Capítulo III- Caracterização do Grupo Econômico justrabalhista
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CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO ECONÔMICO JUSTRABALHISTA
Carine Murta Nagem
Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Gama Filho- RJ (CAD), Advogada, Professora Universitária.
O Direito do Trabalho, em harmonia com seus princípios e
finalidades de tutela do empregado, disciplinou, através da norma insculpida no
art. 2º, § 2º da legislação celetista, a responsabilidade do grupo econômico pelas
obrigações trabalhistas, vejamos:
“Art. 2º-omissis§1º- omissis
§2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”
Através da simples leitura do texto consolidado, temos uma breve
noção da riqueza de informações e de questões que a figura do grupo
justrabalhista suscita. De fato, a análise de tal preceito conduz o pesquisador a
refletir sobre uma infinidade de questões apaixonantes.
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Desde seu objetivo até a amplitude de sua abrangência, o tipo legal
sob enfoque reveste-se de peculiaridades, vejamos:
Com relação ao seu objetivo, sabe-se que este surgiu em
decorrência da necessidade de se prevenir que, através de manobras fraudulentas,
as empresas agrupadas se eximissem da responsabilidade de arcar com os
direitos trabalhistas dos empregados contratados. Explica-se:
“O direito do trabalho, diante do fenômeno da concentração econômica, tomou posição, visando a ‘oferecer ao empregado de um estabelecimento coligado a garantia dos seus direitos contra as manobras fraudulentas ou outros atos prejudiciais, aos quais se prestariam com relativa facilidade as interligações grupais entre administrações de empresas associadas, se prevalecesse o aspecto meramente jurídico formal’. Esta a origem da norma do §2º do art. 2º da Consolidação...”1
No que se refere à sua amplitude, tem o grupo empresarial no direito
laboral abrangência muito maior do que a que lhe foi atribuída em outros
segmentos jurídicos. A lição é de DELGADO2:
“... essa figura justrabalhista também não se submete à tipificação legal de grupo econômico que impera em outros segmentos jurídicos (Direito Comercial ou
1 GOTTSCHALK, Egon Félix. Revista do Trabalho, abril./46, p. 10 apud MARANHÃO, Délio. In: MARANHÃO, Délio, SUSSEKIND, Arnaldo et. alii. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. atualizada. São Paulo: LTr, 1999, v. I, p. 308.2 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 336.
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Direito Econômico, por exemplo); nem se sujeita aos requisitos de constituição que podem emergir como relevantes nesses segmentos estranhos ao Direito do Trabalho. Noutras palavras, o grupo econômico para fins justrabalhistas não necessita revestir-se das modalidades jurídicas típicas do Direito Econômico ou Direito Comercial (holdings, consórcios, pools, etc)...”
A jurisprudência a esse respeito também reflete o entendimento de
que o grupo econômico no Direito do Trabalho apresenta contornos bem mais
amplos do que aqueles apresentados em outros ramos jurídicos. Ilustrativamente,
cite-se o seguinte aresto:
EMENTA: GRUPO ECONÔMICO. Acolhe-se a existência de grupo
econômico, tão-somente, pela unidade de comando ou pela relação
de coordenação entre as empresas. Para fins trabalhistas, ele não
necessita de se revestir das modalidades jurídicas do direito
econômico ou do direito comercial (“Holding”, Consórcio, “Pool”
etc.). Depois, também o direito do trabalho é tuitivo; preocupa-se
em garantir, com segurança, os créditos do hipossuficiente. (TRT 3ª
Região- 1ª Turma- RO/20287/97 Re. Juiz Manuel Cândido
Rodrigues- DJMG- 21/08/1998.)
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Trata-se, pois, de uma figura que apresenta contornos específicos na
área trabalhista, conforme constataremos ao longo dos próximos tópicos,
necessitando, destarte, de um estudo pormenorizado a seu respeito. É o que
faremos a seguir, lembrando, inicialmente, de contextualizar as linhas do § 2º
com o texto presente no artigo 2º que trata a respeito do sujeito passivo da
relação empregatícia: o empregador.
1 Noções sobre a figura do empregador
O conceito legal do empregador está contemplado no art. 2º da CLT
que estatui:
“Art. 2º- Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
§1º Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados...”
A primeira observação cabível que deve ser feita sobre o texto supra
transcrito é que ele enseja várias discussões doutrinárias.
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Inicialmente, o preceito estipula que empregador é a empresa. Tal
definição desencadeou divergência de posicionamento entre os doutrinadores,
havendo aqueles que o consideram falho e impreciso e outros que não observam
impropriedades na conceituação.
A esse respeito, AMAURI MASCARO NASCIMENTO3 esclarece
que a controvérsia surgiu tendo em vista a falta de consenso no que se refere à
natureza jurídica da empresa, pois, enquanto para uns constitui esta sujeito de
direito, para outros a empresa é apenas objeto ou conjunto de bens e, portanto,
não pode ser empregador. Assim, continua o autor:
“Para aqueles que sustentam que a empresa não é sujeito, mas objeto, a definição de empregador deveria ser outra: empregador é pessoa física ou jurídica. Para aqueles que entendem que à empresa deve ser atribuída personalidade de direito, (...) nada impede os termos da definição.”
No rol dos que criticam o critério adotado pela CLT encontram-se
juristas de renome. Dentre eles, MAURÍCIO DELGADO4 afirma que:
“... empregador não é a empresa - ente que não configura, obviamente, sujeito de direitos na ordem jurídica brasileira. Empregador será a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado titular da empresa ou estabelecimento.”
3 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 27. ed. revista e atualizada. São Paulo: LTr, 2001, p. 194. 4 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2. Ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 327.
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Na mesma direção interpretativa, destaca DÉLIO MARANHÃO5
que “...somente a pessoa física ou jurídica pode contratar” e, sendo a empresa
atividade ou objeto de direito, não pode ser empregador.
Coadunando semelhante entendimento, EVARISTO DE MORAES
FILHO6 menciona que “... dentro da melhor técnica jurídica, somente uma
pessoa natural ou jurídica pode revestir-se da qualidade de empregador, sujeito
de direitos e obrigações”, sendo enfático ao lecionar que há que se “... acabar
com a ambigüidade e as confusões do art. 2º da CLT.”
CARMEN CAMINO7, por sua vez, apesar de concordar com o fato
de que a relação de emprego, na verdade, se estabelece com a pessoa física ou
jurídica que detém a titularidade da empresa, entende que também o legislador
não ignorou esses aspectos e que “... propositadamente, deu ênfase à empresa,
deixando implícita a figura do empreendedor da atividade econômica, com o fito
de enfatizar o fenômeno da integração do trabalhador na universalidade de
pessoas e de bens.” (Grifos da autora)
5 MARANHÃO, Délio. In: MARANHÃO, Délio, SUSSEKIND, Arnaldo et. alli. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. atualizada. São Paulo: LTr, 1999, v. I, p. 295.6 FILHO, Evaristo de Moraes e MORAES Antônio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho. 8. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: LTr, 2000, p. 253.7 CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 2. ed. revista e ampliada, Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 103.
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Numa outra linha de entendimento, que considera acertada a forma
como foi tratado o tema no dispositivo legal, situam-se OCTAVIO BUENO
MAGANO8, CÉSAR MACHADO JR.9, PEDRO PAULO TEIXEIRA MANUS10
dentre outros. O primeiro autor assim se posiciona:
“Tendo em vista a apontada tendência da empresa no sentido de se institucionalizar e considerando, de outro lado, a crise do conceito de pessoa jurídica, o que tem levado os autores à conclusão de que a sua autonomia deve ficar sujeita a limitações, para, em certos casos, deixar transparecer a realidade que lhe é subjacente (disregard of legal entity), não é difícil concluir que a empresa, configurados os mesmos casos, pode e deve surgir como o verdadeiro sujeito da relação empregatícia.”11
Já CÉSAR MACHADO JR.12 e MANUS,13 explicando seus
respectivos posicionamentos por essa corrente doutrinária, defendem, em
resumo, que esse conceito de empregador é o que melhor explica as hipóteses de
sucessão de empresas (arts. 10 e 448 da CLT), em que aparece com nitidez o
fenômeno da despersonalização do empregador, através do qual a modificação
do sujeito passivo da relação empregatícia não afeta os contratos existentes.
8 MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. 2. ed., v. 2, São Paulo: LTr, 1988, apud MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999.9 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999.10 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2001.11 MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. 2. ed., v. 2, São Paulo: LTr, 1988, apud MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999, p. 149.12 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Op. cit., p. 150.13 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Op. cit., p. 80-1.
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Particularmente, apesar de respeitar a lógica dos que defendem a
definição de empregador como empresa, filiamo-nos à primeira corrente exposta.
Na realidade, a utilização de tal critério pela legislação trabalhista deveu-se à
forte influência da teoria institucionalista da empresa, presente no contexto
histórico da época e visivelmente superada nos dias de hoje, como é exemplo o
conceito de empregador adotado posteriormente pela Lei n. 5.889/73 (Trabalho
Rural), que o define como pessoa física ou jurídica e não como empresa. (caput,
art. 3º).
