularmente abundantes emreservatórios de bacias em que espécies pré-adaptadas às condições lacustres eramabundantes, como Cichla sp. e Plagioscion sp.,em Tucuruí (LEITE, 1993; PETRERE JUNIOR,1996).

Em reservatórios mais antigos, acomunidade de peixes parece sustentadaprincipalmente por recursos de origemautóctone (aquática), apresentando tambémmaior dependência das regiões litorâneaspara a obtenção desses recursos (ARAÚJO-LIMA;

AGOSTINHO; FABRÉ, 1995; HOFLING; FERREIRA;

RIBEIRO NETO; BRUNINI, 2000; SMITH; PEREIRA;

ESPÍNDOLA; ROCHA, 2003). Agostinho eZalewski (1995), analisando aspectos tróficosdo reservatório de Itaipu após quatro anosde sua formação, estimaram que mais de 70%da biomassa de peixes era composta porespécies com dieta composta de itensautóctones (plâncton, bentos e peixes), 25%se alimentavam de detritos de origem mistae apenas 5% utilizavam alimento de origemecotonal (folhas, frutos, insetos terrestres).

Essa tendência parece acentuar-se com otempo, como demonstram os resultadosobtidos por Hahn, Agostinho, Gomes e Bini(1998) e mostrados na Figura 4.19. Para oreservatório como um todo, as espéciesinsetívoras, piscívoras e planctófagasconstituíram a base das capturas nos últimosanos. Esses autores ressaltam que taismudanças temporais apresentam variaçõesconforme a zona do reservatório considerada.

Page 30: Cap 04-Ecol Man Rec Pesq.pdf

136 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

Assim, as guildas bentófaga ea detritívora (sensu FUGI; HAHN;

AGOSTINHO, 1996)apresentaram maiorbiomassa na zona fluvial,enquanto que a planctófaga,iliófaga (sensu FUGI; HAHN;

AGOSTINHO, 1996), piscívora einsetívora foram maisimportantes nas partes maislacustres do reservatório. Asamplitudes dessas variaçõessão também distintas entre aszonas do reservatório, comflutuações poucopronunciadas já a partir do 3o

ano nas partes mais internas(lacustre e transição), eamplas ao longo de todo operíodo, no terço superior.

Amostragens realizadas no15o ano da formação doreservatório de Itaipu(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

MARINGÁ.NUPÉLIA/ITAIPU

BINACIONAL, 1998) revelam,entretanto, acentuadoincremento de piscívoros(33% do número e 52% da biomassa) eonívoros (19,4% e 24,5%) em relação aos anosiniciais, e redução de insetívoros (9,3% e5,3%) e planctófagos (0,9% e 2,3%).

Marcante redução de planctófagos ocorreunas zonas mais internas do reservatório,onde eram mais abundantes. Ferreira(1984b), analisando a estrutura trófica doreservatório de Curuá-Una, na Amazônia,cinco anos após sua formação, relata o

predomínio dos herbívoros (42,2% dabiomassa), seguidos dos invertívoros(30,7%), piscívoros (25,5%) e detritívoros(1,4%), destacando-se as variaçõeslongitudinais nessas proporções.

Como já mencionado, no rio Iguaçu, Segredoe Foz do Areia são reservatórios contíguos,porém com idades distintas (1 e 14 anos,respectivamente, na época de estudo). Nessesreservatórios, as alterações mais relevantes

83-84 84-85 85-86 86-87 87-88 88-89Anos

0

20

40

60

80

100

83-84 84-85 85-86 86-87 87-88 88-89

Número

Biomassa

Anos

Fig. 4.19 - Variações nas proporções das categorias tróficas noreservatório de Itaipu ( , 1998).HAHN; AGOSTINHO; GOMES; BINI

Cate

gorias

(%)

Tró

ficas

0

20

40

60

80

100

Cate

gorias

(%)

Tró

ficas

onívoros

piscívoros

insetívoros aquáticos

insetívoros terrestres

bentófagos

iliófagos

detritívoros

herbívoros planctívoros

onívoros

piscívoros

insetívoros terrestres

bentófagos insetívoros aquáticos

iliófagos

detritívoros

planctívorosherbívoros

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 137137137137137

insetos plantas algas detrito/sedimento peixes tecameba crustáceo outros

0

10

20

30

40

50

Fre

ên

cia

de

oco

rrê

nci

a

Reservatório de SegredoReservatório de Foz do Areia

Recurso de dieta

Figura 4.20 - Freqüência de ocorrência das diferentes categoriasde recursos na dieta das assembléias de peixes dosreservatórios de Segredo e Foz do Areia, rio Iguaçu (Fonte:AGOSTINHO; FERRETTI; GOMES; HAHN; SUZUKI; FUGI;ABUJANRA, 1997).

envolveram as guildas detritívora eherbívora, a primeira mais abundante emSegredo (46% x 6%) e a segunda em Foz doAreia (70% x 32%) - Agostinho, Ferretti,Gomes, Hahn, Suzuki, Fugi e Abujanra(1997).

Visando inferir sobre as alterações nadisponibilidade de alimento com a idade doreservatório, esses autores analisaram osconteúdos estomacais de todos os indivíduoscujas espécies, no ciclo de um ano,correspondessem por 97% das capturas decada um deles. Os recursos explorados pelasassembléias de peixes dos dois reservatóriosforam classificados como algas, vegetaissuperiores, tecamebas, insetos, crustáceos,outros invertebrados, peixes e detritos.

Tendo como critério a freqüência deocorrência de cada uma dessas categorias dealimento nos estômagos dos exemplarescapturados, independentemente da espécie,verificou-se que insetos e vegetais foram ositens mais amplamenteutilizados, em ambos osreservatórios (Figura 4.20).Esses recursos foram, noentanto, mais importantes noreservatório de Foz do Areia,onde 76% dos indivíduos osconsumiram (44% emSegredo).

