CAPITULO 6 INTRODUÇÃO À GEOTECNIA AMBIENTAL · Figura II.2 Evolução do crescimento de algumas...

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Faculdade de Ciências e Tecnologia Departamento de Engenharia Civil DISCIPLINA DE FUNDAMENTOS DE GEOTECNIA CAPITULO 6 INTRODUÇÃO À GEOTECNIA AMBIENTAL Prof. Carlos Nunes da Costa 2006/2007

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Faculdade de Ciências e Tecnologia Departamento de Engenharia Civil

DISCIPLINA DE FUNDAMENTOS DE GEOTECNIA

CAPITULO 6

INTRODUÇÃO À GEOTECNIA AMBIENTAL

Prof. Carlos Nunes da Costa

2006/2007

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ÍNDICE I - Mudanças globais 1 II - Condicionantes geoambientais do desenvolvimento 16 III - Riscos geoambientais (georiscos) 31 IV - Indicadores de desenvolvimento sustentável 36 Bibliografia essencial 39

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura I.1 Indicadores que mostram a influência humana na composição da atmosfera desde a revolução industrial (Fonte: IPCC) 1

Figura I.2 Consumo mundial de petróleo (1950-2005) 3

Figura I.3 Evolução da espessura da massa global de gelo do planeta nas últimas 5 décadas (Fonte: WGMS e NSIDC 4

Figura I.4 Após a última glaciação ocorreu uma grande constância, com um “óptimo climático” entre os últimos 4 e 8 mil anos (Fonte: IPCC 5

Figura I.5 Nos últimos 2.000 anos a um “período medieval quente” seguiu-se uma “pequena idade do gelo” (Fonte: IPCC) 5

Figura I.6 A partir do início do século XX dá-se uma progressiva subida da temperatura (apenas contrariada nas décadas de 40 a 70) (Fonte: IPCC

5

Figura I.7 A partir do início do século XX dá-se uma progressiva subida da temperatura (apenas contrariada nas décadas de 40 a 70) (Fonte: IPCC)

6

Figura I.8 Os vários modelos de previsão do clima estimam que até 2100 a temperatura da Terra se eleve entre 1,4 e 5,8ºC (de 2 a 6,3ºC na Europa) (Fonte: IPCC)

6

Figura I.9 Ainda que se reduzissem drasticamente as emissões de GEE a partir de agora a concentração de CO2, a temperatura e o nível do mar continuariam a subir (Fonte: IPCC)

6

Figura I.10 O nível do mar nunca esteve tão elevado no último milhão de anos (Fonte: IPCC) 7

Figura I.11 O nível do mar desde a última glaciação terá subido mais de 120 m (Fonte: IPCC) 7

Figura I.12 No último século o nível do mar terá subido cerca de 20 cm (Fonte: IPCC) 7

Figura I.13 Nos vários cenários traçados o nível do mar subirá entre 0,1 e 0,9 m até ao ano 2100 (Fonte: IPCC) 8

Figura I.14 Processos de captura de CO2 (Fonte: IPCC) 9 Figura I.15 Armazenamento de CO2 em formações geológicas (Fonte: IPCC) 9 Figura I.16 Mecanismos de fuga do CO2 em formações geológicas (Fonte: IPCC) 10 Figura I.17 Carta de susceptibilidade à desertificação (Fonte: PANCD) 12 Figura I.18 Evolução do Cabedelo nos últimos 150 anos (Fonte: APDL) 14 Figura I.19 Cenários de evolução da descarga dos rios na Europa (Fonte: EEA) 14

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Figura II.1 Custos dos “desastres naturais” a preços constantes (2004) 16 Figura II.2 Evolução do crescimento de algumas das maiores cidades do mundo 18 Figura II.3 Densidade demográfica em Portugal Continental (Fonte: PANCD) 22 Figura II.4 Carta de isossistas em Portugal Continental (Fonte: Atlas do Ambiente) 24

Figura II.5 Carta de Zonamento Sísmico Portugal Continental (Fonte: RSAEP, 1983) 25

Figura II.6 Aquíferos em Portugal Continental (Fonte: LNEC) 27

Figura III.1 Crescimento da construção na AML (a vermelho áreas construídas entre 1985 e 2000) Fonte: CORINE 32

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro II.1 Condicionantes geoambientais ao desenvolvimento urbano 20 Quadro II.2 Instabilidade de terrenos 21 Quadro II.3 Sismos e vulcanismo 25 Quadro II.4 Inundações 26 Quadro II.5 Poluição de águas subterrâneas 27 Quadro II.6 Áreas degradadas e contaminação de solos 29 Quadro II.7 Escassez de recursos geológicos 30

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INTRODUÇÃO À GEOTECNIA AMBIENTAL

I - MUDANÇAS GLOBAIS

Uma nova época geológica, o Antropocénico (Crutzen & Stoermer, 2000), foi

proposta para descrever as últimas centenas de anos, desde que a espécie humana

se tornou a força ambiental dominante, em particular após a revolução industrial.

O crescimento demográfico acelerado, juntamente com a intensificação da

actividade humana no século 20 incrementou enormemente a utilização dos

recursos, nomeadamente na agricultura, floresta, pescas, industria, transportes e

energia, e levou à expansão brutal da urbanização.

O funcionamento do sistema Terra é actualmente influenciado pelo Homem de

várias formas: os seus efeitos são comparáveis às forças maiores da Natureza -

como os eventos sísmicos e vulcânicos – tanto em extensão como em magnitude,

resultando em múltiplos impactes ambientais globais, de que o aumento da

temperatura devido aos gases com efeito de estufa (figura 1) é apenas o exemplo

mais gritante.

Figura I.1 – Indicadores que mostram a influência humana na composição da atmosfera desde a revolução industrial (Fonte: IPCC)

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Mas a influência antrópica é marcante apenas nos últimos séculos? Certamente que

não.

O Homem foi desde sempre um poderoso factor de alteração do meio. A primeira

manifestação desse poder terá consistido na destruição de largas parcelas de

floresta tropical (por exemplo, na China), através do domínio da prática do fogo, com

vista a garantir áreas de pastagem.

Ao consolidar a sua característica gregária a ocupação humana acentuou a sua

influência sobre a evolução das componentes geoambientais que, por sua vez,

condiciona a qualidade de vida do Homem. Em alguns casos o declínio das

civilizações pode estar associado à degradação dessas mesmas condições. Veja-se,

por exemplo, o actual Iraque, berço dos impérios sumérios e babilónios, em cuja

zona de influência se estende agora o deserto: no avanço do delta do Tigre e do

Eufrates sobre o Golfo Pérsico estão depositados os solos ricos da antiga

Mesopotâmia.

A capacidade de produzir impactes no ambiente geológico é uma característica

intrínseca da Humanidade desde os primórdios, e como tal reconhecida desde há

séculos: Cotta (1865) afirmava: “acredito que a superfície actual da Terra, com todas

as suas formas individuais, tem vindo a ser gradualmente desenvolvida numa

relação recíproca entre o Homem e a Natureza”. Mas o que é novo nessa relação é

o carácter global das transformações de que actualmente se é capaz e da

velocidade que se lhes pode imprimir. De facto, a magnitude dos efeitos das

actividades humanas no ambiente tem-se manifestado numa relação directamente

proporcional ao crescimento económico.

