Capnografia[1]

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Anátomo-Fisiologia As vias aéreas superiores são constituídas pelas cavidades oral, nasal, a faringe e a laringe tendo como principais funções para a ventilação, humidificar, aquecer e filtrar o ar inspirado. A epiglote protege as vias aéreas inferiores através do encerramento da traqueia durante a deglutição. Esta localiza-se na raiz da língua e está ligada à cartilagem tiróide, permitindo a passagem do ar durante a respiração. Fazem parte das vias aéreas inferiores a traqueia, brônquios e bronquíolos. A traqueia é revestida por muco e cílios que impulsionam as partículas estranhas em direcção à laringe. A traqueia inicia-se na cartilagem cricoideia e termina na carina, de onde emergem os dois brônquios principais que se subdividem em brônquios secundário, ou lobares que se vão, por sua vez, dividir até originarem os bronquíolos (subdivisão terminal das vias aéreas), bronquíolos terminais e bronquíolos respiratórios originando vários ductos alveolares que terminam em agrupamentos de dezasseis a vinte alvéolos. O espaço morto anatómico é constituído pela cavidade nasal ou oral, faringe, laringe, traqueia, brônquios, bronquíolos e brônquios terminais correspondendo a cerca de 150 mililitros. O espaço morto fisiológico é constituído pelo espaço morto anatómico e pelo volume de quaisquer alvéolos não funcionantes.

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Anátomo-Fisiologia

As vias aéreas superiores são constituídas pelas cavidades oral, nasal, a faringe e a

laringe tendo como principais funções para a ventilação, humidificar, aquecer e filtrar o

ar inspirado.

A epiglote protege as vias aéreas inferiores através do encerramento da traqueia durante

a deglutição. Esta localiza-se na raiz da língua e está ligada à cartilagem tiróide,

permitindo a passagem do ar durante a respiração.

Fazem parte das vias aéreas inferiores a traqueia, brônquios e bronquíolos. A traqueia é

revestida por muco e cílios que impulsionam as partículas estranhas em direcção à

laringe. A traqueia inicia-se na cartilagem cricoideia e termina na carina, de onde

emergem os dois brônquios principais que se subdividem em brônquios secundário, ou

lobares que se vão, por sua vez, dividir até originarem os bronquíolos (subdivisão

terminal das vias aéreas), bronquíolos terminais e bronquíolos respiratórios originando

vários ductos alveolares que terminam em agrupamentos de dezasseis a vinte alvéolos.

O espaço morto anatómico é constituído pela cavidade nasal ou oral, faringe, laringe,

traqueia, brônquios, bronquíolos e brônquios terminais correspondendo a cerca de 150

mililitros. O espaço morto fisiológico é constituído pelo espaço morto anatómico e pelo

volume de quaisquer alvéolos não funcionantes.

Os principais constituintes do ar seco são o azoto (79%) e o oxigénio (21%). Quando

este gás entra em contacto com a água, alguma dessa água evapora-se para o ar e exerce

uma pressão parcial alterando a percentagem dos constituintes na mistura.

O oxigénio é transportado, na sua maioria, combinado com a hemoglobina (97%) e uma

pequena parte no plasma (3%).

A pressão de Oxigénio (PO2) no ar dentro dos alvéolos é de cerca de 104 milímetros de

Mercúrio (mm Hg) enquanto que a PaO2 (pressão arterial de oxigénio) nos capilares

sanguíneos é de cerca de 40 mm Hg. Através de um processo de difusão, o sangue no

final dos capilares alveolares atinge os 104 mm Hg, mas como existe mistura de sangue

entre as veias pulmonares e o sangue das veias brônquicas (desoxigenado), a PaO2,

quando chega aos tecidos, é de aproximadamente 95 mm Hg. No interstício, a PO2 é de

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40 mm Hg enquanto nas células, a PO2 é de 20 mm Hg, pelo que, o PaO2 dos capilares

difunde-se até atingir o equilíbrio.

O Dióxido de Carbono (CO2) é o produto final da respiração celular. Este é transportado

pelo sangue dissolvido no plasma (8%) combinado com as proteínas plasmáticas,

incluindo a hemoglobina (20%) e sob a forma de iões bicarbonato (72%).

A pressão do CO2 (PCO2) intracelular é de 46 mm Hg e do líquido intersticial é de 45

mm Hg que se difunde através de um gradiente de difusão para o sangue dos capilares

onde a pressão arterial de CO2 (PaCO2) é de 40 mm Hg, ou seja, mais baixa até atingir o

equilíbrio. A PCO2 nos alvéolos é de 40 mm Hg, pelo que sofre o mesmo processo

eliminando o CO2 através da expiração.

