Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

88
CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO ECONÔMICO JUSTRABALHISTA Carine Murta Nagem Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Gama Filho- RJ (CAD), Advogada, Professora Universitária. O Direito do Trabalho, em harmonia com seus princípios e finalidades de tutela do empregado, disciplinou, através da norma insculpida no art. 2º, § 2º da legislação celetista, a responsabilidade do grupo econômico pelas obrigações trabalhistas, vejamos: “Art. 2º-omissis §1º- omissis §2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.” 1

Transcript of Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Page 1: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO ECONÔMICO JUSTRABALHISTA

Carine Murta Nagem

Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Gama Filho- RJ (CAD), Advogada, Professora Universitária.

O Direito do Trabalho, em harmonia com seus princípios e

finalidades de tutela do empregado, disciplinou, através da norma insculpida no

art. 2º, § 2º da legislação celetista, a responsabilidade do grupo econômico pelas

obrigações trabalhistas, vejamos:

“Art. 2º-omissis§1º- omissis

§2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”

Através da simples leitura do texto consolidado, temos uma breve

noção da riqueza de informações e de questões que a figura do grupo

justrabalhista suscita. De fato, a análise de tal preceito conduz o pesquisador a

refletir sobre uma infinidade de questões apaixonantes.

1

Page 2: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Desde seu objetivo até a amplitude de sua abrangência, o tipo legal

sob enfoque reveste-se de peculiaridades, vejamos:

Com relação ao seu objetivo, sabe-se que este surgiu em

decorrência da necessidade de se prevenir que, através de manobras fraudulentas,

as empresas agrupadas se eximissem da responsabilidade de arcar com os

direitos trabalhistas dos empregados contratados. Explica-se:

“O direito do trabalho, diante do fenômeno da concentração econômica, tomou posição, visando a ‘oferecer ao empregado de um estabelecimento coligado a garantia dos seus direitos contra as manobras fraudulentas ou outros atos prejudiciais, aos quais se prestariam com relativa facilidade as interligações grupais entre administrações de empresas associadas, se prevalecesse o aspecto meramente jurídico formal’. Esta a origem da norma do §2º do art. 2º da Consolidação...”1

No que se refere à sua amplitude, tem o grupo empresarial no direito

laboral abrangência muito maior do que a que lhe foi atribuída em outros

segmentos jurídicos. A lição é de DELGADO2:

“... essa figura justrabalhista também não se submete à tipificação legal de grupo econômico que impera em outros segmentos jurídicos (Direito Comercial ou

1 GOTTSCHALK, Egon Félix. Revista do Trabalho, abril./46, p. 10 apud MARANHÃO, Délio. In: MARANHÃO, Délio, SUSSEKIND, Arnaldo et. alii. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. atualizada. São Paulo: LTr, 1999, v. I, p. 308.2 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 336.

2

Page 3: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Direito Econômico, por exemplo); nem se sujeita aos requisitos de constituição que podem emergir como relevantes nesses segmentos estranhos ao Direito do Trabalho. Noutras palavras, o grupo econômico para fins justrabalhistas não necessita revestir-se das modalidades jurídicas típicas do Direito Econômico ou Direito Comercial (holdings, consórcios, pools, etc)...”

A jurisprudência a esse respeito também reflete o entendimento de

que o grupo econômico no Direito do Trabalho apresenta contornos bem mais

amplos do que aqueles apresentados em outros ramos jurídicos. Ilustrativamente,

cite-se o seguinte aresto:

EMENTA: GRUPO ECONÔMICO. Acolhe-se a existência de grupo

econômico, tão-somente, pela unidade de comando ou pela relação

de coordenação entre as empresas. Para fins trabalhistas, ele não

necessita de se revestir das modalidades jurídicas do direito

econômico ou do direito comercial (“Holding”, Consórcio, “Pool”

etc.). Depois, também o direito do trabalho é tuitivo; preocupa-se

em garantir, com segurança, os créditos do hipossuficiente. (TRT 3ª

Região- 1ª Turma- RO/20287/97 Re. Juiz Manuel Cândido

Rodrigues- DJMG- 21/08/1998.)

3

Page 4: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Trata-se, pois, de uma figura que apresenta contornos específicos na

área trabalhista, conforme constataremos ao longo dos próximos tópicos,

necessitando, destarte, de um estudo pormenorizado a seu respeito. É o que

faremos a seguir, lembrando, inicialmente, de contextualizar as linhas do § 2º

com o texto presente no artigo 2º que trata a respeito do sujeito passivo da

relação empregatícia: o empregador.

1 Noções sobre a figura do empregador

O conceito legal do empregador está contemplado no art. 2º da CLT

que estatui:

“Art. 2º- Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.

§1º Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados...”

A primeira observação cabível que deve ser feita sobre o texto supra

transcrito é que ele enseja várias discussões doutrinárias.

4

Page 5: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Inicialmente, o preceito estipula que empregador é a empresa. Tal

definição desencadeou divergência de posicionamento entre os doutrinadores,

havendo aqueles que o consideram falho e impreciso e outros que não observam

impropriedades na conceituação.

A esse respeito, AMAURI MASCARO NASCIMENTO3 esclarece

que a controvérsia surgiu tendo em vista a falta de consenso no que se refere à

natureza jurídica da empresa, pois, enquanto para uns constitui esta sujeito de

direito, para outros a empresa é apenas objeto ou conjunto de bens e, portanto,

não pode ser empregador. Assim, continua o autor:

“Para aqueles que sustentam que a empresa não é sujeito, mas objeto, a definição de empregador deveria ser outra: empregador é pessoa física ou jurídica. Para aqueles que entendem que à empresa deve ser atribuída personalidade de direito, (...) nada impede os termos da definição.”

No rol dos que criticam o critério adotado pela CLT encontram-se

juristas de renome. Dentre eles, MAURÍCIO DELGADO4 afirma que:

“... empregador não é a empresa - ente que não configura, obviamente, sujeito de direitos na ordem jurídica brasileira. Empregador será a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado titular da empresa ou estabelecimento.”

3 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 27. ed. revista e atualizada. São Paulo: LTr, 2001, p. 194. 4 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2. Ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 327.

5

Page 6: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Na mesma direção interpretativa, destaca DÉLIO MARANHÃO5

que “...somente a pessoa física ou jurídica pode contratar” e, sendo a empresa

atividade ou objeto de direito, não pode ser empregador.

Coadunando semelhante entendimento, EVARISTO DE MORAES

FILHO6 menciona que “... dentro da melhor técnica jurídica, somente uma

pessoa natural ou jurídica pode revestir-se da qualidade de empregador, sujeito

de direitos e obrigações”, sendo enfático ao lecionar que há que se “... acabar

com a ambigüidade e as confusões do art. 2º da CLT.”

CARMEN CAMINO7, por sua vez, apesar de concordar com o fato

de que a relação de emprego, na verdade, se estabelece com a pessoa física ou

jurídica que detém a titularidade da empresa, entende que também o legislador

não ignorou esses aspectos e que “... propositadamente, deu ênfase à empresa,

deixando implícita a figura do empreendedor da atividade econômica, com o fito

de enfatizar o fenômeno da integração do trabalhador na universalidade de

pessoas e de bens.” (Grifos da autora)

5 MARANHÃO, Délio. In: MARANHÃO, Délio, SUSSEKIND, Arnaldo et. alli. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. atualizada. São Paulo: LTr, 1999, v. I, p. 295.6 FILHO, Evaristo de Moraes e MORAES Antônio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho. 8. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: LTr, 2000, p. 253.7 CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 2. ed. revista e ampliada, Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 103.

6

Page 7: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Numa outra linha de entendimento, que considera acertada a forma

como foi tratado o tema no dispositivo legal, situam-se OCTAVIO BUENO

MAGANO8, CÉSAR MACHADO JR.9, PEDRO PAULO TEIXEIRA MANUS10

dentre outros. O primeiro autor assim se posiciona:

“Tendo em vista a apontada tendência da empresa no sentido de se institucionalizar e considerando, de outro lado, a crise do conceito de pessoa jurídica, o que tem levado os autores à conclusão de que a sua autonomia deve ficar sujeita a limitações, para, em certos casos, deixar transparecer a realidade que lhe é subjacente (disregard of legal entity), não é difícil concluir que a empresa, configurados os mesmos casos, pode e deve surgir como o verdadeiro sujeito da relação empregatícia.”11

Já CÉSAR MACHADO JR.12 e MANUS,13 explicando seus

respectivos posicionamentos por essa corrente doutrinária, defendem, em

resumo, que esse conceito de empregador é o que melhor explica as hipóteses de

sucessão de empresas (arts. 10 e 448 da CLT), em que aparece com nitidez o

fenômeno da despersonalização do empregador, através do qual a modificação

do sujeito passivo da relação empregatícia não afeta os contratos existentes.

8 MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. 2. ed., v. 2, São Paulo: LTr, 1988, apud MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999.9 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999.10 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2001.11 MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. 2. ed., v. 2, São Paulo: LTr, 1988, apud MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999, p. 149.12 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Op. cit., p. 150.13 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Op. cit., p. 80-1.

7

Page 8: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Particularmente, apesar de respeitar a lógica dos que defendem a

definição de empregador como empresa, filiamo-nos à primeira corrente exposta.

Na realidade, a utilização de tal critério pela legislação trabalhista deveu-se à

forte influência da teoria institucionalista da empresa, presente no contexto

histórico da época e visivelmente superada nos dias de hoje, como é exemplo o

conceito de empregador adotado posteriormente pela Lei n. 5.889/73 (Trabalho

Rural), que o define como pessoa física ou jurídica e não como empresa. (caput,

art. 3º).

