Caracterização Biofísica 53 -...

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6 . CLIMA O clima angolano, onde se enquadra a província do Kunene, encontra-se sujeito à circulação geral da atmosfera da África Meridional. Com efeito os principais centros que influenciam os estados do tempo nesta parte do continente são: o anticiclone sub-tropical quase permanente do Atlântico Sul, o anticiclone do continente africano durante a época seca, e o vale depressíonário equatorial, da época das chuvas (Ferreira, 1965a). Constata-se uma nítida associação das chuvas no interior de Angola com o movimento para Sul do vale depressíonário equatorial, de Setembro a Janeiro, e também com o seu movimento para Norte, de Janeiro a Maio, transportando sobre grande parte do território ar instável de origem tropical com forte convergência nos níveis inferiores, que dá origem a céu muito nublado com cúmulos, cumulonimbos, altocúmulos e altostractos que originam chuva, sobre a forma de aguaceiros e trovoadas muito frequentes e intensas. Há que associar ainda factores climáticos locais, como é o caso do relevo que, actuando em conjunção com as condições gerais, determinam as especificidades entre diferentes áreas. O período seco, de Maio a Agosto, corresponde à acção do núcleo anticiclónico do continente africano, transportando sobre território angolano, ar continental seco e estável com inversões de temperatura nas camadas inferiores. O clima da região, a partir dos seus diferentes elementos, em associação com outros factores físicos como o solo ou a orografia, determina os calendários agrícolas, hidrológicos, vegetativos, entre outros, que condicionam em última instância o dia-a-dia das populações. Em termos gerais o clima da província do Kunene é essencialmente do tipo semi-árido, com a estação das chuvas a coincidir com os meses de Verão, período em que as temperaturas médias são mais elevadas. No entanto, as chuvas apresentam uma grande variabilidade, não só nos seus quantitativos absolutos, mas também ao nível espacial e temporal, determinando, ao nível hidro-agrícola, anos “bons” e anos “maus”, que no entanto apenas sublinham uma característica natural típica do clima semi-árido. Para a presente exposição sobre as características climáticas da área de Ondjiva foram utilizados os dados climatológicos referentes ao período 1937-74. Refira-se, no entanto, que a ausência destes elementos após 1975, por desactivação da estação meteorológica de Ondjiva, constitui lacuna grave na análise do comportamento dos elementos climáticos para a área. 6.1 . ELEMENTOS CLIMÁTICOS 6.1.1 . TEMPERATURA A província do Kunene apresenta-se, do ponto de vista térmico, como uma área onde é patente a influência da continentalidade, acentuada por uma barreira orográfica marcante, a continuidade meridional do grande rebordo montanhoso da Chela, que sublinha a ruptura entre uma faixa litorânea, desértica, refrescada por fluxos de ar marítimo e por isso de temperaturas amenizadas em contraste com o interior planáltico onde a altitude e a topografia impõem marcada influência no comportamento destas. 53 Caracterização Biofísica

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6 . CLIMA

O clima angolano, onde se enquadra a província do Kunene, encontra-se sujeito à circulação geral da

atmosfera da África Meridional. Com efeito os principais centros que influenciam os estados do tempo

nesta parte do continente são: o anticiclone sub-tropical quase permanente do Atlântico Sul, o

anticiclone do continente africano durante a época seca, e o vale depressíonário equatorial, da época

das chuvas (Ferreira, 1965a).

Constata-se uma nítida associação das chuvas no interior de Angola com o movimento para Sul do vale

depressíonário equatorial, de Setembro a Janeiro, e também com o seu movimento para Norte, de

Janeiro a Maio, transportando sobre grande parte do território ar instável de origem tropical com forte

convergência nos níveis inferiores, que dá origem a céu muito nublado com cúmulos, cumulonimbos,

altocúmulos e altostractos que originam chuva, sobre a forma de aguaceiros e trovoadas muito

frequentes e intensas. Há que associar ainda factores climáticos locais, como é o caso do relevo que,

actuando em conjunção com as condições gerais, determinam as especificidades entre diferentes áreas.

O período seco, de Maio a Agosto, corresponde à acção do núcleo anticiclónico do continente africano,

transportando sobre território angolano, ar continental seco e estável com inversões de temperatura

nas camadas inferiores.

O clima da região, a partir dos seus diferentes elementos, em associação com outros factores físicos

como o solo ou a orografia, determina os calendários agrícolas, hidrológicos, vegetativos, entre outros,

que condicionam em última instância o dia-a-dia das populações. Em termos gerais o clima da

província do Kunene é essencialmente do tipo semi-árido, com a estação das chuvas a coincidir com

os meses de Verão, período em que as temperaturas médias são mais elevadas. No entanto, as chuvas

apresentam uma grande variabilidade, não só nos seus quantitativos absolutos, mas também ao nível

espacial e temporal, determinando, ao nível hidro-agrícola, anos “bons” e anos “maus”, que no

entanto apenas sublinham uma característica natural típica do clima semi-árido.

Para a presente exposição sobre as características climáticas da área de Ondjiva foram utilizados os

dados climatológicos referentes ao período 1937-74. Refira-se, no entanto, que a ausência destes

elementos após 1975, por desactivação da estação meteorológica de Ondjiva, constitui lacuna grave

na análise do comportamento dos elementos climáticos para a área.

6.1 . ELEMENTOS CLIMÁTICOS

6.1.1 . TEMPERATURA

A província do Kunene apresenta-se, do ponto de vista térmico, como uma área onde é patente a

influência da continentalidade, acentuada por uma barreira orográfica marcante, a continuidade

meridional do grande rebordo montanhoso da Chela, que sublinha a ruptura entre uma faixa litorânea,

desértica, refrescada por fluxos de ar marítimo e por isso de temperaturas amenizadas em contraste

com o interior planáltico onde a altitude e a topografia impõem marcada influência no comportamento

destas.

53Caracterização Biofísica

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Figura 6.1 - Modelo da temperatura média anual para a província do Kunene.

A figura 6.1 representa um modelo da temperatura média anual para a província do Kunene e sua área

envolvente, sendo possível verificar que de uma forma geral os valores deste elemento climático

aumentam de Norte para Sul e das áreas de maior altitude para as mais deprimidas. Com efeito é ao

longo do profundo entalhe que define o percurso internacional do rio Cunene que os valores médios

anuais são mais elevados, oscilando entre os 27-29oC. Por outro lado o rebordo meridional da Chela

impõe a presença de maciços montanhosos que, na área da Oncócua definem, a nível térmico, sectores

de valores médios anuais abaixo dos 22oC. A vasta Bacia Sedimentar do Cuanhama, com um gradiente

altimétrico extremamente suave, apresenta por seu lado um zonamemto térmico que de forma regular

aumenta de Norte para Sul com os valores mais elevados a serem observados junto à fronteira com a

Namíbia.

A região onde se insere Ondjiva caracteriza-se por apresentar uma temperatura média anual (segundo

o período de referência 1937-74) em volta dos 23oC, registando-se os valores mais elevados durante o

período chuvoso, e os mais baixos no período seco. Com base no quadro 6.1, verifica-se que os meses

mais frios são os de Junho e Julho, com valores médios de 17,4oC e 17,1oC respectivamente. Observe-

se, no entanto, que as amplitudes térmicas diárias são consideráveis, atingindo valores extremos

durante o período em referência superiores a 38oC. Em termos médios as amplitudes térmicas para

Junho e Julho variam entre os 19oC e os 20,6oC, respectivamente. O valor mínimo absoluto registado

para Ondjiva é de -2,3oC em Junho de 1944, tendo sido no ano seguinte registado um valor idêntico

de -1,2oC para o mesmo mês. No entanto é o mês de Julho, que, no seu conjunto, regista em média

os valores mínimos diários mais baixos. A oscilação térmica diária apresenta em geral os valores mais

diminutos no nictoperíodo e em particular durante a madrugada.

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva54

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Ondjiva 9 H Dia Máx (média) Min (média) Máx Min

Janeiro 23,8 25,1 31,7 18,4 38,5 11,0

Fevereiro 23,4 24,4 30,7 18,2 37,6 10,7

Março 23,7 24,2 30,4 18,0 37,5 9,2

Abril 23,7 23,3 30,6 16,1 38,0 7,4

Maio 21,2 20,2 29,3 11,4 34,2 2,2

Junho 18,9 17,4 27,2 8,2 32,1 -2,3

Julho 18,5 17,1 27,4 6,8 36,5 -1,8

Agosto 21,0 19,8 30,4 9,4 35,7 1,0

Setembro 24,7 23,8 33,8 14,0 39,9 1,6

Outubro 26,4 26,1 34,8 17,5 39,2 7,5

Novembro 26,1 26,1 33,9 18,5 40,5 11,0

Dezembro 25,0 25,4 32,5 18,5 39,5 10,0

ANO 23,0 22,7 31,1 14,6 40,5 -2,3

55Caracterização Biofísica

Quadro 6.1 - Temperaturas médias mensais, máximas e mínimas para Ondjiva (Pereira de Eça / Ondjiva - 1937-74).

Os meses mais quentes, Outubro e Novembro, apresentam valores médios de temperatura em volta

dos 26oC. Os valores máximos absolutos registados para a localidade correspondem aos 40,5oC

atingidos em Novembro de 1941 e aos 39,9oC de Setembro de 1964.

É particularmente interessante verificar que entre o mês mais frio e o mês mais quente, com base nos

dados obtidos para a estação climatológica de Pereira de Eça, apenas medeia um período de dois

meses, Agosto-Setembro, o que demonstra a dinâmica extremamente contrastada entre as estações

seca e húmida, em particular no curto intervalo que corresponde à passagem de uma para a outra.

Figura 6.2 - Temperaturas média mensais diárias, às 9h, máxima média e mínima média para Ondjiva.

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O comportamento térmico anual obtido com base nos elementos registados para a então estação

meteorológica de Pereira de Eça, nas suas componentes diária, às 9h, máximas médias e mínimas

médias, encontra-se esboçado na figura 6.2. É nítida a cambiante térmica entre Julho e Outubro, na

transição entre os períodos seco e húmido, se tivermos em atenção que a passagem entre o período

das chuvas e o seco, entre Abril e Maio, ocorre com um gradiente térmico mais moderado, definindo

uma curvatura dissimétrica no comportamento das temperaturas. Aspecto relevante é sublinhado pela

oscilação entre os valores de temperatura média diária e os correspondentes a esta às 9h em termos

mensais. Com o início do período húmido (Outubro-Novembro), verifica-se que em média os valores

de temperatura às 9h são mais baixos que os valores diários, o que denuncia naturalmente um aumento

progressivo ao longo do dia dos valores de temperatura, assim como uma amplitude térmica diária

moderada em especial fruto de uma maior amenidade dos valores térmicos mínimos. A partir de Abril

a situação inverte-se sendo especialmente marcante o afastamento da curva térmica diária em relação

à curva térmica das 9h para os meses de Junho e Julho, o que se justificará fundamentalmente pela

influência dos valores mínimos registados neste período em especial durante a noite.

Tendo em atenção as características térmicas regionais, a cidade de Ondjiva é particularmente afectada

por períodos onde os valores de temperatura diária são bastante elevados. Com efeito, o número de

dias, em média, em que a temperatura máxima ultrapassa os 25oC é correspondente à totalidade dos

dias que compõem os meses de Agosto, Setembro e Outubro, bem como a esmagadora maioria dos

que definem os meses de Novembro, Dezembro, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio. Em termos

anuais este referencial térmico é ultrapassado em cerca de 351 dias do ano. Por outro lado,

temperaturas mínimas superiores a 20oC são espectáveis de serem ultrapassadas em aproximadamente

26 dias por ano, em especial nos meses de Outubro, Novembro, Dezembro e Janeiro, precisamente

quando decorre a estação chuvosa, caracterizada por uma maior constância diária ao nível térmico, à

qual se associa um maior valor relativo de humidade do ar.

As cambiantes mensais entre o nictoperíodo e o hemeroperíodo, esboçadas no quadro 6.2, são

elucidativas do comportamento térmico, em termos de amplitudes médias, relativas à área de Ondjiva.

JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ ANO

Hemeroperíodo 28,5 27,2 27,5 27,2 24,8 22,3 22,2 25,0 28,2 30,7 29,7 29,2 26,9

Nictoperíodo 21,7 21,1 21,1 19,8 15,6 12,3 12,0 14,4 18,7 22,0 22,5 21,8 18,6

Quadro 6.2 - Temperaturas médias mensais e anuais do hemeroperíodo e nictoperíodo (oC), para Ondjiva (1951-70).

6.1.2 . PRECIPITAÇÃO

Os quantitativos pluviométricos na província do Kunene são fruto da influência de factores climáticos,

planetários e regionais, como a distância ao equador, a orografia, o maior ou menor afastamento ao

oceano, entre outros. Com efeito, e atendendo à figura 6.3, verifica-se que de uma forma geral os

valores de precipitação diminuem de Norte para Sul e de oriente para ocidente. As áreas mais chuvosas,

com quantitativos médios anuais entre os 900-950mm, estão localizadas no sector Nordeste do

município do Kuvelai, precisamente nas cabeceiras dos cursos de água que alimentam o sistema

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva56

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Figura 6.3 - Modelo da precipitação média anual para a província do Kunene.

No sector Sudoeste da província, fundamentalmente a área correspondente ao município do Kuroca, os

quantitativos precipitados são, em termos médios, os mais baixos de toda a região, não ultrapassando em

muitos casos os 250mm anuais, como é o caso das áreas situadas ao longo do vale internacional do rio

Cunene.

Pese embora as características indicadas, um aspecto

marcante do comportamento da precipitação na

região é a sua variabilidade. Quase todos os anos os

seus valores diferem, em termos de quantitativos

pluviométricos, dos anos anteriores ou seguintes,

sendo os melhores anos associados a pluviometrias

três ou quatro vezes superiores às dos anos mais secos.

Em Ondjiva, onde a precipitação média anual se situa

nos 600mm, o ciclo sazonal dos quantitativos

pluviométricos encontra-se associado, em termos

médios, a uma estação húmida, entre Novembro e

Março, enquadrada por meses de transição

correspondentes a Outubro e Abril, respectivamente,

e uma marcada estação seca envolvendo os restantes

meses do ano (Fig. 6.4).

hidrológico do Cuvelai-Mui, que se espraia pela superfície de chanas onde se implantou a cidade de

Ondjiva. Paulatinamente, e de forma quase zonal, à medida que se progride para Sul os valores deste

elemento climático vão decrescendo, sendo na área de Ondjiva cerca de 1/3 inferiores aos verificados

no Norte da província.

57Caracterização Biofísica

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Figura 6.4 - Gráfico termo-pluviométrico de Ondjiva (Pereira de Eça/ Ondjiva - 1937-74).

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Com base no período de referência 1937-74, o mês mais chuvoso é o de Fevereiro com 145,9mm, logo

seguido de Janeiro e Março, com 117,3mm e 110,2mm, respectivamente. Dezembro é um mês de

quantitativos apreciáveis em termos pluviométricos (102,2mm), em claro contraste quando comparado

com os 49,9mm e 50,7mm, de Novembro e Abril,

respectivamente. Outubro, com 18,9mm e Maio,

com 2,7mm, apresentam-se como meses que se

encontram na franja de transição entre estações.

A precipitação encontra-se usualmente associada a

aguaceiros intensos e localizados, normalmente

em presença de células muito activas de

cumolonimbos, que durante a estação das chuvas

são particularmente frequentes no período mais

quente do dia. Conforme se observa na figura 6.5,

os meses com maior incidência de dias com

trovoada, são os mesmos onde os quantitativos

médios mensais de precipitação são mais elevados,

Dezembro, Janeiro, Fevereiro e Março. Tal facto

está intimamente ligado ao regime de

convergência atmosférica, com vigorosos

movimentos ascendentes, geradores de

cumulonimbos, altocumulos e altoestratos,

associado a forte aquecimento pela base.

Em correlação próxima à maior frequência de

trovoadas está o registo do número de dias onde a

precipitação ultrapassa os 10mm (Fig. 6.6). Este

referencial é particularmente importante no que diz

respeito à possibilidade da ocorrência de inundações

locais, em especial em áreas onde a topografia é muito

suave, como é o caso da região onde se localiza

Ondjiva, que se caracteriza por apresentar um

escoamento superficial muito lento e um sistema de

drenagem regional associado a cheias cíclicas de

grande extensão, e de prolongada duração. Por outro

lado, quantitativos diários desta grandeza são

considerados como produtivos em termos agrícolas.

Assim, são os meses de Janeiro, Fevereiro e Março que

em termos médios apresentam pelo menos quatro dias

onde os quantitativos pluviométricos são superiores a

10mm.

Figura 6.6 - Número médio de dias por mês com precipitação

superior a 10mm (Pereira de Eça / Ondjiva - 1937-74).

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva58

Figura 6.5 - Número médio de dias por mês com ocorrência detrovoadas, (Pereira de Eça / Ondjiva - 1937-74).

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Pese embora o referido, dadas as características climáticas da área, estes referênciais mensais variam

consideravelmente de ano para ano. Assim, em 1971 o mês de Fevereiro registou um total de 13 dias

em que a precipitação diária foi superior a 10mm (tendo atingido um recorde de 28 dias com

trovoada), em claro contraste com o ano seguinte, 1972, em que não se registou qualquer dia para o

mesmo mês com mais de 10mm de precipitação.

