Capitalismo e Sustentabilidade
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A insustentabilidade da sustentabilidade: Uma análise crítica da
hegemonia capitalista sobre a ecologia.
Conservar: a lógica do capitalismo contemporâneo.
José Garajau da Silva Neto1
Introdução
Nas próximas páginas tentaremos expor em linhas gerais a forma como o
cenário econômico atual se apresenta de forma potencialmente catastrófica
para os tempos vindouros.
O discurso imperativo do crescimento nos coloca em uma situação na qual se
faz necessária a relativização de certas ideias fixas a fim de que coloquemo-
nos a par, em nível planetário, dos limites aos quais estamos sujeitos e
próximos a atingir caso se mantenham os atuais níveis de degradação e
exploração de recursos além dos próprios indivíduos.
As últimas décadas foram fundamentais para o início do debate acerca do
que se chamou desenvolvimento sustentável2, de modo que através desse
discurso se buscou trazer essa primeira relativização à necessidade de se
limitar de alguma maneira o abuso da extração de recursos da natureza em
direção a uma forma mais limpa de capitalismo.
No presente trabalho, visamos apresentar, inicialmente, a maneira como a
sociedade do capital apresenta sua ideia de sustentabilidade atrelada ao
crescimento econômico, ao passo que, em um segundo momento,
tentaremos mostrar, em linhas gerais, como tal movimento é efetivado nas
cadeias de produção e distribuição de modo a servirem, contrariamente,
como mais um palco de apropriação de valor. Ao final, concluiremos com
uma discussão acerca das necessidades interdisciplinares de se atingir um
grau crítico de debate no que diz respeito à busca de maneiras de se superar
o atual modo de produção no intuito de evitar, em curto e médio prazo, que a
1 Doutorando do Programa EICOS da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Filosofia, Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).2 A se aprofundar a seguir.
situação drástica enfrentamos seja superada por uma nova forma de se
estabelecerem relações de produção e distribuição.
Crescimento e sustentabilidade: a quem vale lhes unir?
Desde meados da década de 60, após a publicação da obra de Rachel
Carson, Primavera Silenciosa, a questão ambiental vem sendo colocada em
voga como meio de debate entre as relações entre o atual modo de produção
e o meio ambiente. Grosso modo, vêm se percebendo cada vez mais o
quanto o sistema cuja premissa é a do crescimento infinito não é capaz de se
sustentar em um ambiente no qual os meios através dos quais esse
crescimento é atingido são, inversamente, finitos. Esse procedimento de
trocas entre a sociedade e o meio ambiente é fundamentalmente tratado por
duas ciências minimamente interdisciplinares3, leia-se, a economia e a
ecologia.
Nesse sentido, o encontro dessas disciplinas revela a faceta que as une na
atualidade: a sustentabilidade. Para tanto, o termo desenvolvimento
sustentável foi oficialmente (para nós, ironicamente) cunhado propondo a
união de países no combate contra a deterioração da natureza e do meio
ambiente. Tal união foi proposta em 1987 pela médica norueguesa Gro
Harlem Brundtland quando, à frente da Comissão Mundial de Meio Ambiente
e Desenvolvimento (WCED, em inglês), redigiu o tratado Our Common
Future, também conhecido como Relatório Brundtland. Tal relatório nada
mais sugeriu que não “empregar o desenvolvimento sustentável como um
objetivo místico ao invés de algo concreto a ser atingido em nível individual.
O crescimento econômico em 3-6% [...] salvaguardaria os ecossistemas e o
bem estar do homem4”.
Em se tratando de um relatório que, em teoria, resumiu a mentalidade
intelectual daqueles que haveriam de estabelecer um parecer técnico
3 As dizemos interdisciplinares com ênfase pelo fato de, por exemplo, a ciência econômica ser balizada de forma independente na academia, ao passo que nossa visão engendra um embate entre uma heterodoxia econômica (vista por nós como restritivamente numérica) e uma ortodoxia (que leva em conta seu aspecto sociológico, para nós, indissociável). A Ecologia, por sua vez, encontra-se associada às Ciências Biológicas e, para tanto, mais adiante, buscaremos elevá-la a associar-se sociologicamente às Ciências Econômicas.4 CLARK. P.226. Tradução livre.
plausível para a condição estruturalmente destrutiva das relações de
produção na atualidade, acreditamos ser possível constatar que, associar o
crescimento econômico à salvaguarda dos ecossistemas é minimamente
paradoxal.