É possível e desejável o desenvolvimento económico. Mas, de acordo com a

Declaração de Tóquio (WCED, 1987), ele deverá ser um desenvolvimento

sustentável, definido em termos simples como “uma forma de abordagem do

progresso que vá ao encontro das necessidades do presente sem comprometer a

capacidade de as futuras gerações poderem dar resposta às suas”. Segundo esta

perspectiva as actuais gerações poderão estar já a pagar os erros cometidos pelas

anteriores. De facto, o consumo desenfreado de recursos que resulta da não

consideração integrada do binómio “desenvolvimento económico”/“conservação dos

recursos” parece estar na base do desencadeamento dos grandes desequilíbrios

ambientais da nossa era, com destaque para as alterações climáticas globais.

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A New Economics Foundation revelou que no dia 9 de Outubro de 2006 a Terra

entrou em défice ecológico. Em 1987 (o primeiro ano em que foi calculado) o dia em

que se atingiu o défice ecológico foi a 19 de Dezembro. Em 1995 foi a 21 de

Novembro. Tal significa que estamos a consumir mais recursos naturais do que

aqueles que a Terra consegue renovar a cada ano, a um ritmo cada vez maior.

Alguns números recentes relativos ao consumo (WORLDWATCH, 2005, 2006):

• O consumo do petróleo subiu 1,3% em 2005, depois de ter subido 3,4% em

2004, a taxa mais elevada de há 16 anos (figura 2); só a China, o 2º maior

consumidor mundial (atrás dos EUA), aumentou o consumo em 11%; em

contrapartida a produção de petróleo baixou em 33 dos 48 maiores

produtores mundiais; nos EUA a produção de petróleo baixou de 8 milhões

de barris em 1970 para 2,9 milhões em 2004;

Figura I.2 – Consumo mundial de petróleo (1950-2005)

• em 2005 foram atingidos novos máximos na produção de aço e de alumínio e

a produção de veículos atingiu um recorde de 45.6 milhões de unidades.

• a pesca industrial mantém o recorde de 133 milhões de toneladas alcançado

em 2002 – quase 7 vezes o valor de 1950: estima-se que 90% das maiores e

mais economicamente importantes espécies de peixe estejam já extintas;

• em 2004 a desmatação na Amazónia aumentou 40% em comparação a

2001, e o Brasil regista o segundo maior aumento em 15 anos; a floresta a

nível mundial é, hoje em dia, metade da que existia há 8.000 anos;

• metade das zonas húmidas da Terra (estuários, lagoas, etc…) foi destruída

desde 1900.

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E alguns números relativos às mudanças climáticas globais (WORLDWATCH, 2005,

2006):

• O ano de 2005 foi o ano mais quente desde que há registos - 1880 (NASA’s

Goddard Institute of Space Studies); os 5 anos mais quentes ocorreram

todos desde 1998.

• em 2005 a concentração média de CO2 na atmosfera atingiu novo recorde:

379,6 ppm.

• observações de satélite do Oceano Árctico mostram que a área coberta de

gelo é a menor dos últimos 20 anos; o Oceano Árctico perderá cerca de

metade do seu volume de gelo entre 1950 e 2050, sendo provável a sua

circum-navegação já na próxima década.

• os glaciares perdem, em cada ano que passa, 90 km3 de gelo (figura 3);

Figura I.3 – Evolução da espessura da massa global de gelo do planeta nas últimas 5 décadas (Fonte: WGMS e NSIDC)

Hoje pode dizer-se com relativa certeza que o Homem é responsável por variações

climáticas que estão fora do padrão de variabilidade natural exibido pelo sistema

Terra nos últimos milhares de anos (figuras 4 a 13), o qual opera, desta forma, num

estado “não análogo” (Steffen et al., 2004). O consenso progressivo a que a

comunidade científica internacional (IPCC, 2001) chegou acerca deste e doutros

aspectos relativos às alterações climáticas globais e aos seus impactes na

sociedade moderna, e os recentes desenvolvimentos a nível nacional feitos no

âmbito do projecto SIAM II (Santos e Miranda, 2006) - no qual são analisados os

impactes e as medidas de adaptação à mudança climática que vários sectores

económicos em Portugal terão de realizar para sobreviverem – deveriam levar a

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uma mobilização da comunidade científica portuguesa, das autoridades e dos

cidadãos em geral em torno da necessidade urgente de uma mudança de

comportamentos.

Figura I.4 – Após a última glaciação ocorreu uma grande constância, com um “óptimo climático” entre os últimos 4 e 8 mil anos (Fonte: IPCC)

Figura I.5 – Nos últimos 2.000 anos a um “período medieval quente” seguiu-se uma “pequena idade do gelo” (Fonte: IPCC)

Figura I.6 – A partir do início do século XX dá-se uma progressiva subida da temperatura (apenas contrariada nas décadas de 40 a 70) (Fonte: IPCC)

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Figura I.7 – A partir do início do século XX dá-se uma progressiva subida da temperatura (apenas contrariada nas décadas de 40 a 70) (Fonte: IPCC)

Figura I.8 – Os vários modelos de previsão do clima estimam que até 2100 a temperatura da Terra se eleve entre 1,4 e 5,8ºC (de 2 a 6,3ºC na Europa) (Fonte: IPCC)

Figura I.9 – Ainda que se reduzissem drasticamente as emissões de GEE a partir de agora a concentração de CO2, a temperatura e o nível do mar continuariam a subir

(Fonte: IPCC)

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Figura I.10 – O nível do mar nunca esteve tão elevado no último milhão de anos (Fonte: IPCC)

Figura I.11 – O nível do mar desde a última glaciação terá subido mais de 120 m (Fonte: IPCC)

Figura I.12 – No último século o nível do mar terá subido cerca de 20 cm (Fonte: IPCC)

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Figura I.13 – Nos vários cenários traçados o nível do mar subirá entre 0,1 e 0,9 m até ao ano 2100 (Fonte: IPCC)

O Protocolo de Quioto, adoptado em 1997 pelos países participantes na Conferência

das Partes da CQNUAC, e ratificado pelos estados-membros em 2002, fixa o

compromisso de redução da emissão de GEE de pelo menos 5% para o período

2008-2012, em relação às emissões de 1990. A União Europeia (UE) acordou numa

redução global de 8%. Portugal comprometeu-se em limitar o aumento das suas

emissões de GEE a 27%.

Entre as medidas de mitigação contam-se processos de captura do CO2 a

desenvolver no futuro próximo para diminuir a sua concentração na atmosfera e

conduzi-lo a reservatórios naturais (figura 14). Uma das medidas consiste no

armazenamento de CO2 em formações geológicas (figura 15) para o que se torna

necessário estudar os mecanismos potenciais de fuga de CO2 injectado (figura 16).

