CAPÍTULO I Teoria da constituição · 20 Edem nápoli se tornou conhecido, e, por fim, qual a...

18
Teoria da constituição 19 CAPÍTULO I Teoria da constituição Sumário: 1. Conceito de Constuição – 2. Sendos ou concepções de Cons- tuição: 2.1. Sendo sociológico; 2.2. Sendo políco; 2.3. Sendo jurídi- co; 2.4. Sendo cultural – 3. Classificação das constuições: 3.1. Quanto ao conteúdo; 3.2. Quanto à forma; 3.3. Quanto à origem; 3.4. Quanto à esta- bilidade; 3.5. Quanto à extensão; 3.6. Quanto à elaboração; 3.7. Quanto à ideologia; 3.8. Quanto à essência; 3.9. Quanto à sistemazação; 3.10. Quan- to à finalidade; 3.11. Quanto ao sistema; 3.12. Classificação da Constuição Federal brasileira de 1988 – 4. Estrutura das constuições: 4.1. Preâmbulo; 4.2. Normas centrais da constuição (parte dogmáca); 4.3. Ato das Dispo- sições Constucionais Transitórias (ADCT) – 5. Tópico síntese: 5.1. Classifica- ção da Constuição Brasileira de 1988. \ Leia a Lei: ͳ Argos 5º, § 3º; 60 e 242, § 2º, da CF. ͳ Art. 3º do ADCT. 1. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO Sobre o conceito de Constituição, é preciso que se diga que não há uma definição una acerca do seu objeto. De todo modo, malgrado não se possa extrair da doutrina um conceito único, é bem verdade que as definições não são destoantes. Tendo como base o novo Direito Constitucional, o que não se pode perder de vista é que a Constituição, além de ser o pacto fundante do ordenamento supremo de um povo, é um organismo aberto, vivo e em constante evolução. Efetivamente, essas características são indispensáveis para que ela possa acompanhar as mutações e evoluções sociológicas do mundo cir- cundante, e não cair no limbo do esquecimento, desgastada pelos para- digmas do passado, tornando-se, pois, obsoleta. 2. SENTIDOS OU CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO Antes de partir para o enfrentamento dos diferentes sentidos de Constituição, necessário se faz fixar a premissa segundo a qual, para cada concepção diferente, o candidato deve perquirir: quem foi o prin- cipal expoente daquela acepção, qual foi a obra através da qual o sujeito Livro 1.indb 19 27/05/2014 10:13:22

Transcript of CAPÍTULO I Teoria da constituição · 20 Edem nápoli se tornou conhecido, e, por fim, qual a...

Teoriadaconstituição

19

C A P Í T U L O I

Teoria da constituiçãoSumário: 1. Conceito de Constituição – 2. Sentidos ou concepções de Cons-tituição: 2.1. Sentido sociológico; 2.2. Sentido político; 2.3. Sentido jurídi-co; 2.4. Sentido cultural – 3. Classificação das constituições: 3.1. Quanto ao conteúdo; 3.2. Quanto à forma; 3.3. Quanto à origem; 3.4. Quanto à esta-bilidade; 3.5. Quanto à extensão; 3.6. Quanto à elaboração; 3.7. Quanto à ideologia; 3.8. Quanto à essência; 3.9. Quanto à sistematização; 3.10. Quan-to à finalidade; 3.11. Quanto ao sistema; 3.12. Classificação da Constituição Federal brasileira de 1988 – 4. Estrutura das constituições: 4.1. Preâmbulo; 4.2. Normas centrais da constituição (parte dogmática); 4.3. Ato das Dispo-sições Constitucionais Transitórias (ADCT) – 5. Tópico síntese: 5.1. Classifica-ção da Constituição Brasileira de 1988.

\ Leia a Lei: ͳ Artigos 5º, § 3º; 60 e 242, § 2º, da CF. ͳ Art. 3º do ADCT.

1. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO

Sobre o conceito de Constituição, é preciso que se diga que não há umadefiniçãounaacercadoseuobjeto.Detodomodo,malgradonãose possa extrair da doutrina um conceito único, é bem verdade que as definiçõesnãosãodestoantes.

Tendo como base o novo Direito Constitucional, o que não se pode perder de vista é que a Constituição, além de ser o pacto fundante do ordenamento supremo de um povo, é um organismo aberto, vivo e em constante evolução.

Efetivamente, essas características são indispensáveis para que ela possa acompanhar as mutações e evoluções sociológicas do mundo cir-cundante, e não cair no limbo do esquecimento, desgastada pelos para-digmas do passado, tornando-se, pois, obsoleta.