A elevada abundância deAstyanax sp.b, uma espécieherbívora, esteve relacionadaà importância desse recursoem ambos os reservatórios,com destaque para o de Foz

do Areia. Já os insetos participaram da dietade todas as espécies, exceto H. malabaricus. Ostaxa dos insetos foram, no entanto, diferentesentre os dois reservatórios, com amplopredomínio de himenópteros no mais antigoe de coleópteros no mais recente (AGOSTINHO;

FERRETTI; GOMES; HAHN; SUZUKI; FUGI; ABUJANRA,1997).

Entre os demais recursos, os peixes ecrustáceos tiveram participação similar nosdois ambientes, enquanto algas, detrito/sedimento e tecamebas reduziramdrasticamente sua importância na dieta dospeixes no reservatório mais antigo.

Em reservatórios rasos e antigos da bacia dorio Paraná (>30 anos), os recursos maisabundantes parecem ser os detritos e insetos(ARCIFA; FROEHLICH; NORTHCOTE, 1988; ARCIFA;

MESCHIATTI, 1993; ABELHA; GOULART; PERETTI,2005), com amplo predomínio de espéciesonívoras (ARAÚJO-LIMA; AGOSTINHO; FABRÉ,1995).

Page 32: Cap 04-Ecol Man Rec Pesq.pdf

138 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

Jusante do Reservatório

A s características hidrológicas de um rio modelam os componentes físicos,químicos e biológicos dos ecossistemasfluviais (PETTS, c1984). Velocidade da água,variabilidade na descarga em diferentesescalas temporais, freqüência de vazõesextremas exercem um controle fundamentalsobre a natureza dos hábitats e dosorganismos presentes (NEIFF, 1990). Emsistemas naturais, onde as comunidadespresentes são resultantes de um longoprocesso evolutivo, as espécies têm seusciclos de vida fortemente associados àdinâmica do regime hidrológico (JUNK;

BAYLEY; SPARKS, 1989; NEIFF, 1990).

Os represamentos, independentemente desuas finalidades, são construídos para alterara distribuição natural das vazões no tempo eno espaço, comprometendo assim osaspectos da dinâmica dos rios que sãofundamentais para a manutenção dascaracterísticas dos ecossistemas aquáticos(WCD, 2000), incluindo a ictiofauna e seushábitats.

Embora o controle da vazão, incluindo aépoca, freqüência e a intensidade dos pulsos,seja a principal fonte de impacto no trecho ajusante de um reservatório, outras fontes sãotambém relevantes, com destaque para aretenção de sedimentos e nutrientes, o

A origem do detrito não está clara, masMozeto, Nogueira e Esteves (1988)encontraram que, na represa do Lobo, ele écomposto principalmente de carbono demacrófitas e input dos tributários. ParaTundisi, Matsumura-Tundisi e Calijuri(c1993) as macrófitas são, de longe, oalimento mais importante para herbívoros edetritívoros em reservatórios da Amazônia.

A produtividade e a estrutura dascomunidades em reservatórios mais antigosparecem ser afetadas pelo número e tipo depredadores. Paiva, Petrere Junior, Petenate,Nepomuceno e Vasconcelos (1994),comparando 17 reservatórios do Nordeste doBrasil, demonstram que aqueles com doispredadores apresentam maior rendimentoque os com um número diferente desse,atribuindo tal resultado à competição porrecursos pelas presas e entre os predadores.

Santos, Maia-Barbosa, Vieira e López (1994)analisaram o impacto da presença de duasespécies de piscívoros introduzidos (otucunaré Cichla ocellaris e a corvina P.squamosissimus) em reservatórios do rioGrande, bacia do rio Paraná, sobre acomposição do zooplâncton e de peixesforrageiros, concluindo que a presença deambas promove o incremento na densidadedo primeiro e redução no segundo.

Essas duas espécies estão amplamentedispersas na bacia do rio Paraná (AGOSTINHO,1994). Plagioscion squamosissimus é o predadormais abundante nos grandes reservatóriosdessa bacia, enquanto C. ocellaris (=C.monoculus) tem seu sucesso determinado pelodesenvolvimento das zonas litorâneas e

estabilidade no nível da água, visto queutiliza as áreas rasas marginais para areprodução e cuidado com a prole (WILLIAMS;

WINEMILLER; TAPHORN; BALBAS, 1998).

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 139139139139139

bloqueio de rotas migratóriasde peixes e a qualidade daágua liberada.

A regulação no regime decheias nos trechos a jusante éuma decorrência esperada dequalquer represamento (WARD;

STANFORD, 1995). Assim, alémde alguma redução nadescarga, os represamentosafetam o hidrográfico natural,atenuando e retardando ospicos de cheias (Figura 4.21).

Na atenuação da intensidadedas cheias, com as vazõesmínimas sendo elevadas e asmáximas reduzidas, ocorrem perdassignificativas de hábitats, especialmente seo segmento a jusante contiver uma planíciede inundação (Figura 4.21). Nesse caso,extensas áreas estarão alagadas durante aseca, perdendo sua dinâmica sazonal,enquanto outras não serão alagadas(redução da vazão durante a época decheias), reduzindo a conectividade do riocom a sua várzea (WARD; STANDFORD, 1995).

Sazonalidade e conectividade são eventosfundamentais para a integridade biológicadas planícies de inundação (ver Box 4.1). Aredução das cheias nesses ambientes afeta aictiofauna, tanto direta (migração, desova edesenvolvimento inicial), quantoindiretamente (produtividade de áreasriparianas, planícies de inundação e deltas).

As comunidades vegetais riparianas,responsáveis por aportes importantes de

alimento, locais de abrigo e nutrientes, sãocontroladas pela interação cheias-sedimentos e muitas espécies dependem deaqüíferos rasos, que são recarregadossazonalmente pelas cheias, para ocrescimento e germinação.

Em geral, a vegetação mostra marcantesgradientes transversais na composiçãoespecífica relacionados ao grau de umidadesazonal a que está sujeita. Alterações nosníveis máximos e mínimos impostos pelosrepresamentos e os pulsos artificiaisgerados por liberações de água em épocaserradas, em termos ecológicos, sãoreconhecidos na literatura comoresponsáveis pela destruição de florestasriparias em diferentes partes do mundo(WCD, 2000).

