Capitulo Diversidade Cultural e Desigualdade de Trocas

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    1. A diversidade cultural no contexto ibero-americano

    Questionar-se sobre o impacto dos processos de produo e circulao dainformao na promoo da diversidade cultural remete, primeiramente, Conveno sobre a Proteo e Promoo da Diversidade das ExpressesCulturais (2005), aprovada pela Unesco.1Essa Conveno, ratificada atualmentepor 111 Estados, expressa em seus princpios reitores (art. 2 o) que: O acessoequitativo a uma rica e diversificada gama de expresses culturais procedentesde todos os cantos do mundo e o acesso das culturas aos meios de expressoe difuso so elementos importantes para valorizar a diversidade cultural epropiciar o entendimento mtuo.

    Na gnese da Conveno se encontra um debate inacabado. Aquele que, nocontexto da Rodada no Uruguai do Gatt, (1986-1993), confrontou delegaesdos pases (Estados Unidos, Japo) que pretendem incluir as produesculturais filmes e obras audiovisuais na lista de mercadorias submetidass normas do livre intercmbio com delegaes (Frana e Canad, entre

    1Como destaca a Unesco, esta Conveno constitui juntamente com a de 1972, relativa Pro-teo do Patrimnio Mundial, Cultural e Natural, e a de 2033 para a Salvaguarda do PatrimnioCultural Imaterial um dos trs pilares da conservao e promoo da diversidade criativa.

    LUIS A. ALBORNOZ

    QUESTIONAMENTOSEM TORNO

    DA DIVERSIDADECULTURAL NA

    IBERO-AMRICA

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    outras) que, diante da denunciada homogeneizao cultural, reivindicam anecessidade de continuar desenvolvendo polticas pblicas e instrumentos(cotas, subvenes, crditos suaves, garantias sobre emprstimos, incentivos exportao etc.) com a finalidade de garantir uma produo cultural endgenae diversificada (Gournay, 2004).

    Esse debate no novo e h dcadas confronta diversos pases e setores

    sociais. Nesse sentido, vale lembrar um antecedente muito importante daConveno, o Relatrio MacBride (Um Mundo e Muitas Vozes: Comunicaoe Informao na Nossa poca, 1980), fruto das discusses em torno proposta de uma Nova Ordem Mundial da Informao e da Comunicao(Nomic). Tal trabalho, elaborado pela Comisso Internacional para o Estudodos Problemas da Comunicao, presidida pelo Prmio Nobel irlandsSean MacBride, aborda aspectos-chave relacionados diretamente com oque hoje se entende por diversidade cultural: o controle governamental, omonoplio e a comercializao dos meios de comunicao ou o poder dosconglomerados transnacionais. Os autores do clebre relatrio j alertavam:Por definio, quem se interessa por uma comunicao mais desenvolvida,de melhor qualidade e mais livre o pblico em geral, e a forma de ajud-lo afazer-se ouvir e de conseguir satisfazer os seus desejos consiste em introduziro esprito democrtico no mundo da comunicao.

    A proposta do Nomic nos anos 1970 pelo Movimento dos Pases No Alinhados,as constataes e recomendaes do Relatrio MacBride e a elaborao daConveno da Unesco chamam a ateno para os problemas enfrentados pelaproduo, pela circulao e pelo consumo de importantes expresses culturais,tanto no mbito internacional quanto nos mbitos nacionais e locais.Se concentrarmos nossa ateno no polidrico espao ibero-americano,encontraremos uma disparidade de situaes e uma srie de problemticas,inter-relacionadas entre si e transversais aos pases, que atentam contra aalmejada proteo e promoo da diversidade cultural. Em um trabalho anterior(Albornoz e Herschmann, 2007), destacou-se que para a I bero-Amrica:

    a) Foram constatados altos ndices de concentrao da propriedadedos meios de comunicao. Conglomerados empresariais como Prisa(Espanha), Globo (Brasil), Televisa (Mxico), Clarn (Argentina) ou Cisneros(Venezuela) detm, em seus respectivos mercados, posies dominantesna produo e na distribuio de contedos culturais de todos os tipos.A esse respeito, um importante estudo coordenado recentemente porBecerra e Mastrini (2010) demonstra claramente os elevados ndices deconcentrao dos meios de comunicao (imprensa, rdio e televiso

    aberta e paga) e da indstria das telecomunicaes (telefonia fixa e mvele internet) na regio. Tomando como referncia dados correspondentesa 2004, a pesquisa destaca que: mais de 82% dos mercados deinformao e comunicao na Ibero-Amrica esto concentrados, emmdia, em apenas quatro operadoras. A mesma medio no tocante aodomnio de mercado da primeira operadora, no conjunto das indstriasinfocomunicacionais, sobe, em mdia, para 45%.