2. SENTIDOS OU CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO

Antes de partir para o enfrentamento dos diferentes sentidos de Constituição,necessário se faz fixarapremissa segundoaqual,paracada concepção diferente, o candidato deve perquirir: quem foi o prin-cipal expoente daquela acepção, qual foi a obra através da qual o sujeito

Livro 1.indb 19 27/05/2014 10:13:22

20

Edem nápoli

setornouconhecido,e,porfim,qualamensagemdisseminadanaobraem comento.

2.1. Sentido sociológico

Seguindo a trilha do raciocínio esposado acima, pode-se afirmarque o principal nome do sentido sociológico de Constituição foi Fer-dinand Lassalle. Evoluindo, a obra através da qual Lassalle se tornou conhecido por disseminar este sentido de Constituição foi “Que é uma Constituição”. E concluindo as três ideias básicas (pensador, obra e mensagemdisseminada),identifica-seque,comosentidosociológico,Constituição nada mais era do que “a soma dos fatores reais de poder que regem uma sociedade”.

Destrinchando a noção do sentido sociológico de Constituição, para Lassalle, o Texto Supremo de um Estado deveria corresponder à própria realidade social. De nada adiantaria ter uma Constituição que previsse uma série de garantias, mas essas garantias não pudessem ser observadas na prática.

Esta Constituição, no seu sentir, seria utópica e não passaria de mero “direito de papel”.

É a partir daí que Lassalle distingue a Constituição real da Cons-tituição jurídica. Esta (a jurídica), definitivamente, não correspondeàquilo que se pretende de uma Constituição, pois está pautada na uto-pia do dever ser. Aquela (a real), de fato, para ele, representa o que se podeesperardeumaLeiFundamental:queelarealmentecorrespondaà realidade social, tendo ressonância na vida das pessoas, e situando-se no plano do ser, jamais no plano do dever ser.

2.2. Sentido político

Como principal expoente do sentido político de Constituição tem-se Carl Schmitt. A obra através da qual Schmitt se tornou conhecido por disseminar o sentido político de Constituição foi “Teoria da Constitui-ção”. Para ele, Constituição deveria ser percebida como o “conjunto de normas, escritas ou não escritas, que sintetizam exclusivamente as decisões políticas fundamentais de um povo”.

Para o autor, decisões políticas fundamentais seriam aquelas normas indispensáveis à construção de um modelo de Estado, vale dizer, normas

Livro 1.indb 20 27/05/2014 10:13:22

Teoriadaconstituição

21

relacionadas à organização do Estado, à organização dos Poderes e aos direitos e garantias fundamentais. Sem a presença dessas normas, não haveria como se pensar num Estado politicamente organizado.

E foi nesse contexto que Carl Schmitt distinguiu constituição de leis constitucionais. Constituição seria aquele diploma que efetivamente trouxesse as normas imprescindíveis à construção de um modelo de Estado. Do outro lado, leis constitucionais seriam as normas desprovi-das de essencialidade constitucional.

2.3. Sentido jurídico

O sentido jurídico de Constituição é marcado pela presença do mes-tre de Viena, Hans Kelsen, como principal expoente, como precursor desse sentido. A principal obra de Kelsen a traduzir essa ideia de Cons-tituição, sem dúvida, é “Teoria Pura do Direito”. Nessa obra tem-se que, sob um prisma nitidamente normativista, Kelsen percebia Consti-tuição como norma pura, suprema e positivada.

Enquanto Lassalle, no seu sentido sociológico, entendia que a Cons-tituição estava situada no plano do ser, Kelsen, no seu sentido jurídico, colocou a Constituição no plano do dever ser.

O austríaco, nessa perspectiva altamente normativista, tentava ao máximo se afastar da ética, da moral e da axiologia, sempre com o obje-tivo de se desvencilhar de possíveis interpretações dúbias. Isto porque, para ele, ao contrário do que entendia Lassalle, o direito não poderia ser fruto da realidade social, mas sim fruto da vontade racional dos ho-mens.

Kelsen entendia a Constituição como fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico. Numa relação de verticalidade hierár-quica, todas as espécies normativas deveriam obedecer ao quanto dis-posto na Constituição. Esta ocupava o ápice da pirâmide normativa.

E para explicar onde a Constituição buscava seu fundamento de va-lidade, Kelsen distinguiu o sentido lógico-jurídico, do sentido jurídico--positivo de Constituição.

Para ele, no sentido lógico-jurídico, Constituição nada mais seria do que a própria norma hipotética fundamental, cuja função é ser-vir de fundamento lógico transcendental de validade da Constituição

Livro 1.indb 21 27/05/2014 10:13:22

22

Edem nápoli

jurídico-positiva. Por ser hipotética, não se poderia ver essa norma. Ela situava-se no plano das ideias, no plano do suposto.