Isso pois não podemos deixar de observar que, visto aos olhos da Ciência
Econômica, crescimento quer dizer – aumento da disponibilidade do que é
útil ao bem-estar dos indivíduos – de forma que um PIB é o índice utilizado
para indicar esse aumento do produto interno de cada nação. O aumento
médio esperado do PIB no mundo, anunciado pelo Banco Mundial foi de
2.6% ao fim de 2014 e espera-se, para o fim de 2015 um aumento de 2.8%5.
Podemos dizer então que, na prática, deveríamos estar operando
produtivamente de modo a pelo menos manter os ecossistemas; ou seja, não
estaríamos ampliando os níveis de poluição nas bacias aquíferas e na
atmosfera, os solos permaneceriam produtivamente férteis e principalmente:
a qualidade de vida humana não seria deplorável para a maioria da
população6.
A mesma tabela, por sua vez, aponta para o fato de que nenhum dos países
mais ricos trabalha, hoje, nessa margem de crescimento e que, curiosamente
(para nós, novamente, ironicamente) são os países do sudeste asiático em
geral que impulsionam o “crescimento mundial”.
Não é à toa que, nas palavras de François Chesnais,
quando se examina a situação dos maiores exportadores de matérias-primas não minerais – o Brasil, a Indonésia ou os países do Sudeste da Ásia – encontramo-nos diante de um processo em que as destruições ambientais e ecológicas cada vez mais irreversíveis estão acompanhadas por agressões constantes desferidas contra as condições de vida dos produtores e de suas famílias, de forma que é impossível dissociar a questão social da questão ecológica. Os beneficiários sempre foram os mesmos: os grandes grupos de comércio e, depois, de produção agroalimentar, aliados em configurações múltiplas e mutáveis, às classes dominantes locais, oligarquias rentistas ou capitalistas.7
Sem que precisemos adentrar em clichês da crise da modernidade,
entendemos que o formato das relações econômicas entre os países na era
5 http://www.worldbank.org/en/publication/global-economic-prospects/summary-table6 Vale salientar que estamos lançando mão de valores arbitrários para determinar o que seria a salvaguarda dos ecossistemas, porém entendemos que por mais que haja uma gama ampla que poderia ter sido mencionada em nossa lista, os acima citados resumem suficientemente o que queremos abordar no presente trabalho.7 CHESNAIS, F., p.52. Grifo nosso.
da globalização só legitima em nível macro aquilo que se assiste como
condição sine qua non desse modo de produção: a existência de
dominadores e dominados.
Essas relações do tipo colônia-metrópole, que ao nosso ver somente se
redesenharam ao longo dos séculos, são só mais uma constatação da forma
de operação do sistema capitalista. Nesse sentido, nada mais natural do que
buscar mão-de-obra barata, levando os trabalhadores a níveis subumanos de
existência. Assim, modos essenciais de acumulação são reestruturados
como o que Harvey chamou de “redes de relações neocoloniais8”. E se são
as colônias que historicamente suprem suas metrópoles, nosso raciocínio
tem fundamento.
Desse modo, retomando nosso debate, fica nítido como o crescimento se
baseia, fundamentalmente, na exploração de uns que produzem mais do que
recebem em troca e na apropriação de seus excedentes pelos outros.
Assim dizemos pois, com um crescimento médio acima do dobro daquele
preconizado por Brundtland, os países do sudeste asiático passam a
absorver todos os impactos ambientais (e consequentemente sociais) de uma
racionalidade econômica que redireciona as mazelas do atual modo de
produção.
À despeito do cinismo estrutural engendrado pelas grandes corporações
transnacionais que tornam essa lógica possível, seria possível sequer supor
a emergência de uma nova forma de organização produtiva e distributiva?
