CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA...

114

Transcript of CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA...

Page 1: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os
Page 2: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

CAPÍTULO PRIMEIRO Um veredicto eletrônico

A enorme máquina bege, luzidia, nova em folha, estava

no centro do grande salão. Em todos os seus lados havia botões, mostradores, telas de osciloscópio e placas com letreiros em inglês. Era um cérebro eletrônico IBM: não podia falhar.

Em torno dela sentia-se uma atmosfera de exatidão que chegava a dar medo. O prodigioso engenho admitia, em sua memória, quase quinhentas mil informações, bastando fornecer-lhe dados suficientes para se obter a resposta adequada — infalivelmente.

Ao seu redor, nada menos de quinze homens, cada qual desempenhando uma missão especifica para alimentar o cérebro. Atuavam como programadores, reunindo todos os dados num cartão, por meio de perfuração. Concluído esse trabalho, bastaria introduzir o cartão numa ranhura e apertar um botão. Segundos depois, dependendo da complexidade da pergunta, a resposta sairia numa outra ranhura

— Bem... — disse um dos homens, com voz cansada. — Acho que tudo está preparado...

— Estamos cometendo uma loucura disse outro. — Esperemos que não... O aluguel deste cérebro

eletrônico nos custou uma enormidade. A máquina dará uma resposta. Tem que dar...

— Estamos perdendo tempo e dinheiro — comentou outro dos quinze programadores. Sabemos muito bem que a máquina não dará a resposta que nos convém, aquela de que necessitamos. E impossível!

Page 3: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Meu caro — disse o que parecia mais confiante nos resultados: — um cérebro eletrônico é uma coisa muito séria. Nós reunimos todos os dados necessários para que esta máquina dê a sua resposta. Terá de responder. É tolice discutirmos esse ponto.

— Poderíamos ter economizado esse dinheiro que tivemos — insistiu o mais pessimista do grupo. Afinal, o que queremos...

— Temos de fazer as coisas direito — interrompeu-o o homem que parecia ser o chefe da equipe. Não se esqueça de que não se trata apenas do que queremos, mas também do que decida a máquina. Quatro milhões de pessoas estão esperando, ansiosamente, o veredicto dessa IBM.

— É absurdo... — Absurdo ou não, essa é a melhor maneira de

conseguirmos que todos fiquem satisfeitos. E é precisamente isso, o que desejamos, não?

— Está bem... — deu de ombros o pessimista. — Pelo menos não se poderá por em dúvida a nossa honestidade. De qualquer forma, o resultado será o mesmo...

— De fato. E isso é o que nos interessa. Que importam alguns milhares de dólares, gastos com esta máquina, se todo mundo vai ficar satisfeito e... nós teremos o que queremos?

— Vá lá... Vejamos que resposta nos dará este cérebro terrível. Não percamos mais tempo.

— Nisso, estamos de acordo. O homem que parecia chefiar o grupo tinha um cartão na

mão direita. Aproximou-o de uma ranhura e os demais ficaram com a respiração suspensa, de olhar fixo naquele pedaço de cartolina que teria de sair pouco depois por outra ranhura devidamente perfurado em outros pontos.

Page 4: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Não sairá nome algum asseverou o inconformado. — Uma coisa dessas não pode acontecer.

Sem lhe dar ouvidos, o chefe introduziu o cartão na ranhura e, com gesto muito lento, apertou um botão da fabulosa criação do cérebro humano. Tudo começou a funcionar com o que se poderia chamar rumor eletrônico, um misto de “sopro” elétrico e estalidos mecânicos, e apenas sete segundos depois o cartão saia por outra ranhura, caindo em pequena bandeja.

Durante alguns segundos pareceu que ninguém iria recolher o cartão, tal a ansiedade que se apoderou de todos, porém o pessimista se adiantou. apanhando bruscamente o pedaço de cartolina e comentando, com visível descaso:

— Acabemos de uma vez com a farsa... Bastará colocarmos este pedaço de cartolina na matriz para nos convencermos de que fracassamos. Nenhum nome pode estar indicado nestas perfurações.

Aproximou-se de outra parte da grande máquina e enfiou o cartão em outra ranhura. Segundos depois saia do engenho uma fita de papel, tipo telex, com palavras escritas. O inconformado soltou uma exclamação e segurou a tira de papel pela extremidade solta, perplexo.

O chefe da equipe se aproximou, esperou que a máquina parasse de funcionar e arrancou a fita de papel, declarando:

— Senhores, a máquina deu o seu veredicto: Expediente USA - 1007.

— Esperemos que exista de fato tal expediente — murmurou o pessimista, visivelmente pálido de espanto.

Outro deles correu para um fichário de ferro, abrindo uma gaveta assinalada pela sigla USA. Não havia ali mil expedientes, mas era fácil de se compreender que o 1007

Page 5: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001.

— Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os demais com um portfolio de plástico nas mãos..

Parecera impossível,, quando os quinze homens iniciaram seus trabalhos, porém a IBM, depois de receber os dados dos quase vinte e cinco mil expedientes de todos os fichários, assimilara todas as informações, separara a pergunta final e dera a resposta. Ali estava o expediente diante dos olhos de todos eles.

— Bem ... animou-se o chefe do grupo. — Diga-nos o nome contido nesse expediente, se não lhe for muito incomodo...

O encarregado do fichário abriu o portfolio de plástico e seu olhar pousou primeiro numa fotografia de tamanho postal; depois, num nome escrito nessa foto. Respirou fundo e disse:

— O nome é Brigitte Montfort Bierrenbach.

CAPÍTULO SEGUNDO A maior surpresa da vida de “Baby”

Sem dúvida há muitas mulheres bonitas no mundo, mas

quase todas têm um defeito qualquer a lhes prejudicar a beleza: algumas são frias, outras são antipáticas, muitas falam demais, quase todas são narcisistas a ponto de se tornarem inacessíveis, há as que caminham oscilantes por terem os pés demasiado pequenos e também as que sentam com as pernas encolhidas porque... calçam quarenta e quatro.

Mas existe uma mulher bonita que, se imitasse a terrível madrasta de Branca de Neve e perguntasse ao espelho qual a

Page 6: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

mais bela criatura do mundo, só poderia receber esta resposta: “Você. Brigitte Montfort, porque, além de bela, é perfeita em tudo”. E, nesse caso, se poderia afirmar em sã consciência que os espelhos não mentem...

A agente “Baby” estava trocando de roupa diante do enorme espelho biseauté do armário quando sua criada loura Peggy entrou no quarto, muito excitada.

— Estão á sua procura, miss Montfort — Quem, Peggy? — Quatro homens. — Tudo isso... — brincou Brigitte. vestindo uma blusa

transparente. — Que desejam? — Falar-lhe pessoalmente sobre um assunto que julgam

importante. — Hmmm... São nossos conhecidos? — Eu não os conheço, miss Montfort. — Estão armados? — Se estão, sabem ocultar suas armas tão bem quanto a

senhora... Eu seria capaz de jurar que não. — Quantas vezes eu já lhe disse que tomasse muito

cuidado com os visitantes? — Mas é que todos são... são muito educados... tão

corretos... tão sérios... — Se você se dedicasse á espionagem não viveria mais

que vinte e quatro horas. Eu posso contar histórias horripilantes de cavalheiros “muito honestos e muito elegantes”...

— Estão vestidos a rigor. — A rigor?! Boa recomendação... Você quer dizer que

estão de camisa de peito duro e casaca? — Isso mesmo, miss Montfort.

Page 7: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— É formidável! Estarão por acaso falando russo? — sorriu a espiã internacional.

— Não, miss Montfort! — Ótimo. Vou atendê-los. Recolha uma ampola de gás

de minha maleta e vá pelo outro corredor. Não perca o menor detalhe o que ocorrer no salão. Se as coisas não andarem bem lance a ampola contra nós.

— Mas... a senhora também dormiria... — Um sono até que me faria bem. Peggy. Além disso,

quando eu despertasse não estaria de pés e mãos amarrados, com Johnny e tio Charlie dispostos a me passar uma descompostura. Por outro lado, esses quatro cavalheiros elegantes estariam em péssima situação. Se Frankie telefonar, diga-lhe que me venha buscar para jantar. Isto é... — corrigiu, pensativa — se o telefone chamar, não atenda. Limite-se a observar tudo o que acontecer no salão. Entendeu bem?

— Entendi, miss Montfort. — Apanhe a ampola de gás hipnótico. É a azul. Preste

bem atenção: é a azul. Se você jogar a ampola verde, eu jamais despertarei. Cuidado!

— Não... não... não se preocupe... — gaguejou Peggy. Brigitte saiu do quarto, percorreu o longo corredor

adornado com quadros que fariam inveja a qualquer colecionador de obras raras e entrou no amplo salão que tinha duas portas abrindo puni um grande terraço do qual se podia ver todo o Central Park de Nova Iorque. As obras de arte ali encontradas já levaram diversos diretores de museu a atingir as raias da inconveniência, fazendo ofertas de milhões.

Page 8: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Os quatro cavalheiros andavam de um lado para outro, visivelmente impressionados com os quadros e estatuetas. Estavam de fato vestidos a rigor. Todos pareciam ter, no máximo, quarenta anos.

— Olá! Cada um deles se virou sem sair do lugar cm que se

encontrava, olhando para a porta de onde viera a voz de Brigitte. E os quatro ficaram boquiabertos ante os encantos de “Baby”, que sorria como se fosse um autêntico anjo.

Um deles se adiantou, caminhando até o centro do salão e parando perto do grande sofá onde o diminuto chihuahua “Cícero” estava alerta, parecendo não aceitar de bom grado a presença daqueles estranhos, apesar de trazidos até ali por Peggy.

— Miss Brigitte Montfort Bierrenbach? — perguntou. — Sim, sou Brigitte Montfort. Em que lhes posso servir? — Eu sou Martin — inclinou-se numa reverencia, quase

a ponto de perder o equilíbrio e cair de bruços. — Eles são Joseph, Zabulon e Isaac.

A medida que iam sendo apresentados, os outros também se inclinavam com exagero.

— Muito prazer — sorriu Brigitte. — Queiram desculpar, mas acho que jamais nos vimos. Ou estarei enganada, mister Martin?

— Não... não... absolutamente — tartamudeou Martin, com os olhos mergulhados na blusa muito transparente da espiã. — Mas... espero que muito breve nos conheçamos melhor. O que nos trouxe aqui é um assunto importantíssimo, muito delicado. De transcendente significação, miss Montfort. Posso sugerir que nos sentemos?

Page 9: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Brigitte encarou um por um, sem pestanejar, e seus olhos azuis lhes deram a sensação de estarem sendo furados ate o cérebro, mas o sorriso de “Baby’ logo apagou essa impressão, quando ela sentou no sofá ao lado de “Cícero”. Os quatro cavalheiros afundaram em enormes poltronas e um deles pigarreou, indeciso. Martin colocou sobre os joelhos uma pasta que recolhera de cima da poltrona antes de sentar-se, tamborilando nela ao dizer:

— Miss Montfort, nós já sabemos de tudo. — De tudo? — murmurou “Baby”. — A que refere? — A sua pessoa. Sabemos de tudo a seu respeito. — Que chamam vocês... tudo? — Bem... O certo é que durante seis meses, antes de

alugar o cérebro eletrônico da IBM, estivemos reunindo dados sobre vinte e cinco mil mulheres do mundo inteiro. Está claro que nós a incluímos entre essas mulheres, pois os seus artigos são muito lidos em nosso país. Digamos que são muito populares. Indubitavelmente, miss Montfort é persona grata em nossa terra.

— Pretende fundar uma revista? Os quatro homens sorriram, verdadeiramente divertidos.

Parecia que a tensão ia diminuindo aos poucos. — Não se trata disso, miss Montfort — respondeu

Martin. — O certo é que as outras mulheres foram eliminadas. Está claro que o cérebro eletrônico só poderia dar uma única resposta com os dados que lhe fornecemos. Só uma podia ser a escolhida.

— Escolhida? Para quê? — Mmmm... Como eu já disse, sabemos tudo a seu

respeito, e durante a última semana, depois que o cérebro eletrônico a escolheu, ampliamos as nossas informações.

Page 10: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Vinte detetives particulares de Nova Iorque e outros tantos no país inteiro coligiram dados sobre a sua pessoa.

— Deve ser interessantíssimo o emprego que vocês pretendem oferecer-me... Mas continuem. Que sabem, exatamente, a meu respeito?

— Muitas coisas, mas diremos apenas as mais importantes, pois não julgo necessário entrarmos em detalhes. Vejamos: estudou na Universidade de Colúmbia e logo depois aceitou um emprego como repórter volante do “Morning News”, lugar que ainda ocupa...

— Sou muito fiel ... — interrompeu-o Brigitte, sorrindo. — É muito generosa. Sabemos que, com donativos que

consegue de gente importante, mantém um maravilhoso asilo para anciãos e colabora em grande escala num centro de recuperação infantil. Afora a grande quantidade de favores que lhe deve metade do país, segundo nos informaram os detetives por nós contratados — sorriu o homem chamado Martin. — Além disso, é pessoa de cultura acima do normal. Viajou pelo mundo inteiro, domina perfeitamente meia dúzia d e idiomas, é elegante, rafinée, inteligente, querida por todos. Depreende-se, de seus artigos, que é anti-racista e tem uma perspicácia impressionante, focalizando com admirável propriedade todos os assuntos que preocupam o mundo atual. Bem... já sei que vou dizer uma tolice — sorriu, como se pretendesse com isso desculpar-se — mas... parece que também entende de espionagem.

— Oh... Não vou negar que algumas vezes tenha descoberto certas coisas sem importância. Pretendem contratar-me como espiã’?

— Oh, não! — sobressaltou-se Martin. — De modo algum! Não nos parece próprio fazer-lhe tal proposta.

Page 11: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Claro — sorriu “Baby” Montfort. — Seria terrível para mim. Escute, mister Martin: não se canse mais. Eu já sei que têm um cérebro eletrônico, que lhe forneceram dados e que, dentre vinte e cinco mil mulheres, esse cérebro me escolheu. Indubitavelmente, isso indica que sou a pessoa mais indicada para o que pretendem, caso possamos confiar na eletrônica. Muito bem. Agora, eu pergunto: para que necessitam de uma pessoa com tantas qualidades?

— Para ser rainha. — Como?! — os olhos azuis de Brigitte se abriram

desmedidamente. — Posso afiançar que não se trata de uma brincadeira!

apressou-se em declarar Martin, muito agitado. — O seu povo, melhor dito, os seus súditos a estão esperando.

— Meus súditos?! Mister Martin. queira perdoar, mas... mas... por acaso não terão fugido de algum manicômio? Ora, vamos! EU não disponho de tempo para brincadeiras! De modo que...

— Não são brincadeiras. Neste momento, quatro milhões de ilhéus estão esperando a sua rainha.

— Quer dizer que quatro milhões de pessoas me elegeram sua... rainha?!

— Aceitaram o veredicto do cérebro eletrônico. Assim que ele nos indicou a escolhida. obtivemos grandes fotografias que foram distribuídas por todo o país. O seu rosto também foi exibido pela televisão nos quatro quadrantes de nossa pátria. A reação foi surpreendente. Muito surpreendente: quatro milhões de pessoas a aceitaram por unanimidade. Durante uma semana inteira nem uma só pessoa rejeitou a decisão do cérebro eletrônico. Mais ainda: o nosso povo já a adora. Naturalmente, recebeu a mais ampla

Page 12: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

informação sobre a futura rainha pelo jornal, pelo rádio e pela televisão. Dentro em breve estaremos preparados para cunhar moedas com a sua efígie. O papel-moeda também terá o seu rosto. O país inteiro já está perdidamente apaixonado por Brigitte Montfort Bierrenbach, declarando que terá a rainha mais bela do mundo. E nós mesmos, como políticos profissionais, estamos perplexos com a instantaniedade de seu êxito. Porém insisto em que não foi apenas a sua indiscutível beleza o que lhe valeu a vitória em nosso país, mas também as suas qualidades pessoais, as quais, naturalmente, são, neste momento, do domínio público nas ilhas. Se me permitir um lugar-comum, eu lhe direi que foi um amor á primeira vista entre a futura rainha e seu povo. E estou certo de que, quando os seus súditos a virem pessoalmente, o entusiasmo chegará ao delírio. Devo dizer que o país no qual será coroada rainha dentro de uma semana é o Atlantic Kingdom1, que, como sabe, é formado por pequeno grupo de ilhas ao Norte das Bahamas. Nós... Bem, eu não pretendo enganá-la a esse respeito: não somos um país muito rico, o clima é agradável e a população é pacifista e feliz na medida do possível. Muita gente considera o Atlantic Kingdom uma espécie de paraíso terrestre. Tem a superfície de seis mil milhas quadradas e produz tudo o que é comum num país tropical. Está situado a vinte e cinco graus e trinta minutos de latitude Norte e...

— Mister Martin — interrompeu-o Brigitte, mansamente — eu sei muito bem onde fica o país chamado Atlantic Kingdom.

1 “Reino Atlântico”, país fictício

Page 13: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Claro ... claro... com esse seu cérebro privilegiado, não podia...

— E devo dizer... — interrompeu-o de novo que parece um país... esquecido. Nunca se fala nele por motivo algum. Não faz parte da OEA, da ONU ou de qualquer outro organismo internacional. É um país bastante subdesenvolvido e pouco menos que abandonado á sua própria sorte, porque, segundo imagino, jamais admitiu a ingerência de outras nações.

— Descreveu maravilhosamente o Atlantic Kingdom, miss Montfort — respondeu Martin, para surpresa de “Baby”.

— É muito amável, mas diga-me, mister Martin: essa história de me escolher para rainha não passa de uma brincadeira, não é verdade? Que desejam realmente de mim?

— Que seja a nossa rainha. — Oh, vamos, mister Martin! Não insista nessa tolice!

Não lhe quero parecer convencida, mas sou uma garota inteligente. Diga a verdade e compreenderei perfeitamente. Que querem exatamente de mim’?

— Que seja a nossa rainha. A coroação terá lugar dentro de uma semana.

— Então, insiste na brincadeira, hem? Está bem: eu também tenho senso de humor e vou levar a coisa na troça. Mas, naturalmente, rejeito sua proposta. Eu lhe fico imensamente grata, mas declino de ser rainha. Boa-noite, cavalheiros — despediu-os frontalmente, levantando-se.

Martin, Zabulon, Isaac e Joseph imitaram-na automaticamente, parecendo consternados.

— A sua atitude nos leva ao desespero, miss Montfort — murmurou Zabulon. — Sinceramente, quando a vimos

Page 14: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

ficamos absolutamente convencidos de que é a rainha de que o nosso país está necessitando.

— Vocês já estão ultrapassando o limite — disse a mais astuta espiã do mundo, franzindo a testa.

— A brincadeira terminou, senhores! Quem teve a triste idéia?

— Que idéia? — surpreendeu-se Martin. — A de enviá-los tão elegantemente vestidos para uma

brincadeira tão deselegante. São excelentes atores. Em que teatro trabalham? Quero vê-los em cena qualquer dia destes...

— Miss Montfort, por favor! Que está dizendo?! — Fui muito clara: vocês são atores e alguém os

contratou para uma brincadeira. Porém já terminou, embora com êxito. Frankie! Sim, deve ter sido aquele maluco!

Brigitte Montfort desatou em deliciosa gargalhada e os quatro homens se entreolharam, aparvalhados.

— Queira desculpar... — murmurou Isaac. — Quem é Frankie?

— Frank Minello. Tínhamos combinado juntar juntos depois de assistir a um luta de boxe. Quanto lhes pagou o maluco?

— Miss Montfort! — exclamou Martin, enrubescendo até às orelhas.

Brigitte estava prestes a tecer outro comentário sobre Frank Minello quando bateram á porta de entrada do luxuosíssimo apartamento do “Chrystal Building”, situado em plena Quinta Avenida. Olhou para uma das portas que davam para o salão.

— Vá ver quem é, Peggy.

Page 15: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

A empregada apareceu sorrateiramente no corredor, segurando firmemente uma ampola de vidro na mão esquerda, perguntando a Brigitte:

— Que... que... faço com isto? ... — Deixe-a comigo e vá atender. Deve ser Frankie, que

veio ver o resultado de sua brincadeira. Não fique olhando para mim desse jeito, mulher! Tudo não passa de uma das loucuras de Frankie! Será que não consegue entender?

Tomou cuidadosamente a ampola da mão de Peggy, guardando-a numa gaveta da biblioteca. Os quatro emissários do Atlantic Kingdom olhavam-na perplexos. silenciosos, ofendidos.

— Querem tomar algo! — sorriu Brigitte. — Seu excelente desempenho merece um brinde.

Nenhum dos quatro respondeu. Já se ouviam no corredor os passos de alguém muito pesado e pouco depois o gigantesco e atlético Frank Minello, chefe da Seção de Esportes do “Morning News”, entrava no salão com passos descomunais.

— Puxa! — exclamou. — Você ainda não está vestida?! Falta pouco para começar a luta! Quem são esses indivíduos? Parecem pingüins gigantes ...

Os quatro representantes do Atlantic Kingdom enrubesceram muito, enquanto Frank Minello, com os braços encolhidos, imitava maravilhosamente o andar e o grasnar dos pingüins.

— Não deve ser tão grosseiro, Frankie. Afinal, desempenharam muito bem o seu papel.

— Que papel?! — O de emissários do Atlantic Kingdom, convidando-me

para ser rainha. A coroação seria dentro de uma semana.

Page 16: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Minello ficou de boca aberta, deixando-se cair pesadamente numa das poltronas antes de comentar:

— Tinha que ser! Eu já sabia que mais cedo ou mais tarde isso aconteceria!

