Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de...

101
Carlos Casturino Rodrigues 1 Contos Para Rir e Assustar Carlos Casturino Rodrigues Curitiba – PR 2019 1ª edição

Transcript of Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de...

Page 1: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

1

Contos Para Rir e Assustar

Carlos

Casturino

Rodrigues

Curitiba – PR 2019

1ª edição

Page 2: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

2

Copyright © 2019 by Nogue Editora

Capa: Rodrigo Toniolo

Projeto Gráfico Nogue Editora

Diagramação: Osmarosman Aedo

Revisão: Carlos Casturino Rodrigues

Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer parte

desta edição. A violação dos direitos do autor (Lei №

5.988/73) é crime estabelecido

pelo artigo 184 do Código Penal.

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO

NA PUBLICAÇÃO

ISBN: 978-85-92939-32-8

R696 Rodrigues, Carlos Casturino Contos para rir e assustar / Carlos Casturino Rodrigues; Capa de Rodrigo Toniolo __ Curitiba: Edição do Autor, 2019.

101p.il.

1. Literatura Brasileira - Contos 2. Conto Paranaense. I. Toniolo, Rodrigo II. Título.

CDD: 869.9362

Filomena N. Hammerschmidt – CRB9/850

Page 3: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

3

A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada – pág. 24 Assombração Animal – pág. 29 Canção Misteriosa – pág. 32 Caipirinha de Liquidificador – pág. 35 Caixão de Defunto – pág. 38 Coma Alcoólico – pág. 41

Doce Velório – pág. 44 Fischer – pág. 50 Galinhas Embriagadas – pág. 53 Herdeiro – pág. 55 Histórias de Caçador – pág. 58 Mais Uma História do Lobo – pág. 62

Í

N

D

I

C

E

Page 4: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

4

65 pág. Mestre Morgan 67 pág. – Moveis Usados 69 pág. – O Padre e a Mula-sem-cabeça 73 pág. – O Automóvel Mal Assombrado 76 pág. – O Famigerado Boitatá 78 pág. – O Enforcado 80 pág. – O Fantasma do Sítio 82 pág. – O Casarão 84 pág. – O Mendigo e os Ratos 86 pág. – O Fantasma do Coveiro 89 pág. – Pesadelo 91 pág. – Uma Aventura no Cemitério 94 pág. – Um Sorriso Vampiresco 97 pág. – Um Sujeito Contraditório

E

C

I

D

N

Ì

Page 5: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

5

Aos meus familiares, amigos,

A todos aqueles

Que me infundiram

E até aos que me confundiram...

Mesmo que estes não leiam.

Dedicatória

Dedicatória

Page 6: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

6

O escritor e sua trama

O escritor foi acordado diversas vezes em

alta madrugada por seus personagens que queriam

desenvolver suas aventuras. Embora o escritor resis-

tisse se virando na cama de um lado para outro, sua

cabeça não conseguia ficar tranquila. Seus pensa-

mentos o traiam expulsando o seu sono. Sua imagi-

nação estava povoada de vários personagens em bus-

ca de uma novela ou contos inacabados, que depen-

diam de algum desfecho. O sono sumiu de uma vez e

a única saída foi se colocar de pé, dirigir-se ao ba-

nheiro, lavar o rosto, voltar ao quarto depois de pro-

curar caneta e papel para então, desenhar seus perso-

nagens e criar uma trama. Em sua mente surge o ce-

nário e eles estão lá preparados para ganhar vida e se

desenvolverem na história que o escritor criará com

sua imaginação.

O navio fantasma avança mar adentro na-

vegando ao vento. Todos estão imóveis no cemitério

de automóveis. O vento desenha e esculpe nas areias

do deserto. Acontecimentos em vários e outros mo-

mentos aqui e lá ou ali. Ali Babá no deserto ou acolá.

Prefácio

Page 7: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

7

Sem pressa, qualquer coisa interessa e tudo

o mais é importante. A concentração na ação irá além

até mesmo o próprio enredo. A narrativa necessita

superar o conteúdo do texto.

Para ganhar o jogo num jogo de palavras, o

mais importante deverá ser a maneira ou o jeito de

contar um conto. Claro que isto lhe custará muitas

noites mal dormidas.

Além da cidade onde existe a saudade. So-

nhando com a fama a gente veleja num mar de lama

em busca da forma ou da fórmula para contar uma

história de tragédia ou de glória. Qualquer conto para

rir ou assustar.

Além do armário a crônica de Ana é ana-

crônica. O telefone não toca nem os ratos saem da

toca. O escritor deve buscar o seu próprio estilo. Se

todo o poeta tem seu nervo lírico. Então é preciso

buscar a poesia no sistema nervoso. Há os que via-

jam pelos sertões de Euclides da Cunha. A viagem

no tempo é longa, mas pode acontecer ao redor do

meu quarto.

Enquanto isso os cães ladram e a caravana

passa e o poeta viaja em suas poesias que estacionam

nas estantes das bibliotecas. Distinto eu me sinto

distante, cavalgando em éguas sonhando com curvas

femininas.

Page 8: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

8

Assim a extraordinária viagem precisa con-

tinuar em direção ao passado local quimérico de um

sonho idealizado. Alguns reinos encantados, templos

egípcios e sinagogas entre a paz e a discórdia, entre o

amor e a morte, são contos para rir e assustar.

Page 9: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

9

A Casa das Centenas de Janelas

A maioria dos vilarejos ou cidadezinha do

interior tem uma pracinha. Durante a semana este é

um local muito pouco frequentado, algumas crianças

brincado e nos finais de tarde casualmente alguns

adultos aparecem por lá. Mas aos domingos a coisa é

outra. Geralmente à tarde as moças e os rapazes vão

passear nestas pracinhas. As mocinhas com suas

amigas e os rapazes com seus amigos, geralmente

tem lá um sorveteiro ou um pipoqueiro, e quase todo

mundo se conhece. Os casais casados e casais de

namorados se encontraram a primeira vez nestas pra-

ças. Os meninos e meninas brincam juntos, crescem

juntos e quando adultos formam seus pares casam-se

e tem filhos e a história se repete.

Algumas vezes aparece por lá alguém desco-

nhecido. O pessoal fica inquieto tentando descobrir

de onde veio o forasteiro e dependendo do compor-

tamento do sujeito a autoridade local decide aborda-

lo para uma averiguação. Assim, algum banco velho,

de uma praça tão ocupada, é por vezes inspirador ou

de receio. Local não mais de se ficar, mas apenas de

passagem apressada, estão ali, como testemunhos de

outros momentos dessa mesma praça, com outros

usos e variadas significações do cotidiano.

Um rapaz estranho e solitário sentado num cer-

to banco daquela praça, observando a paisagem ou

com um livro na mão. Enquanto outros jovens sim-

plesmente desfilavam de um lado para outro para ver

e serem vistos.

Page 10: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

10

Aquele estranho passa a ser um motivo para

chamar a atenção de algumas mocinhas que o obser-

vam, talvez ele tenha sentado ali mesmo com a única

intenção de ler aquele livro. Mas as mocinhas ficam

curiosas cochicham entre elas e sorriem timidamente. – Quem será este moço? É muito bonito e mis-

terioso? Dependendo da real intenção do rapaz, a

mocinha estará disponível.

Algumas vezes este rapaz se atreve a puxar

uma conversa e oferece um sorvete ou um saquinho

de pipoca. E geralmente é assim que ele consegue

conquistar a mocinha.

Numa destas ocasiões à mocinha conheceu e

passou a namorar um forasteiro, ele era um rapaz

galante e cheio de estórias. Contou para ela que vi-

nha de muito longe a procura de um grande amor, e

que assim que a viu percebeu que sua procura havia

finalizado. Estava muito feliz em tê-la conhecido

tinha certeza que ela era a sua alma gêmea. Agora

pretendia voltar casado para sua terra natal e deveri-

am ser muito felizes juntos. Disse lhe que era muito

bem sucedido, de uma família bem estruturada.

A mocinha quis saber mais e ele continuou o

seu relato. Contou lhe que sua casa tinha centenas de

janelas.

– Centenas de janelas? Quantas exatamente?

Perguntou ela impressionada com a quantidade de

janelas da referida casa. Ao que ele respondeu cal-

mamente.

– Uma vez eu até contei, mas agora não me

lembro de quantas são! Mas com certeza, tem bem

mais de cem.

Page 11: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

11

Ela já tinha ouvido outras façanhas relatadas

por seu novo namorado. Mas a quantidade de janelas

contidas em sua casa lhe pareceu bem mais interes-

sante. Mas para não demonstrar uma atitude caipira

ela resolveu mudar de assunto.

– O dia hoje está muito quieto, Nem parece um domingo! Você não acha? Disse ela apertando carinhosamente a mão dele. Mas o rapaz porem não se deu por vencido e continuou o seu relato de gabolices. – Um dia como hoje lá em casa e muito ani-

mado. Ela sorriu e pensou de que tipo de animação

ele estaria falando, mas conteve-se. Antes que ele

pudesse dizer mais alguma coisa ela interrompeu. – Um domingo em família é sempre muito

bom e agradável. Mas e você faz oque para viver?

Perguntou deslumbrada e ainda refletindo sobre a

quantidade de janelas... Com uma casa tão grande

assim, ele só pode ser muito rico.

– Eu até há pouco tempo, só vivia de rendas,

mas me cansei disso e resolvi mudar um pouco o

rumo das coisas. Por isso é que eu vim para essas

bandas.

Puxa vida esse cara é mesmo um milionário!

Presumindo que até os muito ricos se entediam de

não fazer nada. Com certeza então, ele deve ter se

entediado daquela rotina de uma vida muito farta, e

resolvido ausentar-se do seu convívio familiar. Sain-

do por aí gastar um pouco do seu dinheiro e experi-

mentar um estilo mais simples de vida.

Enquanto ela ainda imaginava como seria

Page 12: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

12

maravilhoso viver em uma casa tão grande e confor-

tável, ele continuou falando.

– É muito bom viver por lá. Estamos sempre

cercados de muitos empregados. Entre outras coisas

boas que me trazem saudades e vale a pena lembrar.

Você sabia que as roupas que vestimos uma vez, nós

não a usamos novamente. Estamos sempre a usar

outras roupas, é muito excitante. A cada detalhe que

ele dava, ela se deslumbrava ainda mais.

– Eu já te falei que o meu pai era engenheiro?

Perguntou ele enquanto ela parecia sonhar acordada.

– Ainda não! Disse ela pensando, o que mais

eu poderia ouvir que não fosse maravilhoso.

– Ele foi um grande engenheiro. Apesar de

não trabalhava mais.

A mocinha já não tinha mais nenhuma dúvi-

da, tinha conhecido o amor de sua vida. E melhor

ainda, casaria com um milionário. Viveria a vida que

sempre pediu a Deus.

A cada encontro e novos detalhes de uma

vida farta e muito luxo. Ela que já estava decidida,

não demorou a apresentá-lo aos seus pais, que o re-

ceberam com muito entusiasmo.

Depois de pouquíssimo tempo de namoro, eles

casaram-se e ela o acompanhou para a tão sonhada

casa com centenas de janelas e todo o conforto mere-

cido que almejava.

Seguiram viagem em bela montaria doada

pelos pais da jovem como dote. Segundo o que ele

descreveu para a família da jovem, aquela viagem

seria um pequeno trajeto de poucas horas.

Disse-lhes que não ficassem preocupados,

Page 13: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

13

pois voltariam a visita-los antes mesmo que pudes-

sem sentir saudades. Ela estava radiante e mal pode-

ria esperar para chegar ao novo lar. Depois de algum

tempo de cavalgada ele disse.

– Aguenta firme ai querida estamos quase

chegando. Ela sorriu para ele demonstrando certa

tranquilidade, e seguiram em frente. Mais alguns

quilômetros adiante e de longe avistaram um casarão

enorme, então ela perguntou.

– É aquela casa? Ao que ele respondeu sor-

rindo.

– Calma querida, estamos quase lá, é um

pouquinho adiante. Ela ficou intrigada porque não se

avistava mais nada depois daquele casarão, a não ser

alguns casebres insignificantes.

Mas para não pressionar o esposo ela preferiu

ficar calada enquanto a estória se desenrolava.

Ao ultrapassar o casarão, ela concluía que

deveria ter um pouquinho de paciência certamente

ainda teriam um longo percurso. Mas ele por ser

amável e educado, havia dito que eram apenas algu-

mas horas de viagem.

Em seus pensamentos a tal casa das centenas

de janelas não deveria ser mesmo um casarão assim.

Por mais luxuoso que parecesse não seria possível

afirmar que tivesse uma centena de janelas. Concluiu

então que deveria ainda estar muito longe. De repen-

te ouviu com surpresa ele dizer.

– Finalmente chegamos minha querida! Esta é

nossa casa! Apontado para um casebre quase em

ruínas.

Page 14: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

14

Foi um grande choque para ela ouvir aquilo,

entretanto se conteve sem dizer nada e simplesmente

o seguiu. Ao adentrarem aquele velho casebre, ela

olhou ao redor de tudo, ou do quase nada que ali

existiam, quinquilharias inúteis. E extremamente

inconformada ela o questionou.

– Mas você tinha falado que morava em uma

casa com centena de janelas?!

– Claro que eu falei, e é a mais pura verdade.

Se você quiser pode contar. Disse-lhe apontando as

frestas na parede entre uma tabua e outra.

– Mas isso aí, são buracos e frestas na parede!

Disse ela decepcionada. Enquanto ela ainda o questi-

onava, ele retrucou dizendo com certa convicção.

– Eu prefiro chamar de janelas... É muito

mais romântico. Diante daquela afirmação ela se

calou e pensou um pouco. Ele deve estar me testan-

do, só para ver se me casei por interesse. Voamos ver

onde isso vai dar, deve ser apenas uma brincadeira.

Ela então sorriu tentado demonstrar uma falsa auto-

confiança e calmamente perguntou.

– E o teu pai? O tal engenheiro. Quando va-

mos conhecê-lo?

– Agora mesmo querida! Disse ele pegando a

pela mão e conduzindo-a para outro casebre onde se

encontrava um velhinho sentado à sombra de uma

arvore próxima da porta do casebre.

– Este é o meu pai... Disse-lhe ao se aproxi-

mar do velhinho.

– A bênção meu pai.

– Deus te abençoe meu filho. O velhinho sor-

riu feliz pelo retorno do filho.

Page 15: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

15

Ele num gesto de saudosismo abraçou educa-

damente aquele velhinho. Ela educadamente sorriu e

também cumprimentou o velhinho. Esta aqui é a mi-

nha esposa.

O velhinho parecia feliz por finalmente ter

conhecido a sua nora, mãe dos seus futuros netos.

Ele ainda intrigada com as estórias que tinha

ouvido, não hesitou em perguntar.

– Então o senhor é engenheiro hem? Ao que

de imediato ele respondeu.

– Eu era minha filha... Mais depois de uma

vida inteira cortando cana e cuidando de engenho

fiquei doente e não pude mais trabalhar. E agora o

dono do engenho nem olha na minha cara.

Depois de uma breve conversa na qual ela

mais ouviu do que falou. Ela até se esforçava, mas

não conseguia esconder o seu descontentamento en-

tão o puxou pela mão e perguntou cochichando.

– Cadê o resto da sua família? Os muitos em-

pregados e outras mentiras? ...

– Tudo o que eu te falei é verdade! Venha que

vou lhe apresentar a minha mãe.

O velho percebeu que alguma coisa não esta-

va agradando a nora que acabou de conhecer. Mas

não lhe cabia se intrometer afinal o rapaz sempre

soube resolver os seus problemas.

– Papai eu vou procurar a mamãe e lhe apre-

sentar a minha esposa. Depois voltamos pra conver-

sar um pouquinho mais com o senhor. Quero que

senhor conte a ela aquelas suas maravilhosas aventu-

ras. Daquele jeito que só senhor sabe contar.