Por sua vez, com o sentido jurídico-positivo, a Constituição era per-cebida como a própria norma positivada. Esta sim, situada não no plano do suposto, mas sim no plano do posto, palpável e visível.

Essa divisão dos sentidos pode ser bem percebida na diagramação da pirâmide abaixo:

2.4. Sentido cultural

O sentido cultural também é chamado de sentido culturalista, sen-tido total ou sentido ideal de Constituição.

A essência desse sentido reside na ideia de que todas as concepções anteriores possuem fundamento. O problema de cada uma daquelas vi-sões é que elas foram estanques e se achavam bastante em si mesmas, não ensejando espaço para comunicação.

\ Atenção: Nesse passo, tem-se que a melhor acepção é aquela que percebe a Constituição como realidade social, decisão política fundamental e norma suprema positivada. É o sentido cultural.

Livro 1.indb 22 27/05/2014 10:13:22

Teoriadaconstituição

23

Comungando desse sentido pode-se citar Konrad Hesse, com “A força normativa da Constituição” e Peter Häberle, com “A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”. EnoBrasil, por todos,Paulo Bonavides.

3. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

Dentrodatemáticadaclassificaçãodasconstituições,várioscrité-riosforamapresentadospelosestudiososdoDireitocomafinalidadeemcomento.Defato,inúmerossãoosmodelosclassificatórios.Entre-tanto,dadaafinalidadedaobra,aquiserãoapresentadososprincipais.

3.1. Quanto ao conteúdo

Quantoaoconteúdoumaconstituiçãopodeserclassificadacomo:material ou formal.

Material é a constituição cujas normas devem versar sobre aquelas matérias indispensáveis à construção de um modelo de Estado. Ou seja, seria o conjunto de normas, escritas ou não escritas, que sintetizam apenas a decisões políticas fundamentais de um povo, é dizer, normas relacionadas à organização do Estado, à Organização dos Poderes e aos direitos e garantias fundamentais.

Jáaconstituiçãoformal,porsuavez,podeserdefinidacomoocon-junto de normas necessariamente escritas que para serem considera-das constitucionais bastam aderir formalmente ao texto, independen-temente do seu conteúdo.

Aqui, como se percebe, a preocupação é com a forma, pouco impor-tando o substrato material da norma. A Constituição brasileira de 1988 éformal,eumexemplotípicodessaidentificaçãoéoart.242,§2º,se-gundo o qual “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”.

Vale lembrar que como característica desse tipo de constituição, nãoháquesefalaremhierarquiaentreasprópriasnormasdaLeiFun-damental. Isso porque, formalmente falando, todas aderiram ao texto.

Cabe alertar que essa regra segundo a qual a Constituição brasilei-raéformalcomeçouasermitigadaapartirdainserçãodo§3ºaoart.5ºdaConstituiçãoFederalde1988.Éque, segundoessedispositivo,

Livro 1.indb 23 27/05/2014 10:13:22

24

Edem nápoli

os tratados e convenções internacionais, que versem sobre direitos humanos, se forem aprovados em cada casa do Congresso Nacional, através do mesmo procedimento das emendas constitucionais, serão equivalentes às mesmas.

\ Atenção:Todavia, para provas objetivas, continuar com o posicionamento segundo o qual, quanto ao conteúdo, a Constituição brasileira se classifica como formal.

3.2. Quanto à forma

Quantoàforma,aconstituiçãopodeserclassificadacomo:escrita ou não escrita. Lembrando que as constituições escritas também po-dem ser chamadas de instrumentais, ao passo que as constituições não escritas também podem ser chamadas de costumeiras ou consuetudi-nárias.

A constituição escrita, com o próprio nome sugere, seria o com-plexo de normas que estão disciplinadas formal e solenemente em um único documento exaustivo de todo o seu conteúdo. Assim, constituição escrita é aquela cujas normas estão plasmadas em um documento úni-co que as consolida e sistematiza. São exemplos de constituições escri-tas a brasileira, a espanhola, a portuguesa etc.

De mais a mais, do mesmo modo como foi advertido em relação à constituição formal,éprecisoperceberqueoart.5º,§3º,daCF/88,passou a permitir que tratados internacionais sobre direitos humanos, aprovados com o mesmo procedimento das emendas constitucionais, possuam o mesmo statusqueasnormasdaprópriaConstituiçãoFede-ral, mesmo estando situados fora dela.