— Pois já aconteceu. Frankie. Agora, pague homens para que eles possam voltar para o seu teatro e nós possamos assistir á luta. Vamos, homem! Enquanto isso, irei vestir-me. Adeus, cavalheiros. Foi um prazer conhecê-los.

Encaminhou-se para a porta que levaria ao seu quarto, porém Frank Minello saltou da poltrona como um canguru.

— Um momento! gritou. — Que história é essa de pagar a esses pingüins. Brigitte?!

Ficou de pé com as pernas abertas e as mãos nos quadris, de testa franzida. visivelmente irritado. Brigitte também contraiu as sobrancelhas, olhando para os quatro homens. Já estava convencida de que tudo aquilo não fora idéia do menino grande Frankie.

— Bem ... Acho que me enganei, senhores... — disse “Baby”, pausadamente. — Quem os enviou?

Martin tornou a abrir a pasta, retirou quatro folhetos de capa verde-claro e os entregou a Brigitte, que os recebeu um pouco hesitante.

— São os nossos passaportes turísticos — disse Martin. — Como sabe, o nosso país não mantém relações diplomáticas com terra alguma. Como somos vizinhos dos Estados Unidos, gostaríamos de ter pelo menos relações amistosas com este país, o que não acontece. Não obstante, não encontramos dificuldade alguma em ingressar como turistas. Pode comprovar a autenticidade dos vistos consulares e certificar-se de que viemos realmente de Atlantic Kingdom.

Page 17: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

A espiã examinou os passaportes. Ela dificilmente se enganaria em tais assuntos, como profunda conhecedora dos processos de falsificar documentos. Além disso, ninguém se daria ao trabalho de forjar quatro passaportes simplesmente para fazer uma brincadeira momentânea.

Quando ergueu os olhos, Martin lhe entregou alguns jornais e várias fotografias. As fotos eram suas, copiadas de algumas que vez por outra apareciam no “Morning News” . E nos jornais, todos de Atlantic Kingdom, as suas fotografias ocupavam toda a primeira página e tinham legendas indicando que ela seria a rainha. As páginas internas estavam cheias de artigos e resultados de votações, pelos quais se podia ver claramente que Brigitte Montfort Bierrenbach tinha sido acolhida com muita alegria e carinho. Em alguns jornais havia artigos de página inteira elogiando os olhos azuis de Brigitte e chamando-a “Rainha dos Olhos Azuis”.

— Mas... isso é inaudito! — Mas é verídico, miss Montfort. — Devo estar sonhando... Eu lhes peço que me

desculpem por minha atitude quase agressiva, mas... — Nós compreendemos, pois não é comum procurar-se

uma rainha fora do país. — Mister Martin, isso não faz sentido. — Para nós faz muito sentido. Talvez lhe cause

estranheza o fato de nenhuma noticia sobre o assunto ter sido publicada no exterior, mas estabelecemos um serviço de censura rigoroso que vigiou inclusive a correspondência epistolar e os telegramas pessoais até o momento de sairmos do país na manhã de hoje. Mas acho que não demorará muito para que a imprensa do mundo inteiro procure entrevistá-la.

Page 18: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Vamos esclarecer tudo isso! — rugiu Minello. — De que estão falando’?!

— Esses cavalheiros querem que eu seja a rainha do seu país, Frankie. Eu já lhe disse isso. Mas estão levando a coisa a sério, embora eu a considere fantástica. Está claro que não é possível! Se não foi você o autor da brincadeira, deve ter sido outro.

— Não se trata de uma brincadeira, miss Montfort! — protestou novamente Martin.

— Mas o senhor deve compreender que... — Compreendemos perfeitamente sua surpresa é muito

natural que não compreenda inicialmente, mas pode estar certíssima de que Atlantic Kingdom necessita de sua direção.

— Mister Martin... eu... jamais pensei em renunciar à minha cidadania norte-americana, nem mesmo em troca de um trono.

— Não perderá sua nacionalidade ao se tornar a rainha do meu país.

— Mas... não, eu não compreendo! Não pode deixar de ser uma brincadeira cuja graça ainda não consegui alcançar. Além disso, deve haver em sua pátria uma mulher capaz de reinar sobre o seu povo, mister Martin.

— Nossa primeira iniciativa foi fazer uma triagem entre as mulheres de nossa terra e escolher as melhores, porém as escolhidas não satisfizeram as exigências; depois, repetimos a operação em âmbito mundial e, para podermos chegar a uma conclusão que não permitisse dúvidas nem criticas, tivemos de recorrer a um cérebro eletrônico. Fizemos a programação com vinte e cinco mil mulheres de praticamente todas as nacionalidades e a IBM nos deu uma resposta definitiva:

Page 19: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Expediente USA 1007. Era o expediente de Brigitte Montfort Bierrenbach.

— Eu sabia! — gemeu Frank Minello. — Eu sabia que isso teria de acontecer algum dia! Mas esperava que pelo menos não fosse escolhida para rainha! Vocês não levarão Brigitte daqui, seus raptores! Se acham que...

— Quer servir-nos um uísque, Frankie? — interrompeu-o mansa e irresistivelmente Brigitte. — Por favor, conserve essa bocarra fechada enquanto eu discutir o assunto com esses cavalheiros educados.

— Se esses pingüins pretendem levar você daqui, terão de passar por cima do meu cadáver — bramiu o gigante.

— Eu não disse que aceito a proposta — sorriu “Baby”, ainda incrédula. — Continuo achando que não passa de uma brincadeira complicadíssima. Possivelmente um programa de televisão, hem, mister Martin?

Martin movia negativamente a cabeça, sorrindo. Frank Minello serviu o uísque enquanto Brigitte folheava os jornais, pensativa. De repente, olhou para Martin.

— Quem é a rainha atual? — Morreu há três anos, miss Montfort. Passamos todo

esse tempo sem rainha, resolvendo desajeitadamente os assuntos oficiais. Existe uma Câmara dos Comuns formada por vinte membros. A governança está a cargo de um Conselho dos Quatro.

— Conselho dos Quatro... São os senhores? — Exatamente. Somos os mais altos dignitários de

Atlantic Kingdom. Brigitte passou a mão pela testa.

Page 20: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Aceitarei como verdadeiras as suas palavras coisas publicadas nestes jornais, para não ficarmos discutindo à toa, mas rejeitarei inflexivelmente a proposta. Sinto muito.

— Nós lhe suplicamos... — Lamento sinceramente, mister Martin. Poderei ajudá-

los de qualquer outro modo a resolver qualquer problema, porém...

— O de uma guerra, por exemplo? — sorriu amargamente, Martin.

— Como?! — Uma guerra. miss Montfort. O nosso povo quer uma

rainha e jamais aceitaria ser governado por um rei. Não impedimos que a rainha se case, mas o seu marido será apenas um príncipe consorte, sem qualquer ingerência na direção do país.

— Mas por que haverá uma guerra se o seu país não tiver uma rainha?

— A verdade é que... as coisas não vão muito bem. Os desastres políticos, econômicos e sociais se sucedem em Atlantic Kingdom e o povo está absolutamente convencido de que tudo isso decorre de estarmos há três anos sem uma rainha. Pior ainda, acha que a Câmara dos Comuns e o Conselho dos Quatro, apoiados pelo Exército, são os responsáveis e exploram a nação em benefício próprio.

— E não será verdade, mister Martin? — sorriu “Baby”, maliciosamente. — Não estarão abusando dos privilégios e explorando quatro milhões de pessoas indefesas?

— Absolutamente, miss Montfort! Mas o povo acha que sim e, se não tiver prontamente a quem admirar, respeitar, confiar e adorar, haverá uma guerra intestina, uma revolução de conseqüências lamentáveis. Nós poderíamos ter escolhido

Page 21: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

para rainha qualquer das mulheres que vivem no Palácio Real, mas não o fizemos precisamente por honradez. Que nos custava colocar qualquer delas no trono e tapar a boca do povo? No entanto, fizemos justamente o contrário: reunimos dados sobre vinte e cinco mil mulheres, sugeridas pelo próprio povo e, finalmente, alugamos na IBM um cérebro eletrônico que foi desembarcado no porto de nossa Capital, a adorável e aprazível Queen City, diante de milhares de concidadãos. Todos sabem de que material “alimentamos” o IBM, estão cientes de tudo. Trabalhamos durante seis meses sem parar, quase chegando à estafa, e gastamos milhões de dólares. Tudo isso seria evitado se os nossos propósitos não fossem honestos. Mas agimos com correção e quatro milhões estão á espera de sua rainha ou... de uma revolução!

— Quando partiríamos? — foi a pergunta incisiva de Brigitte, que fez Frank Minello abrir os olhos e a boca como se tivesse esbarrado com um fantasma.

— Amanhã. Bem... Amanhã sairíamos dos Estados Unidos, mas esta noite partiríamos de avião para Miami a fim de evitar a avalancha de jornalistas internacionais. Sairíamos de Miami às nove da manhã, também de avião, chegando ao Aeroporto Internacional de Queen City ás onze.

Durante a noite e na viagem nós atualizaríamos sobre tudo o que precisa saber para entrar triunfalmente em Atlantic Kingdom. Depois, seria aos poucos familiarizada com a pátria. Mas a coroação teria de ser urgente, para evitarmos derramamento de sangue, a morte de milhares, talvez milhões de inocentes.

Martin não sabia que, com essas palavras, ferira fundo a fina sensibilidade da agente “Baby” da CIA.

— Aceito, mister Martin.

Page 22: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Os quatro ficaram ofegantes de emoção, contendo a custo uma explosão de alegria para não perder a linha própria à condição de membros do Conselho dos Quatro de Atlantic Kingdom. Mas logo receberam uma ducha fria, quando Frank Minello também declarou, furioso:

— Eu também aceito! — Que... que... que... disse, mister. — balbuciou Martin,

com os lábios trêmulos. — Eu disse que também irei para lá, rapazes. Talvez, com

um pouco de sorte, eu me torne o seu príncipe consorte. Que vidão! Brigitte minha esposa e eu na maior vadiagem! Com mil demônios! Tenho que ir para esse reino encantado.

— Bem ... Na realidade, mister, não consideramos a sua presença.

— Qual seria o inconveniente? — indagou Brigitte, sorrindo.

— Haverá apenas os inconvenientes que decida Sua Majestade! — inclinou-se Martin. rapidamente imitado pelos outros três.

— Pois não vejo inconveniente algum declarou a internacional “Baby”, acariciando “Cícero”. — Frankie é um homem amigo e ficarei mais tranqüila tendo-o ao meu lado nos primeiros dias de reinado. Além disso, eu gostaria que ele assistisse à minha coroação.

— Se Vossa Majestade me permite sugerir — murmurou Martin — seria melhor partirmos imediatamente.

— Mas... e a minha bagagem? — Vossa Majestade já dispõe de completo vestuário no

Palácio Real. Podemos sair imediatamente, jantar no avião, passar a noite em Miami e chegar a Atlantic Kingdom antes

Page 23: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

do meio-dia para que o povo possa vê-la á satisfação. Vossa Majestade terá apenas que vestir-se... e partir.

— Levarei também “Cícero” e Peggy, mister Martin. Haverá algum inconveniente?

— Em absoluto, Majestade. — Será uma bomba! — gritou Frank Minello,

entusiasmadíssimo. — Serei o favorito de uma rainha! Santo Deus, que vidão! Viva a Rainha!

“Cícero” dava saltos enormes. Bem... Enormes, para o seu tamanho. E Peggy parecia prestes a desmaiar. Os cinco homens estavam satisfeitíssimos, especialmente Minello, que continuava considera aquilo uma brincadeira divertidíssima e originalíssima, esquecendo por completo a luta final pelo campeonato mundial de pesos-pesados no Madison Square Garden.

“Baby” olhou cada um dos membros do Conselho dos Quatro.

— Espero, senhores — disse, com voz maviosa e com um sorriso gélido — que tenham falado a verdade, porque, caso contrario — seu sorriso desapareceu — eu ficaria terrivelmente irritada...

Page 24: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

CAPÍTULO TERCEIRO

Havia princesas e... um preceptor Embaixo, o mar com vivas tonalidades verde e azul.

pontilhado de cristas brancas. Viam-se também grandes manchas pardas com placas verdes das campinas, e praias com palmeiras cujos troncos pareciam avançar para as águas. Os pontos brancos eram as casas dos povoados das dezesseis ilhas que formavam o Atlantic Kingdom. O avião especial voava em círculos por cima das ilhas que mais pareciam desenhos coloridos de Walt Disney.

— Acho que estou sonhando — murmurou Frank Minello, absorto na contemplação da fantástica paisagem. — Não pode deixar de ser um sonho, Brigitte!

— Também acho, meu querido Frankie — sorriu a espiã. — Contudo, está bem claro que não se trata de uma brincadeira. Estamos chegando à ilha maior, à Capital do Atlantic Kingdom, e eu me pergunto que estará para acontecer.

— Não posso imaginar. Tudo isso é absurdo. Agora estou falando sério. Brigitte.

— Eu sei. — Que pretende fazer? Bem ... Não interprete mal as

minhas palavras. Você tem méritos de sobra para ser rainha de qualquer país, mas... Por que resolveu aceitar?! Toda essa história de cérebro eletrônico, de quatro milhões de criaturas esperando por você é inacreditável!

— Você bem sabe que minhas ambições pessoais não são essas, Frankie. Não tenho o menor interesse em ser rainha. Na realidade, sempre achei que qualquer pessoa pode ser rei

Page 25: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

ou rainha. desde que saiba dominar-se. Nesse sentido eu sempre fui uma rainha... Mas, afinal de contas, talvez seja interessante ser rainha de um país.

— Eu conheço você muito bem — respondeu Minello — de modo que não precisa estender-se em explicações sobre sua decisão. Que lhe agradou, verdadeiramente, em tudo isso?

— Não entendo... — Entende, sim ... Embora seja uma garota muito bonita,

é bastante inteligente para se deixar cair numa cilada simplesmente para ser chamada rainha. É milionária, tem o mundo aos seus pés e uma coroa não a levaria a cometer um deslize. Estou convencido de que esse reinado complicará a sua vida. Sei muito bem que você é capaz de viver os seus triunfos e ser feliz sem propaganda, sem publicidade... A minha pergunta é para valer, Brigitte: porque decidiu aceitar esse assunto absurdo?

— Há quatro milhões de pessoas nessas ilhas, quatro milhões de criaturas pacificas que podem transformar-se em feras se não tiverem uma rainha em quem confiar.

— É absurdo! — insistiu Minello, — Aparentemente. Eu sei que em tudo isso existe algo

que não nos foi revelado. Há alguma cilada. Não percebo em que pode consistir, mas sei que quatro milhões de seres humanos poderão começar a matar-se uns aos outros a qualquer momento e isso é o que pretendo impedir.

— Como sempre ... — ironizou Minello. — Disse-o bem: como sempre. — Mas você está sendo enganada. Brigitte! E possível, mas talvez não. Há uma coroa lá embaixo, em

uma dessas ilhas, à espera de uma mulher que seja capaz de

Page 26: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

impedir uma revolução com milhares de mortos. Isso é a única coisa que me importa.

— Que acha desses quatro pingüins? — Não sei. Parecem sinceros e honrados, mas isso nada

significa para mim. Oh, Frankie, não falemos mais disso. Ninguém me engana por muito tempo, querido. Não há dúvidas quanto a que alguém esteja tramando algo e que, para realizar os seus planos, precise de uma rainha em Atlantic Kingdom. Pois bem: aqui vai uma rainha muito especial que sorrirá para o seu povo, corresponderá ao seu afeto, procurará atender aos seus anseios. Mas, se algo não funcionar bem, e isso é precisamente o que temo, a rainha começará a cortar cabeças. Está satisfeito?

— Não sei.De qualquer modo, era isso o que contar comigo para o que der e vier.

— Como rainha, talvez não necessite de ajuda, mas como agente “Baby” sempre tenho de levar em conta as pessoas merecedoras de toda a confiança. Agora, como se diz entre os espiões profissionais, temos de adotar uma atitude imutável, astuta e de sapa: ver, ouvir e... esperar. Atenção: Martin se encaminha para cá .

— Majestade — disse este — estamos chegando á ilha principal. Dentro de cinco minutos aterrissaremos no Aeroporto Internacional de Queen City.

— É necessário que me chame Majestade? — indagou “Baby”.

— Absolutamente necessário, Majestade. Para todo o povo de Atlantic Kingdom, a rainha é a Majestade e espero que seja recebida como tal. Suplico a Vossa Majestade que ajuste o cinturão de segurança.

— Obrigada. Martin.

Page 27: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Sempre ás ordens de Vossa Majestade. Sua Majestade Brigitte afivelou o cinturão, sendo imitada

por Frank Minello, que estava ao seu lado, a despeito das observações do protocolo que exigiam o mais completo isolamento da Rainha

O grande avião pintado de azul e branco deslizou por uma das três pistas, estando as outras duas, bem como a terrace do prédio e as vizinhanças do campo apinhadas de gente que se acotovelava para ver a rainha, agitando milhares de bandeirinhas. Frank Minello passou o lenço na testa.

— Calculo em mais de trezentas mil pessoas. Brigitte! — Eu até acho pouco para receber uma rainha. Minello olhou de soslaio para a sua colega do “Morning

News”. Sabia muito bem que as multidões não a assustavam e que ela seria capaz das mais fantásticas peripécias para salvar vidas humanas. Tranqüilizou-se se lembrando de que quatro milhões de criaturas esperavam por uma rainha sem saber que, na realidade, iriam receber a mais astuta, fria e desconfiada espiã. Se havia algo sujo cm tudo aquilo, não seria “Baby” quem levaria a pior.

Os motores pararam de funcionar e, enquanto desafivelavam os Cintos de segurança, ouviam a gritaria do povo. Trezentas mil pessoas, talvez mais, gritavam a plenos pulmões! Agitavam o pavilhão nacional de Atlantic Kingdom, uma bandeira festiva de faixas azul, encarnado e branco com dezesseis estrelas em círculos representando todas as ilhas do arquipélago.

Minello olhou pela janela e viu o maior cadinho de raças: pretos, brancos, mulatos, cafuzos e mamelucos. Todos com camisas de cores psicodélicas, agitando freneticamente trezentas mil ou mais bandeirinhas. Quando a porta do avião

Page 28: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

foi aberta, o berreiro se tornou ensurdecedor e Frank tapou os ouvidos com as mãos, colocando-se por trás da rainha de Atlantic Kingdom.

Sua Majestade Brigitte surgiu no alto da escada, sorrindo e agitando a mão e centenas de flashes dos fotógrafos cintilaram ao mesmo tempo, para atenuar as sombras produzidas pela luz solar, enquanto dezenas de câmaras de televisão. portáteis, eram afoitamente levadas de um lado

A primeira iniciativa de Brigitte causou surpresa: ordenou que a escada, com rodas, fosse afastada do avião. Depois, subiu ao seu degrau mais alto e fez sinal aos locutores das sete emissoras locais para que se aproximassem com seus microfones. Quando estes chegaram, ergueu a mão direita e o silêncio foi instantâneo. Surgiram as palavras da rainha:

— A recepção que me deram muito me alegrou e honrou. Esta noite, às oito, quero que todos, sem uma única exceção, estejam diante de telas de televisão para me ver e me ouvir. Não sou um cérebro eletrônico, como aquele de que os meus súditos se valeram para me escolher, mas posso garantir-lhes agora mesmo três coisas: paz, segurança e prosperidade. Isso é tudo quanto necessita qualquer país. Somente isso. Agora, voltem para as suas casas, onde receberão a minha imagem às oito. Então, eu lhes falarei com mais vagar e, caso me aceitem em definitivo, deverão ter em mente que, além de rainha, sou também servidora do meu povo.

Houve alguns segundos de silêncio após essas palavras, pois os trezentos mil ou mais ilhéus ali presentes, bem como os demais habitantes, que haviam permanecido em suas

Para outro a fim de colherem os melhores ângulos. Ao pé da escada do avião, sete microfones esperavam as primeiras palavras da futura rainha aos seus súditos.

Page 29: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

casas, nas outras quinze ilhas, esperavam um longo discurso cheio e pronunciamentos políticos e promessas maravilhosas. Um grupo de negros que conseguiu romper o cordão de isolamento formado pela Guarda Nacional deu inicio aos aplausos que rapidamente se estenderam a toda a massa humana que se acotovelava.

Duas companhias da Guarda Real formavam um corredor desde a entrada do aeroporto até onde estava o automóvel da rainha. Os mais altos dignitários aguardavam ao pé da escada, com ramalhetes de flores, sendo apresentados a Brigitte e recebendo, cada um, a promessa de que mais tarde a soberana lhes dedicaria toda a atenção. Ela se limitava a olhar cada um deles dentro dos olhos, como se não precisasse de mais do que isso para conhecê-los intimamente. Enquanto a rainha percorria o longo corredor formado pela Guarda Real, com sua comitiva que engrossava cada vez mais, a Banda Nacional executava o Hino Real e uma esquadrilha de caças a jato, em formação em “V”, passava por cima do aeroporto para logo realizar um looping conjunto e se dispersar como um chuveiro de fogos de artifícios, realizando estonteantes acrobacias. Dois caças, empregando fumaça, escreveram as iniciais B.R. no céu, significando Brigitte Regina — Rainha Brigitte!

Finalmente, a comitiva chegou ao grande estacionamento onde estavam trinta automóveis pretos, enormes, cada um deles com o chofer de uniforme azul-marinho, impecável, perfilado junto ao capo. Martin apontou para um dos carros, todo fechado, e Brigitte compreendeu que tinha vidros à prova de bala. Apontou por sua vez para outro, de capota arriada, dizendo:

— Quero ir naquele, Martin!

