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Estratigrafia 101 Capítulo 7: ESTRATIGRAFIA As amostras analisadas revelaram-se, na maioria dos casos, extremamente pobres de palinomorfos, no entanto, constituem testemunhos, embora escassos, susceptíveis de fornecer dados de índole paleoecológica e paleoclimática, para além de possuírem algum valor estratigráfico. A possibilidade de considerar os perfis amostrados anteriores ao Miocénico superior parece poder ser descartada. Pais (1981) caracterizou detalhadamente, sobretudo do ponto de vista paleoecológico e paleoclimático, numerosos cortes desde o Miocénico inferior até à parte inferior do Miocénico superior. A flora, então obtida, incluía diversas essências tropicais (Bombax, Brugiera, Meliaceae, Nagyipollis, Sapotaceae, etc.) e, ao longo de todo o Serravaliano, foi registada a presença constante de Platycarya e de Castanea, bem como a ausência de ericáceas. Na totalidade das nossas amostras verifica-se a ausência de elementos megatérmicos para além de Taxodium, enquanto que a presença de ericáceas é quase uma constante. 7.1 – Bacia do Minho - S. Pedro da Torre Apesar da riqueza polínica obtida no nível argiloso de Barrocas (S. Pedro da Torre), não é fácil obter uma datação. Algumas das espécies existentes em Barrocas desapareceram, da Europa Central, no início do Quaternário. De acordo com Suc (1984), Taxodiaceae, Hamamelis, Liquidambar, Engelhardtia, entre outras formas, desapareceram ao longo do Placenciano, não voltando a reaparecer no Mediterrâneo ocidental durante o Plistocénico. No entanto, devido à baixa latitude de Portugal e à influência do mar, é possível que algumas formas tenham sobrevivido até mais tarde no nosso país. Os resultados da análise polínica foram comparados com outros obtidos na Bacia terciária do Douro (Espanha) e nas Bacias terciárias portuguesas. Com base nas variações quantitativas e qualitativas a nível dos táxones e das associações polínicas, Diniz (1984) reconheceu em Rio Maior, nove associações (Fig. 57): “Ensemble” A – dominam os pólenes de Pinus (20 a 50%) seguidos de Quercus (8 a 15%); Myrica e Engelhardtia não ultrapassam os 9%; os pólenes de Cyrillaceae- Clethraceae, de Nyssa e de Taxodiaceae são raros (1%); alguns táxones xerófilos (Oleaceae, Quercus tipo ilex - coccifera e Cistus ) totalizam cerca de 5%; ericáceas e herbáceas em percentagens bastante elevadas. “Ensemble” B – Cyrillaceae-Clethraceae atinge valores elevados (30 a 70% incluindo os de Myrica, Nyssa e Symplocos); Castanea e Salix são bastante numerosos, ao passo que

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Capítulo 7: ESTRATIGRAFIA

As amostras analisadas revelaram-se, na maioria dos casos, extremamente pobres de

palinomorfos, no entanto, constituem testemunhos, embora escassos, susceptíveis de

fornecer dados de índole paleoecológica e paleoclimática, para além de possuírem algum

valor estratigráfico.

A possibilidade de considerar os perfis amostrados anteriores ao Miocénico superior

parece poder ser descartada. Pais (1981) caracterizou detalhadamente, sobretudo do ponto

de vista paleoecológico e paleoclimático, numerosos cortes desde o Miocénico inferior até

à parte inferior do Miocénico superior. A flora, então obtida, incluía diversas essências

tropicais (Bombax, Brugiera, Meliaceae, Nagyipollis, Sapotaceae, etc.) e, ao longo de todo

o Serravaliano, foi registada a presença constante de Platycarya e de Castanea, bem como

a ausência de ericáceas. Na totalidade das nossas amostras verifica-se a ausência de

elementos megatérmicos para além de Taxodium, enquanto que a presença de ericáceas é

quase uma constante.

7.1 – Bacia do Minho - S. Pedro da Torre

Apesar da riqueza polínica obtida no nível argiloso de Barrocas (S. Pedro da Torre),

não é fácil obter uma datação. Algumas das espécies existentes em Barrocas

desapareceram, da Europa Central, no início do Quaternário. De acordo com Suc (1984),

Taxodiaceae, Hamamelis, Liquidambar, Engelhardtia, entre outras formas, desapareceram

ao longo do Placenciano, não voltando a reaparecer no Mediterrâneo ocidental durante o

Plistocénico. No entanto, devido à baixa latitude de Portugal e à influência do mar, é

possível que algumas formas tenham sobrevivido até mais tarde no nosso país.

Os resultados da análise polínica foram comparados com outros obtidos na Bacia

terciária do Douro (Espanha) e nas Bacias terciárias portuguesas.