Se levarmos em conta o fato de que a base do crescimento mundial se dá
através da extração de matérias-primas e que, ademais, tal exploração
engendra inevitavelmente uma precarização no nível de vida nos países que
delas dispõem, vamos ao encontro de um racismo ambiental que é a única
tradução possível para os graus de apropriação que se dão na atualidade,
dos países mais ricos para com os mais pobres.
Esses mesmos países, por outro lado, encontram suas riquezas naturais
devastadas e sua população destituída de condições mínimas de vida sob o
discurso de que “o crescimento econômico sustentado pelo livre comércio e
por mercados livres gera novos empregos e rendas mais elevadas9”.
8 HARVEY, 2011. Grifo nosso.9 ALTVATER, p.156 citando a NSC o Conselho de Segurança Nacional Americano.
Assim, vemos as bases sob as quais o capitalismo se funda, no mundo
contemporâneo, sem deixar de lado seus alicerces mais essenciais, aqueles
que mostram que sua potência “não pode deixar de existir sem contar com a
presença dos meios de produção e da força de trabalho de toda parte [...] daí
[resultando sua] tendência incontida de apossar-se de todas as terras e
sociedades10”.
Ademais, por mais que se rejeite, “a hipótese de que o input físico possa ser
estendido ao infinito para gerar um output eternamente crescente é um
contrassenso ecológico, pois nada no mundo físico poderá crescer
infinitamente11”.
Tendo em vista que essa base de expropriação se estende desde os
territórios até a humanidade dos indivíduos, mais uma vez questionamos,
será possível algum grau de sustentabilidade em uma sociedade cuja
organização socioeconômica se dá dessa maneira? Seria possível se
observar que as relações políticas e econômicas que subjazem o que se vê
como resultado na apresentação da sociedade estão para além de seus
próprios domínios?
Desenhando um “capitalismo sustentável”
Com a crise do capital batendo às portas dos países do G8 e G20 e já
confortavelmente assentada nos países periféricos, a saída foi a de buscar
um novo dinamismo através de uma nova apropriação: a apropriação verde.
Tal apropriação trata de assear a cadeia produtiva nas grandes empresas de
modo a tornar possível apresentá-las como econômica e ecologicamente
viáveis. De maneira geral, apesar do consenso social sobre a necessidade do
crescimento, de forma similar, a atual situação calamitosa das grandes
metrópoles, a poluição dos ares e dos rios e o agravamento das mazelas
10 LUXEMBURGO, R., Acumulação prim. Permanente.11 ALTVATER, p.161
sociais nas periferias, tornam necessárias ações de adequação por parte dos
grandes grupos transnacionais à nova lógica da sustentabilidade. De acordo
com O’Connor, para os “reformistas verdes” “a questão é [a de] como recriar
o capital de modo a torná-lo consistente com a sustentabilidade da
natureza.12”
Na busca dessa consistência, o que se tem é uma readequação das práticas
das empresas, de modo a torna-las mais amigáveis às florestas, preservando
a vida silvestre, a qualidade da atmosfera e da água e etc. Queremos
enfatizar aqui as ideias de reuso, reciclagem, eficiência energética, tecnologia
e processos produtivos que sejam menos nocivos ao meio ambiente.
De modo geral, a estrutura sob a qual se fundamentam as práticas dessas
corporações não deixa de existir; na realidade ganha um elemento hoje
essencial para que mantenham a reprodução de seus lucros: triunfando como
empresas verdes, através de políticas públicas propositalmente direcionadas,
ganham seu passe sustentável de modo a atingir a fatia de mercado que
legitimará sua lucratividade sem que os danos ao meio ambiente sejam de
fato reparados de maneira significativa.
Nesse sentido, adentramos um terreno perigoso que capitaliza a natureza de
modo a tomar como objetivo moderar o efeito da ação produtiva sobre a
natureza e, assim, “a degradação ambiental e a exaustão de recursos são
diagnosticados como problemas de gestão e não como uma crise ou um
colapso; assim o exercício da gestão se torna uma nova fonte de dinamismo
para o capital13”.