Page 30: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Mas... Majestade! Teremos de atravessar toda a cidade, pois as ruas estão repletas de gente que deseja ver a Rainha! Nunca se sabe... A situação está...

— Irei no conversível, Martin — decidiu Brigitte como verdadeira soberana. — E o desfile será muito lento.

— Está... Está bem, Majestade balbuciou homem, preocupadíssimo.

Houve um rumor agitado entre os membros da comitiva, mas todos logo se conformaram com a audaciosa decisão da rainha, passando a admirá-la ainda mais por sua prova de coragem. O desfile seguiu pela rodovia que margeava as praias e não demorou para que se avistasse a capital toda embandeirada. A passagem pelas ruas de Queen City foi apoteótica. Num dado momento ninguém podia ver coisa alguma tal a chuva de papei picado, confetes e serpentinas. O berreiro dos indefectíveis serviços de alto-falantes se somava à gritaria do povo, criando um ruído conjunto enlouquecedor.

A comitiva chegou finalmente aos jardins do palácio, cheios de palmeiras, flores tropicais, viveiros de pássaros, araras muito coloridas e papagaios de todos os tipos importados do Brasil.

Havia quatro pessoas aguardando a rainha na escadaria de mármore do palácio e bastou um ligeiro olhar para que Brigitte classificasse as quatro, enquanto avançavam em sua direção com evidente descaso: eram duas mulheres, uma menina e um homem. As duas mulheres eram jovens e belíssimas. A menina devia ter uns dez a doze anos e era surpreendentemente loura, com fantásticos olhos verdes translúcidos O homem devia ter entre quarenta e cinco e cinqüenta anos, era alto, empertigado, impressionante com as

Page 31: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

têmporas prateadas e os olhos negros de olhar que também pareceram definir Brigitte à simples vista. Após o primeiro olhar o homem pareceu entre surpreso e desconcertado..

— Majestade — murmurou Martin, servil. — Elas são as Princesas Dalilah, Jezebel e Mary Lou, meu é Conrad, preceptor da Princesinha Mary Lou.

As três princesas se inclinaram, em elegante saudação, e o homem se limitou a reclinar ligeiramente a cabeça.

— Princesas? — indagou Brigitte. — Como posso entender isso, Martin?

— Bem... Pertencem à família real, Majestade. A espiã-rainha ficou alguns segundos pensativa. — Martin: estará, porventura, dizendo que ainda restam

membros da família real deste país? — Exatamente, Majestade. — Não compreendo. Deviam ter nomeado rainha

qualquer das três princesas, não acha? — Mary Lou ainda é muito pequena, Majestade. Não

poderia reinar senão daqui a oito anos, isto é, quando completasse dezoito. Quanto ás princesas Dalilah e Jezebel, elas próprias se negaram a ocupar o trono toda vez que o Conselho dos Quatro lhes fez tal sugestão.

— Elas se negaram?! Parece incrível!! Por quê? — Talvez por compreenderem que não é fácil governar

um povo, Majestade. — Isso é absurdo! Mesmo que uma rainha não se

considere capaz de governar, sempre contará com a assessoria de homens politicamente experimentados que formarão o seu Gabinete, tanto no exterior como no interior.

— Não se pode obrigar ninguém a aceitar uma coroa, Majestade...

Page 32: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Brigitte deu de ombros e olhou para as três princesas, vendo em seus olhos uma firme determinação, sem dúvida relacionada com aquele assunto. Não pareciam dispostas a reinar por coisa alguma deste mundo. Contemplou demoradamente os maravilhosos olhos verdes de Mary Lou e perguntou:

— Você também não quer ser rainha? — Eu gostaria... Majestade. — Acha que seria uma boa soberana? — Agora, não, mas seria depois de coroada. Ainda tenho

muito tempo para estudar e aprender muitas coisas. — De fato, menina inteligente, você ainda dispõe de

muito tempo. É de se esperar que mister Conrad seja um bom mestre.

— Faço o que posso. Majestade — disse secamente o sedutor Conrad.

Sua animosidade para com a nova rainha era tão flagrante que dispensava qualquer comentário. Os membros do Conselho dos Quatro olhavam para ele com visível expressão de critica, porem Brigitte se limitou a sorrir.

— Fazer-se o que se pode é fácil, mister Conrad, não tem mérito algum. Realmente meritório é a criatura se esforçar para fazer o que esteja fora do seu alcance.

Conrad pareceu atingido por uma centelha elétrica. — Terei sempre em mente as palavras de Vossa

Majestade. — Faço votos. Confio em que nos veremos com

freqüência... Agora talvez seja oportuno todos nós almoçarmos. Suponho que uma rainha e algumas princesas tenham o direito de sentir fome ...

Page 33: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Olhou nesse instante para um indivíduo gigantesco que surgira naquele exato momento por trás da família real. Encabeçava uma longa fila de serviçais que aguardavam o momento de ser apresentados á nova rainha. Era um homem de quase dois metros de altura, de ombros largos, cabelos quase inteiramente brancos e crespos. Não devia ter menos de sessenta anos, o que só se podia imaginar vendo-se os seus olhos e seus cabelos. Era um mulato-aço que parecia conservar um vigor extraordinário próprio de um homem saudável aos quarenta. Estava com uniforme impecável de libré vermelho e calças brancas justas nas pernas firmes como troncos de árvore. Seu olhar era terrivelmente fixo e inexpressivo. Martin se deu conta do interesse por ele despertado em Brigitte e pigarreou.

— É o mordomo, Majestade; chefe dos serviços do Palácio. Está esperando ser apresentado para, por sua vez, apresentar toda a criadagem. Mas se Vossa Majestade prefere adiar as apresentações...

— Por que motivo? — indagou Brigitte, quase num sussurro. — Conhecerei agora os serviçais do palácio e, ás cinco da tarde, os membros da Câmara dos Comuns e os chefes militares.

— Seu nome é Jonás, Majestade. O assombroso Jonás se inclinou estritamente o

necessário, o quanto mandavam as regras palacianas, murmurando:

— As ordens de Vossa Majestade. Logo a seguir apresentou todos os demais. Eram doze

mulheres e quatorze homens e cada nome pronunciado por Jonás ficava para sempre gravado na memória infalível de uma mulher que a aguçava diariamente para poder conservar

Page 34: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

sua própria vida. Também nunca esquecia um rosto. Por isso, sorriu quando Jonás sugeriu:

— Se Vossa Majestade desejar, farei uma lista com o nome de todos, e suas respectivas funções.

— Você é muito amável, Jonás, mas a lista não necessária. E agora, por favor, dê as ordens oportunas para que seja servido o almoço das princesas e o meu. Entrementes, irei aos meus aposentos trocar de roupa. Mister Martin me acompanhará.

Uma ligeira alteração no rosto de Jonás traduziu sua surpresa.

— As ordens de Vossa Majestade. Brigitte tornou a sorrir, dando um adeuzinho a todos os

que a haviam acompanhado até o palácio, logo começando a subir a escadaria de mármore. Quando chegou ao alto, dois guardas reais apresentaram armas, rígidos como se fossem de pedra. Brigitte entrou e ficou maravilhada, olhando para todos os lados, a tudo analisando como conhecedora de obras de arte. Martin apontou para a escadaria que levava ao segundo andar e os dois subiram silenciosamente, até que ela, depois de olhar de soslaio para o seu hirto acompanhante, indagou:

— Quem é, exatamente, o homem chamado Conrad? — Preceptor da princesa Mary Lou, mas antes foi político

importante no país. Um grande amigo do último príncipe-consorte, chamado Jebediah, até que este morreu.

— Quanto tempo faz que morreu? — Sete anos. — E não foi possível manter Conrad num cargo político?

Se ele era realmente hábil, não vejo por que transformá-lo em mestre de uma menina.

Page 35: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Ele próprio escolheu essa função, Majestade. Desde que Mary Lou nasceu, Conrad demonstrou grande afeto por ela e a menina por ele. Foi, desde o principio, uma adoração mútua.

— Entendo. E os pais de Mary Lou? O pai faleceu quando ela tinha dois anos, num acidente de

automóvel. A mãe de Mary Lou ainda não era rainha, tendo sido coroada somente dois anos depois.

— Que houve com ela? — Também morreu, Majestade. — De quê? — De um ataque cardíaco. — Oh... É lamentável ... Devia ser muito jovem. — Tinha vinte e seis anos. Os aposentos de Vossa

Majestade ocupam toda a ala oriental do palácio — Martin ab riu uma das duas folhas enormes da porta escura, maciça, velha. — Todas as dependências desta ala se comunicam entre si. Jonás ou a criadagem que Vossa Majestade se dignar escolher mostrará todas as peculiaridades de cada aposento. Mas se Vossa Majestade preferir que eu...

— Não, Martin, não... Muito obrigada. Se não me falha a memória, disponho de um vestuário completo, com as minhas medidas...

— De fato, Majestade. Os costureiros reais. — Eu mesma encontrarei o que quiser. Por enquanto é

tudo, Martin — sorriu. — Falarei com Jonás mais tarde para distribuir os serviços de acordo com as minhas necessidades, mas, por enquanto, ficarei bem servida apenas com Peggy, a minha criada de sempre. Poderá ter a gentileza de lhe dizer que suba para me ajudar? Oh... E que não se esqueça de

Page 36: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

minha maleta. Ela sabe qual é. Onde se alojará o meu amigo Frankie?

— Nos aposentos da ala ocidental, Majestade. — Ótimo. Felizmente este palácio não é excessivamente

grande. Adeus, Martin, até as cinco. Não se esqueça. Providencie para que tudo esteja preparado para as oito no estúdio de televisão.

— Como?! — exclamou Martin, boquiaberto. — Vossa Majestade pretende ir..

— Naturalmente — interrompeu-o Brigitte. — Eu sei muito bem que poderia ordenar a transferência de todo o aparelhamento de televisão para este palácio, mas isso importaria em sacrifícios para muita gente. Acho que não haverá inconveniente algum em que a rainha vá a um estúdio de televisão para falar ao seu povo.

— Bem... Claro... Nenhum inconveniente... Cumprirei fielmente as ordens de Vossa Majestade.

CAPÍTULO QUARTO O pesadelo da rainha

Com voz veludínea e um sorriso irresistível, Sua

Majestade a Rainha de Atlantic Kingdom falou durante quatorze minutos, proferindo o seu primeiro discurso real que mais parecia uma palestra com os quatro milhões de súditos.

Somente os quatro membros do Conselho sabiam que o discurso não fora escrito nem decorado, mas feito de improviso com base em umas quantas perguntas que Brigitte lhes fizera pouco antes de se encaminhar para o estúdio de

Page 37: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

televisão. Todos os habitantes das dezesseis ilhas estavam com os olhos pregados nas telas dos receptores.

— E, por último, quero lembrar a todos que a grandeza de um país não se mede por sua extensão territorial, nem pela quantidade de seus habitantes, e muito menos, pela raça de seus cidadãos. Jamais se esqueçam disto. O nosso país será sempre pequeno, mas poderá demonstrar sua grandeza. Qualquer sacrifício, por menor que seja, será valioso para se conseguir isso. Eu não pedirei sacrifícios angustiantes... Apenas trabalho constante, realizado com a satisfação de saber que contribuirá pura a grandeza da Pátria. Uma grandeza que se mede por dentro e não por fora. Uma grandeza que talvez ninguém veja até que tenhamos relações diplomáticas com o mundo inteiro e sejamos admitidos em todos os organismos internacionais. Uma grandeza que será, simplesmente, uma indestrutível solidez interna. Jamais se deve esquecer que os pulses destituídos dessa solidez interna são fácil presa dos poderosos, os quais, com o pretexto de uma ajuda econômica, social, militar ou política, vão realizando um trabalho de sapa em todas as instituições genuinamente nacionais até subjugarem o país de dentro para fora valendo-se dessas próprias instituições, que se terão tornado apenas supostamente representativas da nacionalidade. Mas isso não acontecerá em Atlantic Kingdom enquanto os meus quatro milhões de súditos trabalharem árdua e alegremente como eu pretendo trabalhar. Repitam sempre mentalmente esta assertiva: um castelo não pode ser defendido por um débil, mas uma simples choça pode ser e é protegida por um forte que a ame de verdade. E não se esqueçam de que a vossa rainha é também vossa servidora.

Page 38: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

O rosto da futura rainha desapareceu do vídeo sendo substituído pelas armas do reino e o hino nacional começou a ecoar nas paredes da pequena casa praiana, no subúrbio elegante da parte Oeste de Queen City.

Um dos homens que estavam na pequena sala se levantou da poltrona, desligou o televisor e se virou para o outro, que continuava sentado, sorrindo ironicamente.

— Onde arranjaram essa mulher? — perguntou. — Num cérebro eletrônico. — Conheço a história e me pergunto se é séria. — Completamente séria, camarada Kurvanian. Algo o

desagrada? — Não gosto dessa mulher — respondeu Kurvanian. —

Também não gostei de suas palavras, especialmente das últimas.

— Os ilhéus não são tão inteligentes e trabalhadores quanto ela parece supor. Não conseguirá nada.

— Mas suas palavras foram muito vigorosas. Abordou todos os temas nacionais em apenas quinze minutos. Nesse curto espaço de tempo pôs à mostra todas as chagas e sugeriu o modo de curá-las. Acima de tudo, aquelas palavras finais... Será que ela sabe de algo?

— Que pode saber’? — Não sei, Bolonov, não sei... Mas se não sabe, deduz.

Essa mulher está percebendo que há um trabalho subterrâneo em tudo isso.

— Ora, vamos!... — sorriu Ivan Bolonov. — Você está exagerando, camarada Kurvanian. Sem dúvida esse discurso foi elaborado pelos Quatro.

Page 39: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Pois não deviam tê-lo redigido naqueles termos, com aquelas palavras tão penetrantes. Foram como flechas certeiras...

— E que desejava que dissessem? Que pretendiam afundar o seu próprio país?... Estou convencido de que a as palavras foram postas na boca da rainha pelos Quatro. É uma velha tática. Se você avisar a caça de que vai persegui-la, terá grande dificuldade em encontrá-la. Mas se a caça está convencida de que você pretende apenas acariciá-la, deixar-se-á apanhar com toda a facilidade ...

— Está certo de que os Quatro não o enganam? — Absolutamente seguro. Pode ficar tranqüilo, camarada

Kurvanian. Tudo foi perfeitamente planejado. A cilada será concluída no máximo dentro de duas semanas. Além disso, há essa bruxaria estranha que todos os ilhéus conhecem. Tudo sairá a contento.

Kurvanian foi até a mesinha, recolheu um dos jornais e ficou alguns segundos contemplando o belo rosto de mulher.

— Não gosto dessa criatura. — Pois é muito bonita — sorriu Bolonov. Kurvanian recortou com os dedos a fotografia da rainha

de Atlantic Kingdom, metendo-a no bolso. — Regressarei a Miami — disse. — Enviarei esta foto á

MVD pelo sistema de prioridade. — Perderá o seu precioso tempo. Em primeiro lugar,

porque já devem conhecê-la, pois os nossos companheiros não podem ter ficado inativos e, em segundo lugar, porque, se essa mulher tivesse algo que temer por parte da MVD, não teria sido louca a ponto de se tornar a mais famosa do mundo em vinte e quatro horas.

Page 40: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— O que você está dizendo é razoável — admitiu Kurvanian, hesitante — porém continuo não gostando dela. Sem dúvida é belíssima, mas no fundo desses olhos sorridentes há alguma coisa que não pode agradar a um agente dos Planos Exteriores Soviéticos.

— Como queira pareceu aborrecer-se Ivan Bolonov. — Eu não passo de um diplomata secreto, de modo que me limitarei á minha tarefa relacionada com este assunto. Você, camarada Kurvanian, deverá fazer o que lhe parecer mais apropriado.

— Partirei imediatamente para Miami. Não se pode subestimar coisa alguma, camarada Bolonov.

* * * — Parece que você está levando a coisa muito sério —

sorriu, divertido, o atlético Frank Minello. — Eu sempre levo tudo a sério, meu querido sorriu

também a futura rainha, acariciando as minúsculas orelhas de “Cícero”. — Gostou do discurso?

Minello se deixou cair numa das grandes poltronas do gabinete particular da rainha.

— Divertido. De certo modo, você não prometeu mais que qualquer candidato a um trono ou a uma presidência.

— De fato — admitiu Brigitte. — Acho que tudo não passa de uma jogada de alguém.

— Que espécie de jogada? — Ainda não sei, mas ficarei sabendo quando eles

considerarem conveniente. Aceitarei tudo o que me proponham. Trata-se de uma oportunidade que só se tem uma vez na vida.

— Não estou compreendendo — disse Minello, muito sério.

Page 41: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Pois é bem fácil, meu querido Frankie.. Ah... ai está a nossa querida Peggy com o champanha quase gelado. Arranjou cerejas. Peggy?

— Arranjei, miss... Majestade. — Não seja tola, menina — disse Brigitte, divertindo-se a

valer com o embaraço da criada. — Ainda não fui coroada. De qualquer forma, na intimidade serei a mesma. Ande: sirva logo esse champanha.

Minello esperou que as duas taças estivessem cheias, com cerejas no fundo. Infelizmente não havia “Perignon” da safra de 1955 no palácio.

— De que oportunidade você estava falando, Brigitte? — Bem.. Não sei exatamente. Contudo, é fácil

compreender que há algo surpreendente em tudo isso, a começar por minha eleição para rainha. Acho que num determinado momento me será dada a resposta.

— Que espécie de resposta? — Dinheiro, naturalmente, meu querido. Não sei como

nem quando, mas me oferecerão dinheiro para fazer algo. Seja o que for, aceitarei e partirei com as malas cheias de dólares. Isso é a única coisa que me importa verdadeiramente, embora sem dúvida, tenha de ser razoável

— Que acha de uma oferta de cinco milhões de dólares? Minello estava boquiaberto, com o rosto encarnado de

surpresa e indignação. — Você me vai dizer que pretende seguir o jogo de

alguém, traindo este país que a acolheu como se fosse realmente sua rainha?!!

— É possível. Cinco milhões de dólares não podem ser desprezados, Frankie. E é possível que eu consiga mais.

Page 42: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Como você bem sabe, a única coisa que me interessa é o dinheiro.

O rosto de Frank Minello não podia estar mais encarnado de ira sem que começasse a transudar sangue. Por um momento pareceu a ponto de atirar a taça de champanha no rosto de Brigitte, mas exatamente nesse instante ela erguia um abajur de cristal de cima de uma mesinha circular de caoba, apontava para a sua base com um dedinho e sorria ironicamente. A boca de Minello se abriu ainda mais e seu rosto passou do encarnado ao pálido cadavérico quando ele viu o diminuto microfone magnético embutido na base da bonita lâmpada de mesa. Quando tornou a olhar para Brigitte, viu o seu olhar destilando uma astúcia venenosa, como aquela que certa vez lhe valeu o cognome de “Víbora sem Ninho”.

— Que houve, Frankie? — indagou a perigosa espiã. — Está surpreso com minha atitude?

— Não... Claro que não. É que... me pareceu que você estivesse levando a sério essa história de ser rainha.

— Oh, não seja tolo. Está claro que levo a sério. Mas não para mim. Quando estiver com o dinheiro nas mãos, baterei asas... Eis tudo.

— Ótimo. Só espero que você me leve em conta... — Sem dúvida pedirei algo para você. Estamos

discutindo a direção de um país e não a venda de... bananas. Haverá dinheiro para todos. Tomara que eu não esteja enganada, porque não sei o que faria como rainha de um país. O importante é que me façam logo essa proposta, seja ela qual for, desde que haja dinheiro no meio. Espero que se tenha dissipado a sua surpresa.

— Não foi surpresa. Mas... medo diante de sua audácia.

Page 43: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Minha audácia?! Audácia foi a deles, indo buscar uma rainha fora do país quando contavam com três princesas. Foi isso o que me levou a compreender que há uma jogada muito suja. Mas a questão da sujeira de propósitos não me afeta no mínimo. Com esses milhões darei uma esmola polpuda aos meus velhinhos e aos meus meninos paranormais. Isto é, com parte do dinheiro, é claro.

— Você é muito astuta — disse Minello, com toda a sinceridade.

De fato. Enquanto falava, Brigitte passeava pelo quarto mostrando ao cronista esportivo outros dois microfones, um deles atrás de um paneaux persa e o outro habilmente aderido à moldura de um quadro. Peggy não saia do espanto, mas aprendera a ficar com a boca fechada enquanto sua patroa falasse e isso sempre dera bons resultados.

— Não é necessário muita esperteza para se tirar proveito de uma situação — sorriu Brigitte. tornando a sentar-se. — Só nos resta esperar durante pouco tempo e voltar rara os Estados Unidos com todas as honrarias e alguns milhões. Pode estar certo, meu querido Frankie, que não conseguirão comprar uma rainha por menos de cinco milhões.

— É o mínimo que se pode exigir — sorriu Minello. — Agora, se você não se importar, descansarei um

pouco. Ontem á noite não repousamos o suficiente e hoje trabalhei muito. Não estou acostumada...

— Não terá de trabalhar quando tudo isto terminar — disse Minello, levantando-se. — Boa-noite, Majestade.

— Boa-noite, Sua Alteza Príncipe Consorte — respondeu Brigitte, dando uma de suas risadinhas maliciosas.

Frank Minello saiu rindo dos aposentos da rainha e, no corredor, um guarda se perfilou á sua passagem.