Page 16: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

16

O velho concordou sorrindo e em seguida

informou que a sua esposa estava no interior do ca-

sebre concentrada em seus afazeres. Ou deveria me-

lhor dizer, que ela estava passando a roupa dos em-

pregados do seu antigo patrão, o dono do engenho.

– A benção mamãe. A velha senhora que ali

estava passando roupa com um ferro de brasas parou

o serviço e correu abraçar o filho recém-chegado.

Ainda no calor das emoções ele apresentou a sua

esposa.

–Mamãe eu havia lhe informado através de

carta, me casei por lá! Esta é a minha esposa. Disse

ele esperando a aprovação de sua mãe. A moça ficou

meio desconcertada, mas procurou ser gentil e amis-

tosa.

A velha senhora agiu com gentileza recípro-

ca, abraçou a sua nora e deu lhe as boas-vindas.

– Minha mãe trabalha como lavadeira. Lava e

passa a roupa de alguns dos empregados do dono do

engenho de cana. Mas a maior parte da clientela é o

pessoal da cidade.

– Estes sim valem à pena. Completou a velha

senhora, e antes que sua mãe dissesse mais alguma

palavra ele continuou.

– Isso porque, a roupa só é entregue aos sába-

dos querida. Disse ele convicto de que ela entenderia

a importância daquilo. E sem dar tempo a perguntas,

ele continuou o seu raciocínio.

– Quando a mamãe leva a roupa limpa para

devolver e receber o pagamento pelo serviço presta-

do, ao mesmo tempo ela pega outras para lavar pas-

sar e entregar só na semana seguinte.

Page 17: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

17

Sua jovem esposa ouviu tudo atentamente em

seguida fez a pergunta.

– Por que vale mais a pena entregar a roupa

uma vez por semana? Não entendi? Finalmente ela

fez a pergunta e imediatamente veio à resposta.

– É muito simples meu amor. É assim que nós

podemos usá-las e lavar de novo antes de entregar e

receber o dinheiro do serviço. Dessa maneira é que

nunca usamos a mesma roupa!

– Já entendi tudo! Interrompeu desapontada.

Ele como um bom conquistador ainda tentou

convence-la que tudo era exatamente como havia lhe

contado. Relativamente tudo era apenas como um

simples ponto de vista.

– O que há com você querida? Não parece

feliz? Disse ele acariciando lhe os cabelos. Você há

de concordar que é uma maneira inteligente de eco-

nomizar e não repetir sempre as mesmas roupas.

– A casa velha esburacada com mais de cem

buracos e frestas nas paredes... O pai que ficou doen-

te de tanto trabalhar duramente em um engenho de

cana... A mãe que trabalha como lavadeira e todos

usando roupa que não lhes pertencem...

Ele ouvia os comentários da esposa, mas sem

dar muita atenção a ela, continuou a conversar com a

sua mãe. Estava com saudades, pois estavam separa-

dos há algum tempo.

– Mas ainda faltam respostas. Questionou a

esposa com entonação na voz.

– Onde estão os muitos empregados e aquela

estória de viver só de rendas?

Page 18: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

18

A velha percebendo o desapontamento da

moça ficou meio sem jeito, sem saber exatamente o

que fazer interrompeu dizendo.

– Bom lembrar, meu filho! Você não vai mais

vender renda não? A dona Maria costureira disse que

já está acabando a renda pros vestidos.

– Vou sim mamãe. Eu irei lá amanhã...

Depois disso ficarão todos em silencio por

algum tempo, então ele puxou a esposa para si e a

acariciou amavelmente.

– Você poderá ir comigo até a cidade ama-

nhã. Vai ser bom para você conhecer as pessoas.

Ela então fez uma cara de total decepção e se

deu por vencida. Afinal de contas àquela era a dura

realidade. Teria que aprender a conviver com isso

agora.

– A verdade é que minha mãe sempre entrega

o serviço na hora certa. Também é verdade que os

muitos empregados do engenho estão sempre por

aqui buscando as roupas lavadas e conversando com

a gente afinal de contas eles são nossos amigos...

Page 19: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

19

A Hiena e o Feiticeiro

Numa localidade incerta, geograficamente

perdida no tempo e no espaço. Apesar de ser uma

região aparentemente inóspita de difícil acesso.

Àquelas cercanias eram periodicamente visi-

tadas por alguns viajantes e aventureiros. Que por ali

passavam, em busca do inexplorado, aventuras ou

novos horizontes.

Entre os poucos habitantes daquela impercep-

tível localidade, vivia ali um homem muito malvado.

Cuja insensibilidade não lhe permitia perceber a sua

volta algo de bom ou belo. Aquele homem rude e

insensível nunca conseguiu entender o que buscavam

tais viajantes ou aventureiros. Por isso mesmo ou por

motivo nenhum, ele simplesmente detestava qualquer

forasteiro.

Movido de muita insensibilidade ou tão-

somente pura maldade, ele saía quase toda à noite

para colocar armadilhas no caminho. Artifícios que

seriam fatais aos forasteiros desavisados que por ali

se aventurasse. Enquanto ele se dedicava a preparar

cuidadosamente as tais armadilhas. Em seus deva-

neios imaginava o desespero de suas prováveis víti-

mas, e soltava longas gargalhadas.

O silêncio da noite era constantemente inter-

rompido por suas gargalhadas que ecoavam na mata,

enquanto ele vislumbrava as suas prováveis vítimas

se debatendo para escapar das suas armadilhas. Mas

aquela não era uma gargalhada banal, o seu gargalhar

evoluía para uma histeria de lhe fazer doer à barriga.

Page 20: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

20

No dia seguinte habitualmente ele vinha con-

ferir as suas armadilhas, e sempre dissimulando tal

fingimento que passava ali por acaso. Em um passeio

matinal com a finalidade de apreciar a natureza e

respirar o doce frescor da manhã. Ao encontrar al-

guém preso em alguma de seus artifícios, ele fazia

uma encenação dramática, lamentando aquele horrí-

vel ocorrido. Depois de todo aquele dramalhão, ele

finalmente os libertava. Dizendo que aquilo deveria

ser obra de algum malvado da vizinhança, que fazia

as tais armadilhas.

O simples fato de ver que alguma pessoa em

dificuldades lhe era prazeroso. Um viajante vitimado

em uma de suas armadilhas, já era o suficiente para

lhe causar um grande prazer, fazia então um enorme

esforço para conter o riso e manter uma aparente

lamentação e repudio. Considerava então, aquilo um

grande feito, e a principal satisfação daquele dia.

Os viajantes que se tornavam vítimas de suas

perversidades, e eram posteriormente libertos por ele

mesmo. Acreditavam em sua representação dramáti-

ca. Ficavam muito agradecidos e até lhe davam re-

compensas.

Quando estes o deixavam e prosseguiam em

suas jornadas, ele achava tudo muito engraçado e se

divertia dando longas gargalhadas. Periodicamente

ele mudava os locais das suas armadilhas, escolhen-

do sempre locais estratégicos, onde certamente al-

guém passaria e seriam suas próximas vitimas.

Transcorria o tempo e a sua maldade se tornava cada

vez mais incansável e rotineira, mas como a rotina é

inimiga da prudência.

Page 21: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

21

Certo dia ele próprio caiu em uma das suas

armadilhas, entretanto desta vez isso não lhe pareceu

nada engraçado. Como diz o velho ditado ele provou

do seu próprio veneno. Em fim depois de quase um

dia inteiro tentando inutilmente a se livrar da armadi-

lha, e já a beira do desespero ele não conseguia mais

lutar contra aquele doloroso desafio. E antes mesmo

que começasse a refletir sobre os seus atos maléficos.

Um viajante que já tinha sido uma de suas vítimas

estava de volta, caminhava cautelosamente e com

certo receio. Ao ouvir um gemido, o viajor relutou

um pouco. Depois se aproximou lentamente, ao vê-lo

ali ficou bastante surpreso, e com muito cuidado o

libertou. Aparentemente o sujeito nefando ficou mui-

to grato, e repetiu àquela velha desculpa esfarrapada,

o tal malvado da vizinhança precisava parar com

aquilo.

O fato é que aquele incidente lhe deixou uma

sequela. Um ferimento numa das pernas que demo-

rou muito a cicatrizar. Acabou ficando manco dessa

perna. Porem isso ainda não foi o suficiente para

detê-lo. Sempre mancando e com aquele sorriso sar-

cástico, ele continuou com as suas peraltices maléfi-

cas por muito tempo.

Ate que em outra ocasião, um feiticeiro que

por ali passava caiu em uma de suas armadilhas e

ficou muito furioso. Talvez aquele feiticeiro ate con-

seguisse a se libertar, usando algumas de suas magi-

as. No entanto não o fez, uma vez que estava decidi-

do a esperar para ver e punir o autor de tais armadi-

lhas.

Page 22: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

22

Quando o dito-cujo apareceu mancando e

olhou a sua vítima. Como era de seu costume fez

aquela cara de surpreso. Fingindo de homem piedoso

se apressou para libertá-lo e com a velha desculpa.

Repetindo a mesma ladainha de sempre. Dizendo que

as armadilhas deveria ser arte de algum malvado da

vizinhança...

O feiticeiro que era muito sagaz e sabia ler

pensamentos, não se deixou enganar pelas suas des-

culpas esfarrapadas e lhe amaldiçoou. E assim o

transformou em um animal desprezível, atarracado,

peludo, com grandes maxilares e quartos traseiros

caídos. Um animal sem atrativos e de modo furtivo,

pelo castanho-sujo e andar manquejante. Dizem que

foi assim que aconteceu. Acredita-se que esta é a

origem da primeira hiena, com a sua terrível reputa-

ção.

...

Os antigos acreditavam que se a sombra de

uma hiena caísse sobre a de um cão, este ficaria mu-

do e paralisado. Diziam que a hiena era a encarnação

de espíritos de feiticeiros. Em algumas culturas, pen-

sa-se que as hienas influenciam os espíritos das pes-

soas, roubam túmulos, gado e crianças.

Existem muitos mitos e lendas sórdidas, sobre

hienas. Na Tanzânia e na Índia, a lenda afirma que as

bruxas conduzem as hienas. Uma religião popular

etíope fala de pessoas que são possuídas por demô-

nios e podem se transformar numa hiena.

Na Idade Média, acreditava-se que as hienas

desenterravam e consumiam os corpos dos mortos.

Page 23: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

23

O seu grito áspero, os seus hábitos alimentares e o

cheiro desagradável. Fazem da hiena um animal de-

testável. Apesar da sua utilidade na destruição de

animais mortos. Sendo comedora de cadáveres, ela

limpa o terreno, devorando todos os corpos que en-

contra no caminho. Além disso, é eficiente caçadora.

Também ataca, às vezes, animais domésticos; por

esta razão, é caçada sem misericórdia em algumas

partes da África.

Page 24: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

24

A Sanfoneira Encantada

O povo sertanejo om os seus costumes e

superstições, sempre gostaram de contar estórias e

causos. Muitos destes identificados na linguagem

erudita como lendas folclóricas.

Devemos levar em conta que uma lenda não

significa uma mentira, nem tão pouco uma verdade

absoluta. As pessoas do interior quando contão al-

guma estória, contão com certa convicção sempre

afirmando que é amais pura verdade. É inegável a

afirmação que conhecemos a respeito dessas pessoas.

Contão cada estória que nos parece impossíveis de

acreditar. Algumas dessas lendas chegaram até nós

através de causos, que digamos não encontra lógica

alguma em nosso raciocínio moderno. Entretanto

fazem parte das tradições e cotidiano do homem do

campo.

Claro que o sertanejo do nosso imenso país,

que ainda não foi influenciado pela tecnologia, isso

tem mudado com o passar dos tempos. Também é

razoável afirmar que na maioria das vezes, são pes-

soas simples e bastante solidárias que costumam

compartilhar quase tudo. Assim como as tarefas do-

mésticas que desde sempre dividiram com os seus

familiares. E até mesmo com as crianças.

Num destes rincões distante de nosso imenso

país. Morava um sertanejo com sua mulher e quatro

filhos em uma casinha muito humilde. Na verdade

era um simples casebre oculto no fundo de um pe-

Page 25: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

25

queno vale. A pobreza ali estava estampada no mobi-

liário ou na ausência do mesmo.

Os poucos móveis de uma sala e cozinha con-

jugada eram apenas, um armário improvisado de

caixotes, uma mesa velha e um banco de madeira,

um fogão a lenha feito de tijolo e argila. O restante

da casa era um quarto que a família dividia, utilizan-

do uma esteira de palha como divisória para separar

o casal de um lado e as crianças de outro. As camas

eram tarimbas feitas de madeira bruta e colchões de

palha, quase nada que significasse comodidade.

Apesar daquela aparente miséria, tinham duas

vacas de leite e algumas galinhas no terreiro. Aquele

homem sobrevivia do trabalho do campo e sempre

dizia que tinha orgulho disso e se considerava feliz

com sua família e o pouco que lhe pertencia. Um

pequeno sítio com um casebre, um galinheiro, uma

pequena horta e um pasto para as suas vacas.

Aquela humilde habitação estava situada pró-

xima de um bananal que ocultava uma tapera. Era

uma ruína que apresentava vestígios de uma antiga

residência, no ponto mais alto daquela propriedade.

Algumas bananeiras cresceram entre os restos de

velhas paredes que ainda resistiam ao desgaste do

tempo.

Foi numa tarde tranquila de verão, aproxima-

damente dezessete ou dezoito horas, mais precisa-

mente um final de tarde. Quando o sol já começava a

se ocultar no poente. O sertanejo mandou seus quatro

filhos pequenos buscarem folhas e troncos de bana-

neiras para alimentar as vacas. As crianças saíram

contentes por estarem juntos e foram brincando pelo

Page 26: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

26

caminho. Eram três meninos e uma menina, o mais

velho já estava na pré-adolescência.

Ele corria na frente dos outros, para esconder-

se e reaparecia repentinamente, pregando um susto

nos seus irmãos. Durante o percurso a caminho do

bananal foram brincando de se esconder ou distraí-

dos a colher flores e frutos silvestres. Ao chegarem

ali naquele bananal, é que perceberam que já come-

çava a escurecer. Sem perder mais tempo, eles prepa-

ram seus fardos com folhas e troncos de bananeira.

Finalmente todos já estavam prontos para

voltarem pra casa, cada um deles, com seus fardos

amarrados. Os quais levariam deslizando, puxados

por cordas. Aliás, não seria uma tarefa difícil, afinal

teriam apenas uma decida naquele percurso de retor-

no pra casa. As crianças já iniciavam a caminhada de

retorno. Quando foram surpreendidos por uma repen-

tina aparição.

A poucos metros de distância eles viram sur-

gir misteriosamente do nada, diante seus olhos. Uma

mulher muito bem vestida, mas ilusoriamente irreal.

A dita-cuja com um aspecto mórbido e aparição re-

pentina, causou um grande pavor aos pequeninos.

Era uma visão fantasmagórica, envolta por uma es-

tranha luz. A mulher trajava um vestido longo e

branco, sempre sorrindo e tocando uma sanfona que

trazia em seus braços. Enquanto tocava a sanfona ela

caminhava e dançava vindo em direção das crianças.

As crianças não tiveram alternativas a não ser

fugir dali o mais rápido que suas forças permitissem.

O garoto mais velho foi o primeiro a correr, seguido

pelos outros que formaram uma gritaria geral. O sus-

Page 27: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

27

to foi tão grande, que eles nunca mais se esqueceram

daquele episódio.

Saíram gritando em disparada até chegarem à

sua casa. Esbaforidos relataram tudo aos seus pais,

que inicialmente relutaram em aceitar a versão dos

meninos, mas acabaram dando credito ao fato.