Ademais, “... a noção jurídica de empregador”, como nos ensina
DELGADO14, “... é essencialmente relacional à de empregado: existindo esta
última figura no vínculo laboral pactuado por um tomador de serviços, este
assumirá, automaticamente, o caráter de empregador na relação
consubstanciada.”
Logo, para se verificar a presença ou não da figura do empregador,
basta observar a presença, no pólo passivo da relação jurídica estabelecida, de
uma pessoa física laborando com os elementos fático-jurídicos da relação
empregatícia, quais sejam: pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e sob
subordinação.
14 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 327.
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Devido a esse fato é que o prof. MAURÍCIO DELGADO15 critica o
§1º do artigo supra mencionado, - que equipara algumas entidades (instituições
de beneficência, associações recreativas etc) ao empregador -, pois, na
realidade, diz ele, “... as entidades especificadas no referido §1º configuram-se
como empregadores típicos e não empregadores por equiparação ou extensão
legal.” E continua afirmando que são “... entes sem fins lucrativos, é certo, mas
esse aspecto não é relevante à configuração do tipo legal do empregador, por não
constituir seu elemento fático jurídico específico.”
O sempre citado DÉLIO MARANHÃO16 também expressa
semelhante entendimento. Vale citar sua lição:
“O legislador, partindo da falsa premissa de que o empregador é a ‘empresa’, resolveu ‘equiparar’ tais entes jurídicos ao empregador. Não se trata disso. Se um profissional liberal ou uma associação recreativa admitem empregados, não se equiparam ao empregador; são empregadores. O legislador pensou que a atividade econômica supusesse, necessariamente, a idéia de lucro. Mas não é assim. (...) Em um regime capitalista, as noções de atividade econômica e de lucro vêm, geralmente, associadas (...). Isto não importa, no entanto, que se confunda uma coisa com outra. Desde que haja uma atividade econômica (produção de bens ou serviços), na qual se utiliza a força do trabalho alheia como fator de produção, existe a figura do empregador.”
15 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit.,p. 328.16 MARANHÃO, Délio. In: MARANHÃO, Délio, SUSSEKIND, Arnaldo et. alli. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. atualizada. São Paulo: LTr, 1999, v. I, p. 303.
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Destarte, também para esse autor, o preceito celetista não traduz o
correto conceito jurídico do sujeito passivo da relação empregatícia.
Outra consideração relevante a ser feita no tocante à noção de
empregador estabelecida no art. 2º da CLT, diz respeito ao fato de que é este
quem assume os riscos da atividade econômica. Tal característica, também
conhecida como alteridade, “... consiste na circunstância de impor a ordem
justrabalhista à exclusiva responsabilidade do empregador, em contraponto aos
interesses obreiros oriundos do contrato pactuado, os ônus decorrentes de sua
atividade empresarial ou até mesmo do contrato empregatício celebrado.”17
Outrossim, como preleciona SÉRGIO PINTO MARTINS18, o
empregador não pode transferir para o empregado os riscos da atividade que
exerce, tais “... como ocorre na falência, na concordata e quando da edição de
planos econômicos governamentais”, sendo vedados atos que transfiram aos
trabalhadores ônus decorrentes de “... revés sofrido pela empresa”19.
A essa altura da exposição, cumpre esclarecer que o conceito de
empresa difere do de estabelecimento. Como aduz LUIZ OTÁVIO LINHARES
17 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 330-31.18 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 12. ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2000, p. 166.19 Expressão utilizada por MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Op. cit., p. 82.
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RENAULT20 sobre o assunto, “... se a lei não contém palavras inúteis, a distinção
é relevante.”
Sinteticamente, explica SUSSEKIND21 que enquanto a empresa “...
é o empreendimento constituído por uma universidade de pessoas
intervinculadas por variados tipos de relações jurídicas (contratos de sociedades,
de trabalho etc.) (...) visando à realização de sua finalidade econômica”, o
estabelecimento constitui “... o local onde a empresa realiza, materialmente, a
consecução dessa finalidade.”
Já GOTTSCHALK, citado por JOSÉ AUGUSTO R. PINTO22, vê na
empresa “... o objeto das atividades do empresário” e no estabelecimento “... a
manifestação material” da mesma.
Em suma, não há que se confundir empresa e estabelecimento, pois,
enquanto a primeira se traduz no “... conjunto da atividade econômica de uma
pessoa, natural ou jurídica”, a última evidencia-se como “... a sua total
manifestação técnica”.23
20 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Antecedentes históricos do Contrato de Trabalho. In: RENAULT, Luiz Otávio Linhares; VIANA, Márcio Túlio e DIAS, Fernanda Melazo. O Novo Contrato a Prazo: teoria, prática e crítica da lei 9.601/98. São Paulo: LTr, 1998, p. 106. 21 SUSSEKIND, Arnaldo Lopes. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho e a Legislação Complementar. 2. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1964, p. 71.22 GOTTSCHALK, Egon Félix. O consórcio de empresas no Direito Brasileiro do Trabalho. Revista do Trabalho, abr. 1946, p. 187, apud PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho: noções fundamentais de direito do trabalho, sujeitos e Institutos do Direito Individual . 2. ed. São Paulo: LTr, 1995, p. 148.23 FILHO, Evaristo de Moraes e MORAES Antônio Carlos Flores de. Op. cit., p. 258.
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Em outras palavras, valendo-nos dos ensinamentos de
DELGADO24, podemos dizer que a empresa é a organização dos fatores
produtivos a serviço de uma finalidade econômica predeterminada; já o
estabelecimento é apenas uma unidade específica da mesma, um instrumento da
atividade empresarial.
Traz o art. 2º da CLT, em seu caput, outras noções importantes
sobre o sujeito passivo da relação laboral, quando considera que o empregador é
aquele que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Em breves
linhas, comenta SÉRGIO MARTINS25 o alcance de tal dispositivo:
“ O empregador admite o empregado, contrata-o para a prestação de serviços, pagando salários, ou seja, remunerando-o pelo trabalho prestado. Admitir do Latim admitio (ad+mitio, misi, missum) significando dar acesso, acolher, deixar entrar. O empregador admite, acolhe o empregado na empresa, dá acesso a ele na empresa. Há a direção do empregador em relação ao empregado, decorrente do poder de comando do primeiro, estabelecendo, inclusive, normas disciplinares no âmbito da empresa.”
No que concerne à admissão e ao pagamento do salário pelo
empregador, mencionados no artigo em análise, não nos delongaremos em
comentários, sob pena de nos desviarmos do objetivo do presente estudo, mas 24 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho, ... p. 333-34. 25 MARTINS, Sérgio Pinto. Op.cit., p. 166.
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indicamos, para o leitor mais interessado, a excelente obra de PAULO EMÍLIO
RIBEIRO DE VILHENA, intitulada Relação de Emprego26, que aborda com
seriedade e profundidade o tema em enfoque, quando analisa a figura do
empregador.
Já no que diz respeito ao poder de direção, por se tratar de um tema
de grande relevância no direito trabalhista, com diversas implicações no vínculo
empregador- empregado, há que se fazer algumas breves reflexões, apenas no
sentido de se esclarecer em que consiste o instituto.
Nesse sentido, sabe-se que a relação empregatícia, ao denotar o
trabalho subordinado por parte do empregado, pressupõe, por outro lado, a
existência de um poder de direção como um dos elementos ínsitos ao
empregador. Sobre o assunto, afirmam FRANCISCO NETO e JOUBERTO
CAVALCANTE: 27
“... a subordinação é um dos elementos legais quanto ao conceito de empregado. Por outro lado, o poder diretivo é um dos elementos conceituais do empregador. Por analogia temos a figura de uma moeda, sendo que um dos lados representa a subordinação e o outro o poder diretivo. A moeda equivale à figura da relação empregatícia.”
26 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego- estrutura legal e supostos. 2. ed. revista, atualizada e aumentada. São Paulo: LTr, 1999.27 NETO, Francisco Ferreira Jorge e CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Responsabilidade e as relações de trabalho. São Paulo: LTr, 1998.
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É também pertinente a lição de LUIZ OTÁVIO L. RENAULT28,
que esclarece:
“... a subordinação jurídica é a contraface (em determinadas situações, até a face oculta) do poder diretivo da empregadora, sob a ótica subjetiva, ainda que ela se exercite apenas mediatamente sobre a pessoa física. Como uma couraça, os comandos da empregadora não ultrapassam os limites da prestação obrigacional, no campo conceptual do contrato.”
Oportuna, ainda, a lição de ROMITA29 que não admite poderes de
homens sobre homens, ressaltando que o poder diretivo é jurídico e não real.
Buscando a conceituação e a origem etimológica da palavra poder
observamos que ela deriva do latim potere, tendo como raiz poti, que traduz a
noção de posse, influência, força. Juridicamente, vários autores definem e
classificam, de diferentes formas, esse poder de comando que o empregador
exerce sobre o obreiro.