A atenuação do hidrográfico implica severaperda de hábitats nas planícies de

1

2

3

4

5

6

J F M A M J J A S O N D

Fase I (1964 - 1967)

Fase II (1969 - 1986)

Fase III (1988 - 1997)

Fase IV (1999 - 2001)

Nív

elhi

drom

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o(m

)

Meses

Figura 4.21 - Médias mensais nos níveis hidrométricos do rioParaná na Estação Hidrométrica de Porto São José. FaseI=antes da UHE Jupiá; Fase II=antes da UHE Rosana; FaseIII=antes da UHE Porto Primavera; Fase IV=após UHEPorto Primavera (Dados fornecidos por ).DENAEE

Page 34: Cap 04-Ecol Man Rec Pesq.pdf

140 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

inundação, com impactos sobre aprodutividade e a diversidade de peixes. Aperda de conectividade é especialmentedeletéria, visto que impede o acesso daslarvas às lagoas marginais, afetando orecrutamento (AGOSTINHO; VAZZOLER; GOMES;

OKADA, 1993).

Como as variações sazonais no nível da águaanexam grandes extensões do ambienteterrestre ao sistema fluvial (zonas alagáveis),elas promovem notáveis flutuaçõesambientais que influenciam processosbiológicos e a estrutura e funcionamento dasassembléias de peixes. Assim, as flutuaçõessazonais determinam, em graus variáveis, adisponibilidade de abrigo e alimento,reprodução, crescimento, mortalidade,competição, predação e parasitismo.

Os estudos conduzidos na planície deinundação do trecho do alto rio Paranácompreendido entre os reservatórios dePorto Primavera e Itaipu, com uma extensãoaproximada de 230 km de trecho livre, têmdemonstrado que o fator ambiental de maiorrelevância no controle da reprodução dospeixes e recrutamento de novos indivíduosaos estoques explorados, inclusive os doreservatório de Itaipu, é o regime de cheias.

Isso pode ser observado não apenas pelo altograu de sincronia entre as cheias e osprincipais eventos do ciclo reprodutivo(maturação dos ovócitos, migração, desova edesenvolvimento de juvenis), mas tambémpela alta correlação entre o sucesso derecrutamento e a época, duração e amplitudedas cheias (AGOSTINHO, 1994; AGOSTINHO; JÚLIO

BoBoBoBoBox 4.1x 4.1x 4.1x 4.1x 4.1

Assembléias de peixes de lagoas em planícies de inundação tropical: explorando o papel daconectividade

PETRY, A.C.; AGOSTINHO, A.A.; GOMES, L.C. Fishassemblages of tropical floodplain lagoons: exploringthe role of connectivity in a dry year. NeotropicalIchthyology, São Paulo, v. 1, no. 2, p. 111-119, Oct./Dec. 2003.

“A irregularidade das chuvas e as reduções pronunciadas no nível hidrométrico alteraram drasticamentea conectividade hidrológica dos ambientes lênticos da planície de inundação do alto rio Paraná em 2000. Opresente trabalho teve como objetivo examinar os padrões espaciais e temporais dos atributos e da estruturadas assembléias de peixes em relação a variáveis limnológicas associadas à conectividade hidrológica. Ospeixes foram coletados em arrastos trimestrais, na área marginal de 15 lagoas, pertencentes a duas categoriasde biótopos (lagoas conectadas e desconectadas). Variações na composição das assembléias refletiram o graude conectividade hidrológica. Os valores dos atributos das assembléias (riqueza de espécies, densidade ebiomassa capturada) foram significativamente menores em lagoas conectadas em relação a lagoasdesconectadas. Valores significativamente elevados de riqueza de espécies e biomassa capturada foramregistrados em novembro em relação a agosto. Espécies raras tiveram os maiores efeitos nos padrões observadosna ordenação das assembléias de peixes (DCA). Padrões observados na variação dos atributos das assembléiasforam diretamente correlacionados a fatores relacionados à conectividade hidrológica, com a profundidade,os recursos (zooplâncton, clorofila a) e os nutrientes (fósforo total).”

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 141141141141141

JÚNIOR; PETRERE JUNIOR, 1994; GOMES;

AGOSTINHO, 1997; AGOSTINHO; GOMES; VERÍSSIMO;

OKADA, 2004).

As espécies parecem, entretanto, responderde forma diferenciada ao regime de cheias. Ograu de dependência da elevação de nível dorio é menor nas espécies sedentárias quecuidam da prole do que nos grandesmigradores que buscam os trechos altos dabacia para a desova e cujos jovens habitam asáreas alagadas durante as fases iniciais dedesenvolvimento (AGOSTINHO; GOMES;

ZALEWSKI, 2001).

Os estudos conduzidos na planície deinundação do alto rio Paraná, abaixo dePorto Primavera, demonstram que aabundância de indivíduos de espéciessedentárias em reprodução foi maior emanos secos (1986-87; Figura 4.22), enquanto ade migradoras o foi nos anos de maiorescheias (1992-93). Migradores de curtadistância mostraram tendênciasintermediárias. Contudo, para qualquer

dessas estratégias, a abundância de juvenisfoi baixa em anos sem cheias (1986-87).

Os resultados de um monitoramento dabiomassa de peixes com diferentesestratégias reprodutivas realizado em trêslagoas marginais da planície de inundaçãodo rio Paraná fornecem algumas indicaçõessobre os impactos da regulação de vazão porreservatórios. As amostras foram realizadascom arrastes, no sexto mês após o picoreprodutivo das principais espécies. Oshábitats monitorados são ocupados porjovens do ano de grandes peixes migradorese adultos e juvenis de espécies com outrasestratégias.