A título de exemplo, registe-se que os quantitativos diários podem alcançar valores extremamente

elevados, implicando o desencadear de inundações locais, que serão tanto mais expressivas, quanto as

condições pré-existentes ao nível hidrológico se apresentarem. Desta forma, entre os valores diários

mais elevados registados para a área de Ondjiva contam-se os 206mm de Março de 1947, os 139mm

de Dezembro de 1968 e os 93,5mm de Fevereiro de 1962.

A variabilidade inter-anual é patente quando se observa o comportamento dos registos observados ao

longo dos diferentes anos do período em referência (1937-74), conforme anteriormente referido. A

figura 6.7 esboça de forma clara a variação dos quantitativos pluviométricos ocorridos por estação das

chuvas entre 1937-38 até 1974-75, sendo omissos por ausência de dados, os dados relativos a 1962-63.

59Caracterização Biofísica

Figura 6.7 - Quantitativos pluviométricos por estação húmida (Pereira de Eça / Ondjiva - 1937-74).

Da série de anos considerados verifica-se que em 1946-47, atingiu-se o máximo registado para Ondjiva

com um total de 1151,8mm por estação das chuvas, apesar de tanto em 1945-46 como em 1947-48,

os quantitativos pluviométricos apenas se cifraram em 424,7mm e 448,6mm, respectivamente. Esta

situação atesta de forma clara o padrão de extrema irregularidade característico dos climas semi-áridos.

Com efeito apenas em oito anos, dos trinta e sete referenciados, se registaram quantitativos anuais

superiores a 700mm. Em 71-72, os quantitativos pluviométricos apenas atingiram os 277,7mm,

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ultrapassando em termos mínimos os 308,4mm de 63-64, definindo períodos de grave escassez hídrica

tanto para o abastecimento de água para consumo doméstico como para as actividades agro-

pecuárias, apenas colmatados parcialmente pela presença de captações de abastecimento de água

subterrâneas.

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva60

A figura 6.8 representa os desvios à média entre 1937-74, nela se podendo observar a variabilidade

pluviométrica caracterizada por anos de quantitativos superiores em mais de 300mm ao valor médio,

como em 1937, 1945, 1947, 1950, 1967 e 1974, enquanto que noutros o défice é superior a 250mm

(1939, 1941, 1964, 1970). Outro aspecto importante prende-se com a identificação de períodos de

seca, onde em dois ou mais anos consecutivos os valores de precipitação foram inferiores em 1/3 à

média, como os correspondentes a 1939-42, 1948-49, 1952-53, 1955-56, 1958-61 e 1972-73, sendo

este factor particularmente importante quando se associa a um padrão regional que interfere

directamente com o evento cíclico da “efundja” e desta forma directamente interligado com a

disponibilidade de água superficial e subterrânea, conforme foi referido no capítulo relativo à

hidrogeologia.

6.1.3 . VENTO

As observações relativas ao vento, apenas estão reportadas ao rumo deste ao longo do ano, sem que

contudo existam dados relativos à velocidade desde elemento climático, nos anos referentes à série

1931-60 (Quadro 6.3).

Figura 6.8 - Variabilidade inter-anual da precipitação com base nos desvios à média (Pereira de Eça / Ondjiva - 1937-74).

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Vento - Número médio de observações para cada rumo

Meses N NE E SE S SW W NW Calmas

Janeiro 0,4 2,1 2,3 5,5 3,3 5,5 4,1 1,8 6,0

Fevereiro 0,6 2,4 2,8 4,9 2,5 4,1 4,0 1,3 5,7

Março 0,4 3,5 5,8 6,7 2,1 3,1 2,4 1,0 6,0

Abril 0,4 8,9 7,9 5,9 1,0 1,2 0,2 0,3 4,2

Maio 0,4 14,2 7,5 4,9 1,0 0,4 0,5 0,2 1,9

Junho 0,1 13,8 9,3 4,0 0,5 0,1 0,1 0,1 2,0

Julho 0,1 12,6 10,9 3,4 0,3 0,5 0,1 0,1 3,0

Agosto 0,2 10,2 10,5 5,1 1,2 1,7 0,1 0,0 2,0

Setembro 0,1 6,9 8,3 7,0 2,0 2,5 0,7 0,1 2,4

Outubro 0,3 5,8 4,8 5,4 3,0 4,8 1,7 0,7 4,5

Novembro 0,4 3,8 4,1 5,3 3,2 4,3 2,3 1,4 5,2

Dezembro 0,3 2,4 4,3 5,6 3,4 5,2 2,6 1,1 6,1

Ano 3,7 86,6 78,5 63,7 23,5 33,4 18,8 8,1 49,0

Em termos médios, o rumo predominante durante o ano na área de Ondjiva é de Nordeste, logo

seguido de uma forte componente de Leste. Os ventos de NE fazem-se sentir com maior incidência a

partir do início da estação seca, sendo dominantes entre Maio e Julho. Com efeito, durante este

período, o Sul de Angola é sujeito a um fluxo médio atmosférico de regime Sudeste na faixa oriental e

que desemboca na faixa ocidental com uma componente de Nordeste. Os meses de Junho e Julho são

marcados pela presença de intenso transporte de poeiras com regime generalizado de bruma seca em

altitude. O mês de Agosto, apresenta uma mudança do rumo do vento dominante para Leste e uma

ligeira quebra na intensidade da bruma seca.

O mês de Setembro, apresenta-se ainda com um predomínio do rumo Leste, ao mesmo tempo que a

componente Sueste se torna expressiva, denunciando uma mudança na componente atmosférica no

território angolano. Em Outubro, o fluxo de Sueste e Sudoeste acentua-se com o regime de

convergência entre estes e os fluxos de componente Norte que entram em conflito por alturas do

Planalto Central, sendo o mês de Novembro marcado por uma generalização para Sul da linha de

convergência, ao mesmo tempo que se atenua a componente de Este.

Em Dezembro, o regime circulatório atmosférico é, para o Sul de Angola, de componente Sudoeste,

sendo o rumo dos ventos dominantes em Ondjiva, do quadrante SE e SW, especialmente associado a

episódios de trovoada, em estreita ligação ao conflito dinâmico que se estabelece ao longo de toda a

faixa de convergência. Esta situação mantém-se em Janeiro e Fevereiro. Aliás, refira-se que é frequente

antes e durante a ocorrência de aguaceiros fortes associados a cumulonimbos, a presença de rajadas

de vento de velocidade considerável, provocando mesmo o desencadear de pequenos tornados.

61Caracterização Biofísica

Quadro 6.3 - Número médio de observações por mês para cada rumo (Pereira de Eça / Ondjiva - 1931-

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Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva62

Figura 6.9 - Humidade relativa média mensal (Pereira de Eça / Ondjiva - 1937-75).

Em Março dá-se uma alteração notável no regime de circulação atmosférica, com o aparecimento de

fluxos dominantes de Nordeste, Este e Sueste. No mês de Abril, são já as componentes de Nordeste e

Leste claramente as mais frequentes nos rumos registados para Ondjiva, sendo este período aquele que

marca o final da época das chuvas neste região. Maio é um mês em que a circulação adquire uma

componente marcadamente de NE, entrando definitivamente a época seca no calendário regional.

O quadro 6.4, apresenta uma síntese dos ventos dominantes, por meses do ano, para a área de

Ondjiva, conforme referido acima.

JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

Rumo SE ; SW SE ; SW SE ; E NE ; E NE ; E NE ; E NE ; E E ; NE E ; SE NE ; SE SE ; SW SE ; SW

Quadro 6.4 - Rumo dominante mensal dos ventos em Ondjiva.

6.1.4 . HUMIDADE RELATIVA

A humidade relativa média anual, às 9h, em Ondjiva é de cerca de 47,2%, tendo em referência o

período de observação 1937-75. Os seus valores máximos mensais situam-se nos 68,2% em Fevereiro,

enquanto que Setembro é o mês que apresenta um valor médio mensal mais baixo, cerca de 27%.

Aliás, conforme é referido por Silveira (1962), os valores médios de humidade relativa são baixos nas

áreas onde o clima se caracteriza por apresentar variações diárias de temperatura elevadas. Conforme

foi referido no ponto referente à temperatura, a área de Ondjiva apresenta amplitudes térmicas diárias

consideráveis, nomeadamente durante o período seco, o que implica que o vapor de água presente

junto ao solo se dissipe nas horas mais quentes do dia, por convecção, para as camadas de ar

sobrejacentes.

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Conforme se observa na figura 6.9, o comportamento da curva anual dos valores médios da humidade

relativa é muito semelhante ao verificado para a precipitação. Efectivamente, e tendo em atenção o

referido sobre a circulação atmosférica, a partir de Outubro dá-se uma inflexão na curva deste elemento

climático até culminar com o seu valor médio máximo em Fevereiro, precisamente no pico da época

das chuvas, e onde as amplitudes térmicas diárias são menores. Progressivamente, à medida que se

aproxima a estação seca, os valores da humidade relativa vão diminuindo, em paralelo com o aumento

dos contrates térmicos entre o nictoperíodo e o hemeroperíodo.

O quadro 6.5, apresenta uma síntese dos valores médios mensais para Ondjiva de humidade relativa às

9h, tendo por base os dados obtidos entre 1937 e 1975.

JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ ANO

62 68,2 66,8 57,1 43,6 39 33,6 28,4 27 37,8 46,5 56,8 47,2

Quadro 6.5 - Valores médios mensais e anuais de humidade relativa, em percentagem (Pereira de Eça / Ondjiva 1937-75).

6.1.5 . EVAPORAÇÃO

Se é um facto que a região onde se situa Ondjiva se caracterizar por quantitativos pluviométricos

modestos (600mm médios anuais), a mesma está sujeita a fortes taxas de evaporação ao longo do ano,

o que vem agravar em muitos casos a disponibilidade de água superficial. Estas taxas de evaporação

encontram-se influenciadas por factores como a temperatura, a radiação solar, a humidade, a

velocidade do vento, a pressão atmosférica, bem como da extensão dos diferentes planos de água.

As taxas de evaporação são mais elevadas nos meses de Verão que antecedem a estação das chuvas,

devido ao maior índice de radiação solar, temperaturas mais elevadas e baixas percentagens de

humidade relativa do ar.

Conforme se observa no quadro 6.6, as taxas de evaporação são mais elevadas nos meses de Setembro

e Outubro, 463mm e 468mm, respectivamente, enquanto que se apresentam mais moderadas entre

Fevereiro e Março, 178mm e 208mm, respectivamente. A evaporação total anual cifra-se em cerca de

3771mm, o que quer dizer que durante um ano, por exemplo, se evaporaria toda a água de um

reservatório com mais de 3,7m de profundidade, desde que este não fosse reabastecido em nenhum

momento durante esse período.

JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ ANO

270 178 208 222 278 280 324 390 463 468 385 305 3771

Quadro 6.6 - Evaporação de Piche mensal e anual para Ondjiva, em milímetros (1951-70).

63Caracterização Biofísica

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6.2 . SINOPSE DAS CONDIÇÕES CLIMÁTICAS LOCAIS DE ONDJIVA

Descrevem-se neste ponto, em forma condensada e sistematizada, as condições climáticas à superfície

com base nos elementos recolhidos na estação meteorológica Pereira de Eça / Ondjiva, no período

referido, quer em base tabelada (Quadro 6.7), quer abordando o estado geral do tempo, por estação,

com vista a uma descrição síntese das características meteorológicas estacionais da área.

6.2.1 . VALORES MÉDIOS DOS ELEMENTOS CLIMÁTICOS

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva64

Quadro 6.7 - Valores médios mensais dos elementos climáticos (Pereira de Eça / Ondjiva - 1937/75).

6.2.2 . ESTADO GERAL DO TEMPO POR ESTAÇÕES

Estação Seca:

Duração - Maio a Outubro, sendo o mês menos quente o de Julho.

Nebulosidade - o céu apresenta-se geralmente limpo, pontualmente encoberto por nuvens altas do

tipo cirroestratos.

Nevoeiro - muito raro

Vento predominante - de Leste e Nordeste, sendo o período de calmas mais frequente em Outubro.

Trovoadas - muito raras, apenas se registando 4-5 dias no mês de Outubro.

Estação Húmida:

Duração - Novembro a Abril, sendo o mês mais quente o de Novembro.

Nebulosidade - geralmente céu pouco nublado (2/4 a 4/8) durante a manhã, aumentando (3/8 a 5/8)

para a tarde, principalmente com nuvens de grande desenvolvimento vertical, cumulonimbos.

Nevoeiro - raro.

Precipitação - forte, normalmente sobre o regime de aguaceiros.

Vento predominante - de Sueste e Sudoeste, em especial durante os episódios de forte instabilidade

atmosférica, sendo frequente durante esta estação a presença de calmas.

Trovoadas - frequentes, 4 a 9 dias por mês, em regra de convecção.

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6.3 . CLASSIFICAÇÃO DO CLIMA

As classificações aqui apresentadas resultam de uma relação entre diferentes factores climáticos,

nomeadamente os relativos ao regime pluviométrico e ao regime térmico. Assim, para uma melhor

definição das características climáticas da área onde se implantou a cidade de Ondjiva, serão

apresentados vários índices numéricos e classificações climáticas que ajudarão na compreensão destas.

6.3.1 . ÍNDICE DE ARIDEZ DE MARTONNE

Este índice é calculado pela seguinte expressão:

IAM= P/T+10

Onde:

P = Precipitação anual média;

T = Temperatura anual média.

A aridez é, segundo este índice, uma função da natureza dos rios:– Regiões com valores do índice superiores a 40, consideram-se como exorreicas.– Regiões em que tal índice varia entre 30 e 40, oscilam entre o endorreísmo e o exorreísmo.– Regiões com o índice de aridez entre os 20 e 30, apresentam um endorreísmo temporário

ou fraco.– Regiões com um índice inferior a 20, caracterizam-se como apresentando um endorreísmo

marcado ou característico.

Atendendo às características dos elementos climáticos referentes a Ondjiva, verifica-se que o índice

apresenta um valor de 18,3 segundo estes, o que identifica a área de Ondjiva como sendo de

endorreísmo marcado ou característico, conforme é comprovado pelas características hidrológicas

apresentadas no capítulo 7.

6.3.2 . COEFICIENTE HIDROTÉRMICO DE LANG

Coeficiente obtido pelo cociente entre a precipitação média anual e a temperatura média anual,

apresenta uma organização numérica segundo a qual o valor 40 marca a separação entre os climas

húmidos (CHL>40 = clima húmido) e os climas secos; o coeficiente hidrotérmico de valor entre os 20

e os 40 define a presença de uma região com clima semiárido, enquanto que para valores inferiores a

20 já se apresentará como clima árido.

Com base nos valores referentes à estação meteorológica Pereira de Eça/Ondjiva, o coeficiente

apresenta um valor de 26.4, o que identifica um clima semiárido. Refira-se, no entanto, que este

método, apesar de rápido, é grosseiro uma vez que não tem em conta os ritmos estacionais dos

elementos climáticos considerados.

65Caracterização Biofísica

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6.3.3 . CLASSIFICAÇÃO BIOCLIMÁTICA DE KOPPEN

Esta classificação bioclimática que toma em consideração fundamentalmente a temperatura do ar e a

aridez, rege-se por critérios fundamentados nos cinco principais grupos de vegetação, que desta forma

estabelecem os limites de temperatura entre cada unidade.

A aridez é aqui tida como consequência directa da precipitação escassa e da precipitação efectiva

(precipitação menos evaporação). Com efeito, e tendo em consideração os critérios definidos por De

Candolle em 1874, quando o grosso da precipitação acontece no Verão, como é o caso de Ondjiva, é

necessário uma maior quantidade desta para compensar a evaporação e manter um total equivalente

de precipitação efectiva, ao contrário se esta acontecesse no Inverno.

Segundo esta classificação, Ondjiva está representada no grande grupo climático definido por Climas

de Classe B, ou seja climas secos ou áridos com grande predomínio da evaporação sobre a precipitação

média anual, onde não se constituem reservas de água no solo permanentes. Existem dois tipos

principais dentro dos Climas B: BW - clima árido (precipitação média anual <250mm) e BS - clima

semiárido (precipitação média anual entre 380mm e 760mm). Ondjiva é assim enquadrada pelo tipo

BS, sendo as chuvas concentradas durante os meses de verão.

Uma última distinção, subtipo climático, tem em conta a temperatura, sendo no caso presente

identificada com a letra h, isto é, apresenta uma temperatura média anual superior a 18oC, ou seja,

define-se como um subtipo quente e seco. A fórmula final para Ondjiva, segundo a classificação de

Koppen e assim definida por BSh, ou seja um clima seco e quente de estepe, com uma altura

pluviométrica anual inferior a 600mm, uma Inverno seco, onde o mês mais seco não apresenta qualquer

quantitativo em termos de precipitação e em que a temperatura média anual é superior a 18oC.

