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CAPÍTULO 5
Considerações sobre a geometria para os anos iniciais
do ensino fundamental
João Bosco Pitombeira Fernandes de Carvalho
Paulo Figueiredo Lima
A geometria ocupou um lugar de inegável destaque na evolução do
conhecimento e, por isso, sempre foi importante o ensino desse ramo da Matemática.
Nos capítulos precedentes procuraramos mostrar aspectos desse ensino, em especial a
partir do século XIX. A geometria nasce nos primórdios da história humana e, como
todo saber, desenvolve-se em permanente interação com o contexto social. As primeiras
grandes civilizações possuíam muitas informações de natureza geométrica e as
aplicavam para desbravar, conhecer e controlar os diversos fenômenos. Sabiam
construir figuras planas e espaciais, além de calcularem comprimentos, áreas e volumes.
Esses conhecimentos atendiam a necessidades socioeconômicas e culturais, tais como
medição de propriedades rurais, construção de edificações, desenho de ornamentos etc.
Não há registros históricos, no entanto, de que esses conhecimentos fossem
sistematizados. Assim, eles permaneceram como saberes e procedimentos práticos
pouco articulados entre si. Foi na civilização grega dos séculos 7 a.C. a 3 a.C. que, ao
lado de serem utilizados os conhecimentos práticos, foram dados passos decisivos para
a organização da geometria como ciência dedutiva. Esse período é caracterizado pelo
início do emprego do método axiomático, que se tornaria o método científico de
sistematização da Matemática. De modo muito simplificado, podemos dizer que tal
método consiste em adotar conceitos primitivos (conceitos não definidos, tais como
ponto, reta e plano) e axiomas (proposições não demonstradas, como “Por dois pontos
passa uma única reta”). Com base nesses elementos, por via puramente lógica, são
definidos conceitos derivados (por exemplo: ângulo, quadrado etc) e são deduzidas
proposições que são os teoremas, como o Teorema de Pitágoras).
2
Uma das razões da importância da geometria é sua presença constante em nosso
dia a dia. Já nos primeiros meses de vida, as crianças iniciam-se no aprendizado dos
movimentos e o reconhecimento dos objetos do espaço em seu redor. O
desenvolvimento motor e cognitivo posterior vai permitir as pessoas exercitarem
competências geométricas cada vez mais elaboradas de localização, de reconhecimento
de deslocamentos, de representação de objetos do mundo físico, de classificação das
figuras geométricas e de sistematização do conhecimento nesse campo da Matemática.
Além disso, na sociedade atual, em que a ciência e as tecnologias desempenham
um papel central, a formação em geometria em seus estágios mais avançados torna-se
um imperativo para um contingente cada vez maior de profissionais. E, como sabemos,
a aquisição de competências mais complexas em geometria é muito favorecida por uma
formação adequada desde os anos iniciais de escolarização.
Ao aceitarmos a premissa da importância do ensino da geometria no ensino
fundamental, em particular nos anos iniciais, surge o desafio de examinar os problemas
didáticos com os quais se depara o(a) professor(a) na sala de aula de Matemática.
Contudo, nos limites deste capítulo, não é possível abranger, nem de longe, todo o
campo da geometria escolar. Fizemos, então, a escolha de abordar alguns temas que
julgamos úteis para o(a) professor(a) dos anos iniciais do ensino fundamental.
Nos temas selecionados e, também, nos comentários presentes neste capítulo
podem ser reconhecidas várias tendências das novas orientações didáticas que surgiram
e se desenvolveram em nosso país nas duas últimas décadas, em grande parte pela
atuação da comunidade de Educação Matemática, que se faz presente em programas de
formação de professores, em pesquisas, e na publicação de livros e artigos científicos.
Além disso, tais tendências têm sido expressas em vários documentos oficiais
elaborados nos três âmbitos do sistema educacional – nacional, estadual e municipal.
Destacamos, em especial, o impacto dos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil,
1996) na renovação do ensino da Matemática no ensino fundamental. Outro instrumento
importante de difusão das novas tendências foram os livros didáticos produzidos no
período. Sobre estes últimos, serão tecidas muitas das considerações do presente
capítulo.
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Um preliminar teórico
No ensino inicial, tem sido recomendado que procuremos valorizar a geometria
associada a movimentos corporais – giros, mudanças de direção ou de sentido, entre
outros – além de incentivar atividades de manuseio e de visualização de objetos do
mundo físico. São também consideradas importantes as atividades que envolvam as
representações gráficas – desenhos e imagens – desses objetos. Essas experiências
constituem-se nas primeiras explorações e abstrações do espaço, que são fundamentais
para a aprendizagem da geometria. Em particular, aquelas que envolvem as
representações gráficas vão acompanhar o ensino e a aprendizagem durante toda a
formação em geometria. Outras entidades presentes no trato com a geometria são os
termos da linguagem verbal que são relacionados, de forma intrínseca e constitutiva, aos
objetos acima mencionados. Nesse complexo domínio, o da linguagem, há um leque
amplo de possibilidades que se estende desde a linguagem materna coloquial, até a
linguagem matemática simbólica. Na sala de aula, tanto dizemos: “Observe este
triângulo que desenhei no quadro”, como escrevemos: “A reta r é perpendicular à reta
s”. Neste último caso, podemos também utilizar, em fases mais adiantadas da
escolaridade, a notação simbólica: "sr" ⊥ .
As experiências do mundo físico – movimentação, manuseio, visualização e
representação gráfica – todas envolvendo a percepção sensorial, são fundamentais para
o ensino e a aprendizagem da geometria. Mas, além delas, é imprescindível que,
simultânea e progressivamente, sejam propostas, aos alunos, atividades que favoreçam o
ensino e a aprendizagem dos conceitos matemáticos associados aos fenômenos e aos
objetos físicos, bem como às suas representações. Tais conceitos, e as relações entre
eles, fornecem modelos abstratos de objetos do mundo físico ou de representações
gráficas de objetos físicos. Esses modelos – que são objetos matemáticos - fazem parte
do conhecimento matemático sistematizado que deve ser adquirido ao longo das várias
fases da escolaridade. Alguns desses objetos matemáticos são as denominadas figuras
geométricas: ponto, reta, plano, semirreta, triângulo, polígono, cubo, cilindro e muitos
outros. Relações entre esses objetos são, por exemplo: paralelismo, perpendicularidade,
semelhança, simetria, e tantas outras.
4
Nos parágrafos anteriores, foram mencionados quatro tipos de entidades,
distintas, mas intrinsecamente relacionadas entre si: os objetos físicos; os objetos
gráficos; os objetos geométricos; e a linguagem verbal ou simbólica. O desenho que
segue permite uma visualização dessas ideias:
Figura 1
Consideremos, como exemplo de objeto físico, um dado de jogar. Esse dado ou
o objeto gráfico a ele associado (desenho ou imagem gráfica) podem ser associados a
um modelo abstrato, o objeto matemático denominado cubo. O dado ou a representação
gráfica são perceptíveis pelos sentidos, mas o cubo, que é uma entidade ideal, concebida
com base em definições e em raciocínios lógicos. Com o uso das linguagens (verbais ou
simbólicas) designamos as citadas entidades e, mais ainda estabelecemos as conexões
entre essas entidades.