Como a duração da cheia foi o principal fatorligado ao recrutamento de peixes nessetrecho (GOMES; AGOSTINHO, 1997), esse atributodo regime de cheias foi empregado comovariável explanatória, sendo consideradocomo duração das cheias o número de diascompreendido entre setembro e março, emque o nível da água superou 3,5 m (221,5 m

0

15

30

45

0

0.4

0.8

1.2

CP

UE

*1000

0

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4

6

86-87 87-88 92-930

15

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45

86-87 87-88 92-930369

1215

Período (anos)

a

b

Migratório curtoSedentários Migratório longo

86-87 87-88 92-930369

1215 Migratório curtoSedentários Migratório longo

Figura 4.22 - Variação anual na abundância (CPUE=captura por unidade de esforço) de (a) adultos emreprodução e (b) peixes juvenis de acordo com a estratégia reprodutiva, no alto rio Paraná,durante anos com diferentes níveis de cheias. Índices Hidrométricos Anuais: 1986-87=0mm;1987-88=199mm; 1992-93=592mm (Fonte: , 2001).AGOSTINHO; GOMES; ZALEWSKI

CP

UE

*1000

CP

UE

*1000

CP

UE

*1000

CP

UE

*1000

CP

UE

*1000

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142 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

NM CP FI ML MC NI

Biomassa (Kg/10m )2

Estratégias reprodutivas

0

0,5

1

NM CP FI ML MC NI

Biomassa (Kg/10m )2

Estratégias reprodutivasNM CP FI ML MC NI

2001

NM CP FI ML MC NI0

0,5

2000

199919970.5

1

0

1996

0.5

11995

NM CP FI ML MC NI0

Biomassa (Kg/10m )2

1

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160

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

40

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Biomassa (Kg/10m )2

0.5

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Biomassa (Kg/10m )2

Estratégias reprodutivas Estratégias reprodutivas

Estratégias reprodutivas

NM CP FI ML MC NI

Estratégias reprodutivas

0

1

Biomassa (Kg/10m )2

NM CP FI ML MC NI

Estratégias reprodutivas

Biomassa (Kg/10m )2

1998

0

1

2

3

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5

0,5

Duração de inundação (dias por ano)

Figura 4.23 - Biomassa média estimada (kg 10m ) de peixes em três lagoas do alto rio Paraná, deacordo com as estratégias reprodutivas obtidas seis meses após o pico reprodutivo dasprincipais espécies. NM = não-migradores; CP = cuidado parental; FI = fecundação interna;ML = migradores de longa distância; MC = migradores de curta distância; NI = nãoidentificado

-2

(Fonte: AGOSTINHO; GOMES; VERÍSSIMO; OKADA, 2004).

acima do nível do mar, na estaçãohidrométrica de Porto São José).

Os peixes migradores foram favorecidos porperíodos anuais de cheias superiores a 75dias, e essas espécies foram particularmentebem-sucedidas em anos em que esse períodofoi maior (ex.: 1998) – Figura 4.23.

O fechamento do reservatório de PortoPrimavera, no final de 1998, ocorreu quandoo nível do rio encontrava-se alto, em plenoperíodo de reprodução das principaisespécies de peixes (dezembro), e resultou emuma diminuição de vazão a jusante similaràs dos períodos de seca. Tal fato explica abaixa captura de peixes em 1999, a despeitoda duração do período de cheias.

Os levantamentos realizados por Sanches(2002) durante esse período revelaram altasdensidades de larvas e, portanto, uma desovabem-sucedida. As larvas, entretanto, nãopuderam acessar os hábitats da planície emrazão da falta de conectividade, fato querefletiu na biomassa da coorte.

Após o fechamento de Porto Primavera, ascheias foram extremamente raras. Em 2000, aausência de cheias pode ser atribuída àinsuficiência de chuvas, enquanto em 2001, àcomplementação do enchimento doreservatório de Porto Primavera. Nos anosem que o nível de água abaixo de PortoPrimavera é mantido artificialmente baixo,algumas estratégias, como a dos não-migradores e com cuidado parental, podem

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 143143143143143

Média Máxima Total Verão OutonoVerão-Outono

Inverno Primavera

Média 1,00Máxima 0,41 1,00Total 0,88 0,22 1,00Verão 0,03 0,59 0,23 1,00Outono 0,91* 0,02 0,93* -0,12 1,00Verão Outono- 0,84 0,34 0,97* 0,44 0,84 1,00Inverno 0,34 -0,28 0,41 -0,56 0,51 0,16 1,00Primavera 0,11 0,17 -0,05 0,30 -0,01 0,15 -0,82 1,00Recrutamento 0,50 -0,06 0,74 0,43 0,66 0,83 -0,11 0,41

Variável

Tabela 4.1 - Matriz de correlação entre as diversas variáveis relacionadas ao regime de cheiasque podem afetar o recrutamento (defasagem temporal de um ano). Média: nível médioda água; Máxima: amplitude das cheias ou nível máximo alcançado; Total: número dedias com nível da água superior a 3,5 m em um dado ano; Verão, Outono, Verão-Outono,Inverno, Primavera: número de dias com o nível da água acima de 3,5m paracada estação e ano; * correlações significativas (Fonte: , 1997)GOMES; AGOSTINHO

ser recrutadas a partir de tributários lateraisnão diretamente afetados pela barragem.Contudo, quando as cheias são ausentes porestiagens regionais, todas as estratégias sãoafetadas.

O retardamento do pico hidrológico éesperado pelo fato de a onda de cheia sepropagar mais lentamente no ambienterepresado, especialmente quando o volumede espera é elevado. Essa ocorrência,quando exacerbada, é particularmenteadversa àquelas espécies cuja desova ésincronizada pelos picos de cheias.

Gomes e Agostinho (1997) demonstram queas variações no regime de cheias no rioParaná, acima do reservatório de Itaipu, sãocríticas para o recrutamento de curimbanesse reservatório, promovendo flutuaçõesde até 39 vezes na intensidade derecrutamento. Esses autores reportam quecheias duradouras, envolvendo o verão e ooutono, correlacionam-se fortemente com orecrutamento dessa espécie (n=5; r=0,83;Tabela 4.1).

