Capítulo 08- O que falta para fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta

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A publicação dos artigos no formato eletrônico também se deve ao su-cesso da edição. Além das cotas dos patrocinadores, vendas em lançamentos e livrarias e doações a instituições de ensino, foram colocados mais de 1.000 exemplares. Isso demonstra o interesse pelo assunto “mobilidade urbana” e nos dá a certeza de continuarmos com a coleção. Está prevista ainda para 2015 a edição do nosso 2º volume – com alguns novos autores e novas abordagens.

Boa leitura

Vale lembrar que os interessados ainda podem adquirir o livro nas Li-vrarias Cultura; sob encomenda ou pela internet. www.livrariacultura.com.br

IMPORTANTE

Empresas e entidades que patrocinaram essa 1ª edição:

O que falta para Fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta.

O que falta para Fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta

José Carlos Aziz ARY 1

Miguel Barbosa ARY 2

1. Mobilidade urbana em Fortaleza

Nas últimas décadas, a capital cearense negligenciou o planejamento urbano e o planejamento de transportes. Como resultado desse descaso, hoje existe uma metrópole com 2,5 milhões de habitantes com diversos problemas a superar. Entre os principais, está a dificuldade de deslocar-se pela cidade.

Fortaleza sofre com o esgotamento da capacidade de suas principais vias, causado pelo excesso de automóveis em circulação. Semelhantemente ao que ocorre mundo afora, sobretudo nas grandes cidades, não se investiu priorita-riamente nos modos de transporte sustentáveis (coletivos e não motorizados). Como agravante, a cidade padece de um sistema viário estruturalmente limi-tado, no qual predominam vias e calçadas estreitas, o que dificulta a adoção de medidas para promoção da mobilidade urbana pelos diversos modos de trans-porte de superfície.

O transporte coletivo, apesar de ter melhorado em alguns aspectos, ainda não é uma opção atrativa para a maioria da população. Falta eficiência, pois pra-ticamente não há prioridade nas vias para os ônibus, os quais acabam retidos em engarrafamentos. Falta conforto e segurança dentro dos coletivos, assim como do lado de fora deles, nos pontos de parada e nos terminais de integração. Ademais, os ônibus circulam diariamente lotados nos horários de pico.

A situação tende a melhorar após a criação dos corredores exclusivos para ônibus e com a ampliação dos terminais, entre outras medidas. O sistema metroviário possui apenas uma linha, recém-implantada. Outras duas estão planejadas para entrar em operação nos próximos anos. Será o início de uma

1 Engenheiro Civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Pós-Graduado em Urbanismo e Planejamento Territorial pela Universidade Católica de Lovaina (Bélgica); Chefe do Departamento de Transportes Urbanos da Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT); um dos autores do Manual de Planejamento Cicloviário, em 1976; e do Manual de Planejamento Cicloviário do GEIPOT, em 2001.

2 Engenheiro Civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Mestre em Engenharia de Trans-portes pela UFC; foi Engenheiro de Tráfego do Órgão Municipal de Trânsito de Fortaleza (2001-2010); Professor da disciplina de Transporte Não Motorizado, em curso de Gestão de Trânsito (UFC).

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rede que ampliará expressivamente as opções da mobilidade dos fortale-zenses, mas somente no médio e no longo prazos.

Para quem caminha pela cidade, a situação atual também não é das me-lhores. É comum encontrar calçadas em condições precárias – estreitas, obstru-ídas, esburacadas, desniveladas e sujas, quando não totalmente ocupadas por automóveis estacionados de forma irregular. Além da falta de acessibilidade, o desrespeito dos motoristas às faixas de pedestre e à sinalização viária é outro fa-tor que compromete a segurança e o conforto de quem anda a pé em Fortaleza.

1. Uso da bicicleta

Com a topografia variando de plana a levemente ondulada e o clima tro-pical com pouca chuva ao longo do ano, pode-se afirmar que a natureza favore-ce o ciclismo em Fortaleza. De fato, o uso da bicicleta como meio de transporte é, há muito tempo, significativo na cidade. No início da manhã, sobretudo nas principais vias de acesso, milhares de trabalhadores deslocam-se para as áreas centrais. No final do dia, esses contingentes retornam às suas casas, muitas delas localizadas em bairros periféricos e até mesmo em outros municípios vizinhos.