6.3.4 . CLASSIFICAÇÃO RACIONAL DE THORNTHWAITE

A classificação racional de Thornthwaite (Thorntwaite,1948), posterior à de Köppen, apresenta três

elementos importantes que resultam vantajosos: o facto de se basear exclusivamente nas observações

de estações meteorológicas, não deixando assim espaço para apreciações subjectivas; os limites das

classes são fixados de forma racional e não de modo arbitrário, o que implicará que uma mudança de

classe se traduza numa mudança real de um dado aspecto do território; o processo de classificação

gera, como sub-productos, números importantes e de extrema utilidade, questionáveis apenas ao nível

da precisão com que foram obtidos os dados de base. Com efeito, a determinação de todos os

parâmetros necessários à elaboração de uma classificação final do(s) tipo(s) climático(s) de uma dada

área baseada em Thornthwaite, por si só, representa uma caracterização detalhada de um conjunto de

dados extremamente úteis e importantes.

Para a análise aqui realizada, foram utilizados os dados base referentes à estação meteorológica de

Pereira de Eça / Ondjiva, bem como o respectivo coeficiente K (Thorntwaite & Mathers, 1957),

permitindo assim calcular o balanço hídrico do solo, peça fundamental desta classificação.

6.3.4.1 . Balanço Hídrico do Solo

O balanço hídrico do solo, constitui um balanço climatológico das quantidades de água que são

transferidas da atmosfera para a superfície da terra e desta, de novo, para a atmosfera. Estes

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva66

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quantitativos dependem do estado físico da atmosfera e da natureza da superfície terrestre; dos seus

valores e variação ao longo do ano pode resultar excesso ou deficiência de água no local ou região

considerada. O seu cálculo, apoiado em constantes, e entrando em linha de conta com os valores de

temperatura e precipitação médios anuais, introduz os conceitos de evapotranspiração potencial (ETP)

- grandeza não real - e evapotranspiração real (ETR), sendo o primeiro definido como a quantidade

máxima de água que o solo (por evaporação) e as plantas (por transpiração) podem repor à atmosfera,

e apenas igualado pelo segundo se a precipitação for igual ao seu valor e o solo se encontrar com a sua

capacidade de campo no seu máximo. A determinação da ETP e ETR, permitem definir os valores

mensais do deficit hídrico e do superávit de água, os quais estruturam as expressões referentes aos

índices de aridez (Ia), humidade (Ihm) e hídrico (Ih).

67Caracterização Biofísica

Figura 6.10 - Balanço hídrico do solo para Ondjiva.

A figura 6.10, apresenta os parâmetros que estabelecem o cálculo do balanço hídrico do solo para

Ondjiva e respectivos índices de que em seguida se fará referência.

6.3.4.2 . Evapotranspiração Potencial e Real

A evapotranspiração potencial é a grandeza fundamental desta classificação climática, designando o

termo evapotranspiração o regresso à atmosfera da água que esta perdeu em consequência do

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fenómeno da precipitação (na parte sólida da superfície da terra a água regressa à atmosfera por

evaporação e também pela transpiração das plantas). Por evapotranspiração potencial entende-se a

quantidade de água que o solo e as

plantas podem repor à atmosfera, sendo a

hipótese fundamental de Thornthwaite, a

admissão que num dado local esta só

depende da temperatura média do ar,

podendo ser calculada a partir da

multiplicação por um coeficiente fixo por

uma potência da temperatura do ar cujo

expoente é um número décimal

(Thornthwaite, 1948).

Do ponto de vista anual verifica-se que,

em Ondjiva, a ETP apresenta valores mais

elevados nos meses de Outubro e

Novembro, precisamente os meses mais

quentes do ano, na transição entre as

estações seca e de chuvas (Fig. 6.11).

Com efeito, apenas entre Fevereiro e Março os valores de ETP são inferiores ou idênticos aos

quantitativos pluviométricos o que indica uma grande carência de água no solo no restante período do

ano, sendo o total anual de evapotranspiração potencial, cerca 1167mm, muito superior aos

aproximadamente 600mm de precipitação médios por ano.

A evapotranspiração real (ETR), como parâmetro fortemente condicionado pela precipitação ao longo

do ano, define-se como sendo igual à evapotranspiração potencial nos meses em que a precipitação é

igual ou superior a esta, como já atraz referido. Se a precipitação for superior à evapotranspiração

potencial haverá cedência de água pela atmosfera ao solo, se este ainda não se encontrar com a sua

capacidade de campo preenchida. Quando, pelo contrário, a precipitação é inferior à

evapotranspiração potencial, verifica-se cedência de água do solo para a atmosfera. O limite de

capacidade de recepção e cedência de água por parte do solo, depende da natureza do solo e do seu

revestimento vegetal, tendo-se convencionado, atendendo à dificuldade em traduzir de forma correcta

as características pedogénicas da área, o valor tabelado universalmente de 100mm.

Os meses onde o valor de ETR é mais elevado são precisamente aqueles onde os quantitativos

pluviométricos são mais elevados e onde há água retida no solo, nomeadamente Janeiro, Fevereiro e

Março. Esta situação inverte-se à medida que a estação seca avança e a água no solo vai

desaparecendo, apresentando valores mínimos entre Agosto e Setembro.

6.3.4.3 . Deficit Hídrico

Sendo resultante da diferença entre a evapotranspiração potencial e a evapotranspiração real, o défice

de água regista valores de zero nos meses em que ETR=ETP, enquanto que nos meses em que ETR for

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva68

Figura 6.11 - Precipitação média mensal e ETP, para Ondjiva.

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inferior a ETP este registará um determinado valor, uma vez que a água precipitada e retida no solo é

insuficiente para o desenvolvimento fenológico das plantas (em termos teóricos). O valor anual

corresponde à soma dos doze valores mensais.

A utilidade deste parâmetro é particularmente importante, por exemplo, no domínio agrícola, no

sentido de se poderem satisfazer com alguma antecedência as necessidades de determinadas culturas

em períodos secos, ou para avaliar as consequências ao nível da cobertura vegetal de áreas

particularmente afectadas por episódios de seca, estacional ou anual, como é o caso da região que

enquadra a cidade de Ondjiva.

Verifica-se que para Ondjiva, e sua envolvente, existe um défice hídrico anual considerável de cerca de

494,6mm, o que traduz a natureza de semiaridez do clima regional. Por outro lado os meses onde é

maior o stress hídrico são os de Setembro, Outubro e Novembro, com 95,5mm, 118,2mm e 90,1mm,

em défice, respectivamente, ou seja o final da estação seca e a transição para a húmida quando as

temperaturas diárias se apresentam mais elevadas.

6.3.4.4 . Superávit de Água

O superávite é o excesso de água de precipitação que não é evapotranspirada nem fica armazenada no

solo, escoando superficialmente, ou infiltrando-se e com isso fazendo subir o nível da toalha freática.

Conforme refere Silveira (1962), o excesso de água não é reposto na atmosfera na região onde teve

origem mesmo que se mantenha no solo até à chegada dos meses secos, uma vez que, ao infiltrar-se

deixa de estar em contacto com o ar e, em parte, com as raízes das plantas; ao escoar superficialmente

reúne-se em linhas de água cuja área, teoricamente nula, é muito pequena comparada com a área de

campo, sendo igualmente pequeno o tempo de escorrência de uma partícula de água.

Atendendo às características da região, em Ondjiva apenas se regista escoamento superficial de origem

local, em média, no mês de Fevereiro, e de valor muito modesto, cerca de 26mm, o que elucida sobre

a dependência da área ao nível do abastecimento de água, dos mananciais provenientes do sector

montante das cabeceiras da rede hidrográfica Cuvelai-Mui. Em anos onde não se verifica a efundja, a

presença de água superficial durante o período chuvoso é extremamente efémera.

6.3.4.5 . Índices de Aridez, Humidade e Hídrico

O índice de aridez corresponde ao quociente entre o défice de água anual e a evapotranspiração

potencial anual, expresso em percentagem. Rege-se pelo princípio que um clima sem água útil para as

plantas é totalmente árido, enquanto que outro em que as plantas dispõem sempre desta para

qualquer das suas necessidade não apresentará aridez. Efectivamente, como refere Silveira (1962), uma

deficiência anual de água de 400mm num clima megatérmico, onde a evapotraspiração anual é de

cerca de 1200mm, corresponde apenas a um terço da necessidade de água enquanto que num clima

mesotérmico com 800mm de evapotranspiração potencial a mesma deficiência de 400mm

corresponde a metade da necessidade de água.

O valor mínimo deste índice é zero e o máximo 100, com base na fórmula:. Ia = 100 *

Onde: Ia = Índice de aridez; Dh = Défice hídrico; Etp= Evapotranspiração potencial

69Caracterização Biofísica

DhEtp

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O valor obtido para Ondjiva é assim de 42,4, ou seja, em termos fenológicos representará mais de um

terço das necessidades em água para as plantas, o que implica uma selecção criteriosa em termos de

culturas e espécies arbóreas ornamentais que possam sobreviver na área.

O índice de humidade, parte do princípio que uma região que não tem excesso de água não terá

nascentes (em termos simplificados) nem contribui para a alimentação dos rios. Desta forma o índice

será tanto mais próximo de zero quanto menor for o excesso de água, sendo zero se não existir excesso

desta. Se o excesso de água for igual às necessidades, o índice será 100; se o excesso for superior às

necessidade, então o índice de humidade será superior a 100.

A formula que o define, é: Ihm = 100 *

Onde: Ihm = Índice de humidade; Sp = Superávite; Etp= Evapotranspiração potencial

Em Ondjiva o valor obtido é de 2,3, o que traduz uma clara deficiência em termos hídricos de génese

local. Mais uma vez é salientado de forma indirecta, o elemento exógeno tão importante que são as

cheias cíclicas da região.

Se existe excesso de água num mês e deficiência noutros, como acontece na área em referência, torna-

se necessário utilizar um índice global de humidade com os dois índices anteriormente definidos, de

maneira a que este índice seja afectado positivamente pelo índice de húmidade e negativamente pelo

índice de aridez. Desta conjugação surge o índice hídrico (Hh) que se rege pela seguinte fórmula:

Hhd = Ihm - 0.6*Ia

O facto de se calcular este índice com uma redução do peso do índice de aridez imposta pala sua

multiplicação por 0.6 explica-se pelo facto de na época seca, algumas plantas com raízes profundas

ainda poderem utilizar a água do subsolo o que não afecta sensivelmente a quantidade de água

disponível para escoamento mas pode melhorar as características hídricas da região. Desta forma um

excesso de apenas 6mm contrabalançaria uma deficiência de 10mm.

O índice hídrico é elemento definidor entre regiões de clima húmido (índice positivo) e regiões de clima

seco (índice negativo), e base da estrutura classificativa de Thorntwaite conforme à frente é

apresentado para Ondjiva que apresenta um valor de -23,2.

6.3.4.6 . Fórmula Climática Segundo os Índices Calculados para Ondjiva

Com base no índice hídrico chega-se à primeira etapa da classificação climática racional de Thorthwaite

de um local, constituída por quatro letras, duas maiúsculas seguidas por duas minúsculas, com os

respectivos índices. Desta forma a primeira maiúscula é dada pela seguinte relação, apresentada no

quadro 6.8:

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva70

SpEtp

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71Caracterização Biofísica

Quadro 6.8 - Tipo climático segundo o índice hídrico.

Quadro 6.9 - Tipos climáticos segundo o índice de eficiência térmica.

Tipo Climático Índice hídrico

A - Hiper-húmido >=100

B4 - Muito Húmido 80 a 100

B3 - Húmido 60 a 80

B2 - Moderadamente Húmido 40 a 60

B1 - Pouco Húmido 20 a 40

C2 - Sub-húmido húmido 0 a 20

C1 - Sub-húmido seco -20 a 0

D - Semiárido -40 a -20

E - Árido -60 a -40

Sendo o valor do Ih para Ondjiva de -23,2, esta localidade encontra-se associada ao tipo climático D -Semiárido.

A segunda maiúscula é obtida com o valor da evapotranspiração potencial, que se apresenta comoíndice de eficiência térmica (IET), distinguindo-se o símbolo pela aplicação de uma plica, conformeapresentado no quadro 6.9. Ondjiva, com um valor de ETP anual de 1166,9mm, enquadra-se no tipoMegatérmico.

IET (mm) Tipo Climático

0-142 E´ Gelado

142-285 D´ Tundra

285-427 C1´ 1º Microtérmico

427-570 C2´ 2º Microtérmico

570-712 B1´ 1º Mesotérmico

712-855 B2´ 2º Mesotérmico

855-997 B3´ 3º Mesotérmico

997-1140 B4´ 4º Mesotérmico

>1140 A´ Megatérmico

A obtenção da primeira minúscula encontra-se determinada pelas características do índice de

humidade, uma vez que Ondjiva se encontra numa região de clima seco por definição (climas C1, D e

E), e de época seca coincidente com o período de Inverno do Hemisfério Sul, conforme indicado no

quadro 6.10, sendo desta forma adoptada a letra minúscula “d”.

Climas Secos Índice de Humidade

d- excesso de água nulo ou pequeno 0 a 10

w- excesso moderado de água no Verão 10 a 20

w2- grande excesso de água no Verão >20

Quadro 6.10 - Qualificação climática pelo índice de humidade.

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No que diz respeito à segunda letra minúscula da fórmula, que indica a concentração estival da eficácia

térmica, ou seja, a percentagem da evapotranspiração anual que corresponde aos meses de Verão,

caracteriza-se em todo o território angolano por se apresentar abaixo dos 48%, ou seja do tipo “a´”,

que representa pequena concentração estival.

A fórmula climática obtida para Ondjiva segundo o método de Thorntwaite-Matter, é assim definida

pela expressão: DA´da´, ou seja um clima semi-árido megatérmico de excesso de água nulo ou

pequeno e de pequena concentração estival. Dentro da classificação em referência apresenta-se

como um clima com quantitativos pluviométricos médios modestos, mas de extrema variabilidade

inter-anual, podendo atingir valores extremos muito elevados. Por outro lado caracteriza-se por

apresentar uma concentração do período das chuvas em menos de metade dos meses do ano, sendo

em geral dominado por fortes teores de evaporação ao longo de todo o ano, fruto de uma constância

dos valores médios de temperatura acima dos 25oC, nomeadamente durante a época húmida.

7 . HIDROLOGIA SUPERFICIAL A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO CUVELAI

O Cuvelai é um rio endorreico, com cerca de 430km de comprimento, que nasce na Serra do Encoco,

na linha divisória entre as províncias do Kunene e Huíla, definindo uma bacia hidrográfica que se

encontra enclavada entre as bacias do Cunene a ocidente e a do Cubango a oriente (Figs. 7.1 e 7.2).

Apresenta um regime permanente a semi-permanente nos primeiros 100km do se percurso, até atingir,

por alturas do Evale, o ápice do seu delta interior, onde o seu canal principal se subdivide em múltiplos

braços que se espraiam por vasta superfície de ondulado suave onde adquire um regime temporário.

Este delta interior, em parte herdado de época em que o rio Cunene era o principal distribuidor de

águas na vasta superfície do Cuanhama, estende-se por mais de 130km em largura na faixa em que

está definida a fronteira entre Angola e a Namíbia, a partir de onde se inverte a organização da rede

de drenagem no sentido convergente até atingir a caldeira do Etosha.

O escoamento superficial do rio Cuvelai apresenta-se normalmente errático e de quantitativos

modestos. Segundo Pallett (1997), os valores variam entre 0 e 100Mm3/ano, sendo em média, a partir

de registos obtidos em Oshakati, na ordem dos 5Mm3/ano.

O sistema de drenagem superficial, estruturado por uma vasta rede de chanas, definindo uma unidade

paleo-deltaica, constitui o suporte à vida de mais de 850 000 pessoas entre Angola e a Namíbia, sendo

a agricultura (apoiada essencialmente na cultura do massango) e a pecuária os principais meios de

subsistência económica destas populações, a que se associa uma exploração tradicional de frutos

colhidos em árvores da região. Devido à topografia plana, e à presença de aquíferos com elevados

teores em sais, o armazenamento de água superficial encontra-se limitado a pequenos açudes e

chimpacas, que sofrem grandes perdas por evaporação. No entanto estes represamentos retêm parte

do fluxo das cheias que ciclicamente atingem a região (efundja), constituindo um importante

contributo no fornecimento de água dentro da bacia.

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva72

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73Caracterização Biofísica

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Page 23: Caracterização Biofísica 53 - Bibliotecaterrabibliotecaterra.angonet.org/sites/default/files/volume_i... · 6 . CLIMA O clima angolano, onde se enquadra a província do Kunene,

Quaisquer alterações ao sistema hidrológico da bacia endorreica do Cuvelai, poderá ter graves

implicações para o frágil ecossistema semi-árido e para as populações que vivem no delta interior. Com

efeito, em algumas áreas, nomeadamente no sector namibiano, já é possível observar diferentes

estádios de desertificação física, em consequência de sobre-pastoreio, corte desregrado de árvores e

arbusto, perda de fertilidade dos solos, alterações ao fluxo da drenagem superficial, entre outros, fruto

de uma cada vez maior pressão demográfica sobre o território. Aspecto primordial reflecte-se no facto

de o fluxo cíclico da efundja constituir uma parte vital da subsistência das populações residentes assim

como da terra da qual dependem.