A passagem do físico, perceptível e palpável, para o abstrato, é um dos objetivos
centrais do ensino e da aprendizagem da geometria, e isso nunca deve ser perdido de
vista. Convém observar que os objetos gráficos – desenhos e imagens – constituem-se
em um importante nível intermediário de abstração entre os objetos físicos e as
entidades puramente matemáticas. Vale lembrar, também, que os objetos abstratos
podem ser concebidos mentalmente, mas só podem ser representados imperfeitamente
em duas ou três dimensões.
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Uma observação a ser feita sobre linguagem é que, em muitas situações,
empregamos os mesmos termos para designar ora o objeto físico, ora sua representação
gráfica, ora o conceito matemático. Um professor pode dizer “O cubo cinza é o último
da pilha”, ao chamar a atenção para o desenho de vários cubos. Uma pessoa pode pedir
que coloquem “quatro cubos de gelo” no seu copo com água. No primeiro exemplo, o
professor está se referindo ao desenho de um cubo e não a um cubo; no segundo caso,
os cubos de gelo são objetos físicos e não um conceito matemático.
Devemos ter presente que não há nenhum erro no emprego dos termos
mencionados no parágrafo anterior, pois o contexto em que são usados, quase sempre,
tira a ambiguidade que possa surgir. O que importa é que, em sala de aula, o professor
saiba, em cada caso, a que tipo de objeto os termos se referem. Afinal, no seu cotidiano,
as crianças estão familiarizadas com o emprego das mesmas palavras para designar
coisas diferentes.
A ideia de dimensão em geometria
As primeiras experiências sensoriais produzem, nos seres humanos, a percepção
de um mundo tridimensional. Os deslocamentos no espaço, as impressões visuais e
táteis na presença dos objetos do mundo físico, progressivamente vão constituindo, em
nós, a noção de um espaço ambiente tridimensional. Em um exercício mental, podemos
ser conduzidos a imaginar que podemos nos mover, a partir de um ponto no seu interior,
no máximo, em três direções mutuamente perpendiculares, sem sair do espaço.
Em uma reflexão mais detida, notamos que, no interior desse espaço
(tridimensional), encontram-se certos objetos que também têm características
tridimensionais. Pensemos em objetos maciços. Neles, de modo análogo, é lícito supor
que um ser imaginário poderia se deslocar, pelo menos “um pouco”, em três direções
mutuamente perpendiculares, partindo de um ponto no seu interior, sem sair do interior
de tal objeto. Exemplos: bolas de gude; tijolos; toras de madeira; pirâmides do Egito
antigo, planetas do Sistema Solar. Os modelos matemáticos para esses objetos são as
chamadas figuras geométricas tridimensionais.
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Simultaneamente, entramos em contato com objetos do mundo físico cujos
modelos geométricos são bidimensionais. O tampo de uma mesa sobre o qual podemos
passar nossas mãos, cada face de uma folha de papel em que escrevemos ou
desenhamos são exemplos físicos de objetos geométricos denominados superfícies. Nos
exemplos citados, temos modelos concretos de uma superfície plana, cuja característica
fundamental é estar contida em um plano. Podemos, também, considerar a própria
folha, e não apenas uma de suas faces, como exemplo concreto de uma superfície plana.
Isso corresponde a desprezar a espessura da folha de papel.
Mas, no nosso espaço ambiente, há também exemplos concretos de uma
superfície não plana. Nestes casos, o que as caracteriza é que nenhum plano a
contém. A parte externa lateral de uma lata cilíndrica ou a parte superior de uma telha
ondulada são dois desses modelos concretos. De modo análogo ao da folha de papel,
desprezando-se as espessuras, podemos considerar a própria parte lateral de uma lata
cilíndrica ou a própria telha ondulada como materializações de superfícies não planas.
Intuitivamente, o que caracteriza a bidimensionalidade é que um ser imaginário
situado em um objeto geométrico desse tipo (uma superfície) e que esteja fora de suas
bordas, pode se deslocar, no máximo, em duas direções perpendiculares entre si, sem
que ele “saia” da superfície. Ainda em linguagem coloquial, diríamos que já não há
mais “espaço” para três deslocamentos mutuamente perpendiculares, sem que se
“deixe” o objeto em questão.
Para contextualizar as ideias acima, vamos tirar partido de atividades muito
frequentes no ensino fundamental, que se destinam a montagem e desmontagem de
caixas feitas de materiais como cartolina, papelão etc. Tomemos uma dessas caixas
suposta vazia:
Figura 2
A
C
B E
D F G
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É interessante notar que esse objeto físico, a despeito de sua simplicidade e de
sua familiaridade, permite a exploração de muitas ideias geométricas complexas, que
o(a) professor(a) deve gradualmente construir com seus alunos. Comecemos por indicar
que um modelo geométrico correspondente a essa caixa é uma superfície não plana,
fechada, composta por partes planas, denominadas faces. Tal superfície é um objeto
geométrico bidimensional, e também são bidimensionais as suas seis faces. No entanto,
se juntarmos à caixa o seu interior, teremos toda uma região do espaço cujo modelo
geométrico é uma figura geométrica tridimensional. Essa região do espaço é ocupada
por cartolina (a caixa) e por ar (o interior da caixa). O modelo matemático para essa
região é o mesmo quando se trata de um bloco maciço de massa de modelar do mesmo
tipo que a caixa e seu interior. E a identidade de modelos, nos dois casos em foco,
reflete-se na linguagem utilizada. Em ambos os casos, dizemos que temos um
paralelepípedo retângulo ou um bloco retangular. Não devemos nos esquecer de que
não há nenhum prejuízo didático em utilizarmos as mesmas expressões para nos
referirmos a coisas diferentes, a saber, em termos coloquiais, à “casca” ou ao “objeto
maciço”. No entanto, é preciso cuidado quando se trata de atividades que envolvem
conceitos específicos de cada um desses contextos dimensionais. É o caso da
planificação, que faz sentido se o paralelepípedo retângulo (bloco retangular) em
consideração for uma superfície e não faz sentido se for uma superfície fechada e seu
interior.
Podemos, a esta altura, constatar a existência de múltiplos significados que
podem ser atribuídos, em geometria, a uma única expressão como ‘paralelepípedo
retângulo’. Se levarmos em conta as considerações da seção anterior, ‘paralelepípedo
retângulo’ pode referir-se a: um objeto físico; um desenho desse objeto; uma figura
geométrica; uma expressão da língua materna. Além disso, pelo que dissemos na
presente seção, a mesma expressão pode designar tanto um objeto bidimensional como
um objeto tridimensional.
Do ponto de vista didático, é oportuno dizer que a unicidade da expressão
‘paralelepípedo retângulo’ não deve esconder a multiplicidade de conceitos geométricos
a que se pode referir. Isso implica em um planejamento didático cuidadoso para o qual
se espera que estas considerações possam contribuir. No entanto, nesse planejamento, é
indispensável não levar, para a sala de aula, diretamente e com a nomenclatura
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acadêmica aqui empregada, os complexos conceitos discutidos, mas os incorporar a
atividades apropriadas e os traduzir para uma linguagem mais familiar aos alunos.