Portanto, ao que tudo indica, a nova imagem do capitalismo verde não passa
de uma nova roupagem para a mesma velha lógica. Ao passo que se eleva
fortemente a taxa de exploração do nos países mais atrasados, elevando-se
a produtividade e a intensidade do trabalho e expropriando territórios, ou
seja, à medida que se extrai valor “à moda antiga14”, leva-se a determinados
pontos do globo os resultados da intensificação dessa racionalidade nociva
de produção. Ao mesmo tempo, esse embuste é sustentado no Sudeste
Asiático, pelas 399 milhões de pessoas vivendo com menos de US$1.25 por
12 O’CONNOR, J., p.157.13 GOLDMAN, p.567. Tradução livre.14 Tomamos a expressão de François Chesnais, op. cit.
dia15. Somente tal agravamento pode justificar tamanha mazela social. O
distanciamento da produção dos polos metropolitanos eleva igualmente o
grau de descolamento dos cidadãos médios dos efeitos da transferência
produtiva. Nas palavras de Chesnais,
Hoje, é preciso apreciar plenamente a interação entre a atitude da burguesia financeira e a trajetória do capitalismo nesses últimos vinte anos. A transformação da destruição da natureza em “campo de acumulação” para os proprietários do capital, a busca do controle dos processos do vivente pelo capital, são produtos deliberados de decisões políticas. Ao mesmo tempo, elas também são – numa configuração das forças sociais particulares que é a da dominação do capital financeiro – o remédio encontrado às contradições do modo de produção fundado sobre a dominação do capital.16
Sem embargo, o quadro da atualidade é o de uma sujeição explícita dos
países periféricos às potências econômicas mundiais. O fato de aqueles
países serem palco de expropriações sem tamanho de seus recursos
naturais mostra o paradoxo de nossos tempos: sem que precisemos nos ater
à discursos conservacionistas vazios, além de tornar claro o fato de que a
força de trabalho é o bem por excelência, na atualidade o capitalismo busca
manter o discurso que reduz a natureza a recurso livre, por mais que claros
sinais limítrofes estejam diante de nossos olhos. Esse discurso, chamado por
Altvater de “evangelho da ecoeficiência”, é o “vínculo empresarial com o
desenvolvimento sustentável17” e de certo corrobora para a consolidação
dessa nova dinâmica do sistema de produção.
Sobre isso, Clark aponta que “um desenvolvimento sustentável sem uma
ética da terra, indiferente à capacidade de absorção dos ecossistemas locais
e enraizado em uma visão de mundo materialista [...] não pode proteger a
ecologia de forças exógenas18”, de modo nos vemos aprisionados a uma
lógica da qual parece não haver saída viável, haja visto as articulações de
viés político que a mantém.
Tais relações políticas são tão antigas quanto a história do mundo e vêm
acompanhando a política moderna desde seus primórdios. As exigências
produtivas além mar, mantidas pela penúria vivenciada pelos habitantes das
15 http://povertydata.worldbank.org/poverty/region/SAS16 CHESNAIS, F., p.65. grifos do autor.17 ALTVATER, p.2818 CLARK, 233. Tradução livre.
regiões detentoras da força de trabalho que alimenta a atual fase de
expansão do capital financeiro são os verdadeiros tentáculos que reafirmam
a sujeição dos valores de expansão, crescimento e desenvolvimento que se
dão nos países desenvolvidos às custas da miséria da periferia.
A ecologia política: para uma crítica contemporânea da economia da
natureza.
Tendo em vista que o modelo atual de produção cria barreiras quase
intransponíveis para que se engendrem novas relações entre o indivíduo e a
natureza e, igualmente, entre os indivíduos mesmos, o enriquecimento de
conceitos econômicos de crescimento e desenvolvimento em novos
horizontes se faz necessário, ao passo que é perceptível como o crescimento
econômico é um índice insuficiente para determinar a possibilidade da
criação de condições de vida aceitáveis para toda a população.