Page 44: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Brigitte entrou em seu enorme quarto, digno de uma rainha, com candelabro de cristal, cama de dossel de ébano e colchão de penugem de pato, penteadeira descomunal com espelhos de cristal basculantes e um guarda-roupa de dez portas, tomando toda uma parede, também de ébano. Havia duas amplas portas envidraçadas dando para um terraço, com cortinas amarelo-ouro

A espiã se despiu, como sempre, diante do espelho do armário, ordenando a Peggy que se retirasse e levasse Cícero para os seus aposentos. Sim, porque mimo de rainha também tem direito a contorto.

— Está bem, miss... Majes... miss... — Miss Montfort, como sempre, Peggy. — A que horas devo chamá-la, miss Montfort? — Uma rainha deve madrugar, para atender aos assuntos

do Estado. Portanto, pode me chamar ás oito Peggy sabia muito bem que “Baby” tinha dentro da

cabeça um despertador ou algo parecido. Brigitte ficou finalmente só. Levou uns três minutos para

encontrar mais dois microfones e sorriu, satisfeita. Só se preocupava com o fato de ainda não saber quem os havia instalado. Podiam ter sido os russos, mas também os norte-americanos, ou, talvez, os ingleses. Sim, os ingleses. Por que não?

Vestiu pijamas curtíssimos e se atirou na cama, apagando a luz do abajur de cabeceira. Não levou quinze segundos para dormir profundamente.

* * * A espiã internacional despertou de repente. sentando-se

rapidamente na cama, em silêncio. Procurou em vão distinguir algo na escuridão. conseguindo apenas ver as

Page 45: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

estrelas. Tivera a pachorra de afastar as cortinas e escancarar as portas envidraçadas para dormir a seu gosto, com o frescor da noite. Ouviu a orquestra de centenas de insetos.

Dentro, ao seu redor, um ruído que parecia o de papel sendo manuseado.

Sem se mexer, adiantou lentamente a mão para o interruptor do abajur, considerando-se imprudente por não ter dormido com a sua pistolinha de cabo de madrepérola, senão mesmo com a sua maleta azul adornada com flores vermelhas, cheia dos mais imprevisíveis truques. Acendeu a luz e, ao mesmo tempo em que compreendia que a sua pistola de nada lhe teria valido, empalidecia intensamente, tendo o corpo sacudido pelo terror. Começou imediatamente a suar por todo o corpo. Estava paralisada de horror.

A cobra que subira pelo pé da cama deslizava lentamente para ela por cima do finíssimo lençol azul-celeste. Era uma cobra verde e fina, com olhos diminutos e aquosos, que parecia não ter pressa de atacar. Sem forças sequer para engolir saliva, “Baby” olhou para o chão. Em torno do leito real havia mais umas trinta cobras iguais á que estava em cima da cama, olhando para ela de um modo aterrador, movendo a cabeça de um e um

lado para outro, como que se deliciando com o terror da vitima. Eram víboras!

Mais duas se esforçavam para subir, enroscando-se nos pés da cama e o ruído de papel-de-seda sendo manuseado aumentava. O braço que Brigitte estendera para alcançar o abajur caiu sobre o travesseiro, sem forças. A espiã estava gelada de pavor. Seus dedos se crisparam na fronha. Já não olhava para as trinta víboras que rastejavam ao redor da cama nem para as duas que estavam subindo, mas apenas

Page 46: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

para aquela que estava mais perto, a mais audaz, a maior de todas, que continuava balançando a cabeça, quase hipnotizando-a, quase matando-a de horror. Embora ainda não se tivesse decidido a atacar, a indecisão não iria durar indefinidamente. As duas outras não tardariam para subir e, quando a primeira visse as outras, o reforço, passaria ao ataque. As três atacariam!

Com a serenidade do desespero, Brigitte decidiu agir antes que isso acontecesse. Seu cérebro extraordinariamente lúcido lhe dizia que seria sua única oportunidade de escapar. Se não tomasse uma iniciativa desesperada morreria inapelavelmente. Segurou ainda com maior firmeza a fronha e, num movimento velocíssimo, colocou o travesseiro entre seu corpo e a víbora. Esta atacou, assustada pelo movimento, dando com a cabeça no travesseiro, que logo foi posto sobre ela, imobilizando-a. A espiã sentia sob as mãos os movimentos da cobra, enquanto olhava ao redor com os olhos azuis muito arregalados. Poderia gritar, caso encontrasse forças para tanto, mas isso de nada valeria. Alguns guardas entrariam em seu quarto e vários deles seriam mortos enquanto muitas víboras subissem á cama, matando-a. Não, essa não seria a solução.

O suor empapava o pijama de Brigitte e a primeira cobra continuava procurando uma saída sob aquela massa branda que a imobilizava parcialmente. As outras duas já estavam chegando ao pé da cama!

Porém a mente poderosa da melhor espiã do mundo teria forçosamente de vencer o terror. Uma pessoa normal teria desmaiado até mesmo antes de dominar a primeira cobra, porém Brigitte Montfort já havia demonstrado várias vezes, inclusive a si mesma, que não era normal, que sua natureza

Page 47: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

era consideravelmente superior á da maioria dos mortais. Era um dom pelo qual devia agradecer a Deus e... saber utilizar.

Levantou-se de um salto, ainda em cima da cama, o que levou a primeira cobra a escapulir, atacando às cegas e caindo ao chão entre as trinta que ali rastejavam. As outras duas conseguiram finalmente subir e Brigitte se agarrou a uma das barras horizontais do dossel, fez uma flexão com o corpo e, depois de girar em torno da barra, ficou estendida sobre ela. A delgada peça de ébano deu um estalido, o mesmo acontecendo com toda a estrutura do dossel. Tudo iria ruir de um momento para outro sobre o montão de cobras: os adornos, as barras de ébano e ... ela! As víboras pareciam pressentir instintivamente o que estava para acontecer, pois todas estavam de cabeça erguida, olhando para cima.

Muito lentamente e enquanto algumas cobras já estavam subindo em espiral pelas colunas do dossel, Brigitte se pôs de pé, oscilando, com um equilíbrio do qual ela própria mais tarde se admirou. De repente, como um felino, deu um salto assombroso e, após um vôo impressionante de três metros, aferrou as mãos ao circulo maior do grande candelabro que pendia do teto por uma corrente de ferro. O candelabro oscilou, os pingentes de cristal se entrechocaram produzindo um melódico tilintar e uma das lâmpadas se apagou. Brigitte ficou dependurada, balançando sobre as cobras que não tinham conseguido subir à cama.

Em vez de cair, o dossel se inclinou para a cabeceira da cama, ficando apoiado à parede. A agente “Baby” balançou vigorosamente as pernas, aumentando a oscilação do candelabro na direção do terraço e, por um instante, virou a cabeça, olhando para a porta de comunicação de seu quarto

Page 48: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

com o de Peggy, bendizendo o sono profundo da empregada, pois se ela despertasse com o tilintar dos pingentes e entrasse no quarto, possivelmente ainda tonta de sono, estaria liquidada. Desmaiaria e as cobras não teriam trabalho algum para atacá-la.

O movimento oscilatório do candelabro se tornou cada vez mais forte e, quando mais de uma dezena de víboras já haviam subido ao dossel. “Baby” se lançou com toda a força para o terraço. Caiu ao chão, girou como se fosse de borracha, levantou-se de um salto e fechou as portas envidraçadas. As cobras ficaram presas no quarto.

Ficou durante alguns segundos olhando através das vidraças, observando as cobras que já avançavam para o terraço e vigiando a porta que dava para o quarto de Peggy. Nesses poucos segundos tomou uma decisão: agarrou-se às pedras da parede externa do palácio e foi descendo lentamente até se encontrar a menos de dois metros do pórtico inferior, deixando-se cair. O guarda. que parecia dormitar de pé, se sobressaltou e, á luz da tênue iluminação noturna do palácio, a espiã pode ver seus olhos quase saindo das órbitas como se ele tivesse visto um fantasma.

— Chame a guarda! — ordenou Brigitte, ofegante. — S-s-siii ... Siim, Majestade! — Sem escândalos. Atue com a mais absoluta

tranqüilidade. — Sim, Majestade! O guarda saiu em disparada, virando de vez em quando a

cabeça como se quisesse certificar-se de que realmente estava vendo a sua rainha de pijama. Num minuto meia dúzia de guardas estavam diante de Sua Majestade Brigitte, sob o comando do oficial de serviço. Este estava com cara de

Page 49: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

sono, mas se perfilou devidamente e permaneceu rígido, aguardando as ordens da rainha.

— Às ordens de Vossa Majestade! — quase gritou. — Há gases no Corpo da Guarda, tenente? — Não... Isto é... Somente gás lacrimogêneo, Majestade. — Meia dúzia de granadas e toda a guarda comigo.

Imediatamente! Pela porta principal. — Sim, Majestade! Cinco minutos depois de haver descido pela parede a

rainha de Atlantic Kingdom subia a escada de mármore que levava ao primeiro andar do palácio, seguida por vinte guardas bem armados e dois deles portando as seis granadas lacrimogêneas. Os passos cadenciados puseram em estado de alerta todo o palácio. Frank Minello surgiu no amplo corredor de cima, de pijama e empunhando enorme pistola automática de calibre 45.

— Que houve’?! — perguntou. aos gritos, assim que deparou com Brigitte.

As princesas Jezebel e Dalilah chegavam apressadamente, com deliciosos deshabillées, e, logo atrás delas, o estranho Conrad vestindo um robe sobre o pijama. Peggy surgiu na porta do seu quarto que abria diretamente para o corredor e ficou olhando, atônita, primeiro para Brigitte e depois para os vinte guardas que, perfilados, aguardavam as ordens e sua Majestade.

— Há umas trinta ou quarenta cobras no meu quarto — disse Brigitte, já com a frieza da espia internacional. — Lancem primeiro as bombas de gás lacrimogêneo. Depois, matem-nas a baioneta. Tenham todo o cuidado, porque não quero que nenhum de vocês seja mordido.

Page 50: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Houve uma atitude geral de estupefação, de incredulidade, porém o oficial de serviço era um dos que haviam aceitado aquela mulher como sua rainha e agiu sem pestanejar. Foi o primeiro a abrir a porta que dava para os aposentos de Brigitte e também o primeiro a chegar ao seu gabinete particular, alcançando, dali, acompanhado dos guardas, a porta do quarto, a qual abriu de um empurrão. Afastou-se, apontando para o interior. Os dois soldados que portavam as granadas avançaram, dispostos a lançá-las, mas pararam em seco e se voltaram desconcertados para o tenente. Este compreendeu seus olhares e entrou no quarto.

Após alguns segundos saiu e se plantou no meio do gabinete, perfilando-se magnificamente.

— Não há cobras, Majestade — disse. — Há mais de trinta, tenente. O oficial apenas pestanejou e permaneceu firme, ainda

com a mão espalmada na pala do capacete. Não se atrevia a contradizer a sua rainha, porém não havia cobras...

Franzindo a testa, Brigitte entrou no quarto. passando entre os soldados que portavam as granadas. Estes lhe deram passagem impressionados e aturdidos.

O quarto estava vazio. Nem uma só cobra! Não havia o menor sinal delas. O dossel estava bem colocado, como se nada tivesse acontecido. O candelabro estava imóvel, com todas as lâmpadas acesas. O travesseiro estava no seu devido lugar, na cabeceira da cama, cuja roupa estava perfeitamente arrumada. As portas envidraçadas estavam abertas, tal como Brigitte as deixara ao ir para a cama. Por um instante as narinas da espiã vibraram. Depois, ela voltou ao gabinete sorrindo como se a coisa fosse divertida.

Page 51: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Pode retirar-se, tenente. Que cada guarda volte a ocupar o seu posto.

— As ordens de Vossa Majestade! Os soldados já estavam saindo quando Jonás, o chefe dos

serviçais, chegava correndo. Olhou para todos, sem nada compreender, e finalmente seus olhos negros se fixaram na rainha.

— Uma boa noite para todos — disse esta. Dalilah e Jezebel estavam tão pálidas que pareciam de mármore. Foram as primeiras a sair, parecendo prestes a desmaiar. Jonás olhou para cada um dos presentes, mas acabou por se retirar sem dizer uma única palavra. Conrad foi até a porta olhando estranhamente para a rainha.

— Espero que nenhuma cobra tenha mordido Vossa Majestade — murmurou roucamente. — As cobras de nossas ilhas são muito venenosas...

— Tais cobras não existem — sorriu Brigitte. — Acho que foi um pesadelo, mister Conrad. De qualquer forma, eu lhe agradeço pelo interesse. A pequena Mary Lou está dormindo?

— É o que parece, Majestade. Felizmente. — É. Felizmente. Mister Conrad: eu gostaria que

tivéssemos uma conversa amanhã. Isto é, hoje, pois não tardará a amanhecer. Poderá dispor de alguns minutos para conversarmos?

— Para Vossa Majestade, disponho de todos minutos de minha vida.

Foi uma resposta amável, porém dada em tom muito seco. Simples protocolo.

— Muito obrigada, mister Conrad. Que tal ás onze horas, nos jardins?

Page 52: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— As onze, nos jardins, Majestade — inclinou-se, saindo.

Quando Brigitte, Peggy e Minello ficaram a sós, este olhou estranhamente para a espiã.

— Acho que você não me pretende fazer engolir o conto do pesadelo. O seu cérebro é uma máquina perfeita e não acredito que.

— Venha comigo, Frankie. Você também, Peggy. Em primeiro lugar, qualquer pessoa pode ter pesadelos, Frankie, inclusive eu, naturalmente. Uma vez aceita essa verdade, entre no meu quarto e use atentamente o olfato. A resposta não precisa ser dada às pressas.

Os três entraram e Minello e Peggy começaram a cheirar com todo o cuidado. Estiveram quase um minuto fungando e percorrendo o quarto em todos os sentidos. Por fim, ambos ficaram olhando para Brigitte. Esta tocou o dossel, que oscilou com facilidade, rangendo. Os adornos de filó e arminho pareciam intactos, mas podiam-se ver imperfeições na parte mais alta. Até aquele momento a agente “Baby” jamais tivera pesadelos.

— E agora? — indagou, sorrindo friamente. — Não sinto cheiro de nada — rosnou Minello, mal-

humorado. — Nem eu — murmurou, a medo, Peggy. — Que cheiro teríamos de sentir? — interessou-se o

jornalista. — Nenhum... Nenhum, Frankie. Falaremos disso

amanhã. — É absurdo dormirmos tão afastados uns dos outros —

protestou Minello. — Essa gente pode ter preconceitos, o

Page 53: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

que está certo, mas se você tem de ser visitada por mais de trinta cobras, eu prefiro...

— Foi um pesadelo — sorriu “Baby”. — Não diga tolices! — explodiu Minello. — Ainda que

isso tivesse acontecido. você teria despertado antes de mobilizar toda a guarda do palácio. Se você chegou, a fazer isso...

— Será melhor você voltar para o seu quarto, Frankie. — Com mil demônios! — rugiu o gigante, saindo

abruptamente dos aposentos de Sua Majestade. — Miss Montfort: seria melhor dormir comigo esta noite,

pois talvez volte a ter... — Agradeço a boa intenção, Peggy. mas sou a rainha

deste palácio e este é o quarto da rainha. Portanto, dormirei aqui. Descanse tranqüila.

CAPÍTULO QUINTO

Um duende e... morte horripilante! Conrad e Mary Lou se levantaram quando a rainha

chegou junto a eles exatamente á hora marcada para o encontro, o que pareceu surpreender o estranho homem.

— Bom-dia, mister Conrad. Olá. Mary Lou... Dormiu bem?

— Dormi. — Dormi, Majestade — corrigiu-a suavemente, Conrad. — Ela não é minha rainha — disse a menina. — Eu sou a

rainha, já que as minhas primas Jezebel e Dalilah não desejam a coroa.

— Receio que terei de castigá-la, Mary Lou — murmurou Conrad.

Page 54: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Eu lhe suplico que não o faça — disse Brigitte, com um sorriso encantador. — De certo modo, a menina tem razão. Mas isso será o motivo de uma conversa à parte. Agora, Mary Lou, se você quisesse ser amável, daria um passeio pelo parque com Peggy. Eu lhe ficaria imensamente grata.

Mary Lou não parecia muito convencida, porém um olhar severo de Conrad fê-la mudar de atitude. Afastou-se com Peggy, que logo começou a lhe falar animadamente, seguindo ordens de Brigitte para que fosse muito amável com a menina.

Brigitte sentou-se á sombra de chorões, dizendo a Conrad:

— Não há motivo para que permaneça de pé, mister Conrad...

Este se sentou, obediente, parecendo aborrecido. — Suplico a Vossa Majestade que não leve em conta a

atitude de Mary Lou. Ela é... — Levarei muito em conta a atitude dessa menina, mister

Conrad, porque ela tem razão. Mas eu já lhe disse que isso será o assunto de outra conversa. Agora o que me interessa é que esclareça o caso das víboras.

— Não compreendo, Majestade... Vossa Majestade acha, porventura, que eu tenha algo a ver com essas cobras de vosso pesadelo?

— Mister Conrad, eu sou uma mulher inteligente e razoável e não uma ignorante. Mas se o senhor for um ignorante, nada mais teremos a dizer. O senhor é um ignorante, mister Conrad?

— Não. Majestade.

Page 55: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Magnífico. Agora, explique qual o significado daquelas cobras que vi no meu quarto.

— Não foi um pesadelo, Majestade — Deveras? Então, como desapareceram do meu quarto?

Eu admitiria de bom grado a hipótese de algumas terem saído pelo terraço, mas... todas?

— É... uma bruxaria, Majestade. — Ah! Uma bruxaria real... Conheço outra história talvez

parecida com esta, mister Conrad. Mas, como chegamos à conclusão de que nenhum de nós dois é ignorante, imbecil ou tolo, podemos estar certos de que a nossa conversa será interessante e amena. Entendo que as princesas Jezebel e Dalilah não querem ocupar o trono por medo dessa bruxaria... Certo?

— Absolutamente certo. Majestade. — Por outro lado, Mary Lou deve ignorar tal coisa e, por

isso, não vacila em se declarar herdeira presuntiva. Certo? — Certo, Majestade. — Agora, explique-me essa bruxaria. Nós dois sabemos

que é uma tolice, mas pode explicar em que consiste essa superstição. Que lhe ocorre? Por que me olha desse modo?

— Se Vossa Majestade me permite, eu a vejo com agrado... Receio que não tenha sabido dar-lhe o devido valor ontem.

Brigitte agradeceu essas palavras inclinando a cabeça e dando um de seus sorrisos abismais.

— A bruxaria, mister Conrad... Não tema aborrecer-me nem me cansar.

— Bem... Escrevi algo muito detalhado sobre isso, mas posso explicar de forma resumida para Vossa Majestade, neste instante. Mais tarde, se Vossa Majestade desejar, eu

Page 56: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

vos submeterei o meu trabalho detalhado sobre o assunto. Tudo começou quando morreu o príncipe Jebediah.

— Ele era querido? — Muitíssimo. Sabia permanecer na sombra, porém nós,

que éramos muito chegados ao palácio, sabíamos que a rainha o considerava o seu principal conselheiro. Embora com a discrição que compete ao príncipe-consorte. Jebediah era, na realidade, quem governava o país. E era excelente governador, Majestade. Era um homem notável em tudo. Alto, forte, risonho, inteligente, bondoso. Tinha grande nobreza de sentimentos.

— Como morreu, e com que idade? — Tinha cinqüenta anos, em 1961, quando lhe sobreveio

a morte. — Que tipo de morte? Conrad passou a língua pelos lábios. — Morreu. Majestade — murmurou, estranhamente. — Assassinado? — Morreu... A explicação dos médicos foi um tanto

ambígua. Sabe... O coração. — Que mais? — indagou a espiã, baixando os olhos. — Apenas dois meses depois morreu a rainha. — Do coração?... — sorriu Brigitte. — Essa foi a explicação, porém, Majestade. o certo é que

a rainha morreu de medo. Quando o seu cadáver foi encontrado, tinha os cabelos completamente brancos e o rosto retorcido numa carda de horror.

— Cobras? — o rosto de “Baby” se crispou. — Um duende, Majestade. — Está brincando, mister Conrad? — perguntou Brigitte,

empalidecendo ligeiramente.

Page 57: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Não, Majestade. Um duende é ... — Eu sei perfeitamente o que é um duende. É um homem

morto que ressuscita parcialmente e caminha á noite pelos lugares escuros como um lento autômato, como uma sombra da morte Isso é o que se diz nas Antilhas, miter Conrad. Porém nós dois sabemos que ninguém ressuscita, nem parcial, nem completamente. Os duendes não passam de mais um truque de bruxaria do Caribe. Eu lhe direi mais, mister Conrad: conheço o suficiente sobre bruxarias para que nenhum truque me impressione. Nem sequer os ritos da macumba.

— Devo admitir que Vossa Majestade é mulher de amplos conhecimentos e inteligência lúcida. A mim também não me impressionam os ritos da bruxaria, mas o certo é que, antes de encontrar a rainha morta naquela manhã, um soldado da Guarda Real se apresentou desfigurado ao oficial de serviço. Estivera desmaiado alguns minutos em seu posto porque, segundo afirmou, vira o príncipe Jebediah caminhando pelos jardins transformado num duende.

— Pelo amor de Deus — quase se irritou Brigitte. — Como pode um povo que acredita em duendes progredir, desenvolver-se?! Não percebe que isso não passa de uma tolice?