Os procedimentos operacionais na maioriados reservatórios hidrelétricos resultam emum regime de vazão altamente variável,com alterações abruptas que podem sepropagar a vários quilômetros a jusante, atéque sejam atenuadas (PETTS, 1986). Essaocorrência é mais evidente naquelesempreendimentos destinados a atenderpicos de demanda energética. Nessasocasiões ocorre a exposição parcial ou, emcasos extremos, total do leito do rio ajusante, promovendo grandes mortandades.O caráter catastrófico dessas ocorrênciasdepende da amplitude da variação, dapresença de planícies alagáveis a jusante edo relevo do leito do rio.

A ocorrência desses pulsos é regulada pelademanda de energia, podendo, portanto,variar ao longo do dia, semanalmente oupor estação do ano. Após o início daoperação da UHE Porto Primavera, porexemplo, constata-se a elevação do débitono início da noite, provocada pelo aumentoda necessidade de geração para compensar opico de consumo.

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144 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

4,0

4,52000-2001

1987-19881993-1994

Tra

nsp

arê

nci

a(m

)

Meses

Figura 4.24 - Variações mensais na transparência da água (disco deSecchi) antes (1993-1994 e 1987-1988) e após (2000-2001) aformação do reservatório de Porto Primavera (

, 2004), no trecho do rio Paraná a jusante dabarragem.

AGOSTINHO;THOMAZ; GOMES

Fev Mar Abr Mai Jun Jlh Ago Set Out Nov Dez Jan Fev

No município de Porto Rico, cerca de 40quilômetros a jusante dessa barragem, avariação de nível do rio Paraná mostradiferenças diárias de 20 cm a mais de ummetro entre o período da manhã e o início danoite (SOUZA FILHO; ROCHA; COMUNELLO;

STEVAUX, 2004). Na região do remanescentede planície alagável do rio Paraná, essasvariações isolam lagoas onde se concentramgrandes quantidades de alevinos. Em algunslocais, essas lagoas isoladas podem dessecarprecocemente, levando a grandesmortandades de larvas, alevinos e perda debiodiversidade.

Uma evidência de efeitos erosivos são osnumerosos orifícios circulares que aparecemnas margens dos rios a jusante. Esses orifíciossão decorrentes de pipping, que é provocadopor mudanças rápidas no nível da água, oque gera um gradiente hidráulico elevado naágua do lençol freático das margens. A saídadessa água remove as partículas dos locaispor onde passa e gerauma forma particular deerosão (SOUZA FILHO;

ROCHA; COMUNELLO;

STEVAUX, 2004).

A retenção de sólidos emsuspensão e nutrientes éuma característicacomum aos reservatórios- Figura 4.24 (AGOSTINHO;

THOMAZ; GOMES, 2004). Aconcentração de materialsuspenso no rio Paraná,cerca de 25km a jusanteda barragem de PortoPrimavera, mostrou uma

redução de 24,9 para 10,8 mg.l-1 após aformação desse reservatório. A menor cargade sólidos confere à água evertida outurbinada uma maior capacidade carreadoraou erosiva, facultando-lhe promoveralterações morfológicas e granulométricasnos hábitats de jusante, com conseqüênciassobre algumas espécies.

A maior transparência da água, por outrolado, pode elevar a mortalidade porpredação dos ovos e larvas de peixes.Considera-se, neste ponto, que as espécies depeixes migradoras desovam durante operíodo de chuvas e se beneficiam daturbidez da água para a proteção da prolecontra os predadores visuais (AGOSTINHO;

GOMES; SUZUKI, JÚLIO JUNIOR, c2003).

Em relação à retenção de nutrientes, osreservatórios tendem a empobrecer asáreas a jusante. Reduções da fertilidadede planícies alagáveis e deltas de rios

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 145145145145145

Estações de Amostragem

Fósf

oro

Tota

l(µ

g)

-1

1

2

3

4

5

6

7

0

10

20

30

40

50

60

0 1 2 3 4 5 6 7 8

Figura 4.26 - Concentrações de fósforo total e clorofila-a ao longode um transecto no canal do rio Paraná, antes da formaçãodo reservatório de Porto Primavera (1 = 4 km abaixo doreservatório de Jupiá; 3 = próximo à cidade de Porto Epitácio;6 = 40 km abaixo do rio Paranapanema; 7 = 5 km acima doreservatório de Itaipu (Fonte:

, 1988; ,1989; , 1991;

,1991; ,1994).

TUNDISI; MATSUMURA-TUNDISI;HENRY; ROCHA; HINO SURHEMA/ITAIPU BINACIONAL

THOMAZ THOMAZ; ROBERTO; LANSAC-TÔHA;ESTEVES; LIMA CESP

Clo

rofil

a-a

Fósforo total

Clorofila-a

0

10

20

30

40

50

602000-2001

P-t

ota

l(µ

g.l

)-1

1987-1988

Figura 4.25 - Variações mensais na concentração de fósforo totalantes (1987-1988) e após (2000-2001) a formação doreservatório de Porto Primavera (AGOSTINHO; THOMAZ; GOMES,2004), no trecho do rio Paraná a jusante da barragem. Aslinhas horizontais indicam as médias de cada período.

Meses

Fe

v

Ma

r

Ab

r

Ma

i

Jun

Jlh

Ag

o

Se

t

Ou

t

No

v

De

z

Jan

Fe

v

Ma

r

Ab

r

Ma

i

Jun

como conseqüência dessaretenção têm sido bemestudadas em alguns paísesafricanos, envolvendo nãoapenas a pesca comotambém a agricultura e adiversidade faunística (WCD,2000).

No Brasil, essa retençãotem sido pouco estudada.Informações preliminaresindicam, entretanto, que nabacia do rio Paraná, abaixodo reservatório de PortoPrimavera, a concentraçãode fósforo total mostrousensível redução após aformação dessereservatório (Figura 4.25).

Estudos realizados no rioParaná, antes da construçãode Porto Primavera,fornecem, por outro lado,importantes indícios deque os reservatórios jáexistentes naquele períodoexerciam forte controlesobre a fertilização daplanície desse rio,retirando dela nutrientesao invés de fornecer.Observou-se, por exemplo,que as concentrações de fósforo total eclorofila a na calha do rio Paraná, baixas notrecho imediatamente a jusante doreservatório de Jupiá, têm nítido incrementoao passar pela planície (Figura 4.26;AGOSTINHO; VAZZOLER; THOMAZ, 1995).