A mulher do sertanejo sempre que tinha uma

oportunidade espalhava o caso acontecido. Ele por

sua vez, não queria aceitar que acreditava em fan-

tasma. E talvez por esse motivo, ele sempre tentou

dar alguma explicação plausível para aquele ocorri-

do. O tempo passou, os meninos cresceram e conta-

ram essa estória aos seus filhos e netos. Segundo eles

tratava-se de uma “encantada”, uma espécie de fan-

tasma preso a algum tesouro enterrado.

Em outra versão diziam os mais velhos da-

quela região que naquela localidade nos tempos da

escravidão. Morou ali uma fazendeira muito malva-

da. Que mandava castigar seus escravos e enquanto

assistia ao castigo, ela tocava sanfona.

As chibatadas dadas pelo carrasco deveriam

ser ritmadas acompanhando o som da sanfona. O

som das chibatadas e o gemido do escravo açoitado

era para ela a canção ideal para o acompanhamento

de seu instrumento musical. Era uma espécie de xote

da maldade, um folguedo macabro.

Por causa da maldade da sanfoneira, o lugar

ficou mal assombrado. Nas noites de lua cheia ouvia-

se claramente ao longe o som de uma sanfona acom-

panhado por gemidos e estalos de chibatas.

E ninguém ousava passar por ali.

Page 28: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

28

Assombração Animal

Algumas superstições atribuídas à crença

católica. Existem aquelas referentes à quaresma, é

tradicionalmente conhecida à ideia que na semana

santa não se deve comer carne de nenhuma espécie

animal com a exceção de peixes. Principalmente na

sexta feira maior quando também há celebrações

como as procissões, e diversos eventos. Alguns re-

comendados pela igreja e outros apenas tradicionais

como malhar o Judas por exemplo. Mas o mais co-

mum é o ritual que também consiste em comer pei-

xes, o católico mais tradicional afirma que o fato de

não comer carne, neste período, está relacionado com

“fazer um sacrifício”, por Deus, que deu a vida do

seu único filho em sacrifício por toda a humanidade.

Os mais antigos diziam que nas sexta feira

durante a quaresma era proibida olhar no espelho por

que viria outra imagem, algo horripilante, como a

figura do próprio demônio. Entre as superstições

mais conhecidas, e tempo de bruxas e lobisomens,

assombrações e almas penadas. Também não era

permitido ouvir radio nem cantar, assobiar, ou qual-

quer coisa que demonstrasse contentamento. Qual-

quer destes comportamentos seria profano e motivo

de punição divina. Assim era a quaresma e princi-

palmente a semana santa. Quem ousasse a desobede-

cer a qualquer norma de fé, corria o risco de contrair

uma maldição.

Page 29: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

29

...

Conta-se que em certa ocasião um colono

resolveu matar uma de suas vacas em plena sexta

feira maior que coincidentemente caia no dia treze,

tornando assim uma data ainda mais mística. O sol já

estava quase se pondo quando o homem disse para a

sua esposa.

– Hei mulher! Acho que vou matar a vaca

mimosa para comermos no sábado de aleluia.

A mulher do colono que era muito religiosa,

nascida em um lar supersticiosamente católico. Ten-

tou adverti-lo para que ele abandonasse aquela infeliz

decisão.

– Olha meu marido essa não é uma boa ideia.

Você sabe que é pecado. Não devemos comer carne

na semana santa. E muito pior é matar qualquer tipo

de animal na sexta feira maior. O homem argumen-

tou de um modo ríspido, não dando atenção a reco-

mendação da esposa.

– Ora essa deixa de conversa fiada. Se eu não

fizer isso agora, amanhã é sábado de aleluia e não

teremos carne para o almoço, e como você já sabe

teremos muitas visitas. Dizendo isso ele chamou o

seu filho mais velho e pediu que lhe trouxesse logo a

vaca. O rapaz ficou meio confuso e apesar da reco-

mendação da mãe, não teve alternativa e obedeceu a

ordem do seu pai.

Sem muita demora o rapaz trouxe a vaca,

quando já começava anoitecer e a entregou ao pai.

Enquanto faziam uma fogueira e os preparativos para

Page 30: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

30

o abate. A vaca tentou escapar, mas não conseguiu e

foi logo capturada. As horas passaram rapidamente e

a noite avançava, a vaca aguardava imobilizada.

O homem aproximou-se e deu-lhe uma pau-

lada tão forte na cabeça da vaca, que o pobre animal

tombou sem vida. Trouxeram os facões e começaram

a tirar-lhe o couro. O trabalho dos dois parecia uma

luta contra o tempo e já se aproximava da meia-noite,

quando os dois davam os últimos toques para tirar

totalmente o couro.

Era enfim meia-noite em ponto, inesperada-

mente a vaca ressuscitou, levantou-se mugindo e

enfurecida saiu chifrando a todos. Assustadoramente

a vaca ensanguentada e sem couro parecia brilhar a

luz da fogueira.

– Meu Deus do céu é um castigo. Gritou a

mulher apavorada. Eu avisei vocês que era pecado

fazer isso na sexta-feira maior.

Depois de dar uma chifrada em cada um deles

a vaca saiu mugindo e em disparada e desapareceu

no meio do mato. Após a recuperação do susto e ain-

da sem saber direito o que fazer os dois saíram à pro-

cura da vaca, mas nada encontraram.

Cansados eles não se aventuraram a prolongar

a busca, e assim os dois voltaram pra casa. A mulher

quis saber o ocorrido, o pai hesitou em contar, mas o

filhou contou o acontecido. E não foram dormir sem

antes ouvir um sermão. No dia seguinte com a che-

gada dos familiares que vieram visita-los, e também

ficaram sabendo o ocorrido. Os mais corajosos apro-

veitaram a ocasião para se aventurarem na mata.

Formaram então dois grupos, um liderado pelo filho

Page 31: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

31

com a missão de ir até o vilarejo mais próximo em

busca de carne e outros suprimentos para abastecer a

casa.

O outro grupo munido de espingardas e fa-

cões liderado pelo pai com a missão de vasculhar a

mata a procura da vaca, a aventura durou por longas

horas, sem nenhum resultado satisfatório. Decepcio-

nados encerraram as buscas e tentaram esquecer o

episódio.

A tal vaca nunca foi encontrada. Dizem que o

lugar ficou mal assombrado. Se alguém tiver a ousa-

dia de passar por lá na sexta-feira santa à meia noite

certamente será atacada pelo fantasma de uma vaca

sem couro em carne viva e com os olhos flamejantes.

Page 32: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

32

Canção Misteriosa

Aproveitar as noites de lua cheia para uma

boa pescaria, já era dele um costume que não pensa-

va em abrir mão, a não ser que fosse por um bom

motivo. Sendo assim, ele saiu de seu rancho num

final de tarde, com a intenção de amanhecer pescan-

do a margem de um pequeno rio em meio à mata,

não muito longe de casa. Fazia isso periodicamente

sempre que lhe dava vontade. A caminho da pescaria

ele passou no boteco pra comprar uma garrafa de

aguardente, companheira de pescaria. Para não pare-

cer deselegante e na expectativa de que ninguém o

acompanharia ele convidou alguns amigos ao que de

pronto lhe respondiam. Não poderiam acompanhá-lo

por que tinham compromisso com o trabalho no dia

seguinte.

– Com o perdão da má palavra, ainda bem

que eu não sofro desse mal. Disse em tom de brinca-

deira enquanto saía do boteco.

– Cuidado com alguma assombração. Disse-

lhe um amigo ao que de pronto ele rebateu com uma

pergunta.

– Acaso você pretende aparecer por lá de ma-

drugada? Depois disso ele seguiu em direção ao rio.

Já era noite quando ele atravessou um capão de mato

com o auxílio da lanterna e a escassa luz do luar que

penetrava entre a galhada das arvores. Ao chegar à

margem procurou um local adequado e se instalou ao

lado de uma grande pedra.

Page 33: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

33

Fez uma pequena fogueira içou anzol aqui

outro acolá e ficou a observar qual vara puxava pri-

meiro. Não tardou um peixe aqui outro ali, um vento

soprou e ele pensou ter ouvido um gemido. Prestou

um pouco mais atenção aos ruídos da mata então

concluiu que era apenas o barulho do vento. Algum

tempo depois aquele gemido se repetia, sentiu um

arrepio na espinha.

Ao se recobrar daquela tensão e medo, se

encheu de coragem e resolveu então averiguar. Per-

cebeu que aquele suposto gemido vinha rio acima, ao

se aproximar, um novo susto. Agora parecia alguém

cantando "Se você não me queria Não devia me pro-

curar”. Ouviu aquela breve canção seguida de um

silêncio profundo.

Ficou paralisado de medo, ao se recuperar

deu mais alguns passos a diante, a canção continuou

“Não devia me iludir Nem deixar eu me apaixonar".

Um novo silêncio seguido de uma ventania repentina

que quase o gelou dos pés a cabeça.

Sua reação de imediato foi voltar correndo ao

local de origem, pensou até em desistir da pescaria,

mas o orgulho falou mais alto.

– Não sou nenhum covarde, mesmo assim eu

vou descer e procurar um local mais descampado e

continuar pescando... Espera aí eu estou falando so-

zinho... Não pode ser... Dizendo isso juntou seus

apetrechos e desceu sentido rio abaixo até encontrar

um local descampado próximo de um sitio que era de

um compadre seu.

Ali ele ficou a pescar por mais algumas horas,

mesmo sem querer admitir, mas estava amedrontado.

Page 34: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

34

Não conseguiu mais tirar aquela canção misteriosa

da cabeça. Percebendo que não pegava peixe ne-

nhum. Sendo assim desistiu e voltou para casa.

No dia seguinte já com sol alto resolveu pôr

fim aquela angustia e voltou ao local do episódio

daquela mal fadada noite. Quando se aproximava do

local suposto mal-assombrado percebeu que o sol se

ocultava atrás de algumas nuvens e o vento soprava a

mata furiosamente. Ouviu aquele gemido em seguida

aquela voz cantada. "Se você não me queria. Não

devia me procurar”. Teve medo, lembrou que agora

era dia e nada poderia lhe causar medo.

Encheu-se de coragem e seguiu adiante, a

canção continuou “Não devia me iludir Nem deixar

eu me apaixonar". O medo lhe apavorava, mas ele

seguia em frente até chegar bem no local de onde

vinha à canção misteriosa. Então avistou na água um

pedaço de disco de vinil preso em um galho, perce-

beu que aquele pedaço de disco girava com o movi-

mento da água e ao passar por um espinho reprodu-

zia aquele trecho de canção.

Page 35: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

35

Caipirinha de Liquidificador

Toda noite era a mesma rotina, de bar em

bar e de gole em gole ele ia bebendo. Ate que final-

mente chegava a sua casa embriagado. Mal ele entra-

va e já despertava a ira de sua mulher, que estava no

quarto tentando dormir. Ao ser acordada pelo baru-

lho da chegada do marido que geralmente entrava

derrubando alguma coisa. Lá do interior do quarto

ela o execrava.

– Chegou à assombração para atrapalhar o

meu sono. Cachaceiro sem vergonha! E o papagaio

sempre repetia uma parte da frase.

– Cachaceiro sem vergonha!

Ele costumeiramente ao entrar, ia logo prepa-

rar uma caipirinha de liquidificador para tomar antes

de dormir. Assim ele colocava o limão em um liqui-

dificador, batia até que o limão ficasse triturado, de-

pois coava para uma jarra, lavava o copo do liquidi-

ficador para retirar pedaços de limão que tinha ficado

no copo depois disso. Voltava com a mistura coada

para o liquidificador e acrescentava o gelo, o açúcar

e a cachaça. Batia até que todos os ingredientes esti-

vessem bem misturados. Servia em um copo de bati-

da com uma pedrinha de gelo. É claro que nem sem-

pre seguia esta receita dependia do grau de embria-

gues que se encontrava. Geralmente o que acontecia

é que quando ligava o liquidificador fazendo um

grande barulho.

Page 36: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

36

Ouvia a esposa o insultar mais um pouco,

então ela abria a porta do quarto e atirava-lhe um

travesseiro dizendo:

– Dorme ai no sofá. Seu cachaceiro sem ver-

gonha! Se você entrar aqui eu quebro essa vassoura

nos teus cornos. E o papagaio repetia parte da frase.

– Cachaceiro sem vergonha!

Então ele deitava no sofá com a cabeça apoi-

ada no travesseiro e com o copo do liquidificador ao

lado, ia bebendo aquilo até adormecer. No dia se-

guinte acordava com ressaca.

Quando a esposa dele saia do quarto e lá es-

tava aquela bagunça. O liquidificador para um lado e

o copo para o outro, resto de caipirinha derramado,

objetos caídos e aquele fedor de cachaça.

Ela ficava revoltada com aquela cena, apesar

de ser algo rotineiro. Não conseguia acostumar com

aquela situação. Mal saía do quarto já ia arrumando

aquela bagunça e maldizendo.

– Até quando eu vou ter que aguentar este

estrupício? Cachaceiro sem vergonha! E o papagaio

repetia parte da frase.

– Cachaceiro sem vergonha!

Certa noite ele chegou com a barulheira de

sempre os xingamentos da esposa pareciam-lhe mu-

sica aos seus ouvidos. Pegou o liquidificador, um

limão verdinho enfiou no liquidificador tacou açúcar,

tacou cachaça a vontade ligou o liquidificador, a es-

posa atirou-lhe o travesseiro disse-lhe uns desaforos

e meio adormecida voltou para a cama. Ele recostou

a cabeça no travesseiro e sorvendo a caipirinha, to-

mava um gole se engasgava e cuspia.

Page 37: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

37

A mulher se irritou e de lá do quarto gritou:

que cuspideira é essa? Cachaceiro sem vergonha. Lá

do sofá da sala onde estava ele retrucou:

– É a porcaria desse travesseiro que está fura-

do. Entrando pena em minha boca. A mulher voltou

a dormir.

No dia seguinte a esposa levantou. Olhou de

relance aquela rotineira bagunça e foi procurar o pa-

pagaio. Não o encontrando, voltou à sala e constatou

o ocorrido.

– Desgraçado! Bêbado de uma figa. O que

você fez com o nosso papagaio?

Page 38: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

38

Caixão de Defunto

Ela caminhava tranquilamente por uma es-

trada deserta, não lembrava exatamente o que estaria

fazendo ali. Mas pensou em aproveitar a ocasião para

relaxar um pouco. Então parou respirou andou mais

alguns passos, sentindo a natureza as árvores os pás-

saros. Aquele lugar apesar de aparentemente deserto

lhe causava tranquilidade, mas à medida que andava

a mata parecia ficar mais densa. E depois de algum

tempo caminhando desaparecia aquela tranquilidade

o céu parecia escurecer como se estivesse entarde-

cendo muito rapidamente e isso já lhe causava preo-

cupação.

Quando repentinamente ouviu um gemido,

olhou assustada para os lados. Mas não viu nada an-

dou mais alguns passos desta vez bem apressados,

ouviu novamente o gemido. Olhou para traz e levou

um grande susto, avistou um caixão de defunto e sem

saber o que fazer passou a correr sem olhar para traz.

Depois de certo tempo correndo parou calculando

que já estava longe. Quando pensava em encontrar

um lugar para sentar e descansar, olhou para traz e lá

estava o caixão de defunto, pensou não pode ser eu

corri bastante quase um quilometro, ou melhor, para

não exagerar uns quinhentos metros.

Começou a correr novamente e depois de mui-

to correr pegou uma encruzilhada a sua frente e con-

tinuou correndo. Algum tempo depois já bem cansa-

da resolveu parar, alias certamente já estaria bem

fora do alcance daquela aparição estranha. Olhou

Page 39: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

39

para traz e para os lados não vendo nada se sentiu

segura e passou a andar a passos lentos e respirando

para descansar.