7.1 . ASPECTOS HIDROLÓGICOS

O delta interior do Cuvelai, com mais de 7000km2 de extensão, define um sistema único de canais

anastomosados, as chanas, pouco profundos. Em anos de precipitação com quantitativos próximos dos

valores médios regionais, estas depressões tornam-se elementos essencialmente armazenadores das

águas de escoamento superficial captadas quer nas cabeceiras, quer em determinados sectores da vasta

bacia endorreica, disponibilizando água superficial muitas vezes por períodos que variam entre dois a

quatro meses. Em anos com valores pluviométricos muito superiores aos valores médios, as águas

oriundas das cabeceiras da bacia flúem lentamente para Sul em regime de cheia - efundja, pelo vasto

sistema de chanas, transportando com elas não só nutrientes e sedimentos, como também peixes

jovens que servem de aditivo nutricional às populações ai residentes (ver ponto 7.2).

O principal corpo hidrológico estruturante da bacia é, como já foi referido, o rio Cuvelai que tem a sua

nascente a 1450m de altitude, e a cerca de 260km da fronteira entre Angola e a Namíbia (Fig. 7.3),

onde os valores pluviométricos médios anuais se situam acima dos 900mm. Neste sector montante a

rede de drenagem é bem definida e permanente. A cerca de 100km da fronteira, o rio entra numa vasta

superfície de modelado muito suave, onde se converte num vasto sistema de drenagem superficial

temporária, onde o declive é muito suave e a precipitação anual baixa para valores inferiores a 500mm

(Quadro 7.1).

Localidade Dist. do Etosha (km) Altitude (m) R(mm)

Cassinga 400 1456 928

Mupa 280 1178 723

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Etoshapan 0 1081 430

75Caracterização Biofísica

Quadro 7.1 - Elementos fisigráficos de locais situados na bacia endorreica do Cuvelai, de montante para jusante, respectivamente.

Page 24: Caracterização Biofísica 53 - Bibliotecaterrabibliotecaterra.angonet.org/sites/default/files/volume_i... · 6 . CLIMA O clima angolano, onde se enquadra a província do Kunene,

Este complexo sistema drenante, estrutura-se com base em depressões comunicantes ou isoladas em

geral de 100-500m de largura e 30-100cm de entalhe no plano escoante, enquadrado por uma

superfície de enchimento psamítica recoberta de floresta seca e savana arbóreo-arbustiva.

Em termos de zonamento das principais sub-bacias que compõem a unidade paleo-deltaica em

referência (Fig. 7.4) englobadas em território angolano, definem-se: uma sub-bacia composta pelas

chanas ocidentais que apenas apresentam escoamento superficial efectivo quando os quantitativos

pluviométricos locais são consideráveis, englobando os sectores de Xangongo, Naulila, Môngua e

Cuamato; o sistema central de chanas que escoam as águas de cheia do Cuvelai e Mui, com a sua

cabeceira implantada em rede de drenagem semi-permanente, sendo este o que apresenta maior

actividade hídrica dentro da unidade deltaica e onde se localiza a cidade de Ondjiva; a leste um sistema

dormente de mulolas que só em anos excepcionais contribui para o fluxo da “efundja” a partir das

confluências das mulolas Cunene e Tchimporo com o sistema central. Na bordadura oriental da bacia

do Cuvelai, identificam-se dois corpos hidrográficos de actividade hídrica superficial efémera, as

mulolas Namolo e Lupangue, que se enquadram numa extensa superfície que se caracteriza por

apresentar uma vasta constelação de ecangos sem comunicação hídrica superficial entre si. A primeira

poderá em episódios de cheia excepcionais atingir o sistema escoante do Tchimporo, enquanto que a

segunda, num mesmo evento, tenderá a canalizar as águas superficiais directamente para o Etoshapan.

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva76

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Figura 7.3 - Características hipsométricas e hidrográficas da bacia do Cuvelai.

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Já em território namibiano, os sistemas ocidental, central e oriental, confluem para a unidade Oponono-

Ekuma que serve de elemento escoante das águas de efundja para o Etoshapan, a partir da chana Etaka,

e que configura na sua margem setentrional uma forma deltaica particular (Fig. 7.5). Esta vasta

depressão serve de nível de base para todas a linhas de água da bacia, incluindo do efémero

Omurumba, que se organiza de oriente para ocidente.

77Caracterização Biofísica

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Figura 7.5 - Chana Etaka e forma deltaica no contacto norte desta com o Etoshapan.

As chanas começam a apresentar acumulação de águas superficiais, no início da estação das chuvas,

particularmente a partir de Dezembro, em grande medida resultado das quedas pluviométricas locais.

As águas da “efundja” chegam mais frequentemente por alturas de Fevereiro, podendo no entanto

Figura 7.4 - Sub-bacias do sistema endorreico do Cuvelai.

Page 26: Caracterização Biofísica 53 - Bibliotecaterrabibliotecaterra.angonet.org/sites/default/files/volume_i... · 6 . CLIMA O clima angolano, onde se enquadra a província do Kunene,

ocorrer o seu início entre Dezembro e Abril, conforme o ano e local dentro da bacia. As águas de

escoamento superficial cessão por volta de Abril, podendo no entanto antecipar o seu fluxo um mês

antes ou prolonga-lo até Junho. Entre Julho Setembro, as chanas encontram-se usualmente

completamente secas.

Este fenómeno cíclico, “efundja”, mas nem sempre anual, é responsável por uma alteração dramática

na paisagem regional, nomeadamente na área de Ondjiva, contrastando a abundância de água

superficial e padrão de pseudo-arquipélago que esta apresenta aquando da sua ocorrência, com o

cenário de semi-aridez e escassez aguda de água superficial no restante período. A figura 7.6, permite

observar as mudanças processadas na envolvente de Ondjiva em dois momentos distintos. Na imagem

esquerda da referida figura são visíveis as áreas sujeitas a alagamento resultantes da “efundja” de 1989,

que se apresentou com uma magnitude pequena, tendo em atenção os registos obtidos em Oshakati.

Durante o período seco (imagem direita) a presença de água superficial apenas se regista em algumas

chimpacas localizadas nos leitos das chanas, que no entanto acabam por perder toda a sua água até

ao final deste período.

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva78

Figura 7.6 - Contraste entre a ocorrência de efundja (esquerda) e o período seco (direita), na área de Ondjiva (Landsat5-TM e Landsat7-ETM).

Durante muitos anos, pensou-se que a origem da “efundja”, bem como do afluxo de peixes no sistema

de chanas, era resultado da subida das águas do rio Cunene, que transbordavam para a vasta Superfície

do Cuanhama. Esta ideia foi inclusivamente utilizada para promover o plano Schwartz, que visava criar

um grande lago no Kalahari, restaurando o paleo-sistema drenante em direcção à caldeira do Etosha

(Schwartz, 1920). Só com os levantamentos topográficos detalhados realizados por Schedtler, Volkman

e Spence (Stengel 1963, Wellington 1938, Mackenzie 1946, Barnard 1967 in Waal 1991) foi

definitivamente comprovado que as cheias regionais eram exclusivamente originadas dentro da bacia

do Cuvelai e que esta se apresentava como unidade hidrológica distinta relativamente à do Cunene.

Os quadros 7.2 e 7.3 apresentam uma relação referente ao período 1924-50 das datas em que se

processou o início da “efundja” em duas localidades inseridas na sub-bacia correspondente ao sistema

drenante central: Mupa e Omupanda (a cerca de 9km a Sul de Ondjiva). Conforme se observar, a

frequência de alagamento é substancialmente maior na missão da Mupa relativamente à missão da

Omupanda. Com efeito a primeira situa-se ainda no troço definido do rio Cuvelai e relativamente

próximo das cabeceiras centrais da bacia. Nesta localidade, o ano de 1925 terá sido particularmente

activo tendo-se registado cinco momentos onde se assinalou “efundja”, não sendo no entanto possível

validar para a mesma altura o comportamento em Omupanda, por ausência de dados para esta missão.

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No entanto, a variabilidade regional está bem patente na comparação que se pode fazer nos anos de

1934, 1935 e 1937. No primeiro, das três pontas de cheia registadas na Mupa, nenhuma terá chegado

à missão da Omupanda. O mesmo cenário se constata para o ano de 1935, com 2 pontas na Mupa e

nenhuma na Omupanda. Em 1937 apenas a cheia de 12 de Fevereiro terá atingido a Omupanda em

finais do mesmo mês. Se se tiver em consideração a relação estabelecida em 1938, o tempo de

desfazamento entre as duas localidades relativamente à progressão da “efundja” é de

aproximadamente 2 semanas. Por outro, lado os registos referentes à Omupanda apontam para uma

única data de início de evento por cheia anual ocorrida, o que denota as diferenças hidrológicas,

morfológicas, litológicas e climáticas dos sectores montante e intermédio da bacia em referência.

Dos 17 anos de dado coligidos na missão da Mupa, apenas em quatro não terá ocorrido cheia, sendo

os meses de Março, Fevereiro e Abril, os mais representativos, respectivamente. Para a missão da

Omupanda, com 22 anos de registos, em 11 destes não se registou “efundja”. Nesta localidade o mês

de Março é o mais dinâmico.

Ano Início da Cheia Ano Início da Cheia

Mupa Omupanda Mupa Omupanda

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1-Mai .. 5-29 Abr

1926 Não Ocorreu .. 1938 3-Mar 19-Mar

1927 3-Fev .. 1939 19-Dez Não Ocorreu

7-Abr .. 1940 15-Mar Não Ocorreu

1928 Não Ocorreu Não Ocorreu 1941 .. Não Ocorreu

1929 Não Ocorreu Não Ocorreu 1942 .. Dezembro

1930 Não Ocorreu Não Ocorreu 1943 .. Não Ocorreu

1931 1-16-30 Mar 1944 .. 18-Fev

18-Abr 7-Abr .. 7-26 Mar

1932 28-Dez Não Ocorreu 1945 .. 1-3 Mar

1933 20-Jan 1946 .. Não Ocorreu

23-Fev 25-Dez 1947 .. 5-17 Fev

1-Jan 1948 .. Não Ocorreu

1934 8-18 Mar Não Ocorreu 1949 .. Janeiro

5-15 Abr 1950 .. 20-Jan

Quadro 7.2 - Início da cheia para Mupa e Omupanda entre 1924-50 (Costa, 1951).

79Caracterização Biofísica

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Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva80

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Quadro 7.3 - Ocorrência de início de “efundja” por meses, para o período 1924-50 (NO - Não ocorreu; SR - Sem registo).

Relativamente à magnitude da “efundja” em diferentes pontos da bacia, a sua quantificação rigorosa

ainda não é possível fazer-se em função da desigualdade de critérios utilizados em diferentes locais de

registo e a irregularidade temporal e espacial dos mesmos. No entanto, o Quadro 7.4, elaborado com

base em Costa (1951), Stengel (1963), Waal (1991) e Mendelson et al (2001) faz uma súmula dos reg-

istos existentes sobre o evento para as localidades da Omupanda (1927-50) e Oshakati (1941-61 e

1975-99). Para a Omupanda, das 11 “efundjas” registadas entre 1927 e 1950, cinco foram de peque-

na dimensão e seis de grandes proporções, sendo esta qualificação bastante subjectiva uma vez que se

baseia em registos da missão não graduados. Por outro lado a não existência de registos referentes a

“efundjas” de proporção média, poderá indicar uma classificação bipolar, pelo que quando compara-

dos estes dados com os registados em Oshakati se deverá ter em atenção que na classe “grande efund-

ja” deverá estar incluída a marca intermédia observada nos registos da localidade mais meridional.

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81Caracterização Biofísica

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4422

Page 30: Caracterização Biofísica 53 - Bibliotecaterrabibliotecaterra.angonet.org/sites/default/files/volume_i... · 6 . CLIMA O clima angolano, onde se enquadra a província do Kunene,

Com efeito, quando comparadas as duas localidades para o período entre 1941 e 1950, observa-se

algumas discrepâncias entre os eventos hidrológicos observados. Se tivermos em atenção o referido

anteriormente ao nível da quantificação do fenómeno para ambos os locais, verifica-se que nos anos

de 1942/43, 1943/44, 1948/49 e 1949/50 as cheias observadas no sector angolano terão tido idêntica

ou superior magnitude relativamente ao sector namibiano. A aparente redução do fluxo da efundja

para Sul parece bem representada para o ano 1944/45, quando na Omupanda se registou uma grande

cheia (ou média?) e em Oshakati esta foi classificada de pequena. O ano de 1945/46 terá sido marcado

pela ausência da cheia cíclica em ambos os lados da fronteira.

Situação inversa ao referido atrás, é denunciada para os anos de 1941/42, 1946/47 e 1947/48. Nestes

períodos, a não ocorrência de cheia ou a sua expressão diminuta a Norte, é contrariada pela sua

ocorrência ou aumento da sua magnitude a Sul. Este facto parece à primeira vista apenas ter em parte

relação directa com os quantitativos pluviométricos anuais registados para as estações meteorológicas

da Mupa, Ondjiva e Oshakati. Efectivamente, em 1941/42 a precipitação registada em Ondjiva foi

extremamente reduzida nos primeiros três meses da estação húmida (apenas 56,1mm), o que poderá

ter contribuído para um maior volume de compensação de água para restabelecer a reserva útil do solo

na área envolvente, a partir do escoamento superficial que potencialmente poderá ter sido originado

na parte montante do Cuvelai. A Sul, como muitas vezes acontece em climas de características de semi-

aridez, os quantitativos pluviométricos poderão ter sido mais abundantes, permitindo a ocorrência de

superávite local, originando uma pequena “efundja”. A situação em 1946/47 é particularmente distinta

em função da aparente discrepância entre os valores da precipitação e o fenómeno em referência. Com

valores pluviométricos anuais expressivos tanto na Mupa como em Ondjiva, seria de esperar uma cheia

robusta na área referenciada pela missão da Omupanda. Ao nível dos registos mensais para a Mupa e

Ondjiva verifica-se que se tratou de uma estação chuvosa abundante, pelo que os dados para a

Omupanda poderão estar sujeitos a alguma gralha nos registos elaborados, ficando no entanto a

aparente situação de contradição referenciada. O ano de 1947/48 por seu lado foi extremamente seco

na Mupa e Ondjiva com especial incidência entre os meses de Outobro e Janeiro, o que terá impedido

a geração de escoamento superficial substancial no sector angolano. À semelhança do referido para

1941/42, o sector namibiano terá beneficiado de maior quantitativos pluviométricos responsáveis por

uma “efundja” local de pequena dimensão.

Com base nos registos observados em Oshakati (Fig. 7.7), obtém-se uma hierarquização dos diferentes

“efundjas” ocorridas entre 1941 e 1999, que se organiza da seguinte forma: 17 “efundjas” de pequena

dimensão, 9 “efundjas” de dimensão média e 4 “efundjas” de grande dimensão. Dos 35 anos de registo

não se verificou este fenómeno hidrológico em 14 destes.

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva82

Figura 7.7 - Magnitude da efundja registada em Oshakati (1941-1998). Adaptado de Mendelson (2001).

Estima-se que uma grande cheia com um período de retorno de 50 anos, terá uma magnitude de

débito de cerca de 1490m3/seg. A última “efundja” de dimensões excepcionais registada na região,

deu-se em 1954 (MWTC 1992 in Marsh & Seely 1992).

Page 31: Caracterização Biofísica 53 - Bibliotecaterrabibliotecaterra.angonet.org/sites/default/files/volume_i... · 6 . CLIMA O clima angolano, onde se enquadra a província do Kunene,

Na área de Ondjiva, a medição da altura das águas de cheia apenas foi feita entre os finais da década

de quarenta e inicio da de cinquenta (elementos conhecidos - Costa & Ferrão 1953), pelo que os

dados, de extrema importância para a compreensão do regime das águas superficiais, pecam, a este

nível, por um período de amostragem curto. Em 1951 foram instaladas, em seis locais das chanas

limítrofes ao núcleo central da cidade, escalas graduadas onde se mediram, diariamente, os níveis da

água em todo o período em que houve circulação superficial. Tenha-se em atenção o facto de as cotas

de referência referidas na altura para cada uma das escalas hidrométricas apresentar um erro altimétrico

aproximado de cerca de 42m, com base no então Marco no 1 de Vila Pereira de Eça, estando este erro

aqui compensado.

A média dos níveis máximos de cheia atingidos nas várias chanas, com base nos autores referidos, entre

1947 e 1952 foi: 1947/48 - 1105,5m, 1949/50 - 1106m, 1951 - 1106m, 1952 - 1105m. Tendo em

atenção o erro altimétrico referido, as cheias dos anos indicados terão atingido uma altura do plano de

água na área envolvente a Ondjiva de 0,5m, 1m, 1m e 0,5m, respectivamente.