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Figura I.14 – Processos de captura de CO2 (Fonte: IPCC)

Figura I.15 – Armazenamento de CO2 em formações geológicas (Fonte: IPCC)

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Figura I.16 – Mecanismos de fuga do CO2 em formações geológicas (Fonte: IPCC)

As mudanças climáticas traduzem-se em tempestades mais intensas, ventos

ciclónicos, ondas de calor, inundações e secas, de que o furacão Katrina e a

destruição da cidade de Nova Orleães em 2005 foi apenas o episódio mais

mediático.

Os desequilíbrios ambientais tendem a suceder-se em cadeia, numa intrincada

relação entre riscos naturais e provocados pela acção antropogénica: por exemplo, a

destruição das florestas brasileiras realizada com o objectivo de proporcionar novas

áreas de cultivo levou, em muitos casos, à utilização de solos de fraca qualidade

que, uma vez deixados sem protecção, são facilmente arrastados pelas chuvas

torrenciais.

Esta sequência infernal repete-se nos Himalaias e os Andes: a desmatação das

terras altas deixa os solos nus, favorece a erosão e facilita o regime torrencial das

encostas, provocando a inundação das terras baixas, a destruição dos solos férteis e

de vidas e bens. Hoje em dias, as populações que vivem no sopé destas cadeias

montanhosas, são ciclicamente varridas pelas torrentes que descem por vertentes

despidas de coberto vegetal. Só nas cheias que assolaram o Bangladesh entre

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Julho e Setembro de 1998 foram afectados 30 milhões de pessoas e os danos

ascenderam a 3 biliões de dólares.

Também na Europa se esperam consequências graves das mudanças climáticas:

mais chuvas no Norte da Europa, ao mesmo tempo que no Sul da Europa se

repetirão as secas extremas com efeitos dramáticos na diminuição das reservas

hídricas e na eclosão de fogos florestais.

A outra face das consequências das mudanças climáticas globais é a seca e a

desertificação, que ameaça presentemente 135 milhões de pessoas de as deslocar

das suas terras. Os problemas de desertificação são tanto mais graves quanto se

verifica que, em larga medida, eles são criados pelas próprias populações da orla do

deserto por destruição da escassa vegetação como forma de angariar energia

(carvão vegetal) para o consumo doméstico, como no caso do Sahel. Em alguns

pontos a erosão do solo alcança a cifra de 450 ton/ano (0,5 t/ano é o limiar do

“normal”). Deste modo o deserto avança a taxas que já chegaram a atingir várias

dezenas de quilómetros por ano em regiões do sul do Sahara.

Com efeitos mais visíveis em África, a desertificação está a progredir rapidamente

no Sul da Europa, principalmente nas Penínsulas Ibérica e Itálica, ameaçando

ecossistemas e valores económicos como a agricultura e as florestas. O sul da

Europa (e a bacia mediterrânica em geral), vê agravados os processos de

degradação do solo devido à conjugação de condições climatéricas desfavoráveis

com actividades lesivas: secas e regimes de pluviosidade irregular e intensa;

desflorestação, florestação inadequada e fogos florestais; práticas agrícolas

incorrectas e urbanização desordenada.

Partes substanciais de Portugal, Espanha, Itália, França e Grécia correm um risco

severo de desertificação cujas consequências sócio-económicas - como seja

instabilidade social e migrações humanas - estão muito longe de ser equacionadas.

Em Portugal mais de metade do território corre o risco de desertificação. No espaço

de duas décadas, 2/3 do país pode transformar-se em solo árido, se nada for feito

para inverter a situação (figura 17). A aridez dos solos atinge a totalidade do interior

algarvio e o Alentejo. O fenómeno assume proporções dramáticas na margem

esquerda do Guadiana (concelhos de Mértola, Castro Marim e Alcoutim). Mas a

desertificação não está confinada ao Sul do país. Todo o interior raiano, do Algarve

a Trás-os-Montes, está a tornar-se num deserto, em termos de perda de potencial

biológico dos solos.

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Figura I.17 – Carta de susceptibilidade à desertificação (Fonte: PANCD)

De acordo com os cenários do projecto SIAM II (Climate Change in Portugal:

Scenarios, Impacts, and Adaptation Measures) a maior parte dos impactes das

alterações climáticas no Portugal do século XXI, especialmente na metade sul do

país, dizem respeito ao aumento dos eventos climáticos extremos (secas

prolongadas e cheias repentinas), erosão costeira, redução da precipitação e

aumento da temperatura. Todos estes factores produzirão um impacte severo nas

áreas costeiras mas também no interior com a exaustão das reservas hídricas

superficiais e subterrâneas, implicando a redução substancial das produções

agrícolas e florestais, mas também repercussões económicas negativas noutros

sectores, como o turismo, que apesar disso, anuncia novos projectos, especialmente

a sul do Tejo.

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A manutenção dos padrões actuais de qualidade de vida obrigará à adopção de

medidas de minimização e de adaptação aos impactes, que passam, entre outros

aspectos, pelo uso eficiente da água, como seja: reduzir consumos de água para

abastecimento humano em utilizações compatíveis com a sua substituição por água

de qualidade inferior (ex: águas residuais urbanas tratadas), como na lavagem de

ruas, ou na rega de espaços verdes.

Mas enquanto o Sul está à míngua, na Europa do Norte sucedem-se as

tempestades. A subida do nível freático, que resulta da conjugação de maior

pluviosidade e do declínio de actividades industriais nas imediações das cidades –

implicando menores extracções de água subterrânea, tem levado ao aumento das

inundações em áreas urbanas impermeáveis (ex: Alemanha e Reino Unido).

Também em Portugal o aumento dos episódios de pluviosidade irregular e intensa

podem provocar inundações. Na Madeira e nos Açores e também no Alentejo,

sujeito a regimes de chuvas torrenciais, registam-se frequentemente enxurradas que

atingem povoações colocadas em leitos de cheia. Exemplo: as ocorrências em

Ribeira Quente (Açores), e Funcheira, Garvão e Carregueiro (Alentejo), no Outono

de 1997, com o registo de numerosas mortes.

Outra questão relevante em Portugal relacionada com a subida do nível do mar é a

erosão costeira, em particular a norte do Cabo Mondego. Esta situação é potenciada

por:

Outra questão relevante em Portugal relacionada com a subida do nível do mar é a

erosão costeira, em particular a norte do Cabo Mondego (figura 18). Esta situação é

potenciada por: alterações na dinâmica litoral e fluvial, incluindo extracção de areias;

barragens, com a retenção de sedimentos, e construções em áreas sensíveis.

A estes factores desfavoráveis soma-se a previsível diminuição da descarga nos

cursos de água e a consequente perda de capacidade de transporte de sedimentos. Os vários cenários apontam para um decréscimo da capacidade de transporte dos

rios peninsulares que pode superar os 50% (figura 19).

Outra consequência da subida do nível do mar é o avanço da intrusão salina. Em

Portugal a região mais ameaçada pela intrusão salina é o Algarve, devido à

vulnerabilidade dos seus aquíferos costeiros e à elevada pressão urbanística que

leva à sobreexploração das captações. Uma subida de 50 cm do nível do mar

implicará uma redução de 20 m de espessura da lente de água doce.