Embora parte desse incremento possadecorrer da entrada de importantes rios notrecho, o fato de a concentração de fósforocair para menos da metade nas lagoas daplanície e aumentar na calha do rio duranteos picos de cheias, corrobora essa

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146 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

Figura 4.27 - Diagrama espacial da concentraçãode oxigênio (mg.l ; a) eno reservatório de Itaipu, em dezembro de1997.(Modificado de , 1999).

-1da temperatura ( C; b)

M = montante; R5 = barragem

o

PAGIORO

Estações

Dezembro

-160

-140

-120

-100

-80

-60

-40

-20

0

4,7

5,3

5,9

6,5

7,.1

7,7

M R1 R2 R3 R4 R5

Estações

Dezembro

-160

-140

-120

-100

-80

-60

-40

-20

0

M R1 R2 R3 R4 R5

20,7

21,7

22,7

23,7

24,7

25,7

26,7

27,7

28,7

29,7

Pro

fundid

ade

(m)

Pro

fundid

ade

(m)

a

b

interpretação. É provável que após aconstrução de Porto Primavera, que isolouimportantes rios que antes traziamnutrientes para a planície, esseempobrecimento possa estar sendo aindamaior.

A qualidade da água liberada pelosreservatórios é certamente distintadaquela do rio natural, sendo determinadapelos processos limnológicos que ocorremao longo do trecho represado e, em razãode estratificações verticais, pela posição datomada d’água na barragem. Assim, osprocessos metabólicos em reservatóriosheterotróficos tendem a produzir efluentescom baixas concentrações de oxigênio ealta de amônia ou gás sulfídrico.

Já a posição da tomada d’água é altamenterelevante, dado que a maioria dosreservatórios apresenta-se, pelo menossazonalmente, estratificado. Nesses casos,as liberações superficiais tendem a atuarcomo retentoras de nutrientes eexportadoras de calor, enquanto liberaçõesde fundo podem exportar nutrientes ereter calor.

A Figura 4.27 mostra a distribuiçãoespacial dos valores de temperatura e deconcentração do oxigênio no reservatóriode Itaipu em dezembro de 1997. Nabarragem desse reservatório, a tomadad’água localiza-se a aproximadamente 30m abaixo da superfície. Variaçõeshipotéticas na posição dessa tomadad’água produzem variações térmicas deaté 9 oC e nas concentrações de oxigênioem até 3 mg.l-1.

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 147147147147147

Contudo, diferentemente de Itaipu,reservatórios heterotróficos podemapresentar camadas anóxicas até próximo àsuperfície (MATSUMURA-TUNDISI; TUNDISI;

SAGGIO; OLIVEIRA NETO; ESPÍNDOLA, 1991;AGOSTINHO; MIRANDA; BINI; GOMES; THOMAZ;

SUZUKI, 1999).

As mudanças na qualidade da água a jusantedos reservatórios podem afetar os peixes emtrês caminhos distintos, ou seja, (i) porexceder os limites de tolerância, (ii) porinibir processos biológicos como reproduçãoe alimentação, e (iii) por alterar o balançocompetitivo e as relações predador-presa(PETTS, 1986).

Mortandades massivas a jusante sãofenômenos recorrentes em muitosreservatórios durante a fase heterotrófica(trophic upsurge period), especialmentenaqueles com tomadas d’água profundas eanóxicas (PETTS, 1986; AGOSTINHO; MIRANDA;

BINI; GOMES; THOMAZ; SUZUKI, 1999; WCD, 2000).Mudanças na composição específica sãoesperadas em razão das condições térmicasvigentes após a formação de reservatórios,com a fuga das espécies para as quais asnovas temperaturas são adversas.

Mesmo quando os adultos podem suportaras novas condições na área a jusante dasbarragens, é possível que algumas espéciestenham sua alimentação e reproduçãoinibidas. Experimentos realizados com opintado P. corruscans, uma espécie freqüentea jusante do reservatório de Itaipu, têmdemonstrado que essa espécie reduzdrasticamente a taxa de consumo alimentarem temperaturas inferiores a 20oC,

interrompendo a tomada de alimento a 18 oC(MARQUES; AGOSTINHO; SAMPAIO; AGOSTINHO,1992). Por outro lado, uma avaliação dasgônadas dos peixes a jusante do reservatóriode Itaipu, durante a quadra reprodutiva,mostrou elevadas taxas de atresia folicular,sugerindo que a falta de acesso a hábitatsadequados e as condições térmicasprevalentes levaram essas espécies areabsorverem seus gametas (AGOSTINHO;

MENDES; SUZUKI; CANZI, 1993).

A barreira física interposta pela barragemaos movimentos migratórios de peixes é oimpacto mais evidente nos represamentos,dado que geralmente resulta no acúmulo degrandes cardumes nas imediações doobstáculo e, devido à elevadavulnerabilidade à pesca, atrai grandescontingentes para a pesca ilegal.

Nos sistemas hidrográficos da América doSul, o padrão de migração predominante é odas migrações ascendentes para a reprodução(AGOSTINHO; GOMES; SUZUKI; JÚLIO JÚNIOR, c2003).Entretanto, várias espécies da Amazônia(SANTOS; FERREIRA, 1999) e mesmo da bacia dorio Paraná (BONETTO, 1986), mostramdeslocamentos descendentes para a desova.Muitas espécies amazônicas vivem grandeparte do ano nos rios de águas claras epretas, buscando aqueles de águas brancaspara a desova (ARAÚJO-LIMA; RUFFINO, c2003;ver Capítulo 2).

O bloqueio do acesso entre as áreas dealimentação e reprodução é a ocorrênciamais freqüente e geralmente atinge asespécies grandes migradoras em seusdeslocamentos ascendentes para a

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148 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

reprodução. Além disso, a área represadaoferece restrições aos deslocamentospassivos dos ovos e larvas produzidos pelofragmento populacional localizado amontante, para jusante. Essas restriçõesrelacionam-se principalmente àtransparência da água (predação de ovos elarvas), ao seu caráter lêntico (transportelento ou mesmo deposição no fundo, emgeral com menos oxigênio dissolvido) e àmortalidade durante a passagem pelaturbina ou vertedouro.