Nessesentido,doutrinadorescomoPauloBonavidesjásinalizamaexistência de uma constituição legal, ou seja, uma constituição escrita e que se apresenta esparsa ou fragmentada em textos.

\ Atenção:Porém, para provas objetivas, adotar o posicionamento de que a Constituição brasileira é escrita, guardando o raciocínio esposado acima para possível questão de prova disser-tativa.

De outra banda, constituição não escrita (costumeira ou consuetu-dinária),aocontráriodoqueopróprionomepodesugerir,nãosignifica

Livro 1.indb 24 27/05/2014 10:13:22

Teoriadaconstituição

25

a constituição que não possui nenhuma passagem escrita. Chama-se de não escrita a constituição que esta pautada em textos esparsos, usos, costumes, convenções, e na evolução da própria jurisprudência.

Assim, não restam dúvidas de que a constituição não escrita possui, sim, partes escritas. Ocorre que essas partes escritas não estão dispos-tas formalmente em um único documento. Ao revés, podem ser encon-tradas em textos esparsos, dispersos e extravagantes.

O exemplo mais ventilado de constituição não escrita, no mundo, é a Constituição da Inglaterra, uma constituição calcada, essencialmen-te, nos costumes. Advirta-se, entretanto, que, contemporaneamente, inexistem constituições totalmente costumeiras, pautadas, apenas, na evolução da jurisprudência, nos usos e costumes.

3.3. Quanto à origem

Quantoàorigemumaconstituiçãopodeserclassificadacomo:pro-mulgada, outorgada, cesarista ou pactuada.

Promulgada, também chamada de votada, popular, democrática, é aquela constituição que conta com a participação popular no seu pro-cesso político de elaboração.

NoBrasil,comoexemplosdeconstituiçõespromulgadasépossívelcitar: a Constituição Republicana, de 1891, a Constituição de 1934 (cal-cada na democracia social), a Constituição de 1946 (instituidora de um processoderedemocratizaçãonoBrasil)eaConstituição Cidadã de 1988, também fruto de uma Assembleia Nacional Constituinte.

Outorgada, também chamada de imposta ou carta política, é aquela constituição que não conta com a participação popular no seu proces-so político de elaboração. São constituições impostas unilateralmente pelo grupo, governante ou agente revolucionário.

No Brasil, como exemplo de constituições outorgadas tem-se: aConstituição Imperial, de 1824, a Constituição Polaca, de 1937, e as constituiçõesdoregimemilitar,de1967,juntamentecomaECn.1/69,que formalmente era uma emenda, mas do ponto de vista material era uma constituição escancaradamente outorgada pela junta militar.

Cesarista, por sua vez, seria aquela constituição imposta por um ditador ou junta militar e submetida à posterior aprovação popular.

Livro 1.indb 25 27/05/2014 10:13:22

26

Edem nápoli

Nestecaso,aparticipaçãodopovonãoédemocrática,afinal,visaape-nasetão-somenteconfirmaravontadedodetentordopoder.

Finalmente,constituiçãopactuadaseriaaquelaconstituiçãofirma-da por um pacto, um acordo entre duas forças políticas adversárias.

3.4. Quanto à estabilidade

Quanto à estabilidade, mutabilidade, alterabilidade ou consistên-cia,umaconstituiçãopodeserclassificadacomo:imutável, fixa, rígida, semirrígida(tambémchamadadesemiflexível)ouflexível.

Imutável, como o próprio nome sugere, é aquela constituição que não admite alteração no seu texto, por isso mesmo também são chama-das de permanentes, graníticas ou intocáveis. São aquelas constituições que se pretendem eternas.

Como as constituições devem ser entendidas como organismos vi-vos, portanto, abertos às evoluções sociológicas, é possível concluir que as constituições imutáveis estão fadadas ao insucesso.

Fixa, por sua vez, é aquela constituição cuja alteração depende da convocação do próprio poder constituinte originário. Também são cha-madas de constituições silenciosas pelo fato de não estabelecerem, de modo expresso, o seu trâmite de reforma.

É uma espécie de constituição também fadada ao insucesso, já que é inconcebível a ideia de convocação do próprio poder constituinte originário, toda vez que se quiser alterar a constituição.

Jásobreaconstituiçãorígida, a primeira coisa a ser dita é que, de fato, ela admite alteração no seu texto. Assim, rígida é aquela constitui-ção que pode ser alterada, mas cujo processo legislativo de alteração é maisformal,solene,complexoedificultosodoqueoprocessodealtera-ção das demais normas não constitucionais.