Se prosseguirmos nesta reflexão, observamos que há, também, no mundo que
nos rodeia, objetos físicos, cujos correspondentes abstratos são objetos geométricos
unidimensionais. As “quinas” das paredes em nossas casas são exemplos concretos de
figuras geométricas unidimensionais, os segmentos de reta. Em geometria essas figuras
são denominadas arestas. No exemplo da caixa de cartolina, as arestas são
representadas pelos doze encontros entre duas de suas seis faces. Um segmento de reta é
sempre uma figura geométrica plana. Também é uma figura geométrica plana a reunião
de dois segmentos de reta que sejam partes, respectivamente, de duas retas
concorrentes. A linha quebrada DAB na Figura 1 é uma figura geométrica plana e
unidimensional.
Mas há figuras geométricas formadas por dois segmentos de reta que não se
constituem em uma figura plana, embora seja uma figura unidimensional. É o caso da
reunião do segmento de reta AB com o segmento de reta EF, que é uma figura
geométrica unidimensional e não plana, pois não existe nenhum plano que contenha
esses dois segmentos. Ainda na Figura 1, outros exemplos de figuras geométricas
unidimensionais são a linha quebrada ABCD, que é plana e a linha quebrada ABCF, que
é não plana.
Em outros contextos físicos, existem modelos concretos de objetos geométricos
unidimensionais não formados apenas por segmentos de reta, e que são, comumente,
chamados de curvas. Por exemplo, o contorno de um DVD ou um cordão sinuoso
sobre uma mesa são materializações de curvas. Estas são curvas planas, mas há também
as não planas como bordas de uma hélices de barco ou as bordas de muitas flores.
Temos, nesses casos, figuras geométricas bidimensionais e não planas.
Intuitivamente, nas figuras unidimensionais só há uma direção possível de
deslocamento de um ser imaginário situado em um seus pontos, entre seus extremos.
E não paramos nos objetos unidimensionais. Quando escolhemos uma das
“pontas” da caixa da Figura 2, que é o encontro de três de suas arestas, ou quando
selecionamos o ponto final que encerra a frase anterior, temos dois exemplos de objetos
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que, no mundo abstrato da geometria, estão associados a pontos. No exemplo da caixa,
tais pontos recebem o nome particular de vértices. Em Matemática qualquer conjunto
finito de pontos é considerado uma figura geométrica de dimensão zero. Desse modo, o
conjunto dos vértices do paralelepípedo da Figura 2 é zero-dimensional. No entanto, tal
figura geométrica constituída de pontos isolados no espaço não é plana.
O conceito de dimensão zero é uma abstração matemática que corresponderia à
ausência de direções segundo as quais um ser imaginário situado em tais conjuntos de
pontos poderia se deslocar sem “sair” desse conjunto.
Em suma, na geometria escolar, lidamos com figuras geométricas de dimensão
0, 1, 2 ou 3 e, também, com os objetos do mundo físico a elas associados, todos
contidos em um espaço ambiente tridimensional.
Mas mostramos outra repartição importante no conjunto de todas as figuras
geométricas. Elas podem ser planas ou não planas. É comum denominarmos as figuras
geométricas não planas de figuras geométrica espaciais. As considerações feitas nos
parágrafos precedentes tentam alertar para o fato de que não são simples as relações
entre essas duas classificações de figuras geométricas (ou de seus representantes). Por
isso, ao ensinarmos geometria ensino é necessário ter cautela no emprego dessas
classificações para que seja favorecida a formação escolar nesse ramo da Matemática.
Em particular, convém não esquecer que figuras espaciais podem ser de dimensão 3, 2,
1 ou 0. Para, mais uma vez, exemplificar, consideremos uma pirâmide (maciça), sua
superfície externa, suas arestas e seus vértices. Essas quatro figuras geométricas (que
podem ser chamadas de ‘pirâmide’) são, respectivamente de dimensão 3, 2, 1 e 0. No
sentido oposto, no entanto, só é válido afirmar que figuras geométricas de dimensão 3
são necessariamente espaciais (não planas).
Outra questão de terminologia diz respeito ao emprego frequente da expressão
sólido geométrico para designar objetos geométricos tridimensionais de um tipo
especial caracterizado, intuitivamente, por ser limitado e fechado, como um
paralelepípedo ou uma esfera. Embora o emprego da expressão ‘sólido geométrico’
seja legitimada pelo seu uso na Matemática, devemos estar atentos para o fato de que o
termo ‘sólido’ na expressão acima não se refere ao conceito de estado sólido da Física.
O emprego de tal termo aqui está ligado a objetos não materiais.
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No campo da didática, as reflexões acima justificam a ideia de que, na formação
geométrica inicial, devemos fazer uma abordagem integrada e simultânea das figuras
geométricas de várias dimensões e, ao lado disso, abordar tanto as figuras planas como
as figuras não planas. Esta concepção didática contrapõe-se ao que se recomendou,
durante algum tempo, que era estudar primeiramente as figuras planas e, só depois, as
espaciais.
Além disso, nem sempre tem ficado claro, no ensino escolar, que figuras
espaciais podem ser tridimensionais, bidimensionais, unidimensionais ou de dimensão
zero. Para ajudar as crianças a estabelecerem conexões entre figuras tridimensionais e
figuras de menor dimensão têm sido frequentemente propostas atividades em que se
pede que o aluno tome um sólido geométrico, por exemplo, um bloco retangular e o
utilize para desenhar quadrados, segmentos ou mesmo pontos em uma folha de papel.
Nessa abordagem integrada, desempenham um papel central os inúmeros jogos
ou atividades com materiais concretos que podem ser experimentados na escola. Os
jogos que envolvem movimento e localização das crianças, a montagem de modelos
concretos de figuras geométricas com massa de modelar, canudos de refrigerantes,
garrafas pet ou sucata. Muitas outras atividades desse tipo devem ser incentivadas no
ensino, mas cabe um lugar de destaque às atividades de desenho. Desde os rabiscos
espontâneos, aos desenhos com o auxílio de instrumentos simples e adequados à faixa
etária, existe um vasto repertório de atividades escolares que auxiliam a criança a
representar os objetos ao seu redor e a compreender as propriedades geométricas das
figuras desenhadas ou reproduzidas em imagens gráficas. Alguns desenhos infantis
evidenciam a ausência de perspectiva e de proporcionalidade entre os comprimentos
reais e os do desenho, que são competências técnicas que são adquiridas de modo
progressivo por essa criança. Por outro lado, os desenhos infantis, muitas vezes, revelam
riqueza de detalhes e poder de representação da cena real que são elementos
fundamentais para nas competências de expressão e de comunicação.
As representações em geometria Já dissemos que, desde cedo, as crianças começam o aprendizado dos
movimentos, da localização e do reconhecimento de seres e de objetos do espaço em
seu entorno. Essas são as primeiras percepções da criança que ela experimenta em
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contato com o mundo. Cabe à escola o importante papel de organizar e aprofundar o
conhecimento geométrico iniciado com essas percepções.
Um dos conteúdos centrais da formação na escola são as representações dos
seres e dos objetos do espaço ao nosso redor. Tais representações podem ser obtidas
com o auxílio de objetos, como os modelos de madeira, de papelão ou de outro material
apropriado e, também, com apoio em maquetes.
No ensino fundamental, também são frequentes as atividades que empregam
planificações para montagem de figuras espaciais, por meio de recorte e colagem. Tais
atividades são importantes do ponto de vista da formação geométrica e, ainda, para o
desenvolvimento de habilidades motoras na criança.