28 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Distribuidores de Panfletos e Contrato de Trabalho. Revista TRT 3ª Região. Belo Horizonte, v. 28, n.58, p. 83-89, jan./dez.1998, p. 87. 29 ROMITA, Arion Sayão. O poder disciplinar do empregador. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983, p. 36, apud BARROS, Alice Monteiro de. Poder hierárquico do empregador. Poder diretivo. In: Curso de Direito do Trabalho- estudos em memória de Célio Goyatá. Coordenadora: Alice Monteiro de Barros. 3. ed. rev., atual. e ampl. v. 1. São Paulo: LTr, 1997, p. 562-63.
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Na lição de RIVA SANSEVERINO,30 podemos definir o poder de
direção como “... a faculdade para o patrão de determinar as normas de caráter
predominantemente técnico às quais deve subordinar-se o trabalhador no
cumprimento de suas obrigações.”
MAGANO, por sua vez, citado por MÁRCIO TÚLIO VIANA31 em
sua obra de doutoramento Direito de Resistência, vislumbra o poder diretivo
patronal como sendo “... a capacidade, oriunda do seu direito subjetivo, ou
então da organização empresarial, para determinar a estrutura técnica e
econômica da empresa e dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador,
visando a realização das finalidades daquela.”
Já LUIZ JOSÉ DE MESQUITA32 adota a expressão poder
hierárquico para definir o conjunto dos poderes da autoridade na empresa,
destacando a existência de um poder legislativo da empresa que seria
exteriorizado através das normas regulamentares da atividade profissional do
empregado, de um poder diretivo que corresponderia às ordens ou comandos
30 SANSEVERINO, Luiza Riva. Curso de Direito do Trabalho. Tradução de Elson Guimarães Gottschalk. São Paulo: LTr, 1976, p. 22 apud PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. 2.ed., São Paulo: LTr, 1995, p. 251.31 MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. São Paulo: Saraiva, 1982, apud VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. São Paulo: LTr, 1996, p. 121-123.32 MESQUITA, Luiz José de. Direito disciplinar do trabalho. São Paulo: LTr, 1991, p. 43-4.
15
técnicos e administrativos emanados da autoridade e de um poder
consubstanciado através das decisões disciplinares.
O renomado Dr. MAURÍCIO GODINHO DELGADO33 utiliza a
expressão genérica poder empregatício para traduzir “... o conjunto de
prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e
disciplinamento da economia interna à empresa” e, conseqüentemente, adota
uma classificação que considera o poder diretivo como uma das dimensões do
poder intraempresarial, ao lado do poder disciplinar, do fiscalizatório e do
regulamentar.
Portanto, o poder diretivo, em tal concepção, seria, em linhas gerais,
a prerrogativa que o empregador detém para organizar a estrutura e espaço
empresariais internos, bem como o processo de trabalho, determinando, ainda, as
regras que o trabalhador deve seguir para a prestação de serviços. Assim, as
expressões poder organizativo e poder de comando seriam sinônimos do poder
de direção.
O poder regulamentar, a seu turno, se manifestaria através da
fixação de regras gerais no âmbito do estabelecimento e da empresa. Entretanto,
o autor ressalta que a corrente doutrinária majoritária considera o poder
33 DELGADO, Maurício Godinho. Contrato de Trabalho- caracterização, distinções, efeitos. São Paulo: LTr, 1999, p. 132.
16
regulamentar (expedição do Regulamento de Empresa, de Circulares etc.) apenas
como uma das manifestações do poder diretivo patronal.
Quanto ao poder fiscalizatório, afirma o jurista que corresponderia
ao “... conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento
contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do
espaço empresarial interno.”34 Seria também, assim como o poder regulamentar,
uma outra forma de exteriorização do poder diretivo, configurando-se através da
utilização de circuito interno de TV, do controle de portaria, do controle de
horário e freqüência dos trabalhadores, sem, contudo, agredir ou cercear a
liberdade e dignidade dos empregados, face aos princípios constitucionais
pertinentes.
Por último, haveria o poder disciplinar ou a prerrogativa de impor
sanções aos empregados em face de descumprimentos contratuais, que, nos
dizeres de MAURÍCIO DELGADO, embora constitua mera extensão do poder
de direção, “... tem sido universalmente identificado em seara conceitual própria,
em virtude da existência de figuras jurídicas específicas ao exercício desse
34 DELGADO, Maurício Godinho. Contrato de Trabalho- caracterização, distinções, efeitos. São Paulo: LTr, 1999, p. 137.
17
poder, como, ilustrativamente, as noções de ilícito trabalhista, sanção e
procedimento punitivo.” 35
Finalmente, não poderíamos deixar de mencionar o entendimento de
MÁRCIO TÚLIO VIANA36, que adota a classificação de MAGANO, para quem
a manifestação do Poder Diretivo do Empregador ocorre através do exercício dos
seguintes poderes, quais sejam:
1. Poder de organização. O empregador tem a faculdade de organizar os fatores
de produção, podendo escolher a atividade a ser exercida, a estrutura jurídica a
ser adotada para o desempenho dessa atividade, o estabelecimento do
regulamento da empresa, etc.
2. Poder disciplinar. Corresponde, em suma, ao direito do empregador de impor
aos seus trabalhadores sanções disciplinares.
3. Poder diretivo stricto sensu (comando/controle). Cabe ao empregador ditar as
regras e as tarefas a serem exercidas e também controlar a prestação de serviços,
fiscalizando-a com o objetivo de realizar as finalidades da empresa.
35 DELGADO, Maurício Godinho. Contrato de Trabalho- caracterização, distinções, efeitos. São Paulo: LTr, 1999, p.139. 36 MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 98 apud VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência. São Paulo: LTr, 1996, p. 122-23.
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Conforme dito alhures, trata-se de um tema interessante e
importante para o direito trabalhista, como restou evidenciado nessas poucas
linhas que somente têm a pretensão de despertar o leitor sobre o assunto.
Feitas essas considerações sobre o empregador, (art.2º, caput e § 1º
da CLT), passemos à análise específica do § 2º do art. 2º da CLT a respeito do
grupo econômico justrabalhista.
2 Histórico do § 2º, art. 2º da CLT e objetivos da figura
Coube à Lei n. 435 de 17 de maio de 1937 regular, pela primeira vez
em nosso ordenamento jurídico, através do seu artigo 1º, a solidariedade nos
grupos de empresas para efeitos trabalhistas.37
Esse diploma legislativo, sancionado por Getúlio Vargas e
Agamenom Magalhães, originou-se do Projeto 211-A, datado de 1935, que
apresentava como autor, dentre outros, o Deputado Antônio Carvalhal. O
objetivo do mesmo, como nos esclarece MAGANO38, textualmente declarado no
relatório apresentado pela Comissão de Legislação Social, “... era o de
37 SUSSSEKIND, Arnaldo. Grupo empregador. Genesis, Curitiba, v. 4, n. 20, p. 135-75, ago. 1994, p. 13-38. Sobre essa parte histórica também consultar FONSECA, Alfredo Cláudio Leal da. Grupos econômicos e solidariedade de empresas, cessão, remoção e/ou transferência de empregados face à legislação trabalhista. Revista LTr, v. 54, n. 11, p. 1297-1300, nov. 1990, p. 1299. 38 MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p.236.
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‘resguardar os empregados de grupos industriais de possíveis perdas de direitos
ou vantagens que a legislação social lhes confere, tais como férias, contagem de
tempo etc’.”
O teor inicial do projeto, levado à Câmara dos Deputados, era o
seguinte:
Art. 1º- “Sempre que uma ou mais empresas, tendo embora cada uma delas personalidade jurídica distinta, estiverem sob a direção ou administração de outra, constituindo grupo industrial para os efeitos da legislação social, a empresa principal será considerada como empregadora única.”
Ao analisar o texto constante do Projeto, o Deputado Carlos Moraes
Andrade, sugeriu que se estabelecesse a solidariedade das empresas pelas
obrigações legais decorrentes da legislação trabalhista e, após essas e outras
ponderações39, foi o projeto convertido na Lei n. 435/37, com o seguinte
conteúdo normativo:
Art. 1º-“Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle, ou administração de outra, constituindo grupo industrial ou comercial, para efeitos da legislação trabalhista serão solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”
39 A esse respeito, consultar MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 236-38.
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Parágrafo único- “Essa solidariedade não se dará entre as empresas subordinadas, nem diretamente, nem , por intermédio da empresa principal, a não ser para o fim único de se considerarem todas como um mesmo empregador.”
Finalmente, seis anos mais tarde, quando da edição da Consolidação
das Leis Trabalhistas, a matéria foi inserida no art. 2º, § 2º, com algumas
modificações, permanecendo esse texto legal até os dias de hoje, tal qual o
conhecemos.40
Da comparação da redação constante nessa lei e da atual regulação
do fenômeno do grupo econômico constante no art. 2º, § 2º da CLT, podemos
observar que a expressão mesmo empregador, no sentido de serem consideradas
as empresas como empregadoras únicas, foi suprimida.