Sobre essa espécie de constituição, pode-se concluir que a maioria dasconstituiçõesdomundosãorígidas.Ainda,écorretoafirmarquetodas as Constituições brasileiras republicanas forma rígidas, inclusi-ve a atual Constituição da República de 1988. A única Constituição doBrasilquenãoseguiuamesmatrilhafoiaConstituiçãoImperialde1824, considerada semirrígida, como será explicado.

Livro 1.indb 26 27/05/2014 10:13:22

Teoriadaconstituição

27

A rigidez da Constituição brasileira de 1988 pode ser percebida à luz do seu art. 60, que traz as regras procedimentais para a apresenta-ção e aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição).

Semirrígida ou semiflexível é o tipo de constituição que abarca, num só tempo, características da constituição rígida, bem como carac-terísticasdaconstituiçãoflexível.Assim,semirrígidaéaquelaconstitui-ção que possui uma parte que dispensa formalidade para alteração, e outra que reclama e exige esse formalismo.

A doutrina sempre ventila como exemplo de constituição semirrí-gidaousemiflexívelaConstituiçãoImperialde1824,notadamenteemface do disposto no seu art. 178.

Ainda, diz-se flexível aquela constituição cujas normas podem ser alteradas do mesmo modo como se alteram as normas infraconstitu-cionais, vale dizer, sem a necessidade de um processo formal, solene, complexoedificultoso.

Nesse passo, pelo menos formalmente falando, é possível perceber quenãoexistehierarquiaentreasnormasdeumaconstituiçãoflexívele as normas infraconstitucionais. Essa constituição, portanto, não é do-tada de supremacia formal. E essa ausência de supremacia conduz ao raciocíniodequeasconstituiçõesflexíveis,arigor,nãopodemservirdeparâmetro para controle de constitucionalidade.

3.5. Quanto à extensão

Quanto à extensão uma constituição pode ser classificada como:sintética (também chamada de enxuta, concisa, breve, sumária, sucinta, básica), ou analítica (também chamada de prolixa, ampla, extensa, lar-ga, longa, volumosa, inchada).

Sintética seria a constituição que não desce a pormenores nos as-suntos, se limitando a tratar dos princípios básicos estruturantes do Estado. Como não se propõem a falar sobre muita coisa, tendem a durar mais, vale dizer, tendem a conferir maior estabilidade ao corpo consti-tucional. Isso porque os seus preceitos passam por uma constante atu-alização interpretativa ao longo do tempo.

Já a constituição analítica, por seu turno, é aquela constitui-ção minuciosa, detalhista, rica em previsões longas e prolixas. É a

Livro 1.indb 27 27/05/2014 10:13:22

28

Edem nápoli

constituição que desce a pormenores nos assuntos, fazendo com que oseutextofiquedemasiadamenteextenso.Taisconstituiçõesmuitasvezes tratam de assuntos que poderiam ter sido oxigenados em leis infraconstitucionais.

A Constituição brasileira é um clássico exemplo de constituição analítica. Isso porque é uma constituição com pouco mais de vinte anos e possui duzentos e cinquenta artigos, sem falar nas emendas constitucionais e de revisão.

3.6. Quanto à elaboração

Quantoàelaboraçãoumaconstituiçãopodeserclassificadacomo:dogmática (também chamada de sistemática) ou histórica.

Antesdedefinirqualseriaosignificadodecadaumadessasespé-cies de Constituição, é preciso atentar para uma dica preciosa.

\ Atenção:Toda constituição dogmática necessariamente é uma constituição escrita; e toda cons-tituição histórica é, necessariamente, uma constituição não escrita. Partindo dessa premissa, fica muito mais fácil estabelecer a correlação entre os diversos critérios clas-sificatórios.

Nesse sentido, complementando o raciocínio, tem-se que consti-tuição dogmática,comoopróprionomesugere,éaquelaquefixaosprincipais dogmas do Estado, além de ser uma constituição elaborada em um dado e determinado momento histórico a partir do qual ela co-meçou a viger.

O exemplo típico é a Constituição brasileira, produto do trabalho da Assembleia Nacional Constituinte, e promulgada no dia 05 de outu-bro de 1988, quarta-feira, às 16:00 horas.

Jáaconstituiçãohistórica, por seu turno, é aquela que é produto da lenta e contínua evolução histórica dos costumes e das tradições de um povo. As constituições históricas (não escritas, conforme mencionado) não são elaboradas em um dado e determinado momento, não se saben-do precisar ao certo, pois, a partir de quando elas começaram a viger.

Conforme menciona a doutrina, tais constituições se aproximam, assim, da costumeira e têm como exemplo a Constituição inglesa.