Ademais, “... a noção jurídica de empregador”, como nos ensina

DELGADO14, “... é essencialmente relacional à de empregado: existindo esta

última figura no vínculo laboral pactuado por um tomador de serviços, este

assumirá, automaticamente, o caráter de empregador na relação

consubstanciada.”

Logo, para se verificar a presença ou não da figura do empregador,

basta observar a presença, no pólo passivo da relação jurídica estabelecida, de

uma pessoa física laborando com os elementos fático-jurídicos da relação

empregatícia, quais sejam: pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e sob

subordinação.

14 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 327.

8

Page 9: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Devido a esse fato é que o prof. MAURÍCIO DELGADO15 critica o

§1º do artigo supra mencionado, - que equipara algumas entidades (instituições

de beneficência, associações recreativas etc) ao empregador -, pois, na

realidade, diz ele, “... as entidades especificadas no referido §1º configuram-se

como empregadores típicos e não empregadores por equiparação ou extensão

legal.” E continua afirmando que são “... entes sem fins lucrativos, é certo, mas

esse aspecto não é relevante à configuração do tipo legal do empregador, por não

constituir seu elemento fático jurídico específico.”

O sempre citado DÉLIO MARANHÃO16 também expressa

semelhante entendimento. Vale citar sua lição:

“O legislador, partindo da falsa premissa de que o empregador é a ‘empresa’, resolveu ‘equiparar’ tais entes jurídicos ao empregador. Não se trata disso. Se um profissional liberal ou uma associação recreativa admitem empregados, não se equiparam ao empregador; são empregadores. O legislador pensou que a atividade econômica supusesse, necessariamente, a idéia de lucro. Mas não é assim. (...) Em um regime capitalista, as noções de atividade econômica e de lucro vêm, geralmente, associadas (...). Isto não importa, no entanto, que se confunda uma coisa com outra. Desde que haja uma atividade econômica (produção de bens ou serviços), na qual se utiliza a força do trabalho alheia como fator de produção, existe a figura do empregador.”

15 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit.,p. 328.16 MARANHÃO, Délio. In: MARANHÃO, Délio, SUSSEKIND, Arnaldo et. alli. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. atualizada. São Paulo: LTr, 1999, v. I, p. 303.

9

Page 10: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Destarte, também para esse autor, o preceito celetista não traduz o

correto conceito jurídico do sujeito passivo da relação empregatícia.

Outra consideração relevante a ser feita no tocante à noção de

empregador estabelecida no art. 2º da CLT, diz respeito ao fato de que é este

quem assume os riscos da atividade econômica. Tal característica, também

conhecida como alteridade, “... consiste na circunstância de impor a ordem

justrabalhista à exclusiva responsabilidade do empregador, em contraponto aos

interesses obreiros oriundos do contrato pactuado, os ônus decorrentes de sua

atividade empresarial ou até mesmo do contrato empregatício celebrado.”17

Outrossim, como preleciona SÉRGIO PINTO MARTINS18, o

empregador não pode transferir para o empregado os riscos da atividade que

exerce, tais “... como ocorre na falência, na concordata e quando da edição de

planos econômicos governamentais”, sendo vedados atos que transfiram aos

trabalhadores ônus decorrentes de “... revés sofrido pela empresa”19.

A essa altura da exposição, cumpre esclarecer que o conceito de

empresa difere do de estabelecimento. Como aduz LUIZ OTÁVIO LINHARES

17 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 330-31.18 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 12. ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2000, p. 166.19 Expressão utilizada por MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Op. cit., p. 82.

10

Page 11: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

RENAULT20 sobre o assunto, “... se a lei não contém palavras inúteis, a distinção

é relevante.”

Sinteticamente, explica SUSSEKIND21 que enquanto a empresa “...

é o empreendimento constituído por uma universidade de pessoas

intervinculadas por variados tipos de relações jurídicas (contratos de sociedades,

de trabalho etc.) (...) visando à realização de sua finalidade econômica”, o

estabelecimento constitui “... o local onde a empresa realiza, materialmente, a

consecução dessa finalidade.”

Já GOTTSCHALK, citado por JOSÉ AUGUSTO R. PINTO22, vê na

empresa “... o objeto das atividades do empresário” e no estabelecimento “... a

manifestação material” da mesma.

Em suma, não há que se confundir empresa e estabelecimento, pois,

enquanto a primeira se traduz no “... conjunto da atividade econômica de uma

pessoa, natural ou jurídica”, a última evidencia-se como “... a sua total

manifestação técnica”.23

20 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Antecedentes históricos do Contrato de Trabalho. In: RENAULT, Luiz Otávio Linhares; VIANA, Márcio Túlio e DIAS, Fernanda Melazo. O Novo Contrato a Prazo: teoria, prática e crítica da lei 9.601/98. São Paulo: LTr, 1998, p. 106. 21 SUSSEKIND, Arnaldo Lopes. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho e a Legislação Complementar. 2. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1964, p. 71.22 GOTTSCHALK, Egon Félix. O consórcio de empresas no Direito Brasileiro do Trabalho. Revista do Trabalho, abr. 1946, p. 187, apud PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho: noções fundamentais de direito do trabalho, sujeitos e Institutos do Direito Individual . 2. ed. São Paulo: LTr, 1995, p. 148.23 FILHO, Evaristo de Moraes e MORAES Antônio Carlos Flores de. Op. cit., p. 258.

11

Page 12: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Em outras palavras, valendo-nos dos ensinamentos de

DELGADO24, podemos dizer que a empresa é a organização dos fatores

produtivos a serviço de uma finalidade econômica predeterminada; já o

estabelecimento é apenas uma unidade específica da mesma, um instrumento da

atividade empresarial.

Traz o art. 2º da CLT, em seu caput, outras noções importantes

sobre o sujeito passivo da relação laboral, quando considera que o empregador é

aquele que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Em breves

linhas, comenta SÉRGIO MARTINS25 o alcance de tal dispositivo:

“ O empregador admite o empregado, contrata-o para a prestação de serviços, pagando salários, ou seja, remunerando-o pelo trabalho prestado. Admitir do Latim admitio (ad+mitio, misi, missum) significando dar acesso, acolher, deixar entrar. O empregador admite, acolhe o empregado na empresa, dá acesso a ele na empresa. Há a direção do empregador em relação ao empregado, decorrente do poder de comando do primeiro, estabelecendo, inclusive, normas disciplinares no âmbito da empresa.”

No que concerne à admissão e ao pagamento do salário pelo

empregador, mencionados no artigo em análise, não nos delongaremos em

comentários, sob pena de nos desviarmos do objetivo do presente estudo, mas 24 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho, ... p. 333-34. 25 MARTINS, Sérgio Pinto. Op.cit., p. 166.

12

Page 13: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

indicamos, para o leitor mais interessado, a excelente obra de PAULO EMÍLIO

RIBEIRO DE VILHENA, intitulada Relação de Emprego26, que aborda com

seriedade e profundidade o tema em enfoque, quando analisa a figura do

empregador.

Já no que diz respeito ao poder de direção, por se tratar de um tema

de grande relevância no direito trabalhista, com diversas implicações no vínculo

empregador- empregado, há que se fazer algumas breves reflexões, apenas no

sentido de se esclarecer em que consiste o instituto.

Nesse sentido, sabe-se que a relação empregatícia, ao denotar o

trabalho subordinado por parte do empregado, pressupõe, por outro lado, a

existência de um poder de direção como um dos elementos ínsitos ao

empregador. Sobre o assunto, afirmam FRANCISCO NETO e JOUBERTO

CAVALCANTE: 27

“... a subordinação é um dos elementos legais quanto ao conceito de empregado. Por outro lado, o poder diretivo é um dos elementos conceituais do empregador. Por analogia temos a figura de uma moeda, sendo que um dos lados representa a subordinação e o outro o poder diretivo. A moeda equivale à figura da relação empregatícia.”

26 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego- estrutura legal e supostos. 2. ed. revista, atualizada e aumentada. São Paulo: LTr, 1999.27 NETO, Francisco Ferreira Jorge e CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Responsabilidade e as relações de trabalho. São Paulo: LTr, 1998.

13

Page 14: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

É também pertinente a lição de LUIZ OTÁVIO L. RENAULT28,

que esclarece:

“... a subordinação jurídica é a contraface (em determinadas situações, até a face oculta) do poder diretivo da empregadora, sob a ótica subjetiva, ainda que ela se exercite apenas mediatamente sobre a pessoa física. Como uma couraça, os comandos da empregadora não ultrapassam os limites da prestação obrigacional, no campo conceptual do contrato.”

Oportuna, ainda, a lição de ROMITA29 que não admite poderes de

homens sobre homens, ressaltando que o poder diretivo é jurídico e não real.

Buscando a conceituação e a origem etimológica da palavra poder

observamos que ela deriva do latim potere, tendo como raiz poti, que traduz a

noção de posse, influência, força. Juridicamente, vários autores definem e

classificam, de diferentes formas, esse poder de comando que o empregador

exerce sobre o obreiro.

28 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Distribuidores de Panfletos e Contrato de Trabalho. Revista TRT 3ª Região. Belo Horizonte, v. 28, n.58, p. 83-89, jan./dez.1998, p. 87. 29 ROMITA, Arion Sayão. O poder disciplinar do empregador. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983, p. 36, apud BARROS, Alice Monteiro de. Poder hierárquico do empregador. Poder diretivo. In: Curso de Direito do Trabalho- estudos em memória de Célio Goyatá. Coordenadora: Alice Monteiro de Barros. 3. ed. rev., atual. e ampl. v. 1. São Paulo: LTr, 1997, p. 562-63.