Tal fato apresenta-se relevante, uma vez que, diante dele, surge a
dúvida de saber se a concepção do grupo de empresas como empregador único
foi ou não abandonada pela Consolidação. Em outras palavras, se o texto
consolidado, ao não reproduzir o texto anterior, teria revogado tal aspecto legal.
40 Art. 2º- (...) §2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”
21
Cumpre esclarecer, desde já, nosso posicionamento no sentido de
que a omissão da CLT nesse mister não significa que tal conceito de empregador
único foi revogado, como pretendem argumentar aqueles autores que são contra
a tese do grupo como empregador único.
Nosso entendimento deve-se ao fato de que os próprios autores da
Consolidação explicitaram, na exposição de motivos que precede a mesma, que a
noção de empregadora única permanecia implícita no texto legal, tendo assim
declarado na época: “Na introdução aperfeiçoou a redação dos artigos; inseriu
a definição de empregador, que integra o conceito definitivo de relação de
emprego, acompanhando-a da noção de empregadora única dada pela Lei n.
435 de 17.5.1937.” (Grifo nosso)
Daí a conclusão de MAGANO41, da qual compartilhamos, no
sentido de que:
“Entenderam, portanto, os autores da Consolidação que a noção de empregadora única emergia do próprio caput do art. 2º, §2º, da Consolidação e, por isto, omitiram o parágrafo único da lei anterior. Assim procederam com o intuito de aperfeiçoar as regras legais em vias de se consolidarem. Julgaram supérfluo o referido parágrafo. E, se o fizeram, foi porque lhes pareceu que a noção de empregador único já estava implícita no caput da lei.”
41 MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 239.
22
Assim, no nosso ponto de vista, a noção de empregador único
continua arraigada no preceito celetista, assistindo razão àqueles que defendem
tal posicionamento, conforme mencionaremos com mais cuidado posteriormente,
quando tratarmos da solidariedade ativa.42
Resta-nos, ainda, no presente tópico, expor ao leitor os objetivos
visados pelo legislador ao criar a figura do grupo econômico trabalhista. Afinal,
o intérprete não deve nunca se esquecer, na aplicação da norma sob exame, que
se está diante do ramo trabalhista, norteando-se sempre por seus altos fins sociais
e tutelares.
Destarte, na análise e aplicação do preceito sob enfoque, deve-se,
antes de tudo, remontar-se ao objetivo principal do Direito do Trabalho ao
construir essa figura, qual seja, o de “... assegurar maior garantia aos créditos
trabalhistas em contexto socioeconômico de crescente despersonalização do
empregador e pulverização dos empreendimentos empresariais em numerosas
organizações juridicamente autônomas,”43 através da responsabilização solidária
dos mesmos.
42 Evaristo de Moraes Filho também defende semelhante ponto de vista, destacando que: “Ao apresentar ao Chefe do Estado o projeto final da Consolidação, aludiu o Ministro Marcondes Filho à ‘noção legal de empregadora única dada pela Lei n. 435’, noção esta que estaria na própria Consolidação. Foi o que fizemos, de maneira mais explícita e clara no Projeto do Código de Trabalho, art. 3º, parágrafo único...” (FILHO, Evaristo de Moraes e MORAES Antônio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho. 8. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: LTr, 2000, p. 260.) 43 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 340.
23
E essa responsabilização, como acentua MANUS44, visa certamente
impedir que tais empresas se utilizem de expedientes fraudulentos, cercando “...
o empregado de garantias no sentido de que, tendo havido prestação de serviço,
terá meios de efetivamente receber seus haveres.”
Outrossim, salienta-se que a regulação da figura dos grupos
empresariais foi se tornando necessária face à proliferação das formas de
concentração de capital em conseqüência da expansão do sistema capitalista. E,
na seara trabalhista, coube ao art. 2º, § 2º da CLT a tarefa de defender os
interesses do obreiro no contexto de concentração econômica desenfreada.
E, se na década de 40, quando da aprovação da Consolidação das
Leis do Trabalho pelo Decreto-Lei n. 5.452/43, a concentração econômica já era
grande, o que se dirá do poder que detêm hoje as grandes corporações, os
grandes conglomerados... Com maior razão, pois, o objetivo de proteção
aos
direitos laborais deve predominar quando o intérprete se deparar com a figura do
grupo econômico, nos dias atuais.
3 Conceito e caracterização do grupo econômico
44 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 87.
24
A definição e a caracterização do grupo econômico justrabalhista
pode se dar de formas diferentes, dependendo da leitura que se faça do
dispositivo legal. Essa é uma verdade incontestável: a de que, na interpretação
da norma insculpida no art. 2º, § 2º da CLT, se chegará a essa ou aquela
conclusão dependendo da lente com a qual o jurista a contemple.
Com a clareza e inteligência de sempre, o Prof. MÁRCIO TÚLIO
VIANA45, em excelente e inspirador artigo sobre o tema, nos ensina que, de fato,
“... como quase sempre acontece, essa norma comporta várias leituras.” E
continua, em poética redação, salientando que:
“Se a interpretarmos mecanicamente, sem atentar para os seus fins, será uma a conclusão. Se a entendermos dinamicamente, olhos voltados para a vida, a solução pode ser outra. Assim, é possível, de um lado, restringir o seu alcance; de outro, elastecê-lo.”
Há, portanto, duas linhas interpretativas sobre os grupos de
empresas trabalhistas, sendo que a adoção de uma ou de outra repercute também
na definição do tipo legal.
45 VIANA, Márcio Túlio. Grupo econômico e trabalho subordinado. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo, n. 19/96, p. 331- 29, 1ª quinzena, out. 1996, p. 331.
25
Para aqueles que interpretam o artigo de forma ampla, buscando
inseri-lo no contexto atual da dinâmica empresarial, o grupo econômico
trabalhista pode ser definido como:
“... a figura resultante da vinculação justrabalhista que se forma entre dois ou mais entes favorecidos direta ou indiretamente pelo mesmo contrato de trabalho em decorrência de existir entre esses laços de direção ou coordenação em face de atividades industriais, comerciais, financeiras, agroindustriais ou de qualquer outra natureza econômica.” (Grifo nosso)46
Os adeptos dessa corrente preconizam que o grupo ocorre não só
quando há direção, controle ou administração entre as empresas, conforme está
disposto no artigo citado, mas também quando presente mera relação de
coordenação entre elas.
A adoção da relação de coordenação parte do pressuposto de que o
legislador, na década de setenta, ampliou significativamente o conceito de grupo
econômico, ao regular no art. 3º, § 2º da Lei de Trabalho Rural (5.889/73) a
responsabilidade solidária do grupo sem os laços hierárquicos de comando entre
as empresas componentes.
“Art. 3º omissis§1º omissis
46 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 334.
26
§ 2º- Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de outra, ou ainda, quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.” (Grifo nosso)
Assim, nessa veia interpretativa, para se ter o alcance do grupo
trabalhista, atualmente, seria necessário realizar a leitura conjugada dos artigos
2º, § 2º da CLT e art.3º, § 2º da Lei 5.889/73.
Já para os que defendem uma leitura restritiva ou literal das linhas
formais constantes no parágrafo celetista, a idéia de grupo econômico deve
sempre pressupor a reunião de empresas, dotadas de personalidade jurídica
própria, mas que estejam submetidas ao comando de uma empresa líder ou
principal. Defensor dessa idéia, assim se posiciona EVARISTO DE MORAES
FILHO47:
“Bem ou mal redigido, o fato é que o sentido da lei é restritivo. Refere-se a empresas, com personalidade jurídica própria, que estejam sob a direção, controle ou administração de outra. Distingue-se, assim, entre empresa principal e cada uma das subordinadas. Isto está na lei, com todas as letras.”
47 FILHO, Evaristo de Moraes e MORAES Antônio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho. 8. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: LTr, 2000, p. 261.
27
A nosso ver, os juristas adeptos da primeira corrente estão com a
razão. Insistir de forma contrária é permanecer atrasado no tempo, fechar os
olhos para a realidade que se apresenta no mundo globalizado de hoje, deixando
de contribuir para a evolução do direito.
Sobre o assunto desenvolvemos amplo estudo em nossa tese de
Mestrado intitulada Caracterização do Grupo Econômico Trabalhista- a
relevância da relação interempresarial de coordenação48, onde procuramos
demonstrar como têm se posicionado a doutrina e a jurisprudência neste mister e
realizamos um estudo comparativo entre as teses, concluindo, ao final, a
respeito dos benefícios de se adotar a exegese mais moderna. Remetemos, pois,
o leitor mais interessado à pesquisa supracitada.
Antes de examinarmos outros elementos constantes no grupo
econômico trabalhista, é necessário, ainda, deixar claro o que se deve entender
pelos vocábulos direção, controle e administração que figuram no texto
consolidado, segundo o entendimento doutrinário a respeito.