Livro 1.indb 28 27/05/2014 10:13:22

Teoriadaconstituição

29

3.7. Quanto à ideologia

Quanto à ideologia (ou quanto à dogmática) uma constituição pode serclassificadacomo:ortodoxa ou eclética (também chamada de com-promissória).

Ortodoxa é aquela constituição que só enseja espaço para uma úni-ca corrente ideológica.

Eclética, por sua vez, é a constituição plural, multifacetária, aberta a várias ideologias, conciliatória, portanto, das diversas correntes ideo-lógicas. Como exemplo de constituição eclética tem-se a brasileira de 1988 e a Constituição da índia de 1949.

3.8. Quanto à essência

Quanto à essência, modo de ser, ontologia (ou critério ontológico), umaconstituiçãopodeserclassificadacomo:normativa, semântica ou nominalista (também chamada de nominal ou nominativa).

Porém, antes mesmo de partir para o enfrentamento de cada uma das espécies acima mencionadas, é preciso atentar para uma pergunta que constantemente vem aparecendo nas provas e concursos. Quem foi oprecursordestecritérioclassificatóriodeconstituição?Arespostaé:Karl Loewenstein.

Foieleoresponsávelpelaidealizaçãodestecritérioquetemcomofinalidadeidentificarograudecorrespondênciaentreotextoconstitu-cional e a realidade política do Estado. E um dos motivos pelos quais o seu nome vem sendo lembrado até hoje foi a relação metafórica que ele estabeleceu entre a constituição e a roupa que se veste.

Evoluindo no raciocínio, tem-se que a constituição normativa é aquela que, além de juridicamente válida, está perfeitamente adaptada ao fato social, em total consonância e correspondência com o processo político.

A partir deste critério, a constituição é vista como um valor jurídico e, na visão de Karl Loewenstein, este texto constitucional pode ser com-parado com uma roupa que veste bem, que, de fato, assenta bem, não ficandofolgadanemapertada,pelocontrário,namedida.

Jáaconstituiçãosemântica, por seu turno, é aquela constituição que visa manter o poder político nas mãos dos poucos que o detém. É

Livro 1.indb 29 27/05/2014 10:13:22

30

Edem nápoli

uma constituição a serviço do poder, mero instrumento das elites polí-ticas.Suafinalidadeéacoaçãodosgovernados.

Comestaclassificação,conclui-sequeotextoconstitucionaléuti-lizadoapenascomoummeiodesejustificarjuridicamenteoexercícioarbitrário do poder. Para Loewenstein, esta seria a constituição que, como roupa, não veste bem, ao revés, dissimula e disfarça os seus de-feitos, incomodando a sociedade (como o incômodo causado por uma roupa apertada).

Porfim,aconstituiçãonominalista seria aquela que, embora juri-dicamente válida (porque detentora de preceitos de caráter educativo com vistas ao futuro da sociedade e limitadores da dominação política), não está perfeitamente adaptada ao fato social, isto é, a realidade e o processo político ainda não se conformam com as suas normas.

Essa constituição é apontada por Karl Loewenstein como uma rou-pa folgada, guardada no armário, e que um dia poderá ser vestida (isso quando o corpo social já tiver crescido e se desenvolvido a ponto da roupa poder assentar). Seria a constituição do futuro, prospectiva, feita para um dia ser realizada na prática.

Registre-seque,atéosdiasatuais,oBrasilnãotevenenhumacons-tituiçãoquepudesseserclassificadacomonormativa.Nessesentido,aConstituição brasileira de 1988éclassificadacomonominal, e quan-to a isso dúvidas não restam.

3.9. Quanto à sistematização

Quanto à sistematização (ou quanto à sistemática) uma constitui-çãopodeserclassificadacomo:unitária (também chamada de reduzi-da,unitextual,codificada)ouvariada (podendo ser chamada também denãocodificada,legal).

Unitária, como o próprio nome sugere, é aquela constituição cujas normas estão plasmadas – formal e solenemente – em um único docu-mento exaustivo de todo o seu conteúdo, que as consolida e sistematiza. É o caso típico da Constituição brasileira de 1988.

Jáaconstituição variada é aquela cujos preceitos encontram-se es-palhados, dispersos, espraiando-se por vários documentos normativos, sendo constituída por várias leis constitucionais.

Livro 1.indb 30 27/05/2014 10:13:22

Teoriadaconstituição

31

3.10. Quanto à finalidade

Quantoàfinalidadeumaconstituiçãopodeserclassificadacomo:garantia, balanço ou dirigente.