    b) Historicamente, a Ibero-Amrica tem-se caracterizado pela relaosimbitica estabelecida entre os meios de comunicao e a classe

    poltica. A regio, com diversas nuanas, mostrou a ausncia de umaconcepo de servio pblico para os meios audiovisuais: no foramestabelecidos sistemas pblicos de radiodifuso e as mdias comunitriasforam marginalizadas. Por outro lado, entre os governantes (de carterdemocrtico e ditatorial) se primou pela concepo instrumental dosmeios de comunicao, transformando-os em correias de transmissodo iderio oficialista. Mergulhando na histria da televiso, encontramoscasos extremos como as intrincadas relaes entre o PRI e a Televisa ouo apoio que O Globoprestou ao candidato Fernando Collor de Melo naseleies presidenciais de 1989. Em alguns pases, foram constatadassituaes estruturais graves. Assim, por exemplo, Santos e Capparelli(2005) optam por utilizar o termo coronelismo eletrnico para descreveras histricas relaes clientelistas entre a administrao brasileira e osdonos das cadeias de televiso aberta.

    c) incontestvel a opacidade que domina a produo e a provisode dados sobre os setores da informao, da comunicao e da

    cultura. Em geral, os pases da regio carecem de dados sistemticos econfiveis elaborados por rgos independentes competentes. Muitosdados no so produzidos (por desconhecimento de sua importncia oupor dificuldades de outra ndole: custos, falta de colaborao dos agentes,economia informal etc.) ou esto nas mos de empresas ou associaes

    profissionais que dificultam seu conhecimento por parte do pblico.Assim, por exemplo, quase impossvel saber quantos exemplares dejornal so vendidos pelos principais grupos editores do Mxico (pas com100 milhes de habitantes), j que essa informao considerada sigilosaem razo da disputa interempresarial pelo mercado de leitores.

    d) Verifica-se um desconhecimento sobre as relaes entreeconomia e cultura. Os responsveis por elaborar polticas decultura e comunicao vm trabalhando com escassos indicadores,

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    tanto quantitativos quanto qualitativos, sobre as atividades culturais.Portanto, impossvel realizar comparaes entre setores, pases eblocos regionais ou saber qual o peso econmico das atividadesdesenvolvidas pelos meios de comunicao e outros setores dacultura. Como assinala Bonet i Agust (2004):

    a informao estatstica disponvel sobre o setor cultural escassa,

    com limitadas sries temporais, pouco homognea pas a pas, e comuma baixssima capacidade para se ajustar s novas necessidadesinformativas do mundo contemporneo. Gerar estatsticas, caro, exigerigor e continuidade temporal. Os governos e suas instituies comresponsabilidade ou fundos para realiz-las (institutos de estatstica, bancoscentrais, ministrios) tendem a se concentrar nas grandes magnitudeseconmicas e sociais, ou ainda naqueles indicadores requeridos pelasinstituies intergovernamentais. A cultura, em geral, no faz parte deles.

    e) Nesse mbito, resta destacar as dificuldades enfrentadas pelacirculao das produes culturaistanto entre os pases da regio quantodentro deles prprios. Embora se verifique a existncia de polticas nacionaise de programas de cooperao internacional (como o Ibermedia), queinfluenciam na produo e na coproduo de contedos, encontram-segraves falhas na hora de coloc-los ao alcance de seus pblicos potenciais.Estruturas de mercado oligoplicas, concorrncia desleal, altos custosde distribuio e promoo, falta de infraestruturas bsicas ou ausnciade acordos alfandegrios so algumas das dificuldades enfrentadas peladistribuio. Essas dificuldades afetam diretamente o consumo de taisprodues (muitas vezes financiadas parcialmente com recursos pblicos)por estar vetado o acesso maioria dos cidados ibero-americanos.