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Figura I.18 – Evolução do Cabedelo nos últimos 150 anos (Fonte: APDL)

Figura I.19 – Cenários de evolução da descarga dos rios na Europa (Fonte: EEA)

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Estes factos deveriam levar a uma profunda revisão das relações entre Ambiente e

Desenvolvimento: “No passado preocupámo-nos com os impactes do crescimento

económico no ambiente. Agora somos forçados a preocupar-nos com os impactes

da crise ecológica – degradação dos solos, regimes hídricos, atmosfera e florestas –

nas nossas perspectivas económicas (…). A ecologia e a economia estão cada vez

mais interligadas – ao nível local, regional, nacional e mundial – numa rede contínua

de causas e efeitos (WCED, 1987).

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II - CONDICIONANTES GEOAMBIENTAIS DO DESENVOLVIMENTO

Muitos problemas ambientais do mundo moderno resultam dos efeitos combinados

das pressões demográficas e das crescentes necessidades tecnológicas das

sociedades emergentes. Embora não se trate de novos factores, o que é

verdadeiramente significativo no impacte do Homem sobre o Ambiente é que ele

tende a globalizar-se, é internacional e transfronteiriço e, em alguns aspectos, a

magnitude das mudanças induzidas pela acção antrópica é da mesma ordem de

grandeza das catástrofes naturais. Veja-se o caso do acidente nuclear de Chernobyl,

em 1986, que espalhou poeiras radioactivas por toda a Europa Ocidental, e cujos

efeitos se fazem ainda sentir sobre o solo e as populações.

O número de desastres naturais que podem ser classificados como “geohazards”

tem crescido significativamente nas últimas décadas, não só no chamado 3º mundo

mas também na Europa, Estados Unidos e Japão.

Embora o número de mortos tenha diminuído – 2 milhões na década de 70 contra

800.000 na década de 90 – o número de pessoas afectadas triplicou no mesmo

período, chegando a 2 biliões. E a situação pode estar a agravar-se: só no tsunami

de 26/12/2004 no Oceano Indico morreram perto de 300.000 pessoas.

Também os custos económicos dos desastres naturais estão a subir de forma

acelerada. Em 2005 os custos monetários dos desastres ditos “naturais” atingiram

um recorde de $ 204 biliões.

Figura II.1 – Custos dos “desastres naturais” a preços constantes (2004)

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Os perigos geológicos mais temidos (sismos, inundações, escorregamentos de

terrenos) são desastrosos, rápidos, afectam muitas pessoas, propriedade e

ecossistemas. Mas existem outros que não causam catástrofe imediata mas podem

produzir danos muito substanciais ao longo dos anos como a poluição dos aquíferos

ou a erosão costeira.

Alguns dos perigos geológicos estão presentes no topo da lista de todas as nações:

poluição dos aquíferos, estabilidade de terrenos ou contaminação dos solos são

questões comuns a todos os países. Outros perigos geológicos são específicos de

algumas regiões e de certos níveis de desenvolvimento e têm, frequentemente, um

marcado padrão geológico. A maior parte dos sismos ocorrem junto a limites de

placas tectónicas, como falhas transformantes (Califórnia) e zonas de subducção

(Japão). Por sua vez os vulcões estão associados a limites de placas divergentes

(Açores), convergentes (S. Helena) ou “hotspots” (Hawai).

Por exemplo, os países do Sul da Europa (Itália, Grécia, Espanha e Portugal)

enfrentam perigos relevantes de natureza sísmica. Países com linhas costeiras

planas (como a Holanda e a Bélgica) sofrem erosão costeira e inundações. Países

do Norte e do Leste (como a Alemanha, a Polónia e a Finlândia) têm problemas de

contaminação de solos por chuvas ácidas.

Tal como os recursos geológicos, também os riscos geológicos não estão

equitativamente distribuídos no globo. As áreas urbanas parecem atrair os

“geohazards”. De facto o mesmo perigo geológico terá muito mais impacte numa

cidade, onde muita gente vive junta, do que nas zonas rurais. Por outro lado, o

Homem, especialmente em grandes concentrações urbanas, pode despoletar esses

perigos.

Actualmente mais de 50% da população mundial vive em cidades. Isto é, 3,5 biliões

de habitantes ocupam uma área inferior a 1% do globo. O número de cidades que

contam actualmente com mais de 5 milhões de habitantes é superior a 60. A Europa

é basicamente um continente “urbanizado”: hoje em dia ¾ dos europeus vivem em

cidades; em 2025 a proporção será de 5 em 6. Portugal, com 55% de população

urbana, é o segundo país mais rural da União Europeia, mas é também um dos

países com as mais elevadas taxas de crescimento urbano. No extremo oposto

estão a Bélgica (97% da população vive nas cidades), o Reino Unido (89%) e a

Alemanha (88%). O relatório do UNFPA contabiliza também a taxa de crescimento

urbano para 2000-2005 e mostra que Portugal apresenta uma das maiores taxas de

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conversão da população às cidades (1,1%), só ultrapassada pela Holanda (1,3%) e

pela Irlanda (1,5%).

Mas os maiores crescimentos verificam-se em África e na Ásia do Sul, que serão

maioritariamente urbanas em 2025. O maior crescimento demográfico nos países

menos desenvolvidos leva a que sejam cidades como Lagos (Nigéria) ou Bombaim

(Índia) que cresçam mais depressa. Esse crescimento rápido provoca, em regra,

grandes pressões no território.

Figura II.2 – Evolução do crescimento de algumas das maiores cidades do mundo

Esta situação nova representa uma mudança fundamental na evolução da espécie

humana. Nas áreas urbanas convergem as infra-estruturas de telecomunicações,

transporte e energia e toda a actividade económica em geral, o que as torna mais

vulneráveis aos desastres naturais, muitas vezes ampliados por deficiente

planeamento. A ruptura das infra-estruturas de uma cidade pode ter efeitos a longo

prazo incalculáveis, como o aniversário da passagem do furacão Katrina por Nova

Orleãs nos veio relembrar recentemente.

Para compreender e melhor gerir as cidades é necessário mudar a maneira de

pensar dos decisores políticos e, até certo ponto, da própria comunidade científica.

As cidades precisam de equipas que integrem geocientistas que colham dados e

façam observações do ponto de vista holístico, capazes de alimentarem modelos

quantitativos que sirvam para mitigar a vulnerabilidade de uma comunidade urbana

aos desastres naturais e aos erros do planeamento (ou da falta dele). Leggett

(1973), o pioneiro dos geocientistas urbanos sublinhou a importância do substrato

geológico enquanto “assentamento natural” da cidade. Impõe-se uma nova forma de

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pensar e gerir as cidades com base no conhecimento das ligações cada vez mais

complexas e intrincadas dos sistemas geoambientais e antrópicos.

À medida que a população deixa de ser rural e passa a ser predominantemente

urbana, novas condições são impostas no território - ocupação de leitos de cheia, de

encostas instáveis, de áreas de infiltração de água para recarga de aquíferos -

propiciando os desastres naturais ou a escassez de recursos.