14

Page 15: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Na lição de RIVA SANSEVERINO,30 podemos definir o poder de

direção como “... a faculdade para o patrão de determinar as normas de caráter

predominantemente técnico às quais deve subordinar-se o trabalhador no

cumprimento de suas obrigações.”

MAGANO, por sua vez, citado por MÁRCIO TÚLIO VIANA31 em

sua obra de doutoramento Direito de Resistência, vislumbra o poder diretivo

patronal como sendo “... a capacidade, oriunda do seu direito subjetivo, ou

então da organização empresarial, para determinar a estrutura técnica e

econômica da empresa e dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador,

visando a realização das finalidades daquela.”

Já LUIZ JOSÉ DE MESQUITA32 adota a expressão poder

hierárquico para definir o conjunto dos poderes da autoridade na empresa,

destacando a existência de um poder legislativo da empresa que seria

exteriorizado através das normas regulamentares da atividade profissional do

empregado, de um poder diretivo que corresponderia às ordens ou comandos

30 SANSEVERINO, Luiza Riva. Curso de Direito do Trabalho. Tradução de Elson Guimarães Gottschalk. São Paulo: LTr, 1976, p. 22 apud PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. 2.ed., São Paulo: LTr, 1995, p. 251.31 MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. São Paulo: Saraiva, 1982, apud VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. São Paulo: LTr, 1996, p. 121-123.32 MESQUITA, Luiz José de. Direito disciplinar do trabalho. São Paulo: LTr, 1991, p. 43-4.

15

Page 16: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

técnicos e administrativos emanados da autoridade e de um poder

consubstanciado através das decisões disciplinares.

O renomado Dr. MAURÍCIO GODINHO DELGADO33 utiliza a

expressão genérica poder empregatício para traduzir “... o conjunto de

prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e

disciplinamento da economia interna à empresa” e, conseqüentemente, adota

uma classificação que considera o poder diretivo como uma das dimensões do

poder intraempresarial, ao lado do poder disciplinar, do fiscalizatório e do

regulamentar.

Portanto, o poder diretivo, em tal concepção, seria, em linhas gerais,

a prerrogativa que o empregador detém para organizar a estrutura e espaço

empresariais internos, bem como o processo de trabalho, determinando, ainda, as

regras que o trabalhador deve seguir para a prestação de serviços. Assim, as

expressões poder organizativo e poder de comando seriam sinônimos do poder

de direção.

O poder regulamentar, a seu turno, se manifestaria através da

fixação de regras gerais no âmbito do estabelecimento e da empresa. Entretanto,

o autor ressalta que a corrente doutrinária majoritária considera o poder

33 DELGADO, Maurício Godinho. Contrato de Trabalho- caracterização, distinções, efeitos. São Paulo: LTr, 1999, p. 132.

16

Page 17: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

regulamentar (expedição do Regulamento de Empresa, de Circulares etc.) apenas

como uma das manifestações do poder diretivo patronal.

Quanto ao poder fiscalizatório, afirma o jurista que corresponderia

ao “... conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento

contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do

espaço empresarial interno.”34 Seria também, assim como o poder regulamentar,

uma outra forma de exteriorização do poder diretivo, configurando-se através da

utilização de circuito interno de TV, do controle de portaria, do controle de

horário e freqüência dos trabalhadores, sem, contudo, agredir ou cercear a

liberdade e dignidade dos empregados, face aos princípios constitucionais

pertinentes.

Por último, haveria o poder disciplinar ou a prerrogativa de impor

sanções aos empregados em face de descumprimentos contratuais, que, nos

dizeres de MAURÍCIO DELGADO, embora constitua mera extensão do poder

de direção, “... tem sido universalmente identificado em seara conceitual própria,

em virtude da existência de figuras jurídicas específicas ao exercício desse

34 DELGADO, Maurício Godinho. Contrato de Trabalho- caracterização, distinções, efeitos. São Paulo: LTr, 1999, p. 137.

17

Page 18: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

poder, como, ilustrativamente, as noções de ilícito trabalhista, sanção e

procedimento punitivo.” 35

Finalmente, não poderíamos deixar de mencionar o entendimento de

MÁRCIO TÚLIO VIANA36, que adota a classificação de MAGANO, para quem

a manifestação do Poder Diretivo do Empregador ocorre através do exercício dos

seguintes poderes, quais sejam:

1. Poder de organização. O empregador tem a faculdade de organizar os fatores

de produção, podendo escolher a atividade a ser exercida, a estrutura jurídica a

ser adotada para o desempenho dessa atividade, o estabelecimento do

regulamento da empresa, etc.

2. Poder disciplinar. Corresponde, em suma, ao direito do empregador de impor

aos seus trabalhadores sanções disciplinares.

3. Poder diretivo stricto sensu (comando/controle). Cabe ao empregador ditar as

regras e as tarefas a serem exercidas e também controlar a prestação de serviços,

fiscalizando-a com o objetivo de realizar as finalidades da empresa.

35 DELGADO, Maurício Godinho. Contrato de Trabalho- caracterização, distinções, efeitos. São Paulo: LTr, 1999, p.139. 36 MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 98 apud VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência. São Paulo: LTr, 1996, p. 122-23.

18

Page 19: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Conforme dito alhures, trata-se de um tema interessante e

importante para o direito trabalhista, como restou evidenciado nessas poucas

linhas que somente têm a pretensão de despertar o leitor sobre o assunto.

Feitas essas considerações sobre o empregador, (art.2º, caput e § 1º

da CLT), passemos à análise específica do § 2º do art. 2º da CLT a respeito do

grupo econômico justrabalhista.

2 Histórico do § 2º, art. 2º da CLT e objetivos da figura

Coube à Lei n. 435 de 17 de maio de 1937 regular, pela primeira vez

em nosso ordenamento jurídico, através do seu artigo 1º, a solidariedade nos

grupos de empresas para efeitos trabalhistas.37

Esse diploma legislativo, sancionado por Getúlio Vargas e

Agamenom Magalhães, originou-se do Projeto 211-A, datado de 1935, que

apresentava como autor, dentre outros, o Deputado Antônio Carvalhal. O

objetivo do mesmo, como nos esclarece MAGANO38, textualmente declarado no

relatório apresentado pela Comissão de Legislação Social, “... era o de

37 SUSSSEKIND, Arnaldo. Grupo empregador. Genesis, Curitiba, v. 4, n. 20, p. 135-75, ago. 1994, p. 13-38. Sobre essa parte histórica também consultar FONSECA, Alfredo Cláudio Leal da. Grupos econômicos e solidariedade de empresas, cessão, remoção e/ou transferência de empregados face à legislação trabalhista. Revista LTr, v. 54, n. 11, p. 1297-1300, nov. 1990, p. 1299. 38 MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p.236.

19

Page 20: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

‘resguardar os empregados de grupos industriais de possíveis perdas de direitos

ou vantagens que a legislação social lhes confere, tais como férias, contagem de

tempo etc’.”

O teor inicial do projeto, levado à Câmara dos Deputados, era o

seguinte:

Art. 1º- “Sempre que uma ou mais empresas, tendo embora cada uma delas personalidade jurídica distinta, estiverem sob a direção ou administração de outra, constituindo grupo industrial para os efeitos da legislação social, a empresa principal será considerada como empregadora única.”

Ao analisar o texto constante do Projeto, o Deputado Carlos Moraes

Andrade, sugeriu que se estabelecesse a solidariedade das empresas pelas

obrigações legais decorrentes da legislação trabalhista e, após essas e outras

ponderações39, foi o projeto convertido na Lei n. 435/37, com o seguinte

conteúdo normativo:

Art. 1º-“Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle, ou administração de outra, constituindo grupo industrial ou comercial, para efeitos da legislação trabalhista serão solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”

39 A esse respeito, consultar MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 236-38.

20

Page 21: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Parágrafo único- “Essa solidariedade não se dará entre as empresas subordinadas, nem diretamente, nem , por intermédio da empresa principal, a não ser para o fim único de se considerarem todas como um mesmo empregador.”

Finalmente, seis anos mais tarde, quando da edição da Consolidação

das Leis Trabalhistas, a matéria foi inserida no art. 2º, § 2º, com algumas

modificações, permanecendo esse texto legal até os dias de hoje, tal qual o

conhecemos.40

Da comparação da redação constante nessa lei e da atual regulação

do fenômeno do grupo econômico constante no art. 2º, § 2º da CLT, podemos

observar que a expressão mesmo empregador, no sentido de serem consideradas

as empresas como empregadoras únicas, foi suprimida.

Tal fato apresenta-se relevante, uma vez que, diante dele, surge a

dúvida de saber se a concepção do grupo de empresas como empregador único

foi ou não abandonada pela Consolidação. Em outras palavras, se o texto

consolidado, ao não reproduzir o texto anterior, teria revogado tal aspecto legal.

40 Art. 2º- (...) §2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”

21

Page 22: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Cumpre esclarecer, desde já, nosso posicionamento no sentido de

que a omissão da CLT nesse mister não significa que tal conceito de empregador

único foi revogado, como pretendem argumentar aqueles autores que são contra

a tese do grupo como empregador único.

Nosso entendimento deve-se ao fato de que os próprios autores da

Consolidação explicitaram, na exposição de motivos que precede a mesma, que a

noção de empregadora única permanecia implícita no texto legal, tendo assim

declarado na época: “Na introdução aperfeiçoou a redação dos artigos; inseriu

a definição de empregador, que integra o conceito definitivo de relação de

emprego, acompanhando-a da noção de empregadora única dada pela Lei n.