Com base nas variações quantitativas e qualitativas a nível dos táxones e das

associações polínicas, Diniz (1984) reconheceu em Rio Maior, nove associações (Fig. 57):

“Ensemble” A – dominam os pólenes de Pinus (20 a 50%) seguidos de Quercus (8 a

15%); Myrica e Engelhardtia não ultrapassam os 9%; os pólenes de Cyrillaceae-

Clethraceae, de Nyssa e de Taxodiaceae são raros (≤1%); alguns táxones xerófilos

(Oleaceae, Quercus tipo ilex-coccifera e Cistus) totalizam cerca de 5%; ericáceas e

herbáceas em percentagens bastante elevadas.

“Ensemble” B – Cyrillaceae-Clethraceae atinge valores elevados (30 a 70% incluindo

os de Myrica, Nyssa e Symplocos); Castanea e Salix são bastante numerosos, ao passo que

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os valores de Quercus são inferiores a 1%; Oleaceae, Myrtus e Quercus tipo ilex-coccifera

estão sempre presentes; as ericáceas e as herbáceas não ultrapassam os 5%.

“Ensemble” C – as pináceas dominam novamente; Myrica continua frequente (4 a

13%); Quercus, agora mais abundante, representa cerca de 8%; alguns elementos xerófilos

surgem melhor representados que na associação anterior; Ericaceae muito abundante (10 a

50%).

“Ensemble” D – Pinus decresce ligeiramente; as ericáceas e outros táxones xerófilos

mantêm-se; Quercus é menos abundante (≤5%); Salix é bastante frequente e as

Cupressaceae são raras. Nesta associação verifica-se, à vez, o domínio de Myrica, Nyssa,

Symplocos e das Cyrillaceae-Clethraceae.

“Ensemble” E – a percentagem de Pinus aumenta; Myrica apesar de diminuir

ligeiramente mantém-se frequente; Engelhardtia diminui bastante; Quercus surge melhor

representado que anteriormente; Oleaceae, Quercus tipo ilex-coccifera; Rhamnaceae,

Cistus bem representados; as ericáceas surgem em menor percentagem enquanto que as

herbáceas estão igualmente bem representadas.

“Ensemble” F – inicialmente verifica-se o domínio de Myrica seguido de

Cyrillaceae-Clethraceae, Nyssa e Symplocos; no topo verifica-se elevada percentagem de

Taxodiaceae, acompanhadas de Taxodiaceae/Cupressaceae e sobretudo Cupressaceae;

Engelhardtia surge melhor representada; Quercus torna-se mais frequente para o topo da

associação assim como certos elementos xerófilos.

“Ensemble” G – primeiramente verifica-se o domínio de Cupressaceae para depois

dar lugar a Pinus; Myrica rareia; Quercus e Alnus estão bem representados; alguns táxones

xerófilos estão presentes na base; ericáceas e herbáceas continuam a ocupar posição

importante.

“Ensemble” H – Pinus é largamente predominante; Myrica é muito frequente;

Quercus atinge valores bastante elevados; Alnus está sempre presente (≤5%); ericáceas

muito abundantes.

“Ensemble” I – Myrica, Cyrillaceae-Clethraceae, Engelhardtia, Nyssa, Symplocos e

Taxodiaceae não estão representadas; Alnus aparece em grandes quantidades; ericáceas e

herbáceas totalizam cerca de 45% da soma de base; Pinus e Cupressaceae estão

exiguamente representados; Olea, Phillyrea e Quercus tipo ilex-coccifera representam 5%.

Para o topo da sequência de “ensembles”, estabelecidos na Bacia de Rio Maior, há

claro declínio dos elementos tropicais e subtropicais.

Apenas os níveis inferiores de Rio Maior são compatíveis com o de Barrocas, pois,

nos “ensembles” cimeiros, não estão representados Engelhardtia, Myrica, Symplocos e

Taxodiacaeae. O nível argiloso de Barrocas deverá ser anterior aos últimos “ensembles” de

Rio Maior. Com base nas correlações climato-estratigráficas estabelecidas por Diniz, os

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sedimentos de Barrocas não podem ser mais modernos que o Placenciano superior (Fig.

57). No entanto, Antunes (in Ribeiro et al., 1979) considera que os depósitos lignitosos de

Rio Maior, acima dos depósitos de Carnide (Pombal) datados do início do Pliocénico

superior por nanofósseis (Cachão, 1990; Cachão & Silva, 1990), só podem ser do

Pliocénico final ou Quaternário.

Na ausência de outros elementos de datação consideramos que os depósitos de

Barrocas podem datar do Pliocénico superior ou da base do Quaternário (Fig. 58).

Fig. 57 – Correlação climato-estratigráfica entre Portugal e o Mediterrâneo Ocidental efectuada por Diniz

(adaptado de Diniz, 1984). 1 – laurissilva; 2 – floresta mista mesófila; 3 – floresta caducifólia; 4 – floresta boreal; 5 –

tundra.