Percebe-se o quanto os países periféricos são forçados a absorver as
pressões do modo de produção que busca manter suas taxas de lucro à
custo da própria miséria. Ao mesmo tempo, essa miséria não é só
econômica: a denominada crise ambiental passou a fazer parte de sua
agenda. Isso em termos da devastação de florestas tropicais, da redução de
biodiversidade, contaminações nos solos, águas e na atmosfera além do
esgotamento de seus recursos não-renováveis.
Aqui vemos a importância da ecologia política, que apesar de não rejeitar o
valor econômico da natureza, já que é necessária para a satisfação das
necessidades humanas, encaminha ressalvas no modo através do qual se
encara a utilização dos recursos no que diz respeito a quem de fato irá se
beneficiar com a sustentabilidade como tal?
Por mais que se admita a interação inexorável entre a sociedade e a
natureza, não se pode deixar de lado o direcionamento incontido engendrado
nesse modo de produção que seleciona os beneficiados e os explorados
quem respectivamente, tirarão proveito e sofrerão as consequências das
irresponsabilidades empreendidas na reprodução do suposto bem estar
social. Não obstante, Meszáros pergunta:
onde tudo isso terminará? Onde estão os limites intransponíveis? Existem tais limites? Há alguma garantia de que a humanidade poderá sobreviver à destrutividade irresponsável do imperialismo hegemônico global, que decreta – sem temer uma censura significativa – encontrar-se acima do direito internacional e de toda responsabilidade?19
Outrossim, por mais que os tempos sejam claramente sombrios, por mais
paradoxal que possa soar essa expressão, acreditamos que apenas uma
mudança de visão que eleve a natureza à condicionante fundamental para a
existência humana pode ser capaz penetrar as dimensões mais profundas da
sociedade.
A Ecologia Política é então um incremento à visão crítica da economia
política que traz consigo o fator imprescindível da natureza, fora de uma
relação idealista de culto ao silvestre, como na sugestão de Aldo Leopold
(1949), mas sim de modo a centralizando o meio ambiente para além do
conceito de recurso.
Contudo, sabemos que tal mudança não apresenta possibilidade potencial: o
sistema capitalista nem sequer abre mão da mercantilização da humanidade
dos indivíduos, como então poderíamos imaginar, mesmo em situação
limítrofe, que o fizesse em relação à biodiversidade?
Nesse sentido, apontamos para uma solução que dependa de uma
mobilização internacional em direção a uma nova articulação produtiva e
distributiva, de modo que se apreenda o atual modo de produção como
estruturalmente insustentável, haja visto a forma como a ideia de crescimento
infinito se coloca como paradoxal à condição finita da própria natureza da
qual depende para tal. Ao mesmo tempo, igualmente destacamos as
nuances da cadeia produtiva, que reafirmam laços de exploração entre
países a partir dos grandes grupos empresariais levando indivíduos à
subsunção de seu direito essencial à dignidade. Tais laços só poderiam ser
de fato modificados através de uma transformação significativa em nível ético
e moral por parte da humanidade como um todo, de modo que não se omita
que a sociedade do capital somente reitera e vocifera os graus de
individualismo que levam a humanidade a tratar com tamanha naturalidade o 19 MESZÁROS, I., O desafio e o fardo do tempo histórico, p.28
estado de guerra de “todos contra todos”. Profeticamente, LEISEROWITZ et
al apontam que
O cenário da Grande Transição postula um mundo para além de 2050 no qual a qualidade do conhecimento humano, a criatividade e a auto-realização sejam a medida para o desenvolvimento, não a quantidade de bens e serviços. Ao mesmo passo que proverá suficiência material para todos, incluirá a igualdade, o empoderamento e o respeito profundo pelo valor intrínseco da natureza.20
E é dessa forma que pensamos ser possível trazer o pensamento crítico da
economia política de forma a incluir a natureza como fator determinante
quando se pensa uma nova forma de reorganizar a sociedade.
Por mais que aqui estejamos claramente partidários de um tipo específico de
pensamento, acreditamos que tais valores éticos e morais dizem respeito ao
desenvolvimento da sociedade a níveis que, se não forem sequer almejados,
não a levarão a lugar algum que não o malogro de sua própria ambição.