— Eu, sim, Majestade, mas o soldado viu o duende. — Onde está esse soldado? Quero.. — Partiu, Majestade. Fugiu para longe de Atlantic

Kingdom, como muitos outros. Refiro-me aos outros que também viram o príncipe Jebediah transformado em duende passeando pelos jardins do palácio de madrugada.

— E que pretendia ele com esses passeios? — sorriu com sarcasmo a espiã. — Colher Flores para o seu túmulo?

Page 58: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Cada vez que o duende de Jebediah foi visto, uma rainha morreu, Majestade.

— Como?! — A esposa de Jebediah foi sucedida por uma sobrinha,

porque eles não tinham filhos. Isso foi em 1962, depois que o trono esteve vago durante alguns meses. Pois bem: a rainha morreu pouco depois de ser coroada.

— De medo? — Foi mordida por grande quantidade de cobras

venenosas... Seu corpo estava inchado, lívido. Horrível! Não se encontrou nem rasto das cobras, porém outro soldado viu o duende de Jebediah passeando pelos jardins. A essa rainha sucedeu outra sobrinha da esposa de Jebediah nos primeiros dias do ano seguinte.

— Também morreu’? — Queimada em seu próprio quarto. Também naquela

noite o duende foi visto nos jardins. A última rainha que tivemos se chamava Alexandra. Como as anteriores, pertencia à família da esposa de Jebediah. Também pouco depois de ser coroada, um duende foi visto nos jardins. Quando o oficial de serviço foi informado correu ao quarto da rainha, encontrando-a enforcada no dossel do leito real, Isso ocorreu nos primeiros dias de 1965, e desde então não tivemos rainha em Atlantic Kingdom. Dalilah e Jezebel se negam terminantemente a aceitar a coroa, enquanto que Mary Lou, ainda ignorando tais acontecimentos, está desejosa de chegar aos dezoito anos para ser coroada. Entrementes, nestes três anos e meses sem rainha, as coisas vão de mal a pior no país. O povo quer uma rainha por considerar que sua ausência é a causa de todos os males. E alguém. não sei exatamente quem, sugeriu a idéia de trazer

Page 59: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

uma rainha de fora, na suposição de que assim se desencantaria a bruxaria.

— Ou, pelo menos, não morreria ninguém da família real, mas uma estrangeira ... Não se pode dizer que o meu povo seja amável comigo, mister Conrad.

— Quer uma rainha e julga que Vossa Majestade sabe de tudo. Por isso admira sua coragem, amando-a desde o princípio. O povo espera muito de sua rainha atual. Uma rainha com coragem suficiente para aceitar sobre si uma maldição merece tudo. Tudo!

— O povo acha que eu estava ciente de tudo? — Acha. Os Quatro não contaram o caso a Vossa

Majestade’? — Não. — É o que eu temia. Deve ser outra de suas manobras

sujas. — Outra, mister Conrad’? — Diversas ... Talvez... Bem, talvez não tenham sido mal

intencionados, mas apenas ignorantes. Mas, de qualquer forma, quer tenha sido por maldade, quer por ignorância, isso significa que o Conselho dos Quatro não está capacitado para governar o país. Se pensarmos detidamente no assunto, poderemos concluir que esperam que, com a senhora ocupando nominalmente o trono, resolva os seus problemas...

— Noto que já não me chama Majestade, mister Conrad. — Queira desculpar, Majestade disse Conrad, levantando

o queixo. — Não se desculpe — disse ela. estendendo-lhe a mão.

— A conversa se torna mais fluente sem tanta formalidade. Em suma: Os Quatro me ludibriaram com o beneplácito do

Page 60: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

povo e... do cérebro eletrônico, para que eu desencantasse a bruxaria ou para que, se a maldição continuasse. eu morresse em lugar de uma das princesas.

— Acho que colocariam qualquer delas no trono, com a mesma indiferença, se uma delas aceitasse. O que desejam é contentar o povo para continuar fazendo seus negócios, explorando a nação.

— Explorando a nação? — Isso mesmo. Qualquer país, por mais subdesenvolvido

que seja, sempre tem rendas vultosas. Tais rendas devem ser dedicadas ao bem-estar do povo, porém este jamais percebe a realidade, e assim, enquanto se dá por satisfeito com receptores de televisão, arremedos de automóvel de baixo custo e outras falsas necessidades apresentadas como imprescindíveis, deixando-se levar por quinquilharias, á semelhança das tribos seduzidas por balangandãs, os dirigentes desonestos embolsam milhões, aumentando cada vez mais os seus depósitos bancários — em bancos estrangeiros, naturalmente. Na verdade, o povo ignora o que seja realmente a vida verdadeira, autenticamente feliz e próspera que de fato poderia levar em seu próprio país. Não passa de um rebanho de ovelhas tosquiadas quando sua lã se faz necessária ou mandadas para o matadouro quando se precisa de carne — de bucha para canhão... Um rebanho de quatro milhões para que os quatro membros do Conselho vivam à tripa-forra.

— Entendo. O país está assim tão mal? — Estou há anos afastado da política, mas sei que as

coisas vão muito mal. Se não receber ajuda imediata do exterior tudo ruirá. Há alguns anos teria sido possível evitar essa petição de ajuda, mas agora é tarde demais. Agora ela é

Page 61: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

inevitável. Talvez ainda possamos agüentar um ano ou pouco mais, porém será o fim caso não nos concedam um empréstimo.

— Não cabe dúvida, mister Conrad, quanto a que, para uma pessoa afastada da política, o senhor esteja muito atualizado. Suponhamos que no Atlantic Kingdom houvesse uma rainha honrada e um Conselho honrado. Com quanto dinheiro se poderia recomeçar, sem apuros, com alegria?

Conrad ficou pensativo. — Eu calculei... Claro que, com o correr do tempo... — Entendo tudo isso — interrompeu-o Brigitte. —

Quanto? — Uns duzentos milhões de dólares. Com essa quantia e

com a boa vontade de todos, as coisas seriam endireitadas. — É muito dinheiro! Não se conseguiria alguma coisa

com... digamos, cem milhões de dólares? Conrad sorriu com ceticismo. — Seria tão difícil conseguir cem como duzentos.

Cem...? Sim ... sim, não há dúvida. Com uma boa rainha e um Poder Executivo inflexível se poderia recomeçar. Mas lentamente, com mais esforço por parte de todos. Este país é pequeno e, com cem milhões de dólares, uma pessoa adequada ao mando supremo poderia fazer milagres.

— Conhece essa pessoa adequada, mister Conrad? — É possível, Majestade. — Será possível também conhecer três pessoas absoluta

confiança? Três pessoas que pudessem sair do país discretamente, sem chamar atenção.

— Sim, também é possível. Brigitte se levantou e Conrad imitou-a rápidamente.

Page 62: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Nesse caso, mister Conrad, será melhor que avise a essas três pessoas que devem estar preparadas para viajar. Eu o espero esta tarde, às cinco, no meu gabinete particular.

— Às ordens de Vossa Majestade. — Muito agradecida, mister Conrad. Vou passear pelos

jardins. São belíssimos. — Hmm... Se Vossa Majestade me permitisse, eu vos

aconselharia a não ir até aquela parte — apontou para um dos lados dos jardins e Brigitte franziu a testa.

— Por quê? — Ali está o Mausoléu Real. — Ah... A residência do duende do príncipe Jebediah? — Talvez se possa dizer desse modo, Majestade. —

respondeu Conrad, sorrindo com admiração. — Pois saiba que talvez eu vá precisamente até lá. Não

haveria um meio de eu ver o cadáver de Jebediah? Compreendo que, após sete anos, não deverá estar muito agradável, mas, assim mesmo, eu gostaria de vê-lo. Sem dúvida isso me convenceria da impossibilidade dos seus passeios noturnos.

— A visita de Vossa Majestade seria inútil: por um acordo entre o Conselho dos Quatro e a família real, o cadáver foi incinerado por causa de seu último passeio noturno.

— Ah...Em tal caso, nada tenho a temer do duende. Mas eu gostaria de ver, de algum modo. o príncipe-consorte Jebediah.

— Posso avisar a Jonás, para que lhe mostre quadros e fotografias de toda a família real, inclusive de jebediah, naturalmente.

Page 63: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Eu lhe ficaria imensamente agradecida, mister Conrad. Também estarei esperando por Jonás ás cinco, com os quadros e fotografias. Até logo.

* * * — As quatro são muito bonitas, não há dúvida murmurou

Brigitte, contemplando as fotografias espalhadas diante dela. — Quanto ao príncipe-consorte Jebediah, era realmente forte e bem apessoado. Um grande esportista. Estarei enganada, Jonás’?

— Não, Majestade — disse, cheio de satisfação, o mulato chefe dos serviços internos do palácio. — O príncipe foi um grande homem em todos os sentidos.

— Você o admirava muito, não? — Muito, Majestade. — Todos nós o admirávamos e queríamos muito — disse

Conrad — porém Jonás seria até capaz de se deixar matar pelo seu príncipe.

— Como o senhor por Mary Lou? — disse Brigitte, olhando-o nos olhos.

— Eu diria que Jonás iria mais longe — respondeu Conrad, sorrindo com naturalidade. — Sua veneração era algo que nos impressionava. Chorou durante uma semana inteira, ininterruptamente.

Brigitte olhou carinhosamente para o mulato e novamente para o quadro e a fotografia de Jebediah. O príncipe tinha realmente feições nobres, com abundante cabeleira grisalha e espessa barba também grisácea. Olhos grandes, vivos, de olhar gentil. A boca era firme, de lábios delgados.

— A julgar por estas fotografias e pelo quadro, o príncipe era pessoa que sabia fazer-se querida. Não há mais fotografias ou quadros, Jonás?

Page 64: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Ainda restam alguns, Majestade, porém são pequenos. Posso trazer centenas de fotografias, mas depois de se ver estas...

— Entendo. Está bem. Jonás: pode levar os quadros e as fotografias.

Jonas se retirou ficando no gabinete Brigitte, Peggy, Minello e Conrad. Assim que o mordomo desapareceu “Baby” entregou três envelopes a Conrad.

Os envelopes estão devidamente sobrescritados. Os três amigos de confiança já estão preparados?

— Estão, Majestade. Podem partir quando Vossa Majestade desejar.

— Neste instante. Um lampejo brilhou nos olhos de Conrad, que se

levantou metendo os envelopes no bolso. — Partirão imediatamente. Com a permissão Vossa

Majestade... Também saiu e Minello acendeu dois cigarros entregando

um deles a Brigitte. — Acha que surtirá efeito? — perguntou. — Acho que

pediu muito. — Eu nunca peço mais do que já me ofereceram, Frankie.

Seria um abuso pedir que você se casasse comigo? Frank Minello empalideceu a ponto de parecer que ia

desmaiar e disse, com voz abafada: — Vou buscar as testemunhas e.. — Continue sentado seu tolo — interrompeu-o Brigitte.

— Era só para demonstrar que se alguém oferecer algo a “Baby” é porque pensa cumprir o que diz. Agora, vá buscar os microfones no banheiro. Nós vamos repô-los nos seus lugares para que pensem que a pausa não passou de simples

Page 65: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

e ligeira avaria eletrônica. Ficarão muito tranqüilos quando tornarem a ouvir a nossa conversa.

Minello foi buscar os microfones muito desconcertado com a falsa proposta de casamento. Na verdade, quem pretendesse enganar “Baby” teria de ter poderes sobrenaturais. Três minutos depois os microfones estavam reinstalados em seus lugares e Brigitte respirou fundo antes de voltar a desempenhar o papel de mulher que só pensa levar vantagem.

— De qualquer forma, meu querido — disse, como se estivesse por muito tempo falando no assunto — tudo isto é muito maçante. Não pense que seja fácil ocupar um trono. Esta manhã tive de resolver uns casos complicados e amanhã sairei de iate para dar uma volta pelas demais ilhas deste insignificante reino. Martin quer que todos os súditos me vejam pessoalmente e não pude rejeitar sua sugestão. Segundo me parece, passaremos três dias navegando de ilha em ilha. Depois ficaremos mais um dia nesta ilha e. no dia imediato, serei coroada.

— Será um espetáculo digno de se ver — comentou Minello, piscando um olho.

— Acho que sim. Espero que depois disso eu possa levar uma vida mais tranqüila enquanto me deixarem continuar aqui...

— E se tudo desse certo e, quando você percebesse, já estivesse coroada rainha deste país?

— Por favor, Frankie, não me assuste! Seria horrível!

Page 66: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

CAPÍTULO SEXTO

A “contrajogada” da espiã Martin se apoiou na amurada do belo iate chamado

“Green Islands” e apontou para uma faixa verde-escura que já se divisava no horizonte.

— Dentro de uma hora chegaremos a Queen City, Majestade. Que achou de vossas ilhas?

— Muito bonitas, Martin — respondeu Brigitte, também apoiada na amurada, aparentemente pensativa. — Riquíssimas. Eu me pergunto por que as coisas andam mal em Atlantic Kingdom.

Martin olhou de soslaio para o castelo de popa, onde Minello, estirado numa espreguiçadeira, conversava com Isaac, Joseph e Zabulon, os outros três integrantes do Conselho dos Quatro, sem perder de vista a rainha mas, evidentemente. impossibilitado de ouvir o que ela e Martin diziam. Não havia tripulantes na coberta.

— É possível que tudo melhore dentro em pouco, Majestade.

— Graças a mim ou à minha presença no reino? — ironizou Brigitte.

— Bem... Na verdade, não. Acho que Vossa Majestade compreenderia tudo melhor se me concedesse alguns minutos de conversa a sós.

— Assuntos oficiais, Martin? — De certo modo... — Não vejo inconveniente: fale. — Seria melhor lá embaixo, no camarote de Vossa

Majestade e a sós, por favor.

Page 67: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Está muito misterioso, Martin, mas não vejo inconveniente em satisfazê-lo. Estou de muito bom humor depois de visitar quinze ilhas belíssimas e ser recebida por seus habitantes como uma rainha. E um caso pouco normal de amor imediato de um povo por sua rainha, se é que de fato me amam tanto quanto amariam a uma rainha autêntica ...

— Acho que até mais... Vamos, Majestade? Desceram, Brigitte mandou que sua empregada fosse para

o convés, sentou-se e indicou uma cadeira ao membro do Conselho dos Quatro. Assim que este se sentou, ela propôs:

— Entremos diretamente no assunto. Quero estar bem preparada para o regresso a Queen City, pois suponho que me espera uma grande acolhida.

— Sem dúvida... Bem, Majestade, antes de tudo gostaria que ouvisse uma curiosa gravação.

Tirou do bolso pequeno aparelho que, conservando na palma da mão, pôs a funcionar por meio de diminuto interruptor. A voz da própria Brigitte saiu do aparelho, um tanto metálica e, pouco a pouco, suas conversas com Frank Minello, bem como ordens a Peggy e latidos estridentes de “Cícero” foram brotando do pequeno gravador de pilhas. Martin olhava com sarcasmo para a rainha que lhe parecia muito surpresa e assustada.

— Será necessário prosseguir, miss Montfort? — Perguntou, subitamente.

— Não — murmurou Brigitte. — Não é necessário, mas não compreendo. Será que me esteve vigiando?

— Sem dúvida. Compreendo sua surpresa. Não passa de uma aventureira, mas vejo que não tem grande escola de espionagem. Os microfones estavam muito bem colocados

Page 68: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

para que pudessem ser encontrados por uma mulher ambiciosa mas pouco esperta.

— Está bem — disse “Baby”, com voz trêmula — Sou uma tola... Suponho que, com essa gravação, pode conseguir que me expulsem do país, ou, tal vez, que façam comigo algo pior, pois está bem claro que estou disposta a vender a minha coroa e o país inteiro. Que... que pensa fazer comigo?

— Não se assuste. Quer cinco milhões de dólares, não é verdade?

— Bem... — exclamou Brigitte, com sorriso forçado. — Para falar francamente, pensei que poderia conseguir essa soma. Não sou tola a ponto de não perceber que alguém fazia o seu jogo com toda essa história de me tornar rainha. Mas, ao que parece, estava enganada e você só se preocupa com o bem-estar do país.

— De certo modo... — riu-se o membro do Conselho. — Eu me preocupo com o bem-estar de minha pátria, porque significa o meu próprio bem-estar.

— Claro. Todo bom cidadão que trabalhe para... — Não, não, nada disso — interrompeu-a Martin. — Só

ia dizer que estou trabalhando para a pátria, estava enganada. Na verdade, o que pretendo é que a pátria trabalhe para mim, miss Montfort.

— Não compreendo! — Pois é muito simples. Como supôs, com muito acerto,

há um jogo... sujo, como disse e está gravado. A idéia de buscar uma rainha por meio de um cérebro eletrônico foi minha. Para mim, tanto fazia que fosse esta ou aquela mulher. O importante era que uma mulher fosse coroada imediatamente. Qualquer mulher. E, com esse propósito, fiz uma coisa que só quatro pessoas sabem; cinco, agora,

Page 69: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

contando com a sua pessoa: alterei o cérebro eletrônico. Sabia perfeitamente que este não poderia fornecer o nome de uma mulher com todas as qualidades exigidas pelo povo e pela Câmara dos Comuns e providenciei para que saísse um expediente qualquer. Compreenda que as exigências eram tais, que o cérebro só poderia dar uma resposta: não existe uma mulher com tantas qualidades. Alterei o cérebro e ele indicou o seu expediente...

— Foi uma boa jogada... — suspirou Brigitte, — eu que cheguei a achar que possuía todas as qualidades para ser rainha!

— Desiluda-se: tudo foi obra minha. A máquina não funcionou direito graças à minha intervenção na noite anterior.

— Está bem. E por que me conta tudo isso? Não considero necessário que me ponha a par das maquinações dos Quatro, pois suponho que, nem bem cheguemos a Queen City, vocês me humilharão irradiando pelas sete emissoras do país as minhas conversas com Frankie.

— Já vi que não entende nada de nada. miss Montfort. Não teríamos encenado toda a pantomima do cérebro eletrônico se pretendêssemos fazer o que acaba de dizer. Por certo não a teríamos trazido para Atlantic Kingdom dispostos a coroá-la...

— Pretendem coroar-me, apesar dessa gravação? — Por certo. Será que ainda não compreendeu? — Francamente: não! — Não é tão inteligente quanto se imagina ao ler os seus

artigos, mas, enfim, já está aqui, tudo está em marcha e isso é o que interessa. Nos. do Conselho dos Quatro, queríamos coroar uma mulher. Por seu lado, miss Montfort parece

Page 70: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

interessada exclusivamente em dinheiro. Pede... Isto é, pretendia pedir cinco milhões de dólares pela participação da jogada.

— Todos temos direito a sonhar — suspirou “Baby”. — No seu caso não será um sonho, porque nós lhe

pagaremos essa quantia, mas terá de ajustar as contas com o seu amigo Frankie valendo-se do seu próprio dinheiro. De acordo?

— Naturalmente...! — Brigitte parecia não caber em si de espanto. — Mas... por que me darão tanto dinheiro?!

— Para que se deixe coroar. Explicarei detalhadamente, porque depreendo de sua expressão, se me permite, aparvalhada, que não entende nada de nada. Será coroada rainha e, poucos dias depois, firmará certos documentos. Neles, fará uma cessão muito clara e inapelável de seus direitos reais, especificando com igual clareza considerar que um país com grandes possibilidades de prosperar necessita de um Governo... diferente. Sua abdicação total, definitiva, frontal, trará consigo a cessação de qualquer futuro direito real, por sua parte ou pela de qualquer outra pessoa.

Nesse documento em que ficarão definitivamente anulados todos os poderes e mandatos reais, nomeará, para formar o futuro e mais conveniente Governo da Pátria, um Presidente e um Conselho de Três. Entende?

— Você será o Presidente e Joseph, Isaac e Zabulon formarão o Conselho dos Três...

— Exato! O país não mais se chamará Atlantic Kingdom, mas Atlantic States.

— Sim, entendo. Acho que entendo isso. Mas me pergunto por que faz essas coisas.

Page 71: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Não creio que isso lhe importe, mas responderei. O país necessita de dinheiro... Muito dinheiro que...

— Foi roubado pelo Conselho dos Quatro — concluiu cinicamente Brigitte Montfort.

Martin franziu a testa mas acabou sorrindo. — Sim ... Isso mesmo. — Nesse caso, acho que vocês são mais aventureiros do

que eu, pois imagino que terão roubado muito mais do que cinco milhões de dólares. Mas diga-me: que tem a ver a abdicação total com essa necessidade de dinheiro para Atlantic Kingdom?

— Quando o nosso país deixar de ser um reino, alguém nos fará um empréstimo. Outro país, se me entende.

— Formidável! — a espiã arregalou os olhos. — De quanto?

— De duzentos e cinqüenta milhões de dólares. — Ai! — gemeu “Baby”, perfeita em seu papel de

cretina. — É inacreditável! Como pode haver quem empreste tanto dinheiro a um país nas condições do Atlantic Kingdom?!

— Pois nos emprestarão esse dinheiro, miss Montfort. — Fico satisfeita, pois imagino que, com tanto capital,

vocês do Conselho os Quatro poderão fazer muito pelo país. Sem dúvida o povo ficará contentíssimo, grato a vocês e alegre com o fato de a rainha haver abdicado. Será criado o Conselho dos Três, você será Presidente de Atlantic States e o povo terá prosperidade.

— Isso mesmo. — Não cabe dúvida de que estejam realizando uma

façanha de fato heróica. O povo os adorará. Com duzentos e cinqüenta milhões de dólares, qualquer país pequeno pode

Page 72: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

subir como um foguete...O que me pergunto é se o povo chegará a saber que vocês conseguiram essa soma.