Garantia, como o próprio nome aponta, é aquela constituição que visa garantir a liberdade, limitando o poder. Por isso, é também chama-da de constituição negativa, ou construtora de liberdade negativa, co-locando-se em oposição ao arbítrio das autoridades, em prol da defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos.

Já a Constituição-balanço seria aquela que tem por finalidaderegistrar um dado estágio nas relações de poder, e, de fato, fazer um balanço de determinado período político. Concluído este período, é ela-borado um novo texto constitucional para espelhar o novo estágio, a exemplo das sucessivas constituições soviéticas.

Porfim,constituiçãodirigente é aquela que estabelece um projeto de Estado e, por isso mesmo, é recheada de normas programáticas, vale dizer, aquelas normas que se revestem sob a forma de promessas ou programas a serem implementados pelo Estado para a consecução dosseusfinssociais.

A expressão “constituição dirigente” está relacionada à ideia segun-do a qual o Texto Supremo traz um direcionamento, um norte, à atuação dos governantes, no sentido de implementarem as políticas públicas in-dispensáveis à satisfação das necessidades coletivas. É o caso da CF/88.

3.11. Quanto ao sistema

Quanto ao sistema uma constituição pode ser classificada como:principiológica ou preceitual.

Principiológica é a constituição que traz um predomínio dos prin-cípios (normas com alto grau de abstração e consagradoras de valores) em detrimento das regras (normas, por sua vez, pouco abstratas e con-cretizadoras de princípios).

Jáaconstituiçãodotipopreceitual, ao revés, inverte essa ordem de valores. Nesta constituição há um predomínio das regras em detri-mento dos princípios.

A Constituição do Brasil, sem dúvida, é principiológica, em face da importância que os princípios assumem no ordenamento jurídico, bem como no exercício da jurisdição constitucional.

Livro 1.indb 31 27/05/2014 10:13:22

32

Edem nápoli

3.12. Classificação da Constituição Federal brasileira de 1988

Apartirdosdiversoscritériosapresentados,podemosclassificaraConstituiçãoFederalbrasileirade1998como:formal,escrita,promul-gada, rígida, analítica, dogmática, eclética, nominal, unitária, dirigente e principiológica.

Veja o quadro sinótico:

Livro 1.indb 32 27/05/2014 10:13:23

Teoriadaconstituição

33

4. ESTRUTURA DAS CONSTITUIÇÕES

De saída, é preciso advertir que não existe uma forma pré-concebi-da de se estruturar uma constituição, podendo os diversos agentes que vão exercer o poder constituinte escolher o melhor esqueleto que lhes aprouver, o arcabouço que lhes for mais conveniente.

Nesta linha de raciocínio, à luz da realidade constitucional brasilei-ra,épossívelafirmarqueaCF/88estádividida,basicamente,emtrêspartes, a saber: preâmbulo, normas centrais (ou parte dogmática) e ato das disposições constitucionais transitórias. Vejamo-las.

4.1. Preâmbulo

O preâmbulo da constituição nada mais é do que o anúncio prévio do que virá. São as primeiras apresentações do texto constitucional, que, de logo, habilitam o leitor a aferir qual a carga democrática daque-la constituição.

Nesse sentido, conclui-se que o preâmbulo funciona como se fos-se um termômetro capaz de aferir o grau axiológico daquele diploma constitucional, além de ser capaz de atestar a origem e legitimidade da constituição.

Umadasperguntasmaisfrequentesacercadopreâmbulorepousasobreasuanaturezajurídica.Teriaopreâmbulorelevânciajurídica?

Algumas teorias foram idealizadas para tentar explicar a natureza jurídica do preâmbulo, todavia, em face do objetivo da presente obra, deve-se partir direto para a posição que mais interessa, a partir da for-ma como este assunto vem sendo cobrado nos certames.

\ Posição do STF:Assim, em face dessa indagação, a resposta, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é negativa. Isso porque o STF adotou a tese da irrelevância jurídica do preâm-bulo. É dizer: segundo a Corte Suprema, o preâmbulo constitucional deve ser alocado no âmbito do domínio da política, e não do direito.

Nesse sentido, conclui o Supremo que como o preâmbulo não tem relevância jurídica, sua função deve ser meramente interpretativa, ser-vindo, nesse sentido, apenas para harmonizar a interpretação do texto constitucional.

Livro 1.indb 33 27/05/2014 10:13:23

34

Edem nápoli

Além disso, ainda sobre essa primeira parte do texto, é necessá-rio ressaltar que o preâmbulo não tem força normativa, já que não constitui parte central da constituição. Como não tem força normativa, advirta-se que não é nem considerado norma jurídica, pois não cria di-reitosenemfixadeveres,apenasproclamaprincípios.