    2. Televiso: barreiras diversidade

    A segunda pergunta feita foi: em qual estgio estamos em termos debases regulatrias, prticas institucionais e iniciativas sociais no tocante ao

    desenvolvimento e ao uso das tecnologias da informao e da comunicao?Como possvel observar, trata-se de uma pergunta ampla que oferece apossibilidade de escolher diferentes caminhos com a finalidade de encontrar umaresposta. Em detrimento de abordar o inovador cenrio miditico das novas redese suportes digitais, uma possibilidade prestar ateno nos sistemas de televisoaberta. Tal escolha se justifica pelo fato de que a televiso, em permanentemutao, h vrias dcadas o meio de comunicao hegemnico no contextoibero-americano: uma mdia que apresenta graus de penetrao muito altos(prximos a 100% dos lares em muitos pases); o meio ao qual os indivduos

    dedicam mais tempo de consumo dirio (de 3 a 4 horas dirias de consumo); e,no contexto das mdias convencionais, aquela que concentra a porcentagemmais alta de investimento publicitrio. Alm disso, a escolha se assenta no fatode que a televiso hertziana est em um interessantssimo e aberto processo detransformao, se considerarmos as possibilidades oferecidas pela implantaoda televiso digital terrestre (TDT). H um novo cenrio que deve ser definido doponto de vista tanto social (usos) como econmico (modelo de negcio): a quais

    interesses vai atender a implantao dos novos sistemas de TDT nas sociedadesibero-americanas? A TDT vai servir somente para assistir com maior qualidadede imagem e som a determinados contedos (por exemplo, alta definio naretransmisso de eventos esportivos) ou ser a oportunidade para democratizaro sistema oligopolstico-comercial da televiso aberta (por exemplo, permitindoa entrada de novas operadoras sem fins lucrativos)?

    O espectro radioeltrico empregado pelas operadoras de televiso hertziana considerado pela Unesco como parte do patrimnio comum da humanidade quedeve ser administrado pelos Estados de forma racional, eficaz e econmica. Estclaro o mero papel de mediadores dos Estados: no sendo proprietrios do espectroradioeltrico, e sim responsveis pela sua correta administrao. Nesse sentido, osEstados, no contexto de uma sociedade democrtica, tm a obrigao de garantiro acesso equitativo dos diferentes setores sociais cidados prestao dos serviosde radiodifuso. Tal afirmao leva a pensar na radiodifuso como um espao deconcretizao dos direitos fundamentais inerentes a qualquer indivduo e extensveisa qualquer grupo social, dispostos no artigo 19 da Declarao Universal dos DireitosHumanos (1948): o direito liberdade de expresso e o direito informao.

    Porm, o espao radioeltrico pode ser tambm o mbito de concretizao dodireito diversidade cultural? Responder afirmativamente a essa pergunta implicaa vocao poltica e a capacidade instrumental dos Estados para garantir umapluralidade de atores, uma diversidade de meios de comunicao e uma diversidadede linhas editoriais, gneros, contedos etc. Em seu artigo 4o, a prpria Convenosobre a Proteo e Promoo da Diversidade das Expresses Culturais entende que

    o conceito de diversidade cultural refere-se multiplicidade de formas como seexpressam as culturas dos grupos e sociedades. Essas expresses so transmitidasdentro e entre os grupos e as sociedades. E acrescenta que a diversidade cultural

    se manifesta no somente nas diversas formas como se expressa,enriquece e transmite o patrimnio cultural da humanidademediante a variedade de expresses culturais, como tambm pormeio de distintos modos de criao artstica, produo, difuso,distribuio e usufruto das expresses culturais, quaisquer quesejam os meios e tecnologias utilizados.

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    Ento, cabe perguntar-se: possvel a produo, a difuso e o acesso aexpresses culturais diversas no contexto de funcionamento de um sistemamiditico que no reconhea a pluralidade de atores sociais? Est claro queum dos atores-chave (no o nico) para proteger e promover a diversidadedas expresses culturais o acesso de diferentes grupos gesto de serviosde radiodifuso.

    Uma recente publicao do Programa de Legislaes e Direito Comunicao, da Associao Mundial de Rdios Comunitrias para aAmrica Latina e Caribe (Amarc-ALC), intitulada Las Mordazas Invisibles.Nuevas y Viejas Barreras a la Diversidad en la Radiodifusin [As mordaasInvisveis. Novas e Velhas Barreiras Diversidade na Radiodifuso] (2009),pode ajudar a esclarecer as formas como os Estados atentam contra ademocratizao dos sistemas de rdio e televiso aberta. Os autores dessetrabalho de pesquisa que contempla o estudo de caso de oito paseslatino-americanos (Argentina, Bolvia, Brasil, Chile, Mxico, Peru, Uruguai eVenezuela) e est acompanhado de uma srie de trabalhos complementares expem uma srie de pontos problemticos que devem ser consideradospara compreender a falta de pluralismo (com o perigo que isso gera para adiversidade cultural) mostrada por nossos sistemas de radiodifuso.