— As vezes me parece uma mulher inteligente, miss Montfort — o homem se mostrou mordaz. — O povo será informado de que recebemos um empréstimo de cento e cinqüenta milhões.

— Oh! Então os quatro heróis dividirão entre cem milhões! É o golpe mais fabuloso de toda a história da intriga política. Não obstante acho que, para tanto, terão de contar com a cumplicidade do país prestamista, não?

— Contamos com essa cumplicidade. — Em troca de quê? Que país é esse? — Não creio que lhe importe, nem uma coisa nem outra,

miss Montfort. É evidente que, dentro de algumas semanas, o mundo inteiro saberá quem nos emprestou o dinheiro. O motivo pelo qual nos terá feito o empréstimo se tornará do domínio público dentro de uns meses. Mas até então, isso não importará.

— Na minha opinião. Martin, vocês, os Quatro, estão disposto a vender o país. Sobre esse tema teci alguns comentários em meu discurso televisado. O que vocês farão será enriquecer o país debilitando-o por dentro, de modo que, em pouco tempo, não será mais que um satélite de outro país, mais poderoso.

— Isso também não é da sua conta — respondeu Martin, irritado.

— Claro ... Não é da minha conta. — Muito me alegra o fato de nos entendermos. Quanto

aos seus cinco milhões de dólares, eles lhe serão entregues quando, depois de coroada, tiver firmado os documentos que...

Page 73: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Não! Ah, não, meu caro Martin, não... Isso, é da minha conta. Quero o dinheiro antes. Antes de firmar os documentos e, se possível, antes mesmo de ser coroada. Você já me enganou descaradamente uma vez ao não me informar sobre a tal bruxaria real. Chega de bromas. Vai ver, toda essa história de bruxaria é também idéia sua, hem?

— Não! — Martin empalideceu. — Eu lhe asseguro que nada tenho a ver com isso. Incineramos Jebediah, mas parece que... que a maldição continua em vigor. Tem de me acreditar, miss Montfort.

— Acredito. Seria absurdo que vocês mesmo me quisessem matar. Pelo menos, não antes de eu haver firmado os tais documentos, E não há dúvida alguma quanto a que as víboras me poderiam ter liquidado. Então, há algo extra, mais alguém metido nisso. Alguém que não quer rainhas.

— Deixemos esse assunto de lado, porque me põe nervoso... Será muito bem protegida até partir do país, de modo que nada terá a temer.

— De acordo. E o meu dinheiro? — Bem... Terei de consultar... Não se movimenta cinco

milhões de dólares facilmente. Além disso, talvez esse dinheiro não chegue antes de dois ou três dias, talvez mais.

— Mas vocês devem ter uma conta-corrente em algum lugar, não? Fora de Atlantic Kingdom, naturalmente. Na Suíça?

— Sim, claro... Na Suíça. — Pois esta mesma noite vocês quatro me pagarão os

cinco milhões de dólares e vão fazê-lo de um modo simpático, ficando com a imerecida auréola de honrados, generosos, caritativos etc. Isso lhes ficará muito bem... politicamente, não acha?

Page 74: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Que modo será esse? — esforçou-se para sorrir. — Enviaram dois milhões e meio normalmente à diretora

do meu asilo de velhos e igual soma ao meu querido centro de recuperação de para-normais. Mas farão os donativos em seus próprios nomes, não no meu. Isso lhes dará um bom resultado nos Estados Unidos, meu caro Martin. Um bom primeiro passo para conquistar a sólida amizade dos americanos. Que tal a idéia?

— Pessoalmente. não gosto. Além disso, é muito dinheiro. Não creio que até o momento tenhamos podido... podido...

— Roubar tanto? — riu-se “Baby”. — Seja cordato: esses cinco milhões serão rapidamente ressarcidos, não é verdade’?

— Claro. — Será apenas um adiantamento. Está resolvido. Dentro

de poucos dias telefonarei para as diretoras das duas instituições beneméritas para certificar-me de que receberam os generosos donativos dos principais cidadãos de Atlantic Kingdom, e se obtiver resposta afirmativa, serei coroada e firmarei os documentos. Vocês pedirão os cinco milhões de dólares a quem lhes vá fazer o grande empréstimo, ocuparão o Governo e terão apenas de aguardar a chegada dos duzentos e cinqüenta milhões, embolsando os modestos cem milhões... A essa altura dos acontecimentos, eu já terei regressado aos Estados Unidos. resolvendo o meu caso com as diretoras daquelas instituições. De acordo?

— De acordo. — Então, estamos falados. Agora, faça-me um favor:

diga a Frankie que o espero aqui. Quero saber se ele está de acordo com tudo. Terei de lhe dar uma parte dos meus cinco

Page 75: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

milhões, mas isso não importa, porque o meu quinhão será excelente.

— Isso é assunto entre os dois — riu-se Martin. — Direi ao seu amigo que desça. Não se esqueça de que dentro de meia hora ou pouco mais chegaremos ao porto, Majestade.

Martin saiu sorrindo do camarote real e um minuto depois Minello entrava, trancando a porta a um sinal de Brigitte. Sentou-se diante ela, expectante.

— Falaram de coisas interessantes? — Claro. Escute, palavra por palavra. “Baby” foi á mesinha onde se via sua maletinha vermelha

com flores azuis, recolheu o maço de cigarros do qual havia retirado um cigarro na presença de Martin e voltou à cadeira. Sacou do maço um aparelho ainda menor do que o do chefe dos Quatro e ativou o mecanismo gravador de fio capilar.

Toda a conversa entre ela e Martin foi fielmente reproduzida pelo diminuto aparelho. Quando terminou o play-back, o jornalista sorria até as orelhas.

— Você tem uma capacidade assombrosa para ludibriar, minha querida! — comentou. — Esse Martin não passa de um coitado: atrever-se a brincar de espionagem com “Baby”!...

— Devemos desculpar sua ignorância do assunto, Frankie! Estive a ponto de rir em suas barbas.

— Eu não teria conseguido controlar-me. Há! há! há! Afinal, qual será o país prestamista?

— A Rússia, naturalmente. Não lhe basta Cuba: quer uma plataforma ainda maior e mais próxima dos Estados Unidos. Dentro de um ano ou pouco mais, Atlantic Kingdom teria suas dezesseis ilhas cheias de projéteis russos, soldados, petroleiros. Seria ótima base para a sua esquadra, na qual

Page 76: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

teriam mais autoridade do que têm em Cuba. Se acontecer o que se está tramando, o Oceano Atlântico será em breve outro Mediterrâneo, igualmente cheio de navios russos.

— E isso não interessa? — Para ser sincera. Frankie, não sei. Já não sei ao certo o

que interessa ou não, á exceção da paz. A Rússia dispõe de armas de tão longo alcance que pode prescindir da base que criaria em Atlantic Kingdom. Também há demasiado comunistas no mundo para que nos preocupemos com mais ou menos quatro milhões deles. Nada disso me importa seriamente, porque o dia que estourar a guerra as distâncias não terão muita significação. Mas não quero que esses quatro milhões de ilhéus sejam enganados, vendidos a um sistema político que nem sequer conhecem. Portanto, impediremos essa venda de um país inteiro.

— Como? — A primeira coisa a fazer é vigiar continuamente

Martin. sem perdê-lo de vista. Você se incumbirá disso. Quero saber aonde vai, com quem fala e o que faz. Será que você se atreve?!

— Por você eu me atrevo a tudo... — Então, meu querido, preste atenção à contrajogada da

agente “Baby”: você irá...

Page 77: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

CAPÍTULO SETIMO

Afinal, os big-three não falharam.

— Sim, Jonás: entre. — Pareceu-me que Vossa Majestade estaria fatigada da

viagem... — Foi uma viagem cômoda e alegre. A recepção foi

maravilhosa, com flores pelo caminho até o palácio. Jamais esquecerei esses momentos. Mesmo que estivesse cansada atenderia ás visitas.

— Vossa Majestade é muito bondosa. — E muito formosa — acrescentou Minello, estendido

como um paxá num divã do gabinete particular da rainha. Jonás lhe dirigiu um olhar de soslaio mas não fez o

menor comentário. Alto e forte, colossal, ainda parecia capaz, aos sessenta anos, de fazer frente ao atlético Minello e até de deixa-lo em dificuldades.

— Diga a mister Conrad que entre, Jonás. — Sim, Majestade. O mordomo se retirou e Conrad apareceu segundos

depois, inclinando-se profundamente diante da rainha, que sorriu, divertida.

— Parece que me tolera melhor, mister Conrad, embora não tenha comparecido ao porto.

— Estava ocupadíssimo, Majestade, parecendo-me mais conveniente solicitar uma audiência particular.

— Muito bem. Aceito o protocolo. Agora, diga se há algo novo.

Page 78: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Sim, Majestade: já estou com as respostas das cartas que Vossa Majestade se dignou enviar pelos meus três homens de confiança.

— Já?! — Precisamente quando Vossa Majestade chegava ao

porto no iate, o último dos enviados regressava da Europa. Aqui estão as três respostas.

Brigitte recolheu os três envelopes e sorriu enquanto os examinava por fora. Abriu a primeira missiva. Sorriu. Leu a segunda e, logo a seguir, a terceira e última, sempre sorrindo.

— Pode ler as três, mister Conrad. Ele recebeu as cartas, cuja procedência dava para

impressionar. Desconhecia o conteúdo, mas sabia que devia tratar-se de assunto importante. Após ler as duas ou três primeiras linhas da primeira carta, empalideceu e ergueu os olhos para Brigitte, continuando a ler com avidez. As outras duas missivas foram lidas com o mesmo assombro, porém com maior avidez. Quando terminou, estava incrivelmente pálido e olhava, entre atonito e incrédulo, para Sua Majestade Brigitte.

— Como vê, mister Conrad — disse ela, maviosa — embora a seu ver eu não mereça ser rainha, tenho amigos que são reis e presidentes de seus países... As mensagens que enviei a dois presidentes e um rei continham um pedido de empréstimo para Atlantic Kingdom. Aí tem as respostas: um total de cento e vinte e cinco milhões de dólares á disposição do seu país quando nos queiramos valer dessa soma. São cinqüenta milhões que nos emprestará Sandor II, da Ausvânia, outros cinqüenta que nos emprestará a República de Cavo Granada, e vinte e cinco milhões que nos

Page 79: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

emprestará a República de San Nataniel2. Nenhum desses três bons amigos falhou. Acha que poderemos fazer algo com essa quantia, mister Conrad?

O fascinante preceptor de Mary Lou passou a língua pelos lábios.

— Eu já disse a Vossa Majestade que se poderia conseguir milagres com cem milhões bem administrados.

— Quanto a isso, não se preocupe: eu já tenho pessoa adequada. Pode retirar-se, mister Conrad.

— Eu quisera pedir perdão por... — Boa-tarde — interrompeu-o Brigitte com um olhar de

admiração feminina que o fez sentir um frio no estomago. — Boa-tarde, Majestade. Conrad saiu e Minello sorriu ironicamente, talvez

enciumado, olhando para o relógio de pulso. — Bem, acho que o tal Martin já deve estar prestes a sair

do palácio disse. — Vou preparar-me para segui-lo. — Está com todo o equipamento, Frankie? Entendeu

tudo? Se tiver dúvidas quanto ao manejo de algo... — Não se preocupe. Há muito tempo não me divertia

tanto. Você vai ver como trarei resultados. — Assim o espero. Você é lerdo como um elefante, mas

não tenho outro remédio senão recorrer à sua cooperação, querido. Uma rainha não pode entrar e sair a todo instante do palácio.

— Você não é muito amável comigo — reclamou o brutamontes.

— Não obstante, eu o quero muito a despeito de você não acreditar... Trate de partir, para que Martin não escape. 2 ver episódios: REI MORTO, RESERVAS DE OURO e UM EPISÓDIO EM CAPRI

Page 80: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Tenha cuidado, porque deve estar muito contrariado ao perceber que inutilizamos todos os seus microfones.

— Deixe comigo. Adeus, Majestade. — Adeus riu-se “Baby”. — Diga a Jonás que entre.

Minello saiu sorridente e atirando um beijo com os dedos para a rainha de Atlantic Kingdom. Jonás estava junto à porta, empertigado como se tivesse engolido uma espada, assentindo com a cabeça ao receber a ordem e entrando imediatamente.

— Majestade . — Quero falar com a Princesa Mary Lou, Jonás. Diga-lhe

que tenha a bondade de vir. — Sim, Majestade. Três minutos depois a menina entrava no gabinete

particular da rainha, sem a menor preocupação com o protocolo, precedendo o mordomo, que deveria anunciá-la. Este percebeu o olhar de indulgência da rainha e se retirou, sorrindo. Mary Lou ficou de pé diante de Brigitte, olhando-a fixamente, esforçando-se para manter sua atitude altiva, mas havia em seus olhos verdes, estranhamente translúcidos, uma luz diferente do brilho dos dias anteriores. Uma expressão de indecisão infantil. Possivelmente Conrad lhe dissera algo e isso a mergulharia na contusão.

— Sente-se, Mary Lou — aconselhou Brigitte, indicando o divã ao seu lado. — Eu gostaria de conversar um pouco com você.

— Sobre quê? — Sobre tudo. Sempre há coisas que servem de assunto.

Continua achando que gostaria de ser rainha? — Sim, Majestade.

Page 81: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Ah! Parece que mister Conrad conseguiu convencê-la de que, acima de tudo, deve ser educada. Diga-me: por que gostaria de ser rainha?

— Para fazer muitas coisas boas que não podem ser feitas agora.

— Magnífico! Que coisas boas você faria, por exemplo? — Construiria mais duas escolas em cada uma das ilhas

pequenas e mais três nas grandes: dez nesta, que é a maior. Também compraria maquinaria agrícola nos Estudos Unidos. Ampliaria a frota pesqueira e providenciaria o aumento da criação de gado e a melhoria do seu manejo. Enviaria os melhores estudantes a uma universidade americana ou mexicana para que aprendessem tudo e logo pudéssemos ter primeiro uma universidade e depois vária. Faria concessões para prospecção de petróleo em nossas águas e incrementaria...

— Basta, basta... Você pensou em tudo isso sozinha? A menina vacilou, visivelmente. — Pensei. — Uma princesa não pode mentir. Principalmente

quando aspira a coroa. Diga: você pensou em tudo isso? — Não. — Muito bem. São idéias de mister Conrad, não é

verdade? — É, Majestade. — Você gostaria que todas essas idéias de mister Conrad

se tornassem realidade? — Claro. — Pois vamos tentar. Está com pressa? Talvez tenha de

estudar agora, hem? — Não... Agora não.

Page 82: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Então, vamos adiantar os ensaios da coroação. Entendo que, durante os dias de minha ausência, todos, inclusive os jornalistas nacionais e muitos dos que vieram de fora, foram inteirados do que deverão fazer, de onde deverão colocar-se... Mas eu não sei absolutamente nada. Na verdade — sorriu — a minha parte seria a mais fácil, não acha?

— Não sei. — Hoje, jantaremos com as suas primas Jezebel e Dalilah

e amanhã, durante os ensaios, eu gostaria que você estivesse ao meu lado. Que acha da idéia’?

— Boa... Majestade. — Você titubeia, com freqüência, em me chamar

Majestade. Isso não está certo, porque sempre se deve fazer as coisas direito. Eu gostaria que me falasse sobre o papel da rainha. Sobre o que julga certo ou errado... Também me explicara como é a cerimônia. Enfim, falará de muitas coisas. Você gostaria de assistir à minha coroação?

A menina permaneceu em silêncio, mas sempre com os olhos inteligentes fixos nos da espiã, tão azuis, tão belos e, acima de tudo, tão acolhedores, que a frieza de Mary Lou se atenuava aos poucos.

— Creio... — murmurou, por fim. — Creio que não, Majestade.

— Preferia que fosse você a rainha coroada, Mary Lou? — Ou uma de minhas primas. — Mas você já sabe que elas não querem ser rainhas. — Então, seria eu. — Gostaria de ser rainha, ainda que isso fosse perigoso? — Gostaria, Majestade. — Devo admitir que você é uma menina de idéias bem

definidas e fixas. E agora pergunto: você gostaria de ensaiar

Page 83: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

comigo, amanhã, a cerimônia da coroação? Quero dizer que ensaiaria certas partes da cerimônia em meu lugar. Você já assistiu a alguma coroação?

— Já, Majestade. — Ótimo! Então, poderá ajudar-me muito. Você não

gostaria de ensaiar a cerimônia inteira, para que eu pudesse aprender vendo fazer?

— Gostaria. Majestade. — Maravilhoso! Tenho a impressão de que a idéia a

agradou muito, hem? A menina não pode conter o sorriso. — Sim, Majestade, gostei muito! — Então, estamos combinadas: amanhã ensaiaremos

juntas. * * *

O dia foi estafante para a agente “Baby”, que na realidade era a única desconhecedora de seu próprio papel, dos movimentos apropriados durante a coroação, pelo menos in foco, pois já tivera de aturar longas descrições do ato feitas por Martin durante a viagem de três dias no iate. A Sala do Trono não era muito grande. de modo que as complicações foram reduzidas ao mínimo, com alguns detalhes modificados e certos defeitos corrigidos. Durante dez horas, com ligeira interrupção para o almoço, os ensaios esgotaram a todos, menos à rainha que, quando finalmente se retirou para os seus aposentos, parecia tão fresca quanto ao chegar e a manhã, à Sala do Trono.

Ao chegar ao seu gabinete particular, deixou-se cair numa poltrona para saborear champanha com cereja no fundo da taça e atender a Martin.

Page 84: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Os cheques já estão em viagem — disse este, sentando-se também, fatigado. — Foram enviados esta tarde. Seus protegidos os receberão dentro de poucas horas, miss Montfort. Já solicitamos ligações telefônicas com as duas instituições de caridade para que possa comprovar o que digo.

— Frankie, por favor: quer cuidar disso? Você já sabe... — Sim, querida, não se preocupe. Descanse à vontade. Zabulon e Minello se encaminharam para o telefone. O

jornalista conhecia muito bem as vozes das diretoras das instituições, pois as visitara diversas vezes em companhia de Brigitte. Enquanto se incumbia disso, Brigitte ouvia as explicações de Martin, chefe do Conselho dos Quatro.

— Fizemos a coisa de modo a parecer um donativo do Governo ilhéu, miss Montfort. Com a entrega dos cheques, os nossos enviados especiais explicarão que preferimos fazer tais donativos a gastar dinheiro com uma coroação demasiado ostentatória que poderia ser considerada um esbanjamento... Deverão ser considerados como um ato de boa vontade do Governo de Atlantic Kingdom para com os Estados Unidos da América no dia da coroação.

— Perfeito, Martin. Perfeito de fato. Muito obrigada Sorveu um gole do champanha, enquanto Martin parecia

atônito ao ver a cereja no fundo da taça, deixando escapar um pensamento que o atormentava:

— O que me pergunto, miss Montfort, como se beneficiará desse dinheiro, uma vez que esta sendo entregue a pessoas que não...

— Não deve preocupar-se com isso, Martin. Sempre há solução para tudo. Já cumpriu a sua palavra. Todos estão contentes: vocês os meus anciãos, os meus meninos

Page 85: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

paronormais, todos, enfim. Sem dúvida os Estados Unidos saberão apreciar o gesto e verão com mais simpatia um vizinho até agora pouco sociável.

— Não necessitamos da amizade dos Estados Unidos. — Quem sabe? Na pior das hipóteses, se o outro país

falhar, será bom que os Estados Unidos compreendam que, com o liberal donativo de cinco milhões de dólares, Atlantic Kingdom abre suas portas aos norte-americanos. Não acha que isso beneficiaria o país?

— Se não tivéssemos um acordo em vigor com outra nação

— É preciso usar a cabeça. Martin. Se esse acordo falhar, o que não é totalmente impossível, será bom sermos amigos da poderosa nação vizinha chamada USA. Aceitam uma taça de champanha? Alegra, revigora e, acima de tudo, refresca um pouco as mentes cansadas. Segundo um bonitão italiano chamado Angelo Tomasini, a cereja no fundo da taça empresta ao champanha um “sabor Brigitte”

— Para falar a verdade, prefiro dormir um pouco. Muito obrigado.

— Mas, antes, vejamos o que nos diz o bom amigo Frankie.

Minello se afastava do telefone, acenando afirmativamente para ela com a cabeça: os cinco milhões tinham chegado intactos aos destinatários.

— Boa-noite, cavalheiros — Brigitte despediu a todos com um aceno de mão.

— Igualmente, Majestade, igualmente — sorriu Martin. — Deve descansar bastante para estar radiante amanhã, porque os televisores do mundo inteiro mostrarão todos os atos da coroação.

Page 86: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Os Quatro saíram dos aposentos reais e Brigitte olhou significativamente para Minello.

— Que houve? Está cansado? — Estou. — Estou também, mas não desisto... Vá atrás deles. — Hoje á noite não se avistaram com ninguém. Seguiram

de carro para suas residências e não creio que... — Não creia coisa alguma. Frankie: trabalhe. E tenha

sempre preparado o equipamento que tive a imprudência de lhe emprestar. Não são gente que deixe cinco milhões no ar, de modo que se apresentarão para reclamá-los de volta.

— Talvez o façam por telefone. — Podem ter marcado um encontro por telefone, mas não

terão falado claramente. Devem ter outro meio de contato mais direto, privado, inviolável. Contato pessoal. Não os perca de vista.

— Você acabará comigo! — Se isso acontecer, você poderá contar com meia dúzia

de lágrimas para regar as flores do seu túmulo — respondeu a espiã internacional. — Vamos, Frankie, não perca mais tempo!