Segundo pesquisa realizada por Maia et al. (2010), as principais caracte-rísticas do ciclista fortalezense são as seguintes: quase a sua totalidade é do sexo masculino, com baixa escolaridade, faixa etária predominante de 21 a 35 anos e uso quase diário da bicicleta como meio de transporte ao trabalho. Entre os usuários, há predominância de trabalhadores da construção civil, porém a bici-cleta é utilizada também por pessoas ligadas a várias outras atividades.

Para mais da metade dos entrevistados o tempo médio de viagem varia de 30 a 60 minutos. A maioria considera baixa a segurança em seus trajetos, apontando como principais dificuldades a falta de respeito dos motoristas e a circulação compartilhada com o tráfego geral. A implantação de ciclovias é a solução mais sugerida.

Figuras 1 e 2: Flagrantes do significativo uso da bicicleta em Fortaleza.FONTE: Fotos dos autores, 2012

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Apesar do número expressivo de ciclistas, Fortaleza ainda não pode ser considerada uma cidade “amiga da bicicleta”. Historicamente, não foi estimu-lada a cultura de respeito e prioridade a esse modal de transporte no trânsito. Também, no desenvolvimento do sistema viário não foram reservados espaços seguros para sua circulação.

Assim, em grande parte da cidade, sobretudo nas vias de tráfego intenso, a bicicleta leva desvantagem na disputa de espaço com veículos motorizados. Essa é uma situação de perigo que, aliada a outros fatores, desestimula o uso desse modal por boa parte da população. O trabalho de Oliveira Júnior et al. (2007) demonstra o elevado índice e a gravidade dos acidentes com ciclistas em Fortaleza, com preocupante tendência de aumento das ocorrências, o que refor-ça a necessidade de políticas públicas específicas para promover a segurança do uso da bicicleta na cidade.

Apesar disso, com a crescente consciência ambiental, aliada à necessida-de de atividade física para promoção da saúde e do bem-estar, e, ainda, pelo fato de serem baixas as alternativas de deslocamento urbano, é possível perceber dia a dia mais fortalezenses aderindo à bicicleta.

1. Infraestrutura cicloviária atual

Nos últimos anos, ainda que timidamente, vem-se investindo na promo-ção da segurança dos ciclistas em Fortaleza, principalmente com a implantação de ciclovias nos canteiros centrais de avenidas novas ou reformadas. No entan-to, como a cidade ainda carece de uma política específica para a mobilidade por bicicleta, a infraestrutura existente tem sido formada por trechos desconexos entre si e sem integração com o transporte público (Figura 3).

Figura 3: Infraestrutura cicloviária atual de Fortaleza.FONTE: Prefeitura Municipal de Fortaleza, 2013. Organização dos autores

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Em sua maioria, as ciclovias existentes são frutos de projetos isolados e sem um adequado embasamento técnico. Quando muito, trouxeram benefícios pontuais a quem já usava bicicleta. Registre-se que tais projetos não atraíram novos usuários a esse modal. A extensão total da atual rede cicloviária é de aproximadamente 70 km. Esse número, aparentemente expressivo em compa-ração com outras capitais brasileiras, está longe de ser motivo de orgulho para uma grande cidade como Fortaleza. Tal afirmação se deve ao fato de que muitos trechos da rede são inadequados para o uso da bicicleta, como será comentado mais adiante.

Entretanto, algumas ciclovias apresentam condições favoráveis de circu-lação. É o caso das avenidas ilustradas a seguir (Figuras 4 a 7).

Exemplos de trechos cicloviários em condições satisfatórias de circu-lação.

De acordo com levantamento realizado nas principais ciclovias da cidade (ARY, 2009), foram constatados diversos problemas que inibem o uso da infra-estrutura pelos ciclistas, entre os quais:

•dimensionamento inadequado (larguras estreitas);

Figura 5: Av. Godofredo MacielFONTE: Fotos dos autores

Figura 4: Av. Washington SoaresFONTE: Fotos dos autores

Figura 7: Av. Alm. Henrique Saboia (Via Expressa)FONTE: Fotos dos autores

Figura 6: Av. Bezerra de MenezesFONTE: Fotos dos autores

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•obstruções no trajeto (postes e árvores estrangulando a seção, presença de pedestres etc.);

•dificuldade de acesso e de saída da ciclovia;

•falta de continuidade;

•piso irregular;

•sinalização e manutenção deficientes.