Devemos nos precaver para que os moldes com planificações levem em conta as
habilidades motoras já adquiridas pelas crianças, no momento de recortar e colar esses
moldes, durante a montagem dos sólidos geométricos. Tal cuidado, muitas vezes, não é
observado pelos moldes presentes em materiais oferecidos às crianças e, até mesmo, em
alguns livros didáticos.
Em todas as atividades mencionadas acima, o conhecimento geométrico é
construído, gradativamente, com o auxílio de representações dos objetos do mundo
físico oferecidas pelos modelos materiais ou por imagens gráficas. Por isso, convém que
teçamos alguns comentários sobre a noção de visualização.
Sabemos que as percepções provenientes dos movimentos e dos sentidos do tato
e da visão cumprem uma função fundamental na constituição de nosso pensamento
geométrico. Por brevidade, aqui comentaremos apenas algumas questões que envolvem
mais diretamente o sentido da visão. O seu papel na formação do pensamento
geométrico está relacionado a duas capacidades estreitamente interdependentes, a seguir
comentadas.
De um lado, captar e interpretar as informações provenientes do mundo que nos
cerca e que são mediadas pela visão humana, bem como constituir imagens mentais e
ideias baseadas nessas informações. Por outro lado, traduzir as imagens mentais e as
ideias em objetos visíveis. De forma simplificada, podemos dizer que a primeira é a
capacidade de ver – objetos físicos ou gráficos, os movimentos de objetos, os espaços
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entre os objetos físicos – e de gerar imagens mentais. Por exemplo, ao olharmos uma
bola de futebol criamos a imagem mental de um objeto com propriedades bem
especiais, apropriadas para realizar movimentos muito variados e que o torna propício à
prática daquele esporte. Mas, também, podemos fazer a imagem mental de um objeto
geométrico – uma superfície esférica – que é uma abstração da bola de futebol e é
definido como a região do espaço tridimensional constituída pelos pontos que distam
igualmente de um ponto dado.
A segunda capacidade é a de tornar visíveis nossas ideias e imagens mentais,
por meio de objetos físicos ou de representações gráficas. Por exemplo, podemos
considerar o esquema apresentado na Figura 1 como uma maneira de tornar visíveis as
ideias abstratas a respeito das entidades geométricas.
Esta última capacidade tem sido denominada, em muitos campos científicos, de
visualização, embora, em outros, também a primeira delas receba a mesma
denominação. O que podemos dizer, sem dúvida, é que a formação do pensamento
geométrico das pessoas dotadas de visão é inseparável dessas duas capacidades.
Um exemplo de interação das duas capacidades referidas é relacionado com as
atividades de representação gráfica de objetos espaciais por meio de desenhos. A
importância dessas atividades para a formação geométrica é inegável e por isso nos
deteremos um pouco mais sobre ela.
Quando vemos um objeto espacial e procuramos reproduzi-lo por intermédio de
um desenho numa folha de papel estamos realizando uma operação bastante complexa,
do ponto de vista cognitivo. Entre outros aspectos, porque o desenho é feito numa
superfície plana enquanto o objeto é espacial e isso gera, necessariamente, uma “perda
de informação” sobre o objeto representado. Noutras palavras, o que desenhamos, com
certeza, não é o objeto, nem é, possivelmente, a imagem mental que dele fazemos ao vê-
lo.
Só muito lentamente, ao longo da história, o homem criou técnicas de
representação gráfica, em particular, inventou os vários tipos de perspectivas, para
tornar mais parecido o que se vê no desenho com aquilo que se observa no objeto visto.
Nas ilustrações dos livros de Matemática, uma das técnicas mais utilizadas é a
13
denominada perspectiva cavaleira. Ela consiste na projeção paralela oblíqua, em um
plano, do objeto a representar como está indicado na Figura 3. Nesta figura, para
comparação, também é feita uma projeção paralela ortogonal do objeto.
FIGURA 3
As projeções paralelas ortogonais ao plano de projeção, a exemplo da que foi
apresentada na Figura 3, formam o que se convencionou chamar de vistas. Na Figura 4,
são indicadas duas vistas de uma pirâmide de base retangular. No desenho à esquerda
podemos ver como as vistas (frontal, superior e lateral) objeto são produzidas, por meio
de projeções ortogonais, enquanto à direita estão representadas as vistas obtidas.
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(Oscar: colocar o vértice da pirâmide deslocado do eixo da base, para formar
uma pirâmide não regular, como está esboçado abaixo. Adicionar uma vista lateral)
FIGURA 4
É fundamental observarmos que o objeto mencionado acima é tridimensional,
mas a representação correspondente é construída em uma superfície plana, que é
bidimensional. Na verdade, qualquer desenho, qualquer imagem de um objeto realizada
em uma folha de papel possui apenas duas dimensões. Este fato implica que tais
representações não conservam todas as propriedades geométricas dos objetos
tridimensionais a elas associados. Por exemplo, sabemos que todas as faces de um cubo
são quadrados. No entanto em uma perspectiva, algumas delas podem ser desenhadas
como quadriláteros que não são quadrados. Além disso, é possível que os comprimentos
de duas arestas no desenho do cubo não sejam iguais, o que não ocorre em um cubo.
Dadas as dificuldades conceituais envolvidas nos desenhos em perspectiva – em
particular na abordagem do conceito de vistas – o estudo desse conteúdo no ensino
fundamental deve ser extremamente gradual e cuidadoso. Em particular, devem ser
evitadas algumas abordagens inadequadas hoje adotadas no ensino e que, infelizmente,
são também encontradas em alguns livros didáticos.
A primeira delas é a de induzir à ideia de que as perspectivas são o que o
observador vê. Se aceitarmos isso, no desenho de um objeto em perspectiva cavaleira,
o observador deveria estar localizado a uma distância infinita desse objeto, o que se
constitui em uma abstração, só realizável de modo imperfeito no mundo real. Na
verdade, uma perspectiva nos fornece uma aproximação daquilo que o observador vê
do objeto visado. Esta inadequação é mais frequente quando se trata da questão das
vistas (frontal, superior, posterior, laterais). Neste caso, o significado usual do termo
‘vista’ reforça a imprecisão de que “uma vista é o que um observador vê”. Tal falha é
agravada quando, por exemplo, uma vista lateral de um objeto é apresentada em
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ilustrações como a que segue, na qual o observador está em uma posição bem distinta da
que produziria uma pretendida “vista lateral”, indicada no desenho à direita:
(Oscar, será que você pode arranjar uma imagem de um observador para
substituir esta que está muito ruim e foi feita por um ilustrador amador. A pretendida
vista lateral deveria estar mais afastada, à direita.)
FIGURA 5
Outra inadequação frequente é solicitar do aluno a comparação de
comprimentos (ou distâncias) em objetos (ou cenas) desenhados em perspectiva.
Sabemos que, em um desenho em perspectiva, comprimentos iguais nos objetos (ou
cenas) podem ser representados por comprimentos diferentes no desenho.
Apesar dos cuidados a que nos referimos anteriormente, pode ser feito um
trabalho didático importante para que a criança desenvolva a capacidade de
representação, no plano, de sólidos geométricos. Isso significa, por um lado, levar a
criança a ser capaz de fazer, no plano, um desenho que represente uma figura espacial e,
por outro lado, a ser capaz de identificar, a partir de desenhos, qual a figura
representada.