— Está bem, já vou, já vou. Eu bem que gostaria de passar uma noite nestes aposentos. Quanto à idéia relativa a... aaa... ao príncipe-consorte sabe... Que tal se apressássemos as bodas reais?

— Se você não sair imediatamente eu lhe jogarei um sapato. Não se esqueça de que se acontecer algo deverá chamar-me pelo rádio. Fora daqui!

Minello saiu pulando comicamente e Brigitte ordenou a Peggy:

Page 87: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Diga a Jonás que jantarei nos meus aposentos, Já jantei ontem á noite com a... realeza e confesso que não me agradou muito. Mary Lou é uma criança, porém mais valente, generosa e inteligente do que as primas. Não são más criaturas, mas não têm uma noção exata do que seja a vida, com ou sem duendes. Informe a Jonás que você mesma me servirá o jantar e que eu me deitarei logo após a refeição.

— Está bem, miss Montfort. Uma hora mais tarde, por volta das dez, a agente “Baby”

se estendia a fio comprido no leito real, suspirando e metendo embaixo do travesseiro a pistolinha com cabo de madrepérola, bem como a pequena esferográfica-lanterna. Se as cobras voltassem não acenderia a luz do abajur porque a sua esferográfica iluminaria suficientemente o caminho da fuga. Quanto às víboras, teriam de andar ás cegas. Andar? Não: ser levadas.

Adormeceu em menos de um minuto.

CAPÍTULO OITAVO O duende do príncipe-consorte

Soaram uns golpes lentos, espaçados. contra o soalho.

Eram golpes surdos, ligeiramente audíveis no silêncio da noite. Tão pouco audíveis que somente os apurados ouvi dos da agente “Baby” eram capazes de captá-los e somente o seu cérebro excepcional, adormecido, podia senti-los.

Na sexta pancada Brigitte Montfort já havia aberto os olhos e seu cérebro estava completamente desperto. Não se moveu, continuando a ouvir as pancadas. Estavam cada vez mais perto do leito. Eram... passos. Só podiam ser passos. Lentos, pesados. cuidadosos, mas chegavam cada vez mais

Page 88: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

fortes aos ouvidos da espiã, que foi movendo a mão lentamente para baixo do travesseiro. Aferrou-se à pistola e à esferográfica-lanterna. passando esta para a mão esquerda, pronta para lançar o raio delgado que se transformaria num circulo luminoso cada vez maior com o aumento da distância.

Eram passos humanos. Estranhos, mas passos humanos dados com dificuldade, lentos, pesados. A porta do terraço estava entreaberta; porém, lá fora só se via certa claridade das estrelas e de lutes distantes, dos postos da guarda da ala ocidental do palácio. Dentro do grande quarto tudo era silêncio, a não ser por aqueles passos cuidadosos.

Tensa, Brigitte lançou finalmente o delgado facho de luz para o ponto de onde vinha o ruído de passos. O raio de luz mais pareceu uma cutilada na escuridão e perto do pé da cama, a um lado ouviu-se um muxoxo. Os passos se detiveram em seco.

A luz incidira em algo escuro: roupa grossa. volumosa. Ascendeu imediatamente iluminando um peito humano e continuou subindo até que o circulo luminoso clareou um rosto de homem. Barbudo, orlado de vasta cabeleira. Seus olhos negros, ferozes, se fecharam sob o intenso raio de luz e sua boca dura, se crispou furiosamente.

Um grito chegou até a garganta de Brigitte, mas não saiu porque ela estava paralisada de espanto. O rosto que via era, inconfundivelmente do príncipe-consorte Jebediah, o homem que morrera sete anos antes e fora finalmente incinerado para evitar o terror que causavam as suas aparições como duende, isto é, um morto parcialmente ressuscitado, revivido por poderes de magia negra.

Page 89: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Aterrorizada ante tão surpreendente visita, a agente “Baby” conseguiu por fim reagir. O rosto desapareceu do circulo luminoso e o leito estremeceu, vibrou. Por uma fração de segundo Brigitte acreditou que o duende tivesse caldo sobre o leito, mas não foi assim. Este se deslocou bruscamente, as madeiras rangeram e os adornos do dossel caíram ao chão. O leito era arrastado e sacudido de tal modo que Brigitte não podia orientar o facho de luz para o animalesco duende de Jebediah, cuja força era tal que ele conseguira erguer o leito, emborcando-o. Brigitte ficou esmagada pela cintura entre o pesado móvel e o chão. A lanterna e a pistolinha lhe escaparam das mãos, porém a espiã logo conseguiu reencontrar a arma, com dedos trêmulos, disparando duas vezes a esmo, às cegas. Ouviu o ruído das balas penetrando na madeira, mas nenhum gemido. Teve de recorrer a todo o seu autodomínio para se controlar, prendendo a respiração num esforço para detectar o menor ruído indicativo da posição do duende.

A porta do quarto de Peggy se abriu e a empregada apareceu no retângulo de luz que inundou o quarto real.

— Mi... mi... miss! — Não entre! Não entre sem arma, Peggy! Traga a sua

pistola! Peggy desapareceu e Brigitte largou a pistolinha no chão

para poder empregar as duas mãos num esforço para sair da prensa de madeira e colchão. Conseguiu virar-se quase completamente, ergueu a cama com os braços e rastejou até sair.

Quando Peggy voltou, empunhando nervosamente uma pistola. Brigitte já havia acendido a luz e olhava desconfiadamente ao redor. Sabia que o duende não tinha

Page 90: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

saído pela porta do gabinete, nem pela que dava para o quarto de Peggy. No entanto, não estava ali! — Miss Montfort, que... que... Brigitte olhou para e Peggy, sem responder. Outro

pesadelo? Ah surdo! Tão absurdo quanto a idéia de que um duende a tivesse visitado e logo desaparecido. Vira claramente o seu rosto e era o do príncipe-consorte Jebediah. Porém, daí até aceitar a idéia de que um corpo incinerado pudesse recuperar a matéria humana para vagar meio vivo e meio morto pelo palácio havia uma distância muito grande. Não acreditaria, nem mesmo que a sua boa amiga a bruxa Mabanga jurasse de pés juntos.

Peggy não desviava é olhar do leito tombado, porém Brigitte não dava a menor atenção a esse detalhe, examinando com os olhos azuis todos os recantos do enorme quarto em busca de uma explicação lógica. Um homem havia entrado e saído sem se utilizar de portas ou do terraço. Conclusão lógica, fria, indiscutível, sem bruxarias: havia outra entrada para o quarto real. Seu olhar se fixou no armário. Uma das portas não estava bem fechada e isso era uma coisa que ela jamais faria. Não por simples mania de perfeição, mas por tática, por método rotineiro. Aproximou-se até se plantar diante daquela porta do grande armário, quase em seu extremo esquerdo, que se juntava á parede.

— Saía daí! — ordenou friamente. Sem mais palhaçadas! Tem apenas três segundos! Transcorrido esse prazo, dispararei através da madeira!

Os três segundos transcorreram em silêncio e Brigitte apontou friamente na altura de um homem de grande estatura, para o coração. Apertou o gatilho três vezes, separando cada impacto de dez polegadas. Saltaram pedaços

Page 91: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

de madeira, porém não se ouviu coisa alguma dentro do armário. Nem um gemido. Nem sequer o ruído de um corpo caindo.

— Traga a maleta, Peggy. A empregadinha saiu correndo e voltou como uma flecha.

Brigitte recolheu um pente de balas da maleta, recarregou a pistola e desferiu mais três tiros contra o armário. Nada!

— Ai, meu Deus! — gemeu Peggy. Brigitte abriu as duas portas baleadas e olhou: apenas

roupas perfuradas. Recuou dois passos e ficou examinando o armário detidamente. De repente, saiu correndo para o quarto de Peggy e se pôs a examinar o seu armário. Era mais estreito. Voltou correndo para o seu quarto, recolheu a esferográfica-lanterna do chão e se aproximou do grande armário, passando a retirar tudo o que continha, até deixá-lo inteiramente vazio. Entrou e começou a bater na parede do fundo com os nós dos dedos. Logo ao segundo golpe notou um som oco. Examinou cuidadosamente os bordos do painel de madeira, empurrando-o logo a seguir com toda a força, como se intentasse derrubar armário, parede e tudo o que pudesse estar à sua frente.

Uma porta de metro e meio de altura por uns noventa centímetros de largura cedeu para dentro.

— Santo Deus! Valei-nos, Nosso Senhor! — implorava Peggy.

— Cale-se, mulher! — gritou a espiã. — Fique aqui vigiando. Se sair alguém mais que não eu, atire.

— Miss Montfort, não entre, pelo amor de Deus! — Feche a porta do armário! Vamos! Peggy obedeceu, porque conhecia muito bem aquele tom

de voz. Brigitte se encontrou às escuras, valendo-se apenas

Page 92: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

da luz de sua lanterninha. que ela lançou para frente e para baixo. Havia uma escada de pedra. Desceu cautelosamente. Contou cem degraus e compreendeu que estava no subsolo do palácio. Sentiu cheiro de umidade e um frio de arrepiar. Diante dela havia extenso corredor de paredes de terra reforçadas apenas em alguns trechos com grandes pedras. O teto também só era reforçado em certos pontos. Um trio intenso quase fazia a espiã tiritar, pois ela estava apenas com sua camisola diminuta e ultratransparente em cima da pele, seus pés descalças deslizavam silenciosamente na terra gelada.

Apressou o passo, tendo de dobrar uma esquina depois de percorrer nada menos de uns trezentos metros. Lançou a luz para frente, sempre buscando o duende. Lá estava ele, como uma sombra difusa, não muito distante. A luz quase não chegava ao gigantesco vulto que corria pesadamente afastando-se da espiã mais corajosa de todos os tempos.

— Alto! — gritou Brigitte. — Alto ou eu disparo! Sua voz pareceu ficar presa entre aquelas paredes úmidas

e o duende, sempre correndo pesadamente, desapareceu. Sem vacilar e percebendo que aquele homem não estava tão bem armado quanto ela, Brigitte também correu, logo compreendendo por que ele havia desaparecido: o túnel tinha outra curva naquele ponto. Logo a seguir mais outra, bem perto, por onde tornou a desaparecer o duende. “Baby” continuou correndo e entrou em outra curva, estacando secamente, com um grito de susto, pois quase tropeçou num esqueleto humano. Nesse ponto o túnel se alargava, formando pequena galeria de uns quatro a cinco metros de diâmetro. A um lado estava o esqueleto, amarelento, sentado numa posição forçada, com a cabeça e os ombros reclinados

Page 93: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

na parede e escorado de encontro a ela por um grande machado de guerreiro, enferrujado pelo tempo, que lhe atravessava os ossos do tórax.

Depois de recuar alguns passos e engolir em seco, Brigitte reencetou a perseguição ao duende. Tornou a vê-lo no extremo de outro trecho reto e novamente ordenou que parasse. fazendo-o com voz tão tensa, tão angustiada. que ele compreendeu que ela estava com medo. Mas assim mesmo não pareceu disposto a parar e ela resolveu por fim á perseguição: apontou friamente para as costas muito largas que mal conseguiu vislumbrar e apertou várias vezes o gatilho.

Viu o duende cambalear a cada estampido, tendo a impressão de que as balas penetravam um montão de roupas molhadas. O duende tornou a desaparecer, apoiando-se nas paredes úmidas, e ela reiniciou a corrida até notar que o túnel terminava bruscamente. Encontrou-se diante de um muro de lajes de pedra. Não havia variantes do subterrâneo em ponto algum, de modo que a explicação era demasiado simples: muito perto dali devia haver outra saída. E essa saída era o próprio muro, que cedeu para frente quando “Baby” o empurrou com todas as suas forças e entrou assim que se formou uma abertura suficiente para o seu delgado corpo, buscando o duende com a luz da lanterninha. Parou repentinamente ao deparar com uma tumba, ou coisa parecida, no centro daquele quarto.

Movimentou a lanterna e viu os ocos de diversos carneiros. Alguns estavam tampados e tinham inscrições no mármore. Estava no mausoléu real!

Um braço fortíssimo rodeou sua garganta e uma respiração ardente lhe aqueceu a nuca. Porém o sobressalto

Page 94: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

não durou nem um segundo porque “Baby” sabia que se defrontava com um homem de carne e osso. E desarmado... Sem gritar, sem perder a serenidade, tentou aplicar um “balão”, mas foi o mesmo que tentar erguer uma baleia. A pressão aumentava de tal forma que ela compreendeu claramente que já estaria morta se o homem não estivesse perdendo as forças por causa dos ferimentos de bala. Compreendeu também que não conseguiria lançá-lo por cima dos ombros, de modo que fez justamente o inverso: lançou-se para o alto, apoiando-se exatamente no braço fortíssimo, e o fez com tamanha rapidez que o duende perdeu por completo a noção do que estava acontecendo. A espiã passou por cima de seus ombros, numa flexão diabólica, enquanto imprimia, ao mesmo tempo, um giro ao corpo, no sentido do eixo longitudinal, livrando-se limpamente do aperto feroz mas lento.

Quando o duende se virou, cambaleante, Brigitte estava de joelhos, recolhendo a lanterninha do chão. Iluminou o rosto barbudo.

— Não se mexa! — ordenou, ofegante. — Não mexa, senão eu atiro para matar!

A luz subia e descia, iluminando a áspera indumentária do duende e seu rosto — o rosto do príncipe-consorte Jebediah, morto sete anos antes e incinerado havia três anos e pouco! Mas o duende se mexeu, porém para dar apenas um passo e cair de bruços, com uma das mãos crispadas no peito e levando a outra às costas, gemendo. Gemeu mais forte quando Brigitte conseguiu virá-lo. Estava agonizando e suas forças desapareciam rapidamente. A espiã ajoelhou ao seu lado, sem deixar de focalizar para o seu rosto a lanterna e... a pistola, claro.

Page 95: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

De um puxão arrancou a barba e a cabeleira postiças, bem como um pedaço de massa que pendia do nariz, desfigurando-o. Com a massa toda uma máscara mole se desprendeu do rosto do duende, deixando a descoberto a verdadeira fisionomia do gigante.

— Jonás! — exclamou Brigitte. — Então, era você! — Ela... ela não... prestava... Todas as rainhas.. não...

prestam. — Refere-se á esposa de Jebediah? — Ela... ela... o enganava... Recebia... homens... Pelo

caminho do mausoléu — Você a matou porque ela... recebia homens depois de

viúva! — Antes... Recebia muito antes... Ordinária!... — Como a matou? — Cobras... ela morreu... de medo... Você... aaahhh...

mais valente... Eu adormecia as cobras... com ... ampolas de gás... Tenho escondidas mais de... mais de...

— Deixe isso agora, Jonás. — Jebed... Jebediah foi envenenado... Eu sabia... O

homem que ... ajudou a miserável a matá-lo está... está.... no túnel... Matei-o com o machado... Vinguei... Jebediah... Ficou ali dias e dias... quando estava morrendo... de fome... tive o prazer de... matá-lo!

— Entendo, Jonás. Talvez vingar o seu príncipe possa ter alguma justificativa, mas você errou matando as outras rainhas.

— Todas são... perversas como... serpentes... Toda... rainha... é adúltera! Aaaah!

Ficou imóvel, com os olhos abertos, e Brigitte moveu tristemente a cabeça. Jonás, o chefe dos serviços internos do

Page 96: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

palácio, terminara sua carreira de fantasma oficial do palácio de Queen City.

A espiã se encaminhou para a grande porta cheia de cravos de bronze, que dava para os jardins. Estava trancada, mas Brigitte encontrou a chave no bolso de Jonás. Também constatou que sob a estranha indumentária o duende tinha muita roupa, o que fazia aumentar sua corpulência. Mantinha as pernas rígidas por meio de talas de madeira. Sem dúvida, se tivesse conseguido matá-la, Jonás teria passeado pelos jardins, assombrando um dos guardas. Para sua desgraça Brigitte Montfort não era uma mulher normal: não morreu de medo ao ver o fantasma de Jebediah e ele não pode escapulir com a rapidez necessária por ter os movimentos tolhidos pelas talas de madeira atadas ás pernas.

“Baby” arrastou o cadáver do mordomo para o túnel úmido e fechou a porta de laje para que não fosse visto por quem entrasse no Mausoléu Real. Somente quem conhecesse aquela passagem secreta poderia encontrá-lo e, aparentemente, ninguém a conhecia ou se lembrava de sua existência. Conservou a chave da entrada principal, para qualquer eventualidade, e, pouco depois, reapareceu no armário do seu quarto. Abriu a porta deste e esbarrou na pistola empunhada por Peggy, que tremia da cabeça aos pés.

— Vamos, mulher: atire de uma vez, ou guarde essa arma...

— Miss… Miss Montfort! Felizmente! Que viu?! — Nada. Foi mais um dos meus pesadelos. Vá dormir em

paz. — Não conseguirei dormir!

Page 97: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Não? Tenho uma idéia para tranqüilizá-la: esta noite dormirei com você. Não estou disposta a desemborcar essa enormidade — apontou para o leito real.

— Eu Não .... entendo o que está acontecendo! Eu não.. — Vá dormir. Ou prefere que um duende a leve para os

pântanos? — Os duendes do existem, miss Montfort. — Tem certeza? Isso me acalma os nervos... Vamos

dormir?

CAPITULO NONO O erro de não conseguir errar...

Em meio a grande silêncio Sua Majestade apareceu na

Sala do Trono, junto a cuja plataforma estavam os mais altos dignitários do país. De um lado, o chefe da Guarda Nacional e dois oficiais impecáveis, garbosos, custodiavam a coroa de ouro, platina, pérolas, brilhantes e rubis que repousava numa almofada de seda encarnada.

Nos terraços, cinqüenta jornalistas estrangeiros, vinte nacionais e os serviços de rádio e televisão do país esperavam. O mundo inteiro receberia video-tapes da cerimônia fornecidos pela TVAK — Televison Atlantic Kingdom, a emissora oficial de TV.

De ambos os lados do corredor, regiamente atapetado, enfileiravam-se os convidados especiais, dentre eles enviados diplomáticos de nações que se esforçavam por estabelecer relações amistosas com o arquipélago.

Por toda parte comentários de admiração ante a beleza estonteante da rainha. Ela se encaminhou lentamente para a plataforma, subiu, postou-se diante do trono e se virou. No

Page 98: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

alto, em uma espécie de sacada interna, os comentaristas de rádio e TV murmuravam apressadamente a descrição dos primeiros momentos da coroação. O representante eclesiástico máximo do país se adiantou para o trono e ficou diante da rainha, proferindo as palavras tradicionais de benção religiosa. Depois, aproximou-se da coroa, do manto e do cetro, benzendo-os.

* * * Na pequena sala da casinha praiana, no subúrbio elegante

de Queen City, Ivan Bolonov olhou ligeiramente para Kurvanian, sorrindo ironicamente.

— É divertido, não acha? Kurvanian tinha o olhar fixo nos olhos da rainha que iria

ser coroada dentro de poucos segundos. — Ainda não podemos rir, camarada Bolonov. — Pensei que a MVD já lhe tivesse dado uma resposta e

que essa resposta tivesse deixado bem claro que essa Brigitte Montfort nada tem a ver com organizações de espionagem ou algo parecido.

— De fato. Ela esteve em Moscou duas vezes e, numa dedas, realizou, sem que se soubesse, um intercâmbio de serviços entre a CIA e a MVD3. Sem dúvida um de nossos mais astutos e inteligentes espiões, Fedor Kosarin, afirma que Brigitte Montfort ignorava por completo o que estava Fazendo. Foi utilizada precisamente porque jamais teve ligação alguma com a espionagem internacional e o assunto exigia a máxima segurança.

3 Ver Numa Viagem de Prazer

Page 99: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Então, nada temos a temer dessa mulher. Seria muito diferente se ela fosse, por exemplo, a tal agente “Baby” da CIA.

— Nem pronuncie esse nome — disse Kurvanian, estremecendo. — É o pesadelo de todo o serviço secreto russo. Mas vamos assistir a essa cerimônia. Essa mulher tem uma classe excepcional!

— Deveras? — Não acha? Repare bem, Bolonov. — Estou reparando, mas acho que nenhuma mulher que

se venda, seja por que motivo for, tem classe. Nem mesmo quando se venda por cinco milhões de dólares, e nós sabemos que ela entrou em conchavo com o Conselho dos Quatro.

— Quase chego a lamentar — suspirou Kurvanian —, pela decepção que me causa. Mas a verdade é que sua venalidade nos proporcionará o maior elogio até agora feito pelo Kremlin.

— Esperemos que assim seja — murmurou Bolonov. — O nosso trabalho foi lento. monótono e árduo.

— Mas dentro de uma semana estará terminado, Essa mulher abdicará e... Atenção para a tela!

* * * Na tela, os dois oficiais que custodiavam a coroa se

haviam aproximado do trono e colocavam o manto sobre os ombros da rainha, que o atou ao pescoço com extrema facilidade. Depois e sempre de acordo com o protocolo de Atlantic Kingdom, o oficial-general de mais alta graduação se aproximou dela, oferecendo-lhe numa almofada, o cetro que simbolizava o mando. Por fim recolheu a coroa trazida na almofada pelo chefe da Guarda Nacional. Com a coroa

Page 100: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

entre as mãos, o general se voltou para a Saia do Trono. exibindo-a a todos, lentamente, descrevendo um semicírculo. Voltou-se para a rainha, que permanecia imóvel, com a cabeça inclinada. Nesse momento a rainha ergueu a cabeça para receber a coroa, que foi colocada sobre seus cabelos negros. O general recuou dois passos e, antes de se inclinar respeitosamente, disse:

— Eis a nossa Rainha! Viva a Rainha! * * *

— Bem ... — sorriu Bolonov — Agora, ela dirá algumas palavras e nossa parte estará terminada. Vou desligar.