Conforme é referido por Costa & Ferrão (1953), em 1951 as águas da primeira cheia apareceram em

Ondjiva no dia 26 de Fevereiro, subindo de nível até ao dia 6 de Março e desceram nos cinco dias

seguintes. Até ao último dia de Maio o seu nível sofreu várias oscilações, tendo-se verificado, a partir

do dia 24 de Abril, uma descida constante deste, até que as águas de alagamento desapareceram por

completo. Assim, as chanas foram alimentadas apenas durante cerca de dois meses. Em 1952, a

primeira cheia chega em 18 de Março, nas chanas N´Giva, Nambia e Ocapale. Nas restantes chanas da

envolvente a Ondjiva não chegou a verificar-se cheia. Aliás este ano foi em termos de alagamentos de

pouco vulto quer em termos de área, quer em termos de período. Desde o dia 18 de Março, as águas

subiram de nível, até ao dia 24, onde se registou o máximo hidrométrico em todas as chanas afectadas.

De 24 de Março em diante deu-se um recuo generalizado da lâmina de alagamento até ao seu total

desaparecimento em 31 de Março na chana Ocapale, 3 de Abril na chana N´Giva e 10 de Maio na

chana Nambia.

Pese embora a exíguidade de dados topográficos e a parca informação hidrométrica para a globalidade

da área em referência, foi elaborada uma planta - Planta I. 3 - (que deverá ser validada a partir de um

investimento no conhecimento quantitativo e qualitativo do sistema drenante, a todos os níveis

fundamental), onde se apresenta um zonamento potencial das áreas que poderão estar sujeitas a

alagamento resultante de eventos de “efundja”. Como Nível 1 - Alagamento Primário, foram

identificadas as áreas que se encontravam sob lâmina de água no dia 22 de Março de 1989, com base

em imagem obtida pelo satélite Landsat 5 TM, servindo como referencial para uma “efundja” de

pequena magnitude, tendo em atenção os elementos registados para igual período em Oshakati. Estas

áreas apresentam-se como os locais onde deverá ocorrer com maior frequência a presença de águas de

inundação regional. As áreas referenciadas como Nível 2 - Alagamento Secundário, delimitadas com

base num critério indirecto apoiado na informação extraída da cobertura vegetal (aqui servindo de bio-

indicador hidrológico), são em geral contíguas ou inclusas na classe anterior. O Nível 2 está

fundamentalmente associado à presença de chanas que pelo seu revestimento graminoso, revela o

constrangimento imposto por um hidromorfismo superficial e subterrâneo. Nestes canais processa-se

potencialmente, de uma forma mais ou menos marcada em função das particularidades locais, o corpo

principal do escoamento de uma “efundja” de magnitude média. As áreas identificadas como

“mahenene”, superfícies intermédias entre a chana e o mufito, só em eventos excepcionais associados

a “efundjas” de grande magnitude estão potencialmente sujeitos a alagamento. Com base neste

referencial estas superfícies foram associadas ao Nível 3 - Alagamento Terciário, com uma frequência

baixa de recobrimento de águas de inundação.

83Caracterização Biofísica

Page 32: Caracterização Biofísica 53 - Bibliotecaterrabibliotecaterra.angonet.org/sites/default/files/volume_i... · 6 . CLIMA O clima angolano, onde se enquadra a província do Kunene,

O fluxo para Sul das cheias regionais, seguindo o padrão estrutural das chanas, é particularmente

vulnerável a qualquer obstáculo antrópico que intercepte o seu lento escoamento superficial. Com

efeito, na área de Ondjiva, o atravessamento em aterro dos eixos rodoviários sobre as chanas N´giva e

Kachila, apresenta-se como elemento de constrangimento ao fluxo natural das águas de cheia,

nomeadamente pela potencial insuficiência do diâmetro da secção das manilhas drenantes existentes,

sua localização e número de saídas, bem como por estas se apresentarem em alguns locais

completamente entulhadas e assoreadas (Fig. 7.8). Esta situação, contribui não só para a

interrupção/redução do fluxo de águas para sul, comprometendo, entre outros aspectos, a recarga de

aquíferos que se encontrem a jusante, como também, se o caudal de cheia for muito elevado, levar ao

galgamento do aterro e com isso danificar seriamente a estrutura viária existente, ao mesmo tempo que

levará ao aumento da superfície de alagamento no sector montante ao aterro.

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva84

Em situação de conflito latente entre o sistema de drenagem natural e as actividades humanas, refira-

se a ocupação do leito de cheia por edificações, resultante, em parte, do surto de crescimento

anárquico dos últimos anos, associado a uma falha de informação e conhecimento por parte da

população que gradualmente tem vindo a ocupar estes espaços. Exemplos desta situação são os

observados ao longo da margem esquerda da chana N´Giva, nomeadamente nos bairros Naipalala I e

Pioneiro Zeca II, na envolvente ao pequeno mufito conhecido por “A Ilha”, onde se verifica a

implantação de edificações, algumas delas de construção definitiva, em plano sujeito a alagamento

temporário (Fig. 7.9).

Figura 7.8 - Entulhamento das manilhas drenantes do aterro da estrada que atravessa a chana Kachila.

Page 33: Caracterização Biofísica 53 - Bibliotecaterrabibliotecaterra.angonet.org/sites/default/files/volume_i... · 6 . CLIMA O clima angolano, onde se enquadra a província do Kunene,

Figura 7.9 - Área de vulnerabilidade hidrológica nos bairros P. Zeca II e Naipalala I.

Tendo por base levantamento topográfico realizado no sector em referência, foi possível traçar um

conjunto de perfis (Fig. 7.10 - perfis 1 a 7) ao micromodelado do plano de chana e respectiva vertente

de mufito envolvente, que permitiu identificar com maior precisão os planos potencialmente sujeitos a

inundação. Como se pode observar na figura referida, a variação altimétrica em toda a superfície é

muito pequena, oscilando entre os 1108m, nas cotas mais baixas, e os 1110 m, no rebordo mais

elevado. No pequeno mufito conhecido por “A Ilha”, a amplitude altimétrica entre a sua base e topo

não ultrapassa os 2 metros.

Com base nos elementos recolhidos, e tomando em atenção um valor de altura do plano de inundação

entre os 0,5 e 1m acima da cota do solo, conforme registos mencionados anteriormente, constata-se

que presentemente muitas das casas implantadas nesta área se encontram em leito de cheia, não só as

instaladas em plano de chana, mas também as disseminadas pela base do pequeno mufito - A Ilha.

Acresce referir o facto de grande parte das construções ser erigida com bloco de adobe ou cimento, o

que em caso de inundação prolongada, poderá potenciar o colapso das estruturas por perda de coesão

dos materiais.

85Caracterização Biofísica

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Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva86

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Figura 7.11 - Área de potencial vulnerabilidade hidrológica no bairro dos Castilhos.

A leitura que se pode obter com base na figura 7.12, para esta área, é de um plano topográfico muito

uniforme (perfis 1 a 5) com uma variação altimétrica que não ultrapassa os 2m em todo o regolfo de

chana, sendo de referir os mesmos aspectos que foram apontados para o sector descrito anteriormente.

No sector Norte do bairro Kachila I, a ocupação que nos últimos anos se tem observado por parte de

pequenas edificações de construção precária em plano de chana é mais um exemplo da problemática

dos leitos de cheia em Ondjiva. Esta área, conforme referido acima, encontra-se a jusante do aterro

87Caracterização Biofísica

De igual forma se salienta o sector Sudoeste do bairro dos Castilhos que se encontra confinante à

represa de Ondjiva, onde se tem densificado a implantação de construções precárias em tradicional

plano de cheia, que hoje, aparentemente, se apresenta isolado do fluxo natural da “efundja” pela

construção do dique de derivação de águas da represa. Deve-se chamar a atenção, no entanto, para o

facto de o referido dique não interceptar na plenitude a vertente do mufito, deixando como que uma

“janela” de patamar baixo entre o plano de enchimento do represamento e o sector em referência

(amplitude de cota inferior a 1m), situação que, no caso de uma grande efundja, poderá não ser

suficiente para colmatar a subida da lâmina de água (Fig. 7.11). Por outro lado, e em situação inversa,

em caso de chuvadas muito intensas e localizadas de natureza convectiva, a presença do dique poderá

contribuir para a interrupção do escoamento superficial gerado na vertente do mufito em direcção à

chana, por estrangulamento da saída próximo do aterro da Avenida 11 de Novembro, levando a uma

idêntica situação de lâmina de alagamento.

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Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva88

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89Caracterização Biofísica

definido pelo atravessamento da antiga estrada para Anhanca, que hoje, por falta de manutenção,

apresenta as manilhas de escoamento de fluxo praticamente inoperacionais por assoreamento (facto

que poderá agravar situações de alagamento tanto a montante como a jusante). Desta forma, e

respeitando as características hidrológicas regionais, a reactivação do escoamento superficial natural

sobre a chana Capale, implica ter em atenção a deslocalização de grande parte das construções que se

localizam a Norte do eixo da actual EN 372, servindo como acção preventiva face a um potencial

acidente, fruto do galgando do aterro que poderá ocorrer aquando de uma efundja de grande

magnitude.

Efectivamente, a proliferação de construções que se tem vindo a assistir nos últimos anos nesta área

correspondente a leito de cheia poderá decorrer, em parte, do facto da mesma se encontrar confinada

pelos aterros da EN 372 e da antiga ligação a Anhanca (por assoreamento de manilhas), conferindo

uma falsa ideia sobre a ausência de alagamento da mesma. O levantamento topográfico que foi

executado sobre este sector do bairro Kachila I (Fig. 7.13), veio confirmar a precariedade locacional

em que a maioria das construções se encontra.

Deve ser dada especial atenção às edificações situadas imediatamente a Norte da EN 372, como já

referido, e a ocidente do alinhamento da antiga chimpaca frente às actuais instalações da MAG.

Efectivamente as diferenças altimétricas neste segmento da Kachila I são, em geral, inferiores a 0,5

metros, tendo em conta o plano da chana.

Chama-se a atenção para um pequeno mufito que se situa no limite Oeste da mancha edificada em

referência, que define aglomerado particular de pequenas edificações. Pese embora a sua identificação

topográfica, os valores altimétricos são muito próximos das cotas do plano de chana (perfis 2 e 5), pelo

que não garante um posicionamento topográfico acima de um nível máximo de inundação (>1m),

facto que leva a excluir este núcleo como área com características para a construção de habitações.

Outro dos aspectos relevantes ao nível da gestão dos recursos hídricos locais, prende-se com a

disseminação de resíduos sólidos urbanos e outros componentes poluentes, por todo o sistema de

chanas na envolvente da cidade. Esta situação, não só contribui para a degradação da qualidade quer

das águas superficiais, quer das águas subterrâneas, como também constitui grave problema de saúde

pública, nomeadamente aquando da sua acumulação em depressões onde a água se apresenta ao

longo de prolongados períodos estagnada. A figura 7.14, apresenta algumas das áreas mais afectadas

por deposições anárquicas de resíduos na envolvente ao núcleo central de Ondjiva. É patente a

concentração destas manchas poluentes nas superfícies de chana contíguas ao núcleo central da

cidade, bem como nas depressões correspondentes a chimpacas, que durante o período húmido

apresentam represamento de águas de uso generalizado pela população.

A situação presente em termos de resíduos sólidos urbanos, resulta fundamentalmente da ausência de

um sistema integrado referente à sua recolha, tratamento e deposição, que directamente contribui para

a degradação da qualidade das águas superficiais e subterrâneas do sistema hidrológico que drena a

área de Ondjiva.

Page 38: Caracterização Biofísica 53 - Bibliotecaterrabibliotecaterra.angonet.org/sites/default/files/volume_i... · 6 . CLIMA O clima angolano, onde se enquadra a província do Kunene,

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva90

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91Caracterização Biofísica

Figura 7.14 - Principais áreas de acumulação de resíduos sólidos (a vermelho) em volta do núcleo urbano central, localizadas ao longo dos princi-

pais canais drenantes - chanas.

7.2 . RECURSOS PISCÍCOLAS

Aspecto importante para a economia tradicional local, e em estreita ligação com o fenómeno “efundja”,

é a presença cíclica de peixe nas superfícies alagadas pela cheia regional, que a população rural

aproveita como complemento nutricional e comercial (Fig. 7.15). Na área drenada pela bacia do

Cuvelai estão identificadas cerca de 17 espécies autóctones de peixes, dominando os géneros Barbus,

Claris e Oreochromis. (Waal, 1991).

Entre as populações locais encontra-se uma vasta gama de instrumentos e sistemas de captura de peixe

sendo os mais complexos instalados ao longo de uma linha de atravessamento do plano da chana, com

base numa pequena elevação artificial a que se associa uma malha fechada de rama de espinheira e

atravéz da qual se estabelecem portadas estratégicas por onde o peixe é capturado. Apesar da

periodicidade irregular da “efundja”, o pescado é uma popular e importante fonte de proteínas para a

população quer rural, quer urbana. Com efeito, o peixe seco é um recurso frequente nos mercados,

durante o período húmido e é associado a um mercado informal que, abastecendo-se no essencial

dentro do sector angolano da bacia do Cuvelai, e em particular no sistema de chanas que estrutura a

área de Ondjiva, contribui para as trocas económicas entre este país e a Namíbia.

Entre as espécies mais comuns encontradas no sistema de chanas contam-se: Barbus paludinosos, Clarias

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Page 40: Caracterização Biofísica 53 - Bibliotecaterrabibliotecaterra.angonet.org/sites/default/files/volume_i... · 6 . CLIMA O clima angolano, onde se enquadra a província do Kunene,

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva92

gariepinus, Clarias ngamensis, Microlestes

acutidens, Oreochromis andersonii,

Pseudocrenilabrus philander e Schilbe mystus. A

diversidade de espécies parece estar

dependente da magnitude da “efundja”,

existindo um conjunto destas que apenas

aparece em cheias de grandes dimensões.

Refira-se que a comunidade ictiológica do

sistema Cuvelai se encontra representada

integralmente no rio Cunene, o que leva

alguns autores a propor que a génese

ancestral da primeira se encontra associada à

segunda, o que de facto é apoiado pela

própria evolução morfo-hidrológica da região.

Aspecto relevante é referido por Waal (1991),

quando menciona que todos os peixes

capturados em chanas de monitorização no sector namibiano, eram na sua esmagadora maioria juvenis

ou sub-adultos. Constatando-se que todo o sistema de chanas deixa de ter água superficial no pico da

estação seca (exceptuando algumas poucas chimpacas), grande parte da população piscícola terá de

migrar para montante, em direcção às cabeceiras do Cuvelai, para ai se reproduzirem. Com efeito, o

mesmo autor salienta que os peixes de uma dada “efundja” são imaturos desse mesmo ano que

participam numa vasta migração para Sul. No entanto, o seu crescimento processa-se a ritmo

acelerado, em parte resultante da abundância de alimento e quantitativo térmico elevado das águas

que progressivamente inundam novos espaços. Por exemplo, a espécie Clarias gariepinus chega a

atingir quase 0,5m em apenas 3 meses.

A biomassa de peixes presentes ciclicamente nas chanas não é conhecida, no entanto Wall (1991) refere

que ao longo da estrada entre Oshakati e Ondangwa foram obtidos cerca de 4200kg de peixe num

único dia nas secções de intercepção da estrada com as chanas, variando, conforme o método de

pesca, a capitação entre os 3kg e os 100kg. Numa efundja potencial de duração igual a 60 dias o valor

total para o mesmo alinhamento seria de aproximadamente 250 000kg. Estando a área de Ondjiva

mais acima na bacia, é espectável esperar não só um maior quantitativo piscícola, como uma mais

longa época favorável à pesca, uma vez que as águas tenderão a manter-se mais tempo a montante do

que a jusante do plano inundado. Pese embora o referido, é fundamental proceder-se a estudos que

permitam estabelecer níveis de captura que não ponham em risco as populações piscícolas do sistema

do Cuvelai. Com efeito, nas últimas décadas o sistema hidrológico em referência tem sofrido diferentes

vicissitudes, nomeadamente com a construção dos canais do sistema de abastecimento de águas do

Owambo, que veio potenciar a colonização de espécies até então desconhecidas do sistema Cuvelai a

partir do Cunene. Este facto, levou à presença de espécies alóctones no sector namibiano como: M.

macrolepidotus, B. poechii, B. trimaculatus, B. radiatus, B. bifrenatus, entre outros, que podem

potencialmente expandir-se a toda a bacia, nomeadamente em episódios de cheias de grandes

dimensões, sendo as consequências ecológicas para as populações piscícolas autóctones

desconhecidas.

Figura 7.15 - Família com engenhos de pesca - Oshongo - na chanaOmui.

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93Caracterização Biofísica

8 . OCUPAÇÃO DO SOLO

Do ponto de vista da ocupação do solo original, a área que enquadra a cidade de Ondjiva apresenta

uma forte correlação entre as unidades geomorfológicas e pedológicas e o coberto vegetal autóctone,

sendo possível definir para este último dois grandes agrupamentos taxonómicos: nas superfícies de

areias eólicas do Kalahari, desenvolve-se o domínio das formações florestais secas, quer em estrutura

densa, quer com estrutura de Savana-bosque, dominando os elementos lenhosos arbóreos, e apenas

interrompido pela passagem de mulolas de revestimento graminoso; nas superfícies do sistema de

drenagem do Cuvelai, as variações do coberto vegetal são marcantes, reflectindo as condições edáficas

e ecológicas resultantes da micromorfologia regional, e em especial nas suas relações com a drenagem

e distribuição dos diferentes agrupamentos pedológicos, apresentando-se um mosaico estruturado

desde as comunidades herbáceas das chanas alagadas até às formas de floresta seca dos mufitos,

passando por todo um vasto conjunto de formações arbustivas e arborizadas onde domina o “Mutiati”.

