Capitulo 1 não se jogue

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“Estar com ela era como ter meu estômago esmagado inúmeras vezes e gostar disso. Seus olhos verdes me encaravam e desvendavam a minha alma de uma maneira surreal. A lente da minha câmera a amava em todos os aspectos. Ela era a minha droga favorita e mais prejudicial, porque não existia um manual de como amar alguém. Ela me destruiu em milhares de pequenos pedaços, tive que juntar meus restos, ainda assim toda vez que meu corpo se unia ao dela, eu pedia imensamente por mais. - Edgar Assis.

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“Estar com ela era como ter meu estômago esmagado inúmeras vezes

e gostar disso. Seus olhos verdes me encaravam e desvendavam a

minha alma de uma maneira surreal. A lente da minha câmera a

amava em todos os aspectos. Ela era a minha droga favorita e mais

prejudicial, porque não existia um manual de como amar alguém. Ela

me destruiu em milhares de pequenos pedaços, tive que juntar meus

restos, ainda assim toda vez que meu corpo se unia ao dela, eu pedia

imensamente por mais.

- Edgar Assis.

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Capitulo 1: Não se jogue.

Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem, vai ficar tudo imensamente bem. Ela

repetia inúmeras vezes a frase dita por Bea, sua irmã, no momento mais

difícil da vida. Ela estava se mudando para longe. Uma cidade do interior de

São Paulo, poucos habitantes. Passaria as férias por lá, talvez moraria. Os

olhos verdes olhavam intensamente para fora do carro em movimento, o

cabelo castanho escuro mediano bagunçado, a pele branca sentia o frio mais

rigoroso que estava passando pelo estado em julho de 2016. Beatriz, para os

íntimos Bea, dormia profundamente ao seu lado no banco traseiro do carro,

chegava a roncar em breves momentos. O coração da jovem ao lado estava

pesado como se carregasse milhares de tijolos vermelhos nele, a angústia era

a sua melhor amiga e a tristeza fazia visitas a todo momento.

- Estamos quase chegando. – Mencionou o pai que dirigia atento a estrada

escura. Anna apenas sorriu tentando parecer não forçar muito alguma

simpatia. Não queria estar ali, não queria ter que abandonar Santa Catarina

para morar em uma cidade que até ontem era apenas para passar as férias.

Por outro lado, queria deixar a amarga lembrança da tragédia vivida para

trás. Há uma semana ela tinha visto o pai na cama com a tia por parte de mãe.

Aquela imagem repetia-se em sua mente da mesma forma que se repetia o

dia em que sua mãe morreu. Era uma história a parte, algo sombrio que

ocorreu há dois anos quando ela estava para completar 17 anos. Naquele

momento chegando aos seus 19 e perdido o ano, não sabia lidar com todos

os sentimentos turvos que o seu coração carregava. Essa era Anna, a garota

pela qual a câmera de um fotógrafo se apaixonou.

...

Monterrey era uma cidade de interior com vislumbres de prédios históricos

dos séculos 18 e 19, o passado fazia contraste com o futuro apresentado em

casas bem planejadas e sofisticadas. No centro da cidade os prédios se

alternavam entre o novo e o velho. Restaurantes ainda usavam a capa das

discotecas e pubs dos anos 80 como decoração, enquanto algumas baladas

reforçavam o eletrônico com decorações futuristas e de última geração. Era

uma cidade única que não ficava tão no interior de São Paulo. Pelo contrário,

não demorava muito para chegar na capital, apenas uma hora de carro. Não

era muito conhecida, mas habitava cerca de 20 mil habitantes e carregava

consigo uma renda muito boa. Antigamente, a família de Anna costumava

passar as férias por lá, pois sua mãe era dessa pequena cidade e era mais um

caso da menina que saiu do interior para se deslocar para a capital quando

começou a faculdade. Em algum momento dessa vida maluca seu caminho

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se desviou de percurso, ela casou com o namorado de faculdade e se mudou

de vez para Santa Catarina deixando para trás o pai orgulhoso e uma irmã

que não havia saído da cidade. Olhar para Anna era como ver a imagem de

Cíntia sendo refletida em um espelho de maneira surreal, os mesmos olhos

verdes que escondia segredos da alma, o mesmo sorriso tímido e a pele

branca, mas não tão pálida similar à de sua mãe. Era impecável a semelhança.

Cíntia havia partido deixando no mundo sua imagem e semelhança concreta.