435 de 17.5.1937.” (Grifo nosso)

Daí a conclusão de MAGANO41, da qual compartilhamos, no

sentido de que:

“Entenderam, portanto, os autores da Consolidação que a noção de empregadora única emergia do próprio caput do art. 2º, §2º, da Consolidação e, por isto, omitiram o parágrafo único da lei anterior. Assim procederam com o intuito de aperfeiçoar as regras legais em vias de se consolidarem. Julgaram supérfluo o referido parágrafo. E, se o fizeram, foi porque lhes pareceu que a noção de empregador único já estava implícita no caput da lei.”

41 MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 239.

22

Page 23: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Assim, no nosso ponto de vista, a noção de empregador único

continua arraigada no preceito celetista, assistindo razão àqueles que defendem

tal posicionamento, conforme mencionaremos com mais cuidado posteriormente,

quando tratarmos da solidariedade ativa.42

Resta-nos, ainda, no presente tópico, expor ao leitor os objetivos

visados pelo legislador ao criar a figura do grupo econômico trabalhista. Afinal,

o intérprete não deve nunca se esquecer, na aplicação da norma sob exame, que

se está diante do ramo trabalhista, norteando-se sempre por seus altos fins sociais

e tutelares.

Destarte, na análise e aplicação do preceito sob enfoque, deve-se,

antes de tudo, remontar-se ao objetivo principal do Direito do Trabalho ao

construir essa figura, qual seja, o de “... assegurar maior garantia aos créditos

trabalhistas em contexto socioeconômico de crescente despersonalização do

empregador e pulverização dos empreendimentos empresariais em numerosas

organizações juridicamente autônomas,”43 através da responsabilização solidária

dos mesmos.

42 Evaristo de Moraes Filho também defende semelhante ponto de vista, destacando que: “Ao apresentar ao Chefe do Estado o projeto final da Consolidação, aludiu o Ministro Marcondes Filho à ‘noção legal de empregadora única dada pela Lei n. 435’, noção esta que estaria na própria Consolidação. Foi o que fizemos, de maneira mais explícita e clara no Projeto do Código de Trabalho, art. 3º, parágrafo único...” (FILHO, Evaristo de Moraes e MORAES Antônio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho. 8. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: LTr, 2000, p. 260.) 43 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 340.

23

Page 24: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

E essa responsabilização, como acentua MANUS44, visa certamente

impedir que tais empresas se utilizem de expedientes fraudulentos, cercando “...

o empregado de garantias no sentido de que, tendo havido prestação de serviço,

terá meios de efetivamente receber seus haveres.”

Outrossim, salienta-se que a regulação da figura dos grupos

empresariais foi se tornando necessária face à proliferação das formas de

concentração de capital em conseqüência da expansão do sistema capitalista. E,

na seara trabalhista, coube ao art. 2º, § 2º da CLT a tarefa de defender os

interesses do obreiro no contexto de concentração econômica desenfreada.

E, se na década de 40, quando da aprovação da Consolidação das

Leis do Trabalho pelo Decreto-Lei n. 5.452/43, a concentração econômica já era

grande, o que se dirá do poder que detêm hoje as grandes corporações, os

grandes conglomerados... Com maior razão, pois, o objetivo de proteção

aos

direitos laborais deve predominar quando o intérprete se deparar com a figura do

grupo econômico, nos dias atuais.

3 Conceito e caracterização do grupo econômico

44 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 87.

24

Page 25: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

A definição e a caracterização do grupo econômico justrabalhista

pode se dar de formas diferentes, dependendo da leitura que se faça do

dispositivo legal. Essa é uma verdade incontestável: a de que, na interpretação

da norma insculpida no art. 2º, § 2º da CLT, se chegará a essa ou aquela

conclusão dependendo da lente com a qual o jurista a contemple.

Com a clareza e inteligência de sempre, o Prof. MÁRCIO TÚLIO

VIANA45, em excelente e inspirador artigo sobre o tema, nos ensina que, de fato,

“... como quase sempre acontece, essa norma comporta várias leituras.” E

continua, em poética redação, salientando que:

“Se a interpretarmos mecanicamente, sem atentar para os seus fins, será uma a conclusão. Se a entendermos dinamicamente, olhos voltados para a vida, a solução pode ser outra. Assim, é possível, de um lado, restringir o seu alcance; de outro, elastecê-lo.”

Há, portanto, duas linhas interpretativas sobre os grupos de

empresas trabalhistas, sendo que a adoção de uma ou de outra repercute também

na definição do tipo legal.

45 VIANA, Márcio Túlio. Grupo econômico e trabalho subordinado. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo, n. 19/96, p. 331- 29, 1ª quinzena, out. 1996, p. 331.

25

Page 26: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Para aqueles que interpretam o artigo de forma ampla, buscando

inseri-lo no contexto atual da dinâmica empresarial, o grupo econômico

trabalhista pode ser definido como:

“... a figura resultante da vinculação justrabalhista que se forma entre dois ou mais entes favorecidos direta ou indiretamente pelo mesmo contrato de trabalho em decorrência de existir entre esses laços de direção ou coordenação em face de atividades industriais, comerciais, financeiras, agroindustriais ou de qualquer outra natureza econômica.” (Grifo nosso)46

Os adeptos dessa corrente preconizam que o grupo ocorre não só

quando há direção, controle ou administração entre as empresas, conforme está

disposto no artigo citado, mas também quando presente mera relação de

coordenação entre elas.

A adoção da relação de coordenação parte do pressuposto de que o

legislador, na década de setenta, ampliou significativamente o conceito de grupo

econômico, ao regular no art. 3º, § 2º da Lei de Trabalho Rural (5.889/73) a

responsabilidade solidária do grupo sem os laços hierárquicos de comando entre

as empresas componentes.

“Art. 3º omissis§1º omissis

46 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 334.

26

Page 27: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

§ 2º- Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de outra, ou ainda, quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.” (Grifo nosso)

Assim, nessa veia interpretativa, para se ter o alcance do grupo

trabalhista, atualmente, seria necessário realizar a leitura conjugada dos artigos

2º, § 2º da CLT e art.3º, § 2º da Lei 5.889/73.

Já para os que defendem uma leitura restritiva ou literal das linhas

formais constantes no parágrafo celetista, a idéia de grupo econômico deve

sempre pressupor a reunião de empresas, dotadas de personalidade jurídica

própria, mas que estejam submetidas ao comando de uma empresa líder ou

principal. Defensor dessa idéia, assim se posiciona EVARISTO DE MORAES

FILHO47:

“Bem ou mal redigido, o fato é que o sentido da lei é restritivo. Refere-se a empresas, com personalidade jurídica própria, que estejam sob a direção, controle ou administração de outra. Distingue-se, assim, entre empresa principal e cada uma das subordinadas. Isto está na lei, com todas as letras.”

47 FILHO, Evaristo de Moraes e MORAES Antônio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho. 8. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: LTr, 2000, p. 261.

27

Page 28: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

A nosso ver, os juristas adeptos da primeira corrente estão com a

razão. Insistir de forma contrária é permanecer atrasado no tempo, fechar os

olhos para a realidade que se apresenta no mundo globalizado de hoje, deixando

de contribuir para a evolução do direito.

Sobre o assunto desenvolvemos amplo estudo em nossa tese de

Mestrado intitulada Caracterização do Grupo Econômico Trabalhista- a

relevância da relação interempresarial de coordenação48, onde procuramos

demonstrar como têm se posicionado a doutrina e a jurisprudência neste mister e

realizamos um estudo comparativo entre as teses, concluindo, ao final, a

respeito dos benefícios de se adotar a exegese mais moderna. Remetemos, pois,

o leitor mais interessado à pesquisa supracitada.

Antes de examinarmos outros elementos constantes no grupo

econômico trabalhista, é necessário, ainda, deixar claro o que se deve entender

pelos vocábulos direção, controle e administração que figuram no texto

consolidado, segundo o entendimento doutrinário a respeito.

Nesses termos, para SÉRGIO PINTO MARTINS, enquanto o

controle “... consiste na possibilidade de uma empresa exercer influência

48 NAGEM, Carine Murta. Caracterização do grupo econômico trabalhista- a relevância da relação interempresarial de coordenação. Tese de Mestrado defendida na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. nov. 2001.

28

Page 29: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

dominante sobre a outra”49, a direção é a “...efetivação do controle, consistindo,

pois, no poder de subordinar pessoas e coisas à realização dos objetivos da

empresa.”50 Esse último aspecto, poder diretivo, já foi estudado por nós no tópico

referente ao empregador.

Como acentua o mesmo autor51, a existência do controle pode ser

encontrada nas seguintes situações: quando uma empresa detém a maioria das

ações de outra; quando há empregados, administradores, diretores ou acionistas

comuns entre as empresas; quando as empresas funcionam no mesmo local ou

possuem a mesma finalidade econômica etc. Como exemplo, citem-se os

seguintes arestos:

EMENTA: GRUPO DE EMPRESAS- SÓCIO COMUM- A

existência de um mesmo sócio compondo duas empresas revela a

existência de interesses comuns, fortalecendo a tese de que ambas

formam grupo econômico, possibilitando que a execução

trabalhista recaia sobre bens de qualquer uma delas. (TRT 3ª

49 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 12. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2000, p. 169. Consultar também o artigo do mesmo autor intitulado Grupo de empresas como empregador in: Suplemento de Legislação, Jurisprudência e Doutrina, n. 6/ 96, p. 300-29.50 MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 247. 51 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 12. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2000, p. 169.

29

Page 30: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Região, 1ª Turma- AP/ 0317/01 – Rel. Juíza Maria Auxiliadora

Machado Lima- DJMG 27/04/2001.)