Ademais, até para que se invoque a defesa de determinada posição jurídica subjetiva de vantagem, não basta se valer da citação da norma preliminar, já que ela, por si só, não compõe o chamado bloco de cons-titucionalidade.

\ Posição do STF:

E justamente como decorrência dessa característica (ausência de força normativa), o pró-prio STF já consolidou o entendimento segundo o qual a norma do preâmbulo não pode servir de parâmetro para o exercício do controle de constitucionalidade. Isso significa que em face da ausência de força cogente, não há que se falar em inconstitucionalidade pela sua simples violação.

Outra discussão que permeia o preâmbulo constitucional diz res-peito à invocação à Divindade (sob a proteção de Deus). Acerca dessa especificidade,duasindagaçõesaparecemcomfrequência.

Primeiro; seria essa expressão uma norma de repetição obrigatória porpartedasConstituiçõesEstaduais?Segundo;nãoconfessando,oEs-tadobrasileiro,nenhumareligiãocomooficial,feririaessaexpressãoanoçãodeEstradolaico,leigoounãoconfessional?

Respondendoàprimeiraindagação,àluzdajurisprudênciadoSTF,tem-se que a invocação à Divindade não é uma norma de repetição obrigatória por parte das Constituições Estaduais.

No que se refere à segunda indagação, a resposta também é nega-tiva. Novamente com amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,aposiçãomaisacertadaparaaprovaénosentidodequeaexpressão “Deus” não fere a noção de Estado laico e já se arraigou na cultura brasileira, dando um tom de serenidade ao texto.

\ Posição do STF:

Com o Supremo, o preâmbulo não é norma de repetição obrigatória e, além disso, a expressão ‘Deus’ não ofende a ideia de estado laico.

Livro 1.indb 34 27/05/2014 10:13:23

Teoriadaconstituição

35

4.2. Normas centrais da constituição (parte dogmática)

As normas centrais da Constituição brasileira correspondem às dis-posições que se encontram entre o preâmbulo e as normas do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

A despeito da divergência doutrinária, para a prova é possível con-cluir que essa parte da Lei Maior vai do art. 1º até o art. 250, dispo-sitivosestesdistribuídosentreosIXtítulosdaConstituiçãoFederalde1988.

4.3. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)

Como o próprio nome induz, disposições constitucionais transitórias são normas jurídicas temporárias, provisórias, destinadas a regular situações efêmeras e passageiras, bem como compatibilizar a antiga constituição como novel texto constitucional.

UmexemploclássicodenormatransitóriadoADCTéoseuart.3º,consagrador da (única) revisão constitucional. Segundo esse dispositi-vo, depois de cinco anos de promulgada a Constituição seria revisada (um dos processos de reforma previstos para a alteração e atualização daCF/88).

O quinto ano após a promulgação foi 1993, entretanto, a revisão ocorreu no ano de 1994. Essa única revisão pela qual passou a Consti-tuiçãoFederalresultouemseisemendasderevisão.

Nessa esteira, do jeito em que a Constituição se encontra atual-mente não há mais previsão constitucional autorizadora de uma nova revisão.Anormadoart.3ºdoADCTjácumpriuasuafinalidade.Disci-plinouaquelasituaçãopassageirae,comoumanormatransitória,ficouno passado.

Impende pontuar que, muito embora tais normas sejam considera-dasdeeficáciatransitória,seuspreceitosgozamdomesmostatus hie-rárquico que as normas da parte dogmática da constituição, já que são formalmente constitucionais.

Assim, ao contrário das passagens do preâmbulo, as normas do ADCT têm força cogente. Issosignificaqueeventualviolaçãodetaisnormas pode ensejar, por exemplo, a declaração de inconstitucionali-dade do ato que feriu a norma constitucional transitória.

Livro 1.indb 35 27/05/2014 10:13:23

36

Edem nápoli

\ AtençãoAssim como as normas centrais da constituição, as normas do ADCT podem, sim, ser-vir de parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público.

5. TÓPICO SÍNTESE

Sentidos de Constituição

–Sociológico

–Político

–Jurídico

–Cultural, culturalista, total ou ideal

Classificação da Constituição

Brasileira de 1988

Conteúdo Formal

Forma Escrita

Origem Promulgada

Estabilidade Rígida

Extensão Analítica

Elaboração Dogmática

Ideologia Eclética

Essência Nominalista

Sistematização Unitária

Finalidade Dirigente

Sistema Principiológica

Estrutura da Constituição

–Preâmbulo

–Parte dogmática

–Parte transitória – ADCT

Livro 1.indb 36 27/05/2014 10:13:23