Não tinha muito do pai, pra ser mais sincero, não tinha absolutamente nada

do Rodrigo, seu pai, e aquilo não a perturbava nenhum um pouco. Por outro

lado, Bea era inteira seu pai, cabelo cacheado preto e comprido, pele branca

rosada e olhos castanhos escuro, era simpática ao extremo e tinha o maior

cuidado com Anna por ser mais velha que ela. Beatriz havia passado na OAB

e estava a todo vapor para passar em um concurso para ser juíza, iria passar

as férias em Monterrey antes de voltar aos estudos constantes.

- Chegamos. – Disse Rodrigo ao estacionar em frente a um sobrado antigo,

porém conservado. Era onde morava Susane, tia de Anna e Bea, e sua filha

de 16 anos, Lorena. As duas estavam esperando na varanda térrea da casa.

Rodrigo chamou por Anna que havia adormecido e em seguida a mesma

acordou Bea. Todos desceram do carro.

- Vocês demoraram. – Disse Susane ao se aproximar de Rodrigo para beijá-

lo, porém ele apenas a abraçou brevemente.

- Não é uma viagem muito curta, diga-se de passagem. – Rodrigo sorriu.

- Tem razão. Vamos, entrem. Fiz um café reforçado para vocês. – Todos

entraram na casa e um silêncio inquietante tomou conta. Sentaram-se a mesa

por alguns minutos e apreciaram o café da manhã feito como uma simples

oferta de paz. Anna mal encostou em sua comida, porém não desistia da

xícara de café, já bebia a sua quarta.

- Eu e o Rodrigo vamos ao centro da cidade resolver algumas pendências

minhas. – Susane se levantou e Rodrigo fez o mesmo. – Fiquem à vontade.

Lorena irá mostrar o quarto de vocês e se por acaso o rapaz das fotos chegar,

entregue o dinheiro para ele, Lore. – Rodrigo tentou se despedir de Anna,

mas ela simplesmente não o olhou. Bea acabou por dizer tchau pelas duas e

assim o casal deixou a casa.

- Aposta quanto que eles vão para um motel. – Reclamou Anna e Bea se

engasgou com o suco.

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- Anna! – Brigou Bea e a campainha tocou. Lorena levantou-se para atender

a porta. Era o rapaz das fotos que ficou na sala esperando Lorena buscar o

dinheiro no escritório da mãe. – Você não deveria ter dito aquilo.

- A verdade está aqui para ser dita. – Retrucou Anna.

- A Lorena...

- Você acha que ela se importa? Ele é mil vezes melhor que o pai dela que

traía a tia sempre que podia. Por pouco essa história toda não vira um filme.

– Anna revirou os olhos.

- O Stevão quer te ver. Ele vai comemorar o aniversário em uma boate no

centro da cidade e nos convidou. – Bea tentou mudar de assunto.

- Dispenso. – Anna levantou-se e serviu mais café para si mesma. Ao desviar

seu olhar para sala notou que alguém a olhava. Era o moço que aguardava

Lorena. Anna não o notou muito bem e voltou seu olhar para Bea.

- Eu não aceito um não como resposta! – Bea levantou. – São nossas férias,

Ann. Não faça isso, não se coloque nesse maldito casulo imaginário

novamente.

- Não acho que tenha algo de errado com a minha solidão, Bea.

- Esteja pronta as noves, Ann. É uma ordem. – Bea saiu da cozinha batendo

o pé sem olhar para trás. Ela tinha dessas coisas, não sabia lidar com os não

de Anna.

- Achei seu dinheiro. – Disse Lorena gritando do escritório e saindo dele. –

Você aceita uma xícara de café? – Perguntou ao rapaz que apenas sorriu e

entrou na cozinha acompanhado dela. Anna tinha seu olhar intacto na parede

do canto da cozinha que estava descascando. Lorena serviu café para o rapaz

que olhava Anna incansavelmente. – Anna! – Gritou Lorena e Anna saiu do

transe. – Você não disse nada de útil até agora. – Riu. - Está se fazendo de

louca de novo?

- Não é da sua conta. – Anna olhou para o rapaz que a encarava com os olhos

castanhos curiosos. Ela reparou brevemente na calça jeans rasgada dele, na

blusa vermelha regata desbotada e no corte profundo em seu braço.

Carregava no antebraço também uma tatuagem de caveira mexicana bem

elaborada e dependurada no pescoço uma câmera fotográfica. Ele sorriu ao

encontrar o olhar de Anna e ambos ficaram sem graça. Ele passou a mão pelo

cabelo preto cacheado mediano e pensou em dizer algo, mas foi

interrompido.