Em função das condições topográficas e de escoamento superficial, já referidas em capítulos anteriores,

parcela considerável da área em análise apresenta-se durante o período cíclico da “Efundja”

transformada em vastos lençóis de água pouco profundos que recobrem parte das chanas, ecangos e

pseudo-mufitos, apenas emergindo os mufitos, como ilhotas de um vasto arquipélago. A estas cheias,

que não acontecem todos os anos, segue-se um período seco, de total ausência de água superficial,

apresentando-se esta alternância de cenários como determinante, desde tempos remotos, nos

condicionalismos impostos à vida económica das populações que na região se foram instalando. Estas

populações, adaptando-se às características ecológicas locais, apoiaram a sua economia tradicional na

criação de gado, complementada por uma agricultura de subsistência pouco variada e pela recolecção

de produtos naturais que ainda hoje constituem importante factor económico nas populações rurais da

envolvente à cidade.

Fruto do desenvolvimento das comunidades agro-pastoris locais e, já no século XX, a implantação e

crescimento da actual cidade de Odjiva, a ocupação do solo original na área em referência foi sendo

gradualmente modificada, apresentando-se hoje como um mosaico heterogénio com um leque variado

de classes de ocupação do solo, das quais em seguida se fará uma breve caracterização. Esta

caracterização, encontra-se apoiada na representação cartográfica presente na Planta I. 4, em anexo.

8.1 . ESPAÇOS NATURAIS E SEMINATURAIS

São englobados neste conjunto as classes de ocupação do solo que definem áreas onde a presença de

formações de vegetação autóctone em estádios próximo do seu clímax ou em diferentes etapas de

degradação constituem manchas dominantes em relação às restantes classes consideradas de génese

essencialmente antrópica, apresentando-se assim como estrutura vegetal de base, em grande medida

representativa das características fitogeográficas locais e garante do equilíbrio ecológico da área, que a

todos os níveis deve ser promovido.

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Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva94

8.1.1 . GALERIAS ARBÓREAS RIPÍCOLAS

Esta comunidade encontra-se normal-

mente a bordejar as margens das

principais chanas (Fig. 8.1), bem como

definindo pequenos núcleos em volta de

depressões localizadas pontualmente ao

longo destas, precisamente nas áreas

onde o lençol freático se encontra ao

alcance das raízes. A espécie arbórea

estruturante desta comunidade é o

Diospyrus mespiliformis (Omunyandi), à

qual se associa frequentemente a

palmeira da espécie Hyphaene ventricosa

(Matebeira).

8.1.2 - FLORESTA SECA

As comunidades florestais densas secas, de grande valor em termos de biodiversidade regional, que

ocupavam vastas extensões interfluviais de solos psamíticos profundos e bem drenados, relacionados

com os depósitos do Kalahari, encontram-se hoje na área do Kwanhama, profundamente reduzidas e

em parte alteradas, situando-se a mancha remanescente melhor conservada na faixa correspondente

ao limite da comuna sede com a comuna do Cuamato e dai para Norte em direcção à Môngua. No

entanto, por razões culturais e locacionais, alguns núcleos dispersos na restante região foram

preservados encontrando-se um destes localizado a Nordeste do núcleo urbano, no mufito Mundejui

(Fig. 8.2), o qual integra em parte a área enquadrante do presente plano.

Figura 8.1 - Galeria arbórea ripícola na chana Nelilo.

Figura 8.2 - Floresta Seca no mufito Mundejui.

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95Caracterização Biofísica

A formação de Floresta Seca é composta fundamentalmente por dois estratos (Diniz, 1973): o

dominante de porte arbóreo pouco alto, com as espécies mais características definidas por Baikiaea

plurijuga, Burkea africana, Pterocarpus angolensis, Cryptosepalum pseudotaxus, Guiburtia coleosperma,

Pteliopsis anisoptera, Dialium engleranum, Sclerocarya caffra, Sterculia setigera, Ficus gnaphalocarpa,

Adansónia digitata e Colophospermum mopane, entre outras; o inferior, muitas vezes cerrado, onde são

características as espécies arbustivas Capaifera baumiana, Paropsia brazzeana, Diphorhynchus

condylocarpon e Cryptosepalum pseudotaxus (porte arbustivo). Refira-se que estas comunidades foram

intensamente exploradas a nível tradicional quer em termos de recolha de frutos e outros produtos de

recolecção florestal, quer ainda para a obtenção de carvão e madeira, tendo estes últimos usos

contribuído em parte para o seu empobrecimento específico.

8.1.3 . FORMAÇÃO SECUNDÁRIA DE FLORESTA SECA

Testemunhando o processo degradativo das formações florestais primárias, encontram-se disseminados

em toda a envolvente de Ondjiva manchas secundárias destas (Fig. 8.3). Saliente-se, no entanto, que

dadas as características de semiaridez da região é de todo importante salvaguardar estes núcleos no

sentido de promover a sua recuperação (muitas das vezes deixando actuar apenas os processos naturais

sem intervenção humana directa), com vista a reduzir o progressivo avanço dos processos de

desertificação física e de erosão, que facilmente alastram em áreas de fragilidade biofísica como é o caso

da região onde se localiza Ondjiva.

Estas formações secundarizadas, que mantêm algumas essências arbóreas da formação climácica,

incluem certos elementos arbustivos que usualmente estão ausentes das comunidades primitivas, como

sejam Combretum spp., Psorospermum febrifugum, Securidaca longipedunculata, Erythrophleum

africanum, e Terminalia prunoides.

Figura 8.3 - Formação secundária de Floresta Seca a norte do aeroporto.

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Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva96

8.1.4 . FORMAÇÃO ARBUSTIVA ESPARSA COM ÁRVORES

As áreas onde o corte e pastoreio levaram

à rarefacção dos elementos lenhosos,

originando a presença de uma paisagem

vegetal aberta com alguns arbustos e

árvores (Fig. 8.4), do tipo savana

arbóreo-arbustiva, onde antes se

encontrava floresta seca, situam-se

sobretudo ao longo dos limites

estabelecidos pelos múltiplos “ehumbos”

que organizam o espaço agro-pastoril

tradicional, sendo essencialmente

utilizados como áreas de passagem ou

de divisão. Correspondem a uma das

últimas etapas de degradação da floresta

densa seca, sendo a sua recuperação, a

médio prazo, muitas vezes quase

impossível por processos naturais.

8.1.5 . FORMAÇÃO ARBUSTIVA DENSA DE MUTIATI

Sendo a espécie mais disseminada na Bacia Endorreica do Cuanhama, o Mutiati ou Mopane -

Colophospermum mopane - constitui muitas vezes povoamentos puros (ou quase puros), quando reveste

as superfícies correspondentes aos pseudo-mufitos ou luenenes, apresentando-se usualmente com

porte uniforme arbustivo (Fig. 8.5), testemunhando desta forma a presença de áreas de drenagem

deficiente e em geral solos com considerável teor salino.

Figura 8.4 - Formação arbustiva esparsa com árvores por acção antrópica (Lestede Ondjiva).

Figura 8.5 - Formação arbustiva densa de Mutiati, chana Ducusso.

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Estas formações, dadas as características edáficas e hidrológicas das

áreas que ocupam, constituem a estrutura vegetal climácica local,

sendo frequentemente visitadas pela população, nomeadamente para

a recolha de lenha de Mopane, muito apreciada na região, e para a

colecta do “Mahungo”, forma larvar do leptidóptero Imbrisia belina,

com um mercado de comercialização informal crescente, em particular

com a Namíbia (Fig 8.6).

8.1.6 . FORMAÇÃO ARBUSTIVA ESPARSA DE MUTIATI

Em áreas onde o alagamento dos Mahenene atinge o limiar de

tolerância do Mutiati, ou quando este é alvo de intenso desbaste para

lenha, a formação tende a abrir e apresentar-se esparsa. É comum encontrarem-se bolsas deste tipo

dentro de manchas arbustivas de Mutiati mais densas, como é são os casos verificados nas chanas

Ducusso, Chimbala, Mucutula e Oifidi, entre outras (Fig. 8.7).

8.1.7 . FORMAÇÕES ARBUSTIVAS

DENSAS E ESPARSAS DE ESPINHEIRAS

Delimitando manchas de solos de

carácter argiloso, compactos e de pouca

permeabilidade, encontram-se povoa-

mentos quase puros de Acacia kirkii. Na

área envolvente a Ondjiva são

particularmente expressivos os maciços

de espinheiras que se desenvolvem ao

longo das chanas Ngiva e Kachila.

Definem formações do tipo Savana

bosque apresentando-se frequentemente em maciços densos (alguns mesmo atingindo o porte

arbóreo), ou mais esparsos, conforme os condicionalismos edáficos e por uma certa anaerobiose no

solo (Figs. 8.8 e 8.9).

97Caracterização Biofísica

Figura 8.7 - Formação arbustiva esparsa de Mutiati, chana Oifidi.

Figura 8.8 - Formação arbustiva densa de espinheiras, chana Ngiva. Figura 8.9 - Formação arbustiva esparsa de espinheiras, chana Oifidi.

Figura 8.6 - Recolha de “Mahungo”.

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Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva98

8.1.8 - FORMAÇÃO ARBÓREO-ARBUSTIVA SUJEITA A ALAGAMENTO

No sector montante da chana Ngiva, encontra-se uma mancha particular de elementos lenhosos

arbóreos e arbustivos, onde se associam espécies como Colophospermum mopane, Acacia kirkii, Diospyros

mespiliformis e Hyphaene ventricosa, numa área que se encontra regularmente sujeita a alagamento

resultante da “Efundja”. A diversidade dos elementos arbóreos considerados, traduzirá um sector onde

aparentemente o lençol ou lençóis freáticos estarão mais perto da superfície do que nas restantes áreas

envolventes da chana, bem como uma melhor preservação da estrutura climácica da flora local, pelo

que se apresenta como um dos poucos testemunhos da paisagem arbórea que em determinadas

condições se encontrava presente nas chanas da região. Apresenta por isso um elevado valor

patrimonial natural e paisagístico, que deverá ser preservado.

8.1.9 - FORMAÇÕES HERBOSAS, COM OU SEM ARBUSTOS DISPERSOS, SUJEITAS A

ALAGAMENTO

As comunidades típicas de savana herbosa, com larga dominância de gramíneas dos géneros Themeda,

Aristida, Heteropogon, Eragrostis, Pogonarthria, Digitaria, Schmidtia e Loudetia, revestem vasta superfície

correspondente às unidades morfológicas deprimidas das chanas e ecangos (Fig. 8.10). A sua

composição graminosa varia de acordo com o período de alagamento e a altura da toalha líquida. De

uma forma genérica, as chanas encontra-se revestidas de forma muito esparsa por arbustos da espécie

Colophospermum mopane, espécie essa que, em parte, define as margens dessas mesmas depressões.

No contacto marginal superior das chanas encontram-se povoamentos perenes de gramíneas das

espécies Willkommia sarmentosa, Eragrostis trichophora e Sporobolus ioclados. Nas áreas onde existe a

presença de solos de elevado teor salino sujeitos a alagamento, como são os casos dos ecangos,

desenvolve-se uma comunidade pura graminosa dominada por Sporobolus coromandelianus. Nas

restantes áreas de savana herbosa associadas a chanas, é comum a presença de gramíneas do género

Diplachne assim como Eragrostis rotifera, Eragrostis viscosa, Brachiaria deflexa e Elytrophorus globularis.

Em virtude dos elevados teores salinos e em carbonatos, os solos subjacentes às chanas não se

apresentam com qualquer apetência para o seu cultivo. Com efeito os elevados teores em sódio são o

resultado de repetidos episódios de alagamento, os quais contribuíram para uma progressiva

acumulação deste e outros sais, à medida que as águas que até ai os transportaram rapidamente se

evaporaram. Nestas áreas,

instalaram-se apenas algumas

espécies de plantas halófitas.

Figura 8.10 - Cobertura graminosa na chana Nelilo, a Leste de Ondjiva.

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99Caracterização Biofísica

8.2 . ESPAÇOS AGRO-PECUÁRIOS - “EHUMBOS” / LAVRAS COM ÁRVORESDISPERSAS

Em termos da organização do espaço rural envolvente ao núcleo urbano de Ondjiva, encontra-se o padrão

característico Cuanhama, ou seja, as explorações apresenta-se estruturadas por um agregado habitacional

familiar, o “ehumbo”, que a nível económico se rege por uma comunhão íntima entre os vários elementos

que constituem o agregado, quer no que respeita ao investimento do trabalho, quer na repartição de

certos lucros. Esta dimensão rural está não só presente na imediata envolvente da cidade, como

inclusivamente tem sido aglutinada pelo crescimento anárquico dos bairros periféricos desta.

Figura 8.11 - “Ehumbo” típico na área de Ondjiva (Ikonos 2 / 8-2003).

Estes agregados familiares apresentam uma estrutura espacial, em termos de funções, que se poderá

sintetizar da seguinte forma: o “ehumbo” está situado dentro de uma área vedada por um cercado de

espinheiras - “ongubo”, o qual inclui a totalidade da área individual pertencente à família. Este espaço

é por sua vez repartido nas parcelas que estão destinadas às culturas, nas que constituem a reserva

individual de pasto, nas que se encontram em pousio e nas correspondentes à área ocupada pelas

construções e currais para o gado - kraal (Fig. 8.11). A sua localização encontra-se invariavelmente

associada a presença de mufitos, onde as águas da “Efundja” nunca chegam (Fig. 8.12).

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Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva100

Figura 8.12 - Padrão de enquadramento do “ehumbo”, no micromodelado regional (adaptado de Mendelson, 2000).

Em termos médios, a dimensão dos “ehumbos” na envolvente de Ondjiva varia entre os 2,3 ha e os 26

ha, sendo mais frequentes as estruturas em volta dos 11-12 ha. As áreas de lavras, ou seja aquela que

apenas se encontra destinada à produção agrícola, são relativamente extensas para uma agricultura de

subsistência tendo em conta um agregado médio de 8 pessoas (na ordem dos 5-8 ha), o que em parte

será o resultado da fraca apetência dos solos para a produção de culturas.

As áreas destinadas à pastagem privada familiar é muito semelhante à das lavras, sendo essencialmente

para o gado mais debilitado e para os animais de tracção durante os trabalhos de sementeira. O sistema

de exploração da terra é normalmente caracterizado por um ciclo de 6 anos, com apenas 1 de pousio.

Com efeito, a fertilização dos terrenos sob cultivo é assegurada em grande medida pela estrumação e

pontualmente pela aplicação de cinzas, o que determina uma maior intensidade na exploração e

redução da área e tempo de pousio.

As culturas mais importantes são o “massango” (Penisetum typhoides) e a “massambala” (Sorghum

vulgare). O “massango”, sendo uma cultura bastante resistente à secura, foi desde cedo o cereal de

eleição dos povos agro-pastoris do Sul de Angola, ao constituir a sua base alimentar. Com efeito esta

cultura apresenta os melhores rendimentos em áreas com quedas pluviométricas entre os 500-600mm,

confinados a apenas uma estação de chuvas (como é o caso da região onde se localiza Ondjiva), e em

solos arenosos com algum enriquecimento em matéria orgânica, estando as suas épocas de maturação

e colheita associadas ao período seco. A “massambala”, sendo mais exigente em termos climáticos e

edáficos, apresenta-se na área como complemento à produção de “massango”.

8.3 . ESPAÇO URBANO

O espaço urbano encontra-se actualmente subdividido em dois grandes agrupamentos de cariz

morfológico da mancha construída: edificado consolidado, composto por edifícios dispostos em malha

organizada e estruturada, em parte, por infraestruturas de base; edificado não consolidado, definido

por construções essencialmente residenciais de implantação anárquica, integrados numa malha

desordenada e não infraestruturada. Segmentaram-se estes dois conjuntos em cinco classes de

ocupação do solo: edificado consolidado concentrado, edificado consolidado disperso, edificado não

consolidado concentrado, edificado não consolidado disperso e vazio urbano. Em termos globais, a

estrutura edificada de Ondjiva, apresenta uma maior dominância de edifícios para o uso residencial a

que se segue o terciário.

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101Caracterização Biofísica

8.3.1 . EDIFICADO CONSOLIDADO CONCENTRADO

Esta classe de ocupação do solo (Fig. 8.13), agrega a mancha edificada remanescente que foi

construída até à década de 70, em grande

medida concentrada no núcleo central da

cidade, bem como algumas estruturas

governamentais erigidas nos anos 90.

Apresenta-se com uma malha ordenada,

estruturada em quarteirões e onde as

construções definem entre si espaços de

contiguidade reduzidos. Compoem-se de

edifícios de baixa densidade, de uso

essencialmente residencial e terciário,

circunscrevendo-se aos bairros Bangula I e

Pioneiro Zeca I, bem como alguns sectores dos

bairros Bangula II, P. Zeca II e Kafito I.