Montante do Reservatório

Os impactos dos represamentos são, em geral, menos pronunciados nossegmentos de rio acima do remanso dosreservatórios. Entretanto, a troca deindivíduos entre populações de uma região éimportante para manter suas estruturasgenéticas, especialmente quando existempopulações mais isoladas. A fragmentaçãode hábitats, fato inevitável nosrepresamentos, leva à formação demetapopulações não- naturais, acelerando aperda da heterogeneidade genética (HEDRICK;

GILPIN, c1997; AGOSTINHO; GOMES; SUZUKI; JÚLIO

JÚNIOR, c2003). Esse efeito pode ser maisimportante para espécies migradoras, pois abarragem e o trecho lêntico são, como visto,barreiras que impedem os movimentosmigratórios, influenciando, diretamente, naestrutura genética das populações. Assim, onúmero de indivíduos retido a montante éfundamental para a manutenção daheterogeneidade genética, além daintegridade de locais adequados para suaproliferação. A época do fechamento e a

posição da barragem em relação aosmovimentos e distribuição das populaçõestêm papel-chave na manutenção dabiodiversidade genética no trecho amontante.

Em bacias cuja fauna aquática sejanaturalmente fragmentada por grandesquedas d’água, os represamentos podempropiciar fantásticas misturas de fauna. Oreservatório de Itaipu, por exemplo,possibilitou, com o alagamento de SeteQuedas (Guaíra), a dispersão de pelo menos16 espécies de peixes anteriormenteconfinadas nos trechos inferiores da bacia dorio Paraná, entre as quais algumasindesejáveis à pesca, como uma piranha eduas raias (AGOSTINHO; VAZZOLER; THOMAZ,1995; AGOSTINHO; PELICICE; JÚLIO JÚNIOR, 2006).Duas das três espécies atualmentedominantes no trecho de planície a montantedo reservatório de Itaipu (GASPAR DA LUZ;

OLIVEIRA; PETRY; JÚLIO JÚNIOR; PAVANELLI; GOMES,2004) eram anteriormente confinadas nostrechos inferiores e médios desse rio.

Na barragem

Taxas elevadas de mortalidade de peixessão constatadas de forma eventual embarragens hidrelétricas. Elas decorrem dapassagem destes pelas turbinas, sua atração econfinamento no tubo de sucção durante aparada de unidades geradoras paramanutenção, sua passagem pelo vertedouroou o impacto do funcionamento deste sobrepeixes concentrados no seu canal deescoamento. Essa modalidade de impacto éanalisada no Capítulo 6.4.

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 149149149149149

Efeitos Cumulativos

Quando diversos reservatórios sãoconstruídos em um único rio, os impactoscumulativos podem induzir a drásticasreduções da fauna de peixes, podendo oprocesso de extinção ser pronunciado. Muitasbacias hidrográficas do mundo comportamatualmente múltiplos reservatórios. Estima-se que 60% das maiores bacias hidrográficasdo planeta estejam moderadas ou altamentefragmentadas por barragens (WCD, 2000). NoBrasil, a densidade de reservatórios dealguns rios da bacia do rio Paraná situa-se

entre as maiores do mundo. Assim, a calhade rios como Grande, Tietê, Paranapanema,Iguaçu e mesmo a do rio Paraná foitransformada em cascata de reservatórios.Um modelo conceitual para predizer osefeitos dos barramentos do rio Tietê sobre aqualidade da água e as assembléias defitoplâncton foi proposto por Barbosa,Padisák, Espíndola, Borics e Rocha (1999) –ver Box 4.2.

A adição de reservatórios num curso d’águaimplica aumento na perda de hábitats, nafragmentação e perda de qualidade doshábitats remanescentes, afetando os recursos,

BoBoBoBoBox 4.2.x 4.2.x 4.2.x 4.2.x 4.2.

O conceito de continuidade em cascata de reservatórios (CRCC) e suas aplicações para o rioTietê, Estado de São Paulo, Brasil

BARBOSA, F.A.R.; PADISÁK, J.; ESPÍNDOLA, E.L.G.;BORICS, G.; ROCHA, O. The cascading reservoircontinuum concept (CRCC) and its application to the riverTietê-basin, São Paulo State, Brazil. In: TUNDISI, J.G.;STRASKRABA, M. (Ed.). Theoretical reservoir ecology and itsapplications. São Carlos: International Institute of Ecology;Leiden, The Netherlands: Backhuys Publishers; Rio deJaneiro: Brazilian Academy of Sciences, 1999. p. 425-437.

“As principais mudanças na qualidade da água e nas características básicas do fitoplâncton em uma série(cascata) de 7 reservatórios no médio rio Tietê, Sudeste do Brasil, foram investigadas em fevereiro de1998 (estação chuvosa). As variáveis biologicamente não afetadas alteraram rapidamente nos reservatóriossuperiores e então permaneceram constantes, enquanto aquelas biologicamente afetadas mostraram umaresposta prolongada, que pode ser explicada apenas se a cascata for considerada como um sistema. Asmudanças no primeiro reservatório do sistema concordam com o predito no conceito de descontinuidadeserial (SDC): o contínuo do rio (RCC) é basicamente afetado. Entretanto, as mudanças nos reservatóriosa jusante tornam-se novamente contínuas e mostram que o mesmo processo se mantém operativo em todoo contínuo do rio. Portanto, um conceito de continuidade em cascata de reservatórios (CRCC) pode serproposto para a manipulação de processos ecológicos ao nível de sistema. Uma comparação dos presentesdados com aqueles registrados previamente para alguns dos reservatórios mostra um crescimento rápidona eutrofização do reservatório mais superior da cascata. Baseando-se no CRCC e no atual statusecológico e da qualidade da água da cascata Tietê, uma progressiva eutrofização a jusante pode serprevista, chamando então a atenção para urgentes necessidades de medidas restauradoras nas cabeceiras.“

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150 ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS PESQUEIROS EM RESERVATÓRIOS DO BRASIL

a sustentabilidade e a integridade dosecossistemas. Assim, a neutralização dosimpactos de primeira ordem (físicos) nabacia incremental pode não ocorrer emrazão de um novo reservatório, podendo ascondições físicas adversas (vazão,temperatura, nutrientes, etc.) se propagarpor todo o curso do rio.