Como foi referido por E. de Mulder (1998): “quando 3,5 biliões de pessoas vivem em

menos de 1% da área terrestre do planeta, com as suas necessidades de materiais

terrosos e rochosos, um tremendo impacte no ambiente físico e nas áreas urbanas

limítrofes é inevitável. Os edifícios são cada vez maiores e o número de construções

subterrâneas também aumenta. Cada vez maiores cargas são transmitidas em

terrenos com piores condições geotécnicas, porque os melhores locais foram

ocupados em primeiro lugar. O equilíbrio delicado entre ambiente natural e

ocupação humana é então severamente rompido”.

Eis porque a vulnerabilidade aos perigos potenciais cresce rapidamente em zonas

urbanas: a expansão urbana tende frequentemente para a ocupação de áreas de

risco como sejam: planícies de inundação, encostas instáveis e desflorestadas.

Quando o acidente ocorre provoca graves distúrbios nas economias locais e nos

recursos materiais e humanos das comunidades afectadas.

Muitos dos desastres naturais podem ser previstos, mitigados ou prevenidos,

especialmente se engenheiros, urbanistas, decisores políticos a nível regional e local

e promotores do desenvolvimento urbano estiverem conscientes das vantagens em

incorporarem técnicos e cientistas das áreas do ambiente e das geociências nas

equipas de planeamento e gestão das suas cidades (McCall et al., 1996).

No Quadro 1 apresentam-se alguns dos principais problemas geoambientais que

condicionam o desenvolvimento urbano.

Em seguida será efectuada uma breve caracterização da situação em Portugal

relativamente às principais condicionantes geoambientais ao desenvolvimento

urbano sustentável

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Quadro II.1 – Condicionantes geoambientais ao desenvolvimento urbano

Instabilidade de terrenos

• Taludes instáveis (escorregamentos, queda de blocos) • Erosão laminar, ravinosa e interna (alteração diferencial,

inundações). • Assentamentos diferenciais e subsidência (argilas moles, karst,

cavidades mineiras) • Expansibilidade e retracção em argilas (“London clays”, etc.) • Erosão costeira (praias, dunas, falésias, extracção de areias) • Colapso em escavações e obras subterrâneas

Poluição de aquíferos e modificações da drenagem natural

• Infiltração (aquíferos cársicos) • Intrusão salina (sobrexploração de captações, canais profundos) • Extracção de areias e cascalho • Poluição das águas superficiais (rios, estuários, lagos) • Lixeiras, esgotos, derrames industriais, acidificação por resíduos

mineiros • Rebaixamento/subida/modificação dos padrões de drenagem

das águas subterrâneas Inundações • Alterações climáticas

• Construção/alterações do uso do solo • Inundações costeiras/subida do nível do mar • Inundações de planície (rotura de diques, descargas de

barragens) Terrenos degradados

• Sítios mineiros e industriais abandonados • Campos militares abandonados • Demolições, compactação e impermeabilização • Perda de solo (construção, extracção de inertes, erosão) • Lixiviação dos componentes férteis do solo

Solos contaminados

• Solos agrícolas (fertilizantes e pesticidas, poluição industrial) • Aterros/Indústria/Transportes/ Urbanização/Resíduos mineiros • Contaminação com hidrocarbonetos e metais pesados • Lixeiras domésticas e industriais (perigosas e não perigosas) • Lodos das docas e areas portuárias • Paióis e antigo armamento abandonado

Sismos • Falhas activas • Rotura superficial, liquefacção, vibrações • Sismicidade induzida

Escassez de recursos geológicos

• Recursos minerais e energéticos (metálicos, não metálicos, petróleo, gás, carvão)

• Abastecimento de água (quantidade/qualidade) • Locais para infraestruturas/aterros de resíduos

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Nos Quadros seguintes identificam-se, para cada um dos factores geoambientais

relevantes, os parâmetros geológicos e geotécnicos a serem considerados na

interpretação do fenómeno e alguns exemplos de ocorrências no território nacional.

a) Instabilidade de terrenos

São problemas predominantemente tratados pela Geotecnia (Mecânica dos solos,

Mecânica das rochas e Geologia de engenharia) mas que também devem ser

abordados nas suas relações com o Ambiente. Afectam particularmente o ambiente

urbano e infraestruturas lineares (estradas, caminhos de ferro).

Quadro II.2 – Instabilidade de terrenos

Um dos aspectos mais relevantes tem a ver com a erosão costeira: 80% das zonas

costeiras da Europa estão em processo de erosão; 20% estão gravemente

afectadas, com taxas de erosão que variam entre 0.5 e 2 m/ano, chegando a 15

m/ano em casos extremos.

Portugal ocupa o 3º lugar no ranking europeu: 28,5 % da costa corre perigo de

erosão. A nível nacional Furadouro apresenta as maiores taxas de recuo: 9 m/ano;

Espinho e Cortegaça recuam 3 m/ ano.

Erosão, transporte e sedimentação costeira

Bancos de areia, dunas, praias, extracção de areias, zonas marginais Taludes íngremes Enchimento de estuários

Ofir, Costa Nova (Aveiro), Ria Formosa (Faro), Figueira da Foz, Foz do Arelho; S. Martinho do Porto, Óbidos (Lagoa).

Taludes instáveis/ Escavações íngremes

Estabilidade de escarpas rochosas, queda de blocos. Desprendimento de massas rochosas. Escorregamentos.

Almada-Trafaria, Nazaré, Setúbal-Figueirinha, Santarém (Portas do Sol), Sintra, Portimão-Praia da Rocha, Praia da Falésia, Alverca, Alhandra, V.F. Xira.

Assentamento diferencial e subsidência

Deformabilidade, tensão de corte, permeabilidade (solos brandos ex: argilas) Minas antigas/ geomecânica (rochas)

Porto, Aveiro, Lisboa, Setúbal, Sesimbra, Germunde (Pejão)

Factores Relevantes Critérios Geológicos Exemplo de localidades

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As infraestruturas portuárias são especialmente vulneráveis a perigos geológicos

costeiros, dada a sua localização e a natureza dos terrenos. Por exemplo, portos

construídos sobre solos moles e aterros, ou rodeados de escarpas – como é o caso

do Porto de Lisboa, respectivamente na margem norte e na margem sul – podem ser

profundamente afectados por sismos, tsunamis e escorregamentos de terrenos.

Figura II.3 – Densidade demográfica em Portugal Continental (Fonte: PANCD)

Na orla costeira portuguesa concentra-se 70% da população, especialmente entre

Viana do Castelo e Setúbal e no Algarve. O rápido crescimento populacional,

actividades industriais e comerciais, transporte marítimo, pressões sazonais do

turismo, obras de saneamento básico, de hidráulica costeira e fluvial e infra-

estruturas portuárias e rodoviárias são responsáveis por elevadas pressões numa

estreita faixa litoral.

Em Portugal, a brusca intensificação da utilização da orla costeira ocorreu em

simultâneo com o desenvolvimento de várias intervenções nas bacias hidrográficas

e no litoral, com realce para a construção de barragens: mais de 100 grandes

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barragens em território nacional (e várias centenas em Espanha). Em consequência,

o transporte de sedimentos do continente para o litoral diminuiu em cerca de 90%.