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- Me diz Anna... Você ainda lembra da maluca da sua mãe? – Questionou

Lorena e Anna estremeceu.

- Lorena. – Disse o rapaz. – Meu pagamento, por favor. – Anna colocou a

xícara cheia de café sobre a mesa e saiu da cozinha em direção ao jardim dos

fundos. Lorena se divertia por dentro por ter causado alguma angústia na

prima.

- Aberração. – Disse Lorena rindo e entregando ao rapaz o dinheiro.

- Você é doente, Lorena. – O rapaz guardou o dinheiro, saiu da casa sem ao

menos se despedir de Lorena e procurou todo instante Anna, subiu em sua

moto e quando ajeitou o capacete conseguiu vê-la chegando na parte da

frente da casa fumando um cigarro. Ele respirou fundo, sua vontade era

largar de mão do compromisso que tinha e ficar com aquela menina de olhos

confusos, mas acabou fazendo oposto disso.

...

- Eu queria saber se você podia me emprestar aquela saia de couro preta. –

Disse Bea batendo a porta e entrando no quarto. Anna estava diante do

espelho se olhando e tentando achar bonito aquela calça de couro preta, o top

azul marinho e a bota de cano e salto alto preta. A maquiagem do seu rosto

pesada dava destaque aos seus olhos que estavam mais verdes do que nunca,

o cabelo bagunçado de um jeito sensual a deixava mais linda do que de

costume. – Uau! – Bea estava maravilhada no quanto Anna tinha se

esforçado. – Você me empresta a saia?

- Claro. – Anna sorriu e Beatriz a abraçou, as duas se olharam diante do

espelho abraçadas.

- Eu fico feliz que você vai com a gente hoje. Nós iremos no Anexo. Você

lembra de quando nós sonhávamos que teríamos idade de ir lá?

- Sim. Éramos idiotas.

- Éramos adolescentes querendo beijar. – Bea sorriu. – Ele está ansioso que

finalmente vocês vão se ver. Você vai encerrar o lance do tempo essa noite,

não é?

- Eu não estou pronta para voltar a ser a namorada dele, Bea. Ou seja lá o

que eu fui.

- Vocês pertencem um ao outro, Ann.

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Não, não era isso que Anna sentia pelo Stevão. Um dia, em um verão que ela

passou em Monterrey com os pais, conheceu a família desse jovem rapaz

alto de sorriso largo e cabelo loiro comprido. Ele era filho do prefeito e tinha

a simpatia que muitos elogiavam. Foi paixão à primeira vista, aqueceu o

coração por uma noite ou duas, mas depois esfriou. Eles tentaram conciliar

um namoro a distância, mas os quilômetros longe foram esmagadores para

dois jovens com 15 anos cheios de hormônios. Eles prometeram que sempre

ficariam juntos caso se encontrassem e estivessem sozinhos e assim foi

durante um tempo. Ele foi o primeiro a tocá-la, foi o primeiro a beijá-la, o

primeiro a dizer que a amava e não esquecia das noites que havia passado ao

lado dela, de cada toque, de cada respiração ofegante compartilhada, de cada

transa, mas o coração de Anna não era mais aquecido pelo amor do Stevão

como antes, pois estava pesado demais desde que perdera a mãe. De fato,

vale dizer que ele estava congelado. Nada mudava aquilo. Anna era incapaz

de sentir qualquer coisa além de dor.

Beatriz e Anna terminaram de se arrumar e foram de encontro a Stevão que

as esperava em seu carro junto com seu amigo Roy. Eles se deslocaram para

um pub no centro da cidade chamado Anexo. O pai delas não se importava

que elas saíssem com eles, ao contrário, esperava que a filha aceitasse as

investidas de Stevão para que se ajeitasse na vida. Durante o trajeto apenas

Bea e Roy falavam alguma coisa. Anna olhava intensamente a paisagem por

fora do carro e se perguntava a todo o momento o que estava fazendo ali, ao

lado daquele menino que um dia ela havia gostado. Ao chegarem no local,

desceram do carro e entraram no pub sem pegar fila. Stevão era conhecido

por toda a cidade por conta do seu pai ser um grande proprietário de terras e

ter parcerias com indústrias, além de ser o prefeito. Por isso ele tinha passe

livre pelos lugares e todos o contemplavam.