EMENTA: GRUPO ECONÔMICO. Empresas que embora tenham

personalidade jurídica distinta, são dirigidas pelas mesmas

pessoas, exercem sua atividade no mesmo endereço e uma delas

presta serviços somente a outra, formam um grupo econômico, a

teor das disposições trabalhistas, sendo solidariamente

responsáveis pelos legais direitos do empregado de qualquer delas.

(TRT 3ª Região, 2ª Turma, RO/1551/86 Rel. Juiz Édson Antônio

Fiúza Gouthier- DJMG 12/09/1986)

EMENTA: SOLIDARIEDADE TRABALHISTA-

CONFIGURAÇÃO- Configura-se o chamado grupo econômico a

existência de mais de uma empresa, com sócio majoritário comum e

mesma sede, desafiando a aplicação do disposto no §2º do artigo

2º/CLT. (TRT 3ª Região, 3ª Turma- RO/ 7549/90 Rel. Juíza Ana

Etelvina Lacerda Barbato- DJMG 07/02/1992)

30

Page 31: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

EMENTA: GRUPO DE EMPRESAS. CONFIGURAÇÃO.

SOLIDARIEDADE. As semelhanças na composição societária, no

estabelecimento e no objeto das empresas demandadas, indicam,

sem dúvida alguma, caracterização do chamado grupo empresarial,

impondo-se-lhes a responsabilidade solidária pelos eventuais

créditos trabalhistas do ex-empregado, sobretudo para resguardar

a condição estatuída na orientação do Enunciado nº 205 do

Colendo Tribunal Superior do Trabalho.(TRT, 13ª Região, Acórdão

061295, REOR 1739/2000, decisão 07/11/2000- Relator Aluísio

Rodrigues)

EMENTA: RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ARTIGO 2º,

§2º DA CLT. CONFIGURAÇÃO. PARTICIPAÇÃO

MINORITÁRIA NO CAPITAL SOCIAL. O fato de a empresa

condenada de forma solidária ter participação minoritária no

capital social da empresa que foi empregadora da Reclamante não

desvirtua a responsabilidade solidária prevista em lei (CLT, art. 2º,

§2º). Segundo doutrina de escol, nem sempre a propriedade

determina a direção da empresa, pois, muitas vezes, nas empresas

31

Page 32: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

modernas, há uma clara diferenciação entre a propriedade e o

controle, pois acionistas minoritários podem dirigir a sociedade.

Isto se configura na hipótese, (...), pelo que, tendo em vista o

princípio da primazia da realidade, deve ser reconhecida a

responsabilidade solidária da Recorrente, sob pena de impedir a

aplicação dos preceitos contidos na legislação consolidada (CLT,

art. 9º). Recurso de Revista conhecido e desprovido. (TST, 3ª T., RR

335728, 1996, Reg. 2ª, 20/10/1999 Rel. Juiz Mauro C. M. de Souza)

Já a noção de administração traduz o sentido de “... organização,

orientação para um fim”52. Em outros termos, é o “... poder de que uma empresa

se investe em relação a outra, quanto à orientação e ingerência de seus órgãos.”53

A identificação da ingerência administrativa de uma empresa em

outra configura-se como um elemento indicativo da existência do grupo

econômico, conforme se constata na leitura da ementa abaixo:

52 MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 249.53 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 12. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2000, p. 169.

32

Page 33: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

EMENTA. GRUPO ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO.

CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA. Estando presente nas empresas a

personalidade jurídica própria, sob a ingerência administrativa de

outra e o exercício de atividade econômica, a configurar o grupo

econômico, incogitável o reconhecimento de ofensa ao art. 2º,§2º,

da CLT. Além disso, reconhecida a configuração do grupo

econômico, estabelece-se a solidariedade, por imperativo legal, nos

termos do dispositivo mencionado, insuscetível de violar os arts.

896 do Código Civil e 5º, inciso II, da Carta Magna. Recurso não

conhecido. (Grifo nosso) (TST, RR 457717, 1998, 10ª Região, 4ª

Turma, decisão 28/03/2001, Relator Ministro Antônio José de

Barros Levenhagen)

No estudo da caracterização do grupo justrabalhista, MAURÍCIO

GODINHO DELGADO, em sua esclarecedora obra Introdução ao Direito do

Trabalho, destaca ainda outros elementos importantes, tais como a abrangência

objetiva e subjetiva da figura.

A respeito da abrangência objetiva do grupo justrabalhista, lembra o

autor que as repercussões dessa figura não ultrapassam o Direito do Trabalho, no

33

Page 34: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

sentido de que não possui “... tal tipo legal efeitos de caráter civil, tributário,

comercial ou de qualquer outro ramo do direito.”54

Salienta ainda o jurista que, em contrapartida, a caracterização dessa

figura na seara trabalhista não necessita atender à tipificação legal que os grupos

empresariais recebem em outras áreas, tais como Direito Comercial e

Econômico, nem se sujeitar aos requisitos de constituição presentes nesses

segmentos jurídicos.

Por isso, conforme destacamos outrora, o grupo de empresas no

Direito do Trabalho é mais abrangente do que na área comercial, não

necessitando sequer de formalização cartorial para a sua existência. Basta que de

fato existam os elementos de integração interempresarial necessários à sua

configuração.

Sobre essa peculiaridade, disserta AMAURI MASCARO

NASCIMENTO55:

“Um segundo problema está na discussão sobre as formas de que se revestirão os grupos de empresas, uma vez que são conhecidas várias formas de união criadas para atender às necessidades do capitalismo, como a holding, o consórcio, a coligação, o pool etc.

54 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 336- 38. 55 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 27. ed. revista e atualizada. São Paulo: LTr, 2001, p. 199.

34

Page 35: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Para alguns, haverá o grupo quando entre as empresas houver um controle acionário. Para outros, basta o grupo de fato para que se caracterizem as obrigações atribuídas pela lei às diversas empresas. A lei trabalhista não indica formas ou tipos de grupos, fazendo apenas a exigência de que o grupo seja industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, sem outras especificações, com o que, para os seus fins, não há como limitar formas de grupos, desde que se enquadrem nos seus conceitos fundamentais, mais flexíveis que os do direito comercial.”

Superada tal questão, analisa DELGADO56 a abrangência subjetiva

ou o tipo de sujeito de direito que pode compor o grupo, esclarecendo que

somente entidades estruturadas como empresas, ou seja, que exerçam atividade

econômica, são passíveis de se agregarem e caracterizarem a figura

justrabalhista.

Logo, somente entes com dinâmica e finalidades econômicas são

aptos a configurar o grupo econômico na área trabalhista, não tendo relevância

para esse fim figuras como as especificadas no §1º do art. 2º da CLT e

conhecidas como empregadores por equiparação.

Assim, quando o texto legal se utiliza das expressões grupo

industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, está

delimitando a possibilidade de existência do grupo somente àqueles 56 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 336- 38.

35

Page 36: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

empregadores constituídos sob a forma de empresa, excluindo os profissionais

liberais, as instituições de beneficência etc.

Para ilustrar a assertiva acima, reproduzem-se dois entendimentos

jurisprudenciais que enfrentam a matéria:

EMENTA: GRUPO ECONÔMICO. ORGANIZAÇÃO SEM FINS

LUCRATIVOS. INEXISTÊNCIA. Não há como reconhecer a

existência de grupo econômico ante o fato de que um dos

reclamados, como fundação sem fins lucrativos, não se enquadra na

previsão do art. 2º, §2º da CLT, quanto ao exercício de atividade

econômica. Este elemento é indispensável para efeitos de

caracterização do grupo de empresas e da solidariedade

decorrente. (TRT, 3ª Região, 4ª Turma- RO 6612/95, Relatora Juíza

Deoclécia Amorelli Dias, DJMG 18/11/1995)

EMENTA: COMPANHIA VALE DO RIO DOCE- EXISTÊNCIA

DE GRUPO ECONÔMICO. A Fundação Vale do Rio Doce de

Habitação e Desenvolvimento Social, instituída pela Companhia

Vale do Rio Doce, com objetivos filantrópicos, não integra grupo

36

Page 37: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

econômico com a empresa-mãe, porquanto não exerce atividade

econômica, e possui atividade distinta da primeira., Assim a

circunstância de a empregadora haver cedido empregado seu para

prestar serviço na Fundação, não torna esta solidária com aquela

quanto às obrigações trabalhistas, nem empregadora do cedido.

(TST, RR 489809, 1998, 1ª Região, 5ª Turma, decisão 13/09/2000,

Relator Ministro João Batista Brito Pereira)

Na caracterização do grupo delimitado no art. 2º, § 2º da

Consolidação resta ainda um elemento importante a ser esclarecido. Trata-se da

questão relativa à personalidade jurídica própria ou autonomia das empresas

componentes dos agrupamentos empresariais. Recorra-se, por oportuno, à lição

de CAMPOS BATALHA57 sobre a personalidade jurídica:

“Para o direito, a pessoa, como feixe de deveres e faculdades jurídicas, não é a inapagável personalidade, a personalidade autêntica, mas a ‘máscara’ com que nos apresentamos no cenário da vida social, investidos na posição de credor, ou devedor, de locador ou de locatário, (...) A pessoa jurídica constitui uma unidade de imputação, uma sede abstrata de imputação de direitos, deveres e faculdades

57 CAMPOS BATALHA. Desconsideração da personalidade jurídica na execução trabalhista- responsabilidade dos sócios em execução trabalhista contra sociedade”, In: Revista LTr. São Paulo, v.58, n.11, p. 1295- 96 CITADO no Acórdão proferido pelo TST, RR, NUM: 412885, ano 1997, 4ª região, 2ª turma, DJ 01/12/2000, pg. 700, Relator: Juiz Convocado Alberto Luiz Bresciani Pereira; Presidente: Ministro Vantuil Abdala.