Um recurso que pode ser empregado são as malhas quadradas para a
representação em cavaleira de objetos como na Figura 6.
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(Oscar, achei ruins estes desenhos. Você pode melhorá-los? )
FIGURA 6
Vemos, acima, dois desenhos em perspectiva cavaleira do mesmo objeto físico,
formado por um empilhamento de cubos. Seria inadequado dizermos que são as visões
de dois observadores em posições distintas olhando para o mesmo objeto. Na verdade,
as referidas perspectivas são uma técnica de representação e apenas aproximam a visão
real desses objetos por observadores.
Vamos nos referir ao mesmo objeto representado na Figura 6 para retomar a
questão das vistas. Para construir algumas das vistas desse objeto, observemos a
ilustração a seguir:
(Oscar, será que você aqui poderia imitar a aquele desenho da Aula 20 em que o
autor coloca as 3 vistas sobre os 3 planos do paralelepípedo envolvente? Em seguida ou
ao lado, viriam as 3 vistas nos tais planos desdobrados, com os nomes
correspondentes?)
17
FIGURA 7
Algumas vezes, são propostas atividades em que o aluno é solicitado a
reconstruir uma figura espacial com base em vistas dessa figura. Tais atividades, apesar
de interessantes, devem ser planejadas cuidadosamente, pois podem conduzir a
equívocos. É que objetos distintos podem ter algumas de suas vistas iguais. Vejamos um
exemplo. Na ilustração a seguir, são desenhados um objeto formado por um
empilhamento de cubos e três de suas vistas:
(Oscar, por favor desenhe uma perspectiva cavaleira de um empilhamento de
cubos distinto do que vem na Figura 6 e que tenha as vistas desenhadas nesta ilustração:
FIGURA 8
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Observamos que os sólidos geométricos representados nas Figuras 6 e 8 são
distintos, mas possuem duas de suas vistas iguais. Infelizmente, em sala de aula e até
mesmo em alguns livros didáticos, pede-se para o aluno identificar ou desenhar uma
figura espacial a partir de somente uma ou duas de suas vistas, sem menção de que pode
haver mais de uma figura com as vistas mostradas, como acabamos de mostrar. Em face
dessas possíveis dificuldades, recomenda-se que atividades de identificação ou
construção de figuras espaciais com base em suas vistas fiquem restritas aos últimos
anos da primeira fase do ensino fundamental e, além disso, sejam fornecidas outras
informações visuais ao aluno, como, por exemplo, perspectivas adicionais do mesmo
objeto.
Localização e orientação
Os movimentos da criança, a exploração do espaço e as interações propiciadas
pelas diversas formas de linguagem caracterizam a fase inicial, espontânea, da aquisição
das competências geométricas. Essas primeiras aquisições permitem à criança localizar
objetos, observar os seus deslocamentos e, também, situar-se nos ambientes ao seu
redor.
Em geometria, a noção de referencial é básica em todas as atividades humanas
que envolvem localização e movimento. Reconhecer se um objeto ou uma pessoa está
longe ou perto, em cima ou embaixo, à direita ou à esquerda, requer que se estabeleça
sempre outro objeto ou pessoa como referência: longe ou perto da casa de Maria; em
cima ou embaixo da mesa; à direita ou à esquerda de Pedro. Como ocorre com muitas
noções básicas, o referencial nem sempre é explicitamente assinalado ou verbalizado.
Quando o contexto deixa claro qual o referencial em jogo, não surgem ambiguidades.
Mas são frequentes as situações nas quais tais ambiguidades se fazem presentes. Um
exemplo típico são as atividades propostas em livros didáticos nas quais se pede que
seja indicado um objeto à direita de determinado personagem. Nas fases iniciais da
aprendizagem, o aluno pode ser levado a tomar ele mesmo (o leitor da página) como
referencial, e não o personagem mencionado no texto. Nesses casos, o(a) professor(a)
deve aproveitar para promover um diálogo a respeito dos possíveis referenciais
envolvidos na questão. Além disso, a despeito de ser comum na linguagem do dia a dia
19
a ausência de explicitação do referencial, o(a) professor(a) de Matemática e o texto
didático devem ser muito cautelosos a esse respeito, para não prejudicar a
aprendizagem.
Igualmente importante no ensino escolar é levar a criança a adquirir a
capacidade de localizar seres e objetos, além conduzi-las a desenvolver competências de
observação de deslocamentos em croquis, plantas ou mapas.
É comum encontrarem-se, em livros didáticos, propostas para que a criança trace
percurso em mapas ou em malhas quadriculadas. Em muitas delas, porém, incorre-se na
falha de confundir quem está sendo tomado como referência: o personagem na
ilustração ou o leitor do livro. Vejamos um exemplo. Pede-se ao aluno para traçar a
figura geométrica que resulta das seguintes instruções:
• cada lado da malha é um passo;
• sair do ponto A e andar 4 passos para a direita;
• em seguida: 5 passos para cima; 2 passos para a esquerda; 2 passos para
baixo; 2 passos para a esquerda; e 3 passos para baixo.
FIGURA 9
Na Figura 9, está ressaltado o traçado esperado na atividade. Mas, em sua
resolução pode ficar a dúvida sobre o referencial: é o leitor ou a criança da ilustração?
Se for esta última, os comandos do enunciado não levam ao caminho apresentado como
resposta. Ambiguidades deste tipo podem ser prejudiciais à aprendizagem.
Outras atividades frequentes nos livros didáticos envolvem a noção de plano
cartesiano para localização de pontos ou de regiões em malhas. Podemos solicitar que o
aluno localize o ponto de coordenadas (3,4), ou em linguagem coloquial, o ponto com
“endereço” (3,4), na malha abaixo:
20
FIGURA 10
São também comuns os mapas de cidades ou de bairros nos quais as ruas são
localizadas em quadrados identificados por uma codificação com letras e números
(denominada alfanumérica). Podemos propor, por exemplo, a localização da “quadra”
C4:
FIGURA 11
Jogos do tipo Batalha naval, que são muito populares, também utilizam
codificação análoga a que é apresentada acima e podem ser empregados em sala de
aula. Percebemos, nesses casos, que a identificação das células que compõem o
quadriculado baseia-se na localização de intervalos e não de pontos. Em alguns casos,
os mapas são divididos em retângulos, mas a forma de localização desses retângulos é
do mesmo tipo que a do exemplo da Figura 11.
Precisamos ficar atentos a atividades envolvendo malhas ou o plano cartesiano
como as apresentadas acima. Nessas, muitas vezes, as coordenadas de pontos nos eixos
(horizontal e vertical) são confundidas erradamente com as identificações dos intervalos
nesses eixos.
3 4)
21
Classificação e nomenclatura de figuras geométricas: comentários
gerais
Um objetivo importante do ensino é auxiliar o aluno a desenvolver a capacidade
de organizar as figuras em classes – classificar –, com base em propriedades comuns
observadas nas figuras geométricas. Outro objetivo relevante é o de contribuir para que
ele adquira, com compreensão, a nomenclatura técnica associada a tais classes. Esses
dois propósitos devem ser buscados desde os primeiro anos da vida escolar e,
certamente, se estendem por um longo período de aprendizagem.