- Eu vou buscar algumas bebidas para nós. – Disse Stevão no ouvido de

Anna. Ela e Bea subiram para o camarote e se sentaram em bancos para

prestigiar o show de uma banda que fazia cover de músicas de rock e algumas

pop. A casa noturna estava lotada, pessoas se beijando e dançando ao som

da banda. Anna olhava para elas e se sentia desconfortável diante daquilo.

- Olha ali! – Gritou Bea apontando para um rapaz tirando fotos no meio da

multidão. – Ele foi lá em casa hoje, lembra?

- Não. – Gritou Anna.

- Como você não lembra? Ele não tirava os olhos de você. Ouvi dizer que

ele tem 24 anos. – Beatriz riu e Anna deu de ombros olhando para o rapaz. –

Essas músicas não dão para dançar até o chão. – Reclamou.

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- Não são para dançar, Bea. São para serem sentidas!

- Desculpa aí. – As duas riram. – Acho que vou beijar o Roy. Ele ficou me

olhando o tempo todo no carro. Assim eu posso esquecer o Leandro. –

Leandro era o namorado de Beatriz desde o colégio, os dois fizeram Direito

juntos e ele havia traído ela com sua melhor amiga que não vale a pena

mencionar o nome.

- Você vai se sentir bem amanhã se fizer isso?!

- Qual é, Ann. Eu não transo há um mês, preciso ser um pouco louca igual a

você, não acha?

- Você é a romântica, não faz seu estilo.

- Quem sabe eu não mude meu estilo. – As duas riram novamente.

Anna entornou algumas doses da vodka que Stevão havia comprado e de

olhos fechados sentia as músicas invadirem seu coração. Em algum

momento a banda tocou Heroes do David Bowie e ela se sentiu em casa pela

primeira vez naquele dia. Stevão tentava a todo momento alguma

aproximação, mas Anna permanecia de olhos fechados. Beatriz e Roy

tentavam conversar ao som da música alta, mas era quase impossível. Aos

poucos Beatriz soube que não iria beijá-lo, porque ele não compartilhava dos

mesmos ideais que ela. Por mais que tentasse dizer a si mesma que podia ser

um caso de uma noite, no final de tudo não iria acontecer. É como Anna

havia dito anteriormente, ela era uma eterna romântica e isso não mudaria

por conta de um ex-namorado idiota.

...

Anna olhava o chão do alto do terraço da casa noturna. Ela estava de pé na

beira e apreciava seu cigarro que estava chegando ao fim. Ela havia fugido

dos olhares cuidadosos de Bea e das investidas de Stevão assim que lembrou

de sua mãe durante uma música tocada pela banda. Na beira daquela espécie

de precipício ela se perguntava constantemente o que aconteceria se jogasse

dali. Sua alma descansaria? Queimaria no inferno? Vagaria pelo resto da

eternidade? Ela sentiria alguma coisa? Sua dor e angústia iriam embora?

Sentiriam a sua falta? As vozes dos seus sonhos ainda iriam lhe perseguir?

Sua mente fazia perguntas cuja as respostas eram incertas ou até mesmo

ausentes. Ela simplesmente não sentia vontade de viver.

- Droga! – Disse um rapaz ao notar a altura do lugar. Anna se assustou e ele

segurou sua mão para que ela não caísse. – Quase hein. – Anna se sentou na

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beirada, jogou o resto do cigarro fora e voltou seu olhar furioso para o rapaz.

Era o mesmo rapaz que ela havia visto naquele dia mais cedo.

- Você se importa de ir embora? - Esbravejou.

- Sim. Aqui é meu lugar de fumar. – Sorriu e mostrou o baseado aceso. – Eu

preciso de um descanso depois de tirar um monte de foto superficial daquele

bando. Você se importa de se matar depois que eu terminar minha brisa?

- Sim. – Anna retrucou rispidamente.

- Então temos um problema, porque se você se jogar vão achar que eu te

deixei louca e por isso se matou. Não posso ser preso, tenho um filho para

sustentar, moça.

- Dane-se! – Anna gritou.

- Ok. – Ele começou a mexer na câmera fotográfica que estava dependurada

em seu pescoço. – Posso tentar te mostrar uma coisa antes de você abraçar a

morte? – Ele jogou o baseado fora.

- O que é? – Ele mostrou uma foto dela na cozinha enquanto ela olhava para

a parede desbotada.

- Não queria dizer nada, mas minha câmera se apaixonou por você. – Sorriu.