    Em primeiro lugar, destacam-se as prticas discricionrias na concessode licenas de explorao do servio de radiodifuso. Segundo aAmarc-ALC:

    os procedimentos para a concesso de uso de frequncias deradiodifuso se tornaram as primeiras e mais importantes barreirasde acesso ao rdio e televiso e, portanto, mecanismos indiretosque limitam a liberdade de expresso. Dessa forma, excludoe suprimido o direito das grandes maiorias sociais do nosso pas,muitas vezes indgenas ou rurais, mas tambm urbanas.

    Por outro lado, vale destacar o recorrente fato de que as concesses de

    frequncias estejam relacionadas com uma nica ou determinante varivel:a capacidade econmica dos potenciais licenciados. Assim, o prprio Estadogarante que a explorao das frequncias radioeltricas recaia, em muitos casosde forma exclusiva, nas mos daqueles atores economicamente mais poderosos.

    Um segundo aspecto tem relao com o prprio carter das concesses e ascondies de usoque so impostos aos principais radiodifusores a partir daredao dos editais (bases e condies) dos concursos pblicos. Nesse sentido,a anlise de casos realizada pela equipe da Amarc-ALC mostra a existncia de

    normativas que instauram limitaes prvias, arbitrrias e discriminatrias notocante a contedos, potncia das emissoras, cobertura territorial, quantidadede canais disponveis ou acesso a fontes de financiamento.

    Como exemplo, o Decreto-Lei no 22.285, de 1980, que regulamentou aradiodifuso na Argentina durante quase trs dcadas, estabelecia que esta erauma atividade exclusivamente comercial, impedindo universidades, sindicatos

    e rgos no governamentais de operar estaes de televiso. Foi necessrioesperar at 2005 para que o Congresso Nacional autorizasse, com restries, aspessoas jurdicas sem fins lucrativos a ser titulares de licenas.

    Em terceiro lugar esto as condies de renovao e revogao daslicenas de radiodifuso. Esse assunto to delicado e obscuro ficou conhecidointernacionalmente quando o governo da Venezuela decidiu, em 2007, norenovar a autorizao de emisso para a Radio Caracas Televisin (RCTV),operadora privada acusada pelo governo de ter apoiado o golpe de Estadoque derrubou Hugo Chvez durante 48 horas em 2002.2

    Em termos gerais, na regio latino-americana no existem princpios nemprocedimentos claros e explcitos que guiem a renovao ou a revogao

    de licenas. Tal ausncia abre espao para a discricionariedade dos governosque se encontram no poder, que tm na renovao/revogao de licenasuma poderosa arma para premiar ou castigar o comportamento poltico eideolgico dos proprietrios e gestores de mdias de radiodifuso. Por outrolado, a difundida prtica de renovar as licenas automaticamente, sem verificaro cumprimento de obrigaes e o desempenho das operadoras, ou, emalguns pases, a concesso de licenas de explorao sine die atentam contra opluralismo e a diversidade no mbito da radiodifuso.

    Em quarto lugar, a anlise do desenho institucionalexibido pelos pases daregio no momento de regular as concesses de televiso mostra uma claraingerncia dos governos nacionais. Essa interveno do Poder Executivoocorre em detrimento da existncia e da atuao de rgos de controleindependentes, funcional e organicamente, tanto do poder poltico quanto do

    2O Libro blanco sobre RCTV(2007) [Livro Branco sobre a RCTV], elaborado pelo Ministrio do PoderPopular para a Comunicao e a Informao da Venezuela, expe: No caso da RCTV, o governo daVenezuela decidiu que a concesso no seria renovada porque a empresa falhou no cumprimentodos padres consoantes com os interesses pblicos e tambm porque dessa forma se pode ofere-cer a concesso a outras operadoras que no tiveram antes a oportunidade de usar o espao. Taldeciso procura democratizar tanto o acesso quanto o contedo da televiso pblica. Por outrolado, a RCTV poder continuar transmitindo o seu sinal via cabo e satlite.