No entanto, no início do estudo da geometria, o ideal é que as classificações e a
nomenclatura sejam introduzidas com moderação e gradualmente. Nessa fase, um
trabalho mais produtivo é aquele que auxilie a criança a se familiarizar com as figuras
geométricas para que ela, aos poucos, vá percebendo suas propriedades. Além de
habituá-la a reconhecer figuras geométricas e a desenhá-las, é importante realizar
atividades de construção dessas figuras, utilizando, por exemplo, canudos de
refrigerante, arames e cordões, varetas de madeira, colagem de recortes de papel,
dobraduras, embalagens ou outros materiais de uso comum. A percepção visual e táctil
das crianças em contato com esses objetos físicos, e com os desenhos, a auxiliam a
compreender, progressivamente, as propriedades abstratas das diferentes figuras
geométricas.
Em seu trabalho de sistematização, o(a) professor(a) deve cuidar para não “cair
na tentação” de definir os termos primitivos da geometria, em particular, ponto, reta e
plano. Tais termos são chamados primitivos precisamente por não terem definição. O
que podemos fazer, sem dúvida, é mostrar, no mundo que nos cerca, exemplos
concretos que representem de maneira aproximada esses objetos abstratos. Para isso,
um recurso útil é explorar os vértices, as arestas e as faces de objetos físicos. Esses
elementos nos fornecem exemplos materiais de pontos, de segmentos de reta e de
regiões planas limitadas e auxiliam a compreensão das entidades abstratas que
representam.
Outra precaução a tomar no trabalho de classificação das figuras geométricas é o
de sempre deixar explícita para o aluno qualquer mudança de critérios. Quando essa
22
troca não fica clara, um dos possíveis frutos esperados desse trabalho, que é o
desenvolvimento do raciocínio lógico, pode ser prejudicado. A seguir, vamos dar um
exemplo, para esclarecer o sentido do presente comentário.
Em geral, um ângulo é definido como a figura constituída por duas semirretas,
distintas e não opostas, com uma mesma origem, como aparece no desenho a seguir:
FIGURA 12
No entanto, algumas pessoas escolhem definir ângulo como a região delimitada
por duas semirretas, distintas e não opostas, com uma mesma origem, como no desenho
abaixo:
FIGURA 13
Podemos ficar em dúvida sobre que definição escolher. Na verdade, as duas são
matematicamente corretas, embora a primeira seja a adotada mais frequentemente. O
que se deve evitar é passar de uma para outra sem nenhuma explicitação da mudança.
Caso queiramos, é possível até aproveitar para evidenciar que essas duas formulações
estão relacionadas entre si. De fato, na primeira, as duas semirretas são o contorno da
região tomada como ângulo na segunda definição. Já na segunda, o ângulo inclui, além
das semirretas, o interior da figura por elas formada. No entanto, podemos gerar
confusão e insegurança nos alunos se usarmos simultaneamente as duas definições, sem
distingui-las e relacioná-las. Convém lembrar, também, que, no passo seguinte da
aprendizagem do conceito de ângulo, quando se introduz a noção de medida da
abertura do ângulo (o que comumente denominamos de medida do ângulo) as duas
definições são equivalentes, pois em ambos os casos – semirretas com origem comum
23
ou região – a medida do ângulo é a mesma, o que aproxima ainda mais as duas
definições possíveis.
Triângulos e quadriláteros
Dentre as figuras geométricas, os triângulos estão, sem dúvida, entre as mais
importantes. Eles podem se constituir em “células básicas” para a construção de muitas
das figuras que estudamos na geometria e, além disso, escondem, na sua aparente
simplicidade, uma enorme riqueza de propriedades matemáticas. Por isso, vale a pena
explorá-los desde os primeiros anos da escolaridade.
A definição de triângulo é muito conhecida. Tomamos três pontos A, B e C, que
não pertençam a uma mesma reta e os ligamos pelos três segmentos de reta AB, BC e
CA. A reunião dos três segmentos é o que se chama um triângulo. Observamos, ainda,
que dois segmentos quaisquer no triângulo só possuem em comum uma de suas
extremidades:
FIGURA 14
Sabemos que os pontos A, B e C são os vértices do triângulo e os segmentos de
reta AB, BC e CA1
1 Convém observar que o segmento de reta AB é o conjunto de pontos da reta definida pelos pontos A e
B, que é constituído por A, B e todos os pontos entre A e B. Desta maneira, não importa a ordem dos
pontos na representação do segmento. Noutras palavras, o segmento AB é o mesmo que o segmento BA.
Se quisermos levar em conta a ordem desses pontos, temos um novo conceito: segmento de reta
orientado, que não será considerado neste texto.
são seus lados. Se imaginarmos as semirretas determinadas pelos
24
lados do triângulo, obtemos o que se chamam os ângulos internos do triângulo, os
quais, muitas vezes, denominamos, para simplificar, ângulos do triângulo. Para
designar o triângulo exemplificado acima podemos escrever: triângulo ABC. Mas, é
igualmente válido designá-lo utilizando os símbolos: BCA; CAB; ACB; CBA; e BAC.
Vejamos, agora, o que são quadriláteros. Consideremos quatro pontos arbitrários
em um plano, por exemplo, A, B, C, D, com a condição de que três quaisquer deles não
estão em uma mesma reta. Chamamos quadrilátero ABCD2
ao conjunto de pontos que
estão nos segmentos de reta AB, BC, CD e DA. A seguir, são mostrados dois exemplos:
FIGURA 15
Na geometria, alguns quadriláteros destacam-se e recebem nomes especiais:
• quadrados – os lados são iguais entre si e os ângulos são retos;
• losangos – os lados são iguais entre si;
• retângulos – os quatro ângulos são retos;
• paralelogramos – os dois pares de lados opostos são paralelos entre si;
• trapézios – dois lados opostos são paralelos entre si.
Quando adotamos os critérios acima, que são os adotados na Matemática mais
avançada, podemos dizer que todo quadrado é, também, losango, retângulo,
paralelogramo e trapézio. Em tal classificação, todo paralelogramo é, também, trapézio.
2 Levando em conta a nota de rodapé 1, convém observar que podemos também designar este
quadrilátero por outras sequências apropriadas dos símbolos A, B, C e D.
25
No entanto, no ensino fundamental é muito comum, e justificável, serem
adotadas outras caracterizações:
• quadrados – os lados são iguais entre si e os ângulos são retos;
• losangos – os lados são iguais entre si e os ângulos não são retos;
• retângulos – os ângulos são retos e há dois lados desiguais;
• paralelogramos – os dois pares de lados opostos são paralelos entre si;
• trapézios – apenas dois lados opostos são paralelos entre si.
De acordo com esta última classificação, um quadrado não é retângulo, nem
losango. Tampouco um paralelogramo é trapézio. Mas o professor não deve ficar
confuso com essas possibilidades de diferentes definições. O importante é procurar
manter a coerência interna, após fazer sua escolha, para não dificultar a aprendizagem
do aluno.
Os triângulos e quadriláteros são exemplos de polígonos. No entanto, professor,
você não deve se preocupar em iniciar pela definição de polígonos e depois tratar
triângulo como “polígono com três lados” e quadrilátero como “polígono com quatro
lados”. Esta abordagem não é aconselhável, do ponto de vista da didática. Além disso,
os triângulos e quadriláteros são particularmente importantes em si mesmos e possuem
uma caracterização mais simples do que a de um polígono mais geral.