– Isso não costuma acontecer.

- Por que você está fazendo isso? – Anna olhou para ele sem ódio dessa vez.

- Porque eu queria que você posasse pra mim, mas não posso fazer isso com

um cadáver. – Os dois riram. - Se você quiser se matar depois, eu não dou a

mínima, mas não priva minha câmera de contemplar esses olhos. – Sorriu. –

Vamos embora daqui. Hoje não é o seu dia de morrer, Anna. – Ele ajudou

Anna a descer e a segurou em seus braços por alguns segundos. Nesse curto

período de tempo ela pode sentir um calor gostoso que há tempos não sentia.

O toque dele havia causado arrepio em cada canto do seu corpo.

- Vamos então. – Disse Anna se afastando dele e passando a mão em seus

braços.

- Sério? – Ele tirou a jaqueta de couro preta e a colocou nela que o encarou

surpresa.

- Vamos fazer essas malditas fotos. – Disse Anna revirando os olhos.

- Eu me chamo Edgar, a propósito.

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Eles fugiram pelos fundos do lugar, subiram na moto velha do rapaz que

estava estacionada e rodaram pelas ruas da cidade até chegarem ao prédio

antigo em que ele morava um pouco afastado do centro situado na rua

Solitude. Ao entrarem no prédio deram de cara com uma senhora baixinha

de sorriso acolhedor que abraçou o rapaz.

- Finalmente você apareceu, Edgar. – Brigou com ele e Anna riu.

- Estive ocupado com alguns trabalhos esses dias, Lucy. – Sorriu.

- Trabalho ou você estava usando aquelas porcarias? – Ela soltou Edgar e

apertou seu rosto com a mão checando para ver se ele estava com os olhos

vermelhos.

- Eu estou bem, querida. – Abraçou Lucy novamente.

- Você sempre diz isso. – Ela apertou Edgar ainda mais. – Marley não parou

de chorar desde ontem. – Eles se soltaram.

- Irei cuidar dele. - Edgar sorriu e Anna pode reparar no quanto aquele sorriso

lhe parecia bonito. – Tenha uma boa noite, Lucy. – Ele beijou o rosto da

senhora delicadamente.

Edgar e Anna subiram de escada até o segundo andar e entram no

apartamento. Anna olhava ao redor e notava cada detalhe do lugar. Era um

lugar bagunçado, roupas espalhadas pelo chão, fotos dependuradas que

mostravam mulheres nuas, pessoas aleatórias e paisagens tiradas por ele. Não

era muito grande, haviam apenas dois quartos, sala, cozinha e banheiro. As

paredes estavam desbotadas e o teto um tanto manchado. No centro da sala

havia uma mesinha de centro com um violão sobre ela assim como havia

cocaína e algumas bitucas de cigarro. Na cozinha a louça suja transbordava

e pedia arrego, sobre a mesa estavam algumas garrafas de whisky. A porta

entre aberta do quarto dele deixava à mostra uma cama por fazer e mais

roupas espalhadas pelo chão. Um filhote de labrador preto apareceu de súbito

e acabou por assustar Anna.

- Marley! – Gritou Edgar pegando o filhote no colo. – Quer dizer que você

esteve chorando todos esses dias? – Ele abraçou bem forte o cachorro.

- É uma referência ao filme? – Questionou Anna.

- Não. Ao cantor mesmo. – Os dois riram e Edgar colocou o cachorro de

volta no chão.

- Você pode se trocar no estúdio, lá existem algumas roupas diferentes ou

você pode ficar assim que está ótimo.

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- Essas mulheres que estão por toda a parte, elas são modelos?

- São mulheres com quem eu dormi. Elas pediram para que eu tirasse as fotos

e as eternizassem. Algumas eu desenhei em um caderno de rabisco que eu

tenho. – Ele colocou as mãos nos bolsos da calça em um gesto tímido.

- Então você é uma espécie de artista?

- Eu sou uma espécie de perdido no mundo. Olha só esse apartamento, Anna.

- Não há nada de errado com ele. – Anna caminhou até o estúdio e encostou

a porta. Edgar acendeu um cigarro, preparou a câmera e aguardou até que ela

o chamasse. Ele notou que ela colocou para tocar The XX em seu celular e

sorriu. Anna saiu do quarto apenas vestindo a jaqueta de Edgar que ficou um

tanto surpreso. – Não vamos fugir da regra, vamos? – Ela jogou o celular

sobre o sofá e ele ainda tocava a música, era uma playlist da banda com

música como Together, Angels, Intro, entre outras. – Eu não quero ficar

naquele estúdio. – Anna caminhou até Edgar, pegou o cigarro de sua boca e

passou a fuma-lo. – Eu quero estar em cada canto dessa sua bagunça.