Dos problemas citados, os mais graves são certamente os estrangulamen-tos do espaço de circulação dos ciclistas por postes e árvores. Tais condições foram causadas por falhas de projeto e/ou pela construção de ciclovias de forma inadequada, criando situações absurdas em alguns trechos, como se comprova nas Figuras 8 a 11.

Exemplos de trechos de ciclovias com espaços estrangulados.

Diante do exposto, fica fácil compreender por que cerca de 40% dos ci-clistas fortalezenses deixam de usar as ciclovias, conforme pesquisa de Maia et al. (2010). Assim, é necessário que a infraestrutura atual seja readequada e que sejam reavaliados os projetos cicloviários já desenvolvidos e ainda não implan-tados, a fim de que não se cometam os mesmos erros aqui apontados.

Figura 10: Av. Bezerra de MenezesFONTE: Fotos dos autores

Figura 11: Av. Mister HullFONTE: Fotos dos autores

Figura 9: Av. Humberto MonteFONTE: Fotos dos autores

Figura 8: Av. Rogaciano Leite FONTE: Fotos dos autores

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Outro ponto negativo que inibe o uso da bicicleta em Fortaleza é a quase total ausência de bicicletários ou paraciclos, restando aos ciclistas procurar pos-tes, árvores, grades ou outra estrutura onde seja possível encostar ou acorrentar a bicicleta.

1. O que falta para Fortaleza ser mais “ciclável”?

4.1 Plano Cicloviário

A despeito dos problemas mencionados, é possível transformar Forta-leza numa cidade mais “ciclável”. O primeiro e talvez mais importante passo é a elaboração de um plano cicloviário abrangente, em conformidade com os planos municipais de mobilidade e de desenvolvimento urbano. Ele deve ser fundamentado em estudos e pesquisas, e debatido com especialistas, com a co-munidade ciclística e com a sociedade em geral.

O principal legado do plano deve ser a concepção de uma infraestru-tura cicloviária ampla, contínua e de qualidade, que seja confortável, segura, capaz de atender à demanda atual e atrair mais pessoas para o uso da bicicleta cotidianamente. Para isso, a rede deve interligar os diversos bairros da cidade, passando por áreas residenciais, polos de emprego, centros comerciais e de ser-viços, zonas industriais, estabelecimentos de ensino, áreas turísticas e de lazer, grandes praças esportivas etc.

A rede a ser produzida deve, ainda, ser integrada aos sistemas de trans-porte coletivo, contemplando estacionamentos para bicicletas e equipamentos de apoio para ciclistas. Tais equipamentos, por sua vez, devem ser bem distri-buídos por toda a cidade, principalmente junto aos terminais de ônibus e às estações do metrô.

Os trechos da rede podem ser compostos por ciclovias e ciclofaixas ou vias e calçadas adequadas ao uso compartilhado. No entanto, tal compartilha-mento deve ser seguro tanto para bicicletas como para os veículos motorizados e pedestres. Percebe-se, assim, que não há uma solução única, mas uma grande variedade de intervenções possíveis. Em cada caso, deve-se avaliar tecnicamen-te qual é a medida mais apropriada a adotar.

É essencial considerar as características, as necessidades e as expectativas dos atuais e futuros usuários de bicicleta. Tanto no exterior como no Brasil, há diversas experiências de sucesso que podem servir de referência para For-taleza, mas devem ser levados em conta as limitações e os potenciais específi-cos da cidade, bem como a cultura local. Por isso, além de questões técnicas, é fundamental que o plano dê atenção a outros aspectos importantes, tais como segurança pública e arborização/sombreamento nos diversos trechos da rede a implantar-se.

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O plano cicloviário de Fortaleza precisa indicar claramente o que deve ser feito, estabelecendo padrões e critérios compatíveis com as recomendações dos manuais técnicos. Deve estimar custos e resultados esperados, com crono-gramas e estratégias viáveis de implantação. Também deve indicar seus respon-sáveis e as fontes de recursos para implantar suas ações. Além da expansão da rede, é necessário que o plano preveja diagnósticos e a requalificação da infra-estrutura atual.