Polígonos
Para caracterizar a classe mais ampla dos polígonos, uma boa estratégia é
iniciarmos por um conceito preliminar. Segundo este conceito, uma linha poligonal (ou
linha quebrada) é uma sequência especial de segmentos de reta: A1A2, A2A3, A3A4,
A5A6 ou B1B2, B2B3, B3B4, B5B6, B6B7:
FIGURA 16
1 5
3
2
2
3
6
4 5
7
6 1
4
26
Estes exemplos são típicos de linhas poligonais: cada um dos segmentos e o seu
sucessor na sequência têm em comum uma de suas extremidades e não são partes de
uma mesma reta. No entanto, as duas poligonais acima distinguem-se em um aspecto.
Na imagem à esquerda, cada segmento encontra apenas seu antecessor ou seu sucessor
imediatos na sequência de segmentos e, por isso, é chamada uma linha poligonal
simples. Na imagem à direita, o segmento B4B5 encontra não apenas seu antecessor ou
seu sucessor imediatos, mas também o segmento B6B7. Neste caso, dizemos que a
poligonal é não simples. Os sucessivos segmentos da poligonal são os seus lados e os
pontos de encontro dos segmentos são seus vértices.
Um polígono é uma linha poligonal simples e fechada, ou seja, uma linha
poligonal simples em que o primeiro segmento da sequência tem uma extremidade em
comum com o último segmento dessa sequência.
C6
C3
C5
C4 C2
C1
FIGURA 17
Muitas vezes, no ensino, são esquecidas algumas das condições que definem um
polígono, o que pode dar margem a equívocos. Por exemplo, se dissermos que um
polígono é uma figura formada apenas por segmentos de reta, esta afirmação é só
parcialmente correta, pois a linhas poligonais que mostramos anteriormente satisfazem a
esta condição e não são polígonos. Não podemos, também, nos esquecer que um
polígono tem que ser uma linha poligonal simples.
Nesta altura, convém observar um fato análogo ao que ocorre com a definição de
ângulo. Um polígono separa o plano em duas regiões, o seu interior e o seu exterior.
Em geometria, utiliza-se a mesma palavra ‘polígono’ tanto para denominar a figura
27
constituída apenas pelos seus lados, conforme a definição acima, quanto para designar a
reunião desses lados com a região interior por eles determinada no plano:
FIGURA 18
Devemos levar em conta essa duplicidade de definição de polígono e, em cada
situação, procurar esclarecer qual delas está sendo adotada. Por exemplo, ao tratarmos
do perímetro do polígono, o que está em jogo é o comprimento total de seus lados.
Quando falamos de área do polígono, estamos nos referindo ao polígono como uma
região plana. Esse fato pode ser visto não como um empecilho para aprendizagem da
criança, mas como uma flexibilidade natural da linguagem, que deve ser explorada no
ensino.
A classificação mais comum dos polígonos é a que os separa pelo número de
lados (que é o mesmo número de ângulos). Neste caso, vamos encontrar, então, os
triângulos, os quadriláteros, pentágonos, hexágonos, e assim por diante. No entanto,
tais denominações devem ser aprendidas com a prática, e não com tentativas de
memorização descontextualizadas. O melhor é que, aos poucos, as crianças aprendam a
usar essas palavras em sua fala, sem a imposição de memorização precoce.
Outro critério de classificação de polígonos que tem sido abordada no ensino
fundamental é aquela que os reparte em duas categorias: os polígonos convexos e os
não convexos. Façamos o seguinte teste: para cada um dos lados do polígono,
imaginemos uma reta contendo esse lado e verifiquemos se o restante do polígono fica
de um mesmo lado dessa reta. Se isto acontecer, dizemos que o polígono é convexo.
Se houver pelo menos um lado que não “passa nesse teste”, o polígono é não convexo.
Vejamos dois exemplos, o da esquerda de um polígono convexo e o da direita de um
não convexo:
FIGURA 19
28
No polígono da direita, três lados “passam no teste”, mas dois deles não. De
maneira simplificada, podemos dizer que um polígono não convexo possui alguma
“reentrância”.
Uma família destacada de polígonos convexos são os polígonos regulares,
aqueles em que:
• os lados são iguais entre si;
• os ângulos internos são iguais entre si.
Poderíamos nos perguntar se não podemos exigir apenas uma das condições
acima para que um polígono convexo seja regular. No caso muito especial do triângulo,
pode-se demonstrar que, se ele tem os lados todos iguais, então seus ângulos internos
são todos iguais, e reciprocamente, se ele tem seus ângulos internos todos iguais, então
seus lados são todos iguais entre si. Desta maneira, para triângulos, basta exigir uns dos
itens acima, pois o outro “vem de graça”.
No entanto, nos polígonos com mais de três lados (quadriláteros, pentágonos,
hexágonos, etc.), é preciso verificar as duas condições para que um polígono convexo
seja regular. De fato, vejamos os exemplos abaixo:
FIGURA 20
No exemplo à esquerda, é indicado um retângulo com lados de comprimentos
diferentes e sabemos que ele possui os quatro ângulos iguais entre si, enquanto o
pentágono, à direita, possui os lados iguais entre si, mas seus ângulos internos não são
iguais.
29
Sólidos geométricos
Depois de refletir sobre figuras geométricas planas, vamos nos voltar, agora,
para as espaciais. Como no caso das figuras planas, é desejável que comecemos o
estudo dos sólidos geométricos por aqueles em que a simplicidade é acompanhada da
riqueza de propriedades, além de serem modelos para objetos comuns no nosso dia a
dia. Dentre essas figuras geométricas destacam-se o cubo e o paralelepípedo
retângulo, este último também chamado de bloco retangular. Uma definição mais
rigorosa desses sólidos geométricos é desnecessária no ensino fundamental, e podemos
nos contentar em dizer que um cubo é a região do espaço tridimensional limitada por
um conjunto de seis quadrados quem têm, dois a dois, um lado em comum. É possível
adotar uma definição análoga para o bloco retangular, apenas substituindo quadrados
por retângulos:
FIGURA 21
Os polígonos que limitam esses sólidos são suas faces (Cuidado! Não são lados.)
o encontro de duas faces é uma aresta e o encontro de arestas são os vértices do sólido.
Convém observar que na definição dos sólidos geométricos, como acontece nos
exemplos acima, optamos, neste texto, por considerar a região do espaço tridimensional
e não apenas as superfícies que limitam essa região. Se falarmos no contexto dos
modelos concretos dessas figuras, ou seja, nos objetos físicos associados a essas figuras,
estamos considerando os objetos maciços e não a “casca” dos objetos ocos. Estamos
falando de um dado de jogar, ou de um bloco maciço de madeira e não de uma caixa de
sapatos vazia, por exemplo.
Apesar de termos feito a escolha acima, é comum usarmos a mesma
denominação “cubo” ou “bloco retangular”, para designar, não a região do espaço
totalmente delimitada por suas faces, mas as faces apenas. Noutros termos, não o
30
“miolo” junto com a “casca”, mas apenas a “casca”. Essa flexibilidade da linguagem
matemática pode ser explorada de forma adequada deixando claro, em cada caso, de que
objeto geométrico estamos falando. Se quisermos nos referir ao volume do cubo, é a
região do espaço que importa. Se pedimos a área da superfície lateral de um bloco
retangular é a soma das áreas de suas faces que entra em jogo. Quando propomos uma
atividade de planificação de um cubo ou de um paralelepípedo retângulo o que está em
foco é o conjunto de faces, é a “casca” e não, evidentemente, a região do espaço
tridimensional limitada pelas faces.