A construção de esporões e de outras obras ditas de “protecção costeira”, a

consolidação de arribas e a alimentação artificial de praias (a intervenção

recentemente realizada em Vale de Lobo para reposição de 400.000 m3 de areia

representou um investimento de € 2 milhões), também alteram a dinâmica litoral.

Os impactes da construção de barragens nos principais rios portugueses e das

intervenções no litoral traduziram-se genericamente na diminuição do acarreio

sedimentar e, consequentemente, na erosão costeira. Hoje é evidente que erosão

costeira e ocupação do litoral são frequentemente incompatíveis. Para tornar a

ocupação e o desenvolvimento sustentáveis surgiu o conceito de Gestão Integrada

da Zona Costeira. Conceito impossível de concretizar sem que se considere a GIZC

como parte da Gestão Integrada do Território, pois as zonas costeiras são sistemas

abertos.

b) Sismos e vulcanismo

A carta das isossistas máximas observadas para Portugal continental, permite

concluir que o risco sísmico é elevado. As maiores intensidades sísmicas situam-se

no seu litoral, com relevo para a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve,

precisamente onde ocorrem algumas das maiores concentrações urbanísticas.

Esta intensidade sísmica relativamente importante é devida ao facto de Portugal

Continental estar sujeito quer à sismicidade interplaca (sismos com epicentro no

exterior do território), quer à sismicidade intraplaca (sismo com epicentro no interior

do território).

Os sismos interplaca apresentam magnitude elevada (M>6) e períodos de retorno de

centenas de anos.

Para sismos intraplaca a sismicidade é moderada (a baixa no norte de Portugal),

ainda que possam ocorrer sismos de magnitudes significativas, mas com períodos

de retorno são da ordem dos milhares de anos.

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Figura II.4 – Carta de isossistas em Portugal Continental (Fonte: Atlas do Ambiente)

Como exemplo de actividade intraplaca tem-se o sismo de 23 de Abril de 1909, com

epicentro localizado em Benavente. O traçado das isossistas do atribui à região da

Área Metropolitana de Lisboa uma intensidade máxima que vai do grau VI ao IX na

escala de Mercalli Modificada, para um período de retorno de 1000 anos.

Em relação à actividade interplaca, tem-se o sismo de 1755, com epicentro

localizado a 250 Km a SW do Cabo de São Vicente, situado ao longo da fractura

Açores-Gibraltar. O traçado das isossistas atribui às regiões de Lisboa, do Alentejo

litoral e do Algarve a intensidade máxima de grau X na escala de Mercali Modificada,

para um período de retorno de 1000 anos.

O risco sísmico diferenciado no interior do território continental português encontra-

se traduzido na Carta de Zonamento Sísmico do Regulamento de Segurança e

Acções em Edifícios e Pontes (1983). Esta estabelece 4 zonas onde são adoptados

coeficientes de sismicidade que variam desde 1 (máximo - zona A) a 0,3 (mínimo-

Zona D).

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Figura II.5 – Carta de Zonamento Sísmico Portugal Continental (Fonte: RSAEP, 1983)

Quadro II.3 - Sismos e vulcanismo

Hazard sísmico e microzonamento sísmico de áreas urbanas.

Falhas activas, geologia e espessura dos depósitos superficiais, potencial de liquefacção

Região de Lisboa, Setúbal, Sines; Lagos e outras localidades do barlavento algarvio; Ponta Delgada, Ribeira Grande, Vila Franca do Campo, Mosteiros, Nordeste (S. Miguel); Angra do Heroísmo (Terceira)

Factores Relevantes Critérios Geológicos Exemplo de localidades

Rotura superficial ou sub-superficial por acção sísmica.

Falhas activas principais

Benavente e outras pequenas localidades do Ribatejo

Tsunamis

Fractura Açores-Gibraltar / outras limites de placas (?)

Região de Lisboa, Setúbal, Sines, Lagos e outras localidades do Barlavento Algarvio

Erupções vulcânicas (torrentes de lama, escoadas lávicas, gases, cinzas e piroclastos)

Vulcões activos / dormentes

Ribeira Grande, Furnas, Sete Cidades (S. Miguel), Horta (e a Oeste do Faial)

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c) Inundações

As alterações na drenagem natural podem provocar inundações.

O Ribatejo é afectado ciclicamente por cheias: são inundações típicas de rios com o

perfil do Tejo que contribuem para a fertilidade dos terrenos. Hoje em dia as cheias

no Tejo estão muitas vezes associadas a descargas das barragens do Fratel, Belver

e Castelo de Bode, que por sua vez, estão condicionadas pelas descargas das

barragens espanholas.

Mas as modificações nas condições de drenagem natural podem aumentar o risco

nas áreas ribeirinhas. Por exemplo, a ocupação do leito de cheia do rio Nabão é a

causa directa das recentes inundações na cidade de Tomar.

Quadro II.4 - Inundações

d) Poluição de águas subterrâneas Os aquíferos constituem importante fonte de abastecimento de água em Portugal,

em particular nas regiões do litoral centro, da Área Metropolitana de Lisboa e do

Algarve, ainda que com produtividades muito desiguais. O aquífero mais importante

é o designado “Mio-pliocénico do Tejo e Sado”.

A infiltração de poluentes em áreas industriais e urbanas, nomeadamente de antigas

lixeiras, vazadouros e aterros não controlados, muitas vezes localizados em antigas

pedreiras e areeiros sem capacidade de protecção à infiltração é um dos principais

problemas.

Factores Relevantes Critérios Geológicos Exemplo de localidades

Inundação costeira

Erosão costeira (subida do nível do mar), construção, ventos fortes de Oeste.

Costa Nova (Aveiro), Esmoriz, Espinho, Ofir, Ria Formosa (Faro) Costa da Caparica

Inundação de planícies (cheias)

Alteração de padrões de escoamento superficiais, rotura e descargas de barragens e diques, construções, marcação e divisão de terrenos, “canalização” de linhas de água.

Cascais, Setúbal, Coimbra (baixa), Ribatejo (Golegã, Constância, Barquinha e outras localidades), Madeira (Funchal, Ribeira Brava e outras localidades).

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Figura II.6 – Aquíferos em Portugal Continental (Fonte: LNEC)

Outro problema, com localização muito precisa no Algarve, mas podendo ocorrer

noutros locais é a intrusão salina devido a excessiva extracção em captações

costeiras.

Finalmente um problema grave, embora localizado, é o dos lixiviados de minas

abandonadas.