37

Page 38: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

(...) Porque criações do Direito, esses conceitos não são absolutos e devem adaptar-se às conjunturas e aos comportamentos sociais, que variam com os tempos e com os povos (...) Por isso, tais conceitos não constituem barreiras intransponíveis quando se trata de encontrar soluções de cunho eminentemente social, que poderiam aparentemente atritar-se com velhos conceitos abstratos (...) A constituição de uma sociedade e a teoria da personalidade jurídica não devem constituir meio para iludir o funcionamento normal das normas jurídicas.”

A existência de personalidades jurídicas distintas não obstaculiza a

constatação do grupo econômico, sendo, pelo contrário, elemento componente

do instituto previsto pela norma consolidada.

Em suma, isso quer dizer que é essencial à formação do grupo que

ele se forme mediante a reunião de unidades autônomas, o que pressupõe que

cada uma delas possua personalidade jurídica. Destarte, tal autonomia não é

meramente técnica, como ilustra MAGANO58: “Uma grande empresa pode ser

constituída de vários estabelecimentos, gozando cada um deles de ampla

autonomia administrativa, mas nem por isto a realidade que se delineia é a de um

grupo.”

58 MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 243.

38

Page 39: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Corroborando a tese exposta, também tem sido este o entendimento

consagrado na esteira de iterativa jurisprudência:

EMENTA: GRUPO ECONÔMICO- CONFIGURAÇÃO-

Consoante a melhor doutrina, a personalidade jurídica é o

substrato da autonomia dos sujeitos plúrimos que constituem o

grupo empresário, podendo-se dizer que a autonomia é uma das

facetas do grupo econômico, o que, antes de descaracterizá-lo,

constitui-se em nota marcante de sua definição. (...) (TRT, 3ª

Região, 3ª Turma- RO/3019/00, Relator Juiz Luiz Ronan Neves

Koury- DJMG- 29/08/2000)

Analisadas essas questões, outras ainda merecem nossa atenção,

dada a riqueza de elementos que o art. 2º, § 2º da CLT suscita, tais como o efeito

da solidariedade previsto na norma em exame e, por último, os aspectos

processuais pertinentes ao instituto. Face ao interesse que tais temas despertam,

examinaremos, em seguida, cada qual em um tópico específico.

4 A solidariedade decorrente da existência do grupo

39

Page 40: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

A imposição da responsabilidade solidária entre as diversas

entidades componentes do grupo no que concerne às dívidas trabalhistas de cada

uma delas face aos seus empregados é, sem dúvida, o principal efeito jurídico do

instituto previsto no art. 2º, § 2º da Consolidação.

A lei consolidada vigente, tendo surgido com a finalidade de

ampliar as garantias dos empregados quanto ao recebimento de suas verbas

trabalhistas, utilizou-se do instituto da responsabilidade solidária passiva,

oriundo do direito civil, fazendo com que todas as componentes do agrupamento

empresarial sejam coobrigadas pelas obrigações trabalhistas, ao lado da devedora

principal.

Trata-se de uma solidariedade que resulta da lei (art. 896 do Código

Civil), estando claramente insculpida tanto no art. 2º, § 2º da CLT, ao estabelecer

a solidariedade para os efeitos das relação de emprego, quanto na Lei n.

5.889/73 quando regula em seu art. 3º, §2º que as empresas integrantes do grupo

serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de

emprego.59

59 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 340.

40

Page 41: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Não restam dúvidas, portanto, de que o direito brasileiro adotou a

solidariedade passiva, ou seja, referente às obrigações dos entes integrantes do

grupo econômico.

As divergências surgem, entretanto, quando se discute se a

Consolidação teria adotado também a solidariedade ativa das empresas, quer

dizer, “... perante os direitos e prerrogativas trabalhistas que lhe favorecem”60 em

função dos contratos empregatícios firmados por cada uma delas.

Contrários à tese do empregador único, ou seja, à extensão da

solidariedade por além da simples garantia creditícia, citam-se AMAURI

MASCARO NASCIMENTO, PEREIRA LEITE, ARION SAYÃO ROMITA,

EDUARDO GABRIEL SAAD, PEDRO PAULO TEIXEIRA MANUS dentre

outros.

No entendimento de AMAURI MASCARO61, a nossa legislação

não considerou o grupo econômico como empregador único. Para o autor, “...

esse raciocínio seria de difícil aceitação para o caso, porque a lei expressamente

declara que no grupo as empresas devem ser autônomas, cada uma tendo

personalidade jurídica própria”.

60 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 341. 61 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 27.ed. revista e atualizada. São Paulo: LTr, 2001, p. 201.

41

Page 42: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

PEREIRA LEITE62, por sua vez, é enfático ao afirmar que “... aos

empregadores não assiste solidariedade ativa”, argumentando que a extensão da

solidariedade passiva “... não só é estranha às normas legais, como defesa, no

silêncio da lei ou do contrato.”

ARION SAYÃO ROMITA,63 em artigo publicado na Revista

Genesis, parece também não possuir dúvidas, ante os termos do artigo em

análise, de que a norma estabelece unicamente a solidariedade passiva entre as

empresas agrupadas.

Compartilhando da mesma certeza, SAAD64 enfatiza que “... o

grupo econômico não vem a ser um único empregador”, enquanto MANUS65

assim explicita: “... não há solidariedade ativa, no sentido de as demais empresas

poderem exigir do empregado de uma delas a prestação de serviços às demais.”

Em sede jurisprudencial, encontram-se alguns julgados que

espelham tal posicionamento, vejamos:

62 LEITE, João Antônio G. Pereira. Grupo econômico, solidariedade e contrato de trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 42, n. 4, abr. 1978, p. 445. 63 ROMITA, Arion Sayão. Equiparação salarial entre empregados de empresas que constituem grupo econômico (parecer). Revista Genesis: Curitiba, v. 10, n. 57, set.1997, p. 328-29.64 SAAD, Eduardo GabrieL. Equiparação salarial e grupo econômico. Temas trabalhistas, Revista Suplemento Trabalhista LTr, São Paulo, v. 33, n. 152, nov. 1997, p. 841.65 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 87.

42

Page 43: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

EMENTA: SOLIDARIEDADE. A solidariedade prevista no §2º do

art. 2º da CLT diz respeito aos efeitos da relação de emprego.

Assim, empresas de um mesmo grupo econômico respondem pelo

débito trabalhista de outra. Entretanto, não existe o empregador

único como grupo. Pessoas jurídicas distintas podem contratar

empregados, em vários contratos, sem que estes se somem,

empregador e a empresa. Não se falará no art. 453/CLT, o qual tem

como suposto vários contratos com uma mesma empresa. (TRT, 3ª

Região, 1ª Turma- RO/7714/94- Relator Juiz Fernando Procópio de

Lima Netto- DJMG- 02/09/1994)

EMENTA: GRUPO ECONÔMICO. EMPREGADOR ÚNICO. A

responsabilidade solidária decorrente do art. 2º, §2º da CLT não

transforma o grupo econômico em empregador único. Cada

empresa do grupo deve ser considerada como empregadora em

relação aos empregados que contratou. A responsabilidade fixada

diz respeito aos direitos decorrentes do contrato (...) (TRT, 3ª

Região, 1ª Turma- RO/14406/91- Relator Juiz Antônio Fernando

Guimarães- DJMG- 28/08/1992)

43

Page 44: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Por outro lado, entre os fundamentos que conduzem a uma resposta

positiva face à interrogante da solidariedade dual (passiva e ativa), ressalta-se o

fato de que o texto do art. 2º, § 2º fala em solidariedade para os efeitos da

relação de emprego, não se restringindo à solidariedade apenas pelas obrigações.

A esse respeito leciona MÁRCIO TÚLIO VIANA66, defendendo a tese da

solidariedade ativa:

“Pois bem. O legislador responsabiliza cada uma das empresas para os efeitos da relação de emprego. O que significaria isso? Na verdade, o significado é duplo. De um lado, a norma indica que, se o grupo não estiver formalizado, não existirá para efeitos outros que não os trabalhistas. De outro, mostra que, em sede de direito do trabalho, a solidariedade é passiva e ativa. Vale dizer: se, de um lado, cada uma das empresas pode ser responsabilizada pelos créditos do empregado, todas elas, em contrapartida, podem exigir os seus serviços, a menos que o contrato de trabalho - em disposição mais benéfica - o proíba.”

No mesmo sentido, esclarece JOSÉ MARTINS CATHARINO67 que

“... a própria noção unitária de grupo empresário implica na existência de

solidariedade integral, instituto bilateral.” E continua argumentando que a lei, ao

66 VIANA, Márcio Túlio. Grupo econômico e trabalho subordinado. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo, n. 19/96, 1ª quinzena, out. 1996, p. 331-30.67 CATHARINO, José Martins. Compêndio universitário de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Jurídica Universitária, 1972, v. 1, fls. 169/170 apud SOUZA, Lauro da Gama e. Grupo ou consórcio de empresas e a solidariedade no Direito do Trabalho. Revista do TRT da 11ªRegião/AM, Manaus, v. 1, out. 1992 , p. 81.

44

Page 45: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

utilizar a expressão para os efeitos da relação de emprego não permite

entendimento diverso.

Outro substrato jurídico que confirmaria a solidariedade ativa

refere-se à antiga Lei n. 435/37, já analisada por nós, que em seu projeto deixava

claro o intuito do legislador de considerar o grupo como empregador único.