Nesses termos, para SÉRGIO PINTO MARTINS, enquanto o
controle “... consiste na possibilidade de uma empresa exercer influência
48 NAGEM, Carine Murta. Caracterização do grupo econômico trabalhista- a relevância da relação interempresarial de coordenação. Tese de Mestrado defendida na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. nov. 2001.
28
dominante sobre a outra”49, a direção é a “...efetivação do controle, consistindo,
pois, no poder de subordinar pessoas e coisas à realização dos objetivos da
empresa.”50 Esse último aspecto, poder diretivo, já foi estudado por nós no tópico
referente ao empregador.
Como acentua o mesmo autor51, a existência do controle pode ser
encontrada nas seguintes situações: quando uma empresa detém a maioria das
ações de outra; quando há empregados, administradores, diretores ou acionistas
comuns entre as empresas; quando as empresas funcionam no mesmo local ou
possuem a mesma finalidade econômica etc. Como exemplo, citem-se os
seguintes arestos:
EMENTA: GRUPO DE EMPRESAS- SÓCIO COMUM- A
existência de um mesmo sócio compondo duas empresas revela a
existência de interesses comuns, fortalecendo a tese de que ambas
formam grupo econômico, possibilitando que a execução
trabalhista recaia sobre bens de qualquer uma delas. (TRT 3ª
49 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 12. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2000, p. 169. Consultar também o artigo do mesmo autor intitulado Grupo de empresas como empregador in: Suplemento de Legislação, Jurisprudência e Doutrina, n. 6/ 96, p. 300-29.50 MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 247. 51 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 12. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2000, p. 169.
29
Região, 1ª Turma- AP/ 0317/01 – Rel. Juíza Maria Auxiliadora
Machado Lima- DJMG 27/04/2001.)
EMENTA: GRUPO ECONÔMICO. Empresas que embora tenham
personalidade jurídica distinta, são dirigidas pelas mesmas
pessoas, exercem sua atividade no mesmo endereço e uma delas
presta serviços somente a outra, formam um grupo econômico, a
teor das disposições trabalhistas, sendo solidariamente
responsáveis pelos legais direitos do empregado de qualquer delas.
(TRT 3ª Região, 2ª Turma, RO/1551/86 Rel. Juiz Édson Antônio
Fiúza Gouthier- DJMG 12/09/1986)
EMENTA: SOLIDARIEDADE TRABALHISTA-
CONFIGURAÇÃO- Configura-se o chamado grupo econômico a
existência de mais de uma empresa, com sócio majoritário comum e
mesma sede, desafiando a aplicação do disposto no §2º do artigo
2º/CLT. (TRT 3ª Região, 3ª Turma- RO/ 7549/90 Rel. Juíza Ana
Etelvina Lacerda Barbato- DJMG 07/02/1992)
30
EMENTA: GRUPO DE EMPRESAS. CONFIGURAÇÃO.
SOLIDARIEDADE. As semelhanças na composição societária, no
estabelecimento e no objeto das empresas demandadas, indicam,
sem dúvida alguma, caracterização do chamado grupo empresarial,
impondo-se-lhes a responsabilidade solidária pelos eventuais
créditos trabalhistas do ex-empregado, sobretudo para resguardar
a condição estatuída na orientação do Enunciado nº 205 do
Colendo Tribunal Superior do Trabalho.(TRT, 13ª Região, Acórdão
061295, REOR 1739/2000, decisão 07/11/2000- Relator Aluísio
Rodrigues)
EMENTA: RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ARTIGO 2º,
§2º DA CLT. CONFIGURAÇÃO. PARTICIPAÇÃO
MINORITÁRIA NO CAPITAL SOCIAL. O fato de a empresa
condenada de forma solidária ter participação minoritária no
capital social da empresa que foi empregadora da Reclamante não
desvirtua a responsabilidade solidária prevista em lei (CLT, art. 2º,
§2º). Segundo doutrina de escol, nem sempre a propriedade
determina a direção da empresa, pois, muitas vezes, nas empresas
31
modernas, há uma clara diferenciação entre a propriedade e o
controle, pois acionistas minoritários podem dirigir a sociedade.
Isto se configura na hipótese, (...), pelo que, tendo em vista o
princípio da primazia da realidade, deve ser reconhecida a
responsabilidade solidária da Recorrente, sob pena de impedir a
aplicação dos preceitos contidos na legislação consolidada (CLT,
art. 9º). Recurso de Revista conhecido e desprovido. (TST, 3ª T., RR
335728, 1996, Reg. 2ª, 20/10/1999 Rel. Juiz Mauro C. M. de Souza)
Já a noção de administração traduz o sentido de “... organização,
orientação para um fim”52. Em outros termos, é o “... poder de que uma empresa
se investe em relação a outra, quanto à orientação e ingerência de seus órgãos.”53
A identificação da ingerência administrativa de uma empresa em
outra configura-se como um elemento indicativo da existência do grupo
econômico, conforme se constata na leitura da ementa abaixo:
52 MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 249.53 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 12. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2000, p. 169.
32
EMENTA. GRUPO ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO.
CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA. Estando presente nas empresas a
personalidade jurídica própria, sob a ingerência administrativa de
outra e o exercício de atividade econômica, a configurar o grupo
econômico, incogitável o reconhecimento de ofensa ao art. 2º,§2º,
da CLT. Além disso, reconhecida a configuração do grupo
econômico, estabelece-se a solidariedade, por imperativo legal, nos
termos do dispositivo mencionado, insuscetível de violar os arts.
896 do Código Civil e 5º, inciso II, da Carta Magna. Recurso não
conhecido. (Grifo nosso) (TST, RR 457717, 1998, 10ª Região, 4ª
Turma, decisão 28/03/2001, Relator Ministro Antônio José de
Barros Levenhagen)
No estudo da caracterização do grupo justrabalhista, MAURÍCIO
GODINHO DELGADO, em sua esclarecedora obra Introdução ao Direito do
Trabalho, destaca ainda outros elementos importantes, tais como a abrangência
objetiva e subjetiva da figura.
A respeito da abrangência objetiva do grupo justrabalhista, lembra o
autor que as repercussões dessa figura não ultrapassam o Direito do Trabalho, no
33
sentido de que não possui “... tal tipo legal efeitos de caráter civil, tributário,
comercial ou de qualquer outro ramo do direito.”54
Salienta ainda o jurista que, em contrapartida, a caracterização dessa
figura na seara trabalhista não necessita atender à tipificação legal que os grupos
empresariais recebem em outras áreas, tais como Direito Comercial e
Econômico, nem se sujeitar aos requisitos de constituição presentes nesses
segmentos jurídicos.
Por isso, conforme destacamos outrora, o grupo de empresas no
Direito do Trabalho é mais abrangente do que na área comercial, não
necessitando sequer de formalização cartorial para a sua existência. Basta que de
fato existam os elementos de integração interempresarial necessários à sua
configuração.
Sobre essa peculiaridade, disserta AMAURI MASCARO
NASCIMENTO55:
“Um segundo problema está na discussão sobre as formas de que se revestirão os grupos de empresas, uma vez que são conhecidas várias formas de união criadas para atender às necessidades do capitalismo, como a holding, o consórcio, a coligação, o pool etc.
54 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 336- 38. 55 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 27. ed. revista e atualizada. São Paulo: LTr, 2001, p. 199.
34
Para alguns, haverá o grupo quando entre as empresas houver um controle acionário. Para outros, basta o grupo de fato para que se caracterizem as obrigações atribuídas pela lei às diversas empresas. A lei trabalhista não indica formas ou tipos de grupos, fazendo apenas a exigência de que o grupo seja industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, sem outras especificações, com o que, para os seus fins, não há como limitar formas de grupos, desde que se enquadrem nos seus conceitos fundamentais, mais flexíveis que os do direito comercial.”
Superada tal questão, analisa DELGADO56 a abrangência subjetiva
ou o tipo de sujeito de direito que pode compor o grupo, esclarecendo que
somente entidades estruturadas como empresas, ou seja, que exerçam atividade
econômica, são passíveis de se agregarem e caracterizarem a figura
justrabalhista.
Logo, somente entes com dinâmica e finalidades econômicas são
aptos a configurar o grupo econômico na área trabalhista, não tendo relevância
para esse fim figuras como as especificadas no §1º do art. 2º da CLT e
conhecidas como empregadores por equiparação.
Assim, quando o texto legal se utiliza das expressões grupo
industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, está
delimitando a possibilidade de existência do grupo somente àqueles 56 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 336- 38.
35
empregadores constituídos sob a forma de empresa, excluindo os profissionais
liberais, as instituições de beneficência etc.