Quadro II.5 - Poluição de águas subterrâneas

Factores Relevantes Critérios Geológicos Exemplo de localidades

Infiltração de poluentes industriais

Karst, areias

Mira d’Aire, Minde, Estarreja

Intrusão salina, Rebaixamento do nível freático

Resposta do aquífero à exploração excessiva

Algarve (Faro, Portimão e outras localidades)

Contaminação proveniente de antigas lixeiras

Níveis permeáveis, barreiras geológicas, geoquímica

Viana do Castelo, Amarante, Pombal, Abrantes, Gaeiras, Rio Maior, Moura, Lagos, Albufeira

Alteração dos padrões de drenagem e poluição de águas subterrâneas pela indústria extractiva

Extracção descontrolada em areeiros e pedreiras Lixiviados de minas abandonadas

Seixal. Estremoz-Borba-Vila Viçosa Urgeiriça. Jales, Aljustrel (rios, povoações e barragens a jusante)

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e) Áreas degradadas e contaminação de solos

Os solos estão hoje em dia ameaçados por inúmeros factores de degradação:

• Contaminação química por metais pesados e hidrocarbonetos provenientes

da Indústria metalúrgica, siderúrgica, produção de electricidade,

petroquímica; de paióis e antigo armamento abandonado; de lodos das

docas e áreas portuárias; lixeiras domésticas e industriais; agroquímicos

(fertilizantes e pesticidas); sítios abandonados (urbanos/ industriais/ mineiros/

campos militares)

• Perda de solo devido à: erosão; perda de matéria orgânica por lixiviação das

componentes férteis do solo; compactação e impermeabilização; ocupação

pela construção e extracção de inertes

Uma cadeia de factores concorre para a erosão dos solos. Em primeiro lugar a

susceptibilidade natural de alguns solos, associada ao seu uso inadequado. Em

segundo os incêndios, na sequência de florestações erradas e potenciados por

secas severas, que ano após ano, afectam Portugal. Finalmente, chuvas intensas

provocam forte erosão nos solos, principalmente em terrenos declivosos.

Os fogos florestais dos últimos anos vieram agravar extraordinariamente a situação

em que se encontram os solos pobres da floresta portuguesa. Acresce ainda o facto

de os incêndios de grandes dimensões, provocarem a impermeabilização dos solos,

ou seja, a incapacidade de retenção das águas e da sua infiltração no subsolo.

A floresta desempenha um papel fundamental na conservação do equilíbrio na

biosfera, desde o ciclo dos gases da atmosfera ao ciclo da água, passando pela

correcção torrencial e, consequentemente, pela prevenção da erosão dos solos. Os

solos florestais ricos em húmus têm maior capacidade de absorção de água, o que

implica uma menor escorrência superficial e, consequentemente, uma menor

erosão. Deixando de existir um sistema natural de retenção da água da chuva, esta,

ao chegar ao solo, escoará a uma velocidade muito maior, aumentando a sua

capacidade de transporte. Consequentemente, existe um risco maior de inundações

e de derrocadas, sobretudo nas regiões montanhosas do interior, onde os declives

são muito acentuados.

Por outro lado, a enorme quantidade de compostos químicos que são lançados para

a atmosfera, junto com as cinzas, acabam por regressar ao solo, provocando, para

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além do mais, a sua acidificação. Os sedimentos arrastados pelas chuvas

torrenciais confluem nas linhas de água a jusante, contribuindo para a alteração dos

parâmetros de qualidade da água nos cursos de água e nos aquíferos na sua

dependência.

Quadro II.6 - Áreas degradadas e contaminação de solos

f) Escassez de recursos geológicos

A escassez de recursos geológicos estratégicos (como o petróleo, metais, etc…)

afecta Portugal da mesma forma que os outros países europeus. Por outro lado

constrangimentos sobre a exploração de materiais de construção (devidos à

expansão urbana e à pressão ambiental) também podem levar à dificuldade no

abastecimento das indústrias e suscitam a necessidade de maior esforço na

reciclagem, por exemplo, de inertes.

Por sua vez degradação da qualidade das águas subterrâneas (por intrusão salina,

seca, infiltração de poluentes) coloca uma grande pressão neste recurso.

Finalmente também se tornam escassos os locais apropriados para a implantação

de novas infraestruturas, nomeadamente para o tratamento e destino final de

resíduos urbanos e industriais.

Factores Relevantes Critérios Geológicos Exemplo de localidades

Antigas áreas urbanas/industriais / portos/ estaleiros

Solos brandos, mecânica dos solos

Lisboa, Almada, Seixal, Barreiro, Porto, Matosinhos, Leça da Palmeira

Minas e pedreiras abandonadas

Instabilização de frentes de exploração não tratadas

S. Pedro da Cova,Pêro Pinheiro, Estremoz-Borba-V. Viçosa

Expansão/demolição de áreas urbanas

Perda de solo Selagem/compactação de terrenos; Impermeabilização impede infiltração/ drenagem natural

Áreas suburbanas de Lisboa (Loures, Oeiras, Sintra); Áreas suburbanas do Porto (Maia, Valongo Gondomar), Setúbal

Desertificação

Alterações climáticas; erosão; lixiviação de solos férteis

Algarve; Beja e outras localidades do Baixo Alentejo

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Quadro II.7 - Escassez de recursos geológicos

Factores Relevantes Critérios Geológicos Exemplo de localidades

Materiais de construção (areia, cascalho e brita)

Geologia económica / planeamento (vs. expansão urbana)

Áreas suburbanas de Lisboa e Porto. Algarve litoral

Não metálicos (matéria-prima cerâmica, rochas ornamentais, etc.), metálicos e recursos energéticos

Geologia económica / planeamento (vs. importação); investigação de novas matérias primas

Generalizado

Abastecimento de água (quantidade/ qualidade)

Hidrogeologia/geoquímica, controle da poluição (intrusão salina1, poluição agro2-industrial3, lixeiras)

Faro1,2, Albufeira1, Portimão1 e outras localidades da costa Algarvia; Estarreja3; Odemira e outras localidades do Alentejo

Gestão de resíduos sólidos (sítios): urbanos/industriais

Hidrogeologia / geotecnia, barreiras geológicas

Todas a localidades com elevada densidade populacional em zonas costeiras

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III - RISCOS GEOAMBIENTAIS (GEORISCOS) Geo-risco: que parte é natural e que parte produzida pelo Homem?

Os custos de desastres naturais estão a subir em todo o mundo constituindo grande

ameaça ao desenvolvimento sustentável. A questão é: que parte dos custos desses

eventos:

- Tempestades e inundações (costeiras e interiores)

- Ocorrências climatéricas extremas (ex: onda de calor)

- Fogos florestais,

- Escorregamentos, avalanches...

- desertificação, etc…

pode ser atribuída a perigos potenciais induzidos pelo homem?

Para o saber é preciso uma análise integrada da gestão multi-risco entre perigos

potenciais naturais e induzidos pelo homem.

Quando se lida com risco e gestão do risco é importante estabelecer as ligações

entre perigos potenciais (hazards) naturais e tecnológicos, incluindo as que estão na

origem dos conflitos bélicos. Por exemplo, a escassez de recursos hídricos leva à

luta pelo controlo das fontes de abastecimento de água superficial e subterrânea. A

ONU revelou que 263 bacias hidrográficas são compartilhadas por duas ou mais

nações, criando conflitos em potencial para cerca de 40% da população global.

A combinação de perigos potenciais naturais com ausência de gestão do risco tem

como resultado o aumento da vulnerabilidade urbana. Por exemplo, o deficiente

planeamento, combinado com deficientes sistemas de drenagem tornam áreas

urbanas vulneráveis às “inundações relâmpago”.