A diferença de pressões entre a pressão intrapulmonar e a pressão atmosférica são

responsáveis pelo movimento do ar que é controlado pelo sistema nervoso central (o

tronco cerebral regula a ventilação involuntária enquanto o córtex cerebral regula a

ventilação voluntária). A quantidade de CO2 é um dos principais reguladores mais

sensíveis da respiração, uma vez que um pequeno aumento do CO2 no sangue

condiciona o incremento da frequência e amplitude da respiração e vice-versa.

O papel da PO2 na regulação da respiração assume importância, mantendo-se os níveis

de CO2 no sangue, quando a PO2 atinge valores próximos dos 50% do considerado

normal. Assim, pequenas alterações da PO2 não modificam o padrão respiratório.

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A História da Capnografia

John Haldane inventou e construiu o primeiro analisador de CO2 no início do século

XX.

A primeira descrição existente na literatura sobre capnograma e determinação de espaço

morto das vias aéreas deve-se a Aiken e Clark-Kennedy em 1928.

Fowler, em 1948 dividiu a curva de capnograma em 4 fases (I, II, III e IV).

Em 1957, Smallhout, considerado por muitos como o pai da capnografia clínica,

começou a usar capnógrafos no Central Military Hospital of Utrecht, na Holanda.

Smallhout realizou cerca de 6000 capnogramas durante 7 anos tendo documentando

numerosas alterações clínicas que publicou em 1967.

Esta descoberta só foi aplicada nos Estados Unidos da América em 1970 por

Anestesistas para manutenção de anestesia geral. Desde 1991, a capnografia é cada vez

mais utilizada e valorizada e generalizada a outras áreas, como os cuidados intensivos.

O Capnógrafo, a Capnografia e o Capnograma

O capnógrafo é um dispositivo que mensura a capacidade de absorção pelo CO2 na

região infravermelha de um espectro electromagnético permitindo a avaliação da

capnografia (quantidade de CO2 expirado) através da quantificação dessa mesma

absorção, através da qual se pode gerar a curva de capnografia.

O capnógrafo é conhecido como monitor da quantidade de CO2 no final da expiração

(EtCO2), uma vez que é nesta fase que o CO2 é medido.

Existe também o capnógrafo volumétrico que permite a identificar a concentração de

CO2 no volume de ar expirado.

A capnometria é a avaliação da quantidade de CO2 num determinado momento da

expiração. Considera-se normal uma EtCO2 entre os 35 e os 45 mm Hg.

Os capnógrafos podem dividir-se em dois grupos consoante a forma como é realizada a

leitura da quantidade de CO2. Num dos métodos, o sensor do capnógrafo está conectado

directamente à via aérea artificial no final do tudo endotraqueal. O ar expirado atravessa

o sensor que, pelo processo anteriormente descrito, avalia a quantidade de CO2

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existente. O outro método para analisar o CO2 consiste em desviar continuamente

amostras de ar através de um adaptador conectado à via aérea artificial conduzido por

um sistema ao sensor de análise de CO2. Tem como limitação as obstruções frequentes

com secreções e a imprecisão na avaliação do EtCO2 em recém-nascidos e crianças.

A capnografia fornece uma leitura numérica, ou seja, a quantidade de CO2 no final da

expiração bem como uma curva que representa a quantidade de CO2 expirado.

O capnograma é a representação gráfica do CO2 expirado ao longo de um ciclo

respiratório. O capnograma divide-se em 4 fases (gráfico 1):

Fase I: inicia-se entre o final da inspiração e o início da expiração. O ar que atravessa o

capnógrafo não contém CO2 uma vez que este ar preencheu o espaço morto anatómico.

Esta fase apresenta-se graficamente como uma linha de base.

Fase II: inicia-se a expiração e começa a surgir uma curva no sentido ascendente com o

aumento do CO2 expirado. Nesta fase existe uma mistura de ar do espaço morto

anatómico com o ar alveolar.

Fase III: surge o plateau expiratório. Nesta fase o ar expirado é predominantemente

constituído por ar alveolar. O ar expirado no final do plateau tem a maior concentração

de CO2. É também neste plateau que se consegue identificar uma função respiratória

normal ou comprometida.

Fase IV: inicia-se a inspiração. A curva assume o sentido descendente até atingir o valor

mínimo do capnograma.

Gráfico 1 – Capnograma normal

Para uma correcta avaliação do capnograma é necessário atender a três questões iniciais:

1. A fase I começa em zero (ausência de inspiração de ar expirado);

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2. Aumento acentuado da curva de CO2 na fase II;

3. Aumento constante na fase III.

Utilização da Capnografia

A monitorização da EtCO2 em pessoas submetidas a entubação endotraqueal e

acordadas ou agitadas permite identificar qualquer situação problemática que ocorra.