— Espere. Não temos pressa. Ouçamos o que vai dizer. — Como queira. camarada Kurvanian. Este olhava fixamente para a teta. A rainha se havia

sentado no trono, tomando posse dele. Por trás, apareceu um oficial da Guarda Nacional que colocou um microfone junto ao trono para que as palavras da rainha recém-coroada chegassem a todos os cantos do salão e, através dos serviços de rádio e televisão, a todo o país.

— Acho que vai dizer umas tolices — comentou Bolonov.

— Ouça, homem! A voz de Sua Majestade soou com toda a clareza na sala

da pequena casa praiana: — Querido povo de Atlantic Kingdom. Agradeço o

carinho demonstrado durante esta semana de estada entre vós e sei que me dedicariam esse carinho durante toda a minha vida. Mas esta noite tive tempo para refletir longamente e decidi abdicar.

Page 101: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Está louca! — exclamou Bolonov. — Não tem de fazê-lo agora! Essa mulher é uma estúpida! Devia esperar alguns dias para que ninguém suspeitasse!

— Cale-se! — gritou Kurvanian. — Escute!’ — ... família real — prosseguia a rainha recém-coroada.

— E creio que essa família real tem todos os direitos sobre este trono. Assim, tomei a decisão e tenho já escritos os documentos que dão validez a essa decisão. Agora só me hasta firmá-los com os plenos poderes que me confere a coroa.

Um novo personagem apareceu na tela do televisor, trazendo um pergaminho e um cavalete. Colocou o cavalete diante da Rainha e, sobre este, o pergaminho, entregando uma pena á soberana, que começou a firmar o documento ante o assombro e a expectativa dos convidados.

— Quem é esse sujeito? — perguntou Kurvanian. — Acho que é o preceptor de uma das princesas. — Que papel representa em tudo isso?

— Talvez Martin não lhe tenha sabido dar devidamente as instruções.

— Então o miserável do Martin é que deve ser considerado idiota! Vou...

Kurvanian lhe exigiu silêncio, apontando para a tela, na qual se via a rainha sorridente após firmar o documento.

— Eis aqui as minhas primeiras e últimas disposições de Rainha. Numa delas, nomeio Regente de Atlantic Kingdom Conrad Harris Baldford, o qual, com poderes plenos e

— Não sei. Mas estou certo de que essa mulher é uma idiota e me pergunto por que não esperou uma ou duas semanas para abdicar completamente e nomear um Presidente e um Conselho de Três.

Page 102: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

absolutos, governará este país até que a Rainha tenha dezoito anos. Refiro-me á nova e autêntica Rainha, em favor da qual abdico desde este mesmo instante, também normal e legalmente, com documentos firmados...

A Princesa Mary Lou apareceu no corredor e se encaminhou diretamente para o trono. Agora, o silêncio era ainda maior, forçado, incrédulo. Todos os olhares estavam fixos na menina, que subiu à plataforma do trono e se colocou diante de Sua Majestade, a qual se levantou e, sorrindo retirou a coroa da cabeça. Sempre sorrindo, colocou-a na cabeça da menina e levou-a por uma das mãos até ao trono ajudando-a a sentar-se.

Mais sorridente do que nunca. Brigitte Montfort voltou-se para os presentes e disse:

— Eis a nossa Rainha! Viva a Rainha! Ivan Bolonov deixou-se cair numa poltrona. depois de

quase se lançar contra o aparelho de televisão. Tinha o rosto tão pálido que mais parecia um cadáver. Kurvanian, de pé junto a ele, estava igualmente pálido, enxugando o suor frio da testa com um lenço.

— Estamos perdidos... — gemeu. — Fomos traídos por aqueles quatro suínos.

— Talvez seja coisa dela — murmurou roucamente Bolonov.

— Você está louco?! Essa mulher não tem capacidade mental suficiente para planejar tudo isso! Tudo foi preparado pelo Conselho dos Quatro! Não pode ser de outro modo!

— Acho que devemos acalmar-nos. Kurvanian. Sim. isso é o que temos de fazer: acalmar-nos. Devemos analisar detidamente a situação atual.

Page 103: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Não há nada que analisar... Está bem claro: essa mulher abdicou em favor de uma princesa real e nomeou Regente do Reino esse Conrad Harris Baldford. Posso dizer o que significa, sem necessidade de analisar coisa alguma: o país nos escapou das mãos. Até que essa menina atinja os dezoito anos. Atlantic Kingdom será governado com plenos poderes exclusivamente pelo Regente. E estou certo de que souberam escolher o homem adequado pura que nem sequer ouça uma proposta nossa!

Bolonov passou a língua pelos lábios e olhou para a tela, na qual se via o escudo do país como fundo para a execução do Hino Nacional. A cerimônia havia terminado. Desligou o televisor e tornou a deixar-se cair na poltrona, transpirando tanto quanto Kurvanian.

— Moscou sabe quais eram exatamente os seus planos? — indagou.

— Eu disse aos chefes que seria uma grata surpresa para eles. Só isso. Mas dentro de poucas horas verão o vídeo-tape e...

— Espere. Talvez ainda possamos tentar algo ...Talvez, em Moscou acreditem que este seja o nosso plano, pelo menos enquanto nós procuramos uma solução.

— Não diga tolices. Neste momento, uma dezena de agentes da MVD já sabe o que ocorreu e Moscou terá a verdade em menos de duas horas: o Conselho dos Quatro nos traiu, nos ludibriou. Isso é fácil de compreender. Ninguém acreditará em outra coisa se não que fomos burlados como imbecis por esses quatro homens!

— É... Isso é o que acreditarão. Mas... Não lhe parece estranho? É inacreditável. Esses homens são por demais

Page 104: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

ambiciosos. Estão corrompidos, iam ganhar cem milhões de dólares. Não podem ter sido eles.

— Quem, então? A rainha dos olhos azuis? — indagou com sarcasmo, Kurvanian.

— Por que não? — duvidou Bolonov. — Por que não?! — É impossível... Impossível! Seriam necessárias uma

astúcia e uma audácia diabólicas! — Antes, você desconfiava dessa mulher, vendo em seus

olhos algo que não o agradava. Não desconfia mais? — Escute: para idealizar tudo isso, para levar o plano a

cabo tão de surpresa, essa mulher teria de ser uma velha raposa conhecedora de todos os truques das intrigas políticas. da espionagem, de... de tudo!

— Ela esteve em Moscou como uma inocente intermediaria entre a CIA e a MVD não é verdade?

— É. — E se não fosse tão inocente? E se fosse uma

especialíssima agente norte-americana? Você poderá dizer que a coincidência seria demasiada, mas... por que não? Não se esqueça de que foi escolhida por um cérebro eletrônico.

— Você mesmo me disse que Martin havia alterado a engenhoca pura que saísse um nome qualquer, pois de outra forma não haveria um meio de encontrar uma mulher capacitada para ser rainha. Seria demasiada casualidade — insistiu Kurvanian.

— E se o cérebro eletrônico tivesse funcionado direito? — Tolice, Bolonov! Acho que o melhor que temos a

fazer é partir imediatamente deste país. — Não. Se a jogada foi dos Quatro. Eles não nos

deixarão escapar. Tudo estará vigiado, inclusive, talvez, esta casa. Mas, se não foi coisa deles por certo nos chamarão ou

Page 105: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

virão até aqui. Logicamente, em Moscou considerarão o assunto maquinado pelos Quatro e nos declararão ineptos. Mas... e se os Quatro nada tivessem a ver com a coisa? Poderíamos suavizar o nosso fracasso informando a Moscou que a culpa foi dessa mulher e talvez pudéssemos saber de mais coisas sobre ela. Vamos esperar, camarada Kurvanian, porque é a única coisa que podemos fazer. Tenhamos calma, porque, se esses homens tem de vir, sem dúvida surgirão antes do anoitecer.

* * * Exatamente ás dez da noite, os Quatro chegaram a

casinha praiana. Ivan Bolonov lhes abriu a porta, deixando-os entrar, em silêncio. Quando chegaram à pequena sala. viram Kurvanian desgrenhado, pálido, com o rosto contraído demonstrando impaciência e preocupação.

— Estamos dispostos a escutar — disse Bolonov Os Quatro não estavam menos pálidos do que os dois

russos. Martin, como sempre, elegeu-se porta-voz do grupo: — Foi ela! — deixou escapulir, num sopro. — Foi essa

mulher! Têm de acreditar! — Ela planejou tudo? Não pode ter sido esse Não, não,

não... Ela idealizou tudo. Conrad não sabia de nada meia hora antes da coroação. Foi quem mais se surpreendeu. Foi ela!

— É impossível que uma mulher imbecil tenha conseguido armar essa jogada contra nós, mister Martin — disse friamente Kurvanian.

— Não é nenhuma imbecil! É ... é uma víbora. Uma víbora, podem estar certos!

— Parece que sua idéia triste de mexer no cérebro eletrônico teve más conseqüências — rugiu Bolonov. —

Page 106: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Talvez tivesse sido melhor deixá-lo funcionar normalmente. Quem sabe se ele não escolheria...

— Funcionou normalmente — sussurrou Martin, parecendo encolher.

— Como’?! — exaltou-se Kurvanian. — O... o cérebro eletrônico funcionou bem. Ontem, o

representante da IBM me procurou e me perguntou se os serviços de sua empresa tinham sido satisfatórios. Eu lhe disse que sim e que já podia levar a máquina, acrescentando que, se houvesse qualquer defeito decorrendo de nossa atuação, nós pagaríamos o conserto. O homem sorriu e disse que um IBM raramente apresenta defeitos e que, quando isso acontece, a própria máquina os conserta sem incomodar os clientes e que... que, além disso, os seus técnicos tinham feito uma vistoria, constatando que funcionava perfeitamente. Tanto assim que pretendem enviar o cérebro a outro cliente.

— A máquina funcionou bem — repetiu pausadamente Bolonov. — Isso quer dizer que essa mulher reúne as condições exigidas para ser rainha!

Parecia prestes a desfalecer, com expressão aparvalhada e o olhar fixo num ponto inexistente.

— Isso... isso mesmo. Pensei ter conseguido alterar o funcionamento, mas... mas não consegui — lamuriou-se Martin.

— Mas então, que espécie de mulher será essa, que está capacitada para governar um país, que abdica da coroa, que destrói os planos por nós longamente elaborados? — exaltou-se Bolonov. — Que diabo de mulher será essa?!

— Eu não disse que ela não me agradava? — sussurrou Kurvanian.

Page 107: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— É assombroso! Até agora, só uma mulher conseguiu jogadas parecidas com...

Os dois russos ficaram olhando um para o outro, desfigurados, transpirando em abundância. Não podiam estar certos do que lhes ocorrera, porém a realidade lhes martelava o cérebro. Kurvanian passou a mão pela testa, como se com isso pudesse afastar a idéia que o perseguia naquele instante.

— Não pode ser... — gemeu. — Seria uma coincidência espantosa, inacreditável — olhava para Martin. — Ela não os delatou?

— Não. Ignoramos o que pretende. Se quisesse, já fazer algo contra nós, já estaríamos detidos e vocês também.

— Por isso não saímos daqui. Sabíamos que seria inútil tentar fugir, que tudo estaria vigiado — declarou Kurvanian.

— Estamos certos de que ela não disse coisa alguma a nosso respeito a quem quer que seja — afirmou Zabulon, lívido.

— Mas... por quê? O lógico seria prendê-los e obriga-los a nos denunciar. Sabemos muito bem que não teríamos possibilidade alguma de escapar e aguardamos porque tínhamos alguma esperança. Mas não é lógico! Talvez ela ache que a nossa detenção e os interrogatórios inevitáveis provocariam grande alvoroço político, uma tensão internacional. Não fugimos por considerarmos inútil qualquer tentativa, mas se nem vocês foram presos... Por quê?

— Foi o que você sugeriu: talvez não queira provocar conflitos políticos — interveio Bolonov.

— Então, que pretenderá? Como espera solucionar este assunto? — indagou Kurvanian, agitadíssimo.

Page 108: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Tem os seus cinco milhões esperando por ela nos Estados Unidos — lembrou Martin. — Talvez só esteja interessada no dinheiro.

— Nada disso! — rugiu Kurvanian. — Vocês, os Quatro, estão redondamente enganados. Ela quer algo mais. Armou uma grande jogada que a coloca no cimo da astúcia política e da espionagem. Mas isso só é do conhecimento de algumas pessoas. Vejamos: nós seis e esse Conrad, o novo Regente. Preparou uma jogada tão importante que talvez a MVD chegue a conclusões importantíssimas sobre ela quando enviarmos o relatório. Podemos ... momento! Um momento! Vocês não foram seguidos?

— Não. Claro que não. Os dois russos se entreolharam, com os olhos faiscando. — Bem — murmurou Kurvanian. — Não sei o que ela

está tramando, mas o certo é que vamos tentar fugir daqui e, como vocês são os únicos que nos conhecem...

O olhar trocado entre os russos tinha sido muito expressivo, porém os Quatro só compreenderam a verdade quando cada russo sacou da pistola provida de silenciador.

— Não! — gritou Martin. — Esperem! Não podem... Não chegou a concluir. Os Quatro foram crivados de

balas, lançados uns contra os outros, salpicando-se mutuamente de sangue. Em menos de cinco segundos jaziam no chão tragicamente misturados, uns em cima dos outros. Joseph e Zabulon ainda gemiam, porém mais quatro disparos solucionaram a questão. Os quatro cadáveres formaram um grotesco montão manchado de vermelho.

— Vamos... — disse friamente Kurvanian. — Só eles nos conheciam, de modo que temos muitas possibilidades de escapar. Se essa mulher for realmente a agente “Baby”,

Page 109: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

estará liquidada. Enviaremos a informação à MVD e esperaremos que a revelação atenue os efeitos de nosso fracasso no outro assunto. Não deixe nada de importante, Bolonov.

— Recolherei os portfolios. Em menos de um minuto os dois russos saiam para o

alpendre. — Levantem as mãos, camaradas — disse uma voz. — E

voltem para o ninho... Os dois ficaram por um instante petrificados. Depois,

ainda sem erguer os braços, se viraram e olharam para o homem alto, atlético, de rosto simpático e traços rebeldes. Parecia um desportista.

— CIA? — indagou Bolonov. — Levantem as mãos de uma vez e entrem. Os dois obedeceram, entrando na pequena sala e quando

se viraram, viram o recém-chegado muito pálido, olhando para os cadáveres.

— Sentem-se — ordenou o gigante. Caso se atrevam a mover uma orelha terei um bom pretexto para apertar o gatilho.

Os russos tornaram a obedecer. Viram o homem retirar um maço de cigarros do bolso, mas compreenderam a verdade quando ele apertou o maço e um dos cigarros sobressaiu meia polegada.

— Já estão a caminho? — perguntou o atleta. — Já. Estão com você? — respondeu uma voz de mulher. — Estão. Mataram os Quatro. — Tenha muito cuidado, Frankie. Mate esses indivíduos

sem a mínima vacilação, impiedosamente, à menor suspeita.

Page 110: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

Chegaremos dentro de cinco ou seis minutos. Não se descuide, por Deus!

— Terei a grande satisfação de matá-los se moverem um fio de cabelo, mas ande depressa.

* * * Brigitte guardou o diminuto emissor-receptor e olhou

para Conrad. — Não pode correr mais, mister Conrad? — Faço o que posso. Já sei... Já sei... Isso não tem

mérito... Irei mais depressa. Sabe que ainda não me refiz da surpresa.

— A que se refere? Não descuide do volante! — Fique tranqüila... Eu me referia ao túnel. — É um bom sistema para sair do palácio sem ser visto.

Uma vez no mausoléu, não é difícil sair, à noite, para os jardins reais.

— Não se esqueça, senhor Regente, de que Mary Lou jamais deverá ter conhecimento da existência desse subterrâneo.

— Não saberá. É tudo tão surpreendente... e tão horrível. Quem havia de pensar isso de Jonás? Seu desaparecimento causará estranheza, mas entendo que não poderemos dar explicações. Enfim...

— Só se dá explicações quando não há outro remédio — sorriu friamente “Baby”. — Principalmente em casos como este.

— Eu a considero uma mulher extraordinária, desconcertante. Não consigo compreendê-la, mas pode estar certa de que eu a admiro profundamente e me pergunto como poderei agradecer tudo o que fez por Mary Lou e por minha pátria.

Page 111: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Bastará que jamais revele a quem quer que seja o que fiz, porque, caso contrário, encurtará a minha vida.

— Pode contar com o meu eterno silêncio Que faremos agora? Que estará para acontecei nessa casa que o seu amigo diz existir na beira da praia’?

— Agora, mister Conrad, encerraremos o assunto da única maneira possível, pois temo que esses homens tenham tirado conclusões muito acertadas sobre a minha personalidade. Além disso, são assassinos.

— Que pensa fazer’? Brigitte Montfort sorriu gelidamente. — Já verá. Mas, haja o que houver, mister Conrad, aqui

terminará a minha intervenção, ficando o resto a seu encargo. Dará a quem de direito as explicações que julgue convenientes. Quando nos separarmos, eu voltarei sozinha para o palácio, saltarei as grades e entrarei pelo mausoléu real. Isso será tudo. O resto será por sua conta. De acordo?

— De acordo. Três minutos depois o carro parava na casinha á beira-

mar e Brigitte descia rapidamente. Quando Conrad se reuniu a ela na pequena sala, a enorme automática calibre 45, de Frank Minello, já estava na mão direita da espiã. Conrad olhou para os russos e abriu a boca pura fazer uma pergunta, mas foi interrompido.

— Saiam! — disse Brigitte. — Os dois, mister Conrad! Você ouviu, Frankie?!

— Mas eu ... — Fora! Minello passou a língua pelos lábios, segurou Conrad por

um braço e os dois saíram da casa. Os russos olharam

Page 112: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

fixamente para a bela mulher dos mais belos olhos azuis. “Baby” olhou ligeiramente para os quatro cadáveres.

— Vocês são dois assassinos! — declarou. — Compreendo e admiro os espiões, inclusive quando matam por ordens superiores, expressas, ou quem mereça morrer.

— Era a nossa segurança pessoal... — balbuciou Bolonov.

— Ah ... Estimo que compreendam. Também se o de matar por segurança pessoal, não é verdade? Evidentemente, um espião identificado está muito próximo da morte. Muita agradecida por admitirem o fato. Agora, cavalheiros.

— Espere! Apenas... uma pergunta ... Você é “Baby”, da CIA?

— Não... Do alpendre, Frankie e Conrad ouviram dois estampidos. Os dois russos continuaram sentados, cada um numa

poltrona. com um orifício no meio da testa. Brigitte os contemplou friamente e sorriu com igual frieza, só então concluindo a resposta:

— Não... Não sou apenas a agente “Baby”, da CIA, seus desnaturados. Sou muito mais do que isso. Sou um ser humano que não mata por prazer.

* * * Quatro dias depois. a rainha-menina de Atlantic Kingdom

se despedia da rainha que abdicara em seu favor, da mulher que seria pura sempre carinhosamente lembrada por quatro milhões de ilhéus. Ao seu lado, no Porto de Queen City, estava Conrad Harris Baldford, o homem que, com apenas dois dias de regência, consolidara três empréstimos no total de cento e vinte e cinco milhões de dólares e solicitara a

Page 113: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

admissão de sei país em todos os organismos internacionais, a lado das nações democráticas.

Da amurada do transatlântico. Brigitte contemplou até perder de vista, milhares e milhares de mãos num prolongado adeus.

FÉRIAS...

Já de volta à sede da CIA, “Baby” olhava ironicamente

para o seu chefe direto, mister Cavanagh. — A Junta Diretora me incumbiu de felicitá-la.

Compreendeu perfeitamente que nenhum serviço de contra-espionagem desconfiará de uma mulher tão conhecida em todo o mundo por sua fantástica coroação num arquipélago. Se algum espião ainda pensava que miss Brigitte Montfort fosse uma espiã norte-americana, terá de abandonar suas suspeitas.

— Muito me alegra que a CIA tenha compreendido o que eu compreendi desde o inicio, no tocante ao Atlantic Kingdom, não me afastando daquelas ilhas.

— Cortesia da casa... — brincou Cavanagh. — Champanha?

— Já sei que, atrás desse champanha. vem algo perigoso...

— Bem... — Aceitarei o champanhe enquanto me diz para onde irei

desta vez. Cavanagh tirou da geladeira a garrafa de Perignon da

safra de 1955, servindo duas taças com cerejas no fundo. Ergueu a sua, dizendo:

— Por seus êxitos contínuos.

Page 114: CAPÍ - Visionvox€¦ · correspondia ao 7, isto é, que a numeração dos expedientes USA começava do 1001. — Aqui está! — exclamou o homem, virando-se para os

— Muito amável... Para onde devo ir desta vez? — Há um relatório completo sobre o assunto, mas não é

coisa de grande urgência. Bastará que você siga daqui a dois dias.

— Que férias maravilhosas! Quase dois dias!... — Sabe? No fundo chego quase a lamentar que você

tenha abdicado da coroa de Atlantic Kingdom. Deve ser formidável poder contar com a amizade de uma rainha...

— E pode contar com essa amizade, mister Cavanagh disse a espiã, com a taça de champanha entre os lábios. Não se esqueça de que eu sou... Sua Majestade, Brigitte...

Brigitte Montfort volta em:

ARMADILHA CARINHOSA

© 1968 – LOU CARRIGAN 411017 – 411022