No entanto, é preciso ficar claro que mesmo a criação de uma excelente rede cicloviária não será suficiente para atender a todos os deslocamentos por bicicleta em uma grande cidade como Fortaleza. Por mais abrangente que seja a infraestrutura, os ciclistas continuarão necessitando utilizar as demais vias, mesmo sem tratamento específico.

Por isso, além da criação da rede, o plano cicloviário deve recomendar outras ações ainda pouco adotadas em Fortaleza, que podem tornar mais har-mônica a convivência da bicicleta com os veículos motorizados no sistema viá-rio como um todo, por exemplo:

•identificação e divulgação de rotas mais seguras, onde seja viável o compartilhamento com outros modos de transporte;

•medidas de moderação do tráfego (implantação de lombadas físicas, passagens e cruzamentos elevados, estreitamento ou quebra de continuidade de vias etc.);

•redução dos limites máximos de velocidade (com limitação para 30 km/h em vias secundárias);

•reforço da sinalização e campanhas educativas para elevar o nível de atenção e respeito dos usuários motorizados em relação aos ciclistas, principalmente nas vias de maior fluxo e nos locais com maior índice de acidentes envolvendo bicicletas;

•maior divulgação do Código de Trânsito Brasileiro, principalmente dos artigos relacionados aos direitos e deveres dos ciclistas.

Com todas essas ações postas em prática, a bicicleta tem grande potencial para tornar-se uma opção viável a todos que desejarem usá-la cotidianamente como meio de transporte em Fortaleza.

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4.2 Gestão do transporte não motorizado

Para gerir as medidas em prol dos ciclistas, Fortaleza necessita de uma unidade específica na estrutura municipal, com profissionais que, além de ca-pacidade técnica, tenham comprometimento e sensibilidade para considerar as demandas e os anseios de quem usa a bicicleta.

Essa gerência poderia ficar responsável também pela promoção de me-lhorias aos pedestres, planejando conjuntamente as ações relacionadas ao transporte não motorizado. É importante, ainda, definir a origem dos recursos necessários à efetivação de suas ações, tais como a destinação de um percentual das multas de trânsito, entre outras fontes.

5. Conclusões e recomendações

É chegada a hora de Fortaleza saldar sua dívida com a bicicleta. A cidade precisa urgentemente de ações concretas para elevar o patamar desse modal, reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como símbolo do transporte sustentável no Planeta.

São imprescindíveis planejamento, competência e coragem para mudar a situação atual. A implementação do plano cicloviário pode provocar resistên-cias a princípio, mas os benefícios serão notórios e inquestionáveis com o passar do tempo. Diversos exemplos nacionais e internacionais estão aí para servir de referência.

Nenhuma obra, porém, alcançará pleno êxito se não houver profunda mudança de mentalidade dos fortalezenses com relação à bicicleta. Assim, é fundamental que haja grande e contínua campanha de respeito, valorização e incentivo ao seu uso, promovendo-a como veículo eficiente e viável de transpor-te para curtas e médias distâncias, benéfico à cidade, ao meio ambiente e à saúde física e mental de seus usuários.

Referências

ARY, M. B. Avaliação da qualidade das ciclovias de Fortaleza. In: XVII Congresso brasileiro de transporte e trânsito, ANTP, 2009, Curitiba, PR.

MAIA, C. M.; MOREIRA, M. E. P. Caracterização dos deslocamentos de ciclistas e fatores que influenciam suas viagens em Fortaleza-CE. In: XXIV ANPET - Congresso de pesquisa e ensino em transportes, 2010, Salvador, BA.

MOREIRA, M. E. P. et al. Proposta de rede cicloviária para a cidade de Fortaleza-CE.

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OLIVEIRA JÚNIOR, J. A.; ALMEIDA, T. A.; PAULA, F. S. M. Acidentes de trânsito do transporte não motorizado por bicicleta na cidade de Fortaleza. In: XVI Congresso brasileiro de transporte e trânsito, ANTP, 2007, Maceió, AL.

SEMOB. Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta – Bicicleta Bra-sil. Caderno de referência para elaboração de plano de mobilidade por bici-cleta nas cidades, Brasília, 2007.