Cascatas de reservatórios, pelo efeitocumulativo da retenção de nutrientes,contribuem para a oligotrofização do riocomo um todo, com reflexos altamentenegativos na pesca. Um bomentendimento do impacto daoligotrofização sobre a pesca é dado porNey (1996) – ver Box 4.3.

BoBoBoBoBox 4.3.x 4.3.x 4.3.x 4.3.x 4.3.

Oligotrofização e suas conseqüências: efeitos da redução da carga de nutrientes na pescaem reservatórios

NEY, J.J. Oligotrophication and its discontents: effects ofreduced nutrient loading on reservoir fisheries. In:MIRANDA, L.E.; DeVRIES, D.R. (Ed.). Multidimensionalapproaches to reservoir fisheries management. Bethesda,Maryland: American Fisheries Society, 1996. p. 285-295.(American Fisheries Society Symposium, 16).

“A oligotrofização é o inverso do processo de eutrofização e pode ocorrer em reservatórios como resultadoda sedimentação de nutrientes em reservatórios a montante, ou pela operação de estações de tratamentoavançadas (ETA), de água que entram em rios. Eu examinei a resposta da pesca em reservatórios àoligotrofização, usando estudos de casos e analises de regressão da relação entre a concentração de fósforo,o principal nutriente limitante, e a produtividade pesqueira. No reservatório Smith Mountain (Virgina)e reservatório Beaver (Arkansas), localizados acima de ETAs, e no reservatório Mead (Nevada), localizadona parte superior, a oligotrofização foi acompanhada por reduções de mais de 50% na biomassa instantânea(standing stock) de peixes presa planctívoros, e reduções no crescimento, biomassa instantânea ourendimento de piscívoros na pesca esportiva. O fitoplâncton e a produtividade total de peixes foramaltamente correlacionados (r = 0,7-0,9) com a concentração de fósforo total de lagos e reservatórios,aumentando linearmente em uma grande variação de concentrações. Status de eutrofização, em termosde clorofila a e transparência da água, é alcançado em reservatórios da região temperada quando aconcentração de fósforo ultrapassa 40 ug/l, mas a biomassa de peixes esportivos não alcança pico emconcentrações inferiores a 100 ug/l, com potencial para gerar conflito entre os diversos usuários dereservatórios. Medidas mitigadoras para restaurar a pesca esportiva em reservatórios após a oligotrofizaçãoincluem a introdução de peixes e a fertilização dos mesmos, sendo, o sucesso de ambos, duvidoso. Aprevenção da oligotrofização através da manipulação top-down das cadeias alimentares tem potencialpara promover lagos com águas limpas e boa pesca, mas, provavelmente não será efetiva em grandesrepresamentos eutróficos. Uma abordagem mais promissora é prevenir a indesejável oligotrofização atravésde tomada de decisão informativa. Cientistas da pesca devem colaborar com limnólogos para predizer osimpactos das reduções da carga de nutrientes na pesca de reservatórios e, então, atuar como educadorese defensores de seus recursos.”

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Impactos dos Represamentos: alterações ictiofaunísticas e colonização 151151151151151

Considerações Finais

Os represamentos alteram profundamentea dinâmica da água, a quantidade equalidade de hábitats, os processos deprodução primária e, conseqüentemente, aestrutura das comunidades naturais dossistemas fluviais em que se inserem. Combase no exposto, vimos que as modificaçõesrelevantes são promovidas na composição daictiofauna, com profundas alterações nademografia das populações, incluindo aredução drástica ou mesmo odesaparecimento local de espécies reofílicas ea profusão daquelas oportunistas. Em geral,é esperado que a riqueza regional deespécies diminua e os padrões de elevadadominância se acentuem.

O entendimento e a capacidade de prediçãodas assembléias de peixes a colonizar osreservatórios mostram-se, ainda,extremamente precários. Além de acolonização ser influenciada por interação demuitos fatores, estes com ampla variaçãoespaço-temporal, fato que torna asgeneralizações difíceis e imprecisas, o númerode estudos que tentam avaliar os impactosderivados dos represamentos é aindareduzido. Além disso, após o barramento dosrios, a tendência de estabilização dascondições ambientais nos reservatórios écomumente revertida pelas açõesantropogênicas na área de influência,incluindo aquelas decorrentes da própriaoperação da barragem, implicando alteraçõesadicionais e constantes na ictiofauna.

Apesar dessas dificuldades, pode-segeneralizar que, mesmo com o enormevolume de água e a extensa área alagadaresultante da construção de grandesreservatórios, a ictiofauna tende a habitar azona litorânea, o que cria abismosdemográficos nas regiões pelágica eprofunda. As assembléias de peixes quecolonizam esses ambientes são,essencialmente, aquelas presentes na regiãoantes do represamento. Vale destacar que sópermanecerão no novo ambiente as espéciescom pré-adaptações para sobreviver emambientes com menor fluxo de água(lênticos) e que consigam completar todas asetapas do ciclo de vida no reservatório eáreas livres remanescentes na regiãocontígua. Essas são, geralmente, espéciessedentárias com pouca especificidadealimentar.

Embora as alterações na ictiofauna semostrem extremamente deletérias na regiãolacustre dos reservatórios, os impactosatingem toda a área de entorno doempreendimento, especialmente os trechos ajusante. O entendimento dos padrões dezonação da ictiofauna é fundamental, vistoque as espécies migradoras, típicas da faunade rios, são as mais afetadas pelorepresamento, e sua presença nos trechossuperiores dos reservatórios depende dosambientes remanescentes localizados amontante. A construção de reservatórios emcascata cria condições especiais em que osimpactos ambientais são amplificados,complicando demasiadamente qualquermedida de conservação.

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