Para ilustrar a assertiva acima, reproduzem-se dois entendimentos
jurisprudenciais que enfrentam a matéria:
EMENTA: GRUPO ECONÔMICO. ORGANIZAÇÃO SEM FINS
LUCRATIVOS. INEXISTÊNCIA. Não há como reconhecer a
existência de grupo econômico ante o fato de que um dos
reclamados, como fundação sem fins lucrativos, não se enquadra na
previsão do art. 2º, §2º da CLT, quanto ao exercício de atividade
econômica. Este elemento é indispensável para efeitos de
caracterização do grupo de empresas e da solidariedade
decorrente. (TRT, 3ª Região, 4ª Turma- RO 6612/95, Relatora Juíza
Deoclécia Amorelli Dias, DJMG 18/11/1995)
EMENTA: COMPANHIA VALE DO RIO DOCE- EXISTÊNCIA
DE GRUPO ECONÔMICO. A Fundação Vale do Rio Doce de
Habitação e Desenvolvimento Social, instituída pela Companhia
Vale do Rio Doce, com objetivos filantrópicos, não integra grupo
36
econômico com a empresa-mãe, porquanto não exerce atividade
econômica, e possui atividade distinta da primeira., Assim a
circunstância de a empregadora haver cedido empregado seu para
prestar serviço na Fundação, não torna esta solidária com aquela
quanto às obrigações trabalhistas, nem empregadora do cedido.
(TST, RR 489809, 1998, 1ª Região, 5ª Turma, decisão 13/09/2000,
Relator Ministro João Batista Brito Pereira)
Na caracterização do grupo delimitado no art. 2º, § 2º da
Consolidação resta ainda um elemento importante a ser esclarecido. Trata-se da
questão relativa à personalidade jurídica própria ou autonomia das empresas
componentes dos agrupamentos empresariais. Recorra-se, por oportuno, à lição
de CAMPOS BATALHA57 sobre a personalidade jurídica:
“Para o direito, a pessoa, como feixe de deveres e faculdades jurídicas, não é a inapagável personalidade, a personalidade autêntica, mas a ‘máscara’ com que nos apresentamos no cenário da vida social, investidos na posição de credor, ou devedor, de locador ou de locatário, (...) A pessoa jurídica constitui uma unidade de imputação, uma sede abstrata de imputação de direitos, deveres e faculdades
57 CAMPOS BATALHA. Desconsideração da personalidade jurídica na execução trabalhista- responsabilidade dos sócios em execução trabalhista contra sociedade”, In: Revista LTr. São Paulo, v.58, n.11, p. 1295- 96 CITADO no Acórdão proferido pelo TST, RR, NUM: 412885, ano 1997, 4ª região, 2ª turma, DJ 01/12/2000, pg. 700, Relator: Juiz Convocado Alberto Luiz Bresciani Pereira; Presidente: Ministro Vantuil Abdala.
37
(...) Porque criações do Direito, esses conceitos não são absolutos e devem adaptar-se às conjunturas e aos comportamentos sociais, que variam com os tempos e com os povos (...) Por isso, tais conceitos não constituem barreiras intransponíveis quando se trata de encontrar soluções de cunho eminentemente social, que poderiam aparentemente atritar-se com velhos conceitos abstratos (...) A constituição de uma sociedade e a teoria da personalidade jurídica não devem constituir meio para iludir o funcionamento normal das normas jurídicas.”
A existência de personalidades jurídicas distintas não obstaculiza a
constatação do grupo econômico, sendo, pelo contrário, elemento componente
do instituto previsto pela norma consolidada.
Em suma, isso quer dizer que é essencial à formação do grupo que
ele se forme mediante a reunião de unidades autônomas, o que pressupõe que
cada uma delas possua personalidade jurídica. Destarte, tal autonomia não é
meramente técnica, como ilustra MAGANO58: “Uma grande empresa pode ser
constituída de vários estabelecimentos, gozando cada um deles de ampla
autonomia administrativa, mas nem por isto a realidade que se delineia é a de um
grupo.”
58 MAGANO, Octavio Bueno. Os grupos de empresas no Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 243.
38
Corroborando a tese exposta, também tem sido este o entendimento
consagrado na esteira de iterativa jurisprudência:
EMENTA: GRUPO ECONÔMICO- CONFIGURAÇÃO-
Consoante a melhor doutrina, a personalidade jurídica é o
substrato da autonomia dos sujeitos plúrimos que constituem o
grupo empresário, podendo-se dizer que a autonomia é uma das
facetas do grupo econômico, o que, antes de descaracterizá-lo,
constitui-se em nota marcante de sua definição. (...) (TRT, 3ª
Região, 3ª Turma- RO/3019/00, Relator Juiz Luiz Ronan Neves
Koury- DJMG- 29/08/2000)
Analisadas essas questões, outras ainda merecem nossa atenção,
dada a riqueza de elementos que o art. 2º, § 2º da CLT suscita, tais como o efeito
da solidariedade previsto na norma em exame e, por último, os aspectos
processuais pertinentes ao instituto. Face ao interesse que tais temas despertam,
examinaremos, em seguida, cada qual em um tópico específico.
4 A solidariedade decorrente da existência do grupo
39
A imposição da responsabilidade solidária entre as diversas
entidades componentes do grupo no que concerne às dívidas trabalhistas de cada
uma delas face aos seus empregados é, sem dúvida, o principal efeito jurídico do
instituto previsto no art. 2º, § 2º da Consolidação.
A lei consolidada vigente, tendo surgido com a finalidade de
ampliar as garantias dos empregados quanto ao recebimento de suas verbas
trabalhistas, utilizou-se do instituto da responsabilidade solidária passiva,
oriundo do direito civil, fazendo com que todas as componentes do agrupamento
empresarial sejam coobrigadas pelas obrigações trabalhistas, ao lado da devedora
principal.
Trata-se de uma solidariedade que resulta da lei (art. 896 do Código
Civil), estando claramente insculpida tanto no art. 2º, § 2º da CLT, ao estabelecer
a solidariedade para os efeitos das relação de emprego, quanto na Lei n.
5.889/73 quando regula em seu art. 3º, §2º que as empresas integrantes do grupo
serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de
emprego.59
59 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 340.
40
Não restam dúvidas, portanto, de que o direito brasileiro adotou a
solidariedade passiva, ou seja, referente às obrigações dos entes integrantes do
grupo econômico.
As divergências surgem, entretanto, quando se discute se a
Consolidação teria adotado também a solidariedade ativa das empresas, quer
dizer, “... perante os direitos e prerrogativas trabalhistas que lhe favorecem”60 em
função dos contratos empregatícios firmados por cada uma delas.
Contrários à tese do empregador único, ou seja, à extensão da
solidariedade por além da simples garantia creditícia, citam-se AMAURI
MASCARO NASCIMENTO, PEREIRA LEITE, ARION SAYÃO ROMITA,
EDUARDO GABRIEL SAAD, PEDRO PAULO TEIXEIRA MANUS dentre
outros.
No entendimento de AMAURI MASCARO61, a nossa legislação
não considerou o grupo econômico como empregador único. Para o autor, “...
esse raciocínio seria de difícil aceitação para o caso, porque a lei expressamente
declara que no grupo as empresas devem ser autônomas, cada uma tendo
personalidade jurídica própria”.
60 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 341. 61 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 27.ed. revista e atualizada. São Paulo: LTr, 2001, p. 201.
41
PEREIRA LEITE62, por sua vez, é enfático ao afirmar que “... aos
empregadores não assiste solidariedade ativa”, argumentando que a extensão da
solidariedade passiva “... não só é estranha às normas legais, como defesa, no
silêncio da lei ou do contrato.”
ARION SAYÃO ROMITA,63 em artigo publicado na Revista
Genesis, parece também não possuir dúvidas, ante os termos do artigo em
análise, de que a norma estabelece unicamente a solidariedade passiva entre as
empresas agrupadas.
Compartilhando da mesma certeza, SAAD64 enfatiza que “... o
grupo econômico não vem a ser um único empregador”, enquanto MANUS65
assim explicita: “... não há solidariedade ativa, no sentido de as demais empresas
poderem exigir do empregado de uma delas a prestação de serviços às demais.”
Em sede jurisprudencial, encontram-se alguns julgados que
espelham tal posicionamento, vejamos:
62 LEITE, João Antônio G. Pereira. Grupo econômico, solidariedade e contrato de trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 42, n. 4, abr. 1978, p. 445. 63 ROMITA, Arion Sayão. Equiparação salarial entre empregados de empresas que constituem grupo econômico (parecer). Revista Genesis: Curitiba, v. 10, n. 57, set.1997, p. 328-29.64 SAAD, Eduardo GabrieL. Equiparação salarial e grupo econômico. Temas trabalhistas, Revista Suplemento Trabalhista LTr, São Paulo, v. 33, n. 152, nov. 1997, p. 841.65 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 87.
42
EMENTA: SOLIDARIEDADE. A solidariedade prevista no §2º do
art. 2º da CLT diz respeito aos efeitos da relação de emprego.