Outras figuras geométricas estudadas, desde cedo, na escola são os poliedros.
Tais figuras podem ser caracterizadas, de maneira informal, como a região do espaço
totalmente delimitada por polígonos que têm, dois a dois, lados em comum. As várias
definições dos elementos e as observações sobre a nomenclatura que foram feitas para
os dois exemplos de poliedro acima mencionados – o cubo e o bloco retangular – valem
para os demais poliedros. Entre esses, ganham nomes especiais os prismas (à esquerda)
e as pirâmides:
FIGURA 22
Os poliedros não são as únicas figuras geométricas que são estudadas na escola
básica. Deparamo-nos, no dia a dia, com objetos associados aos chamados sólidos
geométricos redondos (ou corpos redondos) que são os cilindros, os cones e as
esferas:
FIGURA 23
31
De modo intuitivo, os corpos redondos, acima citados, são limitados, total ou
parcialmente, por superfícies não planas “arredondadas”. Na fase inicial da
escolaridade, cremos que tal caracterização é suficiente para a exploração desse
conteúdo. Por isso, julgamos desnecessária e até mesmo inadequada alguma tentativas
de propor a classificação dos sólidos em duas categorias: “os que rolam” e os que “não
rolam”. Ora, o fenômeno de rolagem é muito mais complicado e envolve propriedades
físicas do objeto e da aceleração que imprimimos a ele. Um dado, por exemplo, em
geral, rola muito bem e uma lata cilíndrica não rola quando apoiada em sua base.
No ensino fundamental, as figuras geométricas tridimensionais básicas (ou
sólidos geométricos) são: cubo, paralelepípedo, prisma, pirâmide, cilindro, cone e
esfera. Mas estas não são as únicas, há infinitas outras, sem denominação especial.
Uma padronização a ser evitada
No ensino escolar de geometria, é comum a repetição excessiva das mesmas
representações de determinadas figuras geométricas, o que é desaconselhável. Por
exemplo, julgamos prejudicial à aprendizagem se nos restringirmos a representar
triângulos apenas por triângulos equiláteros ou isósceles; trapézios somente por
isósceles ou retos; cilindros ou cones exclusivamente por cilindros e cones retos. Os
estudos em didática indicam que uma criança que só encontre, em seu estudo, um
elenco limitado de exemplos de figuras geométricas pode ter dificuldade de identificá-
las quando colocadas diante de casos mais gerais.
Dificuldade análoga pode surgir se, em nossos desenhos, as figuras geométricas
aparecem apenas nas chamadas “posições padrão”. A mais comum dessas posições é
desenhar os polígonos com um dos lados paralelos a uma das bordas da folha de papel
ou do quadro da sala de aula:
FIGURA 27
32
Os estudos mostram que muitas crianças têm dificuldade de considerar que as
duas figuras abaixo são quadrados iguais, possivelmente porque só foram expostas, no
ensino, ao quadrado desenhado na posição padrão, à esquerda.
FIGURA 28
Outro exemplo é o da dificuldade de identificação de dois triângulos retângulos
iguais diante dos desenhos seguintes:
FIGURA 29
No caso do triângulo, há muita insistência em só considerar base aquele lado
que é paralelo à borda inferior da folha de papel ou do quadro de giz. Ao contrário
disso, sabemos que, num triângulo qualquer de seus lados pode ser considerado uma
base.
O estudo das grandezas geométricas na geometria
Desde seus primórdios, o saber geométrico envolveu o que hoje podemos
chamar de grandezas geométricas – comprimento, área, volume e abertura de ângulo.
Isso explica porque alguns tratam essas grandezas como parte do campo da geometria.
Entretanto, nas recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil,
1996) o estudo das grandezas geométricas foi incluído no campo específico das
33
grandezas e medidas e não no da geometria. Tal opção influenciou a organização
curricular de muitos outros documentos oficiais e, além disso, refletiu-se, de modo
evidente, nos atuais livros didáticos de Matemática para o ensino fundamental. Uma das
razões para essa escolha residiu na necessidade de ser dada maior atenção às grandezas
e medidas como um campo relevante no ensino e no qual fossem enfeixadas por uma
mesma moldura conceitual, não apenas as grandezas geométricas, mas também muitas
outras indispensáveis à formação escolar.
Ao estudarmos as grandezas geométricas do ponto de vista das grandezas e
medidas, alguns temas ganham bastante relevo. É o caso do processo de medição, que é
bastante complexo, abrangendo a escolha das unidades e o conhecimento das relações
entre elas, além do emprego dos instrumentos de medição. Num olhar puramente
geométrico, esses tópicos não são o foco da atenção. Por exemplo, em geometria,
definimos quadrado como um quadrilátero que possui quatro ângulos retos e quatro
lados de comprimentos iguais. Esta é a definição de um objeto abstrato, no qual não
podemos efetuar medições com instrumentos concretos. Nos exemplos concretos de
quadrados – desenhados ou construídos de algum material adequado – as medições
fornecerão sempre igualdades aproximadas dos comprimentos dos lados e das aberturas
dos ângulos em jogo. Além disso, no que se refere à definição geométrica, o
comprimento do lado do quadrado pode ser concebido em centímetros, em metros, ou
em qualquer outra unidade de comprimento.
Em suma, podemos dizer que o enfoque puramente geométrico das grandezas
geométricas é mais abstrato que o enfoque adotado quando elas são estudadas ao lado
de grandezas em geral, em seu campo curricular específico.
Por outro lado, é consenso que o estudo das grandezas geométricas é uma
maneira privilegiada de serem estabelecidas conexões entre esses dois importantes
campos da matemática escolar. O esquema a seguir procura ilustrar essas ideias.
FIGURA 30
34
O esquema indica, também, que é possível estudar grandezas que não são
geométricas, como a massa, a temperatura e o valor monetário. Do outro lado, podem
ser abordados assuntos de geometria em que não intervém necessariamente o conceito
de grandeza – o conceito de dimensão, por exemplo. Neste capítulo, serão focalizados
temas de geometria, muitos deles articulados às grandezas geométricas.
Considerações finais
Neste capítulo, refletimos sobre alguns conteúdos de geometria que vêm sendo
recomendados nos referenciais curriculares nacionais, têm sido normalmente abordados
nos primeiros anos do ensino fundamental e, também, nos livros didáticos destinados a
essa fase da escolaridade.
Procuramos, em nossa abordagem, auxiliar o(a) professor(a) com sugestões de
atividades que ele possa levar para sala de aula, mas, ao mesmo tempo, convidá-lo a
considerar aspectos teóricos, não só na fundamentação dos conceitos matemáticos
quanto nas questões didáticas relativas a esses conceitos.
Buscamos, também, indicar algumas abordagens julgadas inadequadas, não só
do ponto de vista da Matemática como dos resultados de estudos em didática dos
conteúdos matemáticos.
Esta tentativa será coroada de sucesso se pudermos despertar o desejo de
procurar saber mais a respeito desses temas.