8.3.2 . EDIFICADO CONSOLIDADO DISPERSO

Apresenta-se como um espaço inserido na mancha edificada de malha ordenada e de carácter

definitivo, mas onde a parcela de propriedade apresenta uma taxa de cobertura construída inferior a

2/3 do total do lote, o que se traduz numa tipologia de ocupação fundamentalmente organizada por

edifícios com espaços de contiguidade entre si largos e sem interdependência locacional e de

alinhamento. Esta classe corresponde essencialmente às áreas onde se encontram implantados edifícios

particulares, do Estado e da banca (Fig. 8.14).

Figura 8.13 - Bairro Bangula I.

Figura 8.14 - Edificado consolidado disperso, bairro Bangula I.

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Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva102

8.3.3 . EDIFICADO NÃO CONSOLIDADO CONCENTRADO

Definindo uma coroa em volta do núcleo mais antigo da cidade num primeiro momento, este tipo de

ocupação tem vindo nos últimos anos (a partir de finais da década de 90) a expandir-se para áreas

periféricas cada vez mais afastadas, principalmente ao longo dos eixos viários que ligam a cidade a

Santa Clara, Lubango e Cuvelai. Apresenta-se com uma malha de implantação anárquica onde as casas,

de construção em adobe e bloco de cimento, não apresenta qualquer relação locacional entre si, e de

configuração e volumetria muito heterogenias, sendo maioritariamente de cariz residencial, e distando

em média entre si menos de 6m (Fig. 8.15). Este tipo de ocupação é dominante nos bairros dos

Castilhos, Naipalala I, Kafito I e Bangula II.

Figura 8.15 - Edificado não consolidado concentrado, bairro dos Castilhos.

8.3.4 - EDIFICADO NÃO CONSOLIDADO DISPERSO

Envolvendo o edificado não consolidado concentrado, esta classe de ocupação do solo representa as

áreas que mais recentemente (nos últimos 2-3 anos) têm vindo a ser ocupadas de forma espontânea

por casas que se apresentam em mancha bastante dispersa e anárquica (distância média entre

construções de mais de 15m). Esta coroa tem vindo a aglutinar unidades familiares do tipo “ehumbo”,

que anteriormente se encontravam completamente desligadas da mancha urbana (Fig. 8.16), como

são os casos observados nos bairros dos Castilhos (sector Norte), Kafito I, Kachila I e II.

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103Caracterização Biofísica

8.3.5 - VAZIO URBANO

O vazio urbano define os espaços, apresentando ou não proprietário e em regime de aprovação ou

especulação para construção, existentes na mancha urbana edificada de Ondjiva (Fig. 8.17). Deverão

ser, em geral, alvo de loteamento para construção de edifícios de forma a complementar a malha

definitiva existente.

Figura 8.16 - Edificado não consolidado disperso, bairro do Kafito I.

Figura 8.17 - Vazio urbano, bairro Bangula II.

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Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva104

8.4 - INFRAESTRUTURAS E EQUIPAMENTOS

As infraestruturas definem o conjunto de instalações existentes que visão atender as necessidades

básicas das actividades humanas a nível espacial da cidade, sendo os equipamentos o conjunto de

estruturas de cariz urbano ou comunitário, com raio de abrangência local ou regional, que dinamizam

um fluxo de bens e serviços. Refira-se que presentemente não existe na área de Ondjiva qualquer

unidade de carácter industrial com implantação expressiva.

8.4.1 - VIA PAVIMENTADA

Estruturadas segundo o eixo fundamental correspondente às estradas EN 120 e EN 295, que liga

Xangongo a Santa Clara, as restantes vias pavimentadas existentes em Ondjiva reportam-se à malha de

ruas existente nos bairros Bangula I e II e P. Zeca I, num total de aproximadamente 6km asfaltados.

Saliente-se que o troço asfaltado da EN 120 e EN 295, na área em referência, é de cerca de 12km.

8.4.2 - VIA NÃO PAVIMENTADA

São nesta classe consideradas todos os eixos rodoviários, não asfaltados, que estabelecem comunicação

com as principais localidades na envolvente regional, bem como as ruas em “terra batida” que pela sua

expressão espacial estruturam actualmente a malha urbana da cidade. A emissão crescente de poeiras,

no período seco, pela cada vez maior intensidade de tráfego de viaturas e pessoas apresenta-se como

um problema para a saúde pública, nomeadamente nas áreas próximas a mercados informais como é

o caso do mercado no bairro da Kachila I.

8.4.3 - EQUIPAMENTOS DIVERSOS

Na classe de equipamentos diversos foram agrupados os equipamentos públicos de educação, cultura,

segurança, saúde, administração e similares, bem como os referentes a espaços comerciais (onde se

incluíram os mercados informais) e de serviços, igrejas, estabelecimentos hoteleiros e instalações

aeroportuárias. Estas estruturas encontram-se essencialmente implantadas nos bairros Bangula I,

Naipalala I, Kafito I, Kakuluvale e Okapale, quer por razões de centralidade quer por alinhamento ao

eixo viário principal, a EN 120 e EN 295, permitindo assim um maior fluxo de bens e serviços.

8.5 . IMPRODUTIVOS

8.5.1 - AREEIROS

Nesta classe de ocupação do solo estão incluídas todas as explorações de inertes que, na envolvente de

Ondjiva, se instalaram para a extracção de areias, encontrando-se, no entanto, a maior parte destas

actualmente inactivas. A sua dimensão é em geral reduzida, entre os 0,5-2,5 ha, localizando-se

fundamentalmente próximo dos principais eixos viários (EN 295 e troço Ondjiva-Anhanca), onde a

construção dos mesmos esteve muitas vezes na sua origem.

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9 . SÍNTESE DE DIAGNÓSTICO E RECOMENDAÇÕES

9.1 - GEOLOGIA

9.1.1 - SINÓPSE GEOLOGICA

Ondjiva encontra-se inserida na denominada Bacia de Sedimentação do Cuanhama, de idade

quaternária, que define região residual da aplanação do Terciário Médio, recoberta por espessos

depósitos arenosos eólico-fluviais de litologia diversa. Estes depósitos, apresentam uma segmentação

estratigráfica dominante de origem fluvial, que estrutura depósitos continentais do andar superior do

Sistema do Kalahari.

Toda a região está sobrejacente a um antigo substrato continental de granito, gneisses e rochas

vulcânicas, de idade Précâmbrica, hoje a muitas centenas de metros de profundidade, e de que os

morros graníticos aflorantes na Mupa são testemunho exposto na topografia regional.

Os grés argilo-calcários definem a rocha regional. No entanto a natureza dos materiais presentes na

bacia de sedimentação, e em particular na envolvente de Ondjiva, está intimamente ligada às

características morfológicas da região. Nas chanas e ecangos, áreas mais deprimidas, dominam as

argilas e os siltes de génese aluvionar, nos mufitos, a sublinharem as áreas de interflúvio, são as areias

quartzosas de algumas formações saibrentas os principais elementos litológicos.

Relativamente à sucessão estratigráfica presente na área de Ondjiva, esta pode ser esquematizada da

seguinte forma, do topo para a base: Chanas e ecangos - Argilas cinzentas, grés pouco argiloso, areias

brancas ou rosadas lavadas - grés argilosos, pouco freáveis, cinzentos ou castanhos - grés argilosos

brancos aquíferos - grés argilo-calcários; Mufito - Areias claras de mufito - grés argilo-calcários.

Com base nas sondagens electromagnéticas realizadas em 1965 pelo LNEC, verificou-se que a

espessura das formações do Kalahari na área de Ondjiva era de cerca de 500m, sendo desconhecida a

constituição litológica específica do “bed-rock” onde estas assentam.

9.1.2 - RECOMENDAÇÕES

Verificando-se lacuna ao nível de cartografia geológica de grande e média escala, para a generalidade

da província do Kunene, e em particular para a área onde se encontra Ondjiva, recomenda-se, em

articulação com o Instituto Geológico e Mineiro de Angola, proceder-se a um levantamento detalhado

das características geolitológicas da região, nomeadamente na área enquadrada pelo sistema drenante

do Cuvelai-Mui, pela relevância desta informação na compreensão das relações dos diferentes

elementos físicos presentes no sistema regional, nomeadamente ao nível hidrogeológico e pedológico.

9.2 - HIDROGEOLOGIA

9.2.1 - SINOPSE HIDROGEOLÓGICA

Do ponto de vista hidrogeológico, Ondjiva encontra-se inserida na Província Hidrogeológica Cuvelai Mui

- Ondjiva - Namacunde que é formada por todas as chanas que escoam as águas da mulola Mui e do

105Caracterização Biofísica

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rio Cuvelai em direcção à caldeira do Etosha e cujas aluviões aquíferas são alimentadas pelas águas de

cheia destes dois cursos de regime temporário.

A província hidrogeológica apresenta-se, até à data, como a única que apresenta condições propícias

à ocorrência de águas subterrâneas, a profundidades não superiores a 30m, em toda a região do

Cuanhama, sendo os grés aluvionar brancos a única formação aquífera da província hidrogeológica

Sob Ondjiva, encontra-se um paleo-vale, o mais importante de um conjunto de quatro que entalha o

substrato Precâmbrico, onde é apontada a possibilidade de ocorrência de águas profundas.

Em toda a Bacia Sedimentar do Cuanhama estão identificados os seguintes aquíferos regionais: Aquífero

Suspenso Descontínuo (ASD), Aquífero Pouco Profundo Principal (APPP), Aquífero de Fácies Carbonatada

(AFC), Aquífero de Fácies Psamítica (AFP), Aquífero Artesiano de Oshivelo (AAO), Aquífero Profundo Principal

(APP) e Aquífero Muito Profundo (AMP).

Na área de Ondjiva, os sistemas de aquíferos mais expressivos serão: Aquífero Suspenso Descontínuo

(ASD), Aquífero Pouco Profundo Principal (APPP), Aquífero Profundo Principal (APP) e Aquífero Muito

Profundo (AMP), sendo os dois primeiros os que actualmente contribuem integralmente para o

fornecimento de água à cidade, com base em poços e captações subterrâneas que não ultrapassam em

média os 5m e os 30m de profundidade, respectivamente.

Os recursos aquíferos obtidos com base no sistema ASD, implantado sob os mufitos, são

exclusivamente gerados em função da precipitação local, sendo de extrema vulnerabilidade quer em

termos de contaminação quer em termos de disponibilidade de mananciais de águas pouco salobras.

Estes aquíferos são essencialmente utilizados pela população com base nas “omufimas”, poços

artesanais pouco profundos e de produtividade reduzida em termos de caudal e tempo de utilização.

O sistema de aquíferos APPP, assegura o essencial do caudal diário extraído ao longo do ano pelas

diferentes captações que operam na área de Ondjiva, e encontra-se subjacente aos planos de chana

(chanas: Ipembe, Caricoco e N´Giva). A sua recarga, feita com base nas cheias regionais e na percolação

lateral das águas de infiltração das chuvas ao longo da vertente dos mufitos, estabelece-se em função

das linhas de contacto entre as chanas e os mufitos, bem como ao longo de lineações disseminadas

pelo corpo principal das primeiras, sendo estas áreas de extrema importância, quer para a manutenção

do processo de recarga, quer para a qualidade das águas subterrâneas.

No aquífero da chana N´Giva-Caricoco, onde se encontram implantadas um conjunto de captações

fundamentais ao abastecimento de água à cidade, foi verificado um raio de influência por captação de

cerca de 123-130m, sendo o nível estático influenciado em termos anuais, quer pelo caudal de

extracção efectivo do ano, quer pela ocorrência da cheia regional no ano anterior. Foi também

identificada uma relação entre o nível estático para um determinado ano, e os quantitativos

pluviométricos gerados na estação húmida anterior.

Os aquíferos da província hidrogeológica, onde se inserem os explorados na área de Ondjiva, tendem

a esgotar-se ao fim de alguns anos de exploração, quando esta ultrapassa a capacidade de recarga

destes, nomeadamente em ciclos de seca prolongados.

Em termos da natureza mineralógica das águas subterrâneas, estas apresentam como seus constituintes

fundamentais na área de Ondjiva: cálcio, magnésio, sílica, carbonatos, sulfatos, cloretos e bicarbonatos.

As águas encontradas sob as chanas apresentam constituição muito diferente das encontradas nos

mufitos, sendo as primeiras essencialmente doces, bicarbonatadas-cálcicas ou bicarbonatadas-sódicas,

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva106

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de dureza fraca permanente e pontualmente sulfatadas, logo de boa qualidade para o consumo

humano. Nos mufitos as águas revelam-se fortemente mineralizadas, bastante duras e sulfatadas-

sódicas, apresentando-se assim muitas vezes impróprias para consumo humano.

Na área de Ondjiva, nomeadamente na sua envolvente mais próxima (chanas N´Giva, Caricoco,

Ocapale, Kashila, entre outras), existe um grave problema de deposição de resíduos sólidos urbanos

não tratados, que contribui para a degradação da qualidade físico-química quer das águas subterrâneas

quer das superficiais. Por outro lado, o enterramento de resíduos orgânicos e de outra natureza nas

depressões correspondentes a cacimbas abandonadas contribui para a contaminação do sistema de

aquíferos suspensos descontínuos da área.

9.2.2 . RECOMENDAÇÕES

Devem ser retomados com a maior brevidade, os estudos referentes às características hidrogeológicas

da região correspondente à Província Hidrogeológica Cuvelai Mui - Ondjiva - Namacunde, nomeadamente

no que se refere à delimitação dos sistemas aquíferos subsuperficiais presentes, processos de recarga,

monitorização das áreas actualmente em exploração para abastecimento humano e pecuário, definição

dos locais mais aptos para implantação de futuras captações, bem como aprofundar o conhecimento

da caracterização das massas de água subterrâneas, avaliação das suas vulnerabilidades, qualidade das

suas águas e impacto das actividades humanas

A gestão dos recursos hídricos subterrâneos na área de Ondjiva, deve ser articulada com base na

totalidade da área correspondente à província hidrogeológica, num plano organizado ao nível

municipal e provincial. Neste plano deverá ser estabelecida uma política de consumo de água em

coordenação directa com os diferentes consumidores, levando em consideração quer os direitos destes,

quer as suas responsabilidades. Por outro lado, deverão ser estabelecidos procedimentos e técnicas de

conservação de água a diferentes níveis de utilização do solo para a totalidade da área da província

hidrogeológica, nomeadamente no que se refere à atenuação da escassez de recursos hídricos,

elaborando um plano de mitigação dos efeitos da seca, em parte baseado nos subterrâneos.

A reabilitação e entrada em funcionamento da estação hidrológica de Ondjiva, integrada num sistema

local de bases de dados que permitam recolher informações a diferentes níveis é uma prioridade. Entre

os elementos e acções fundamentais a considerar contam-se: a caracterização do sistema

hidrogeológico local, a monitorização físico-química sazonal, a monitorização piezométrica, a

identificação e caracterização de fontes de contaminação difusa e pontual, a identificação de áreas

vulneráveis à contaminação dos aquíferos, selecção de uma rede de monitorização eficaz, a

implantação de um SIG associado à base de dados, a construção de piezómetros e estações de

qualidade, entre outros.

Todas as captações a implementar na área devem ser equipadas com dispositivos de recarga.

Mediante estudo de viabilidade a construção de barragens subterrâneas, nas áreas mais produtivas,

com o fim de reter a água do escoamento subterrâneo, no tempo seco, melhorando, assim, o nível

estático nas captações e, consequentemente, o volume de água disponível, deverá ter em atenção a

possança do grés aquífero e o seu coroamento deverá ficar a 1m abaixo do tecto destes.

As áreas onde se processa a recarga de aquíferos, ou os sectores de vertente dos mufitos onde se dá

107Caracterização Biofísica

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percolação para as chanas, são extremamente vulneráveis à contaminação de génese antrópica, pelo

que deverá ser implementado um sistema de controlo de possíveis focos de poluição existentes,

envolvendo nomeadamente uma campanha mobilizadora de recolha de lixo e outros materiais que

actualmente contribuem para a perda de qualidade das águas subterrâneas e superficiais.

Deverá ser deslocalizada a plataforma receptora de águas residuais do hospital provincial de Ondjiva

implantada na Chana N´Giva, em substituição por sistema de tratamento de resíduos hospitalares. Com

efeito, esta situação é potenciadora de um foco grave de poluição tanto das águas subterrâneas, por

infiltração de substâncias perigosas até à tolha freática, como das águas de escoamento superficial em

caso de uma cheia de grandes dimensões que leve ao estravazamento ou galgamento das águas

residuais ai confinadas.

A monitorização da qualidade das águas represadas no açude da chana Caricoco e a sua correcta

gestão, são elementos prioritários na salvaguarda da qualidade dos aquíferos das chanas Caricoco e

N´Giva, pelo que deverá ser definido um modelo de salvaguarda desta infraestrutura no curto prazo.

Deverá ser promovida a execução de infraestruturas de tratamento de águas residuais urbanas

necessárias para assegurar a qualidade das águas subterrâneas e superficiais a médio e longo prazo.

9.3 - GEOMORFOLOGIA

9.3.1 - SINOPSE GEOMORFOLÓGICA

A cidade de Ondjiva está localizada numa parte da superfície de enchimento da Bacia Sedimentar

Cuanhama-Etosha ou Bacia de Sedimentação do Cuanhama, que apresenta uma paisagem morfológica

de carácter ondulado suave de grande interesse e raridade, definindo a denominada Micromorfologia

do Cuanhama.