À guisa de conclusão
Nas últimas páginas buscamos mostrar a forma como, no formato
contemporâneo, a sociedade do capital amarrou ao discurso do crescimento
infinito uma ideia de sustentabilidade pautada em relações imperialistas
neocoloniais que, ao invés de atenuarem o impacto da cadeia produtiva ao
meio ambiente e ao próprio homem, apenas intensificam os laços de
expropriação e exploração de territórios e indivíduos.
Ao mesmo tempo, enredamo-nos nas novas facetas apresentadas pelo
capital na busca por novas formas de apropriação de mercados para a
criação de valor, elucidando as alegorias do mercado na ecologização do
capital. Dessa maneira, ilustramos a forma cínica como o atual cenário do
capitalismo se apresenta de modo a mascarar sua real faceta não se
diferencia da “moda antiga” de se apropriar valor.
Nosso empreendimento fundamental se dá, no presente trabalho, em vias de
20 LEISEROWITZ, A.A et al., Sustainabilty Values, Attitudes, and Behaviors: A Review of Multinational and Global Trends. Annual Review of Environment and Resources, v. 31, 2006, p.435-6. Tradução e grifos nossos.
se fortalecer um discurso crítico de viés econômico e ecológico, de modo que
ambas disciplinas engendrem, em comum acordo, uma saída para forma
contemporânea de subsunção empurrada pela sociedade do capital à
população, principalmente nos países periféricos. Tais relações de centro-
periferia, ao nosso ver, se alargam das relações entre países às relações de
indivíduos, de modo que o último grau de aprisionamento do homem se dá
em sua alienação a outro homem21.
O quadro inevitável de tamanho individualismo só reafirma, em nossos
tempos, as diversas facetas de ódio, separatismo e maniqueísmo que se
fazem ver, levando a humanidade, traduzida na crise de seu modo de
produção e de seu ambiente, à maior delas, a crise ontológica, de
afastamento do homem de valores mais fundamentais de virtude e
coletivismo, talvez únicos capazes de instituir uma nova história, mais
humana, mais natural.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTVATERCLARK, J.G., Economic Development vs. sustainable societies: Reflections on the Players in a Crucial Contest. Annual Review of Ecology Evolution and Systematics, v.26, 1995.CHESNAIS GOLDMAN, M; SCHURMAN, M.A, Closing the "Great Divide": New Social Theory on Society and Nature. Annual Review of Sociology, v.26, 2000.LEISEROWITZ, A.A et al., Sustainabilty Values, Attitudes, and Behaviors: A Review of Multinational and Global Trends. Annual Review of Environment and Resources, v. 31, 2006.LUXEMBURGOMESZAROSO’CONNOR
21 Vale ressaltar conceito aparentemente emperrado ao fim do trabalho como “um ato, ou uma ação maior no tempo e no espaço, em que o homem, tomado genericamente(portanto como ser social), se torna alheio, isolado, estranho aos resultados ou produtos de sua própria atividade, assim como à atividade mesma, além de estar isolado ou alheio à natureza a partir da qual produz e vive em conjunto com outros seres humanos. Igualmente, este processo de estranhamento aparece nas relações estabelecidas entre os próprios homens enquanto insuficiência do processo de reconhecimento societário, na medida em que estão fundamentalmente comprometidas as possibilidades humanas de emancipação historicamente engendradas. Por este motivo é que a perspectiva do “desestranhamento” é aquela que toma como ponto de partida o trabalho humano, pois o estranhamento manifesta-se historicamente como objetivação e apropriação. O proletariado encontra-se então, no interior desta perspectiva, como aquele elemento que não somente se opõe ao poder do capital, mas como o que transcende a si mesmo e a este último, na medida em que emancipa o trabalho do seu jugo. (RANIERI, J., 2002, p.2-3)
RANIERI, J., Alienação e estranhamento em Marx: dos manuscritos econômicos-filosóficos de 1844 à ideologia alemã, Tese de Doutoramento. Campinas: UNICAMP, 2000.