Aliás, tal noção só teria deixado de constar expressamente no texto legislativo

porque entenderam os legisladores que essa idéia se encontrava implícita no

preceito, sendo desnecessária sua repetição.

Por esses motivos, atualmente, prevalece a tese na doutrina no

sentido de que a responsabilidade solidária in casu é ativa e passiva, como

preconiza SUSSEKIND68 em estudos sobre o tema.

Ilustrativamente, destacam-se os entendimentos de RUSSOMANO,

DÉLIO MARANHÃO e RIBEIRO DE VILHENA, além dos já citados acima.

Assim, pondera RUSSOMANO69, a favor da tese, que seria ilógico

se o legislador estabelecesse o direito do empregado de responsabilizar,

indistintamente, qualquer empresa integrante do grupo e impedisse, por outro 68 SUSSEKIND, Arnaldo Lopes. Grupo empregador. Revista Genesis, Curitiba, v. 4, n. 20, ago. 1994, p. 140.69 RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT. Rio de Janeiro: Konfino, 1973, v. 1, p. 18-9 apud SUSSEKIND, Arnaldo. Grupo empregador. Revista Genesis, Curitiba, v. 4, n. 20, ago. 1994, p. 140.

45

Page 46: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

lado, que as empresas utilizassem os serviços dos empregados contratados.

Já DÉLIO MARANHÃO70 sopesa que “... no âmbito do Direito do

Trabalho, o ‘grupo’ assume, como tal, a posição de empregador único”,

decorrendo daí o poder de comando deste em relação ao empregado.

Finalmente, para RIBEIRO DE VILHENA71 “... a solidariedade, no

caso, importa em um efeito na própria natureza das pessoas jurídicas das

empresas, que passam, em sua dualidade ou multiplicidade, a ser consideradas

como se fossem uma só.”

Parcela significativa da jurisprudência também tem acolhido a tese

do empregador único, apesar de haver divergências, conforme já demonstramos

acima. Eis a seguinte ementa:

EMENTA: GRUPO ECONÔMICO- EMPREGADOR ÚNICO-

ACORDO- EFEITOS- Configurado o grupo econômico, este é

considerado empregador único para os fins jurídico-trabalhistas,

não obstante cada empresa dele integrante possua personalidade

jurídica própria, de forma que a conciliação realizada com uma das 70 MARANHÃO, Délio. In: MARANHÃO, Délio, SUSSEKIND, Arnaldo et. alii. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. atualizada. São Paulo: LTr, 1999, v. 1, p. 309-10. 71 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego- estrutura legal e supostos. 2.ed. revista, atualizada e aumentada. São Paulo: LTr, 1999, p. 229.

46

Page 47: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

empresas abrange fatalmente os demais. (TRT 3ª Região, 4ª Turma-

RO/1698/91 Relator Juiz Luiz Otávio Linhares Renault- DJMG-

13/03/1992)

Salienta-se que o TST já se manifestou a favor da responsabilidade

solidária dual do grupo econômico, conforme se constata através da leitura do

disposto no Enunciado 129:

129- PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A MAIS DE UMA EMPRESA DO MESMO GRUPO ECONÔMICOA prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário (Res. Adm. 26/82, 14.4.82, DJ 4.5.82)

O certo é que, uma vez adotada a tese da solidariedade ativa,

importantes efeitos decorrem daí, como nos ensina MAURÍCIO GODINHO

DELGADO.72 Entre eles, destacam-se: a possibilidade da ocorrência da accessio

temporis, ou seja, contagem do tempo de serviço que o empregado prestou às

diversas empresas do grupo econômico; a viabilidade da equiparação salarial em

face de empregados paradigmas de outras empresas do grupo se presentes,

logicamente, os demais pressupostos exigidos pela lei (art. 461 CLT) ; o 72 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho..., p. 342- 43.

47

Page 48: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

pagamento de um salário único ao empregado pela jornada normal, mesmo se o

obreiro prestar serviços a empresas distintas do grupo; possibilidade de

transferência do empregado de uma para outra empresa do grupo, desde que não

ultrapassados os limites do poder diretivo do empregador (art. 469 CLT) e que

haja real necessidade do serviço (En. 43 do TST) etc.

Vários são os julgados que têm enfrentado a matéria e reconhecido

os efeitos decorrentes da adoção do grupo como empregador único, vejamos:

EMENTA: ART. 453 DA CLT- GRUPO ECONÔMICO- A configuração

da empregadora única, nos termos do art. 2º, §2º da CLT, impõe, não

apenas a solidariedade passiva de todas as empresas do grupo em que o

reclamante haja trabalhado, mas também a soma dos tempos de serviço a

todas prestado. Consideram-se as empresas grupadas como se

constituíssem uma só empresa. Em conseqüência, inocorrendo as

exceções previstas no art. 453 da CLT, a soma dos períodos descontínuos

ou contínuos prestados às diversas empresas do grupo constitui

imperativo legal e, como conseqüência, a indenização não paga. (Grifo

nosso) (TRT, 3ª Região, 4ª Turma- RO/4381/90 Relator Juiz Benedito

Alves Barcelos – DJMG 18/10/1991)

48

Page 49: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

EMENTA: GRUPO ECONÔMICO- EFEITOS PROCESSUAIS E

MATERIAIS- O grupo econômico é figura que pode produzir efeitos

exclusivos de responsabilidade no processo do trabalho (Enunciado 205,

TST). Entretanto, havendo efetiva prestação de trabalho a distintas

empresas do grupo, os efeitos ultrapassam o âmbito da mera

responsabilidade, atingindo o núcleo do contrato único de trabalho

(Enunciado 129, TST). Nestes casos tornam-se possíveis pleitos de

equiparação salarial, jornada de trabalho e outros, em virtude da

prestação de serviços efetivamente configurada. (Grifo nosso) (TRT, 3ª

Região, 1ª Turma- RO/2937/94 Relator Juiz Maurício José Godinho

Delgado– DJMG 06/05/1994)

EMENTA:EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO-

CONTRATO DE TRABALHO- Demonstrada a existência de grupo

econômico, tem-se que o contrato de trabalho é único, sendo empregador

o grupo como um todo. Contratado o reclamante por uma das empresas e

realizando vendas também para as demais integrantes do grupo, dentro

da mesma jornada de trabalho, conclui-se que tal prestação de serviços se

inclui nas suas atividades normais, decorrentes do contrato de trabalho,

49

Page 50: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

devendo ser consideradas para fins de integração ao salário (inteligência

do disposto no Enuniado nº129, do Col. TST) (TRT, 3ª Região, 5ª Turma-

RO/3306/99 Relator Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira– DJMG

04/12/1999)

EMENTA: EMPREGADOR ÚNICO- CONFIGURAÇÃO. Comprovado

que a prestação de serviço foi executada para empregador único, em

única jornada sem extrapolação do horário contratual, embora em duas

empresas distintas, porém sob o mesmo comando e pertencentes ao

mesmo grupo econômico, mantém-se a decisão que entendeu

caracterizado contrato único de trabalho a teor do Enunciado 129 do

Colendo Tribunal Superior do Trabalho. (TRT, 20ª Reg., Origem: 3ª JCJ

de Aracaju-SE, Proc. nº 01.03-0008/98 na origem, Acórdão 1901/98, - RO

NUM: 905 ano: 98, Rel. Juiz João Bosco S. de Moraes, 04/08/1998)

Particularmente, filiamo-nos a essa corrente doutrinária, por

entender que a “... conceituação do grupo econômico como empregador único,

50

Page 51: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

com responsabilidade ativa e passiva, é aquela que mais se recomenda para a

proteção do contrato de emprego. ”73

Finalmente, ressalta-se que, para fins de grupo econômico ou

financeiro rural, regulado no art. 3º, § 2º da Lei n. 5.889/73, tal discussão não

subsiste, pois a lei é expressa ao dispor que a solidariedade é somente para fins

das obrigações decorrentes da relação de emprego, ou seja, meramente passiva.

5 Aspectos processuais do grupo econômico

Um último aspecto a ser abordado no presente estudo refere-se aos

aspectos processuais da figura justrabalhista do grupo de empresas, uma vez que

algumas questões se mostram relevantes e ensejam, ainda hoje, interessantes

debates doutrinários.

Uma primeira discussão gira em torno do Enunciado n. 205 do

Colendo Tribunal Superior do Trabalho, que dispõe:

205- GRUPO ECONÔMICO- EXECUÇÃO- SOLIDARIEDADEO responsável solidário, integrante de grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução. (Res. 11/85, 28.6.85, DJ 11,12 e 15.7.85)

73 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999,p. 162.

51

Page 52: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Cristalizou-se, destarte, através da edição desse Enunciado, o

entendimento jurisprudencial de que o empregado, autor de ação trabalhista

contra o grupo, deverá, necessariamente, propor referida ação contra todas as

empresas do grupo, sob pena de não poder exigir, na fase executória, o

cumprimento da obrigação solidária pela entidade que não figurou na fase

processual cognitiva.

Contudo, a exigência de litisconsórcio passivo necessário é

combatida por alguns doutrinadores que, dentre outros argumentos, salientam

que tal dispositivo contraria princípios como o da celeridade processual e da

proteção ao trabalhador.74

SUZY CAVALCANTE,75 referindo-se ao pensamento de RIBEIRO

DE VILHENA com o qual concorda, sopesa que o Enunciado n. 205 provoca “...

uma contradição interna, uma quebra de harmonia no sistema normativo”, pois

enquanto o direito material considera o grupo como um só empregador, o direito

processual trata as empresas integrantes do grupo como empregadoras distintas.