A utilização de monitorização EtCO2 em pessoas submetidas a ventilação mecânica

invasiva possibilita a avaliação da gravidade da hipoxémia, alterações na ventilação e

perfusão.

O capnógrafo permite a confirmação científica do correcto posicionamento do tubo

endotraqueal. Embora existam diversas formas de avaliar o posicionamento do tubo

endotraqueal, tais como: a auscultação dos sons respiratórios bilaterais, a visualização

da expansão torácica e a condensação de água no tudo endotraqueal durante a expiração,

estas são subjectivas e dependem da experiência de quem as executa. Com o capnógrafo

obtermos uma prova irrefutável do posicionamento do tubo endotraqueal.

A monitorização continua da EtCO2 em pessoas submetidas a entubação endotraqueal

ou traqueostomizadas permite um rápido alerta no caso de desconexão da prótese

ventilatória.

A avaliação da capnografia durante a entubação nasogástrica permite identificar o

correcto posicionamento da mesma.

O uso da capnografia pode diminuir a necessidade de análise de sangue arterial em

pessoas em que a subtracção entre a PaCO2 e a EtCO2 é considerada normal, uma vez

que a PaCO2 se reflecte de forma constante na EtCO2 com as mudanças de parâmetros

ventilatórios.

Durante uma paragem cardio-respiratória, a monitorização da EtCO2 providencia

informação sobre o retorno da circulação durante as manobras de reanimação. É

também considerada um factor preditivo da sobrevivência uma vez que, estudos

demonstram que sem um retorno da EtCO2 superior ou igual a 10 mm Hg durante vinte

minutos de paragem cardio-respiratória, a mortalidade é de 100%.

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Pessoas com doença pulmonar obstrutiva crónica submetidas a monitorização com

EtCO2 não apresentam plateau na fase III. A curva do capnograma aumenta de forma

constante até ao inicio da inspiração, ou seja, existe um tempo expiratório prolongado

com esvaziamento alveolar incompleto.

A presença de uma quebra no plateau da fase III durante a monitorização da EtCO2 em

pessoas submetidas a sedação e ou curarização indica uma paralização incompleta do

diafragma.

A subtracção entre a PaCO2e a EtCO2 permite-nos avaliar alterações no espaço morto

alveolar. À medida que este aumenta também o valor da subtracção entre a PaCO2e a

EtCO2 aumenta.

Indicações para a capnografia:

Avaliação da PCO2 no final da expiração como reflexo da PaCO2

Avaliação da gravidade da doença pulmonar

Monitorização da integridade dos circuitos do ventilador e das via aérea artificial

Monitorização da adequada perfusão aos alvéolos

Confirmação do correcto posicionamento do tudo endotraqueal.

Avaliação da Capnografia

Cada vez mais se faz valoriza a avaliação do EtCO2 em doentes submetidos a ventilação

mecânica invasiva como reflexo da PaCO2. Mas as diferenças obtidas entre a EtCO2 e a

PaCO2fazem muitas vezes questionar a validade desta avaliação. A subtracção entre a

PaCO2 e a EtCO2 permite-nos obter um valor que normalmente é positivo e varia entre 4

a 5 mm Hg que representa o espaço morto alveolar normal existente mesmo em pessoas

saudáveis.

Quanto menor for o valor obtido na subtracção entre a PaCO2 e EtCO2 melhor a relação

entre perfusão e ventilação. Ou seja, perante situações de ausência de espaço morto

alveolar, em que a relação entre a ventilação e a perfusão seja óptima, a EtCO2 é

próxima da PaCO2, com o aumento do espaço morto alveolar aumenta a diferença entre

a PaCO2 e a EtCO2 proporcionalmente.

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Existem outros factores que contribuem para o aumento do valor da subtracção entre a

PaCO2 e a EtCO2 tais como a diminuição do débito cardíaco, aumento da resistência

vascular pulmonar, embolia gasosa, enfisema pulmonar, hipovolémia e em idosos.

A diferença entre PaCO2 e EtCO2 diminui na gravidez, em bebés e crianças, durante e

após o exercício físico, após cirurgia cardíaca e em indivíduos saudáveis com

frequências respiratórias baixas e com aumento dos volumes respiratórios correntes.

Alterações no Capnograma

Mudanças na curva do capnograma podem indicar diversas alterações fisiológicas

incluindo modificações no espaço morto alveolar, hiperventilação, hipoventilação,

apneia e curarização insuficiente. É por isso fundamental monitorizar a EtCO2, bem

como, a curva do capnograma.