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7.2 – Formação de Prado

Dada a dissemelhança patenteada pelos dados da análise polínica, sugere-se a

existência de uma importante descontinuidade estratigráfica que separaria o Membro I da

Formação de Prado de uma unidade subjacente. Esta hipótese fundamenta-se não só nas

diferenças em termos dos resultados fornecidos pela análise polínica e nas condições

climáticas sugeridas pelos mesmos, mas, sobretudo, na idade sugerida pelas associações

presentes. Em PRD1 regista-se a presença de Cyathidites e Cicatricosisporites, esporos

muito frequentes em afloramentos cretácicos. A matéria orgânica presente nesta amostra

possui tonalidades muito escuras; está bastante evoluída, ao contrário do que acontece nas

amostras recolhidas no Membro I, o que se coaduna com uma diferença de idade

significativa, entre o Membro I e o material subjacente, sugerida pelos esporos.

A associação obtida através da análise palinológica das amostras 2PRD17 e 2PRD32

é completamente diferente da anterior, poderá ser pliocénica ou quaternária (Fig. 58). O

reduzido número de amostras estudadas e a escassez de palinomorfos encontrados não nos

permitem, de momento, retirar mais informações. Contudo, acreditamos que o tratamento

palinológico de mais amostras poderá dar algum contributo para o esclarecimento desta

questão, tarefa que nos propomos realizar ulteriormente.

7.3 – Formação de Vale Álvaro

A Formação de Vale Álvaro tem sido apontada como provavelmente de idade

paleogénica (Ramalhal, 1968; Pereira & Azevêdo, 1991). Dada a inexistência de elementos

de datação biostratigráfica e radiométrica, os autores baseando-se em características

sedimentológicas, compararam a Formação de Vale Álvaro com o “Complexo de Benfica”

(Carvalho, 1968; Antunes, 1979; Azerêdo & Carvalho, 1986; Azevêdo, 1991; Azevêdo et

al., 1991; Reis et al., 1991; Dias, 1993) e com o Paleogénico da Bacia do Douro (Martin-

Serrano, 1988; Santisteban et al., 1991). Ramalhal (1968) descreveu um gastrópode do

género Planorbis característico de fácies continentais mas sem valor cronostratigráfico.

Recentemente, os novos dados de índole palinológica levaram Poças et al. (2003) a

sugerir idade pliocénica para a Formação de Vale Álvaro (Fig. 58). Foram estabelecidas

comparações entre as associações vegetais obtidas em Vale Álvaro e os “ensembles”

estabelecidos em Rio Maior por Diniz (1984).

Apesar de a escassez de palinomorfos de Vale Álvaro dificultar a comparação com

aquelas associações, parece possível correlacionar a Associação A, com Myrica bem

representada, com o “ensemble” F de Rio Maior (Diniz, 1984) (Myrica é extremamente

abundante). É ainda paralelizável a abundância relativa de Quercus, Salix e de Oleaceae.

Deve referir-se, no entanto, a não representação de Cupressaceae, Taxodiaceae e

Cupressaceae/Taxodiaceae que, em Rio Maior, são frequentes.

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Fig. 58 – Proposta de enquadramento estratigráfico das formações cujo estudo forneceu dados relevantes do

ponto de vista estratigráfico: Formação de Prado; Formação de Barrocas e Formação de Vale Álvaro.

A Associação B parece assemelhar-se ao “ensemble” G (Diniz, 1984) dado verificar-

se o domínio de Pinus e o desaparecimento de Myrica que, em Rio Maior, também sofreu

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forte declínio (Diniz, 1984). Os restantes elementos são compatíveis: abundância de

Quercus e Ericaceae e presença de Alnus.

O “ensemble” H de Rio Maior (Diniz, 1984) poderá ter na Associação C de Vale

Álvaro o seu homólogo pois, em ambas, Pinus é largamente predominante, Myrica é muito

frequente e Quercus, Alnus e Ericaceae representam também fracção importante. Todavia,

não é de excluir a hipótese de todas as associações poderem corresponder ao “ensemble”

H.

A confirmarem-se estas comparações e, de acordo com as correlações climato-

estratigráficas efectuadas por Diniz (1984) com as comunidades vegetais do Mediterrâneo

Ocidental, os depósitos da Formação de Vale Álvaro poderiam corresponder à zona PII de

Suc (1984) atribuída ao Pliocénico superior (Fig. 57).

7.4 – Formação de Bragança

Nesta formação inserem-se os perfis de Sendim, Salselas, Modelo e Mirandela, nos

quais se verificou, à excepção deste último, extrema escassez de palinomorfos. Portanto,

não dispomos de dados suficientes que permitam perspectivar comparações de cariz

estratigráfico.

No que respeita ao paleoclima, os dados palinológicos obtidos nos sedimentos da

Formação de Bragança parecem-nos ir de encontro ao proposto por Pereira (1997). Na

generalidade apontam clima temperado e, particularmente em Mirandela, humidade

relativamente elevada.