Algum tempo depois quando já conseguia

respirar melhor ouviu novamente aquele gemido e

novamente olhou para trás e lá estava aquele caixão

de defunto, parecia um pouco mais longe do que da

primeira vez. Mesmo assim não conseguia entender

aquilo sem muito que pensar começou a correr no-

vamente. Então pensou consigo mesma

– Isso não faz o menor sentido já corri muito

estou em outra estrada, vou parar e olhar novamente

deve ser uma ilusão de ótica. Então se encheu de

coragem e parou e ao olhar para traz. Lá estava o

caixão de defunto, como parecia estar a uma distân-

cia segura e quase acostumada com aquela coisa es-

tranha.

Olhou mais fixamente e percebeu que aquele

caixão estava em movimento, parecia carregado por

seres invisíveis, pensou.

– Mas isso não pode estar acontecendo. Ou-

viu uma gargalhada, olhou em volta e teve a impres-

são de estar sendo observada. Novamente ouviu

aquele gemido, olhou para traz e o tal caixão parecia

estar se aproximando.

Passou a correr desesperadamente, então per-

cebeu uma corda que pendia a sua frente.

Outro susto, não conseguia entender o que

significava aquilo. Sem alternativa continuou corren-

do. Ouviu uma voz que lhe dizia.

– Pegue firme está corda. Ela ainda correndo

olhou para cima e viu um enorme pássaro gigante

Page 40: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

40

sendo cavalgado por um cavaleiro que lhe pareceu

amigo e lhe dizia insistentemente.

– Pegue firme esta corda vou lhe tirar deste

lugar horrível. Ela hesitou, mas, o homem insistiu lhe

ordenando.

– A corda menina, a corda menina.

Ela olhou em frente e viu que a estrada aca-

bava em um precipício, então sem alternativa. Agar-

rou-se naquela corda com todas as suas forças, fe-

chou olhos e ao abrir novamente percebeu que estava

em sua cama amparada por seu pai que lhe dizia:

– Acorda menina. Ela assustada perguntou.

– Onde estou? E seu pai lhe respondeu.

– Fique calma querida, você teve um pesade-

lo. Mas agora está tudo bem...

Page 41: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

41

Coma Alcoólico

O bêbado no interior do coletivo importu-

nando todo mundo.

– Eu conheço você. Você não é caminhonei-

ro? O outro não respondeu, apenas pediu licença e

passou adiante.

– Eu já fui caminhoneiro, agora não posso

mais por causa da minha perna. Exibindo a perna

enfaixada.

– Eu quase perdi essa perna... Foi por pouco.

Depois de uma pequena pausa ele fala exaltado.

– Mas eu fiz aquele filho de uma égua paga

bem caro. Examinado a perna enfaixada e exibindo a

outra, a perna sã.

– Ainda bem que sobrou a outra sã. Com um

bom apoio da até pra dar uns chutes. De repente o

bêbado levantou cambaleando com o movimento do

ônibus e foi até o motorista.

– O motorista! Falta muito pra chegar à vila?

Tenta tocar o motorista, mas não consegue por causa

da catraca.

– Estamos quase lá, o senhor vai até o ponto

final? Perguntou o motorista sem olhar para o bêba-

do.

– Claro que não. Eu moro bem antes. Virou

para um passageiro.

– Esse motorista tá tirando uma com a minha

cara. O que eu iria fazer lá? Não perdi nada lá. Enca-

rando o homem a sua frente.

Page 42: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

42

– Mas é você mesmo que tá aí? Eu te conheço

também. Eu fui caminhoneiro lembra... O homem

fica impaciente e tenta sair de perto do bêbado então

ele olha para o outro e diz.

– Esse não se lembra de nada... Eu moro aqui

há trinta anos, eu já fui caminhoneiro, conheço todo

mundo. Olha para um rapaz que sorri enquanto co-

chicha com uma moça ao seu lado.

– Não acredita né? Eu conheço vocês dois aí

também. Algumas pessoas riem e outras fazem co-

mentários maldosos, o bêbado reage em tom agressi-

vo.

– Eu já fui matador! Já matei três... O último

quase me tirou essa perna. Foi um tiro só e acertou

minha perna... Nunca mais consegui andar direito!

Olhando pra fora.

– É aqui mesmo que eu fico... Neste ponto

para aí motorista!

O bêbado faz um escarcéu sem perceber que

alguém já tinha solicitado a parada.

– Sossega ai amigo eu vou desembarcar tam-

bém!

Disse o homem, e desembarcou junto com o

bêbado. O ônibus seguiu deixando os dois. Eles ca-

minhavam na penumbra da noite.

– Eu te conheço. Disse novamente o bêbado.

– Claro que me conhece! Só não está se lem-

brando de onde. Disse o homem encarando o bêbado

de frente.

O bêbado levou um grande susto ao perceber

que aquele homem se movimentava rapidamente e

Page 43: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

43

sem tocar o chão. Mesmo assim ficou meio confuso

acreditando que poderia ser o efeito da bebida.

– Como é que pode isso? Você estava ali e

agora já está aqui e eu nem vi você andar de um lado

para o outro? Olhou firme para o homem e disse.

– Você parece àquele cara que eu matei!

– Isso mesmo. Disse-lhe o homem flutuando,

com os pés a poucos centímetros acima do chão.

– Mas você morreu cara. Como pode ter vol-

tado?

– Eu fiz um acordo com o! Faz uma pausa e

conclui.

– Você sabe quem. O bêbado estremece e

quase se recupera da embriaguez.

– E vim pra levar você comigo. Dizendo isso

o homem que agora parecia transfigurado, colocou o

dedo na testa do bêbado. E este viu tudo escurecer.

A seguir foi levado contra sua vontade por

um grupo de vultos sombrios para um mundo entra-

nho e sem luz, acostumou gradativamente a enxergar

nas trevas e passou a conviver com ratazanas em

uma espécie de esgoto mal cheiroso, vez por outra

ouvia vozes e gargalhadas.

*Seu corpo foi encontrado por familiares e

assim concluíram que ele não conseguiu acordar do

coma alcoólico.

Page 44: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

44

Doce Velório

Um caso surreal teve inicio quando uma

mulher invadiu um velório motivado por desacordo

comercial. O falecido morreu antes de fazer a entrega

dos doces que a invasora havia contratado para a

festa de debutante de sua irmã. A confeiteira que

acabara de ficar viúva já havia avisado a cliente os

motivos do atraso se comprometendo a devolver o

dinheiro da encomenda. Já que os doces não ficarão

prontos na data combinada. A cliente não aceitou a

proposta e foi ate ao velório disposta a fazer confu-

são, entrou filmando e insultado a confeiteira. O caso

acabou na delegacia

– Eu estou sem palavras. Tinha pelo menos

dez clientes para aquele dia, e nove delas entende-

ram, porém, ela não aceitou. Pediu a devolução do

dinheiro em dobro, uma espécie de multa por não

cumprir o combinado. Valor que ela alegou que iria

pagar em um novo pacote. Fui chamada de irrespon-

sável e culpada por estragar a festa da irmã dela. In-

formou a confeiteira ao escrivão de serviço que digi-

tava tudo atentamente.

– Ela disse que iria me processar e várias ou-

tras barbaridades. De nada adiantou eu dizer que de-

volveria o dinheiro, ela insistia em dizer que queria

os doces, mas não queria esperar, e somente aceitaria

a devolução do dinheiro em dobro. Disse a confeitei-

ra concluindo a declaração. O escrivão a deixou por

um instante e foi ate a sala ao lado onde estava o

delegado falando a um telefone.

Page 45: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

45

Voltou lhe informando que a audiência seria

no dia seguinte, a outra parte seria intimada ainda

naquela tarde.

No dia seguinte na ocasião da audiência, a invasora

do velório afirmava que tinha sido vítima de uma

cilada. Argumentou que a confeiteira poderia ter to-

mado outras atitudes.

– Eu fui insultada e sou a vítima, fui chamada

de vagabunda, e de vários outros nomes. Eu fui até lá

para receber o dinheiro para pagar para outra doceira.

Mas ela não queria depositar o estorno em minha

conta, o que eu poderia fazer?

– Não foi bem assim ela queria o valor em

dobro e quem a insultou foram outras pessoas que

saíram em minha defesa.

– Eu desci filmando porque ficaram me xin-

gando e meu celular caiu no chão quando eu fui

agredida e o vídeo se apagou. A audiência encerrou

sem que chegassem a um comum acordo e foi parar

no FPC “fórum de pequenas causas”.

O caso foi contado pela mídia local e levan-

tou a questão sobre o cliente ter ou não sempre razão.

Para ela, essa é uma justificativa.

– Claro que sim, meu amor. Por que não de-

positaram o dinheiro? Por que me fizeram descer lá?

Eu estava filmando e, mesmo assim, me agrediram,

mas eu não filmei o caixão do marido dela, filmei

apenas ela. Não vou negar que me arrependo de ter

ido lá. Se eu imaginasse que ela ia fazer tudo isso, eu

teria a mandado sentar no dinheiro. Eu sou uma pes-

soa de classe média, não sou baixa que nem ela. Eu

contratei o serviço dela e, uma semana antes do ani-

Page 46: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

46

versário, o marido dela teve sei lá o quê. Eu liguei

para saber se ela ia dar conta e ela garantiu que sim.

Essa festa foi planejada há dois anos, e não era só

questão de dinheiro, era o sonho de uma pessoa. Ela

me disse que tinha uma funcionária ajudando e todos

os pedidos seriam entregues. Quando foi de manhã,

eu pedi para antecipar o pedido, quando foi 21h ela

ligou falando que o marido morreu. Eu falei que en-

tendia que ela estava de luto e ia velar o marido, mas

ela me disse que ia entregar os doces porque tinha

uma funcionária. Ela me deu a palavra e depois me

disse que não ia abrir a porta da casa para uma estra-

nha trabalhar, mas era a funcionária dela, afirmou.

Naquela noite a cliente da confeiteira, invaso-

ra de velório, foi dormir com um peso na consciência

e teve um pesadelo, ela sonhou com o seu próprio

velório. Estava nua sobre uma mesa e com o corpo

parcialmente coberto de docinhos e balinhas besun-

tado com leite condensado e doce em pasta. Aqueles

docinhos e balinhas formavam desenhos em seu cor-

po nu, a sua volta paçoquinhas empilhadas como se

fossem velas e outros doces enfeitavam a cena. As

pessoas a sua volta olhavam em silencio e vez por

outra, alguém comia um docinho em silencio ou fa-

zendo algum comentário com certa reverencia. Ela

percebeu que a superfície da mesa sobre a qual esta-

va parecia um pouco mais baixa do que uma mesa

comum, isso porque conseguia ver todos a sua volta

da cintura para cima, as pessoas mais altas um pouco

mais abaixo. Um rapaz passou levemente as pontas

dos dedos em seu seio depois levou aos lábios e lam-

beu dizendo.

Page 47: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

47

– Que delicia é doce de leite. Uma moça loira

acariciou suas coxas depois lambeu a mão dizendo.

– É leite condensado.

Ela não estava se-sentindo à vontade naquela

situação, tentou sair dali, mas não conseguia se mo-

ver. Observou que todos ali não percebiam o seu

incomodo e continuavam aquele ritual estranho de

felicidade mórbida. Então se deu por vencida e deci-

diu ficar inerte ali por mais algum tempo e ver o que

mais podia lhe acontecer. Observando enquanto era

observada, pensou.

– Devo ter morrido. Mas porque estou nua

sobre esta mesa e parcialmente coberta de doces,

enfeitada como se fosse um bolo? Percebendo aos

poucos que aquela mesa estava preparada para uma

festa de aniversário. Tinha vários tipos de gulosei-

mas. Algumas pessoas bebendo.

– Mas onde estão as bebidas? Então percebeu

que estavam em outra mesinha num canto da sala,

estrategicamente para que as pessoas se servissem à

vontade e voltassem a observa-la degustando suas

bebidas e se deliciando com suas curvas. Provando

seus docinhos fazendo comentários de erotismo ve-

lado. Outra moça se aproximou e passou a timida-

mente a mão em sua bunda e lambendo a palma da

mão comentou.

– É chocolate.

Ela não conseguia se mover, mas descobriu

uma faculdade mental que antes não tinha, conseguiu

mover-se mentalmente entre as pessoas sem ser vista

por ninguém. Todos e até ela mesma continuavam

vendo-a sobre a mesa. Enfeitada com aqueles doces e

Page 48: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

48

salgado estranhamente sobre uma toalha preta, rode-

ada por pessoas famintas. Saindo mentalmente da-

quela sala e misturando-se entre as pessoas. Como

não poderia ser vista, era possível circular livremente

e observar até mesmo o seu próprio corpo. Era preci-

so admitir que realmente estava linda ali naquela

mesa. Ficando à vontade para ouvir todo tipo de co-

mentários. Alguém perguntou sussurrando ao amigo.

– Do que foi que ela morreu? O outro respon-

deu.

– Acho que foi diabete.

– É mesmo, e por diz isso?

– Ora o que mais explicaria tanto doce assim!

– Você não está sendo honesto tem salgadi-

nhos também. E olha que estão uma delícia! Um ter-

ceiro se aproximou.

– Não digam tolices. Foi o seu último desejo.

– Como assim, ela queria ser velada nua e

lambuzada de doces?

– Isso mesmo, ela pediu um velório em clima

de festa, sem caixão. Como se fosse à festa de seu

aniversário, com muitos doces e bebidas. Gostaria de

ir como chegou ao mundo, ou seja, nuazinha da silva.

Saindo dali ela foi mais adiante, se aproximou de

outro grupo.

– Como ela é gostosa, você não acha? Disse

um rapaz. O outro brincou.

– As paçoquinhas?

– Claro que não. Eu me refiro à falecida.

– O que é isso rapaz? Que falta de considera-

ção.

Page 49: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

49

Neste momento ela voltou ao seu corpo e

decidiu que queria sair dali. Mas sem causar cons-

trangimento. Num esforço que agora lhe parecia físi-

co, ela deslizou suavemente pela mesa levantando-se,

saindo dali sem olhar ninguém e foi para o chuveiro.

Depois de um banho demorado e refletir sobre o que

estava acontecendo ela saiu do banho enrolada numa

toalha e foi até o guarda-roupa e escolheu o seu me-

lhor vestido perfumou-se e penteou bem os cabelos,

vestiu-se e retornou ao salão com a convicção de que

tudo aquilo não passava de uma imaginação fértil.

Ao retornar ao salão tudo estava escuro como

se nada tivesse acontecido ali antes. Ela acionou o

interruptor e teve a surpresa. Todos começaram a

cantar parabéns para você... Era o seu aniversário,

mas as pessoas ali eram todos amigos e familiares e a

mesa em nada lembrava a da cena anterior. Enquanto

era parabenizada fica lembrando os momentos da-

quele velório exótico, mas não arriscava perguntar

nada ficou a dúvida teria sido real ou um pesadelo?

Page 50: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

50

Fischer

O Fischer era um pobre pescador que vivia

com sua família a beira mar. Levantava todos os dias

antes do sol aparecer preparava as redes e tarrafas e

saia para o mar em seu velho barco. Às vezes conse-

guia uma boa pescaria, mas mal dava para pagar as

dívidas, pois a sua esposa e suas filhas não queriam

saber de ajudá-lo, na realidade viviam reclamando de

tudo. Queriam sempre estar comprando roupas e gas-

tar sem necessidade alguma.

Quando pediam dinheiro e Fischer dizia que

não tinha, começava a reclamação e para não ter que

ouvir lá se ia ele ao boteco do Maneco que ficava ali

próximo do cais. O seu Maneco dono do boteco ven-

dia fiado e ali aumentava o problema porque o pobre

Fischer se endividada a vontade. Bebia até cair.

A esposa e as filhas sonhavam em morar na

cidade e não cansavam em dizer que tinham até ver-

gonha da profissão do velho Fischer. E assim o tem-

po passava sem grandes mudanças até que certa noite

quando Fischer e a família voltavam da cidade o ôni-

bus quebrou e eles então resolveram terminar o traje-

to a pé estavam quase chegando a sua casa. Quando

um carro se aproximou deles e parou.