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    setor corporativo. Vale destacar como elemento-chave na democratizao dossistemas televisivos a existncia de autoridades independentes do audiovisualque contem com personalidade jurdica prpria, que estejam dotadas depessoal de alta qualidade, que contem com autonomia econmica, que tenhamcompetncia sobre mercados e contedos e sobre operadoras pblicas eprivadas e que disponham de todos os recursos legais para sua interveno.

    Por ltimo, como apontamos em uma das passagens da epgrafe precedente,o denunciado e generalizado fenmeno da concentrao empresarial naradiodifuso, juntamente com a presena de grandes conglomerados cominteresses nos diversos setores que formam as indstrias culturais, representaum srio obstculo para democratizar os meios de comunicao e, portanto,garantir e promover a diversidade cultural.

    3. Polticas de comunicao para a diversidade cultural

    A terceira e ltima pergunta formulada cobra que seja feita uma avaliaosobre os desafios e as possibilidades que enfrenta hoje a articulao entrecomunicao, informao e diversidade cultural. Como se havia mencionado,numerosas anlises demonstram um desequilbrio no acesso que tm osdiferentes setores sociais produo e difuso cultural, em geral, e aosmeios de radiodifuso, em particular. Portanto, um dos grandes desafios dassociedades de nosso entorno dar voz queles que no a tm. Como destacaa Comisso Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),

    para enfrentar o dficit de proteo da liberdade de expressodos grupos marginalizados e a insuficiente informao dassociedades []. Em primeiro lugar, necessrio insistir nanecessidade urgente de aplicar leis antimonoplio para evitara concentrao da propriedade e do controle dos meios decomunicao. Em segundo lugar, necessrio que a concessode frequncias e licenas de todo o espectro radioeltrico e,em especial, do novo dividendo digital 3 respeite a obrigaoque imposta aos Estados pela base jurdica interamericana efomente, assim, de forma decisiva, o pluralismo e a diversidade

    no debate pblico.

    No mbito de uma digitalizao integral das indstrias culturais, muitosEstados na Ibero-Amrica esto reformulando, em diversas direes,suas polticas de comunicao e, como consequncia, as legislaes queafetam a estrutura e o funcionamento de seus correspondentes sistemas

    3Frequncias radioeltricas liberadas aps a interrupo das emisses analgicas de televiso hertziana.

    miditicos. Em termos gerais, o incio do sculo representa cenrios derenovadas tenses (e propostas) entre governos, organizaes sociais econsolidados grupos miditicos. Em muitos pases, a discusso pblicasobre como democratizar as comunicaes e garantir a diversidade culturalest mais viva do que nunca.

    A seguir, e como uma concluso em aberto, apresentamos alguns exemplos do

    rico debate enfrentado pela regio atualmente:

    Argentina. Em 10 de outubro de 2009 foi promulgada a nova Leide Servios de Comunicao Audiovisual (Lei no26.522).4Baseada no direitocomparado internacional para garantir a pluralidade e a diversidade, a novanormativa contou com o apoio dos relatores especiais pela liberdade deexpresso das Naes Unidas (ONU) e da Organizao dos Estados Americanos(OEA) e com a oposio dos principais meios de comunicao e associaesempresariais do pas. Trata-se de uma normativa exemplar em sua luta contraos oligoplios audiovisuais ao colocar limites para a quantidade de licenasde rdio ou televiso que podem ser operadas por uma mesma empresa,ampliar as regulamentaes estatais e definir a atividade dos meios comosocial e de bem pblico. A lei, em seu artigo 89, reserva 33% das frequnciasradioeltricas de televiso, em todas as reas de cobertura, para operadorassem fins lucrativos.

    Uruguai. outro caso interessante. Em 11 de dezembro de 2007foi aprovada a Lei de Radiodifuso Comunitria (Lei no18.232), que, com afinalidade de resguardar a pluralidade e a diversidade, reserva um tero dasfrequncias de televiso, tanto analgicas quanto digitais, para operadorassem fins lucrativos. A normativa considera o espectro radioeltrico comoum patrimnio comum da humanidade sujeito administrao dos Estadose, portanto, o uso equitativo das frequncias de toda a sociedade uruguaiaconstitui um princpio geral de sua administrao.