Assim, empresas de um mesmo grupo econômico respondem pelo
débito trabalhista de outra. Entretanto, não existe o empregador
único como grupo. Pessoas jurídicas distintas podem contratar
empregados, em vários contratos, sem que estes se somem,
empregador e a empresa. Não se falará no art. 453/CLT, o qual tem
como suposto vários contratos com uma mesma empresa. (TRT, 3ª
Região, 1ª Turma- RO/7714/94- Relator Juiz Fernando Procópio de
Lima Netto- DJMG- 02/09/1994)
EMENTA: GRUPO ECONÔMICO. EMPREGADOR ÚNICO. A
responsabilidade solidária decorrente do art. 2º, §2º da CLT não
transforma o grupo econômico em empregador único. Cada
empresa do grupo deve ser considerada como empregadora em
relação aos empregados que contratou. A responsabilidade fixada
diz respeito aos direitos decorrentes do contrato (...) (TRT, 3ª
Região, 1ª Turma- RO/14406/91- Relator Juiz Antônio Fernando
Guimarães- DJMG- 28/08/1992)
43
Por outro lado, entre os fundamentos que conduzem a uma resposta
positiva face à interrogante da solidariedade dual (passiva e ativa), ressalta-se o
fato de que o texto do art. 2º, § 2º fala em solidariedade para os efeitos da
relação de emprego, não se restringindo à solidariedade apenas pelas obrigações.
A esse respeito leciona MÁRCIO TÚLIO VIANA66, defendendo a tese da
solidariedade ativa:
“Pois bem. O legislador responsabiliza cada uma das empresas para os efeitos da relação de emprego. O que significaria isso? Na verdade, o significado é duplo. De um lado, a norma indica que, se o grupo não estiver formalizado, não existirá para efeitos outros que não os trabalhistas. De outro, mostra que, em sede de direito do trabalho, a solidariedade é passiva e ativa. Vale dizer: se, de um lado, cada uma das empresas pode ser responsabilizada pelos créditos do empregado, todas elas, em contrapartida, podem exigir os seus serviços, a menos que o contrato de trabalho - em disposição mais benéfica - o proíba.”
No mesmo sentido, esclarece JOSÉ MARTINS CATHARINO67 que
“... a própria noção unitária de grupo empresário implica na existência de
solidariedade integral, instituto bilateral.” E continua argumentando que a lei, ao
66 VIANA, Márcio Túlio. Grupo econômico e trabalho subordinado. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo, n. 19/96, 1ª quinzena, out. 1996, p. 331-30.67 CATHARINO, José Martins. Compêndio universitário de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Jurídica Universitária, 1972, v. 1, fls. 169/170 apud SOUZA, Lauro da Gama e. Grupo ou consórcio de empresas e a solidariedade no Direito do Trabalho. Revista do TRT da 11ªRegião/AM, Manaus, v. 1, out. 1992 , p. 81.
44
utilizar a expressão para os efeitos da relação de emprego não permite
entendimento diverso.
Outro substrato jurídico que confirmaria a solidariedade ativa
refere-se à antiga Lei n. 435/37, já analisada por nós, que em seu projeto deixava
claro o intuito do legislador de considerar o grupo como empregador único.
Aliás, tal noção só teria deixado de constar expressamente no texto legislativo
porque entenderam os legisladores que essa idéia se encontrava implícita no
preceito, sendo desnecessária sua repetição.
Por esses motivos, atualmente, prevalece a tese na doutrina no
sentido de que a responsabilidade solidária in casu é ativa e passiva, como
preconiza SUSSEKIND68 em estudos sobre o tema.
Ilustrativamente, destacam-se os entendimentos de RUSSOMANO,
DÉLIO MARANHÃO e RIBEIRO DE VILHENA, além dos já citados acima.
Assim, pondera RUSSOMANO69, a favor da tese, que seria ilógico
se o legislador estabelecesse o direito do empregado de responsabilizar,
indistintamente, qualquer empresa integrante do grupo e impedisse, por outro 68 SUSSEKIND, Arnaldo Lopes. Grupo empregador. Revista Genesis, Curitiba, v. 4, n. 20, ago. 1994, p. 140.69 RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT. Rio de Janeiro: Konfino, 1973, v. 1, p. 18-9 apud SUSSEKIND, Arnaldo. Grupo empregador. Revista Genesis, Curitiba, v. 4, n. 20, ago. 1994, p. 140.
45
lado, que as empresas utilizassem os serviços dos empregados contratados.
Já DÉLIO MARANHÃO70 sopesa que “... no âmbito do Direito do
Trabalho, o ‘grupo’ assume, como tal, a posição de empregador único”,
decorrendo daí o poder de comando deste em relação ao empregado.
Finalmente, para RIBEIRO DE VILHENA71 “... a solidariedade, no
caso, importa em um efeito na própria natureza das pessoas jurídicas das
empresas, que passam, em sua dualidade ou multiplicidade, a ser consideradas
como se fossem uma só.”
Parcela significativa da jurisprudência também tem acolhido a tese
do empregador único, apesar de haver divergências, conforme já demonstramos
acima. Eis a seguinte ementa:
EMENTA: GRUPO ECONÔMICO- EMPREGADOR ÚNICO-
ACORDO- EFEITOS- Configurado o grupo econômico, este é
considerado empregador único para os fins jurídico-trabalhistas,
não obstante cada empresa dele integrante possua personalidade
jurídica própria, de forma que a conciliação realizada com uma das 70 MARANHÃO, Délio. In: MARANHÃO, Délio, SUSSEKIND, Arnaldo et. alii. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. atualizada. São Paulo: LTr, 1999, v. 1, p. 309-10. 71 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego- estrutura legal e supostos. 2.ed. revista, atualizada e aumentada. São Paulo: LTr, 1999, p. 229.
46
empresas abrange fatalmente os demais. (TRT 3ª Região, 4ª Turma-
RO/1698/91 Relator Juiz Luiz Otávio Linhares Renault- DJMG-
13/03/1992)
Salienta-se que o TST já se manifestou a favor da responsabilidade
solidária dual do grupo econômico, conforme se constata através da leitura do
disposto no Enunciado 129:
129- PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A MAIS DE UMA EMPRESA DO MESMO GRUPO ECONÔMICOA prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário (Res. Adm. 26/82, 14.4.82, DJ 4.5.82)
O certo é que, uma vez adotada a tese da solidariedade ativa,
importantes efeitos decorrem daí, como nos ensina MAURÍCIO GODINHO
DELGADO.72 Entre eles, destacam-se: a possibilidade da ocorrência da accessio
temporis, ou seja, contagem do tempo de serviço que o empregado prestou às
diversas empresas do grupo econômico; a viabilidade da equiparação salarial em
face de empregados paradigmas de outras empresas do grupo se presentes,
logicamente, os demais pressupostos exigidos pela lei (art. 461 CLT) ; o 72 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho..., p. 342- 43.
47
pagamento de um salário único ao empregado pela jornada normal, mesmo se o
obreiro prestar serviços a empresas distintas do grupo; possibilidade de
transferência do empregado de uma para outra empresa do grupo, desde que não
ultrapassados os limites do poder diretivo do empregador (art. 469 CLT) e que
haja real necessidade do serviço (En. 43 do TST) etc.
Vários são os julgados que têm enfrentado a matéria e reconhecido
os efeitos decorrentes da adoção do grupo como empregador único, vejamos:
EMENTA: ART. 453 DA CLT- GRUPO ECONÔMICO- A configuração
da empregadora única, nos termos do art. 2º, §2º da CLT, impõe, não
apenas a solidariedade passiva de todas as empresas do grupo em que o
reclamante haja trabalhado, mas também a soma dos tempos de serviço a
todas prestado. Consideram-se as empresas grupadas como se
constituíssem uma só empresa. Em conseqüência, inocorrendo as
exceções previstas no art. 453 da CLT, a soma dos períodos descontínuos
ou contínuos prestados às diversas empresas do grupo constitui
imperativo legal e, como conseqüência, a indenização não paga. (Grifo
nosso) (TRT, 3ª Região, 4ª Turma- RO/4381/90 Relator Juiz Benedito
Alves Barcelos – DJMG 18/10/1991)
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EMENTA: GRUPO ECONÔMICO- EFEITOS PROCESSUAIS E
MATERIAIS- O grupo econômico é figura que pode produzir efeitos
exclusivos de responsabilidade no processo do trabalho (Enunciado 205,
TST). Entretanto, havendo efetiva prestação de trabalho a distintas
empresas do grupo, os efeitos ultrapassam o âmbito da mera
responsabilidade, atingindo o núcleo do contrato único de trabalho
(Enunciado 129, TST). Nestes casos tornam-se possíveis pleitos de
equiparação salarial, jornada de trabalho e outros, em virtude da
prestação de serviços efetivamente configurada. (Grifo nosso) (TRT, 3ª
Região, 1ª Turma- RO/2937/94 Relator Juiz Maurício José Godinho
Delgado– DJMG 06/05/1994)
EMENTA:EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO-
CONTRATO DE TRABALHO- Demonstrada a existência de grupo
econômico, tem-se que o contrato de trabalho é único, sendo empregador
o grupo como um todo. Contratado o reclamante por uma das empresas e
realizando vendas também para as demais integrantes do grupo, dentro
da mesma jornada de trabalho, conclui-se que tal prestação de serviços se
inclui nas suas atividades normais, decorrentes do contrato de trabalho,
49
devendo ser consideradas para fins de integração ao salário (inteligência
do disposto no Enuniado nº129, do Col. TST) (TRT, 3ª Região, 5ª Turma-
RO/3306/99 Relator Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira– DJMG
04/12/1999)
EMENTA: EMPREGADOR ÚNICO- CONFIGURAÇÃO. Comprovado
que a prestação de serviço foi executada para empregador único, em
única jornada sem extrapolação do horário contratual, embora em duas
empresas distintas, porém sob o mesmo comando e pertencentes ao
mesmo grupo econômico, mantém-se a decisão que entendeu
caracterizado contrato único de trabalho a teor do Enunciado 129 do
Colendo Tribunal Superior do Trabalho. (TRT, 20ª Reg., Origem: 3ª JCJ
de Aracaju-SE, Proc. nº 01.03-0008/98 na origem, Acórdão 1901/98, - RO
NUM: 905 ano: 98, Rel. Juiz João Bosco S. de Moraes, 04/08/1998)
Particularmente, filiamo-nos a essa corrente doutrinária, por
entender que a “... conceituação do grupo econômico como empregador único,
50
com responsabilidade ativa e passiva, é aquela que mais se recomenda para a
proteção do contrato de emprego. ”73
Finalmente, ressalta-se que, para fins de grupo econômico ou
financeiro rural, regulado no art. 3º, § 2º da Lei n. 5.889/73, tal discussão não
subsiste, pois a lei é expressa ao dispor que a solidariedade é somente para fins
das obrigações decorrentes da relação de emprego, ou seja, meramente passiva.