O motorista e outros dois passageiros oferece-

ram carona. Enquanto Fischer ia dizer que não preci-

sava se incomodar que já estavam quase chegando.

Sua esposa e suas filhas apressaram-se em embarcar

Fischer ficou sem jeito e antes que pudesse dizer

Page 51: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

51

alguma coisa o motorista acelerou e saiu com toda

velocidade levando sua mulher e suas filhas.

Fischer ficou sozinho na estrada e preocupado

com a família. Correu um pouco e logo chegou a sua

casa e lá estavam mulher e filhas rindo da brincadeira

de mau gosto que o pobre homem tinha sido vítima.

– O que significa isso? Que brincadeira mais

sem graça foi aquela? Perguntou ele e sua esposa ria

da sua cara.

– Olha a cara dele meninas! Ele nem viu

quem estava no volante. Este homem a noite é mais

sego do que uma toupeira.

– Olha para dizer a verdade não vi mesmo.

Mas fiquei muito preocupado. Poderia ser um se-

questro.

No dia seguinte no boteco do seu Maneco o

pobre Fischer foi à piada do dia.

– Você não pode achar ruim Fischer! Você

disse que não precisava se incomodar que já estava

quase chegando. Mas a sua família aceitou a carona.

Fischer então ficou muito chateado e bebeu

bem mais que de costume, depois de embriagado ele

não voltou para casa ao invés disso pegou seu barco

saiu para pescar ou esfriar a cabeça. No velho barco

enquanto se afastava da margem refletia sobre as

decepções que sua família lhe causava.

Ele amava a sua mulher e suas filhas, porém

não era correspondido. Sua esposa viva esnobando e

suas filhas só lhe causavam decepção.

Além disso, contribuíam para que ele servisse

de chacota. Como estava muito embriagado e ainda

continuou bebendo de alguns litros que tinha no bar-

Page 52: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

52

co, logo se encontrava sem condições de raciocinar e

continuou em frente até que foi surpreendido por

uma tempestade e seu barco foi arremessado contra

um rochedo. E assim o velho Fischer nunca mais

voltou para casa.

A suposta viúva e as filhas foram enfim mo-

rar na cidade como sempre sonharam e devido ao

fato que sempre se envergonharam da humilde pro-

fissão do velho Fischer, não voltaram mais e nem

deram notícias.

Dizem os habitantes daquela região que em

noites frias e chuvosas é possível avistar um velho

barco acostumado a velejar. Enfrentando tempesta-

des na imensidão do mar. Um velho barco sem co-

mando. Navega pelos mares, e vai ao léu.

Page 53: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

53

Galinhas Embriagadas

Um sertanejo andava preocupado com uma

raposa que vivia atacando o seu galinheiro. Não sa-

bia o que fazer, pois tinha adquirido a tal consciência

ecológica, ouviu dizer que as raposas estavam em

extinção. Precisava preservar suas galinhas sem ma-

tar a raposa. Até que um dia resolveu dar um fim a

aquele episódio, então colocou vinho num bebedouro

que ficava do lado de fora do galinheiro na expecta-

tiva de que a raposa sentisse o cheiro do vinho e be-

besse antes de atacar. Certamente ficaria embriagada

e não faria o ataque. Mas no dia seguinte teve uma

surpresa, ao se dirigir ao galinheiro encontrou as ga-

linhas todas estateladas, terreiro a fora. Não teve dú-

vidas, estavam todas mortas. Ficou furioso:

Maldita raposa... Conseguiu se safar, e fez

estrago maior ainda! Matou apenas pelo prazer de

matar. Ficou muito triste e pensativo, olhando uma a

uma e lamentando.

A vermelha poedeira como nenhuma outra,

botava cada ovo graúdo e rosado. A branca também

não ficava muito atrás, botava cada ovo bonito, bran-

co e grandão. A carijó coitadinha, mal tinha entrado

na vida adulta, mas já tinha botado o seu primeiro

ovo.

Coitadinha da carijó responsável por um ovo

só. Lamentou com uma rima em sua homenagem. E

a preta então, a coitadinha botava lindos ovos azuis...

Eram duas. Lembrou o sertanejo.

Page 54: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

54

Mas um amazonense lá de Parintins, que visi-

tou o sitio e ficou sabendo que elas botavam ovos

azuis. Cismou que elas eram galinhas caprichosíssi-

mas. Ele queria comprar as duas e pagaria qualquer

preço, foi um briga para vender uma só.

Essa ficou porque os meninos formaram uma

choradeira. Lembrou novamente o sertanejo olhando

as galinhas esparramadas pelo terreiro afora.

Se a preta dos ovos azuis era uma caprichosa

então a vermelha era uma garantida! Pensou.

O que faria agora com todas aquelas galinhas

mortas? O jeito seria vendê-las na cidade, como se

diz a preço de galinha morta. Colocou água para fer-

ver e quando já se preparava para depená-las. Perce-

beu alguns frangos se levantando e cambaleando

pelo terreiro, levou um grande susto.

Estariam ressuscitando? Nunca tinha visto

coisa semelhante.

Então o homem lembrou que tinha colocado

vinho no bebedouro, talvez a raposa não tivesse apa-

recido àquela noite e suas galinhas estavam apenas

embriagadas pensou.

É possível, afinal era vinho branco. As gali-

nhas confundiram com água.

No dia seguinte ficou sabendo que o seu vizi-

nho tinha pegado a raposa em um alçapão.

Page 55: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

55

Herdeiro

Um ex-morador de rua herdou a fortuna de

seu único tio avarento e solteirão. Ao se tornar um

empresário de grande sucesso, na área gastronômica.

Ele fez questão de esquecer o seu passado de infor-

túnio e bulimia. João era do interior e veio pra capital

para estudar.

Chegou estudar medicina, mas depois que

ficou órfão abandonou a faculdade e se tornou um

viciado em álcool e drogas. Acabou como morador

de rua recebeu de seus colegas de infortúnio o pom-

poso apelido de “Doutor João” ou simplesmente

“Dotô”.

Seu tio avarento sempre soube o seu paradei-

ro, mas sempre fez questão de ignorá-lo. Gerson gos-

tava muito de ir ao teatro, assistia qualquer espetácu-

lo. Com artistas locais e nacionais e estrangeiros.

Desde que fosse entrada franca. Gerson era um ho-

mem bem sucedido, mas gostava de levar vantagem

em tudo. Alguns amigos em vão tentarão alerta-lo

sobre o enorme perigo que existe na ideia de querer

tudo de graça. Mesmo assim ele era uma dessas pes-

soas que caminhava cegamente nessa direção.

Apenas o conceito de compra e venda pode

parecer extremamente desconfortável para quem quer

que tudo nessa vida seja oferecido de forma gratuita.

Pensando assim gastava a maior parte do seu tempo

procurando algo grátis.

— Antes você precisa investir, para depois

colher os frutos. Dinheiro fazendo dinheiro. Disse

Page 56: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

56

lhe um amigo. Vamos a um raciocínio bem sim-

ples… Se você está em busca de um determinado

conhecimento, é porque ele tem valor para você. A

partir dele você conseguirá gerar dinheiro, paz interi-

or, maestria em uma determinada área ou qualquer

outra coisa. Por que alguém deveria oferecer coisas

tão valiosas completamente de graça?! Não faz senti-

do, certo?

— Tenho muitos amigos e pouco dinheiro.

Costumava afirmar. Entre seus amigos prediletos.

Encontrava-se Ferguson, colega de faculdade do ul-

timo ano. Ano este em que se formou, entre uma

cerveja e outra, ele estava sempre soltando uma pia-

dinha.

— Esse Gerson não tem jeito mesmo, irreve-

rente e gozador! Nunca se sabe quando esta falando

serio.

— Que nada Ferguson, eu apenas coloco uma

pitada de humor na dura realidade.

— E qual e a dura realidade de hoje. Pergun-

tou o amigo. Supondo que ia ter que pagar a conta,

sozinho. Gerson não deixa pôr menos.

— Hoje eu sou convidado especial. Por isso

fiz questão de esquecer a carteira. A amizade dos

dois permaneceu durante a vida toda, a família de

Ferguson adotou Gerson como aquele tio solteirão

rico e sovina.

Por ocasião do falecimento do amigo e a he-

rança deixada a um morador de rua. Ele ficou surpre-

so ao descobrir que tinha sido incluído no testamen-

to. O falecido amigo deixou para Ferguson o sitio

onde eles costumavam passar os finais de semana

Page 57: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

57

com a família. Ferguson administrou a empresa atra-

vés de procuração durante dois anos. Nesse meio

tempo João o “Dotô”, permaneceu internado em uma

clinica de recuperação. Depois desse tempo João o

“Dotô” já recuperado finalmente assumiu a empresa

e passou a administra-la com sabedoria.

O ex-morador de rua se tornou um empresá-

rio de sucesso.

Page 58: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

58

Histórias de Caçador

Um caboclo metido a caçador. Vivia con-

tando vantagens, sobre as suas aventuras de caçador

muito bem sucedido. Aprendi muito cedo. Dizia ele.

Eu e meu irmão desde o tempo de guri. Saiamos qua-

se todos os dias, e geralmente de manhã. Com um

firme propósito de trazer a carne para o almoço. Um

dia era um javali outro dia era um tatu ou uma paca,

às vezes uma anta ou qualquer outro bicho. O que a

gente encontrasse a gente trazia para o almoço e de-

pendendo do tamanho da caça dava para a janta e

almoço do dia seguinte e até pra mais alguns dias.

Quando eu tinha mais ou menos quatorze

anos e meu irmão tinha uns treze, saímos para caçar

e encontramos uma onça. A onça quis vir pra cima

da gente então eu fiz como se fosse pra um lado e fui

para outro e o meu irmão fez o mesmo no sentido

contrário. Daí eu peguei a onça pelo rabo e enrolei o

rabo dela em uma arvore e segurei firme. Então o

meu irmão pegou um pedaço de pau e bateu na cabe-

ça dá onça, bateu várias vezes com bastante força até

matá-la depois levamos o bicho pra casa de arrasto.

Deu um trabalho danado porque era uma onça enor-

me e muito pesada. Depois desta vez caçamos outras

onças. Algumas vezes eu segurava pra ele bater ou-

tras vezes ele segurava e eu batia, mas nunca usamos

arma de fogo. A gente sempre pegava o bicho à

unha, não importava o tamanho do bicho.

O tempo passou e meu irmão que tinha um

padrinho rico foi pra cidade estudar e fez faculdade.

Page 59: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

59

O padrinho dele pagou tudo e o ajudou até ele se

formar e estar bem empregado.

Daí meu irmão se tornou veterinário e adqui-

riu essa tal de consciência ecológica, nunca mais

voltou a caçar. Mas eu nunca desisti então eu passei

a caçar sozinho. Afinal eu sou um cabra-macho.

Aprimorei-me ainda mais na arte de caçador. Orgu-

lho-me em lhe dizer que nunca fiz uso de arma de

fogo. Eu sempre peguei o bicho à unha e na paulada

mesmo.

Estas estórias de caçador muito bem sucedido

munido apenas de um porrete e muita coragem. Fo-

ram suficientes para convencer um de seus amigos

que também era apaixonado por caça. Mas que não

se considerava assim tão bem sucedido, e também

não era assim tão corajoso.

Esse seu amigo, poucas vezes que se aventu-

rou a caçar, exagerou no armamento e acabou espan-

tando a caça. Ao se deparar com algum animal aca-

bava entrando em pânico e atirando antes da hora.

Era por assim dizer um atirador precoce.

Mas encorajado pelas aventuras do amigo

caçador experiente. Cismou que deveriam formar

uma dupla e se aventurarem em uma expedição de

caça, e assim fizeram se embrenhando na mata.

Depois de tanto caminharem encontraram um

ranchinho de pau a pique abandonado, tinha vestígio

de que teria sido usado por algum outro caçador e

não fazia assim muito tempo.

Isto significa que estamos no lugar certo, va-

mos se instalar por aqui mesmo. Disse o caboclo, o

outro concordou e aproveitando a deixa e perguntou.

Page 60: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

60

O que aconteceu com seu irmão? Montou alguma

clínica veterinária na cidade? A resposta veio de

imediato. Que nada ele trabalha no IBAMA. Agora

ele é um amigo da onça!

O ranchinho tinha duas portas, a porta da

frente e a porta dos fundos.

Depois de preparar um bom café, saíram à

procura de alguma caça. Andaram e procuraram mui-

to, mas não conseguiram encontrar nada, o amigo já

cansado resolveu voltar para o ranchinho e preparar

uma refeição. Porém o caçador experiente decidiu

que não voltaria de mãos vazia, iria continuar a pro-

cura até encontrar alguma caça, e de preferência a

sua caça preferida, uma onça. Disse ao outro. Se qui-

ser pode ir, e vai se preparando porque hoje vai ter

carne de onça no jantar.

O outro rumou para o rancho meio desanima-

do, o caçador experiente ficou ali a perambular de

um lado para outro. Negaceando aqui ali ou acolá.

Mas já sem a mesma coragem de antes. Afinal agora

estava sozinho.

Não tinha ali seu irmão que outrora foi seu

companheiro de caça, nem o seu melhor amigo que

sempre lhe dava créditos as suas aventuras.

O tempo passou e ele se distraiu colhendo

alguns frutos silvestres.

Quando de repente levou um susto ao perce-

ber que estava sendo observado. Uma grande onça o

espreitava.

O bicho parecia estar faminto, e não tinha a

intenção de ser o jantar, mas sim de fazer dele, o ca-

çador o seu jantar. E antes que ele pudesse pensar em

Page 61: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

61

alguma estratégia. Percebeu que iria ser atacado, não

teve nenhuma alternativa a não ser a de correr o mais

rápido que suas forças aguentassem. Conseguiu es-

capar por entre alguns troncos que bloqueava a pas-

sagem da onça ganhando assim alguns metros de

vantagem. E continuou em fuga, perseguido pela

onça que não lhe dava trégua.

Correu desesperadamente e a onça no seu

encalço, ao aproximar-se do velho ranchinho, entrou

por uma porta e saiu por outra, seguido pela onça.

Olhou para o amigo que por sua própria sorte

estava com um tição de fogo a mão para ascender um

cigarro. Apavorado o homem gritou chacoalhando o

tição de fogo. O que significa isso? E a resposta veio

rápida. É a onça que eu trouxe para o jantar. Vai ti-

rando o couro desta que eu vou buscar outra...

Page 62: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

62

Mais Uma História do Lobo

Um lobo solitário caminhava pela selva, ele

estava tão só, parecia estar perdido em sua solidão.

Onde estaria a sua família?

– Parece que este pobre lobo se perdeu da

matilha! Pensou a bondosa arvore e ofereceu-lhe a

sombra para abrigá-lo do forte calor que fazia. O

lobo apesar de não entender bem a linguagem da

arvore aceitou o convite e resolveu descansar ali.

Não sem antes criticar lhe a pouca sombra.

– Esta arvore quase não tem sombra. O que

terá acontecido aos seus galhos? Deve ter passado

por aqui um grande vendaval. Concluiu o lobo em

seus pensamentos.

– Que mal agradecido disse à brisa que pas-

sava por ali acariciando as folhas da vegetação e

dando um suave frescor ao clima. A brisa sabia ler

pensamentos, mas raramente se enfurecia e era gentil

até mesmo com os seres mais insensíveis que habita-

vam aquela floresta.

O lobo solitário adormeceu e sonhou que re-

encontrava a matilha. Estava feliz e confraternizando

com seus parentes e amigos. Eram muitos lobos e

todos estavam felizes correndo e brincando e rolando

na relva em perfeita harmonia e felicidade.

Repentinamente ouve-se o estampido de um

tiro de espingarda.

O lobo acorda assustado o sonho então se

desfez, mas o tiro foi real e trouxe o nosso persona-

Page 63: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

63

gem à dura realidade. Felizmente o tiro não o acertou

dando-lhe o tempo suficiente para colocá-lo em fuga.