As fotos foram tiradas. Anna posou em cada canto daquele pequeno

apartamento, ora usando a jaqueta de Edgar, ora completamente nua. Ela não

precisava se esforçar para parecer algo proibido, os olhos verdes e o cabelo

castanho bagunçado realçavam o que Edgar tentava não sentir. Ele pensava

a todo momento em que havia se metido já que aquela estranha despertava

nele um desejo ardente, mas ele não podia tocá-la a menos que ela pedisse e

Anna dava indícios que estava pouco se importando para o olhar de desejo

dele. Era tudo um jogo para ela, estar ali sendo desejada por ele através da

lente da câmera era algo que a aquecia e aquilo lhe fazia bem. Naquele

momento ela estava feliz de não ter se jogado do alto daquela casa noturna.

Ela sorria, mordia o lábio, jogava seu cabelo diante do rosto e depois o tirava

tentando parecer delicada, deitava no sofá, sentava na mesinha de centro,

sentava na bancada da cozinha de pernas abertas e sorria diante da câmera.

Era inegável a paixão que a câmera dele sentia por ela e aquilo massageava

o ego da jovem de 19 anos. A última foto tirada foi na cama de Edgar. Anna

ficou de joelhos sobre a cama, colocou parte do cabelo para cobrir a metade

do rosto e olhou misteriosamente para a câmera mordendo o lábio.

- Acho acabamos. – Edgar tirou a câmera do rosto e a colocou de lado sobre

a cômoda. – As fotos ficaram ótimas.

- Então terminamos?

- Sim.

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- Ótimo. – Anna levantou da cama e pegou o celular na sala para checar a

hora, eram 2 horas da manhã.

- Se você quiser, pode dormir aqui e ir embora amanhã. Eu fico na sala e

você no quarto. – Edgar sorriu aparecendo na sala. – Eu vou tomar um banho,

tem algumas roupas minhas espalhadas pelo chão, acho que até tem alguma

coisa de uma garota que dormiu aqui há uma semana. Você pode...

- Eu me viro. – Anna sorriu. Edgar caminhou até o banheiro já tirando a

camisa e encostou a porta. Anna sentiu vontade de ir atrás dele, uma

curiosidade que consumia seu corpo. Ela pôde ouvir o barulho do chuveiro

ligado e isso só aumentava o desejo de entrar naquele banheiro. Ela

caminhou até a porta e pensou duas vezes no que aquilo resultaria para

ambos, tirou a jaqueta que usava e a jogou no chão. Entrou no banheiro e

Edgar ficou surpreso ao vê-la, trancou a porta e se aproximou dele que

permanecia imóvel admirando o corpo dela. Ele até tentou dizer algo, mas

ela colocou o dedo em sua boca impedindo que ele dissesse algo. Edgar se

encostou na parede do box e Anna olhou para o corpo do rapaz todo definido

molhado com aquela água quente formidável. Ela beijou a tatuagem dele

olhando para desespero de Edgar que sequer a tocava. Ele já podia imaginar

o que faria com ela, seu coração estava disparado e ele desejava imensamente

estar dentro dela. Anna o beijou mordendo seu lábio e depois foi para

debaixo do chuveiro. Ao ver Anna nua debaixo da água, Edgar não se

conteve mais e a agarrou sem pudor. Ele a colocou contra a parede e passou

a mão por cada canto do corpo dela. Anna podia sentir o calor tomar conta

do seu corpo, não estava mais no automático como havia estado com outros

rapazes nos últimos meses. Edgar a mordia, sugava, beijava e a deixava cada

vez mais envolta em um prazer inarrável. Os olhos verdes encontraram os

olhos castanhos e ele finalmente estava dentro dela. Ela estava pronta pra ele

e vice-versa. Os gemidos esbravejavam o prazer sentido nos movimentos que

ambos os corpos faziam, chegava a ser uma sinfonia de desejo pulsando em

ambos e sendo colocada para fora da maneira mais maravilhosa possível. E

foi de pé naquele banheiro grotesco, molhada pela água daquele chuveiro,

com Edgar entrando e saindo dela, fazendo o proibido por muitos com aquele

desconhecido que Anna sentiu seu coração descongelando.

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