Aliás, nas palavras do próprio VILHENA76:

74 A esse respeito, consultar KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. Direito do Trabalho e grupos de empresas: aplicação da disregard doctrine. Revista LTr, São Paulo, v. 54, n. 10, out. 1990, p. 1204.75 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 175, CITANDO VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Grupo econômico e Direito do Trabalho. Revista ADT- Advocacia Trabalhista- COAD, São Paulo, v. 3, n. 24, 1988, p. 186./OBS: Esse artigo de VILHENA foi também publicado na Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 25, n. 98, p. 151-68, abr./jun. 1988.

52

Page 53: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

“A conceituação e a configuração do ‘grupo econômico’ ou ‘conglomerado’ como um ser unívoco e unitário, para fins da relação de emprego, tem por fim (...) demonstrar que a sua definição, como centro de relações jurídicas, importará, também, em uma idêntica posição processual, como parte, ativa ou passiva, em um dissídio trabalhista, entendendo-se que a ação proposta contra uma de suas empresas integrantes é ação proposta contra qualquer outra, pelo princípio da projeção de uma relação mais intensa do que a solidariedade, que é a concentração de pessoas distintas em uma só.”

Entretanto, a par desse entendimento, mantém-se na jurisprudência a

tese adotada no En. 205 do TST. Nesse sentido, seguem-se os seguintes arestos:

EMENTA: PENHORA DE BENS. EMPRESA DO GRUPO

ECONÔMICO QUE NÃO PARTICIPOU DA RELAÇÃO

PROCESSUAL COGNITIVA. EN. 205/TST. A solidariedade,

instituto de direito material, deve ser declarada no processo de

conhecimento. O devedor solidário não tem legitimidade passiva no

processo de execução, baseado em título executivo judicial onde

não foi expressamente condenado. A empresa, possível integrante

de um grupo econômico, só pode integrar passivamente processo de

execução mediante expressa condenação no processo de

conhecimento, porque a coisa julgada não pode aproveitar, 76 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Grupo econômico e Direito do Trabalho. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 25, n. 98, abr. /jun. 1988, p. 162.

53

Page 54: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

tampouco prejudicar, senão as próprias partes, conforme

inteligências dos artigos 77,III e 472, do CPC, bem como do

Enunciado nº 205/TST. (TRT, 3ª Região, 1ª Turma- AP/0801/97

Relator Juiz Ricardo Antônio Mohallem– DJMG 21/11/1997)

EMENTA: GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE

PASSIVA. LEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM”. A

decisão regional que concluiu não deter legitimidade passiva a

demandada, inobstante tenha reconhecido a existência de grupo

econômico, contraria frontalmente a inteligência do Enunciado nº

205 do TST, porquanto não seria possível executar uma empresa

integrante do grupo econômico sem que tivesse participado da

relação processual e constado do título executivo judicial

condenatório. Por essa razão, a solidariedade decorrente da lei-

art. 2º, §2º, da CLT- confere, necessariamente, às empresas do

grupo econômico legitimidade passiva para integrarem o pólo

passivo de uma reclamação trabalhista. (TST, RR NUM: 596225,

ANO: 1999, 9ª Região, 5ª Turma, decisão 10/05/2000, Relatora

Juíza Convocada Anelia Li Chum)

54

Page 55: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

É interessante notar, no entanto, que o Enunciado aborda a

responsabilização do ente componente do grupo e não a responsabilidade do

sócio da pessoa jurídica executada, já que esse último deve arcar com os débitos

trabalhistas independentemente de ter sido citado para compor a lide. Para

esclarecer o assunto, cite-se o seguinte acórdão:

EMENTA: SOLIDARIEDADE. RESPONSABILIDADE DOS

SÓCIOS. GRUPO ECONÔMICO. A solidariedade decorre da lei

ou do contrato, conforme o Código Civil, em seu artigo 896.

Havendo grupo econômico, a CLT, em seu artigo 2º, §2º, impõe a

existência da solidariedade. Sendo a embargante sócia e, portanto,

fazendo parte do grupo econômico, deve arcar com os débitos

trabalhistas no momento da execução, mesmo que não tenha sido

chamada para compor a lide, porque a dívida pode ser exigida de

um ou de alguns dos devedores, conforme a preceituação do artigo

904 do Código Civil. Aliás, sendo sócia da executada, estava

automaticamente participando do processo de conhecimento, por

ser participante do grupo econômico e da sua direção, inclusive em

55

Page 56: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

processos judiciais. (TRT, 3ª Região, 1ª Turma- AP/3594/95 Relator

Juiz Bolívar Viégas Peixoto– DJMG 19/04/1996)

Outro aspecto processual a ser mencionado diz respeito às questões

probatórias do grupo empresarial.

Nesse mister, há que se salientar, baseando-se nas sábias palavras de

DELGADO77, que “... não há prova pré-constituída imposta pela lei à evidência

dessa figura justrabalhista”, sendo quaisquer meios lícitos de prova permitidos

para demonstrar a configuração do grupo.

No mesmo sentido, leciona PEREIRA LEITE78 que “... a prova da

existência de grupo econômico faz-se por todos os meios permitidos em direito”,

sendo que “... quaisquer meios de prova servem à convicção do Juiz.” Há, pois,

no entendimento do autor, possibilidade da utilização de indícios para supor a

existência do grupo, já que “...exigir prova categórica de um consórcio que por

vezes tenta ocultar-se é exigir o impossível e negar a aplicação do art. 2º, par. 2º,

da CLT.”

Por fim, resta dizer, - para encerrar o tema proposto no presente

estudo , qual seja, a caracterização do grupo de empresas no Direito do

77 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 344. 78 LEITE, João Antônio G. Pereira. Grupo econômico, solidariedade e Contrato de Trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 42, n. 4, abr. 1978, p. 447.

56

Page 57: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

Trabalho -, que, quanto à solidariedade, esta não necessita ser provada, pois é

efeito inquestionável que decorre da existência do grupo.

Bibliografia

BARROS, Alice Monteiro de. Poder hierárquico do empregador. Poder diretivo. In: Curso de Direito do Trabalho- estudos em memória de Célio Goyatá. Coordenadora: Alice Monteiro de Barros. 3. ed. rev., atual. e ampl. v. 1. São Paulo: LTr, 1997.

CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 2. ed. revista e ampliada, Porto Alegre: Síntese, 1999.

DELGADO, Maurício Godinho. Contrato de Trabalho- caracterização, distinções, efeitos. São Paulo: LTr, 1999.

______________. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999.

FILHO, Evaristo de Moraes e MORAES Antônio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho. 8. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: LTr, 2000.

FONSECA, Alfredo Cláudio Leal da. Grupos econômicos e solidariedade de empresas, cessão, remoção e/ou transferência de empregados face à legislação trabalhista. Revista LTr, v. 54, n. 11, p. 1297-1300, nov. 1990.

KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

____________________. Direito do Trabalho e grupos de empresas: aplicação da disregard doctrine. Revista LTr, São Paulo, v. 54, n. 10, out. 1990.

57

Page 58: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

LEITE, João Antônio G. Pereira. Grupo econômico, solidariedade e contrato de trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 42, n. 4, abr. 1978.

MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999.

MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979.

MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

MARANHÃO, Délio. In: MARANHÃO, Délio, SUSSEKIND, Arnaldo et. alii. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. atualizada. São Paulo: LTr, 1999.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 12. ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2000.

MESQUITA, Luiz José de. Direito disciplinar do trabalho. São Paulo: LTr, 1991.

NAGEM, Carine Murta. Caracterização do grupo econômico trabalhista- a relevância da relação interempresarial de coordenação. Tese de Mestrado defendida na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. nov. 2001.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 27. ed. revista e atualizada. São Paulo: LTr, 2001.

NETO, Francisco Ferreira Jorge e CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Responsabilidade e as relações de trabalho. São Paulo: LTr, 1998.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho: noções fundamentais de direito do trabalho, sujeitos e Institutos do Direito Individual. 2. ed. São Paulo: LTr, 1995.

RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Antecedentes históricos do Contrato de Trabalho. In: RENAULT, Luiz Otávio Linhares; VIANA, Márcio Túlio e

58

Page 59: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

DIAS, Fernanda Melazo. O Novo Contrato a Prazo: teoria, prática e crítica da lei 9.601/98. São Paulo: LTr, 1998.

________________. Distribuidores de Panfletos e Contrato de Trabalho. Revista TRT 3ª Região. Belo Horizonte, v. 28, n.58, p. 83-89, jan./dez.1998.

ROMITA, Arion Sayão. Equiparação salarial entre empregados de empresas que constituem grupo econômico (parecer). Revista Genesis: Curitiba, v. 10, n. 57, set.1997.

SAAD, Eduardo GabrieL. Equiparação salarial e grupo econômico. Temas trabalhistas, Revista Suplemento Trabalhista LTr, São Paulo, v. 33, n. 152, nov. 1997.

SOUZA, Lauro da Gama e. Grupo ou consórcio de empresas e a solidariedade no Direito do Trabalho. Revista do TRT da 11ªRegião/AM, Manaus, v. 1, out. 1992 .

SUSSEKIND, Arnaldo Lopes. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho e a Legislação Complementar. 2. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1964.

___________. Grupo empregador. Genesis, Curitiba, v. 4, n. 20, p. 135-75, ago. 1994.

VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. São Paulo: LTr, 1996.

_______________. Grupo econômico e trabalho subordinado. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo, n. 19/96, p. 331- 29, 1ª quinzena, out. 1996.

VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Grupo econômico e Direito do Trabalho. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 25, n. 98, abr. /jun. 1988.

____________________. Relação de emprego- estrutura legal e supostos. 2. ed. revista, atualizada e aumentada. São Paulo: LTr, 1999.

59

Page 60: Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista

60