Um caçador não estava nos planos daquele

pobre lobo que saiu em disparada se embrenhando na

mata a tempo de salvar a pele e só parou mesmo

quando teve a certeza de estar em total segurança.

Ouviu outro barulho e levou um susto, mas percebeu

que era o próprio estomago reclamando a falta de

alimentos. A fome aumentava e não encontrava nada

pra comer.

A caça estava cada vez mais rara, não era

fácil competir com os caçadores que também o colo-

cavam em sua lista, sem falar dos madeireiros que

expulsavam os de sua espécie e cada vez mais a bi-

charada tinha menos alternativa.

Devido ao desmatamento e a caça ilegal, to-

dos os animais se tornavam nômades como aquele

pobre lobo solitário e errante.

Incrível como essa história do lobo se repete.

O pobre do bicho nunca sai de cena, jamais perde

espaço, está sempre na mira, mal pode passear na

floresta sem um bando de caçadores na sua cola.

– E por falar em caça e caçador! O tal caçador

que felizmente para o lobo e azar seu errou o tiro.

Perambulou pela floresta a tarde toda e voltou

para casa sem conseguir caçar nada, então pensou.

– É verdade o ditado que diz que um dia é da

caça o outro é do caçador... Com esse pensamento foi

para a cama, como estava cansado logo adormeceu.

Como um caçador frustrado costumava ter pesadelos.

E naquela noite ele também teve um.

Page 64: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

64

Neste em particular, ele sofria o mal da lican-

tropia e ao se transformar em um lobo assim perma-

neceu até seus últimos dias. Acabou em um zoológi-

co onde conheceu o seu melhor amigo, o tratador...

Ouvi dizer que foi assim, mas de qualquer

forma o mais importante e que deixou de ser caçador.

Realidade do lobo agora é outra, não pensa

mais nos três porquinhos ou na menina de chapeuzi-

nho vermelho, desistiu até da vovozinha, está sempre

preocupado com as novas regras disso e daquilo.

Para ele outros animais o final feliz acabava sempre

em algum zoológico.

Page 65: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

65

Mestre Morgan

Num reino muito distante no tempo e no

espaço, havia um jovem rei muito tranquilo e des-

preocupado, pois suas terras eram protegidas por

magos muito poderosos. O poder do rei era um poder

de aparência nada era decidido sem o aval do líder

dos magos. Ignorando isso a população confiava ce-

gamente no rei.

O general do exercito, e o chefe da guarda

real eram fieis ao jovem rei e não faziam questão de

saber quem realmente exercia o poder. O importante

era manter o rei feliz e amado por seus súditos. O

exercito real nunca fora derrotado, suas únicas preo-

cupações eram exibições em desfiles em datas co-

memorativas.

O Mestre Morgan era o líder dos magos,

também chamado de “mago real” Mestre Morgan era

um especialista em ciências ocultas. Dizia que em

seus domínios havia salamandras que viviam no fogo

e faziam casulos, dos quais as mulheres da corte teci-

am roupas que, para serem limpas, eram jogadas às

chamas.

O Mestre Morgan costumava promover pa-

lestras para os príncipes e nobres de sua época. Pre-

viu que em algum tempo futuro a magia deixaria de

ser extraordinária. Alguns magos passariam a vender

o seu trabalho, como qualquer outro. Seriam escra-

vos do capitalismo, passariam a serem simples ilusi-

onistas denominados mágicos cobrando ingressos e

se apresentando em teatros e até festinhas de aniver-

Page 66: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

66

sário. E pior ainda se utilizariam até de efeitos espe-

ciais.

Mestre Morgan se irritava com perguntas que

considerava inapropriadas, como por exemplo: Por

que as bruxas usam varinha de condão com uma es-

trela na ponta? E os bruxos e magos usam um cajado

com a lua na ponta?

Afirmava que para chegar ao conhecimento

pleno do ocultismo, deveria passar por uma purifica-

ção no fogo. Chegou a admitir a alguns de seus dis-

cípulos que já havia resistido bastante até tomar

aquela decisão, mas que já se tornara inadiável. En-

tão ele umedeceu o seu corpo com uma poção secreta

elaborada por ele mesmo, vestiu uma espécie de rou-

pa de seda ou lã de salamandra e ordenou aos seus

discípulos que lhe amarrassem na fogueira antes de

acendê-la. Adquiriu a invisibilidade ou passou para

outra dimensão.

O certo e que desapareceu instantaneamente

entre as chamas sem deixar vestígios. Dizem que ele

reapareceu alguns dias depois no congresso anual

dos bruxos para se vangloriar de sua experiência...

Dizem também que o Mestre Morgan manipulou

outros reis no futuro e no passado ou vice versa...

Page 67: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

67

Móveis Usados

Uma loja de moveis usados situada numa

rua tranquila e de pouco movimento. Seu proprietário

tirava um cochilo enquanto esperava algum possível

cliente. A maioria dos moveis ali estavam em perfei-

to estados de conservação com exceção de alguns

precisando de pequenos reparos. A loja era enorme e

até parecia um museu de moveis antigos, logo na

entrada tinha uma campainha que disparava com a

presença de alguém que ali entrasse. Desta forma o

proprietário poderia tirar o seu cochilo despreocupa-

do. Enquanto ele dormia alguns moveis conversa-

vam. Um velho baú se vangloriava dizendo assim.

– Eu já fui de grande utilidade. Já guardei

joias caríssimas da minha antiga senhora. Ela era

uma dama da alta sociedade... Uma cadeira meio

desconjuntada e ranzinza que estava ali perto, chaco-

teando zombou dele dizendo.

– Eu já derrubei um sujeito muito importante.

Acho que ele era um advogado ou politico eu sei lá.

Concluiu rindo. Aquele comentário desprezível não

agradou e motivou um revide.

– O que há de digno nisso? Abominabilíssi-

ma cadeira destroçada. Recolha-se em sua insignifi-

cância e não me dirija à palavra. Respondeu o baú

revoltadíssimo.

– Insignificante é você bauzinho desprezível.

Retrucou a cadeira, que era mesmo uma cadeira que-

brada. Eis o motivo de ter derrubado o tal sujeito. A

Page 68: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

68

partir dai o baú que se considerava nobre, preferiu

não dar continuidade aquela discussão.

– Eu trabalhei para um analista por longos

anos e olhe só aonde eu vim parar. Murmurou um

velho divã todo empoeirado.

Uma cristaleira em ótimo estado de conserva-

ção, que se avizinhava do velho divã completou em

sinal de solidariedade.

– É muita ingratidão amigo. Mesmo assim

não devemos entregar os pontos. A conversa foi in-

terrompida pelo som da campainha. O proprietário da

loja acordou assustado e foi atender ao provável cli-

ente que adentrava a loja.

Page 69: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

69

O Padre e a Mula-sem-cabeça

Num certo lugar do nosso imenso país, per-

dido no mapa em um rincão distante da civilização.

Durante as noites sertanejas de quinta para sexta feira

e principalmente nas noites de lua cheia um estranho

ser luminoso cavalgava pelas campinas daquele rin-

cão.

Os habitantes do lugar diziam que era a mula

sem cabeça, um animal quadrúpede que galopava e

saltava sem parar, enquanto soltava fogo pelas nari-

nas.

Há quem diga que essa “estória” não teria

lógica. Se a tal mula não tinha cabeça? Como poderia

soltar fogo pelas narinas?

Conta-se que naquele lugar um casal de

amantes viveu um amor proibido. Eles se amavam

muito, mas foram impedidos de se casarem. Ela era

filha de um rico fazendeiro e muito ganancioso. Ele

era um rapaz de família humilde. Por esse motivo ela

acabou se casando contra a sua vontade com outro

rapaz apenas para atender os interesses da família. O

tal rapaz era filho de outro fazendeiro. Era o único

herdeiro, mas por ser esbanjador e mulherengo aca-

bou ficando pobre e decepcionando a todos.

Enquanto isso o rapaz pobre permaneceu sol-

teiro. Ficou muito triste e amargurado por algum

tempo. Desiludido e para agradar sua mãezinha e

suprindo sua desilusão amorosa acabou num seminá-

rio.

Page 70: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

70

E depois de muitos anos, voltando como o

padre daquela região. Por mais que se esforçasse, ele

nunca conseguiu esquecer aquela que um foi o seu

grande e único amor.

Ela também jamais esqueceu aquela antiga

paixão. Mas como mulher casada e respeitadora de

bons costumes, tentava manter aquela união que só a

tornava infeliz. O tempo passou rapidamente e logo

veio o seu primeiro filho. No dia do batismo do me-

nino. Ela percebeu que aquele sentimento, ainda era

muito forte de ambas as partes e o momento, serviu

para aproximar ainda mais os dois apaixonados.

Ela que era de uma família católica e acostu-

mada a frequentar missas semanalmente, ficou difícil

evitar aquele encontro dominical que lhes parecia

mágico devido a aquela paixão sufocada e com o

tempo não resistiram e passaram a viver um amor

secreto e proibido...

Segundo a lenda, qualquer mulher que namo-

rasse um padre seria transformada em um monstro,

desta forma as mulheres deveriam ver os padres co-

mo uma espécie de “santo” e não como homens, se

cometessem qualquer pecado com o pensamento em

um padre, acabariam se transformando em mula sem

cabeça...

Veio então um segundo filho, e desta vez uma

linda garotinha. A essa altura dos acontecimentos ela

bem que se esforçava, mas já não conseguia disfar-

çar. As evidencias já denunciavam aquele mal feito,

ela passou a viver um dilema não sabendo ao certo

quem era o pai da menina, seu marido ou o padre.

Sabendo apenas que ele a batizou.

Page 71: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

71

Desconfiado da esposa o marido fez o teste

que manda a lenda...

Para descobrir se a mulher é amante do padre,

lança-se ao fogo um ovo enrolado em linha com o

nome dela e reza-se por três vezes a seguinte oração:

...

"A mulher do padre

Não ouve missa

Nem atrás dela.

Há quem fique...

Como isso é verdade,

Assa o ovo

E a linha fica...”. ...

Certo dia quando o marido dela voltava de

uma viagem surpreendeu os dois fazendo amor em

sua própria cama. Sem pestanejar ele desferiu dois

tiros certeiros deixando o casal morto e nu abraça-

dos. Depois pegou as crianças sumiu e nunca mais

deu noticias. O casal foi enterrado em um antigo ce-

mitério que posteriormente foi desativado. E passou

a ser apenas um campo improdutivo.

Diziam os habitantes do lugar, que as noites

de quinta para sexta feira e principalmente nas noites

de lua cheia.

Um estranho ser luminoso cavalgava pelas

campinas daquele rincão. Alguns desavisados que

passavam por ali e foram surpreendidos pela terrível

aparição.

Page 72: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

72

Contaram depois, que vira um padre caval-

gando uma “Mula sem cabeça”, ou seja, no lugar de

cabeça o animal possuía uma chama luminosa. Ilu-

minando assim o imaginário daquele povo e as noites

sertanejas.

Page 73: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

73

O Automóvel Mal-Assombrado

Um jovem muito corajoso saiu com seus

amigos para acampar. Depois de várias horas de car-

ro chegaram a um local muito bonito, era o local ide-

al para o acampamento disseram alguns amigos. O

jovem nem se interessou de saber que lugar era aque-

le, estava se divertindo muito consumindo uma cer-

vejinha atrás da outra. Antes de se instalarem alguém

pediu uma cervejinha e descobriram que não havia

mais nada. Então resolveram procurar algum bar de

beira de estrada para reabastecer o estoque. Depois

de algum tempo de caminhada chegaram a uma linda

cachoeira.

Era muito convidativo mais não poderiam

parar ali precisavam da cerveja, mas o jovem bebum

ficou para trás sem que os outros percebessem. En-

trou na cachoeira para refrescar os miolos e só depois

de várias horas é que percebeu que estava sozinho

em um lugar desconhecido e resolveu sair à procura

dos amigos. Depois de muito caminhar e não encon-

trando ninguém acabou por se perder ainda mais, e o

tempo passou rapidamente. Sentou na beira da estra-

da e ficou a pensar no que deveria fazer.

Olhou no relógio de pulso e descobriu que já

era muito tarde e talvez fosse melhor voltar de ôni-

bus sozinho pra casa. Nesse instante viu surgir na

curva da estrada um ciclista que vinha em sua dire-

ção, então ele parou o ciclista para pedir informação.

Perguntou ao homem, que lugar era aquele e a que

horas passava algum ônibus para a cidade mais pró-

Page 74: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

74

xima. Então o homem lhe disse: ônibus nesse fim de

mundo só amanhã meu jovem. Mas você poderá ir

até o povoado mais próximo e pernoitar por lá, ama-

nhã você pega seu ônibus e volta pra casa. A que

distancia fica esse povoado? Perguntou o rapaz.

Aproximadamente umas três ou quatro horas a pé,

disse o homem. Mas tenha fé pode ser que alguma

boa alma motorizada o alcance e lhe de uma carona,

dizendo isso montou em sua bicicleta e desapareceu

na estrada. O rapaz seguiu andando na direção que o

ciclista lhe indicou, não demorou muito algumas

nuvens carregaram o céu e logo começou a chover.

Anoiteceu rapidamente, o rapaz começou

entrar em desespero num dado momento enquanto

trovões cortavam o silêncio da noite.

Percebeu que um automóvel lhe alcançava em

baixa velocidade entrou na frente do carro com os

braços abertos pedindo uma carona pelo amor de

Deus. O carro parou então ele abriu a porta e entrou

com tudo, o carro se, pois em movimento. Foi então

que ele percebeu que não havia motorista, ficou apa-

vorado abaixou os olhos e começou a rezar era um

carro fantasma. Tentando se controlar olhou e viu

uma curva em frente a uma grota, então pensou, vou

morrer e passou a rezar com mais intensidade. Então

milagrosamente um braço adentrou a janela e girou

firma o volante colocando o carro na estrada.

Ele respirou, aliviado, porem o carro desgo-

vernado continuou em sua marcha, o jovem sentiu

novamente aquele frio na espinha e reiniciou sua

oração. Poucos metros a sua frente outra curva e ou-

tro penhasco, o rapaz pedia pra tudo quanto é santo

Page 75: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

75

que lhe viesse em socorro. Novamente um braço for-

te adentrava a janela do carro e girava o volante com

força e o livrava da morte, a essa altura o medo era

tanto que o rapaz estava disposto a abrir a porta e

saltar do automóvel em movimento. Ele entrou em

desespero e começou a gritar, o carro parou ele abriu

a porta, saltou do veículo e correu desesperadamente

sem olhar para traz.

Correu sem parar até chegar ao povoado, no

primeiro bar ele entrou esbaforido pediu uma bebida

engoliu num gole só e começou a contar ao barman

sua terrível aventura. Enquanto ele contava em deta-

lhes e alguns homens se aproximavam para ouvir o

causo do automóvel mal assombrado. Naquele ins-

tante dois homens ensopados de lama adentraram a

porta do estabelecimento, se entreolharam e um deles

disse, apontando para o rapaz.

– Olha ali Pedrão, não aquele folgado que

pego carona em nosso carro enquanto a gente empur-

rava?

Page 76: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

76

O Famigerado Boitatá

A mulher do caipira contava para a mocinha

da cidade que estava a lhe visitar. O causo que se-

gundo ela era a mais pura verdade. No sitio onde

morava tinha assombração inclusive o famigerado

boitatá.

Certa vez ela, quando ela foi buscar água na

bica, quase desmaiou de medo. Era uma noite de lua

cheia ela viu o boitatá. Não muito longe ela avistou o

boitatá acendia e apagava sempre que ela olhava.

Nunca esqueceu aquela assustadora visão. A mulher

contava o causo com certa emoção e se esforçava

para ser convincente. A mocinha meio incrédula,

mas não ousava contrariá-la prestando atenção ao seu

relato. Até o momento que o homem entrou na cozi-

nha com o facão no lado direito da cintura e o revol-

ver do outro lado. A mocinha que não era acostuma-

da com pessoas armadas levou um susto o caipira

sorriu e disse.