5 Aspectos processuais do grupo econômico
Um último aspecto a ser abordado no presente estudo refere-se aos
aspectos processuais da figura justrabalhista do grupo de empresas, uma vez que
algumas questões se mostram relevantes e ensejam, ainda hoje, interessantes
debates doutrinários.
Uma primeira discussão gira em torno do Enunciado n. 205 do
Colendo Tribunal Superior do Trabalho, que dispõe:
205- GRUPO ECONÔMICO- EXECUÇÃO- SOLIDARIEDADEO responsável solidário, integrante de grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução. (Res. 11/85, 28.6.85, DJ 11,12 e 15.7.85)
73 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999,p. 162.
51
Cristalizou-se, destarte, através da edição desse Enunciado, o
entendimento jurisprudencial de que o empregado, autor de ação trabalhista
contra o grupo, deverá, necessariamente, propor referida ação contra todas as
empresas do grupo, sob pena de não poder exigir, na fase executória, o
cumprimento da obrigação solidária pela entidade que não figurou na fase
processual cognitiva.
Contudo, a exigência de litisconsórcio passivo necessário é
combatida por alguns doutrinadores que, dentre outros argumentos, salientam
que tal dispositivo contraria princípios como o da celeridade processual e da
proteção ao trabalhador.74
SUZY CAVALCANTE,75 referindo-se ao pensamento de RIBEIRO
DE VILHENA com o qual concorda, sopesa que o Enunciado n. 205 provoca “...
uma contradição interna, uma quebra de harmonia no sistema normativo”, pois
enquanto o direito material considera o grupo como um só empregador, o direito
processual trata as empresas integrantes do grupo como empregadoras distintas.
Aliás, nas palavras do próprio VILHENA76:
74 A esse respeito, consultar KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. Direito do Trabalho e grupos de empresas: aplicação da disregard doctrine. Revista LTr, São Paulo, v. 54, n. 10, out. 1990, p. 1204.75 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 175, CITANDO VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Grupo econômico e Direito do Trabalho. Revista ADT- Advocacia Trabalhista- COAD, São Paulo, v. 3, n. 24, 1988, p. 186./OBS: Esse artigo de VILHENA foi também publicado na Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 25, n. 98, p. 151-68, abr./jun. 1988.
52
“A conceituação e a configuração do ‘grupo econômico’ ou ‘conglomerado’ como um ser unívoco e unitário, para fins da relação de emprego, tem por fim (...) demonstrar que a sua definição, como centro de relações jurídicas, importará, também, em uma idêntica posição processual, como parte, ativa ou passiva, em um dissídio trabalhista, entendendo-se que a ação proposta contra uma de suas empresas integrantes é ação proposta contra qualquer outra, pelo princípio da projeção de uma relação mais intensa do que a solidariedade, que é a concentração de pessoas distintas em uma só.”
Entretanto, a par desse entendimento, mantém-se na jurisprudência a
tese adotada no En. 205 do TST. Nesse sentido, seguem-se os seguintes arestos:
EMENTA: PENHORA DE BENS. EMPRESA DO GRUPO
ECONÔMICO QUE NÃO PARTICIPOU DA RELAÇÃO
PROCESSUAL COGNITIVA. EN. 205/TST. A solidariedade,
instituto de direito material, deve ser declarada no processo de
conhecimento. O devedor solidário não tem legitimidade passiva no
processo de execução, baseado em título executivo judicial onde
não foi expressamente condenado. A empresa, possível integrante
de um grupo econômico, só pode integrar passivamente processo de
execução mediante expressa condenação no processo de
conhecimento, porque a coisa julgada não pode aproveitar, 76 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Grupo econômico e Direito do Trabalho. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 25, n. 98, abr. /jun. 1988, p. 162.
53
tampouco prejudicar, senão as próprias partes, conforme
inteligências dos artigos 77,III e 472, do CPC, bem como do
Enunciado nº 205/TST. (TRT, 3ª Região, 1ª Turma- AP/0801/97
Relator Juiz Ricardo Antônio Mohallem– DJMG 21/11/1997)
EMENTA: GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE
PASSIVA. LEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM”. A
decisão regional que concluiu não deter legitimidade passiva a
demandada, inobstante tenha reconhecido a existência de grupo
econômico, contraria frontalmente a inteligência do Enunciado nº
205 do TST, porquanto não seria possível executar uma empresa
integrante do grupo econômico sem que tivesse participado da
relação processual e constado do título executivo judicial
condenatório. Por essa razão, a solidariedade decorrente da lei-
art. 2º, §2º, da CLT- confere, necessariamente, às empresas do
grupo econômico legitimidade passiva para integrarem o pólo
passivo de uma reclamação trabalhista. (TST, RR NUM: 596225,
ANO: 1999, 9ª Região, 5ª Turma, decisão 10/05/2000, Relatora
Juíza Convocada Anelia Li Chum)
54
É interessante notar, no entanto, que o Enunciado aborda a
responsabilização do ente componente do grupo e não a responsabilidade do
sócio da pessoa jurídica executada, já que esse último deve arcar com os débitos
trabalhistas independentemente de ter sido citado para compor a lide. Para
esclarecer o assunto, cite-se o seguinte acórdão:
EMENTA: SOLIDARIEDADE. RESPONSABILIDADE DOS
SÓCIOS. GRUPO ECONÔMICO. A solidariedade decorre da lei
ou do contrato, conforme o Código Civil, em seu artigo 896.
Havendo grupo econômico, a CLT, em seu artigo 2º, §2º, impõe a
existência da solidariedade. Sendo a embargante sócia e, portanto,
fazendo parte do grupo econômico, deve arcar com os débitos
trabalhistas no momento da execução, mesmo que não tenha sido
chamada para compor a lide, porque a dívida pode ser exigida de
um ou de alguns dos devedores, conforme a preceituação do artigo
904 do Código Civil. Aliás, sendo sócia da executada, estava
automaticamente participando do processo de conhecimento, por
ser participante do grupo econômico e da sua direção, inclusive em
55
processos judiciais. (TRT, 3ª Região, 1ª Turma- AP/3594/95 Relator
Juiz Bolívar Viégas Peixoto– DJMG 19/04/1996)
Outro aspecto processual a ser mencionado diz respeito às questões
probatórias do grupo empresarial.
Nesse mister, há que se salientar, baseando-se nas sábias palavras de
DELGADO77, que “... não há prova pré-constituída imposta pela lei à evidência
dessa figura justrabalhista”, sendo quaisquer meios lícitos de prova permitidos
para demonstrar a configuração do grupo.
No mesmo sentido, leciona PEREIRA LEITE78 que “... a prova da
existência de grupo econômico faz-se por todos os meios permitidos em direito”,
sendo que “... quaisquer meios de prova servem à convicção do Juiz.” Há, pois,
no entendimento do autor, possibilidade da utilização de indícios para supor a
existência do grupo, já que “...exigir prova categórica de um consórcio que por
vezes tenta ocultar-se é exigir o impossível e negar a aplicação do art. 2º, par. 2º,
da CLT.”
Por fim, resta dizer, - para encerrar o tema proposto no presente
estudo , qual seja, a caracterização do grupo de empresas no Direito do
77 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 344. 78 LEITE, João Antônio G. Pereira. Grupo econômico, solidariedade e Contrato de Trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 42, n. 4, abr. 1978, p. 447.
56
Trabalho -, que, quanto à solidariedade, esta não necessita ser provada, pois é
efeito inquestionável que decorre da existência do grupo.
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