Na Área Metropolitana de Lisboa o crescimento das áreas urbanas (e.g. infra-

estruturas e equipamentos) foi de 48,2% entre 1985 e 2000 (figura 1). Muito desse

crescimento foi efectuado em áreas inundáveis. Em Portugal o DL. 364/98 exige aos municípios com áreas urbanas e urbanizáveis

atingidas por cheias (nomeadamente as ocorridas desde a década de 60), a

cartografia das zonas inundáveis, tendo em vista a preparação de medidas

preventivas e de formas de actuação em caso de emergência. Com isso pretender-

se-ia estimar os riscos decorrentes de uma eventual ocupação urbana, propiciando,

uma gestão de prevenção mais eficaz, e assegurando às populações o

conhecimento de uma situação que as pode afectar.

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Figura III.1 – Crescimento da construção na AML (a vermelho áreas construídas entre 1985 e 2000) Fonte: CORINE

Uma referência final “pós 11 de Setembro”: os riscos tecnológicos são ampliados

pela vulnerabilidade urbano-industrial combinada com a ameaça terrorista.

Abastecimento de água, energia e transportes são infraestruturas preferenciais em

actos de sabotagem.

Conceitos fundamentais

Entende-se por hazard (perigo) o evento natural ou antropogénico (man-made)

capaz de produzir danos e perdas materiais e humanos e para o ambiente.

Por sua vez, risco é a probabilidade de ocorrência de danos e perdas decorrentes

de um “hazard”.

Danos e perdas – são os relativos a vidas humanas, propriedade e ambiente, e

podem ser classificados como:

• Directos – quantificáveis em termos materiais e humanos,

• Indirectos – perda de benefícios presentes e futuros (ex: emprego, esforço de

reconstrução, substituição de bens),

• Temporais – imediatos, a curto, médio e longo prazo,

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Define-se potencial de dano (damage potential) como os danos e perdas máximas

susceptíveis de serem causados devido à ocorrência desastrosa de um evento

(hazard).

Define-se vulnerabilidade como sendo o grau de fragilidade de pessoas e grupos

ou de uma área face a um perigo potencial (hazard).

Vulnerabilidade relativa é o potencial de uma comunidade para reagir a um desastre.

Na resposta (ao acidente), há que considerar as seguintes etapas:

• Antes – evacuação, protecção de propriedade

• Durante – operações de socorro, assistência de emergência

• Após – reconstrução

Capacidade de resposta é o modo como pessoas e organizações usam os

recursos disponíveis para fazem face a um evento desastroso.

Relação entre Perigo (hazard), Vulnerabilidade e Desastre:

Desastre Destruição/Danos Insuficiente capacidade de resposta Excedido limite de vulnerabilidade Relações entre Risco, Perigo Potencial e Vulnerabilidade Risco = Perigo Potencial X Vulnerabilidade Vulnerabilidade = Dano Potencial/ Capacidade de Resposta Logo,

Hazard

População vulnerável

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Na gestão do risco (risk management), há que considerar as seguintes etapas:

• Avaliação do risco – risco estimado + risco percebido

• Mitigação – redução ou eliminação do risco

o Estrutural – ex: reforço de edifícios, protecção costeira, etc.

o Não-estrutural – conservação de elementos naturais de protecção (ex:

dunas, áreas húmidas…)

o Com restrição de ocupação – ênfase no planeamento territorial

o Orientada para a prevenção – ênfase nas MTD (melhores tecnologias

disponíveis)

Construindo uma estratégia de gestão do risco

1. Componentes da avaliação do risco (1ª etapa da gestão do risco)

- Caracterização dos perigos potenciais (descrição das causas, provável

extensão geográfica, intensidade do risco, probabilidade de ocorrência,

- Impacte no passado (na população, infraestruturas, ambiente),

- Avaliação da vulnerabilidade (correlação entre perigo potencial identificado e

população /ambiente/ infraestrutura crítica, mapas de vulnerabilidade),

- Análise de risco / estimação de danos e perdas potenciais, incluindo

financeiras para uma dada área num dado período de tempo; parâmetros

chave: magnitude e probabilidade de ocorrência.

2. Passar de uma abordagem reactiva para uma abordagem proactiva, o que

implica:

- abordagem multidisciplinar em vez de abordagem cientifica + abordagem de

engenharia,

- focar na vulnerabilidade em vez do perigo potencial,

Risco = (Probabilidade x Magnitude) Perigo Potencial x Dano potencial / Capacidade de resposta

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- focar na gestão do risco em vez da gestão das respostas ao acidente,

- abordagem em termos de segurança pública em vez de abordagem de

gestão do desastre.

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IV - INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Conceitos fundamentais Desenvolvimento sustentável – “um modelo de desenvolvimento que permite ás

gerações presentes satisfazer as suas necessidades sem por em risco a

possibilidade de as gerações futuras virem a satisfazer as suas” (Relatório

Brundtland, WCED, 1987).

Objectivo da introdução de indicadores – avaliação do desempenho das

economias face ao novo conceito de desenvolvimento.

Indicadores – Parâmetro (grandeza descrita de forma qualitativa ou quantitativa) ou

conjunto de parâmetros seleccionados para descrever determinadas condições do

sistema ou sistemas em análise.

• Com a simplificação da informação sobre fenómenos mais ou menos complexos

ganha-se em clareza e operacionalidade o que se perde em detalhe dos dados

originais.

Modelos conceptuais Modelo PER : Pressão – Estado – Resposta (OCDE, 1993) P E R Energia Ar Administ. Pública Transportes Água Empresas Industria … Solos… ONG’s…

Agentes económicos / ambientais

Actividades Humanas

Ambiente

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Modelo USEPA : Pressão – Estado – Resposta – Efeitos

• Analisa as relações existentes entre os 4 grupos de indicadores

Modelo DPSIR : Forças Actuantes (Driving forces) - Pressão – Estado – Impactes - Resposta (AEA, 1999)

Forças Actuantes (Industria, transportes, Geoesfera…)

Pressões (Emissão de poluentes, sismos…)

Estado (do ar, água, solo, recursos vivos…)

Impactes (na saúde, biodiversidade, danos económicos…)

Respostas (Tecnologias limpas, remediação, normas…)

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APLICAÇÃO DO MODELO DPSIR NA ANÁLISE DE INDICADORES DE RISCO

GEOAMBIENTAL

FORÇAS ACTUANTES

Factores de controlo de

perigos e danos potenciais

PRESSÕES

Perigos e danos potenciais

ESTADO

Risco(?) dependente da vulnerabilidade

IMPACTES

Desastre (perigo potencial

resultou em dano)

RESPOSTAS

Gestão do risco

ACÇÕES

REACÇÃO

Prevenção/ Vigilância (ante)

Socorro Recuperação

MITIGAÇÃO ESTRUTURAL

(ex: reforço de estruturas de

protecção)

MITIGAÇÃO NÃO-ESTRUTURAL

(ex: reduzir emissões

poluentes; evitar áreas de risco)

PREVENÇÃO PRÓ-ACTIVA

(ex: alteração de

processos; abandono tecnologias obsoletas)

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BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL

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Conference ”Geologia e Geotecnia no Planeamento e Gestão Urbana” FCT/UNL, M.

Caparica.

Santos, F.D. & Miranda, P. eds (2006) - Alterações Climáticas em Portugal.

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