Boa tarde sinhá moça! Que susto foi esse? A

mocinha se refez daquele susto e lhe explicou que lá

na cidade não era comum as pessoas andarem arma-

das. Ele então comentou que na roça é possível ser

surpreendido por alguma fera ou ter que enfrentar

algum ladrão de gado ou coisa do tipo. Mas continu-

em a prosa. A mulher dele continuou a contar o cau-

so do boitatá, o caipira enrolou um palheiro e disse.

Olha sinhá moça esse boitatá aí, eu fui lá pra ver de

perto. Isso porque eu não gosto de desfeita. Eu até

confesso que estava meio ressabiado. Cheguei a uma

Page 77: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

77

distância que não podia errar e dei um tiro. E fui ate

lá pra ver de perto, com bastante cuidado eu cheguei

até onde tava o dito cujo.

Não era boitatá coisa nenhuma. Era só um

saco vazio de fertilizante com água empossada, a

água refletia com o brilho da lua. O vento balançava

um galho e a sombra dava a impressa de apagar e

acender.

Esse era o boitatá. Mas se quiser mais algum

causo de assombração, a muié tem vários pra contar.

Deu uma gargalhada e saiu como entrou.

Page 78: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

78

O Enforcado

Um caixeiro viajante seguia pela velha es-

trada que parecia longa e desabitada. Sabia que iria

dar em um vilarejo e não era totalmente desabitada.

Mas esta era a impressa que tinha. Já começava

anoitecer e ainda não havia encontrado um local para

o pernoite

Uma casa velha abandonada na beira da es-

trada pareceu o local ideal para pernoitar. Não conti-

nuaria mais em suas andanças, estava muito cansado

e não tinha dinheiro bastante que pudesse se dar ao

luxo de passar a noite em uma hospedaria descente.

O clima havia mudado repentinamente e aquela noite

prometia ser longa e chuvosa. Foi isso que pensou o

caixeiro viajante quando se aproximou inspecionan-

do a velha casa. Não hesitou em decidir que ali pas-

saria a noite.

Aproximou-se da porta e a empurrou, e a por-

ta se abril com facilidade. Retirou uma vela da saco-

la, o isqueiro do bolso acendeu a vela e adentrou o

casarão. E então percebeu que apesar do abandono,

o estado de conservação da casa não era dos piores,

seus cômodos eram altos e espaçosos.

– As condições da casa são boas. Não há nem

um risco de desabamento ou coisa do gênero! Pensou

ele, e concluiu que naquela noite estaria seguro.

Achou um quarto aparentemente confortável, se

acomodou por ali. Comeu alguma coisa que trazia na

sacola. E depois trancou a porta do quarto.

Page 79: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

79

– Para que algum andarilho não venha me

perturbar o sono! Pensou com um sorriso nos lábios,

entretanto ele nem se preocupou em olhar para cima.

Aliás, já havia feito isso quando entrou na casa.

Lá fora chovia torrencialmente e ali ele se

sentia muito seguro. Improvisou uma cama se deitou

e logo pegou no sono.

No meio da noite teve um pesadelo e acordou

com uma goteira que pingava em sua testa. Olhou

uma janela entre aberta e viu que a chuva havia para-

do. Procurou o isqueiro e acendeu a vela, passou a

mão na testa e percebeu a mão cheia de sangue.

Verificou a possível existência de algum fe-

rimento e descobriu que não havia nenhum. Ficou

apreensivo tentando entender o que estava aconte-

cendo. Olhou para o local onde estava deitado á al-

guns instantes e viu uma mancha de sangue.

Sem entender o que estaria acontecendo,

olhou para cima. Levou um grande susto e quase teve

uma parada cardíaca...

Um corpo jazia pendurado, enforcado e com

os olhos esbugalhados e a língua estendida pingando

sangue, e uma gota de sangue caiu quase dentro de

seus olhos...

Page 80: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

80

O Fantasma do Sítio

Anunciada nos classificados de um jornal

de repercussão regional aparecia à venda de um sítio.

Segundo o anuncio era uma área de terras com algu-

mas benfeitorias, tendo uma casa precisando de uma

pequena reforma, cinco baias de cavalo, um barra-

cão, um açude quase na porta da casa. Pequeno per-

curso de estrada de chão. Ótima oportunidade para

quem procura a paz do campo.

O candidato a comprador gostou muito do

que leu, afinal era exatamente o que procurava. En-

tão ligou para o anunciante que lhe informou o preço

e as condições de venda. Mais infelizmente não con-

seguiram agendar um dia em comum para os dois.

No dia que um estaria livre o outro tinha compromis-

so inadiável por isso mesmo o proprietário do sitio

objeto da venda não poderia acompanhar o candidato

a comprador. Felizmente o sogro do anunciante mo-

rava próximo do sitio a ser vendido. Na verdade tra-

tava-se de um desmembramento de uma propriedade

bem maior, uma herança de família e fruto de inven-

tario. Sendo assim ficou decidido que o sogro dele

mostraria o tal sitio ao comprador.

No dia agendado o candidato a comprador e

sua esposa e um garoto filho do casal foram até o

local para ver o sitio. Chegando lá eles foram recebi-

dos pelo sogro do dono do sitio, conforme o combi-

nado. O homem aparentemente hospitaleiro ofereceu

água fresca e algumas frutas do pomar, em seguida

rumaram na direção da propriedade.

Page 81: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

81

Depois de percorrerem por uma estrada velha

tomada pelo mato, chegaram a uma casa velha aban-

donada. Enquanto caminhava o velho contava causo

de assombração. Segundo ele eram fatos reais que

aconteciam naquela região, durante a noite uma figu-

ra estranha perambulava pela estrada.

A assombração era um homem com roupa

preta e chapéu preto e uma espingarda nas costas,

saia da propriedade que estava desabitada em direção

a estrada e em certo ponto desaparecia misteriosa-

mente.

Aquelas estórias naturalmente desestimula-

vam qualquer interessado em comprara propriedade.

O sitio ficou anunciado por muito tempo, todas as

pessoas interessadas em comprar logo desistiam por

causa da tal assombração.

Quando alguém não dava muito credito ao

velho senhor, sogro do proprietário e perguntava para

algum sitiante das proximidades, estes além de con-

firmar ainda davam mais detalhes.

O sujeito da espingarda costumava chicotear

os cachorros que lhe perseguiam durante a sua cami-

nhada, ninguém se atrevia a se aproximar, mas se o

fizesse ao chegar perto dele então ele repentinamente

desaparecia deixando um forte cheiro de enxofre.

Aquela propriedade nunca foi vendida ate que

o sogro do proprietário faleceu e finalmente a tal

assombração nunca mais apareceu.

Page 82: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

82

O Casarão

Aquela linda jovem passou por ele, com um

andar delicado e esbanjando todo o seu charme. O

rapaz deslumbrado disse-lhe um oi, e ela correspon-

deu com um sorriso. E seguiu na direção de um

magnífico casarão localizado quase no final da qua-

dra. Não demorou a voltar, mas agora ele sem perda

de tempo, decidiu abordá-la.

Começaram a conversar, e empolgados nem

perceberam o tempo passar. Enfim ela disse que pre-

cisava se recolher, o seu pai a esperava. Ele a acom-

panhou até aquele casarão. Do portão esperou ela

entrar, ficou ali algum tempo até ela aparecer na ja-

nela e dar um último aceno. Só então ele foi embora,

voltou para a sua casa e não deixou de pensar naque-

la linda jovem, e até sonhou com ela. Só então per-

cebeu que estava mesmo apaixonado.

No dia seguinte ele voltou ao local. Ao se

aproximar do casarão, ele notou algo de muito entra-

nho. Percebeu que aquela edificação, na realidade em

nada se parecia com o casarão do dia anterior. Agora

era um casarão abandonado, aparentemente estava

inabitado há muitos anos. Mesmo assim não se con-

venceu e resolveu perguntar na vizinhança. Obteve

como resposta o que já era por ele mesmo esperado.

Aquele casarão não era habitado há quase cinquenta

anos. Ficou muito triste e inconformado com aquela

realidade. Observando melhor, viu que aquele casa-

rão estava mesmo em ruínas.

Descobriu também que estava preservado por-

Page 83: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

83

que já havia sido tombado patrimônio histórico e

esperava por uma restauração. Então ele voltou para

casa se perguntando o que realmente tinha ocorrido.

– Ele estaria louco?

Aquela linda moça seria fruto de sua imagina-

ção?

Page 84: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

84

O Mendigo e os Ratos

Um mendigo observava os ratos da Praça

Tiradentes correndo livremente de um lado para ou-

tro em busca de migalhas. Ratazanas enormes, que

em outros tempos até lhe causariam repulsa, mas

agora lhe pareciam animais comuns eram tantos que

circulavam a noite quanto aos pombos durante o dia.

Então se imaginou pequeno diante daquelas

criaturas. Em um repentino devaneio, ele estava ca-

valgando uma ratazana e conduzindo os demais a um

curral. Aqueles ratos agora eram os animais do sitio

de seu pai. O gramado se parecia com um pasto em

acelerado crescimento e se transformava na inverna-

da do sitio, os ratos corriam como cavalos selvagens.

O mendigo parecia estar melancólico em seu delírio

ele revivia os velhos tempos.

Antes de aventurar em deixar a sua casa para

nunca mais voltar. Em sua débil imaginação aqueles

ratos eram os animais do sitio em que vivia antes de

se aventurar na cidade. Era feliz e não sabia agora ele

era como aqueles ratos ou ate pior sobrevivia de so-

bras ou até de alimentos recolhido do lixo. Depois de

algum tempo observando ele percebeu que alguns

ratos eram bem mais ousados e se aventuravam em

atitude de comando esses com toda a certeza eram os

políticos que detêm o poder. Observou-os por algum

tempo, aliás, tempo era tudo oque ele tinha.

Finalmente acabou vencido pelo sono, se

acomodou por ali mesmo e adormeceu.

Page 85: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

85

No dia seguinte ele acordou com o burburi-

nho da cidade ao caminhar mais para o interior da

praça viu-se rodeado de pombos sentou em um velho

banco e ficou a observá-los. Agora aqueles pombos

lhe traziam a lembrança das galinhas no terreiro.

Estava com muita fome, olhou para um pom-

bo e imaginou um franguinho assado. Voltando a

realidade saiu dali e foi revirar o lixo de uma lancho-

nete, foi repreendido pelo atendente, mas um senhor

que acabara de pedir um empadão lhe doou e pediu

outro. O mendigo agradeceu e saiu, depois de comer

voltou a sentar-se no velho banco da praça e nova-

mente a observar os pombos.

Pensou então, estaria na hora de rever seus

conceitos e voltar para a sua casa de onde nunca de-

veria ter saído. Mas será que teria forças para voltar?

Já havia perdido a noção do tempo que estava

a mendigar e não sabia como seria recebido de volta

ao seio da família, mas estava disposto a tentar.

Permaneceu ali por mais algum tempo observando

aqueles pombos, sua atenção foi desviada por tran-

seuntes que conversavam sobre a crise financeira que

assolava o país e o desgoverno da nação, abuso de

poder e injustiça social.

Teve a ligeira impressão de que ele estaria

incluído no assunto. Não soube entender o porquê,

mas lembrou dos ratos de ontem, alguns ratos eram

bem mais ousados do à maioria, e se aventuravam

em atitude de comando. Com toda a certeza eram os

políticos que detêm o poder.

Page 86: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

86

O Fantasma do Coveiro

Conta-se que um coveiro usou terra do ce-

mitério em que trabalhava, para aterrar o alicerce de

sua casa. O sujeito era muito mesquinho e para eco-

nomizar seria capaz de fazer qualquer coisa mesmo

que parecessem absurdas. Se alguém lhe contrariasse

ele logo atribuía isso a um preconceito em relação a

sua profissão.

Ele dizia que não se incomodava com o pre-

conceito sofrido por conta da sua profissão. Porem

não esquecia certos acontecimentos em sua vida.

Tinha a sua família esposa e filhos, mas lembrava de

uma época de sua juventude que começou a trabalhar

como coveiro. Estava iniciando um relacionamento

com uma moça, e durou até ele contar para ela onde

trabalhava. Depois que ela soube que ele mexia com

os mortos, terminou com ele no mesmo instante. Mas

como ele mesmo afirmava não falta sapato velho

para pés casquentos, sendo assim ele acabou encon-

trando a sua cara metade.

Os anos se passaram e apesar de sua esposa

trabalhar para ajuda-lo nas despesas domesticas e o

fato de ele sempre economizar, ainda não tinha casa

própria. Por esse motivo e apesar de contrariado, ele

morava no cemitério mesmo.

A mãe do coveiro havia falecido aproxima-

damente há uns dois anos, e com o inventário segui-

do da venda de seus bens e a divisão dos poucos re-

cursos entre seus filhos. Coube ao coveiro o dinheiro

Page 87: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

87

suficiente para a aquisição de um terreno ali próximo

ao cemitério.

Juntando os poucos recursos que tinha conse-

guido acumular ao longo do tempo foi possível co-

meçou a construção da sua tão sonhada casa própria.

Sua esposa lhe disse.

–É preciso comprar uma carga de terra para

fazer um bom aterro no alicerce da casa. Ao que ele

imediatamente retrucou.

– Não vou gastar dinheiro coisa desnecessá-

ria. Vou encher com caliças e terra que temos por

aqui mesmo. Precisamos economizar ainda mais se

realmente queremos uma casa nossa mesmo e sair

desse lugar.

Até então o coveiro morava numa casa no

interior do cemitério. Estava construindo aos poucos

com os recursos que conseguia economizando de seu

precário salário, muito esforço e ajuda de sua família.

Que apesar de não concordarem com seus métodos,

não conseguiram persuadi-lo, assim ele aos poucos

trazia caliças e terra do cemitério para aterrar o ali-

cerce da casa.

Sempre que a família de algum falecido cons-

truía algum tumulo, lá estava ele pedindo sobra de

material. E assim ele fez ate a conclusão da obra.

Mas não viveu muito depois disso, logo veio a adoe-

cer e morreu.

Conta-se que ele ou o seu fantasma passou a

assombrar a casa. Seus próprios familiares após a sua

morte não conseguiram usufruir da casa por muito

tempo. Resolveram mudar para outro bairro e aluga-

ram a casa.

Page 88: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

88

Preferiram guardar segredo sobre a principal causa

da desistência da casa, mas o fato é que aparições

misteriosas motivaram a mudança de endereço.

Inquilinos que vieram a ocupar a casa, depois

que a família desistiu de morar ali impressionados

com as aparições. Contaram que a noite um vulto se

dirigia para o quintal com uma pá nas costas e come-

çava a escavar o quintal, algumas vezes acordavam

com batidas nas portas ou passos pela casa.

Page 89: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

89

Pesadelo

Ele estava muito cansado e voltava do traba-

lho. Depois de um longo dia na árdua função de ser-

vente de pedreiro. Mesmo cansado ele não deixaria

de passar no boteco para tomar sua cachacinha e re-

ver alguns amigos. Chegando ali se encostou ao bal-

cão e pediu a dose costumeira. Tomou a num só gole,

puxou conversa com um amigo, assunto banal sem

qualquer importância. Fez um sinal ao barman e este

lhe serviu a segunda dose, desta vez degustou a sua-

vemente como se fosse um cálice de vinho. O outro

sorriu e contou uma piada sem graça. Ele pediu outra

dose. Cumprimentou outro amigo que chegava, papo

vai papo vem depois de três ou quatro doses de pin-

ga. Finalmente pediu as contas e saiu.

Tinha ainda uma longa caminhada pela fren-

te. Na verdade nem era tão longe assim, mas devido

à canseira daquele longo dia de trabalho, a distância

parecia aumentar. Ele se sentia meio zonzo devido o

efeito do álcool ou talvez devido ao cansaço. Conti-

nuou caminhando vagarosamente, tinha a impressão

que o seu corpo ficava pesado.