    Brasil. De 14 a 17 de dezembro de 2009 foi celebrada em Braslia a 1

    Conferncia Nacional de Comunicao (Confecom), evento que congregourepresentantes da sociedade civil, do empresariado e do governo. O encontroserviu para evidenciar as marcantes diferenas entre o setor corporativo e diversos

    4 A lei se baseia nos 21 pontos bsicos pelo Direito Comunicao, que foram pactuados pordiversas organizaes sociais, de direitos humanos, cooperativas, sindicatos, universidades, associa-es de radiodifusores e rdios comunitrias, agrupados em 2004 sob o nome de Coalizo por umaRadiodifuso Democrtica (www.coalicion.org.ar).

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    coletivos da sociedade civil. As propostas aprovadas na Confecom (diretrizes dogoverno em termos de poltica de comunicao) incluem o fortalecimento dasmdias no comerciais e o estmulo concesso de frequncias para a radiodifusocomunitria. Entretanto, os representantes do empresariado conseguiramderrotar a proposta de colocar limites concentrao da propriedade no mbitodas tecnologias da informao e da comunicao com a desagregao estruturaldas redes de telecomunicaes, proibindo um mesmo grupo de controlar a

    infraestrutura e servios (Fuser, 2010).

    Espanha. Em 1 de abril de 2010 entrou em vigor uma nova normativa(Lei no 7/2010, Geral da Comunicao Audiovisual), que incentiva a formaoem mdio prazo de um oligoplio na prestao do servio ao autorizar asfuses de operadoras. A lei estabelece um regime de concesso, arrendamento,cesso, renovao ou extino das licenas audiovisuais e entendida comoum direito das operadoras de lanar canais pagos, limitados a 50% dos canaisconcedidos a cada operadora de televiso digital terrestre. Portanto, prev-se que dois grandes grupos polarizem o setor televisivo privado tanto emcontedos como em gesto publicitria. Da mesma forma, a to esperada novaautoridade do audiovisual [ criado o Conselho Estadual de Meios Audiovisuais,(Cema)] carece de capacidade para conceder/revogar licenas ou para puniraquelas operadoras que violarem a lei.

    Venezuela. Com base no artigo 13 da Conveno Americana sobreDireitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica), a Procuradoria-Geral daRepblica apresentou, em meados de 2009, uma proposta de Lei Especialsobre Delitos Miditicos que previa at quatro anos de priso para quemdeturpasse uma informao ou causasse algum prejuzo aos interesses doEstado, entre outros delitos tipificados. Denunciada a partir de diferentesfrentes internas e externas por sua marcante caracterstica antidemocrtica,a proposta foi descartada pelo Parlamento venezuelano poucos dias depoisde se tornar pblica.

    Equador. Nos ltimos meses, o pas est imerso em um acaloradodebate sobre uma nova lei de meios de comunicao que contempla aexistncia de mdias privadas, pblicas e comunitrias a cargo de organizaessociais e cuja funo ser expressar a diversidade cultural e identidade de taiscomunidades. As associaes Equatoriana de Radiodifuso (AER) e Canais deTeleviso do Equador (ACTVE) manifestaram suas crticas diante do projetooficialista que estabelece sanes s mdias de imprensa, rdio e televiso queno inclurem cotas de produo nacional em sua programao ou que fizerempropaganda de certos produtos (fumo e lcool).

    Os problemas abordados ao longo do artigo mostram claramente que aproteo e a promoo da diversidade cultural no espao ibero-americanoesto ameaadas em diversas frentes. A produo e o acesso a um amploconjunto de expresses culturais diversas em suas distintas nuanas tmno funcionamento dos sistemas miditicos um de seus principais pilares.Portanto, a democratizao dos meios de comunicao social (e, em particular,da televiso hertziana) uma conditio sine qua non para possibilitar o

    florescimento das expresses culturais nas sociedades (Unesco, 2005).

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    Luis A. Albornoz formado em cincias da comunicao pela Universidade deBuenos Aires, com doutorado em cincias da comunicao pela Universidade Com-plutense de Madri. Professor da Universidade Carlos III de Madri e integrante do grupode pesquisa Televisin-cine: memoria, representacin e industria [Televiso-cinema:memria, representao e indstria] (Tecmerin). Presidente da Unio Latina de Econo-mia Poltica da Informao, da Comunicao e da Cultura (ULEPICC) e coordenador doObservatrio de Cultura e Comunicao da Fundao Alternativas (2008-2010). E-mail:[email protected].