Identificam-se quatro tipos morfológicos principais: Chanas - Depressões alongadas encaixadas em grés

argilo-calcário cinzento claro, correspondendo a vales fósseis, com cerca de 30m de profundidade,

quase completamente assoreados; Mufitos - Áreas aplanadas constituídas por grés argilo-calcários

cinzentos, nunca atingidos pelas águas de inundação que se escoam pelas chanas; Ecangos -

Localizados no interior dos mufitos, definem depressões fechadas com o fundo preenchido por argila

cinzenta escura e sujeitas a inundação quando ocorrem precipitações intensas e concentradas de

âmbito local; Mahenene - com características intermédias entre as chanas e os mufitos, de solo

predominantemente arenoso apenas sujeitas a inundação quando a cheia regional assume grandes

proporções.

O padrão morfológico modelar da paisagem geomorfológica na área de Ondjiva apresenta-se do tipo

Micromodelado de Padrão Largo, ou seja, a estrutura deste modelado deve-se à presença de chanas

amplas, entre os 500m e os 3km de largura, que se desenvolvem por muitos quilómetros em curvas

múltiplas, separando-se e unindo-se por vasta superfície intercalada por interflúvios - mufitos -

alongados e de superfície irregular. Constituem formas “mortas” da superfície de enchimento do

Cunene, e apresentam um alinhamento escoante de sentido aproximado NNW-SSE.

Sob o ponto de vista geomorfológico da área envolvente a Ondjiva, no que se refere a processos de

erosão hídrica ou movimentos de vertente, dadas as características particulares ao nível da topografia

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva108

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e regimes hídricos superficiais presentes, estes são, em geral, praticamente desconhecidos (ambiente

essencialmente de sedimentação). No entanto, nas áreas onde foram instalados areeiros, envolvendo

uma alteração da morfologia original dos terrenos, nomeadamente pelos taludes da frente de lavra

gerados, verifica-se a presença de pequenos desabamentos, fruto de micro-arribas de declive

subvertical pouco coerentes, contribuindo assim para a instabilização dos terrenos contíguos,

nomeadamente aquando de períodos de precipitação intensa.

9.3.2 . RECOMENDAÇÕES

Os entalhes provocados pelas frentes de lavra dos areeiros presentes nos bairros Kakuluvale, Kashila I e

Kashila II, constituem factor de instabilidade geomorfológica localizada, para além de provocarem

descontinuidade biofísica e potencialmente definir focos de contaminação. Desta forma, estas

explorações devem ser alvo de encerramento e devolução destas áreas a usos de maior valor

paisagístico, ou reconversão urbanística.

9.4 . PEDOLOGIA

9.4.1 . SINOPSE PEDOLÓGICA

Os solos da região podem, quanto à sua génese, ser agrupados em dois grandes conjuntos

pedológicos: os que se encontram directamente relacionados com o sistema de drenagem endorreica

do Cuvelai, de génese sedimentar aluvionar, com variações de textura de acordo com o tipo de

sedimentos; os que se relacionam com a superfície arenosa do Kalahari, essencialmente psamíticos.

Estão identificados para a região os seguintes tipos de solos: Regossolos Psamíticos, Psamíticos

Pardacentos, Gravinigra, Pardo-cinzentos Semi-áridos, Pardo-avermelhados Semi-áridos e Cromopsâmicos.

Estes, por sua vez, encontram-se subdivididos em cerca de dez agrupamentos distintos.

Na área em referência, os solos são pouco férteis, do ponto de vista agrícola, em geral, de fraca ou nula

aptidão, exceptuando alguns agrupamentos mais evoluídos situados no coroamento dos mufitos onde

se pratica o essencial das actividades de cultivo. Com efeito, os agrupamentos situados nas áreas de

chana e ecangos apresentam um marcado halomorfismo e hidromorfismo, que os torna impróprios

para o estabelecimento de lavras.

De uma forma concisa e genérica os solos na área de Ondjiva são pobres em alguns nutrientes, como

o nitrogénio e o fósforo, em matéria orgânica, apresentando uma fraca estabilidade estrutural.

Apresentam pouca capacidade de retenção de água, e muitas vezes definem couraça a poucos

centímetros de profundidade. Por outro lado, os agricultores plantam essencialmente cereais, o que

deixa os solos completamente nus durante o longo período seco.

9.4.2 . RECOMENDAÇÕES

O levantamento detalhado das características pedológicas da área, nomeadamente em termos

espaciais, afigura-se como prioridade no sentido de identificar, entre outros aspectos, as manchas de

melhores solos existentes e desta forma contribuir para a sua conservação efectiva.

109Caracterização Biofísica

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Tendo em atenção uma fertilidade fraca dos solos em geral, deverá ser incentivado nas áreas

actualmente sobre cultivo, e que se encontram em espaço rural (envolvente urbana), a utilização de

fertilizantes naturais, como estrume do gado bovino, promovendo desta forma o potencial agrícola das

terras e contribuindo para a não introdução de fertilizantes químicos potencialmente poluentes

nomeadamente dos mananciais aquíferos subterrâneos.

A protecção do solo passa igualmente pela salvaguarda do coberto vegetal natural, nomeadamente o

arbóreo, promovendo a proibição de queimadas e o corte injustificados de elementos lenhosos na área.

9.5 . CLIMA

9.5.1 . SINOPSE CLIMÁTICA

O conjunto de dados climatológicos existentes para Ondjiva, reportam-se ao período 1937-75,

existindo uma lacuna decorrente do encerramento da estação meteorológica Pereira de Eça / Ondjiva

em 1975, de quase 30 anos. Esta ausência de informações relativa aos diferentes elementos climáticos

por tão longo espaço de tempo, impede a correcta avaliação de todo um período do passado recente

do historial climatológico local, com implicações directas no conhecimento biofísico do território.

O clima regional apresenta-se, segundo a classificação racional de Thorntwaite-Mater, do tipo semi-

arido megatérmico com um excesso de água praticamente nulo e um concentração estival da

precipitação (DA´da´).

A temperatura média anual é de cerca de 22,7oC, sendo os meses de Outubro e Novembro os mais

quentes (26,1oC) e o de Julho o mais fresco (17,1oC). Em geral, verifica-se valores térmicos diários acima

dos 25oC em cerca de 351 dias por ano, atingindo a temperatura diária valores máximos absolutos

próximos dos 40ºC.

A precipitação média anual situa-se nos 599,7mm, sendo o período chuvoso compreendido entre

Novembro e Março, com o mês de Fevereiro a apresentar o maior quantitativo pluviométrico médio

mensal, cerca de 145,9mm. A época das chuvas é coincidente com o período mais quente do ano, e

estas apresentam-se essencialmente do tipo convectivo, normalmente intensas e concentradas, tanto

no espaço como no tempo, associadas frequentemente a forte instabilidade atmosférica (trovoadas).

Existe uma acentuada variabilidade no regime pluviométrico ao nível inter-anual, determinando de

forma decisiva todo o ciclo hidrológico regional, nomeadamente no que se refere à disponibilidade de

água para o abastecimento de plantas, animais e pessoas, bem como na recarga dos sistemas de

aquíferos.

Na área, os ventos dominantes apresentam-se o dos quadrantes Nordeste e Leste, entre os meses de

Abril e Agosto e dos quadrantes Sueste e Sudoeste no restante período do ano.

Os valores de humidade relativa do ar são em geral máximos nos meses de Fevereiro e Março (68,2%

e 66,8%, respectivamente), coincidindo com o pico do período chuvoso, e apresentam-se mínimos no

mês de Setembro (27%), no final da época seca. De forma inversa, os valores de evaporação real

apresentam-se moderados em Fevereiro e Março (178mm e 202mm, respectivamente) e bastante

elevados em Setembro (463mm) e Outubro (468mm).

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva110

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9.5.2 . RECOMENDAÇÕES

A reactivação da estação meteorológica de Ondjiva, incluindo a sua dotação completa em termos

instrumentais e técnicos, bem como aumentar a cobertura em estações meteorológicas e postos

udométricos em toda a área correspondente ao sistema drenante Cuvelai-Mui, no sentido de melhorar

o conhecimento existente sobre os fenómenos meteorológicos e a sua relação com os recursos hídricos

regionais.

Promover a construção de edifícios com um sistema de captação de águas pluviais adequado, ou em

superfícies especialmente preparadas para esse fim - telheiros, lageados, associando cisternas, de forma

a rentabilizar a água disponível para consumo humano bem como responsabilizar a população sobre

um recurso tão valioso.

Estimular a divulgação de informação sobre as inter-relações existentes entre as restrições biofísicas

impostas por climas do tipo semi-árido e acções de ordenamento e gestão da terra, a diferentes níveis

escolares e comunitários.

Promover a implantação de alinhamentos arbóreos nas principais ruas da cidade, para aumentar a área

de sombra, mas, salvaguardando a utilização de espécies especificamente adaptadas às condições

climáticas locais, dentro das utilizadas em ornamentação urbana.

9.6 . HIDROLOGIA SUPERFICIAL

9.6.1 . SINOPSE HIDROLÓGICA

A área drenante onde se insere Ondjiva, é parte integrante da bacia hidrográfica do Cuvelai, rio de

escoamento superficial normalmente errático no sector intermédio e jusante da sua bacia, com caudais

que variam entre os 0 e os 100Mm3/ano. Este complexo sistema drenante, estrutura-se com base em

depressões comunicantes ou isoladas em geral de 100-500m de largura e 30-100cm de entalhe no

plano escoante - chanas; as quais se encontram enquadradas por superfícies de enchimento psamítica

recobertas originalmente por floresta seca e savana arbóreo-arbustiva - mufitos.

Das várias sub-bacias que compõem a bacia do Cuvelai, a cidade da Ondjiva está integrada na mais

activa em termos hidrológicos superficiais. A sub-bacia em referência drena as cabeceiras do Cuvelai

propriamente dito, da mulola Mui e, em anos hídricos excepcionais, os contributos provenientes do

sistema drenante do Tchimporo.

As cheias regionais cíclicas que se desencadeiam nesta bacia - “efundjas” - constituem parte vital da

subsistência das populações locais assim como da terra da qual dependem, como por exemplo na

recarga dos sistemas de aquíferos regionais sub-superficiais.

A “efundja”, de ciclicidade irregular, pode ocorrer em Ondjiva entre os meses de Dezembro e Abril,

sendo Fevereiro e Março os mais representativos. Este evento pode durar entre alguns dias a 2 meses. A

relação entre precipitação registada e ocorrência de “efundja”, na área não é regular. As cheias não são

em termos locais uma consequência directa das chuvas ai verificadas mas sim fundamentalmente

provocadas pela precipitação ocorrida nas cabeceiras da bacia, a muitas dezenas de quilómetros a Norte.

A magnitude das cheias varia consideravelmente entre distintos eventos, sendo expectável que uma

cheia de grande magnitude, onde o plano de alagamento apenas deixa a descoberto as áreas de mufito,

111Caracterização Biofísica

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se registe com períodos de retorno de aproximadamente 50 anos (última ter-se-á registado em 1954).

Os únicos dados hidrométricos existentes para Ondjiva, reportam-se a um curto período de observação

entre 1947 e 1952.

Foi elaborada uma carta (Planta I. 3, em anexo) onde se apresenta um zonamento potencial das áreas

que poderão estar sujeitas a alagamento resultante de eventos de “efundja” na envolvente de Ondjiva,

com base em dados de natureza teledetectada bem como da interpretação directa no terreno de

elementos indicadores, nomeadamente formações vegetais, de diferentes níveis de constrangimento

hídrico superficial.

O fluxo para Sul das cheias regionais, seguindo o padrão estrutural das chanas, é particularmente

vulnerável a qualquer obstáculo que intercepte o seu lento escoamento superficial. Na área de Ondjiva,

os atravessamentos em aterro dos principais eixos viários dos planos de chana, constitui o principal

entrave à progressão da lâmina de cheia, quer pelo sub dimensionamento numérico de manilhas

drenantes, quer por estas se apresentarem frequentemente assoreadas e entulhadas com detritos.

Contributo importante para a economia tradicional local, associado à “efundja”, consiste na presença

cíclica de peixe nas superfícies alagadas pela cheia regional, que a população rural aproveita como

complemento nutricional e comercial. Não tendo sido ainda realizado qualquer estudo no sector

angolano da bacia, os dados existentes sobre a produtividade piscícola no outro lado da fronteira, em

directa dependência do fluxo proveniente deste, apontam para capitações entre os 3 e os 100kg/dia.

9.6.2 . RECOMENDAÇÕES

É prioritário o estabelecimento de uma rede de estações hidrométricas ao longo da bacia drenante do

Cuvelai, bem como de escalas limnimétricas nas principais chanas da envolvente de Ondjiva, no sentido

de ser conhecida de forma qualitativa e quantitativa a dinâmica hidrológica superficial da região,

nomeadamente no que diz respeito às cheias regionais, e em particular para a área de Ondjiva.

Deverão ser analisados dados teledetectados de toda a bacia, para meses específicos do ano com uma

maior dinâmica hidrológica, como complemento à validação detalhada recolhida no terreno.

Estabelecimento de uma rede de postos udométricos representativa das diferentes sub-bacias existentes

na região.

Deverá ser assegurada a manutenção do fluxo natural das cheias regionais, independentemente da sua

magnitude, através de regulamentação específica sobre infraestruturas a implantar na bacia drenante.

Deverá ser assegurado que o traçado de futuras vias de âmbito nacional, regional ou outro, de

orientação Norte-Sul, sejam implantadas preferencialmente paralelas às chanas, pseudo-mufitos e

ecangos existentes.

Nos atravessamentos dos planos de chana, as vias deverão ser construídas com base num sistema de

manilhas drenantes de diâmetro largo e em quantidade suficiente para não constituir entrave ao fluxo

de cheia. Por outro lado, a implantação das manilhas deve ser feita ao nível do solo, e não sobre

elevada. Em determinadas circunstâncias, em função do âmbito da infraestrutura da extensão e perfil

do atravessamento, a construção de tabuleiro apoiado por colunatas será a alternativa mais viável.

A implantação de estruturas do tipo oleoduto ou conduta, deve ser sempre subterrânea.

Plano de Urbanização da Cidade de Ondjiva112

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Deverão ser reabilitados e melhorados os sistemas drenantes existentes nos aterros de atravessamento

nas chanas N´Giva e Kashila, por constituírem entrave ao fluxo de cheia regional.

9.7 . Ocupação do Solo

9.7.1 . Sinópse

As características das diferentes unidades que compõem a actual paisagem na área de Ondjiva são o

resultado da relação entre as particularidades naturais desta e a acção antrópica, ao longo de sucessivas

gerações, das populações que se têm vindo a instalar e a moldar o actual núcleo urbano.

O crescimento e expansão desordenados do núcleo urbano de Ondjiva têm, nos últimos anos,

promovido a transformação da paisagem na sua imediata envolvente, com consequências graves ao

nível ambiental e da qualidade de vida da população. Deve ser tido em especial atenção o facto da

região onde se implantou a cidade ser, ao nível climático, semi-árida, o que confere aos diferentes

sistemas que compõem a paisagem uma maior fragilidade a alterações ou exigências a que estes

estejam sujeitos.

Particular cuidado deve ser dado às formações de vegetação autóctone de estrutura arbórea,

componentes quer dos interflúvios (mufitos), quer dos planos fluviais (chanas) e faixas de contacto

entre estes, como sejam os núcleos de floresta seca, galerias ripícolas, formações arbóreas de Dyospirus

monspeliensis, entre outros.

9.7.2 . Recomendações

Deverão ser salvaguardados todos os núcleos de formações arbóreas ripócolas autóctones, de floresta

seca, bem como das principais formações arbóreo-arbustivas secundárias existentes, tendo em vista,

nomeadamente, a execução de estudos referentes a alterações na estrutura da vegetação local, a

salvaguarda de bolsas de elevado valor biológico que possam servir como núcleos de disseminação de

elementos estruturantes do ecossistema local para áreas adjacentes degradadas, a implementação de

acções de educação ambiental, a maximização de espaços de natureza lúdica, a protecção ao solo,

entre outros.

Deverá ser incentivado o uso sustentado e a conservação dos recursos lenhosos existentes,

nomeadamente pela utilização de fogões mais conservativos no consumo de carvão; redução nos

materiais de natureza lenhosa utilizados na construção de edificações, identificação de energias

alternativas; limitar ao máximo o corte de árvores em toda a área considerada.

Deverá ser incluída nos programas escolares a divulgação de informação sobre o valor das comunidades

florestais locais e dos seus múltiplos recursos, se utilizadas de forma sustentada.

Deverão ser realizados estudos relativos às mudanças na utilização e posse de terras entre o sistema

tradicional e a sua progressiva privatização na envolvente de Ondjiva, nomeadamente ao nível do

espaço agrícola.

O planeamento do território relativamente às práticas agrícolas tradicionais deve ser coordenado com

todas as restantes componentes de desenvolvimento propostas.

Deverão ser desafectadas as áreas que actualmente se encontram em exploração de inertes, elaborando

um programa de reconversão com base nas tipologias estabelecidas pela Planta de Ordenamento.

113Caracterização Biofísica

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