Uma subida superior a 45 mm Hg na fase II, condiciona uma fase III com um nível de

CO2 elevado e prolongado que pode ser causado por hipoventilação (ventilação

espontânea) ou por ventilação inadequada (gráfico 2).

Gráfico 2: Hipoventilação

Uma subida superior a 35 mm Hg na fase II, condiciona uma fase III com um nível de

CO2 baixo que pode ser resultado de hiperventilação, embolismo pulmonar ou

hipotermia.

Gráfico 3: Hiperventilação

Quando a curva de capnograma tem a aparência de uma “barbatana de tubarão”, isto é,

um aumento gradual na fase II e um aumento acentuado na fase III com ausência de

plateau, pode ser causada por uma obstrução parcial das vias aéreas devido a uma

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broncoconstrição como a causada por asma, presença de secreções brônquicas, entre

outras. As doenças crónicas prolongam a fase de transição, uma vez que o ar é expirado

dos pulmões mais lentamente, misturando-se com o ar do espaço morto anatómico.

Gráfico 4: Obstrução parcial das vias aéreas inferiores

A presença de um declive próximo do final da fase III pode indicar destruição alveolar

significativa ou pneumotoráx.

Gráfico 5: Curva com declive no final da fase III

A ausência completa de curva indica uma situação grave como apneia ou mobilização

do tubo para o esófago ou pode simplesmente indicar uma falha mecânica do

capnógrafo.

Gráfico 6: Ausência de curva

A hipercapnia pode originar depressão cardiovascular, disritmias cardíacas, hipertensão

intracraniana, vasoconstrição pulmonar, vasodilatação periférica. Níveis de PaCO2

superiores a 75 mm Hg podem causar a morte. Enquanto que uma descida brusca da

EtCO2 pode constituir o primeiro sinal de diminuição do retorno venoso secundário a

uma embolia pulmonar ou hipotensão arterial marcada.

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Oximetria periférica vs EtCO2

A respiração permite a condução de oxigénio para as células e a remoção da CO2 como

produto final do metabolismo. Para que estas trocas ocorram, é necessário produzir e

eliminar CO2, o que depende de uma adequada oxigenação, adequada pressão arterial,

adequada perfusão bem como uma boa ventilação.

A oximetria de pulso (SpO2) é um método não invasivo que permite a monitorização da

saturação de oxigénio na hemoglobina. Consiste numa sonda que entra em contacto com

o doente (dedo da mão, lóbulo da orelha, dedo do pé ou nariz) e um microprocessador

que converte em números a leitura. O oxímetro de pulso é bastante preciso, com uma

variação de 4% a 5% para uma saturação superior a 70%.

Tem como limitações:

Níveis elevados de hemoglobina anómala produzem uma falsa subida da SpO2; Corantes vasculares como azul-de-metileno, carmin índigo, indocianina verde e

fluoresceína podem levar a uma falsa descida da SpO2; Insuficiente perfusão tecidular leva a perda do fluxo pulsátil e de sinal; Luz radiante, movimentos excessivos bem como o posicionamento incorrecto da

sonda interferem com a leitura.

Ao contrário da oximetria de pulso que não indica a forma como é usado o oxigénio,

uma vez que mensura a quantidade de hemoglobina disponível que se encontra saturada

de oxigénio, a capnografia traduz a eliminação de CO2. A capnografia é um método

simples mas efectivo para determinar a eficiência da ventilação porque a forma como as

células estão a consumir o O2 e a eliminar o CO2 reflectem mudanças que ocorreram

apenas em dez segundos, enquanto na oximetria de pulso podem demorar vários

minutos. Alterações na perfusão e na ventilação são mais rapidamente identificadas com

o capnógrafo do que com o oxímetro.

A monitorização da capnografia e do capnograma é essencial na prestação e cuidados a

pessoas submetidas a entubação endotraqueal e até mesmo em ventilação espontânea. A

capnografia constitui por isso, um indicador em tempo real da função ventilatória. A

oximetria de pulso continua a constituir um método imprescindível de monitorização

embora as suas limitações enquanto indicador da situação ventilatória da pessoa.

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A capnografia providencia um aviso avançado, uma vez que, ao contrário da oximetria

de pulso, que nos fornece a saturação periférica de oxigénio, monitoriza o esforço

respiratório e a eficiência da respiração.

A capnografia é um excelente método para confirmar a correcta entubação

endotraqueal, integridade das vias aéreas, uma vez que obstruções completas ou parciais

são imediatamente manifestadas no EtCO2, avaliação da ventilação alveolar, função

cardiopulmonar e da prótese ventilatória.