Ao passar por um local ermo e mal ilumina-

do, ele foi repentinamente surpreendido. Avistou

saindo da sombra, um sujeito corcunda e feioso. Com

uma grande foice na mão. Veio em sua direção e

parou bem na sua frente. Vestia uma capa preta e um

capuz tinha um aspecto tenebroso e ocultava a luz.

Mancando e tossindo pra valer como se tivesse tu-

berculose. Entre uma tossida e outra ele perguntou.

Page 90: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

90

– Do que preferes morrer? De AIDS, tédio

ou over dose?...

Assustado então ele acordou! Como assim

acordou então era um pesadelo?...

Agora estava muito confuso, temporariamen-

te perdeu a noção da realidade. Pareceu-lhe estar

descansando confortavelmente recostado ao tronco

de uma grande arvore, pensou em sair dali, mas não

teve forças. Percebeu que estava sozinho e aquela

visão fantasmagórica devia ser mesmo fruto de um

pesadelo que felizmente ficou para traz. Passou al-

gum tempo pensando, alguns cigarros fumando. Fi-

nalmente adormeceu e novamente sonhou.

Não sei se por falta de sorte, mas ali outra vez

a morte parada em sua frente. Apontava-lhe com o

dedo e dizendo.

– Não tenha medo, você não é mais vivente.

Este seu corpo bonito que você sempre amou. Deixa-

rás na tumba fria, ficará só energia.

Pareceu então despertar de um sono, mas não

estava em sua cama nem mesmo em seu quarto. Fi-

cou perplexo aquela entranha figura permanecia ali

diante dele em tom ameaçador.

– O que significa tudo isso? Parece um pesa-

delo, mas eu tenho certeza que estou acordado. Por

que tudo isso?

– É por que você já desencarnou...

Page 91: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

91

Uma Aventura no Cemitério

No cemitério de uma pequena cidade interi-

orana. Havia um pessegueiro que cresceu próximo ao

muro. Seus galhos facilmente podiam ser visto do

lado de fora. O pessegueiro estava carregado de lin-

dos frutos apetitosos. Certa tarde passava por ali dois

jovens corajosos. Eles estavam dispostos à colher

aqueles pêssegos.

Mas eles não podiam fazer isso à luz do dia

porque certamente seriam impedidos pelo coveiro ou

algum guarda municipal. Sendo assim planejaram

voltar à noite e assim fizeram. Era uma noite enlua-

rada apesar de algumas nuvens esparsas. Os dois

cheios de coragem pularam o muro adentro.

Já no interior do cemitério um deles sugeriu

subir na arvore, mas foi logo impedido pelo outro

que disse.

– Não vamos correr o risco de quebrar algum

galho e com o barulho chamar a atenção de alguém.

– Só se for à atenção de alguma caveira ou de

alguma alma penada. Brincou o amigo.

– Deixa de gracinha e vamos logo procurar

alguma vara para que possamos derrubá-los, sugeriu

o outro. Começaram a procurar algum pedaço de

cruz ou galho seco. Improvisaram uma vara e evitan-

do maior barulho passaram a derrubar os pêssegos.

Um derrubava o pêssego com o auxílio da

referida vara enquanto o outro ia à procura do fruto

caído e o colocava em um único monte para facilitar

a posterior divisão. Mas num dado momento, dois

Page 92: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

92

pêssegos caiu do lado de fora do muro. Imediatamen-

te um dos rapazes já se preparava para pular o muro e

resgatar os frutos. Então o outro acudiu.

– Não faça isso! Vamos acabar logo e dividir

primeiro os que estão aqui dentro. Depois pegamos

os que caírem pra fora.

– Tudo bem! Então vamos logo com isso an-

tes que alguma pessoa passe por aí e nos denuncie.

Terminado a colheita os dois jovens começa-

ram a divisão separando os frutos aos pares. Enquan-

to um segurava as sacolas abertas o outro contava.

– Dois pra você e dois pra mim...

E assim continuou sempre de dois em dois.

– Dois pra você e dois pra mim... Enquanto

isso um bêbado que passava do lado de fora e ouviu

aquela frase e ficou surpreso.

– Dois pra você e dois pra mim. Continuou a

contagem...

O bêbado parou para ouvir melhor e com cer-

to esforço permaneceu em silencio, concluiu que se

tratava da contagem das almas existentes no cemité-

rio e correu chamar o guarda.

– Seu guarda! Seu guarda venha depressa ver

o que está acontecendo!

Disse o bêbado tropeçando nas palavras.

– O que está acontecendo homem? Perguntou

o guarda, mas ao olhar para bêbado lembrou que já o

conhecia de longa data e também já sabia de suas

confusões, por isso não queria lhe dar atenção impa-

ciente disse ele ao bêbado.

–Não me venha com suas histórias! Não es-

tou a fim de perder tempo com você...

Page 93: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

93

– Deus e o diabo estão dividindo as almas lá

no cemitério! Seu guarda.

– Que besteira é essa que você está falando?

Disse o guarda.

O bêbado insistiu tanto que o guarda mesmo

contrariado resolveu acompanha-lo. Chegando pró-

ximo ao muro do cemitério o guarda ia dizer alguma

coisa, mas o bêbado pediu silencio e puseram se a

ouvir.

– Dois pra você e dois pra mim... Dois pra

você e dois pra mim...

Depois de algum tempo a contagem terminou.

– Pronto aqui dentro terminamos! Agora só

falta pegar aqueles dois que esta aí do lado de fora!

Ouvindo isso o guarda e o bêbado saíram em dispa-

rada.

Page 94: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

94

Um Sorriso Vampiresco

Um forasteiro com uma aparência vampi-

resca chegou à pequena cidade e logo tudo mundo

comentava.

– Que sujeito esquisito parece um vampiro,

disse um morador.

– Deixa de falar besteiras. Vampiros não exis-

tem. Respondeu o outro.

O sujeito ficou hospedado em um hotelzinho

da cidade e logo virou comentário de todos. Ele ficou

entusiasmado com a beleza da moça da lanchonete

que por sua vez se deixou influenciar pelos comentá-

rios maldosos dos outros e passou a acreditar que o

sujeito era mesmo um vampiro. E resolveu se preca-

ver ao ver o sujeito entrar na lanchonete e olhar para

ela com aquele sorriso desajeitado e aqueles dentes

irregulares e suas presas enormes.

Pensou logo: – É um vampiro mesmo! Não há

duvida... O sujeito sentou-se a mesa e fez lhe um

sinal, sem alternativa ela se aproximou para atendê-

lo. O sujeito pediu um refrigerante e alguns salgados

para saciar a fome. A moça trouxe o refrigerante e

apresou a lhe preparar duas coxinhas e um pastel

conforma a escolha dele.

Se ele era um vampiro então ela era o sangue

mais doce que ele havia cheirado naqueles últimos

anos. Ele nunca imaginou que um cheiro assim pu-

desse existir. Se ele soubesse que existia, ele já teria

saído procurando há muito tempo. Ele teria vascu-

lhado o planeta por ela. Ele podia imaginar o sabor...

Page 95: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

95

– Trouxe-lhe primeiro o pastel que pediu e

peço-lhe um tempinho para prepara lhe as coxinhas.

Argumentando que acabara de servir as ultimas para

outro cliente.

– Tudo bem! Mas eu posso escolher algo que

já esteja pronto e poupar-lhe o trabalho. Disse-lhe o

sujeito enquanto comia o pastel seguido de uma go-

lada do refrigerante e lhe sorriu novamente. Ela se

afastou desconfiada enquanto respondia.

– Não é trabalho nenhum moço eu faço ques-

tão de preparar, é rapidinho. Ele com a intenção de

agradá-la concordou.

– Obrigado moça! Você além de bonita é

muito gentil... Enquanto preparava a coxinha o ob-

servava com desconfiança e ele continuava a lhe sor-

rir então ela teve a infeliz ideia de rechear uma das

coxinhas com uma pedra.

Ao retornar com as coxinhas sobre uma ban-

deja, ela cuidadosamente serviu uma e manteve a

outra na bandeja lhe dizendo experimente primeiro

para ver se está do seu gosto, se não estiver eu tento

fazer melhor. Ele então experimentou e disse.

– Esta divinamente saborosa e novamente

deu-lhe um largo sorriso que a deixou apavorada. Ela

deixou a outra e saiu apressada e lá de longe ficou a

observá-lo e ele vice versa. Ele então terminou de

comer a primeira e partiu para a segunda. Ela já meio

arrependida, mas agora já tinha feito e não teria co-

mo voltar atrás, pensou e agora o que faço olhou a

porta dos fundos graças a deus estava aberta então

olhou ao sujeito. Ele pegou aquela coxinha e sempre

com o sorriso assustador levou a boca. Deu uma

Page 96: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

96

grande mordida seguida de um grito estarrecedor. Ela

saiu em disparada fugindo pela porta dos fundos en-

quanto o proprietário corria em socorro do sujeito

desdentado que segurava o dente quebrado em uma

das mãos e a coxinha recheada com perda na outra.

– Queira perdoar a irresponsabilidade da mi-

nha garçonete. Não nos denuncie, por favor, eu faço

questão de lhe pagar o melhor tratamento dentário.

Ele saiu dali direto para uma clinica odonto-

lógico e a moça reapareceu no dia seguinte para acer-

tar as contas com o patrão saiu dali e nunca mais foi

vista na cidade.

Page 97: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

97

Um Sujeito Contraditório

Era um sujeito muito contraditório, avarento

e calculista. Gostava de levar vantagem em tudo,

viver bem e gastar pouco. Mesmo que isso causasse

prejuízo a terceiros. Desdenhava a propriedade dos

outros com a finalidade de comprar a preço baixo.

Quando queria vender agregava valores fictícios.

Com isso o seu patrimônio só aumentava. Teve fácil

acesso a boas escolas e concluiu curso superior.

Graças ao enorme esforço de seu pai que tra-

balhou muito para lhe garantir uma educação de qua-

lidade. Devido ao seu egoísmo nunca soube reconhe-

cer o esforço de seu pai. Depois de formado e por

incentivo da família ele fez concurso publico e ocu-

pou um cargo de certa relevância. Muitas vezes faci-

litou a vida de alguém em troca de alguma vantagem.

Fazia vistas grossas a determinado ilícito caso lhe

conviesse. Mas nunca fez nada pra ajudar sua famí-

lia. Geralmente ele julgava mal ajuízo dos outros

apostando na indignidade humana. Quando ouvia a

noticia que alguém sofreu um acidente de trabalho

ele dizia logo.

– Certamente desobedeceu alguma norma de

segurança com a pretensão de ganhar o dinheiro do

seguro e com certeza vai processar o seu emprega-

dor. Acidentes automobilísticos eram por ele inter-

pretados sempre como falha mecânica e caberia pro-

cesso ao responsável. O pobre desempregado era

vagabundo e não queria trabalhar. Se não tem estudo

é por que não quis estudar.

Page 98: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

98

Um dia ele partiu dessa para melhor, o sujeito

chegou à alfândega do além. Estava meio confuso,

mas logo ele compreendeu que aquele era um local

desconhecido, estava ali pela primeira vez. Percebeu

também que levava uma mochila pesada nas costas

aquilo o incomodava então pensou em livrar-se do

fardo. Mas antes que ele conseguisse, ouviu uma voz

potente dizendo.

– O próximo, por favor! Olhou e viu que era

com ele, titubeou um pouco e o chamado se repetiu

agora de maneira mais intimidadora.

– Vamos logo rapaz, esta esperando o que?

Se aproxime de uma vez. Ao que ele se aproximou

timidamente. Olhou para aquele que julgara ser um

alfandegário vestindo um uniforme todo preto.

– Vamos ver o que tem em sua bagagem!

Retire tudo, eu preciso verificar o que você traz aí.

Ao abrir aquela mochila se deparou com vá-

rios objetos que lhe pareciam desconhecidos.

– Mas olha só o que você tem aqui! Exami-

nando o primeiro objeto.

– O que é? Perguntou ele sem entender direito

o que estava acontecendo.

– É avareza... Disse o homem de preto, pe-

gando outros objetos foi enumerando.

– Inveja, racismo, egoísmo, corrupção...

– Mas senhor isso não é meu.

– Não é seu? Então você roubou os pecados

de outro? Esta brincando com a minha cara é rapaz?

– A bem da verdade, eu não me lembro dessa

mochila e o seu conteúdo.

Page 99: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

99

O homem de preto continuou relacionando os

pecados do recém-chegado que ainda não estava en-

tendendo o que estava acontecendo. Enquanto isso

chegou outro homem ao que lhe pareceu outro funci-

onário da alfândega. Esse outro trajava um uniforme

cinza brilhante e aparentemente bem mais gentil.

– Mas o que é isso Capirôto? Intimidando o

recém-chegado? Perguntou ao homem de uniforme

preto.

– Não. Eu não estou intimidando ninguém!

Estou apenas adiantando o serviço. Já que alguém

não estava em seu posto.

– Você e suas insinuações maldosas! Disse

ele sorrindo.

– É de conhecimento geral. Que eu sou muito

solicitado em toda a terra...

A partir daí aquele clima de confusão na men-

te do recém-chegado do mundo dos vivos. Começou

a clarear então percebeu que estava prestes a ir para o

inferno e talvez aquela fosse a sua ultima chance.

– Desculpe-me interromper senhores! Pelo

que estou entendendo é aqui que será decidido. Se eu

vou para o céu ou para o inferno?

– É isso mesmo! Você é muito inteligente

meu caro rapaz! Disse lhe o homem de uniforme

cinza brilhante.

– Mas pelo que eu estou vendo em sua baga-

gem. A sua situação esta bem difícil! Falou em voz

baixa ao seu pé de orelha.

– O Capirôto está bem ansioso para levá-lo.

Mesmo assim de acordo com a lei. Todos são inocen-

tes ate que se prove o contrario. Dizendo isso se diri-

Page 100: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Contos Para Rir e Assustar

100

giu a um grande arquivo abriu uma gaveta e retirou

um livro. – Este é o seu livro da vida, disse-lhe.

– Pra que consultar este livro? O que ele traz

em sua bagagem já é suficiente. Disse o homem de

preto.

– Olha meu caro rapaz! Eu não gostaria, mas

vou ter que admitir. Não vejo nada que tenha feito

pra merecer a sua entrada no céu?

– Como assim? Eu facilitei a vida de muita

gente quando trabalhei no serviço publico.

– Claro! Sempre em troca de propina, e isso o

levaria ao inferno. Ao ouvir aquilo olhou atemoriza-

do para o homem de preto, que lhe retribuiu o olhar

com um sorriso intimidador.

– Diga-me pelo menos uma coisa boa que

tenha feito, em beneficio de teu semelhante que não

tenha sido pensando em levar alguma vantagem. Ele

pensou um pouco e disse.

– Estou lembrando uma. Certa vez eu passava

por uma rua deserta a noite e uma gangue de moto-

queiros estava tentando violentar uma jovem. Eu

consegui impedir. Quando vi aquilo foi num impulso

eu reagi e a moça conseguiu fugir e se safou.

– É mesmo? E como foi isso? Perguntou o

São Pedro.

– Eu fui pra cima do líder. Era um sujeito

grandão com uma barba estranha. Uma corrente pre-

sa na orelha direita e a outra ponta da corrente presa

no nariz. Eu arranquei com força a corrente dele. Os

outros largaram a moça e vieram todos pra cima de

mim. E eu corajosamente os enfrentei.

Page 101: Carlos Casturino Rodrigues · Carlos Casturino Rodrigues 3 Doce Velório A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada –

Carlos Casturino Rodrigues

101

– É mesmo? E quando foi isso? Perguntou o

São Pedro. Acho que foi mais ou menos há uns cinco

minutos, respondeu.